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Brasil Colônia

Autor
Odair de Abreu Lima
Videoaula - Introdução

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Introdução

“Viver sem conhecer o passado é andar no escuro.” (UMA HISTÓRIA..., 2013)

Nesta disciplina, estudaremos um período fundamental para o entendimento da formação de


nosso país: o período em que o Brasil foi colonizado pelos portugueses. Fundamental porque
parte das características que temos ainda presentes em nossa sociedade é fruto do desenrolar
de 322 anos em que o Brasil foi submetido às leis, costumes e interesses econômicos de
Portugal.

Questões graves da contemporaneidade, como concentração de terras, dependência econômica,


devastação ambiental, práticas preconceituosas e violentas contra mulheres, índios e negros,
entre outras questões, têm suas origens no desenrolar histórico que tivemos enquanto fomos
uma colônia de exploração de Portugal.

Para iniciar este estudo, procuraremos compreender um período anterior à colonização, quando
ocorreram os primeiros povoamentos de nossa terra. Isso para ter-se uma pequena dimensão de
como viviam os primeiros habitantes, bem antes da chegada dos europeus no ano de 1500.

O entendimento da colonização passa pela discussão sobre o sentido do empreendimento feito


pelos portugueses no Brasil, um sentido inserido na lógica econômica do período, marcada pela
busca incessante do lucro gerado pela exploração desse território, desrespeitando e violentando
as populações aqui presentes.

O estudo dessa exploração econômica, porém, também exige a compreensão das mudanças de
paradigmas pelas quais a Europa passava no fim da Idade Média, porque essas mudanças nos
possibilitam entender as razões da Expansão Ultramarina, movimento que provocou que o Brasil
e a América fizessem parte do universo europeu. Por isso, abordaremos as transformações
econômicas, sociais, culturais e de mentalidade que os europeus viviam na transição de um
mundo antigo, o feudal e teocêntrico, para uma nova realidade, o das práticas capitalistas.

Posteriormente, trabalharemos os modelos de administração e exploração econômica aqui


implantados e as razões pelas quais foram adotados esses modelos de exploração econômica
que também despertaram a cobiça de outras nações europeias – como franceses e holandeses
–, que não concordavam com os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas e que invadiram e
promoveram mudanças importantes no Brasil.
Qualquer proposta de se estudar esse período, necessariamente tem de passar pela análise das
violências sofridas pelos grupos que constituíram boa parte da cultura brasileira: a população
indígena e os africanos que foram sequestrados de seu continente para trabalharem como
escravos no Brasil. Daí a razão de se trabalhar as culturas específicas de índios e negros e de
que forma elas contribuíram com sua resistência para a constituição daquilo que hoje se chama
povo brasileiro.

Povo brasileiro que, face a toda dominação portuguesa, não fugiu à luta. Em diversos momentos,
resistiu às políticas opressoras da metrópole por meio de revoltas, levantes, inconfidências e
insurreições que demonstravam a insatisfação em relação às políticas de controle adotadas
pelas autoridades portuguesas em nossas terras. Os vários movimentos de que trataremos
nesta disciplina demonstram que a passividade não foi marca da população nativa que, durante
vários momentos, de forma organizada ou não, pegou em armas contra a opressão
metropolitana.

Por fim, analisaremos os processos constitutivos de movimentos que levaram a colônia a


promover sua independência de Portugal. Uma “independência” atrelada aos interesses de uma
elite dominante presente em nossas terras no século XIX, e uma “independência” que nasceu
com dívida externa e dependente de uma potência imperialista da época, a Inglaterra.

Dessa forma, esperamos que os elementos aqui trabalhados possam dar um entendimento mais
geral sobre um importante período de nossa História, ao mesmo tempo que estimule a vontade
pelo desenvolvimento de pesquisas e mais produção do conhecimento sobre o período colonial
brasileiro.

Bons estudos!
Videoaula - Pré-História Brasileira

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1 Considerações Preliminares

Se escolhermos a palavra Brasil para designar o território que hoje compreende mais de 8
milhões de quilômetros quadrados na América do Sul, devemos considerar que temos pouco
mais de quinhentos anos de História, contados a partir da chegada dos portugueses no ano de
1500. Aliás, nunca é demais relembrar que palavras como “Brasil”, “América” e “índios” são
terminologias criadas dentro de um contexto de dominação europeia.

Quando a frota comandada por Pedro Álvares Cabral aqui chegou, porém, não encontrou uma
terra despovoada ou deserta. Os livros divergem sobre a quantidade (alguns citam um milhão e
meio, outros falam em até cinco milhões de habitantes), mas é fato que viviam aqui, há muito
tempo, antes do europeu chegar, centenas de nações indígenas com uma diversidade cultural
muito grande. Para ter-se uma ideia dessa diversidade, alguns estudos atuais apontam que
cerca de 1.300 línguas diferentes eram faladas pelas muitas sociedades indígenas na época dos
primeiros contatos com os europeus (FUNAI).

1.1 Os primeiros povoadores da América

As primeiras ocupações humanas na América ainda são motivo de estudos e debates, e não
existem muitas informações conclusivas e consensuais sobre como chegaram e como viviam os
primeiros habitantes do continente. Existem teorias mais aceitas que falam que o povoamento
ocorreu através de ondas migratórias de populações que teriam se deslocado da Ásia
(atravessando o Estreito de Bering que, na época, estaria congelado) para a América do Norte, ou
da Oceania (navegando em pequenas embarcações pelo Oceano Pacífico) para a América do Sul.
Estudos falam que esse processo teria ocorrido há aproximadamente 12 mil anos, mas existem
muitas controvérsias sobre essas datas.

Com o passar dos anos, essas populações foram se espalhando pelo continente e constituindo
culturas com hábitos, saberes, línguas e organização social bem diversas. 

Na América Central, por exemplo, constituem-se grupos mais complexos, que podemos qualificar
como civilizações organizadas em torno de cidades com diferenças sociais, práticas comerciais,
organização política com monarquias teocráticas e mentalidade imperialista, como os Maias e
os Astecas (atual México).
Figura 1 - Mapa contendo as rotas migratórias dos primeiros povoadores da América.

Fonte: todamateria.com.br [https://www.todamateria.com.br/primeiros-povos-da-america/]

1.2 Pré-história brasileira

Na região que hoje corresponde ao Brasil, as sociedades que aqui se constituíram tinham
características tribais. Eram diferentes grupos que se organizavam em aldeias, vivendo da
floresta de forma seminômade, onde o trabalho era coletivo (pesca, caça, coleta de frutos e
raízes e pequenas roças), não havia diferenças sociais evidentes, cultuavam-se divindades
ligadas à natureza e a organização política se limitava a chefes que detinham o poder
principalmente em épocas de guerras. Essas características gerais podem ser atestadas através
dos estudos arqueológicos desenvolvidos sobre os primeiros povoadores do nosso território.

Os primeiros sítios arqueológicos foram explorados ainda no século XIX pelo dinamarquês Peter
Lund, que encontrou vestígios pré-históricos na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Foi
nessa região que se descobriu uma das mais importantes evidências da presença humana no
continente, um crânio feminino (apelidado de Luzia) datado de 11.500 anos.
Em setembro de 2018, um incêndio devastou o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, local
onde estava o fóssil de Luzia. Felizmente, pesquisadores da instituição conseguiram recuperar
80% do crânio, que vai passar por um processo de restauração. Mais informações em
revistagalileu.globo.com [https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/10/cranio-de-
luzia-e-encontrado-entre-os-escombros-do-museu-nacional.html]

No Piauí, porém, existem evidências de ocupações mais antigas. Segundo o trabalho


desenvolvido pela arqueóloga Niéde Guidon (1990) em São Raimundo Nonato, na Serra da
Capivara, existiam grupos humanos há cerca de 50 mil anos, embora nem todos os arqueólogos,
sobretudo os norte-americanos concordem com essas datações.

Esse importante trabalho desenvolvido por Niéde Guidon pode ser observado no documentário
exibido, em 1990, no programa Globo Ciência: youtu.be [http://youtu.be/oX7oToVioC0]

A chegada dos europeus na América, portanto, não pode ser interpretada como mero
“descobrimento”, pois essa terminologia implica o entendimento de que teriam sido os europeus
os primeiros a desbravar e povoar essas terras. Essa interpretação, denominada de eurocêntrica,
ignora a existência de milhões de pessoas que aqui viviam com suas culturas e diferentes
formas de organização política e social.

O que deve ser considerado, sim, é que a chegada dos europeus mudou radicalmente essas
culturas aqui constituídas. Se, por um lado, representou importante momento na História com o
encontro de dois mundos diferentes (América e Europa), onde ocorreram interações culturais
presentes até os dias atuais, por outro, trouxe destruição e morte de extensas populações em
função dos interesses econômicos, intolerância religiosa e doenças trazidas por portugueses,
espanhóis, ingleses, franceses e holandeses ao longo de quase 350 anos de história de
dominação.
Luiz Eduardo Anelli é paleontólogo da Universidade de São Paulo e desenvolveu interessante
trabalho sobre a Pré-História brasileira, intitulado Guia Completo dos Dinossauros do Brasil (Ed.
Petrópolis). Veja alguns trechos do livro:

Dinossauros em São Paulo e Minas Gerais. Como o clima era muito árido e tinha pouca comida, o
negócio era ser pequeno no tamanho. Mesmo assim, eram animais de 12, 15 metros. São importantes,
pois representam a pedra de fundamento de vários museus que nós temos hoje. Tudo começou com
esses “carinhas” aí.
O crânio mais preservado do mundo da linhagem dos titanossauros. A descoberta foi feita
recentemente, na região do Sudeste, por um grupo de estudantes da USP. E pode definitivamente ser
considerada, uma das maiores descobertas brasileiras.
Dinossauros no Maranhão. O pessoal da Universidade do Maranhão e do Museu Nacional focou
grande parte dos seus estudos nos dinossauros encontrados na Bacia de Araripe e no Maranhão.
Destes, é possível destacar os dinossauros espinossaurídeos, que são os que possuíam aquelas velas
nas costas e eram enormes.

Fonte: revistagalileu.globo.com [https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2015/06/5-


principais-descobertas-da-pre-historia-brasileira.html]

1.3 O mercantilismo e a expansão marítima

A conquista da América pelos europeus deve ser entendida dentro de um contexto econômico
vigente na época: o mercantilismo.

Portugal e os outros países europeus viviam em uma época onde o capitalismo ainda dava seus
primeiros passos. Era denominado de capitalismo comercial ou mercantilismo e basicamente
consistia na busca incessante por aumento do comércio para acumular metais preciosos (o
metalismo) e se atingir a chamada Balança de Comércio Favorável (mais exportações e menos
importações). Para tanto, era necessário expandir esse comércio para além dos limites do
território europeu, que demonstrava ser limitado para as necessidades cada vez maiores de
acúmulo de capital da época. Esse fato, aliado ao problema da escassez de metais preciosos na
Europa, fez esses países realizarem a Expansão Marítima, por meio das grandes navegações, que
se iniciaram a partir do século XV. Essas grandes navegações propiciariam aos europeus a
conquista de “colônias”, locais onde puderam ser exploradas matérias-primas e, ao mesmo
tempo, se constituíram em mercado consumidor dos produtos das metrópoles (os países
europeus).

Importante intérprete da conquista do Brasil, Caio Prado Jr. analisou, em sua obra “Formação do
Brasil Contemporâneo”, a exploração das colônias da América dentro de um contexto de
interesse econômico dos europeus:

Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era, que se convencionou com

razão chamar dos “descobrimentos”, articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da

história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que

se dedicam os países da Europa a partir do século XV, e que lhes alargará o horizonte pelo oceano

afora. Não têm outro caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e colonização das

ilhas pelos portugueses, o roteiro das Índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação

de seus vários setores. É esse último o capítulo que mais nos interessa aqui; mas não será, em sua

essência, diferente dos outros. É sempre como traficantes que os vários povos da Europa abordarão

cada uma daquelas empresas que lhes proporcionarão sua iniciativa, seus esforços, o acaso e as

circunstâncias do momento em que se achavam (PRADO JR., 1976, p. 319).

Havia muitas dificuldades para a realização dessas navegações. Ainda existia muita influência
do teocentrismo, imposto pela Igreja que julgava ser a Terra o centro do universo e o mundo com
forma plana. Além disso, existiam histórias de monstros marinhos, sereias canibais, águas
ferventes que poderiam derreter as embarcações e outras crenças que davam ao Oceano
Atlântico o sugestivo nome de “Mar Tenebroso”.

Figura 2 - Ilustração da ideia que os


europeus faziam do Oceano
Atlântico.

Fonte: jornaldecorupa.com.br
[https://www.jornaldecorupa.com.br/?
p=8337]

Apesar de tudo isso, esse período também vivia importantes mudanças econômicas. As antigas
relações feudais de produção estavam pouco a pouco sendo substituídas por práticas
capitalistas que acabavam mudando e interferindo também nas técnicas de produção, na
sociedade (com o surgimento da burguesia), nas ciências, nas artes e até na religião.
Aquele leitor mais atento pode estranhar o fato de que eventos tão complexos como as Grandes
Navegações e a exploração das colônias estejam registrados em um período tão próximo ao final
da Idade Média.

