Você está na página 1de 50

Assine o DeepL Pro para t

Mais informações em ww

\RTIßORNERICR
CADERNOS DE CULTURA LATINO-AMERICANA

DARCY RIBEIRO
CULTURA LATINO-AMERICANA
COORDENAÇÃO DE HUMANIDADES
CENTRO DE ESTUDOS LAT INOAME R ICAN/
Facultad de F ilosof la y Letras
UNION DE UNIVERSIDADES
DE AME R ICA LATINA UMA
VEZ
CULTURA LATINO-AMERICANA
PoF
Darcy Ribeiro

UNIVERSIDAD NACIONAL AUTONOMA DE


MEXICO COORDINACION DE HUMANIDADES
Faculdade de Filosofia e Artes
UNIÃO DAS UNIVERSIDADES LATINO-
AMERICANAS
Darcy Ribeiro (1922), antropólogo e sociólogo
brasileiro, nasceu no Brasil em 1922.
esquerda, "latino-americano brasileiro", como ele gosta
de chamar. como ele gosta de
lhe chamar
A diáspora, que expulsou tantas pessoas do
Sua experiência latino-americana e sua inventividade
diante dela o levaram a trabalhar na Venezuela,
Uruguai, México, Chile, Peru, enriquecendo sua
perspectiva latino-americana e buscando, através
dela, aquela identidade aparentemente esquiva ou
difícil. Sua experiência latino-americana e sua
engenhosidade diante dela o levaram a cunhar
categorias de interpretação que não são mais aquelas
criadas pela chamada cultura ocidental, que muitas
vezes são enganosas. Esta América, América Latina,
vista do ponto de vista latino-americano, de suas
próprias experiências sociais, políticas, culturais e
ideológicas. Neste trabalho, Darcy Ribeiro levanta mais
uma vez a questão que Simón Bolívar já havia se
perguntado sobre a identidade desta nossa América. A
questão do ser de homens que se encontram, refletindo
sobre si mesmos, divididos, em conflito racial e
cultural. Mas é uma realidade da qual devemos partir
para integrá-los como nações e membros de uma
grande comunidade, uma comunidade que foi
moldada pelo colonialismo ibérico, mas da qual, numa
extraordinária inversão de valores, o sonho da Magna
Colômbia, a América Unida, deve ser constituído como
expressão do destino comum de seus povos.
A CU LTUR E LATINOAMERICANA

Darcy Ribeiro

1. As Américas no munao

No desprendimento da América da
monarquia espanhola, ela se encontrou
semelhante ao Império Romano, quando
aquela enorme massa caiu dispersa no meio
do mundo antigo. Cada desmembramento
formou então uma nação independente, de
acordo com sua situação ou seus interesses;
mas com a diferença de que esses membros
restabeleceram suas primeiras associações.
Não somos europeus, não somos índios,
mas uma espécie a meio caminho entre os
aborígines e os espanhóis. Americanos por
nascimento e europeus por direito, nos
encontramos no conflito de dar aos nativos
títulos de posse e nos manter no país onde
nascemos, contra a oposição dos invasores;
assim, nosso caso é o mais extraordinário e
complicado.

Discurso Bolívar, Angostura

A pergunta de Bolívar continua a ressoar: o que


somos nós, os povos americanos, entre os povos,
civilizações? Muito tem sido escrito sobre o assunto.
Muito tem sido escrito sobre os aspectos circunstanciais
e anedóticos. Muito pouco, infelizmente, tem sido
escrito sobre sua totalidade.

Esta deficiência se deve principalmente à falta de


uma teoria geral que explique o processo de formação e
transfiguração dos povos. O que tem tomado o lugar de
tal teoria são relatos etnocêntricos de eventos históricos
- principalmente europeus - e avaliações
quadrocêntricas dos efeitos do impacto da civilização
sobre as populações estrangeiras. Ambos

5
ingenuamente construído pela série cronológica de
eventos singulares - em termos de antecedentes e
seqüências - a hipotética reconstrução das civilizações e
a recontagem de certos eventos espetaculares. Em
alguns casos, estas narrativas são elevadas ao status de
interpretações de etapas ou passos unilineares numa
progressão necessária da evolução humana pela qual
todos os povos teriam passado.

A falha desta última forma de eKplication não está,


no entanto, como alguns acreditam, na postura
evolutiva implícita. Na verdade, em nossa opinião,
nenhuma eKplication para esta ordem de problemas
pode ser encontrada fora de uma teoria geral de
evolução sócio-cultural. Isto, entretanto, deve ser
elaborado em uma base temporal e espacial muito
mais ampla do que aquela proporcionada pelo
contexto histórico europeu. Só então será possível falar
de categorias verdadeiramente significativas em
termos universais e não apenas de teorizações da
história européia. Para este fim, os esforços de
generalização devem ser feitos com base em um quadro
mais representativo, dentro do qual a Europa não seria
um arquétipo, mas uma variante com tantas
singularidades quanto qualquer outra corrente
civilizacional em particular.

Esta ampliação da perspectiva histórica é imperativa para


nós americanos. É igualmente assim para todos os povos
não europeus, como a Islâmica, os indianos, os
chineses, os africanos, cujas formas de ser e cuja
posição na evolução humana só podem ser compreendidas
com base numa teoria baseada no que têm em comum,
como cristalizações singulares das etapas necessárias
no processo geral de formação e transformação dos
povos.

' Ver K. Marx (1857), L. H. Morgan (1877), F. Engels (1884),


E. Hobsbawn (1966), M. Godelier (1966), J. Chesneaux
(1966), J. Chesneaux (1966).
(1964), A. Viatkin n/d. R. Bartra (1969).
Nas últimas décadas, alguns antropólogos começaram a
confrontar estas questões° com o objetivo de fornecer pelo
menos novas fontes teóricas para a interpretação do
processo de formação dos povos americanos. Nossa própria
tentativa apresentada em um estudo sobre a evolução
sociocultural publicado em 1968 e em outro sobre as
configurações histórico-culturais dos povos americanos
(1970) é citada entre esses esforços. Na presente
introdução, utilizaremos alguns dos marcos conceituais
desenvolvidos nesses trabalhos, redefinindo-os quando
necessário.

No que diz respeito ao presente ensaio, tais esquemas


podem ser reduzidos a três abordagens distintas, mas
complementares. Primeiro, uma classificação das etapas gerais
de evolução que permitiu a definição das formações
econômicas e sociais discerníveis nas Américas do
passado e do presente. Em segundo lugar, um estudo das
configurações histórico-culturais, como grandes categorias
de povos homogeneizados por processos de formação
similares. Terceiro, uma apreciação das vicissitudes
vividas pelas tradições culturais européias em seu
transplante para os espaços americanos e sua adoção por
novos povos, indígenas e africanos, que têm suas próprias
características culturais.
2. (Há uma América Latina!