Videoaula - Contexto europeu no início da idade moderna

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O contexto europeu na transição da Idade Média para a Idade


1.4 Moderna
O mundo feudal impunha relações socioeconômicas muito fechadas. O poder político era muito
fragmentado. A mentalidade, a educação e os meios de comunicação eram controlados pela
Igreja. As técnicas gerais de trabalho e transporte eram muito atrasadas e rudimentares. Existia
até uma visão bastante tradicional e, atualmente muito combatida, de que a Idade Média teria
sido a “Idade das Trevas” em função desse caráter hermético e controlado do conhecimento.

Atualmente, são inúmeros os exemplos que combatem a ideia de Idade Média ligada a um
período obscuro, no qual as artes e a ciência não teriam se desenvolvido. Citando alguns
exemplos, nesse período surgiram universidades, estilos arquitetônicos (gótico e românico),
literatura e pintura (Dante Alighieri e Giotto), a filosofia escolástica.

A explicação para essa aparente contradição reside no fato de que ao mesmo tempo que todos
esses eventos se desenrolavam, ocorria na Europa um movimento urbano burguês que, de certa
forma, dava sustentação ideológica e estimulava maior desenvolvimento das artes, técnicas e
difusão da cultura.

Deu-se a esse movimento o nome de Renascimento Cultural. É bom lembrar, no entanto, que o
próprio termo “Renascimento” é um desqualificador do período anterior, a Idade Média, e está
inserido naquela lógica de associar a era medieval ao atraso. Essa expressão está ligada à
retomada, ou renascimento, dos valores estéticos culturais da antiguidade clássica (Grécia e
Roma). Acreditava-se que nesse período havia ocorrido um profundo desenvolvimento
intelectual e artístico da humanidade, características que teriam ficado esquecidas no período
medieval, principalmente em razão do domínio ideológico da Igreja Católica.

Em função de sua doutrina própria, a Igreja explicava os fenômenos da natureza e as relações


sociais vinculadas diretamente à vontade divina (o teocentrismo), interpretada e intermediada, é
claro, por seus representantes oficiais (papas, cardeais, bispos e padres), o clero.

O Renascimento Cultural, de forma resumida, caracteriza-se como um movimento que ocorreu,


sobretudo, nas cidades entre os séculos XIV e XVI, e atendia melhor aos interesses da burguesia,
pois a atividade comercial implica a valorização do indivíduo como responsável e único
beneficiário de seu trabalho.

Cresce o valor dado às questões materiais e à razão, mesmo se motivadas por interesses
comerciais e financeiros (obtenção de lucros por meio dos empréstimos, juros, investimentos
etc.). Todas essas características se opunham à mentalidade medieval teocêntrica, mas, de
forma indireta, também norteavam as ações de artistas, cientistas e intelectuais renascentistas.

O berço e o desenvolvimento do Renascimento ocorreram nas cidades-estados italianas (nessa


época, ainda não havia uma nação com poder centralizado, fato que só ocorreu em 1870 com a
unificação italiana).

Vários fatores combinados ajudam a explicar a ocorrência do Renascimento nas cidades


italianas. Com a liberação do Mar Mediterrâneo depois da quarta cruzada, as cidades de Gênova
e Veneza ocuparam destaque central no ressurgimento do comércio, pois eram navios mercantes
dessas cidades que faziam o transporte das mercadorias orientais até o território europeu.

Dessa forma, praticamente toda a Península Itálica passou a respirar os ares do comércio de
longa distância e várias outras cidades passaram a enriquecer e adquirir uma burguesia
poderosa e influente, sobretudo Florença e Milão. O capital circulante possibilitava que várias
famílias de ricos banqueiros passassem a financiar e proteger artistas para que estes
produzissem suas obras com certa independência financeira e liberdade de criação, visto que
muitas obras poderiam atentar contra alguns dogmas estabelecidos, sobretudo os religiosos.

Os representantes mais importantes do Renascimento produziram e apresentaram suas obras


nas cidades italianas. Entre eles estão:

a. Nas artes plásticas, Giotto (1266-1337), Botticelli (1445-1510), Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael di Sanzio
(1483-1520) e Michelangelo Buonarroti (1475-1564).
b. Na literatura, Dante Alighieri (1265-1321), Petrarca (1304-1374) e Bocaccio (1313-1375).
c. Nas ciências, Galileu Galilei (1564-1642), Giordano Bruno (1548-1600) e Nicolau Maquiavel (1469-1527).

O movimento renascentista espalhou-se pela Europa e se desenvolveu também na Holanda com


o escritor Erasmo de Roterdã (1466-1529), com os pintores Pieter Brueghel e os irmãos Jan e
Hubert van Heyck. Na Inglaterra, o movimento foi representado pelo teatro de William
Shakespeare; na França, pelas comédias escritas por Rabelais e pelo filósofo Michel Montaigne,
e nos países ibéricos, por grandes escritores como Miguel de Cervantes e Luís de Camões.

Figura 3 - Algumas das mais conhecidas obras renascentistas

Fontes: La nascita di Venere [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sandro_Botticelli_-


_La_nascita_di_Venere_-_Google_Art_Project_-_edited.jpg] ; The Creation of Adam
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Creation_of_Adam.jpg] ; Pieta de Michelangelo
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pieta_de_Michelangelo_-_Vaticano.jpg] ; wikimedia.org - Escola
de Atenas [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Escola_de_Atenas_-_Vaticano_2.jpg] ; Última Ceia
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Última_CenaII.jpg] .

O espírito renascentista acabou influenciando outras áreas do conhecimento. Os fenômenos da


natureza, o comportamento humano e as relações sociais deixaram de ser explicados pelo viés
teocêntrico, como revelações e obras de Deus. O homem renascentista observava,
experimentava, descobria, tirava conclusões e desenvolvia meios para explicar o mundo.
Em outras palavras, o Renascimento Cultural contribuiu para o desenvolvimento do espírito
crítico e passou a valorizar cada vez mais a ciência como meio de descobrir novos elementos,
inventar novas técnicas de trabalho e entender a natureza e o universo.

Esse espírito investigativo e científico também pode explicar o desenvolvimento de inovações


técnicas muito úteis às navegações, como embarcações mais ágeis e leves, instrumentos
náuticos e cartas geográficas mais detalhadas, elementos fundamentais para o sucesso da
Expansão Marítima e as consequentes conquistas coloniais.

Talvez personagens como Cristóvão Colombo não tivessem tanta convicção de suas ideias se
não vivessem em uma época tão rica em produção de conhecimento e contestação de verdades
estabelecidas. Como bem disse a professora Janice Theodoro:

No quadro de Leonardo da Vinci, Mona Lisa (Gioconda), surpreende-nos o equilíbrio e a perfeição.

Michelangelo domina a pedra, com a mesma loucura com que os descobridores esculpem sobre a

cultura pré-colombiana suas Igrejas, seus palácios, suas cidades, seus filhos... Descobrir a América,

subjugar culturas estabelecidas em continentes desconhecidos, provar que a Terra é redonda e

montar uma economia centralizada na Europa são gestos humanistas, gestos do descobridor de um

homem renascentista (THEODORO, 1991, p. 64).

Dentro de todo esse contexto europeu, portanto, é que foi se sedimentando uma mentalidade
mais humanista, investigativa, individualista e mais ousada, em que a expansão do universo,
tanto intelectual como material, se fazia necessária dadas as novas relações de produção, agora
ditadas pela necessidade do acúmulo de dinheiro.

1.5 O pioneirismo de Portugal e a conquista do Brasil

A burguesia, classe social surgida na Baixa Idade Média com o ressurgimento do comércio e das
cidades, alia-se aos reis, que durante praticamente toda a Idade Média perderam seu poder para
os Senhores Feudais. Dessa aliança surgem os Estados Nacionais, que vão substituindo as
antigas unidades produtivas medievais, os feudos. Essa aliança também foi fundamental para os
projetos de expansão do comércio, com as grandes navegações.

Em Portugal, tudo isso ocorreu primeiro, e é por essa razão também que podemos entender o
pioneirismo dos portugueses nas grandes navegações, depois seguidos por espanhóis, ingleses,
franceses e holandeses.
A rota seguida pelos portugueses era pelo Sul, contornando a África para se alcançar as Índias.
Era o caminho mais longo, mas pode-se entender essa opção pelo fato de os turcos terem
conquistado Constantinopla em 1453 e impedido a passagem de embarcações europeias vindas
do Mar Mediterrâneo em direção ao Oriente. Era necessário, portanto, encontrar outro caminho
para se alcançar a terra das especiarias.

Portugal iniciou, assim, suas navegações conquistando toda a costa oeste da África a
partir da conquista de Ceuta em 1415.

Chegam em 1488 ao extremo sul da África (o Cabo das Tormentas, depois denominado Cabo da
Boa Esperança) com Bartolomeu Dias, mas não continuam viagem porque faltavam suprimentos
e havia uma insatisfação geral entre os marinheiros para continuação da viagem.

Conseguiram seu grande objetivo em 1498, quando alcançaram finalmente as Índias com o
navegador Vasco da Gama. As Índias (nome genérico que se dava ao oriente) eram muito
desejadas em função da busca pelas chamadas especiarias orientais, que, naquele período,
valiam muito no mercado europeu. Nesse processo, os portugueses exploravam também outros
produtos, como marfim, metais e pedras preciosas, madeiras e escravos (também entendidos
como mercadoria no período).
Figura 4 - Partida de Vasco da Gama às Índias.

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal - Link: purl.pt [http://purl.pt/6855/3/]

Nesse contexto, em razão do sucesso e dos lucros dados à Coroa portuguesa pela expedição de
Vasco da Gama é que Portugal organizou uma nova expedição, muito mais aparelhada e armada,
comandada por Pedro Álvares Cabral, nobre recém-nomeado pelo rei D. Manuel como capitão-
mor da armada (treze caravelas), que seguiria para as Índias com missão diplomática, comercial
e militar. Antes, porém, de alcançar o território indiano, Cabral e seus marinheiros (cerca de 1.400
homens) aportaram no Brasil em 22 de abril de 1500, para fazer reconhecimento e tomar posse
legal dessas terras.

Cabral ficou na então denominada Ilha de Vera Cruz (primeiro nome dado ao Brasil) até o dia 26
de abril, data da realização da primeira missa, seguindo depois para seu objetivo principal, que
eram as Índias. Esse fato explica, em parte, o desinteresse inicial dos portugueses pelo Brasil em
1500, ou seja, estavam muito mais interessados em consolidar o comércio das especiarias
orientais, que naquele momento tornava Portugal o país mais rico da Europa.

Outro fator importante para entender esse desinteresse foi a grande frustração por não terem
encontrado o tão cobiçado metal precioso (ouro) no Brasil, pois o contato inicial ocorreu no
litoral brasileiro. Nesse período, já circulavam notícias do enorme potencial de exploração de
metais preciosos que apresentavam as terras conquistadas na América pelo grande rival de
Portugal na época, a Espanha. O ouro, como veremos à frente, foi encontrado em abundância,
mas na região de Minas Gerais, portanto, no interior do Brasil.
Longe daquilo que se imagina, o capitão do navio era a pessoa que menos entendia das técnicas
e expedientes que matinham o navio seguindo o seu roteiro de forma estável. Na maioria dos
casos, ele era um nobre que representava a autoridade do rei na embarcação. Dessa forma, o
capitão era quem exercia a função estritamente política de intermediar os conflitos entre os
tripulantes e dar a palavra final sobre algum problema ou decisão a ser tomada.

Uma alimentação farta e saudável era praticamente impossível nesses ambientes. Não tendo
espaço para estocar comida e água suficientes, os tripulantes passavam por sérias privações. A
ração diária fornecida aos tripulantes comuns não passava de três refeições compostas por
biscoito e duas pequenas doses de água e vinho. Somente os mais privilegiados tinham a
possibilidade de usufruir de carnes, açúcar, cebolas, mel, farinha e das frutas que eram
transportadas.

Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br [https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/a-


aventura-das-grandes-navegacoes.htm]

Videoaula - Período pré-colonial e sistema administrativo

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Exercícios de fixação
Leia atentamente o item O contexto europeu da Idade Média para a Idade Moderna, e complete
as lacunas abaixo:

O contexto em que se vivia na Selecione... na transição da Idade Média para a Idade


Moderna estava marcado pela crise do Selecione... e consolidação das relações
econômicas pautadas pelo Selecione... onde a exploração das Selecione... era
fundamental para o sucesso do novo modelo.

Assinale a alternativa INCORRETA quanto ao processo conhecido como Expansão Marítima:

Portugal foi pioneiro nas grandes navegações, logo seguido pela Espanha.

O Oceano Pacífico era conhecido como “Mar Tenebroso” em função do imaginário criado
sobre monstros marinhos e terra plana.

Nesse processo, regiões como o Brasil foram incorporadas à Geografia europeia.

Vasco da Gama foi o primeiro navegador português a chegar nas Índias.


2 O domínio colonial português e as invasões estrangeiras

Durante 322 anos o Brasil foi colônia de Portugal. Uma colônia significava, no contexto
mercantilista, ser uma “propriedade” de um país europeu que, dentro dessa relação, era chamado
de metrópole. O Brasil era uma típica colônia de exploração e, como tal, só poderia vender ou
comprar produtos de sua metrópole, Portugal. Todas as leis, formas de administração e
atividades econômicas desenvolvidas eram ditadas pela metrópole.

2.1 O período pré-colonial

De 1500 até 1530, denominado pelos historiadores como Período Pré-colonial, Portugal se
limitou a fazer expedições de reconhecimento e monitoramento, além de conceder contratos de
exploração do pau-brasil. Esse comportamento se justifica pelo fato de os portugueses não
terem encontrado o tão cobiçado ouro na região litorânea e por estarem mais interessados no
lucrativo negócio das especiarias das Índias orientais.

As principais expedições para reconhecimento geográfico foram realizadas por Gaspar de Lemos
(1501) e Gonçalo Coelho (1503).

Nesse período, os portugueses também passaram a se preocupar com as constantes investidas


de corsários franceses na costa brasileira. Por isso, organizaram expedições para monitorar e
expulsar os “invasores” da região. Dessa forma, duas expedições, chamadas de “guarda-costas”,
foram designadas pela Coroa portuguesa, lideradas por Cristóvão Jacques, a primeira em 1516 e
a segunda em 1526.

O pau-brasil foi a primeira atividade de exploração das terras brasileiras. Conhecida pelos índios
como ibirapitanga (pau vermelho) e pelos europeus desde a Idade Média, a madeira tinha algum
valor comercial por fornecer tinta vermelha usada como corante de tecidos e papéis. Sua
exploração ocorreu desde o sul de Angra dos Reis (RJ) e se estendeu até o Nordeste.

O sistema de exploração era por contrato de arrendamento, e quem recebeu as primeiras


concessões para exploração foi Fernão de Noronha a partir de 1503. Esse modelo foi adotado
especialmente porque representava baixo custo de investimento para os portugueses, que não
gastavam nada com trabalho e mão de obra e recebiam os impostos pela exploração da madeira.

Os concessionários, por sua vez, também não tinham muitos custos, pois o trabalho todo era
feito pelos índios dentro do sistema de escambo, ou seja, os nativos cortavam e transportavam a
madeira até as feitorias (misto de forte militar e depósito de armazenamento) e, em troca,
recebiam objetos sem muito valor para os europeus, como espelhos, facões usados e panelas
velhas.

Figura 5 - Extração do pau-brasil desenvolvida no período pré-colonial

Painel esculpido intitulado "L’île du Brésil", representa índios trabalhando na extração da madeira. Fonte:
museedelhistoire.ca [https://www.museedelhistoire.ca/musee-virtuel-de-la-nouvelle-france/colonies-et-
empires/lieux-de-fondation/]

Dessa forma, apesar da evidente exploração, podemos entender que os primeiros contatos entre
os europeus e os índios foram amistosos. Aliás, a impressão geral causada nos portugueses
durante os primeiros contatos foi bem positiva. São famosas as passagens onde o escrivão-mor
da esquadra de Cabral, Pero Vaz de Caminha, demonstrou simpatia tanto pela natureza
encontrada como pela forma física e beleza dos índios:
(...) Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o Sul vimos, até à outra ponta que

contra o Norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem

vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras,

umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos.

De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar,

muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos – terra que nos

parecia muito extensa.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha

vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-

Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas.

Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que

tem!

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos.

Andam nus, sem coberta alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas

vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo

furados e metidos neles uns ossos brancos (...) ali encaixados de tal sorte que não os molesta nem os

estorva no falar, no comer ou no beber.

Por ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos

e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras

que, de as muito bem olharmos, não tinham nenhuma vergonha.

(...) E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo acima daquela tintura; e certo era tão bem-feita

e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa, que a muitas, que a muitas mulheres da nossa terra,

vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela.
Fato importante que poucos livros de História citam é que, nesses primeiros contatos, sem a
ajuda indígena, os portugueses não teriam sobrevivido ao ambiente natural que encontraram no
Brasil. Foram os índios que ensinaram aos portugueses os meios de sobrevivência em meio à
mata nativa. Mostraram as trilhas em meio à floresta, explicaram formas de se evitar animais
perigosos, ensinaram a caçar e pescar nos rios, ensinaram a plantar o milho e a batata-doce e
apresentaram quais os frutos e raízes comestíveis que eram desconhecidos pelos europeus. Com
o contato frequente, os brancos acabaram incorporando também alguns costumes indígenas,
como dormir em rede e tomar banho diariamente. Alguns portugueses também adquiriram
aspectos da cultura indígena condenados pela Igreja Católica, como andar nus e praticar a
poligamia. O conhecimento indígena, portanto, foi apropriado de forma geral pelos
conquistadores para ocuparem o litoral e adentrarem o interior para exploração econômica e
fundação de vilas e povoados.

2.2 O período colonial

A partir de 1530, a posição da Coroa portuguesa em relação ao Brasil mudou. As especiarias nas
Índias já não davam tantos lucros, pois Portugal perdera o monopólio da exploração. Além disso,
outro fato preocupante para os portugueses era o fato de que o território brasileiro estava sendo
explorado ilegalmente por piratas europeus, especialmente franceses, que mantinham boas
relações com os índios.

Um dos mais importantes intérpretes da formação do Brasil, o economista Celso Furtado, em seu
clássico “Formação Econômica do Brasil”, destaca essa preocupação portuguesa com a
presença estrangeira na costa brasileira:

Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses

organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras – aliás a

primeira colônia de povoamento do continente –, é para a costa setentrional do Brasil que voltam as

vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na

corte francesa para desviar as atenções do Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se

perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las

permanentemente. Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais produtivas no

Oriente (FURTADO, 2004, p.12).


Essas questões fizeram a Coroa portuguesa mudar seu olhar para a colônia. Era preciso ocupar o
Brasil de forma que garantisse seu domínio sobre a colônia, afastando o perigo de piratas, e, ao
mesmo tempo, desenvolver uma atividade produtiva que propiciasse lucros à coroa, como
aqueles anteriormente dados pelas especiarias orientais.

Por essa razão é que, em 1530, chega ao Brasil a primeira missão colonizadora chefiada por
Martim Afonso de Souza. Entre suas principais tarefas estava a de fundar vilas e povoados e
desenvolver plantações de cana-de-açúcar.

2.3 O sistema administrativo e as invasões francesas

O modelo administrativo adotado pelos portugueses nesse período foi o de Capitanias


Hereditárias.
Figura 6 - Mapa atualizado das capitanias hereditárias (1534 - 1536).

Fonte: Reconstruindo o mapa das capitanias hereditárias


[https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
47142013000200002&script=sci_arttext]

O território brasileiro foi dividido em 15 grandes lotes (cada um, denominado de Capitania
Hereditária) e cada capitania foi confiada a um donatário (normalmente nobres portugueses) que
teria direitos e deveres para com a coroa, promovendo, dessa forma, a ocupação produtiva do
território. Os donatários, ao serem nomeados, deveriam obedecer a dois documentos básicos
estipulados pela coroa: a Carta de Doação e a Carta Foral.

Pela Carta de Doação, o donatário tinha a posse, e não a propriedade, da Capitania. Ele tinha
direito de passar a capitania para seu herdeiro (por isso hereditária), mas nunca poderia vendê-
la. O documento lhe dava direitos de fundar vilas, organizar a segurança, fundar unidades
produtivas, além de lhe dar a autoridade máxima do ponto de vista administrativo e jurídico-
repressivo.
A Carta Foral estipulava as obrigações do donatário em relação à coroa, sobretudo no que diz
respeito ao pagamento de impostos em relação aos lucros obtidos com a atividade econômica
desenvolvida em sua capitania.

Esse modelo, o de Capitanias Hereditárias, foi adotado principalmente por questões econômicas.
O governo português não gastava praticamente nada com as capitanias, já que a
administração e os custos deveriam ser arcados pelos donatários. Como estes deveriam
promover atividades produtivas em suas capitanias, eles deveriam pagar impostos para a coroa,
o que representaria importante fonte de arrecadação para Portugal. Esse sistema, porém, não
deu certo.

Com exceção de São Vicente (a capitania de Martim Afonso) e de Pernambuco, as Capitanias


Hereditárias fracassaram, pois faltavam recursos aos donatários (os custos de administração e
gestão eram tão altos que certos donatários nem chegaram a assumir suas capitanias no Brasil)
e estes também sofriam muito com ataques indígenas porque essas capitanias foram instaladas
em território dos primeiros habitantes da terra, que não assistiam passivamente à ocupação de
suas terras.

Com isso, Portugal adotou um novo modelo de administração, o sistema de Governo-Geral.


Assim, os portugueses assumiram diretamente a administração da colônia, nomeando um alto
funcionário da coroa como governador‑geral, com sede em Salvador, na capitania da Bahia. Por
essa razão, Salvador é considerada a primeira capital do Brasil.

Como o território era muito extenso, foram criados cargos para dar suporte e auxílio ao
governador‑geral, como:

a. Ouvidor-mor: responsável pela justiça. Cuidava para que as leis portuguesas fossem rigorosamente
obedecidas na colônia.
b. Provedor-mor: cuidava da arrecadação dos impostos e administrava o orçamento da colônia.
c. Capitão-mor: responsável pela defesa militar da colônia contra ataques estrangeiros, mas também
coordenava ações de repressão contra a resistência indígena.

Apesar dessa estrutura composta por governador-geral e auxiliares imediatos, o Brasil era
enorme e carecia de um poder local para administrar os problemas mais imediatos de cada
região. Por essa razão, passaram a funcionar também, a partir do século XVI, as Câmaras
Municipais, para atender as demandas locais.

As Câmaras Municipais eram instituídas nas vilas e povoados e compostas por três ou quatro
vereadores e um juiz ordinário, que naquele período eram chamados de “homens bons”, pessoas
ricas e influentes de cada região. Apenas integrantes da elite colonial, portanto, podiam eleger ou
ser eleitos para compor e dar funcionamento às Câmaras Municipais. Dessa maneira, mulheres,
escravos, estrangeiros ou homens de poucas posses materiais não podiam participar da escolha
ou composição dessas Câmaras. Conclui-se disso que o fenômeno do poder local ligado às
elites tem origem a partir do funcionamento desses órgãos desde o século XVI.

Basicamente, as Câmaras Municipais tinham como principais atribuições:

a. Gerenciar a ordem econômica política e administrativa das vilas e cidades onde estavam instaladas;
b. Administrar os gastos públicos locais;
c. Realizar julgamentos, portanto, exerciam também o poder judiciário;
d. Construir e zelar pelos bens públicos como pontes, ruas, prédios públicos;
e. Estabelecer regras para o comércio e cuidar da limpeza pública.

Como se pode observar, as Câmaras Municipais ocupavam as funções legislativa, judiciária e


executiva, sendo peças fundamentais dentro do funcionamento da administração colonial,
trazendo elementos para se entender uma lógica de poder que funciona até os dias atuais, o
mandonismo local que, muitas vezes, se sobrepõe à lei e ao poder central.

Tomé de Sousa foi o primeiro governador-geral nomeado e assumiu seu posto em 1549.
Estabeleceu-se desde então a sede do Governo‑Geral na cidade de Salvador. Ainda durante seu
governo, criou-se o primeiro bispado (1551), iniciou-se a atividade pecuária, com o gado bovino,
que se adaptou muito bem em terras brasileiras, e deu-se incentivo ainda maior à atividade
açucareira, com a construção de mais engenhos.

Importante destacar que a implantação do Governo-Geral não eliminou as Capitanias


Hereditárias. Durante muito tempo, as duas instituições conviveram e nem sempre de forma
harmônica. Uma das capitanias mais prósperas, a de Pernambuco, por exemplo, relutou em
aceitar as decisões de Tomé de Sousa. Duarte Coelho, o donatário da capitania de Pernambuco,
chegou a fazer solicitações ao rei de Portugal para que o governador‑geral não interferisse nas
questões particulares de sua capitania.

No mesmo navio em que chegou Tomé de Sousa, também vieram os primeiros jesuítas, que
tiveram como missão a cristianização da população nativa do Brasil, afinal de contas, os
governantes de Portugal também deveriam atender aos interesses da Igreja Católica, que vivia
momentos difíceis na Europa em função da Reforma Protestante liderada por Martinho Lutero.

Aliás, a parceria entre Igreja Católica e Coroa portuguesa foi fato que ocorreu por todo o período
da colonização. Nem sempre foi uma relação amistosa, mas, em linhas gerais, transcorreu de
forma conjunta nas ações que se desenrolaram no Brasil.
Figura 7 - Os jesuítas no Brasil.

Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçu - por Benedito Calixto. Fonte:


wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Benedito_Calixto_-
_Anchieta_e_N%C3%B3brega_na_cabana_de_Pindobu%C3%A7u.jpg]

Os portugueses trouxeram outros elementos importantes que compõem hoje nossa cultura, e
talvez muita gente não saiba disso.

Muitos dos pratos hoje considerados típicos da gastronomia brasileira são nada menos que
resultado de adaptações da culinária portuguesa às condições do Brasil Colônia. Alguns
exemplos são a feijoada, o quindim, o caldo verde, a cachaça e a bacalhoada.

Do mesmo modo, várias frutas, legumes e verduras naturais de Portugal foram trazidos para
serem plantados em terras brasileiras e, com isso, foram introduzidos na alimentação daqui,
como jaca, fruta-do-conde, coco, manga, couve, pepino, alface, cebola e alho, condimentos e
ervas, entre outros.

Fonte: mundolusiada.com.br [https://www.mundolusiada.com.br/cultura/cultura-brasileira-


exibe-ampla-heranca-portuguesa/]

O segundo Governador-Geral foi Duarte da Costa, que governou de 1553 até 1558. Seu governo
foi marcado pelos conflitos entre jesuítas e colonos sobre a questão indígena. Enquanto os
religiosos procuravam a evangelização dos indígenas, os colonos objetivavam o apresamento
indígena para o trabalho escravo.
Outro problema grave enfrentado pelo governador foram as invasões francesas em território
brasileiro, mais especificamente na região do atual Rio de Janeiro, em 1555.

Os franceses chegaram a constituir um núcleo colonial na região, a França Antártica, chefiada


por Nicolau Durand Villegaignon e Gaspar de Coligny.

A empreitada francesa estava inserida dentro dos conflitos religiosos existentes entre católicos e
protestantes. A França Antártica era composta basicamente por calvinistas franceses que
fugiam das perseguições religiosas que sofriam na Europa.

Além da questão religiosa, a fundação de uma colônia no Brasil atendia aos interesses
mercantilistas da coroa francesa que, naquele contexto, era ocupada por Henrique II.

O que agravava a situação para Duarte da Costa era o fato de que os franceses tinham como
aliados os índios da Confederação dos Tamoios, inimigos dos portugueses.

Mem de Sá, o terceiro Governador-Geral, teve sua administração marcada por ações que visavam
resolver basicamente os conflitos ocorridos no governo de seu antecessor. Procurou pacificar a
relação entre jesuítas e colonos e, principalmente, mover ações para expulsar os invasores
franceses do Sudeste brasileiro.

Nesse processo, foi de fundamental importância a participação dos jesuítas, que conseguiram
convencer os índios a deixarem de apoiar os franceses. Agora aliados aos portugueses, os índios
tiveram participação importante na expulsão definitiva dos franceses da região, em 1567. Nesse
contexto é que foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro por Estácio de Sá,
sobrinho do Governador-Geral.

Nesse período, no entanto, os conflitos entre portugueses e franceses ainda ocorreram em


outras regiões, como Paraíba (1584), Sergipe (1590), Rio Grande do Norte (1599) e Ceará (1603).

Pouco tempo depois, em 1612, os franceses fizeram nova investida em terras brasileiras, agora
no Nordeste. Fundaram a cidade de São Luís e implantaram uma nova colônia, a França
Equinocial no Maranhão, mas os portugueses conseguiram expulsá-los em 1615.

Essas investidas francesas já estão inseridas dentro da conjuntura da União Ibérica, da qual
trataremos mais à frente.

Depois do governo de Mem de Sá, o Brasil foi dividido em dois governos gerais, o do Norte, com
sede em Salvador, e o do Sul, com sede no Rio de Janeiro. Essa medida foi adotada em função da
preocupação com o tamanho do território, muito grande para um único administrador. Como os
objetivos não foram alcançados, a colônia foi reunificada de novo em 1578, no governo de
Lourenço da Veiga.

Nessa época, porém, os portugueses estavam bem mais preocupados com um fato situado em
um contexto específico europeu, mas que teve repercussões seríssimas no Brasil: a União
Ibérica, que ocorreu de 1580 até 1640.

Videoaula - Invasões estrangeiras

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[https://player.vimeo.com/video/429844866] .

2.4 A União Ibérica e as invasões holandesas

É por conta da União Ibérica que se pode entender a invasão do Brasil por outro país europeu, a
Holanda. Nas linhas seguintes, abordaremos as razões e os efeitos deixados no Brasil nesse
período em que Portugal e Espanha estiveram unificados.

Em 1578, morreu na Batalha de Alcácer-Quibir (atual Marrocos) o rei de Portugal, Dom Sebastião.
Era muito novo (21 anos) e não deixou herdeiros. Seu tio‑avô, o cardeal Dom Henrique assumiu a
coroa, mas faleceu em 1580 por conta da idade avançada. Com isso, terminava a dinastia de
Avis, que governara Portugal desde 1385, e abriu-se um processo de sucessão real ao trono.
Como pretendente à coroa apareceu Felipe II, rei também da Espanha. Era neto de Dom Manuel, o
venturoso, que governou Portugal de 1495 até 1521, e, portanto, alegava ter direito à linha
sucessória. A nobreza portuguesa não o via com bons olhos, pois aceitar Felipe como rei
significaria submeter Portugal aos domínios da Espanha, mas foi isso que aconteceu.
Portugal estava fragilizado com as guerras contra os mouros e gastos com as navegações, e não
pôde oferecer resistência a Felipe II, que impôs duras derrotas aos lusitanos e assumiu o trono
português unindo, ou melhor, submetendo Portugal ao domínio espanhol a partir de 1580. Era a
chamada União Ibérica.

Figura 8 - Felipe II, Rei da Espanha.

Retrato de Felipe II por Sofonisba Anguissola. Fonte: wikimedia.org


[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portrait_of_Philip_II_of_Spain_by_
Sofonisba_Anguissola_-_002b.jpg]

Apesar do tom belicoso, Felipe II assumiu alguns compromissos que mantinham a autonomia
portuguesa em suas colônias como o Brasil. Permitiu, por exemplo, que o comércio colonial
continuasse a ser feito com navios portugueses e manteve os funcionários portugueses nos
postos administrativos coloniais no Brasil. Os portugueses também conseguiram do novo
soberano um juramento que impedia autoridades espanholas de interferirem nos negócios
coloniais desenvolvidos no Brasil.
Para o Brasil, o problema maior que a União Ibérica trouxe foram invasões de países europeus
que eram inimigos da Espanha de Felipe II.

Ingleses, franceses e holandeses passaram a atacar com frequência a costa brasileira com
objetivos claros de afrontar o poder espanhol. Para nosso estudo em específico, vamos focar
mais no caso holandês, que implicou não somente ataques esporádicos, mas também uma
ocupação que durou mais de duas décadas.

A Holanda, antes de receber esse nome, era conhecida como Províncias Unidas dos Países
Baixos, que, em meados do século XVI, era território espanhol em função das relações dinásticas
existentes na Europa naquele momento.

O rei espanhol Felipe II governava a região com mãos de ferro. Especialmente por ser católico
fanático, reprimia com violência os habitantes, incluindo a alta nobreza da região, por sua filiação
religiosa ao calvinismo protestante.

A presença de tropas espanholas e a criação de novos impostos deram motivos para que se
organizasse nos Países Baixos uma forte resistência à dominação espanhola. Vários protestos
se organizaram, movidos por uma motivação religiosa e social contra o tirano espanhol. Felipe II
reagiu com violência e isso aumentou os movimentos pela independência dos Países Baixos.

A independência oficial aconteceu em 1581, em um manifesto publicado em Haia. O


reconhecimento da independência pelos espanhóis só veio em 1609, mas a paz definitiva
somente aconteceu em 1648 através de um tratado formalde paz, em que os holandeses tiveram
apoio logístico e militar de ingleses, franceses e escoceses, entre outros.

Toda essa conjuntura tinha reflexos no Brasil. Holanda e Portugal tinham bom histórico de
relações comerciais desde a Idade Média, e, no caso específico brasileiro, os investimentos na
produção eram altos e Portugal passou a contar com capitais holandeses para a estruturação da
economia açucareira no Brasil. Com o tempo, capitalistas holandeses passaram também a
intermediar a negociação do açúcar brasileiro na Europa, um negócio altamente rentável, que
promoveu muitos lucros para a burguesia mercantil holandesa. Esse bom relacionamento e alto
giro de capital em torno do açúcar sofreu um sério abalo com a União Ibérica na segunda metade
do século XVI.

Embora não oficialmente, Portugal ficou submetido aos interesses espanhóis, e nesse período, a
Holanda, ou melhor, os Países Baixos passavam por uma guerra de independência em relação à
Espanha. A relação comercial entre Portugal e Holanda foi proibida por Felipe II, e a participação
holandesa no ciclo açucareiro no Brasil terminou. A Holanda, porém, não queria perder seus
capitais investidos em terras brasileiras. Por isso, decidiu optar por invadir nossas terras para
manter seus lucros com a chamada empresa açucareira.

Em 1621, fundou-se a Companhia das Índias Ocidentais (West Indian Company) com capitais
privados e com anuência do governo holandês, para o comércio e a exploração de colônias.
Assim, a Companhia recebeu do governo o monopólio para exploração do tráfico negreiro e
exploração de colônias na América e na África por 24 anos. Em sua composição, a empresa
também possuía estrutura militar, pois previa ainda a exploração de colônias de outras nações,
como acabou ocorrendo no caso brasileiro, uma colônia de Portugal, que não era mais parceiro
comercial em função da União Ibérica.

Por essa razão, os holandeses invadiram a Bahia em maio de 1624. A população de Salvador
fugiu para o interior e o governador Diogo de Mendonça, que não havia preparado militarmente a
cidade para o ataque, foi preso e mandado para a Holanda.

Os espanhóis reagiram imediatamente, pois temiam que os holandeses usassem o Brasil apenas
como um ataque prévio para, depois, atacarem também as possessões espanholas do Peru, ricas
em metais preciosos.

Montou-se uma esquadra com soldados espanhóis e portugueses que chegaram a Salvador em
1625. Os combates foram rápidos e, em um mês de luta, os holandeses foram expulsos do Brasil.

Os batavos não desistiram do Brasil, porém, planejando um ataque a Pernambuco, centro da


produção açucareira da colônia.

Agora, mais bem preparados militarmente e contando com informações estratégicas precisas


para o ataque, eles realizaram nova invasão ao Nordeste brasileiro no ano de 1630. O governador
de Pernambuco, Matias Albuquerque, não conseguiu conter os avanços holandeses e resolveu
incendiar Recife para não a entregar aos inimigos. Concentrou sua resistência no Arraial do Bom
Jesus, localidade entre Olinda e Recife que oferecia condições geográficas mais favoráveis para
ataques ao invasor. A resistência, no entanto, não durou muito tempo.

O leitor mais atento pode estar se perguntando: mas, e a Espanha? Por que não
enviavam auxílio militar como feito em Salvador cinco anos antes?
O problema é que, nesse momento, a Espanha passava por séria crise e seu domínio
sobre a Europa sofria vários reveses.

A Espanha estava envolvida em um custoso conflito, a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Perdia muitos carregamentos de prata da América, ora por ações de corsários, ora por furacões
que afundavam seus galeões, e o parceiro português passava por problemas sérios de produção
agrícola por causa da seca. Em função de todo esse quadro, os espanhóis não tinham forças
para ajudar os brasileiros na luta contra os holandeses. A partir de 1635, os brasileiros não
ofereciam mais resistência e a presença holandesa em seu litoral se consolidou.

Figura 9 - Brasil Holandês.

Fonte: fernandonogueiracosta.wordpress.com
[https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2017/02/28/raizes-da-crise-
que-levou-o-brasil-holandes-a-derrocada/]

Por isso, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) passou para uma nova etapa de exploração,
organizando uma administração local com base no Recife para tornar a invasão em um negócio
rentável para seus cofres. Para tanto, nomeou um administrador que deixaria marca muito forte
em Nova Holanda (nome que passou a receber a área nordestina dominada pelos holandeses),
Maurício de Nassau, que governou de 1637 até 1644.

Nassau incrementou a produção açucareira no Nordeste adotando uma política de


relacionamento pacífico e amigável com os senhores de engenho locais. Reconstruiu engenhos
destruídos, oferecendo crédito a juros controlados pela WIC, diminuiu pela metade o valor dos
impostos cobrados e adotou uma postura de tolerância religiosa com os habitantes locais.
Nunca é demais recordar que o Brasil, em função da colonização portuguesa, era extremamente
católico, enquanto os holandeses eram calvinistas protestantes. Mediante tudo isso, a produção
açucareira no nordeste aumentou consideravelmente, especialmente com a ampliação da área
cultivada e a adoção de novas técnicas de aumento de produtividade.

Paralelamente a isso, Nassau tomou medidas para melhorar Recife. Pavimentou ruas, construiu
pontes, criou os jardins botânico e zoológico e trouxe artistas, cientistas e arquitetos para
reurbanização da sede da WIC no Brasil, que passou a ser chamada de Maurícia. Foi nesse
contexto que estiveram em terras brasileiras importantes pintores, como Franz Post e Albert
Eckout, que fizeram os primeiros registros visuais da fauna e da flora do Brasil.