Não pode haver dúvidas de que existe. Vamos, no


entanto, nos aprofundar em seu verdadeiro significado.
No nível lingüístico-cultural, nós latino-americanos somos
talvez uma categoria tão pouco homogênea quanto o
mundo neo-britânico de povos predominantemente de
língua inglesa. Isto pode parecer insuficiente para
aqueles que falam da América Latina como uma entidade
concreta, uniforme e atuante, esquecendo que

2 V. Gordon Childe (1934, 1937, 1946 e 1951), Leslie Withe


(1949 e 1951), Julian H. Steward (1955a, caps. I e II;
1955b); K. Wittfogel (1955 e 1964), A. Kroeber )1944,
1952, 1962), R. Linton (1955), E. R. A. Palerm e E. Wolf
(1961), R.McAdams(1967).
Esta categoria inclui, entre outros, brasileiros,
argentinos, mexicanos, haitianos e a invasão francesa
do Canadá, devido à sua uniformidade essencial como
neolatinos. Em outras palavras, povos tão diferentes uns
dos outros como os norte-americanos são de
australianos e africanos, por exemplo. A simples
enumeração mostra a amplitude das duas categorias e
sua utilidade limitada.

Se reduzirmos a escala do latim para o ibérico,


encontramos uma unidade um pouco mais uniforme.
Na verdade, ela não era muito homogênea porque
quase não excluía os descendentes da colonização
francesa. Brasileiros, cubanos, porto-riquenhos, porto-
riquenhos, chilenos, etc., permaneceriam nesta
categoria. Do ponto de vista de cada uma dessas
nacionalidades, sua própria substância nacional tem muito
mais singularidade e vigor do que o denominador
comum que os torna ibero-americanos.

Se reduzirmos ainda mais a escala, podemos


distinguir duas categorias contrastantes. Um conteúdo
luso-americano que reúne todas as outras. As
diferenças entre uma e outra são pelo menos tão
relevantes quanto as que distinguem Portugal da
Espanha. Como pode ser visto, isto não é muito
significativo, dada a pequena variação lingüística que
não se torna um obstáculo à comunicação e dada a
história comum, interagindo, embora às vezes
conflitante.

Olhando para a América Latina como um todo,


pode-se observar certas presenças e ausências que
colorem e diversificam o quadro. Por exemplo, a
presença indígena é notória na Guatemala, no México,
no Altiplano Andino e, como herança que se afirma
inclusive lingüisticamente, também no Paraguai e, em
menor grau, no Chile. Será que tal característica
tornará possível compor uma categoria separada de
indo-americanos? É improvável que se possa chegar a
uma tipologia explicativa nesse sentido. Todos os povos
latino-americanos têm uma de suas raízes genéticas e
culturais nos aborígines, mas sua contribuição tem
sido tão absorvida que, qualquer que seja o destino
das populações indígenas sobreviventes, isso não
afetará sua sobrevivência.
8
O destino nacional não será alterado
significativamente, nem sua composição étnica será
grandemente alterada. Em outras palavras, o embaçamento,
absorção e estrago das populações indígenas foi realizado
ou está em andamento e tende a homogeneizar - embora não
a fundir - todas as matrizes étnicas em modos
diferenciados de participação na mesma etnia
nacional.
Outro componente que diferencia o quadro,
emprestando-lhe aspectos particulares, é a presença de negros
africanos, que estão maciçamente concentrados na costa
brasileira da colonização mais antiga e nas áreas de
mineração, e também nas Índias Ocidentais, onde as
plantações de açúcar floresceram. Fora destas regiões,
existem vários bolsões negros na Venezuela,
Colômbia, Guiana, Peru e em algumas áreas da América
Central. Aqui novamente, a absorção e a assimilação foram
alcançadas a um ponto que americanizou este contingente da
mesma forma que os outros, ou talvez mais
completamente do que qualquer outro. É verdade que
as reminiscências africanas em folclore, música e religião
são palpáveis nas áreas onde o influxo negro foi maior.
Sua persistência só pode ser explicada, no entanto,
pelas condições de marginalidade dessas populações e
em nenhum caso constituem quistos inassimiláveis aspirando à
autonomia.

Outras intrusões, como os japoneses no Brasil, os


chineses no Peru, os indianos nas Índias Ocidentais, também
diferenciam certas áreas, emprestando um sabor especial à
sua cozinha e se afirmando em certas outras esferas. O que é
notável nestes casos, como é também o caso dos negros, é
que estamos na presença de povos que trazem consigo uma
marca racial distintiva em relação ao resto da população.
Este fato obviamente tem conseqüências. Principalmente a
de não facilitar o conhecimento de uma assimilação que
já foi alcançada ou que só não é plenamente alcançada
devido à persistência de marcas raciais que permitem
que as pessoas continuem a ser tratadas como ne- gro ou
como nizei (o descendente dos japoneses), ou como
chineses, ou como indianos, pessoas que só o são em seu
fenótipo, dada sua total aculturação e sua integração no
quadro étnico nacional.
Antropólogos particularmente interessados nas
singularidades destas populações produziram uma vasta
literatura que destaca, talvez excessivamente, as diferenças.
De fato, é possível elaborar longas listas de
sobreviventes culturais que nos permitem ligar estes
números às suas matrizes de origem. Entretanto, mais uma
vez, as semelhanças são mais significativas do que as
diferenças, já que todos estes contingentes estão
totalmente "americanizados". Linguística e culturalmente,
eles são pessoas de seu próprio país e até mesmo "nosso
povo" na identificação emocional comum das populações com
as quais vivem. Suas peculiaridades, que tendem a
desvanecer-se, dificilmente os tornam membros
distinguíveis da comunidade nacional com base em sua
origem remota. O mesmo se aplica aos componentes dos
contingentes europeus não iberianos que chegaram mais
recentemente. Cada um deles representa uma forma especial
de participação, nem superior nem inferior ao ser nacional
que lhes permite serem definidos de forma restrita como,
por exemplo, peruanos, italo-argentinos, teuto-chilenos,
nipobra brasileiros, ou brasileiros de origem
muçulmana, etc.

Mesmo que os fatores de diversificação superem os de


uniformidade, certas diferenças visíveis podem, às vezes,
ter um significado social discriminatório. É o caso, por
exemplo, do paralelismo entre a cor da pele e a pobreza,
que dá origem à estratificação social de base étnica.
Assim, os contingentes negros e indígenas que tiveram que
enfrentar os maiores obstáculos para passar da condição de
escravos para a de proletários estavam concentrados
principalmente nos estratos mais pobres da população.
Ainda hoje, eles enfrentam a discriminação decorrente da
expectativa generalizada de que ocupam posições
subordinadas, o que dificulta sua ascensão aos degraus mais
altos da escada social. Aparentemente, o fator causal
está localizado na presença de uma marca racial
estigmatizante, quando na verdade só pode ser explicado
pelas vicissitudes do processo histórico.

Em qualquer caso, permanece o fato de que a cor da pele


ou certas características fenotípicas pretas e indígenas,

10
Embora funcionem como indicadores de um status social
inferior, continuam sendo um ponto de referência para os
pré-conceitos que pesam sobre eles.

Embora presente na América Latina, e muitas


vezes de forma acentuada, o preconceito racial nunca
assume o caráter discriminatório e o peso isolacionista que
assume, por exemplo, nos Estados Unidos. Ali, a
discriminação é dirigida contra pessoas de descendência
africana ou indiana, independentemente da intensidade da
marca racial que elas carregam, e tende a excluí-las do
corpo social, pois a mistura com elas é considerada
indesejável. Na América Latina, o preconceito racial é
predominantemente de marca e origem (Oracy Nogueira,
1955). É
O Comitê considera que o ônus recai sobre uma pessoa em
proporção a seus traços racialmente diferenciadores e
implicitamente incentivadores
A miscigenação é miscigenação porque visa "branquear" e
homogeneizar toda a população. Entretanto, isto é sem
dúvida um preconceito racial porque a sociedade só admite
os negros ou os indigenas como futuros mestiços,
rejeitando seu tipo racial como um ided humano. Mas é
um preconceito menos grave porque discrimina o fenótipo
negróide e indígena porque ainda não é di-dirigido na
população majoritariamente mestiça, cujo ideal de
relações inter-raciais é a fusão.

Além das referências cruzadas de tantos fatores


diferenciadores - a origem do colonizador, a presença ou
ausência do contingente indígena e africano e outros
componentes - o que se destaca no mundo latino-
americano é a unidade do produto resultante da expansão
ibérica. Com todos esses contingentes - presentes em
maior ou menor grau em uma ou outra região - foram
construídas sociedades nacionais cujas populações são o
produto da reprodução cruzada e que querem continuar a se
desenvolver. Em nenhum caso encontramos os Araucanianos
ou Andinos originais, nem os europeus ou asiáticos ou
africanos como eram quando se separaram de suas
matrizes. Todos eles são Novos Americanos cujas visões
de mundo, estilos de vida, aspirações e aspirações
para o futuro
Os dois - essencialmente idênticos - fazem deles
uma das faces do fenômeno humano. Em um certo
sentido mais
A razão disso é que, ao amalgamar pessoas de todos
os quadrantes da Terra, foram criados povos mestiços,
cujas faces etno-culturais contêm heranças tiradas de
todas as matrizes da humanidade. Essas heranças, ao se
espalharem em vez de se concentrarem em quistos étnicos
e ao se imporem na matriz básica
-mais ibérica em alguns países, principalmente
indígenas ou africanos em outros- matizou o painel
latino-americano sem dividi-lo em componentes opostos
entre si. O que se destaca como explicativo é, portanto,
mais uma vez, a uniformidade e o processo de
homogeneização.

Esta mesma homogeneização contínua também é


evidente em outros níveis, tais como o lingüístico e
cultural. De fato, os idiomas falados na América Latina e os
respectivos complexos culturais são muito mais
homogêneos do que os das respectivas nações
colonizadoras, e talvez do que os de qualquer outra área
do mundo, exceto a neo-britânica. Na verdade, o espanhol, o
português e o inglês falados nas Américas
experimentaram menos variações regionais do que os das
nações de origem. O espanhol falado na América Latina,
apesar de cobrir uma área muito grande e com sotaque
regional variável, não se desenvolveu em um dialeto,
enquanto que em Esparta, várias línguas mutuamente
ininteligíveis ainda são faladas. O mesmo é válido para os
idiomas português e inglês. Em outras palavras, o
espanhol, o português e o inglês, que nunca conseguiram
engolir e assimilar os bolsos lingüísticos e dialetais de
seus pequenos territórios, impuseram às suas colônias
vastamente maiores uma uniformidade lingüística quase
absoluta e uma homogeneidade cultural igualmente
notável quando se mudaram para as Américas.
A expressão América Latina tem conotações ainda mais
significativas além da esfera lingüística e cultural. São,
em primeiro lugar, aquelas decorrentes da oposição entre
anglo-americanos e latino-americanos que, além de seus
diferentes conteúdos culturais, contrastam fortemente
em termos de antagonismos sócio-econômicos. Os
dois componentes se alternam, já que as Américas e
a América Latina estão em um estado de
A América rica e a América rica pobre, com posições
assimétricas e relações de poder em um pólo e
dependência no outro. Pode-se dizer que, de certa forma, é
principalmente como suplentes da "América rica" que os
latino-americanos são referidos sob a mesma rubrica.
Outra conotação bipolar vem da visão de outros países
com respeito à América Latina, que unificam e confundem
nossos países como variantes do mesmo padrão de povos,
todos resultantes da colonização ibérica e todos
percebidos como atrasados e subdesenvolvidos. Esta
visão arquitetônica externa, apesar de ser construída
com as vantagens e desvantagens da distância e da
simplificação, é talvez a mais verdadeira. Por que
insistimos que somos brasileiros e não argentinos, que
nossa capital é Brasília e não Buenos Aires, ou que
somos chilenos e não venezuelanos, ou que nossos
ancestrais indígenas são os Incas porque os astecas
pertencem aos mexicanos? O observador distante pode
argumentar:
Vocês não são todos descendentes da matriz indígena, aqueles
resultantes da colonização ibérica?
Aqueles que se emanciparam durante o mesmo movimento
de descolonização? Aqueles que, após se tornarem
dependentes, hipotecaram seus países, sem distinção, a
banqueiros britânicos? Aqueles que foram e estão sendo
recolonizados por corporações americanas?