Figura 10 - Frutas tropicais representadas por Eckhout.

Obra "Abacaxi, melancias e outras Frutas (Frutas brasileiras)" por Albert


Eckhout. Fonte: wikipedia.org
[https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Albert_Eckhout_1610-
1666_Brazilian_fruits.jpg]
Figura 11 - "Carro de Boi", pintura de Franz Post.

"Carro de Boi" por Frans Post. Fonte: wikimedia.org


[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Frans_Post_(1612-
1680),_Le_Char_%C3%A0_b%C5%93ufs._Paysage_br%C3%A9silien,_1638.png]

Alguns problemas, porém, acabaram tornando-se frequentes e levaram ao desgaste entre


Nassau e a Companhia das Índias Ocidentais, e, por consequência, entre a Companhia e os
colonos luso-brasileiros. A política de boa vizinhança de Nassau com os produtores começou a
ser questionada especialmente em função dos prejuízos financeiros que a Companhia passou a
apresentar. Eram frequentes os atrasos nos pagamentos, e as renegociações dos débitos
passaram a não ser mais aceitas. Até a postura de tolerância religiosa foi colocada em xeque
quando religiosos católicos passaram a ser proibidos de entrar em Nova Holanda. Somam-se a
tudo isso denúncias de que Nassau realizava transações comerciais em benefício próprio. E, para
agravar todo esse quadro para os holandeses, na Europa, a União Ibérica havia terminado em
1640.

Com toda essa conjuntura desfavorável, e com a imagem cada vez mais desgastada, Maurício de
Nassau foi destituído do cargo de administrador e teve que retornar à Holanda em 1644. Essa
pode ser considerada a data em que os holandeses começaram a ser expulsos do Brasil.

Os novos administradores da WIC mudaram a política de tolerância e boa vizinhança com os


senhores de engenho, e não demorou a surgir movimentos de contestação à presença holandesa
no Nordeste. Esses movimentos logo se transformaram em combates armados para expulsão
dos holandeses.

Importantes senhores de engenho, como André Vidal Negreiros e João Fernandes Vieira, se
uniram com lideranças populares locais, como o índio Filipe Camarão, o negro Henrique Dias e
autoridades coloniais, como o governador da Bahia, e, em 1645, impuseram duras derrotas aos
batavos.

Para piorar o quadro, a Holanda enfrentava graves problemas na Europa em função da guerra
contra a Inglaterra deOliver Cromwell, que, com os Atos de Navegação, prejudicava o comércio
holandês. Nesse contexto, ficaram famosas as batalhas de Guararapes (1648 e 1649), em que as
forças locais lograram vitórias estrondosas contra os militares holandeses.

Figura 12 - Batalha de Guararapes.

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Batalha_dos_Guararapes.jpg]

A partir de 1653, com a ajuda inglesa, Portugal organizou e enviou uma frota para ajudar os
colonos em sua luta. A rendição holandesa não demorou a acontecer. Foram expulsos
definitivamente em 1654 e, assim, terminou a presença da Nova Holanda no Brasil. Isso não
ocorreu sem prejuízo aos cofres portugueses. Além dos gastos com a estrutura militar, Portugal
teve de assinar em 1661 um tratado de paz com os holandeses, a Paz de Haia, em que ficou
acertado o pagamento de indenização à Holanda de oito milhões de florins (equivalente a 63
toneladas de ouro). Além disso, o acordo previa a cessão do Ceilão (atual Sri Lanka) à Holanda
em troca do reconhecimento da soberania portuguesa sobre o Brasil e Angola.
Videoaula - Ciclo do açucar e revoltas nativistas

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[https://player.vimeo.com/video/429845287] .
Exercícios de fixação
Analise as informações abaixo e depois assinale a alternativa CORRETA:

A escravidão no Brasil começou com a exploração do pau-brasil.

Maurício de Nassau foi um importante administrador da França Antártica.

Governo Geral foi o primeiro modelo administrativo adotado pelos portugueses no Brasil.

A presença francesa no Brasil pode ser atestada na fundação da colônia da França Equinocial.
Exploração econômica portuguesa no Brasil e as revoltas
3
coloniais

3.1 O ciclo do açúcar

A partir do século XVI, os portugueses implantaram a primeira atividade produtiva na colônia


brasileira, chamada por muitos historiadores como o primeiro ciclo econômico do Brasil Colônia:
a cana de açúcar.

Também trazida pelos portugueses, que já tinham experiência no seu cultivo em outras colônias
portuguesas, como a Ilha de Madeira, a cana‑de‑açúcar se adaptou rapidamente no Brasil porque
o clima e o solo eram extremamente favoráveis ao cultivo da planta.

Outro fator que explica a escolha pelo açúcar é que era produto relativamente novo na Europa.
Antes do açúcar, os europeus, quando adoçavam suas bebidas, utilizavam o mel. O novo
adoçante caiu nas graças das mesas europeias e o consumo de açúcar aumentou
espantosamente. Os portugueses tinham certeza de que toda a produção na América teria
mercado consumidor garantido na Europa.

A cana, planta utilizada na produção do açúcar, existe desde o ano 20 mil antes de Cristo.

Originária da Índia, foram os egípcios e os árabes, porém, que a difundiram pelo mundo e criaram
o processo de refinamento.

O Brasil é, ainda hoje, um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do mundo.

Fonte: alfredojunior.wordpress.com [http://alfredojunior.wordpress.com/2010/05/21/curiosidade-


cana-de-acucar/]

O desenvolvimento dessa atividade ocorreu dentro do modelo conhecido como plantation, que se
assentava no tripé latifúndio monocultor (gigantescas propriedades onde se planta só uma
cultura), trabalho escravo e produção inteiramente voltada para o comércio exterior.

Como o negócio se mostrou altamente lucrativo pelas características já apresentadas, os


engenhos se multiplicaram, principalmente na região Nordeste, chegando a haver cerca de 400
unidades produtivas no início do século XVII.

A produção chegou a tal ponto que, no fim do século XVI, o Brasil já era a maior colônia
produtora do mundo, com um açúcar considerado de qualidade superior ao produzido nas Índias.
Das cerca de seis mil toneladas produzidas por ano, noventa por cento eram direcionados para a
Europa.

A unidade produtiva do açúcar era chamada de engenho. Normalmente um engenho era


composto por uma moenda, casa das caldeiras e fornalhas, e casa de purgar. Faziam parte da
propriedade também a habitação dos senhores (Casa Grande), dos escravos (Senzala), a capela,
a oficina e a área de plantação.

Figura 13 - Engenho de Açúcar.

Fonte: ensinarhistoriajoelza.com.br
[https://ensinarhistoriajoelza.com.br/para_colorir_engenho_frans_post/]

Depois de colhida, a cana era levada para a moenda, onde o caldo era extraído. Esse caldo era
posteriormente levado para as caldeiras e fornalhas, onde era cozido em grandes tachos de
cobre. Disso saía uma pasta que era alocada em formas de metal ou barro. Depois de dias, o
“pão de açúcar” era retirado e levado para a casa de purgar, onde era feito o refinamento do
açúcar. O produto era embalado e enviado para Portugal e, depois, seguia para a Holanda, que
tinha parceria com o governo português para a distribuição do açúcar para a Europa toda.
Geralmente eram produzidos dois tipos de açúcar, um de cor mais escura (mascavo), usado para
consumo interno, e o refinado branco, utilizado para o consumo na Europa. A partir do século
XVII, os holandeses também passaram a refinar o açúcar.
Figura 14 - Etapas do fabrico do açúcar.

Fonte: seguindopassoshistoria.blogspot.com [http://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2013/12/o-


engenho-e-o-fabrico-do-acucar-no.html]
O açúcar no Brasil acabou interferindo e moldando a sociedade que aqui se constituiu durante os
séculos XVI e XVII. O centro econômico da colônia passou a ser o Nordeste, em razão de ser a
área principal do cultivo da cana. Isso também explica a ocupação territorial da colônia, que
nesse período se limitou à faixa litorânea, uma vez que boa parte da produção se dava na Zona
da Mata, pela qualidade do solo e a proximidade com os portos que escoavam a produção para a
Europa.

Um dos mais importantes intérpretes da cultura brasileira, Gilberto Freyre, em sua obra
“Nordeste” (1937), analisa como a atividade açucareira acabou dando traços amplos para as
relações sociais da colônia:

Dentro da civilização do açúcar – que por algum tempo constituiu quase toda a civilização brasileira

– o pernambucano foi a especialização mais intensa das qualidades e dos defeitos dessa

organização monocultora, monossexual, e principalmente aristocrática e escravocrática.

Organização cheia de contrastes. Inimiga do indígena. Opressora do negro – embora menos que a

mineira ou a paraense. Opressora do menino e da mulher –embora ostentando uma galanteria, um

cavalheirismo, uma devoção pelo “belo sexo” que nenhuma outra civilização brasileira ostentou com

tanto brilho no passado (FREYRE, 2004, p.98).

A atividade açucareira no Brasil entrou em declínio na segunda metade do século XVII. Essa
queda da produção está ligada à expulsão dos holandeses do Brasil em 1654, fato já tratado
neste texto.

O problema para os produtores brasileiros era que os holandeses expulsos se instalaram em


suas próprias colônias na América Central (nas Antilhas) e lá passaram a incrementar a mesma
indústria açucareira que desenvolviam em território brasileiro. Os europeus, que estavam
habituados a comprar o açúcar dos holandeses, continuaram adquirindo o produto, só que agora
não mais produzido no Brasil, e sim nas Antilhas. Com tudo isso, a produção açucareira brasileira
despencou, dando fim ao maior empreendimento agrícola colonial existente até então.

Essa conjuntura de crise econômica, aliada à questão de mão de obra e da ação dos jesuítas,
ajuda-nos a entender alguns movimentos de contestação dos colonos em relação à metrópole.

Embora ainda não se falasse em rompimento do pacto colonial ou em independência do Brasil,


alguns desses movimentos questionavam fortemente, e até com uso de força armada, as
medidas adotadas por Portugal em terras brasileiras. Estamos nos referindo especificamente
aos eventos nativistas da Revolta de Beckman, ocorrida em 1684 no Maranhão, e da Guerra dos
Mascates, deflagrada em 1710 em Pernambuco.
Movimentos nativistas do ciclo do açúcar: A Revolta de Beckman
3.2 (1684) e a Guerra dos Mascates (1710)
A Revolta de Beckman foi um movimento dos senhores de engenho da capitania do Maranhão,
que, na segunda metade do século XVII, passava por grave crise econômica devido à
concorrência do açúcar dos holandeses produzido nas Antilhas, conforme já exposto. Em função
dessa crise, os colonos maranhenses faziam uso da mão de obra indígena, já que o custo do
escravo africano era proibitivo para as condições financeiras dos senhores de engenho da
região. Dessa forma, promoviam-se constantes ataques às missões jesuítas para aprisionar
índios para trabalharem como escravos. Claro que isso criou um ambiente de confronto aberto
entre os jesuítas e os colonos maranhenses.

O governo português interveio nessa questão. Para solucionar o problema, criaram a Companhia
do Comércio do Maranhão em 1682, que teria como principal objetivo abastecer a região de mão
de obra escrava africana (enviando 500 escravos por ano durante 20 anos), de produtos básicos
de primeira necessidade como trigo e tecidos e, ao mesmo tempo, comprar o açúcar dos
produtores locais para revendê-lo na Europa. O que deveria solucionar e pacificar a região,
entretanto, acabou se constituindo em mais um problema que agravou os conflitos já existentes.

A Companhia de Comércio não cumpriu com o prometido em relação aos escravos. Pagava
pouco pelo açúcar local produzido e vendia os produtos aos colonos por preços abusivos.

Diante de tudo isso, a elite colonial da região organizou um movimento para acabar com a
Companhia de Comércio e, ao mesmo tempo, acabar com a ação jesuíta, que os impedia de
escravizar os índios.

Os colonos passam então à ação. No ano de 1684, expulsam os jesuítas da região, tiram do
poder o governador do Maranhão e organizam um governo provisório. Além desses atos, tornam-
se cada vez mais frequentes os saques aos armazéns da Companhia de Comércio.
Figura 15 - Mapa de São Luís à época da Revolta de Beckman.

Fonte: historia.uff.br [https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/wp-


content/uploads/2017/01/20170114_010420.jpg]

Os principais líderes desse movimento foram os irmãos Beckman (Manuel e Tomás), daí o nome
do movimento. Importante, mais uma vez, destacar que se tratou de um movimento nativista que
em nenhum momento colocou em suas reivindicações a separação do Brasil em relação a
Portugal. Seus objetivos eram pontuais: acabar com o monopólio da Companhia de Comércio e
tirar a influência dos jesuítas da região.

Chegaram a enviar Tomás Beckman a Portugal para expor os problemas para pacificar a região.
O governo português, no entanto, não estava muito aberto a negociações. Tomás foi preso; no
Brasil, Manuel foi sumariamente julgado e executado na forca, e a coroa enviou para o Maranhão
um novo governador, Gomes Freire de Andrade, em 1685.