Assim, voltamos à uniformidade inicial. Pouco


importa que não seja claramente percebida em cada
entidade nacional, embora cada nacionalidade seja um
esforço para destacar as singularidades como um
mecanismo de autoglorificação e auto-afirmação, o que só
faz sentido para aqueles que compartilham as mesmas
lealdades étnicas. Isto é certamente evidente para as
pessoas de fora. O que explica a resistência à assimilação de
ilhas lingüístico-culturais como o País Basco, a Catalunha ou
mesmo as regiões de dialeto português ou espanhol, em
comparação com a flexibilidade de contingentes tão
diferenciados como os que formaram os povos latino-
americanos? A explicação talvez esteja nas características
destrutivas do próprio processo de formação dos povos
americanos,
que são sua intencionalidade e violência. Aqui a metrópole
colonialista tinha um projeto explícito com objetivos
muito claros, agindo da maneira mais despótica. Ela
conseguiu quase imediatamente subjugar a sociedade,
paralisando a cultura original e transformando a população
em uma força de trabalho submissa. A prosperidade do
empreendimento colonial também contribuiu para a
homogeneização, quer seja
A primeira etapa foi a pilhagem da riqueza acumulada ao
longo dos séculos e a posterior apropriação da produção
mercantil sob diversas formas. Isto permitiu a criação
de uma vasta burocracia militar, governamental e
eclesiástica para governar a vida social em todos os detalhes.
Empresas produtivas foram criadas de acordo com planos
precisos. Cidades e cidades foram dispostas por atos
de vontade, com ruas dispostas de acordo com um
padrão pré-estabelecido e edifícios modulados de
acordo com características pré-estabelecidas. As
várias categorias etno-sociais que foram formadas
também tiveram sua vida inteira regulamentada: que
empregos podiam aspirar, que roupas e até que tipo de
jóias podiam usar, e com quem podiam se casar.
Toda esta organização tinha um objetivo
primordial em vista: defender e prosperar a colônia
para o uso da metrópole. E um objetivo secundário,
ainda que apresentado como fundamental: criar um
ramo da sociedade metropolitana que fosse mais fiel à
ideologia missionária católica. As classes dominantes
nativas, como gerentes daquele alistamento colonial e
reprodução cultural, nunca formaram o cume de uma
sociedade autônoma, mas sim uma camada gerencial de
cômodos e legitimadores da colonização. Uma vez que
suas sociedades foram independentes, o caráter
exógeno dessas classes dirigentes forjadas no período
colonial e seus próprios interesses as induziram a
continuar governando suas nações como cônsules de
outras metrópoles. Para este fim, estabeleceram uma
ordem sócio-econômica e política apropriada e
promoveram a criatividade cultural como
representação local de tradições culturais estrangeiras.
A intencionalização do processo levou, por um
lado, a uma busca de racionalidade como um esforço
para alcançar os efeitos pretendidos através de ações
eficazes. Y
Por outro lado, à determinação de realizar os desejos
dos colonizadores na forma de um projeto estranho às
aspirações da massa da população recrutada como força
de trabalho. Em nenhum momento do processo de
colonização esses contingentes alistados na produção
constituem uma comunidade para si mesmos, com
aspirações próprias que possam realizar como
requisitos elementares de sua sobrevivência e
prosperidade. Ao contrário, eles constituem um
combustível humano na forma de energia muscular a
ser consumida para a produção de commodities
exportáveis.

Pouco a pouco, uma contradição irredutível está


surgindo entre o projeto do colonizador e os interesses
da comunidade emergente. Em outras palavras, entre
os objetivos e procedimentos da classe dominante
subordinada e a maioria da população que era
objeto do empreendimento colonialista. Para esta
população, o desafio colocado ao longo dos séculos foi
o de amadurecer como um povo para si mesmo,
consciente de seus próprios interesses, aspirando a
co-participar no comando de seu próprio destino. Dada a
oposição de classe, tratava-se de alcançar estes
objetivos através da luta contra os grupos dominantes
que gerenciavam a antiga ordem social diferenciada.
Este é ainda hoje o nosso principal desafio.

Em resumo, ninguém ignora que a contiguidade conti-


nental da América Latina não corresponde a uma
estrutura sócio-política que a unifica. Pelo contrário,
sobre essa base física existem duas dúzias de povos
organizados como nacionalidades emolduradas por
singularidades, algumas delas dificilmente viáveis como
estruturas dentro das quais um povo pode realizar seu
potencial. A unidade geográfica em si nunca atuou como
um fator unificador porque os diferentes implantes
coloniais dos quais nasceram as sociedades latino-
americanas coexistiram sem coexistir durante séculos.
Cada um deles estava diretamente relacionado com
a metrópole colonial. Ainda hoje, os latino-
americanos ainda vivem como se fôssemos um
arquipélago de ilhas que se comunicam por mar e ar e
que na maioria das vezes se voltam para fora, em
direção aos grandes centros econômicos do mundo.
As mesmas fronteiras latino-americanas que percorrem a
cordilheira do deserto ou a selva impenetrável isolam
em vez de mitigar. As mesmas fronteiras latino-
americanas que correm ao longo da cordilheira do deserto ou
da selva impenetrável isolam em vez de comunicar e
raramente tornam possível a coexistência em massa.

Apesar destes fatores de diversificação, um motor de


unidade e integração está em ação na América Latina,
tendendo a unificá-la e a unificá-la. Isto se deve ao
fato de ser o produto do mesmo processo civilizatório -
a expansão ibérica - que estabeleceu suas bases aqui,
com uma prodigiosa capacidade de crescimento e
multiplicação. Diante desta unidade essencial do
processo civilizatório e seus agentes históricos, os
ibéricos, as outras matrizes aparecem como fatores de
diferenciação. Os grupos indígenas, por mais variados
que fossem em seus padrões culturais e graus de
desenvolvimento, só teriam contribuído para a diversificação
se tivessem sido o fator predominante. Os núcleos africanos,
por sua vez, vindos de uma miríade de povos, também teriam
criado múltiplas raças no novo mundo se tivessem
imposto sua marca cultural de forma dominante.

A unidade essencial da América Latina vem, como se


pode ver, do processo civilizatório que nos moldou -
especificamente a expansão mercantil ibérica - gerando
uma dinâmica que levou à formação de um grupo de povos,
não só único no mundo, mas também cada vez mais
homogêneo. Quando ocorreu um novo processo
civilizatório, impulsionado pela Revolução Industrial,
a América Latina se emancipou do domínio ibérico, no mesmo
impulso que o fragmentou em múltiplas unidades
nacionais. O processo civilizador em ação hoje, agora
impulsionado por uma nova revolução tecnológica, tende a
re-aglutinar os povos latino-americanos como uma das
faces através das quais a nova civilização se
expressará, e talvez engendrar a entidade política
supranacional que no futuro será a estrutura dentro da
qual os latino-americanos viverão seu destino.

Nosso tema, nas páginas seguintes, é o estudo da


natureza desses processos civilizacionais, do
As características das configurações dos povos que
moldaram e as restrições que impuseram à criatividade
cultural na América Latina.

3. F - Reformas socioeconômicas

Como classificar os povos americanos do passado e do


presente? As tipologias usuais são incapazes de abranger
toda a gama de variações que estão na raiz de seu processo
formativo. Vão desde povos tribais que viveram e vivem da
caça e da coleta até povos agrícolas que domesticaram
sozinhos plantas essenciais como milho, mandioca, batata,
tabaco, algodão, entre muitas outras; e sociedades
diversas que se desenvolveram até o nível de altas
civilizações.

As primeiras eram microetnicidades com populações de


apenas cem pessoas, mas com sua própria língua e
cultura. As últimas variavam de tribos organizadas
unicamente com base no parentesco a estados estruturados
sobre grandes territórios, e outras, ainda maiores,
constituíam verdadeiros impérios, centros de poder baseados
em metrópoles com populações de milhões, estratificadas em
classes e com vastos corpos de estudiosos.

Esta foi a América pré-colombiana onde os europeus


desembarcaram na última década do século XV e que nos
séculos e milênios anteriores construíram de forma auto-
suficiente essas formações econômicas e sociais,
fazendo-as florescer como civilizações originais.

Mesmo para o período seguinte à conquista e


subjugação dos povos pré-colombianos, não temos
categorias teóricas adequadas. As sociedades e estados
coloniais estruturados após a independência seriam
"escravos"? seriam "feudais" ou "semi-feudais"?
seriam "capitalistas"? Estes catego- ries, tão imbuídos
de significado quando aplicados à Roma imperial, Europa
medieval, Inglaterra vitoriana, aqui perdem seu frescor e
poder explicativo. Provavelmente porque eles procuram
descrever
A civilização européia de 2000 a.C. e a civilização árabe de
1000 d.C., que não se encaixam em uma seqüência e que, ao
mesmo tempo, fluiram em paralelo em uma única sucessão de
desenvolvimento histórico. Não há dúvida de que houve
civilizações como a civilização egípcia de 2000 a.C., ou a
civilização árabe de 1000 d.C., que não se encaixam em uma
seqüência, e que muitas outras floresceram em paralelo,
igualmente excluídas destas categorias simples. Como se
pode ver, estamos diante de uma teorização que é
emocionalmente satisfatória e dignificante para a
perspectiva histórica européia, mas insuficiente e
inadmissível no plano eKplicativo porque, sendo traçada a
partir de uma base factual restrita e pouco
representativa, é inaceitável para uma visão mais ampla e
inclusiva.

Além de seus percalços no nível da universalidade, estas


categorias também são deficientes no próprio campo da
historicidade. Isto porque implicam a idéia de uma
concatenação histórica concreta de antecessores e
sucessores que colocaria os gregos e romanos e os
belgas e australianos na mesma linha inquebrável.
Entretanto, pode-se perguntar: os gregos e os romanos
são os avós dos europeus, como estes últimos gostam de
pensar, ou são antes os ancestrais da Bizâncio e do Islã, a
quem legaram a mão-de-obra, as habilidades, os conhecimentos
e a arte numa época em que a Europa feudalizada não
poderia herdá-los? Por outro lado, todas as sociedades
europeias pré-feudais são feudais e, por exemplo, os povos
ibéricos do século XVI, unificados e impulsionados por
um forte impulso eKpansionista, e os principados
germânicos da época, dispersos e desarticulados, se
enquadram na mesma categoria?

Estas são construções visivelmente eurocêntricas


com dois efeitos de distorção. Primeiro, o de explicar o
mundo atual com base em uma visão circunstancial
que, ao elaborar uma seqüência histórica na qual
escravidão, feudalismo e capitalismo se sucederam,
promove esta seqüência à categoria de etapas de uma
linha evolutiva necessária para toda a comunidade
ecumênica, quando, de fato, ela se baseia apenas na
interpretação da história européia. Em segundo lugar,
ela produz um ponto cego para os teóricos europeus
que, acreditando que estão provando que foram capazes
de entender a

18
Desta forma, eles não conseguem perceber toda a história.
Como resultado, eles distorcem a história humana ao
projetar suas categorias etnocêntricas sobre ela.

A compreensão do processo de formação dos povos


americanos em termos de estágios de evolução
sociocultural não pode ser alcançada dentro desta
estrutura, pois não corresponde aos fatos relativos ao
mundo extra-europeu e não pode explicá-los. Estes,
por sua vez, somados ao que é conhecido hoje sobre
outras correntes civilizacionais, podem nos fornecer uma
base mais ampla e até mesmo uma base para
reformular nosso próprio esquema evolutivo. Somente
repensando a teoria da evolução com base em nossa
experiência como povos ex-europeus, podemos
corrigir as limitações da perspectiva eurocêntrica,
criando uma estrutura conceitual mais abrangente que
explique melhor nossa própria posição e interprete
ainda melhor a posição dos povos europeus como uma
variante das potencialidades do fenômeno humano.
Tentamos contribuir para a compreensão deste
problema em um estudo anterior (1968). O esquema
conceitual que desenvolvemos se baseia na redefinição
de uma série de conceitos e sua integração sob a forma
de uma teoria geral, embora larvar, explicativa. A
diretriz fundamental está no reconhecimento de que a
evolução sociocultural pode ser reconstruída com base
em uma série de revoluções tecnológicas gerando
múltiplos processos civilizacionais que deram origem a
várias formações sócio-econômicas ou socioculturais.
Neste contexto, as revoluções tecnológicas consistem
em transformações prodigiosas nas técnicas produtivas
que, uma vez amadurecidas, geram antagonismos com
as formas de associação anteriores e com os corpos
ideológicos existentes, provocando mudanças sociais e
culturais que tendem a refazer as formas de ser e
pensar das sociedades afetadas por elas.

Os processos civilizacionais desencadeados pela


mudança tecnológica, operando de várias maneiras,
levam ao surgimento de pontos focais dinâmicos
correspondentes.
Estes centros, espalhados por áreas contíguas ou
distantes, constituem, através da interação com outros
povos, constelações matro-étnicas estruturadas sob a
forma de impérios mais ou menos rigidamente ligados.
Estes centros, espalhados por áreas contíguas ou distantes,
constituem, através da interação com outros povos,
constelações matro-étnicas estruturadas na forma de
impérios mais ou menos rigidamente unidos. Todos os
povos envolvidos nestes movimentos são
transfigurados. Mas eles o fazem de duas formas diferentes,
dependendo se experimentam movimentos acelerados de
autoconstrução que os moldam como povos autônomos que
existem para si mesmos, ou movimentos reflexivos de
atualização ou modernização que moldam povos
dependentes, objeto de dominação colonial pelos
primeiros.

A certa altura, estes amadurecem e tendem a reverter


para o centro governante, a fim de lançar fora seu jugo.
Estas reversões são freqüentemente seguidas de períodos de
regeneração ou feudalização em que a velha unidade imperial
se rompe em miríades de núcleos autárquicos até que um
deles se torna ativo e se expande, reproduzindo o
processo na forma de uma nova expansão imperial,
essencialmente a mesma que a anterior se sua dinamização
ocorrer no corpo do mesmo processo civilizacional, ou seja,
na base da mesma revolução tecnológica. O feudalismo
não constitui, nesta concepção evolutiva, mas sim uma
repressão provocada pela reversão do contexto dominado
sobre o centro governante, ou pela saturação das
potencialidades de uma civilização como resultado da
exaustão de seus recursos, ou pela explosão das tensões
geradas entre classes antagônicas dentro de uma mesma
sociedade.

Como pode ser visto, os processos civilizacionais


correspondem tanto a movimentos de transfiguração
interna de uma sociedade desencadeados por uma
revolução tecnológica, quanto à propagação de seus
efeitos em diferentes contextos socioculturais através
da expansão colonial.