Apesar da derrota pela força, algumas das reivindicações locais foram atendidas, pois a
Companhia de Comércio foi abolida e permitiu-se a escravização de índios em determinadas
situações.

Ainda no Nordeste, pouco tempo depois, ocorreu outro conflito nativista relacionado à crise
econômica causada pela decadência do açúcar e que expunha as contradições do pacto colonial:
a chamada Guerra dos Mascates.

Desde o início do chamado ciclo do açúcar, Pernambuco se constituíra em uma das principais
praças produtoras de açúcar da colônia. Olinda se consolidou como um dos maiores centros
produtores e seus senhores de engenho enriqueciam e adquiriam prestígio e poder político ao
mesmo tempo.

Em meados do século XVII, porém, com a expulsão dos holandeses, esse quadro se alterou
profundamente. A crise econômica gerada pela expulsão dos holandeses e a concorrência do
açúcar antilhano produzido por eles fizeram com que esses produtores olindenses recorressem
frequentemente a empréstimos tomados de comerciantes portugueses radicados em Recife, que,
na época, era um povoado submetido às decisões políticas da Câmara Municipal de Olinda.
Esses comerciantes portugueses eram chamados pejorativamente pelos olindenses de
“mascates”, denominação que naquele momento designava os mercadores como aproveitadores
que cobravam preços e juros altos em função das dificuldades econômicas vivenciadas no
período.

Diante desse quadro, logo se evidencia uma clara oposição entre os senhores de engenho de
Olinda e os comerciantes portugueses de Recife, os “mascates”.

Figura 16 - A desigualdade
econômica e açucareira.

"Um mascate e seu escravo" por Sir


Henry Chamberlain, Fonte:
wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Um_mascate_e_seu_escravo,_1822
.jpg]

Para agravar o ambiente político da região, os recifenses reivindicavam junto à Coroa portuguesa
sua autonomia administrativa, libertando-se da autoridade da Câmara Municipal de Olinda. Esse
pedido foi aceito em 1709 por Dom Joao V, rei português da época, pela importância cada vez
maior de Recife em função do crescimento do comércio e, principalmente, por se tratar de
atividade desenvolvida por mercadores naturais de Portugal.

Os senhores de engenho de Olinda não aceitaram perder a dependência política de Recife em


relação à sua Câmara Municipal. Liderados por Bernardo Vieira de Melo e usando como pretexto
questões ligadas aos limites territoriais entre Olinda e Recife, os produtores de açúcar passaram
a atacar autoridades e comerciantes portugueses. O governo português interveio reprimindo os
revoltosos e prendendo seus principais líderes.

A situação só foi resolvida em 1711 com a nomeação de um novo governador para a região, Félix
José de Mendonça, que, além da repressão militar, adotou medidas de caráter conciliador. No
fundo, porém, atendia mais aos objetivos dos comerciantes portugueses, pois Recife foi elevada
à condição de vila, com Câmara Municipal independente de Olinda e, posteriormente, elevada a
cidade, como é atualmente.

Novamente, assim como ocorreu no Maranhão, o Nordeste apresentou uma revolta que
demonstrava a insatisfação dos colonos, também motivada por questões econômicas, em
relação às medidas administrativas da metrópole portuguesa. Mais uma vez também é
importante destacar que foi um movimento local gerado em função de um problema pontual e
que não colocava em pauta uma reivindicação de autonomia ou independência em relação a
Portugal, daí seu caráter nativista.

Videoaula - Ciclo do ouro e revoltas nativistas

Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui
[https://player.vimeo.com/video/429845695] .

3.3 O ciclo do ouro

Para a alegria geral, especialmente do governo português, no final do século XVII descobriu-se
ouro na região das Minas Gerais e rapidamente a extração aurífera tornou-se a principal
atividade econômica do Brasil, pois a quantidade do metal precioso encontrado era muito
grande.

Os principais responsáveis pela descoberta do ouro foram os bandeirantes paulistas, que


trabalharemos com mais detalhes quando tratarmos da expansão territorial.

Não se sabe ao certo se um determinado explorador foi o responsável pela primeira descoberta.
Algumas fontes relatam que um bandeirante chamado Rodrigo Arzão teria sido o “descobridor”
das primeiras jazidas, mas não se trata de informação aceita consensualmente. O que se tem de
informação aceita é que o ouro foi descoberto em diferentes pontos da região que hoje é Minas
Gerais, na última década do século XVII. E a notícia dessa descoberta gerou uma corrida intensa
dentro da colônia pela possibilidade de fortuna rápida que a atividade mineradora podia trazer.

Em várias regiões do Nordeste, por exemplo, muitos trabalhadores e até senhores de engenho
venderam suas posses para poderem se transferir para a região mineradora. Esse movimento
gerou um problema grave no Nordeste, pois muitas regiões da Bahia e Pernambuco passaram a
sofrer com escassez de mão de obra para suas atividades.

O governo português inicialmente ficou exultante com a notícia da descoberta, afinal, era algo
que buscava obsessivamente desde o início da colonização. Em 1720, porém, teve de adotar
medidas restritivas para a emigração de seus habitantes, que aos milhares queriam se mudar
para a colônia em busca do tão desejado metal precioso. Todo esse afluxo populacional gerou
um problema muito grave na região mineradora: a fome.

Por características próprias, a área mineradora era montanhosa e não oferecia boas condições
para agricultura e criação de animais. Dessa forma, faltavam alimentos básicos na região para
abastecer a gigantesca população que para lá se deslocava.

Um observador muito atento da época, o jesuíta italiano André João Antonil (1997), registrou
esse fluxo intenso populacional na região:
A sede insaciável do ouro estimulou tantos a deixarem suas terras, a meterem-se por caminhos tão

ásperos, como são os das minas, que dificilmente se poderá saber do número de pessoas que,

atualmente, lá estão. Mais de 30 mil homens se ocupam, uns em catar, outros em mandar catar o

ouro nos ribeiros [...]. Cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para

passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e

muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e

mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos

institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa (ANTONIL, 1997, p.167).

Apesar das medidas da coroa para conter o fluxo de pessoas para a região, muitos povoados
foram fundados, como Vila Rica, Sabará, Ribeirão do Carmo e Congonhas do Campo, entre
muitos outros.

Movimentos nativistas do ciclo do ouro: A Guerra dos Emboabas


3.4 (1708) e a Revolta de Vila Rica (1720)
Logo no começo do século XVIII, surgiu o primeiro grande conflito sério por causa do ouro, a
Guerra dos Emboabas. Os bandeirantes paulistas se achavam no direito exclusivo de explorar o
ouro, uma vez que foram eles os descobridores da região.

Os portugueses – chamados pelos paulistas de emboabas – não concordaram com isso, dando
início à guerra que resultou, em 1709, na expulsão dos paulistas da região, em um episódio
conhecido como “Capão da Traição”, no qual, depois de rendidos, um número grande de
combatentes paulistas foi executado pelos emboabas (portugueses e nordestinos). Esse
episódio teve efeitos na interiorização da colônia, pois os exploradores paulistas expulsos da
região foram encontrar novas minas de ouro na região Centro-Oeste (Mato Grosso e Goiás),
região que ficava além do limite estabelecido pelo tratado até então vigente entre Portugal e
Espanha, o tratado de Tordesilhas.
Figura 17 - “Bandeirantes à Caminho das Minas”, obra de Oscar Pereira
da Silva.

"Bandeirantes à Caminho das Minas" por Oscar Pereira da Silva. Fonte:


wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Oscar_Pereira_da_Silva_-
_Bandeirantes_à_Caminho_das_Minas,_Acervo_do_Museu_Paulista_da_USP.
jpg]

Livre dos paulistas, a Coroa portuguesa tratou de montar uma estrutura administrativa e fiscal
para aproveitar ao máximo a extração do ouro. Criou o Regimento das Minas – conjunto de leis
que deveriam ser respeitadas por toda a população da região – e a Intendência das Minas, órgão
que foi responsável pela administração, julgamento de questões relacionadas à atividade e
fiscalização de toda a produção.

As primeiras explorações da região foram a do chamado “ouro de aluvião”, metal precioso


retirado da superfície de margens e leitos de rios. Com a circulação livre do ouro em pó e em
pepitas, logo surgiu um problema recorrente durante todo o período minerador, o contrabando.

Por essa razão, Portugal criou, a partir de 1720, as Casas de Fundição, para onde todo minerador
deveria encaminhar o ouro extraído para ser cobrado o principal imposto, o quinto real (20% do
ouro encontrado tinha que ficar com a Coroa). Aquele que fosse surpreendido pelas autoridades
transitando com ouro em pó escondido em alforjes, caixas ou qualquer recipiente atrelado a
animais de carga ou a escravos, era considerado contrabandista e, portanto, preso e submetido
às punições previstas no regimento das Minas.
Esse tributo, o quinto, era odiado pelos mineradores, surgindo daí a expressão, ainda atual, “o
quinto dos infernos”, ofensa que era dirigida aos cobradores de impostos.

Além do quinto, outros impostos passaram a ser cobrados, como o sistema de capitação, em que
todo minerador tinha de pagar 17 gramas de ouro por escravo que possuísse. E com tanta
cobrança para cima dos mineradores, não demoraria muito a surgirem revoltas.

Figura 18 - Ouro "quintado" das


Minas Gerais.

Fonte: ufmg.br
[https://www.ufmg.br/online/arquivos/
002512.shtml]

Em 1720, ocorreu a Revolta de Vila Rica, liderada por Felipe dos Santos, que, junto com
aproximadamente dois mil mineradores, exigia o fim das Casas de Fundição.
Figura 19 - Revolta de Vila Rica

"Julgamento de Filipe do Santos" por Antônio Parreiras. Fonte: wikimedia.org


[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Antonio_Parreiras_Julgamento_de
_Filipe_dos_Santos.jpg]

O governador da região, o conde de Assumar, prometeu intervir junto à Coroa para atender as
reivindicações. Na verdade, estava ganhando tempo para reunir tropas e reprimir com violência
todos os envolvidos. Felipe dos Santos, o principal líder, foi preso, sumariamente julgado e
enforcado. Seu corpo foi esquartejado e as partes foram expostas em toda Vila Rica. Portugal
queria dar um castigo exemplar para demonstrar a todos que não estava aberto a “negociações”
sobre a forma como explorava o Brasil.

Apesar da repressão, o contrabando ainda ocorria de forma sistemática e frequente, e era a única
maneira de se fugir das pesadas taxações impostas pelo governo português.

3.5 Decadência do ciclo do ouro

O ouro, como qualquer outro minério, é um recurso finito e, inevitavelmente, sua extração iria
entrar em declínio, especialmente por conta das técnicas rudimentares de extração que eram
usadas na época. Isso ocorreu na segunda metade do século XVIII. Até a fase de exploração nos
leitos dos rios, margens e encostas, as técnicas usadas eram suficientes, mas quando se chegou
ao estágio de exploração de rochas matrizes, onde seriam necessárias técnicas mais avançadas
de perfuração, o limite da extração ficou muito claro.

Para a Coroa portuguesa, entretanto, a diminuição da arrecadação de impostos se dava não pelo
esgotamento natural das minas, e sim pelo persistente contrabando de mineradores. E
justamente por achar que os colonos brasileiros constantemente burlavam os impostos, a Coroa
criou, na segunda metade do século XVIII, a chamada Derrama, para evitar mais contrabando.
Era uma forma violenta de cobrança de impostos. Cada região mineradora tinha de arrecadar
anualmente 100 arrobas (aproximadamente 1.500 quilos) de ouro em pagamento de impostos.
Se essa soma não fosse atingida, era decretada a Derrama, ou seja, as casas dos mineradores
eram invadidas e seus bens pessoais eram tomados até que se completasse a quantia exigida.

Desnecessário dizer o quanto os moradores da região ficaram extremamente arredios e


revoltados com o tratamento dispensado a eles pela Coroa portuguesa. De qualquer forma,
apesar do ciclo ter terminado, é importante destacar que muito ouro foi extraído de terras
brasileiras durante o século XVIII.

Figura 20 - Produção aurífera no Brasil durante o século XVIII.

Fonte: tutorbrasil.com.br
[https://www.tutorbrasil.com.br/forum/viewtopic.php?t=46675]

Em menos de um século, calcula-se que foi explorado mais ouro no Brasil do que em
quatrocentos anos de extração do metal precioso feito pelos espanhóis em suas colônias. A
produção brasileira teria respondido por quase metade de todo o ouro explorado no mundo entre
os séculos XV e XVIII. Como o Brasil era uma colônia portuguesa, toda essa produção tornou
Portugal um dos países mais ricos do mundo, certo? Não foi bem isso que aconteceu.

Portugal, durante 60 anos, foi dominado pelos espanhóis na União Ibérica. A restauração
portuguesa, em 1640, foi custosa a seus cofres e foi um processo que deu certo em função da
ajuda da Inglaterra, que era inimiga da Espanha em vários contextos das relações geopolíticas na
Europa. O auxílio inglês, entretanto, veio acompanhado de alguns acordos comerciais que foram
desastrosos para a economia portuguesa.