Do ponto de vista do grupo étnico ativador e em expansão, o


processo de civilização é um movimento de aceleração
evolutiva pelo qual se move de uma etapa evolutiva para
outra, preservando ao mesmo tempo sua autonomia no comando
de seu próprio destino. Do ponto de vista dos povos
O processo civilizador é um movimento de
atualização ou incorporação histórica que os coloca
sob o domínio de um centro governante, fazendo-os
também passar de uma etapa evolutiva para outra,
mas com a perda de sua autopropriedade e através de
sua conversão no proletariado externo de outros povos.
Ou seja, como fornecedores de força de trabalho ou de
produtos destinados a promover a prosperidade de
outros.
Em ambos os casos, processos traumáticos de
transfiguração étnica acontecem. No primeiro caso,
entretanto, operam mecanismos de autocorreção, que
compensam os fatores dissociativos, revigorando as
respectivas sociedades ao mesmo tempo em que elas
são transfiguradas. No segundo caso - de atualização
ou incorporação histórica - muitas vezes há uma
completa traumatização da sociedade subjugada. Isto
ocorre quando há uma desculturação drástica da
população, seja em seu próprio território ou nas áreas
para as quais eles são transferidos, na condição de
escravos. Algo semelhante acontece nos casos de
aculturação compulsiva, o que não deixa escolha entre
os elementos estrangeiros oferecidos, muito menos a
preservação de suas próprias formas de organização
social e distribuição dos produtos do trabalho.

Como a incorporação histórica é sempre exercida


por um povo ativado por uma revolução tecnológica, o
processo assume uma superioridade em relação a
setores específicos da tecnologia, e conseqüentemente
estabelece relações assimétricas e inerentemente
saqueadoras entre o dominador e o dominado. A
superioridade a que nos referimos se limita à
revolução tecnológica experimentada anteriormente e
não à cultura como um todo. Entretanto, armada com
o poder da brecha evolucionária, a cultura da
sociedade em expansão tende a se impor - exceto em
casos excepcionais - sobre a sociedade dominada,
desafiando suas tradições com novos corpos de valores
e provocando uma verdadeira transfiguração cultural.

A Tabela I retrata revoluções tecnológicas, processos


civilizacionais e as respectivas ecoformações.

21
Desenvolvimentos tecnológicos e processos de Paradigmas
civilização econômica e social históricos

1. Revolução agrícola Aldeias agrícolas indiferenciadas Tupinambá (16° c.)

Expansão da Hordas de pastores nômades Guaikurü (18º c.)


pastorícia
2. Revolução urbana Estados rurais coletivistas aretesanos Mochicha(2º c.); Chipcha(10º c.)

Expansão de Privatização de estados rurais artesanais Fenícios (século 20 a.C.)


escravos

Segunda expansão pastoral Nômades pastores chefes de Hicksos (18 a.C.); Huns (N.c.)
pastores

3. Revolução da irrigação 6. Revolução mercantilista Impérios teocráticos de irrigação

4. Revolução metalúrgica Expansão colonialista Impérios mercantes

5. A revolução Impérios despóticos dos Salvacionistas


pastorilista
Impérios mercantilistas salvacionistas
Colônias de escravos Asteca fs. XfV); Mayan(13º c.);
Inca(15º c.)

Grécia(5º a.C.); Roma(2º

c.) Islã(7º c.);

Otomano(15º c.) Portugal

e Espanha(16º c.)

Brasil(16º c.); Cuba(18º

c.)
Revoluções tecnológicas e Formações Paradigmas
processos civilizacionais econômico-social históricos

Colônias mercantes Guiana (20 c.)

A expansão capitalista Capitalismo mercantil Inglaterra(17º c.); Holanda(18º c.)

Colônias colonizadoras Nova Inglaterra(18 c.) Inglaterra(19

7. Revolução Industrial Imperialismo industrial c.); EUA(20 c.) Brasil(20 c.);

Expansão Colonial Dependências neocoloniais Venezuela(20 c.) Cuba(1960)

Expansão Socialista Socialismo revolucionário México(1940); Ophiria(1952); Peru


(1970)
Modernização do
Chile (1971-?)
nacionalismo

8. Revolução termonuclear Socialismo evolucionário

Parcerias futuras
Nesta tabela, podemos ver a sucessão de revoluções
tecnológicas, desde a revolução agrícola até a revolução
termonuclear, bem como as respectivas formações
econômicas e sociais, desde a revolução agrícola até a
revolução termonuclear. Esta tabela mostra a sucessão
das revoluções tecnológicas, desde a revolução
agrícola até a revolução termonuclear, bem como as
respectivas formações econômicas e sociais, que vão
desde as aldeias agrícolas indiferentes até as formações
socialistas. Ela mostra que os modelos básicos da
evolução humana estão representados na América.

No entanto, algumas formações não ocorreram aqui.


São aquelas correspondentes aos estados rurais
artesanais do modelo privatista, baseadas na
propriedade privada; as formações decorrentes do
desencadeamento da revolução metalúrgica que, ao
difundir o uso de ferramentas de ferro, permitiu a
expansão de certos estados rurais artesanais sobre
vastas áreas florestais de clima temperado, algumas
delas amadurecendo em impérios mercantis escravos,
como foi o caso da expansão grega e romana.

A expansão das hordas pastorais nômades também está


ausente, o que significou que as populações americanas
deixaram de experimentar seu grande poder dinâmico. De
fato, este tipo de expansão ativou vários povos pastorais
nômades e os lançou sobre altas civilizações, como
exemplificado pelos "povos areanos" no contexto da
civilização egípcia, que foi invadida várias vezes pelos
"bárbaros" que destruíram o Império Romano e os Tatar-
Mongóis que invadiram e feudalizaram a Índia e a China
várias vezes. Em todos estes casos, eles destruíram as
altas civilizações e os mergulharam em regressões
feudais. Ainda em falta nas Américas foi a revolução
pastoral que, a partir do século XI, ativou os povos
islâmicos nômades, lançando-os em áreas feudalizadas,
mas agora com a capacidade de ativá-los e reagrupá-los em
uma nova formação: os despóticos impérios
Salvacionistas.

Todas as outras revoluções tecnológicas e modos


gerais de processos civilizacionais estão presentes
nas Américas, assim como as formações econômicas e
sociais que lhes correspondem. Existe, no entanto,
uma diferença básica entre a progressão pré-1500 e
pós-1500. A primeira foi um desenvolvimento bastante
autárquico que levou inúmeros povos a
experimentarem independentemente movimentos de
aceleração evolucionária. Em outras palavras,
inovações correspondentes às primeiras revoluções
tecnológicas se desenvolveram de forma autônoma
em todos os continentes e produziram os mesmos
efeitos em todos os lugares. A progressão após 1500
foi, ao contrário, unitária, espalhando-se para toda a
área ecumênica a partir dos primeiros focos,
principalmente através de movimentos reflexos. A
partir de então, a evolução humana e a história mundial
começaram a percorrer os mesmos caminhos,
integrando todos os povos nos mesmos processos
civilizatórios.

A Europa, desencadeada pela revolução mercantil


(século XVII) e posteriormente pela Revolução
Industrial (século XVIII), amadureceu através da
aceleração evolutiva alguns núcleos civilizadores que
se expandiram sob a forma de movimentos de
incorporação ou atualização histórica no mundo,
estagnando os processos de amadurecimento de outras
civilizações que ainda hoje estavam vivas. Os povos
americanos, assim como os povos africanos e asiáticos
que foram subjugados e em grande parte exterminados
neste movimento, viram sua própria criatividade
civilizadora parar e foram colonizados e transformados
em proletariados externos das potências européias no
curso de um processo civilizatório único que já
abrangia o mundo inteiro naquela época.

Movimentos de incorporação histórica também


ocorreram no período pré-colombiano, através da
dinamização de núcleos ativados por revoluções
tecnológicas que se expandiram sobre seus contextos,
criando grandes impérios como os impérios Inca e
Asteca. Enquanto isso, os impérios que se seguiram,
governados por potências européias, paralisaram
drasticamente as linhas anteriores de evolução.
O processo de transfiguração étnica que tem
ocorrido desde então também tem sido muito mais
violento e con

25
manchado do que em outras áreas. As sociedades africanas,
por exemplo, embora dizimadas como fornecedoras de
milhares de escravos, foram capazes de preservar a
relativa autonomia étnica, enquanto todas as populações
indígenas americanas impactadas pela expansão européia
ficaram permanentemente presas, traumatizadas e
transfiguradas.
O impacto europeu sobre as altas civilizações orientais
também foi mais violento. Assim, os chineses, os
indianos e mais tarde os egípcios, turcos e indochineses
conseguiram manter, em grande parte, sua autonomia
cultural e a estrutura de sua civilização, resistindo à
europeização completa, enquanto as altas civilizações
americanas foram destruídas a tal ponto que seus
descendentes atuais dificilmente puderam reter a
memória de seu passado. Consequentemente, eles são tão
diferentes do que eram originalmente como os próprios
europeus, e sua única alternativa é continuar o processo
de europeização, agora dentro das novas estruturas étnicas
nacionais.
As linhas gerais dessas transfigurações étnicas podem ser
resumidas em termos de duas revoluções tecnológicas e
dos vários processos civilizatórios que elas geraram.
Primeiro, a revolução mercantil, desencadeada entre os
séculos XV e XVI, que, ao proporcionar aos povos
ibéricos uma nova tecnologia baseada principalmente na
navegação oceânica e em armas de fogo, permitiu-lhes
libertar-se da dominação islâmica, transfigurar-se
internamente e na mesma terra...
As novas formações deveriam ser expandidas em escala
global. Nesta etapa, elas tomam a forma de um novo tipo
de formação: os zrri- cães mercantis salvadoristas cujas
características gerais são menos parecidas com as
de qualquer formação feudal ou capitalista européia do
que as das formações que mais as influenciaram e que
foram lideradas pelos povos da Europa.
Impérios islâmicos: impérios despóticos Salvacionistas.
Estas semelhanças podem ser encontradas na tecnologia que
os ibéricos herdaram dos muçulmanos, em suas formas
similares de organização sócio-econômica e no impulso
missionário que energizou ambos, embora em um caso
fosse muçulmano e no outro cristão.

26
Estes conquistadores-cruzados invadiram os territórios
americanos para dominar e envolver seu povo na
primeira civilização agrário-mercantil mundial da
história registrada. A partir de então, todos eles foram
incorporados a um sistema econômico baseado na
mesma tecnologia básica, estruturados de acordo com
a mesma ordem social, moldados segundo os
mesmos padrões institucionais e obrigados a definir
sua visão de mundo e moldar suas criações artísticas
com base na mesma tradição e no mesmo corpo de
estilos.

Somente os povos que viviam ou se refugiaram em


áreas inacessíveis conseguiram escapar desta
padronização, marginalizando-se da nova civilização. No
entanto, mesmo para eles a preservação da cultura
original passou a depender menos de sua vontade do
que da dinâmica dos novos processos civilizatórios que,
em contínua expansão, acabaram chegando até eles
onde quer que se refugiassem. Aqueles que
encontraram em si mesmos a força para resistir à
subjugação se viram isolados no corpo das sociedades
nacionais, e acabaram como obsolescências étnicas
sujeitas a todo tipo de opressão e discriminação.

Isto levanta a questão: como um punhado de


homens conseguiu dominar populações infinitamente
maiores tão rápida e completamente? A pergunta é
ainda mais assustadora quando se considera que alguns
deles - os astecas, maias e incas - foram estruturados em
formações econômicas e sociais muito semelhantes às
da antiga Mesopotâmia, Egito, Índia e China:
impérios teocráticos de irrigação. Estes impérios
americanos tinham uma população duas ou três vezes
maior que a da Espanha, eram mais ricos e mais
organizados. No entanto, eles caíram na agressão
européia.

Estamos longe de chegar a uma explicação


convincente para o vertiginoso colapso das altas
civilizações americanas entre a invasão espanhola e a
invasão espanhola. A contaminação dos povos com os
quais os conquistadores espanhóis tinham
Os egípcios foram acometidos por doenças até então
desconhecidas que logo os tornaram indefesos contra
o conquistador. Outros fatores, como os que tornaram
os egípcios vulneráveis aos Hicksians, por exemplo,
ou os Romanos aos "bárbaros", devem provavelmente
ter desempenhado um papel importante. Um terceiro
fator pode ter vindo da desigualdade intrínseca do
intercâmbio entre os povos culturalmente fora de passo
na escala evolucionária. De fato, só quando tivermos
uma teoria comparativamente baseada na natureza dos
processos civilizacionais é que seremos capazes de
responder objetivamente a estas questões.

Por toda a América, os espanhóis e os portugueses, que


se constituíram como formações mercantis
salvadoristas, estabeleceram colônias de escravos por
meio de movimentos históricos de incorporação, nos
quais primeiro recrutaram as populações locais para a
produção mineira e cultivos tropicais para exportação.
Onde e quando o trabalho se tornou escasso, devido
ao enorme despovoamento causado pelas doenças
transmitidas pelos europeus aos grupos indígenas e ao
desgaste do trabalho escravo, foi substituído por
escravos trazidos da África. Em ambos os casos, as
populações escravizadas foram consumidas no processo
de produção, assim como o carvão ou o petróleo seriam
consumidos mais tarde, pois eram os combustíveis de
uma economia baseada principalmente na energia
muscular humana.

Mesmo no curso da mesma revolução mercantil,


um século depois, um segundo processo civilizatório foi
desencadeado pelos ingleses, holandeses e franceses,
criando uma nova formação, a mercantil-capitalista, que
começou a se expandir incorporativamente para a
esfera ecumênica. Esta expansão foi possível tanto
por fatores internos, como as experiências anteriores
destas sociedades que, ao renovar sua organização
social, lhes permitiram avançar para uma nova etapa,
quanto por fatores externos, como a criação pelos
ibéricos de uma economia mercantil.
A maior e mais poderosa organização proletária do
mundo, que gerou uma fabulosa acumulação de
riqueza através da pilhagem e exploração de seus
proletariados externos.