Acordos comerciais como os Tratados de Paz e Comércio (1642), Paz e Aliança (1654), Paz e
Amizade (1661) e, principalmente o Tratado de Methuen (1703), determinaram a quase completa
dependência política e, sobretudo, econômica de Portugal em relação à Inglaterra.
O Tratado de Methuen, especificamente, estabelecia que Portugal deveria comprar os tecidos
ingleses e, em troca, venderia seus vinhos para a Inglaterra, por isso esse acordo também é
conhecido como o tratado dos panos e vinhos. Como os valores e o consumo dos produtos
envolvidos eram muito desiguais para Portugal, sua balança comercial sempre apresentava
deficit e sua economia estava em recessão constantemente.

Como não havia mais recursos para pagar seus débitos junto aos ingleses, a Coroa portuguesa
passou a quitar suas dívidas com o ouro que era extraído do Brasil. E se pensarmos que o
desenvolvimento da Revolução Industrial na Inglaterra iniciou-se na segunda metade do século
XVIII, é possível afirmarmos que o ouro brasileiro contribuiu, em grande parte, para que os
ingleses atingissem a posição de maior potência mundial no fim da Era Moderna.

Sobre isso, o historiador uruguaio Eduardo Galeano, em seu livro “As veias abertas da América
Latina”, afirmava que"o ouro brasileiro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal e fábricas
na Inglaterra".

3.6 Exploração de diamantes na colônia

O chamado ciclo da mineração no Brasil não se restringiu apenas à exploração do ouro. Na


região chamada à época de Arraial do Tijuco, atual Diamantina (MG), foram encontradas pedras
de diamantes a partir de 1729.
Figura 21 - Extração de diamantes no Brasil durante o século XVIII.

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Juliao06.JPG]

O sistema de tributação era dificultado pelo fato de que não era possível “fundir” diamantes para
se cobrar a quinta parte, como ocorria com o ouro. A fiscalização era difícil e o contrabando
ocorria de forma até mais intensa do que no caso do ouro.

Para resolver a situação, Portugal criou, a partir de 1739, o sistema de contratos, em que a
exploração do diamante seria entregue a um contratador que seria responsável pela extração e
pelo pagamento da quinta parte de tudo que explorasse para a Coroa.
Um dos mais famosos contratadores foi João Fernandes, mineiro de Mariana, que recebeu a
função de contratador em 1753 e ficou muito conhecido por seu relacionamento com sua ex-
escrava Chica da Silva. Conhecida como a primeira grande dama negra do Brasil, a história de
Chica da Silva acabou servindo como base para a produção de filmes, novela e livros. Em 1770, o
contrato de exploração da região deveria ser renovado, mas isso não ocorreu, em função de
denúncias de sonegação de impostos e corrupção.

Como o sistema de contratação ainda possibilitava práticas de contrabando e corrupção,


Portugal resolveu assumir diretamente os processos de extração e controle da região. Por isso,
em 1771 criou a Intendência dos Diamantes, que passou a controlar, severamente, a circulação
de pessoas dentro do chamado Distrito Diamantino.

Calcula-se que no período total de exploração das pedras, de 1730 a 1830, cerca de 150 quilos de
diamantes foram retirados da região, tornando o Brasil desse período uma das maiores colônias
de exploração de diamantes.

3.7 Consequências da mineração no Brasil

A atividade mineradora (ouro e diamante), por suas características próprias, trouxe mudanças
significativas na colônia, não só dentro de uma perspectiva econômica, mas também
administrativa, social e geopolítica, em função do aumento do território e dos movimentos de
independência.

A primeira grande mudança foi demográfica. Calcula-se que no século XVIII a população da
colônia cresceu de 300 mil para 3 milhões de habitantes, portanto, dez vezes mais em função da
atividade mineradora.

Diferentemente do período açucareiro, com a mineração desenvolveu-se muito o mercado


interno. Como o solo da região mineradora era pobre para a atividade agropecuária, outras
regiões da colônia passaram a produzir com vistas a abastecer a região de Minas com produtos
alimentícios de primeira necessidade.

Por isso, regiões novas acabaram se incorporando à colônia, como o Sul do Brasil, por exemplo,
que passou a desenvolver mais a atividade pecuária para fornecer carne, couro, laticínios e
animais de transporte para Minas Gerais. Isso também incrementou uma circulação maior de
pessoas pelo interior da colônia.

Todo esse fluxo em torno da região explica o porquê a capital do Brasil se mudou para o Rio de
Janeiro em 1763, uma cidade com acesso mais fácil à região mineradora e, por isso, a produção
aurífera poderia ser escoada com maior facilidade aos portos para transporte à Europa.

A relação entre as classes sociais diversificou-se. As classes dominantes não se limitaram


apenas aos senhores de engenho. Havia também grandes comerciantes e mineradores, além dos
altos funcionários da Coroa que desempenhavam funções burocráticas como intendentes e
juízes.

Com mais povoados, vilas e cidades fundadas, também se verificou um maior número de
profissões com o ciclo do ouro. Consolidou-se na colônia uma classe média maior, composta por
pequenos comerciantes, advogados, artistas, artesãos, arquitetos, professores e trabalhadores
de baixa renda, como ferreiros, carpinteiros e pedreiros, além dos escravos, que compunham,
ainda, a maior parcela da população.

E, por falar em trabalho escravo, a população negra vivia em situação paradoxal. Apesar de
piorarem as condições de trabalho, em minas úmidas, frias, insalubres e com perigos constantes
de desabamento, aumentaram as possibilidades de liberdade, pois foram vários os casos nos
quais mineradores, para incentivar a extração, prometiam pequena porcentagem do que os
escravos achassem de ouro para suas economias pessoais. Com o tempo, muitos escravos
conseguiam poupar o suficiente para a compra de sua carta de alforria.

Todas essas características econômicas e sociais explicaram também certa redução de


concentração de renda, especialmente se comparada com o ciclo do açúcar.

Figura 22 - Igreja do Senhor Bom


Jesus de Matozinhos.

Fonte: guiadasemana.com.br
[https://www.guiadasemana.com.br/tur
ismo/noticia/as-igrejas-historicas-
mais-bonitas-do-brasil]
A mineração também produziu maior desenvolvimento intelectual e cultural no Brasil. Os capitais
acumulados com o ouro e os diamantes possibilitaram o surgimento de ordens religiosas que
financiavam escultores, arquitetos e músicos para suas atividades. Nesse processo é que
surgem nomes importantíssimos para as artes, como Aleijadinho (1730-1814) e Mestre Valentim
(1745-1813).

Como no Brasil ainda não havia universidades, os ricos mineradores enviavam seus filhos à
Europa, que na volta traziam em suas bagagens as novidades artísticas e filosóficas do Velho
Continente. Isso possibilitou o desenvolvimento na colônia de uma elite intelectual que promovia
a circulação de livros, saraus e eventos literários. É nesse processo que se desenvolveu o
chamado arcadismo brasileiro, com nomes importantes como Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio
Manuel da Costa.
A mineração colonial foi cenário para a origem de famosos ditados populares. É o caso da
expressão “santo do pau oco”, utilizada para designar pessoas dissimuladas. Como na época os
impostos sobre o ouro e outros metais preciosos eram altíssimos, santos de madeira oca eram
preenchidos com bens preciosos como ouro em pó. Assim, era possível passar pelas Casas de
Fundição sem pagar os abusivos impostos à Coroa.

Falando em impostos, você sabia que o primeiro imposto no Brasil surgiu no período da
mineração colonial? Chamado de quinto, era estipulado o recolhimento de 20% da riqueza obtida
em cada jazida para a Coroa Portuguesa. O sistema, porém, era muito vulnerável e acabou sendo
substituído, mais adiante, pela finta, que consistia na remessa de 30 arrobas anuais de ouro à
Coroa.

A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, tem esse nome devido à exploração local de ouro, mas
por que “preto”? O ouro da região era recoberto com uma camada de óxido de ferro, que lhe dava
uma tonalidade diferente da normal. Aliás, até 1823, a cidade era chamada de Vila Rica.

Devido à mineração colonial, a produção de ouro no Brasil representou metade da produção


mundial de ouro entre os séculos XVI e XVIII. E, claro, teve gente que ficou muito rica. Reza a
lenda que um escravo chamado Chico Rei conseguiu comprar a própria liberdade e a de outros
escravos com o ouro contrabandeado na Mina Encardideira, em Ouro Preto, onde trabalhava.

Fonte: www.vale.com [http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/news/Paginas/8-curiosidades-


sobre-a-mineracao-no-brasil-colonial.aspx]

3.8 A expansão territorial e os tratados de limites

Uma mudança significativa no Brasil no século XVIII foi a ampliação de seu território, e esse
processo não se deu apenas em função da mineração. No período açucareiro, a faixa de
ocupação do território se limitava apenas à região litorânea, atendendo, dessa forma, as
disposições previstas no Tratado de Tordesilhas, acordo assinado entre portugueses e espanhóis
em 1494. A partir de elementos como, especialmente, a ação jesuítica, o desenvolvimento da
pecuária e a atividade dos bandeirantes, uma parte considerável do território que, pelo acordo de
Tordesilhas, era da Espanha, estava ocupada por colonos luso-brasileiros.
Os jesuítas, para cumprir seus objetivos de catequização, fundavam aldeamentos, também
chamados de missões, em lugares onde os índios se encontravam. Parte significativa das
nações indígenas estava no interior do Brasil, passando os limites de Tordesilhas. As missões
eram compostas por comunidades de índios gerenciadas pelos jesuítas. Através do contato
direto, os religiosos iam até as aldeias e convenciam outros índios a participarem das missões e
suas atividades. Grande número de indígenas aceitava, especialmente porque, nas missões, se
sentiam mais protegidos dos ataques de brancos, sobretudo de bandeirantes.

Uma vez inseridos nas missões, os indígenas passavam por um intenso processo de
desaculturação de seus valores. Aprendiam os dogmas cristãos, a língua europeia e trabalhavam
em atividades produtivas, como na coleta de frutos, ervas e especiarias da floresta, as chamadas
“drogas do sertão”, plantações coletivas e desenvolvimento de artesanato. Ao mesmo tempo,
eram proibidas suas práticas culturais anteriores, como andar nu, pintura nos corpos, poligamia
e antropofagia.
Figura 23 - As principais missões dos jesuítas no Brasil.

Fonte: blogdoenem.com.br [https://blogdoenem.com.br/historia-missoes-jesuiticas/]

No Sul, os jesuítas fundaram missões em territórios em que hoje estão Rio Grande do Sul,
Paraguai e Argentina. No Norte, ocuparam extensas áreas da região amazônica. Como se vê na
Figura 23, as missões seguiam cursos de rios importantes da região, como o Madeira, o Tapajós
e o Amazonas, chegando a áreas em que hoje se encontra a Bolívia.

As missões eram alvos prediletos dos bandeirantes, pois de certa forma os índios já estavam
instruídos dentro da cultura europeia e, portanto, não ofereciam tanta resistência bélica como
faziam em suas comunidades originais.
E por falar em bandeirantes, vamos entender um pouco mais sobre suas principais ações na
colônia.

O chamado bandeirismo foi um movimento exclusivo da capitania de São Vicente, depois vila e
cidade de São Paulo. A região, durante o século XVI, sofria com a falta de atividade lucrativa que
movimentasse a economia local e incrementasse a vida urbana. Apesar dos primeiros engenhos
terem surgido em São Vicente, foi uma atividade que não vingou, por conta da dificuldade de
acesso ao território (para se chegar ao planalto de São Paulo, tinha-se que transpor uma
“muralha” chamada Serra do Mar) e da distância da metrópole.

Como a atividade açucareira não se desenvolveu na região, outra atividade econômica teve de
ser encontrada, por isso a formação das chamadas bandeiras, que eram expedições de homens
que avançavam rumo ao interior do Brasil em busca de índios, metais e pedras preciosas. A
imagem dos bandeirantes, por sua atividade, acabou se associando fortemente à cultura
paulista. Hoje, nomes de bandeirantes famosos como Raposo Tavares, Anhanguera e Fernão
Dias são dados a rodovias que saem da cidade de São Paulo em direção a outras regiões.

Existiam três tipos de bandeiras:

a. Bandeirismo de apresamento, que tinha por finalidade principal a captura de índios para serem vendidos
como escravos nos engenhos do Nordeste.
b. Bandeirismo de prospecção, que era composto por paulistas que faziam expedições exclusivas para
encontrar metais e pedras preciosas.
c. Sertanismo de contrato, composto de bandeirantes que eram contratados para perseguir ou destruir
comunidades indígenas ou quilombolas. O caso mais conhecido desse tipo de atividade foi exercido por
Domingos Jorge Velho.

Por sua atividade, os paulistas também foram considerados um dos grupos responsáveis pela
ampliação do território brasileiro, já que essas expedições ultrapassavam os limites impostos
pelo Tratado de Tordesilhas e algumas delas, como a de Raposo Tavares, por exemplo, chegaram
até a região amazônica.
Figura 24 - Território ocupado pelos bandeirantes.