As novas formações capitalistas mercantis


entraram em conflito com as antigas formações
salvadoristas mercantis, que haviam se expandido
pelas Américas, África e Ásia, disputando o exercício
da hegemonia sobre cada população a fim de impor-
lhes seu domínio e exploração.

Colônias comerciais foram assim implantadas em


todo o mundo, como interposições comerciais
idênticas às ibéricas (exceto, talvez, com menos zelo
missionário e intolerância) em áreas densamente
povoadas; colônias de fornecimento de escravos,
minas e plantações, também essencialmente idênticas
às criadas pelos portugueses e espanhóis; e, mais
tarde, colônias de colonização, para as quais seriam
transferidos os europeus que se tornaram excedentes
à capacidade do sistema capitalista industrial de
ocupá-los e fazê-los produzir; E, mais tarde, colônias
de colonos, para as quais seriam transferidos colonos
europeus, que se tornaram excedentes à capacidade do
sistema capitalista industrial de ocupá-los e fazê-los
produzir.

No decorrer deste segundo processo civilizatório,


vários povos americanos foram esmagados pelos rivais
do conquistador ibérico, que procuraram criar seus
próprios proletariados externos. Novos centros coloniais
foram estabelecidos nas Índias Ocidentais e na
América do Norte, alguns dos quais alcançaram grande
prosperidade. O império ibero-americano, apesar das
vantagens representadas pela extensão e riqueza de
suas áreas de dominação, começou a declinar até que
sua hegemonia se tornou inviável.

Isto só ocorreria, no entanto, no curso de uma nova


revolução tecnológica, a Revolução Industrial, através
dos processos civilizacionais que ela desencadearia. Este
novo ciclo civilizacional provoca uma ração interna
transfigurante de alguns núcleos capitalistas mercantis.
-Inglaterra, França, Holanda - que se configuram como
formações industriais imperialistas e, simultaneamente,
liberam novas ondas de expansão.

29
As mudanças civilizacionais são muito mais vigorosas do
que qualquer uma das anteriores. Nesta etapa, o mundo
não europeu foi mais uma vez atingido por um
movimento de incorporação histórica, que reordenou suas
formas de ser e viver de acordo com os interesses dos
novos centros de poder. As nações ibéricas, tornadas
ainda mais obsoletas pelo fato de não terem ascendido
de forma autônoma à nova civilização, também estavam
experimentando seus efeitos modernizadores de uma
forma pouco reflexiva. O peso conservador de sua
configuração original como formação salvadora
mercantilista os impede de renovar seu sistema
produtivo, sua rígida estratificação social e sua
despotizada estrutura de poder.

A conseqüência é a emancipação das colônias ibéricas


que, nesta etapa, são transferidas da órbita ibérica para a
inglesa e são transfiguradas de formações colonialistas de
vários tipos para uma condição geral de nações neo-
coloniais. A partir de então, elas passam pelos modos e
ritmos de tecnificação, renovação social e modernização
ideológica compatíveis com um processo de atualização
histórica. Ou seja, governadas pela antiga classe
dominante gerada na colônia, cujas condições de
prosperidade exigiam essencialmente o estabelecimento
de laços mercantis com a nova metrópole e o recrutamento
da população para trabalhar nos novos empreendimentos
agrícolas e urbanos. A primeira exigia a perpetuação do
latifúndio como mecanismo de monopólio das terras
aráveis destinado a forçar os camponeses a trabalhar nas
fazendas. As empresas urbanas utilizam formas de
conscrição que estão mais próximas do trabalho
assalariado. Mas, em ambos os casos, foram geradas tensões
entre a minoria dominante e as classes subalterna e
oprimida, que muitas vezes irromperam em convulsões
sociais generalizadas de escravos, camponeses e
trabalhadores, todos eles esmagados pela repressão.

Mais tarde, em nossos dias, o surgimento de uma nova


revolução tecnológica, a revolução termonuclear, ativaria
mais uma vez o quadro social. Mais uma vez, a sociedade
seria dividida em dois corpos antagônicos: os guardiões da
ordem existente, cujo projeto é uma nova atualização
da ordem existente, e aqueles que, por sua vez, seriam
os que seriam os que seriam os que seriam os que seriam os
que seriam os

30
O histórico, sob a égide de corporações multinacionais;
e seus suplentes que lutam para reabrir a gestão
social para construir sociedades mais inclusivas e mais
capazes de desenvolvimento pleno e autônomo,
generalizado a toda a população.

As primeiras quebras neste sentido, agora


alcançadas através de movimentos de aceleração
evolutiva, foram as do México, que se configuraram
como uma formação econômico-social, como um
nacionalismo modernizador. Mais tarde, a Bolívia
(1952) e hoje, o Peru, foram configurados no mesmo
sentido. Outros processos de amadurecimento estão
ocorrendo em Cuba, que procuram se configurar,
respectivamente, como formações socialistas
revolucionárias e evolucionárias.

Estas questões são amplamente analisadas em nossos


livros: O Processo (1976). As Américas
e a Civilização (1969) e O Dilema da

3l
Quando José Dávalos foi diretor geral da Publicaciones,
a impressão de La Cultura Latinoamericana foi
concluída nas oficinas da Polymasters de México, S. A,
em novembro de 1978.
Foram impressos 10.000
exemplares.
VOLUME I :
1 . Sim ón Bol ívar, CAR TA DE JAM A I CA. Arturo Ardao, LA IDEA DE LA M AGN A
CO LOMBIA. DE MIR ANDA A HOSTOS. 3. Francisco BiI- bao, IN IC IATIV A DE
LA AMER ICA . I DE A DE A DE UN CONG R ESO FE DE RA L DE LAS R EPU BL
ICA S. 4. Arturo Andrés R oig, LOS IDE A LE S BO LIV I A- NOS Y LA P ROPU ESTA
DE UN A UN IV ER SIDAD LATINOAMER ICANA CON TI NEN TA L. 5. Justo
Sierra, EM AUGURACI O N DE LA UNIVERSITY.

R ECTOR
Dr. Guil Iermo Soberó n Acevedo
S E C R E T A R Y S E C R E T A R Y S E C R E TARIAT
Dr. Fernando Pérez Correa
SECRETÁRIO-GERAL ADMINISTRATIVO
Gerardo Ferrando Bravo
COO RD IN ADO R O DE HUMA NIDADE
Dr. Jorge Carpi zo
DIR ECTOR FACU LTAD DE FI ELD DE FI ELD E CARTAS
Dra. Abela rd o V iIIegas
CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS
Dr. Leopoldo Zea
SECRETARIA GERAL DA UNIÃO DAS UNIVERSIDADES
LATINO-AMERICANAS
Dr. Efrén C. del Pozo.

Você também pode gostar