Fonte: blogdoenem.com.br [https://blogdoenem.com.br/povoamento-do-interior-sec-xvii-historia-enem/]


Ao contrário do que se pensa, os bandeirantes eram, em sua maioria, mestiços de europeus e
índias. Andavam descalços e tinham aparência de maltrapilhos. Costumavam utilizar arco e
flecha como arma. Muitos eram índios que desempenhavam funções como a de batedor.

São Paulo estava mais para um arraial do que para uma vila. Situada às margens do córrego
Anhangabaú, era cercada por um muro de taipa. As residências eram do mesmo material. O seu
primeiro edifício foi o Colégio de São Paulo, onde hoje está o Pátio do Colégio. A maioria dos
paulistas mal falava o português.

Um dos bandeirantes mais conhecidos foi Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera. Conta-se
que, para convencer uma tribo indígena a revelar onde tinha encontrado ouro, ateou fogo em uma
pequena vasilha com cachaça e ameaçou incendiar os rios locais. Assustados, os índios
passaram a chamá-lo de “diabo velho” ou Anhanguera. Ajudou a colonizar o Estado de Goiás.
Bartolomeu da Silva tinha um filho com o mesmo nome, que também foi bandeirante.

Fonte: sabedoriaecia.com.br [https://www.sabedoriaecia.com.br/historia/25-dados-informativos-


e-curiosos-sobre-os-bandeirantes/]

A pecuária desenvolveu papel importante na economia colonial. Como já vimos, o gado bovino
não é natural do Brasil. As primeiras cabeças de gado vieram no mesmo navio que Tomé de
Sousa, o primeiro Governador-Geral, em 1549, e se adaptaram muito bem à terra, ao clima e à
vegetação aqui existentes.

A atividade pecuária, porém, demonstrou ser incompatível na região litorânea, pois os animais
acabavam avançando para as plantações e destruindo a lavoura. Como a prioridade da atividade
econômica era a cana-de-açúcar, os portugueses editaram uma lei em 1701, que proibia a
criação de gado em uma faixa de oitenta quilômetros a partir da costa brasileira. Essa foi a
principal razão que fez a atividade pecuária ter se deslocado para o interior do Brasil.

Em função da grande oferta de água, as fazendas de criação de gado seguiam o curso de


grandes rios como o São Francisco, que, com o tempo, acabou sendo chamado de “rio dos
currais”. Com o uso cada vez maior do gado para tração e consumo da carne (fresca ou seca),
leite e couro, o gado bovino se espalhou rapidamente pela colônia e por áreas que ultrapassavam
o limite de Tordesilhas. Estima-se que no século XVII, na região nordestina, já havia um rebanho
com seiscentas mil cabeças.

Com o ciclo do ouro no Sudeste, a atividade pecuária cresceu ainda mais, com a ampliação das
fazendas de gado na região Sul que visava ao abastecimento de alimentos para a região
mineradora, como já citamos. Em razão de todos esses fatores é que podemos inserir a atividade
pecuária como elemento importante na ampliação e interiorização da colônia, por suas
características próprias e como elemento de auxílio fundamental para outras atividades, como a
mineração, já estudada aqui.

Assim, pela ação conjunta desses três fatores (jesuítas, bandeirantes e pecuária), a área
efetivamente ocupada por portugueses e brasileiros definitivamente já não obedecia mais ao
acordo celebrado entre os países ibéricos em 1494. Daí então a necessidade de novas
negociações para estabelecer novos tratados sobre os limites de territórios.

Os primeiros tratados importantes dentro desse processo foram os Tratados de Utrecht (1713 e
1715), que estabeleciam principalmente acordos com os franceses para delimitação de área no
norte do Brasil e sua fronteira com a Guiana Francesa. O acordo feito em 1715 tinha como
principal objetivo resolver problemas de fronteiras ao sul do Brasil. Pelas negociações, a Espanha
reconhecia o domínio português sobre a Colônia de Sacramento (atualmente cidade uruguaia),
mas houve resistência por parte de colonos espanhóis, moradores da região, que não
concordavam com o domínio português.

Em 1750 foi assinado o Tratado de Madri, que, de forma geral, estabelecia limites muito
parecidos com os limites atuais do território brasileiro. Para a celebração do acordo, foi
respeitado o princípio de utis possidetis, ou seja, seria considerado dono da área aquele que já a
ocupava. Dessa forma, a Colônia de Sacramento seria definitivamente posse da Espanha,
enquanto a região sul do Brasil (atual Rio Grande do Sul), onde foram construídos pelos jesuítas
os chamados “Povos das Sete Missões”, seria considerada portuguesa. O grande problema
desse acordo é que os jesuítas não aceitavam que a região passasse para o lado português, pois
com isso haveria maior possibilidade de escravização dos índios. Nesse contexto, os jesuítas se
armaram com os índios e combateram portugueses e espanhóis na chamada Guerra Guaranítica
(1753 – 1756), que acabou vitimando dezenas de milhares de índios. Apesar da vitória militar
contra índios e jesuítas, o Tratado de Madri foi cancelado em 1761, e Portugal não quis entregar
a Colônia de Sacramento aos espanhóis.

Em 1777, novo acordo foi assinado. O Tratado de Santo Ildefonso estabelecia que a Espanha
ficaria com a Colônia de Sacramento e com a região dos Povos das Sete Missões. Em troca,
Portugal se apossaria de áreas como a atual Santa Catarina e boa parte do atual Rio Grande do
Sul. Os portugueses, apesar de terem assinado, demonstravam insatisfação, pois achavam que o
Tratado lhes trazia poucos ganhos.

Por isso, em 1801, foi assinado o Tratado de Badajoz, que estabelecia de forma definitiva a posse
da Colônia de Sacramento para os espanhóis e da região dos Sete Povos das Missões para
Portugal. Dessa forma, depois de muitas negociações, voltou-se aos limites estabelecidos pelo
Tratado de Madri de 1750.

Figura 25 - Os tratados de limites entre portugueses e espanhóis.

Fonte: maquinadeaprovacao.com.br [https://maquinadeaprovacao.com.br/diplomacia/a-fundacao-que-mais-


publica-livros-sobre-relacoes-internacionais-no-brasil/attachment/imagem-mapa-tratado-de-madri-
alexandre-de-gusmao-funag/]

3.9 O trabalho escravo e a resistência na colônia

A sociedade açucareira reproduziu o modelo patriarcal, no qual o senhor de engenho (nome dado
ao fazendeiro proprietário da unidade produtiva do açúcar) tinha todos os poderes, tanto no que
se referia à administração de sua propriedade como na imposição e censura dos costumes e
práticas sociais. Era o “dono” de todo o sistema, nascendo daí uma característica que dura até os
dias atuais, a de autoridades locais que detêm de forma violenta todo o controle social e político
de determinadas regiões.

Na outra ponta dessa sociedade, havia os trabalhadores do engenho. Eram capatazes, feitores,
vaqueiros, canoeiros, pedreiros, capitães do mato e, principalmente em função da quantidade,
escravos.

A instalação dos primeiros engenhos invadia as terras indígenas. O contato com os índios, que
antes era considerado amistoso, passou a ser belicoso em função dos interesses econômicos
dos europeus. O tipo de empreendimento desenvolvido pelos portugueses, a cana-de-açúcar,
exigia um número muito grande de trabalhadores. Portugal, por ser um país de dimensões
pequenas, com baixa população, não optou pela adoção do trabalho assalariado. Por isso,
passou a apresar os índios como escravos para o trabalho nos engenhos e na lavoura.

No início, utilizavam índios prisioneiros dos conflitos tribais, que eram constantes mesmo antes
da chegada dos europeus. Dessa forma, faziam alianças com as tribos vitoriosas nessas guerras
e obtinham os prisioneiros dando objetos em troca. Com o passar do tempo, porém, os
portugueses radicalizaram e passaram a escravizar tanto os índios inimigos como os aliados.

Um jesuíta contemporâneo desses fatos, o padre Simão de Vasconcelos, registrou essa mudança
de comportamento dos portugueses em relação aos índios:

“A raiz delas (as guerras) sabe-se que foi mais antiga desde os primeiros fundadores das capitanias

quando tomavam posse delas por mandado dos reis de Portugal; porque foram notando os naturais

da terra e nossos portugueses outra intenção mui diferente da com que aportaram a ela em Porto

Seguro; então tratavam com eles como hóspedes, mostravam alegrar-se com sua presença, e

enchiam-nos de favores e mimos; porém agora haviam-se como inimigos, pretendiam desterrá-los

de suas pátrias, fazer-se senhores deles e ainda de suas liberdades” (VASCONCELOS, 1977, s/p. apud

MESGRAVIS, 2019, p.31).

O massacre intenso e sistemático que caracterizou a colonização portuguesa teve início dentro
dessa conjuntura.

Pelas leis de Portugal, a escravidão indígena era proibida, mas autorizava a sua prática desde
que os nativos fossem capturados nas chamadas “guerras justas” (oferecessem resistência à
dominação portuguesa ou se negassem a ser cristianizados), ou se já fossem escravos de outras
tribos ou mesmo se eram índios com risco de serem devorados por inimigos. Obviamente que
nos embates com o governo sobre a escravidão indígena, os colonos sempre a justificavam em
função das “guerras justas”.

O principal problema, no entanto, quanto à escravidão indígena é que os índios fugiam com
facilidade, pois conheciam como ninguém os caminhos da colônia. Essa foi uma das razões que
fizeram os portugueses optarem por outro tipo de escravidão: a dos negros africanos.

Figura 26 - Tráfico negreiro.

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Navio_Negreiro_by_Johann_Morit
z_Rugendas_(1830).jpg]

A atividade açucareira também foi responsável pela introdução no Brasil da população negra
vinda da África, especialmente de duas etnias: os Bantos, vindos de Angola, Golfo da Guiné e
Congo, e os Sudaneses da região do Sudão e Golfo da Guiné. O total de seres humanos
escravizados que foram sequestrados pelos portugueses para o Brasil teria sido em torno de três
milhões e quinhentos mil, número que só parou de crescer em 1850, quando foi aprovada a Lei
Eusébio de Queiroz, que proibia o tráfico negreiro para o Brasil.

Calcula-se que, na metade do século XVII, o número de cativos africanos era maior do que de
escravos índios. Os lucros alcançados por senhores de engenho e mineradores possibilitaram
investimentos pesados na importação de mão de obra escrava africana. Importante destacar que
a escravidão negra não ocorreu no Brasil como um todo ao mesmo tempo. Locais que estavam
mais afastados da produção açucareira, São Paulo, por exemplo, ainda faziam uso em maior
quantidade de escravos índios, pelo custo menor de aquisição desses escravos.
A opção pelo trabalho escravo africano deve ser entendida dentro do contexto econômico desse
período colonial. A escravidão indígena não dava lucros aos cofres do governo português, pois os
impostos que os colonos deviam pagar por cabeça de escravo índio eram constantemente
sonegados. Já no caso dos africanos, a Coroa montou um eficiente sistema de cobrança dos
impostos dos traficantes, tanto no embarque na África como no desembarque em terras
brasileiras. Até os religiosos jesuítas viam com bons olhos a escravidão negra, porque ganhavam
do governo para batizar os escravos antes de embarcarem nos navios negreiros. Disso conclui-
se que a Igreja condenava radicalmente a escravidão indígena, no entanto, quanto à escravidão
negra, não havia problemas.

O tráfico negreiro não era novidade para os portugueses. Desde meados do século XV existiam
registros do uso do trabalho escravo pelos portugueses, com objetivos comerciais. Durante o
reinado de Dom João II (1477-1495), o tráfico negreiro foi institucionalizado com a arrecadação
de impostos e restrições à participação de particulares nessa atividade.

Era um negócio altamente lucrativo para os traficantes portugueses. Eles se aproveitavam das
disputas territoriais existentes entre as tribos africanas, para trocar os africanos feitos
prisioneiros por armas, facões, melaço de cana e cachaça.

Uma vez aprisionados, os africanos eram transportados aos navios negreiros, também
chamados de tumbeiros, em função do alto índice de mortalidade na travessia do Oceano
Atlântico para a América. Chegando ao Brasil, eram direcionados aos mercados de escravos em
praça pública e tratados como “peça” ou como “coisa”.

Os portugueses, portanto, gastavam relativamente pouco para adquirir os escravos e, no Brasil,


os africanos eram vendidos por altos preços nos mercados da Bahia, Rio de Janeiro e
Pernambuco.
Ao contrário do que muito se pensa, a atividade escrava no Brasil era bem diversificada e não se
limitava apenas ao trabalho na lavoura da cana ou nas úmidas minas de ouro.

Os escravos que trabalhavam exclusivamente na lavoura eram chamados de escravos de eito.


Normalmente eram os que exerciam as maiores jornadas de trabalho. Alguns documentos dão
conta de que chegavam a trabalhar dezoito horas diárias.

As escravas domésticas cuidavam da arrumação da casa, pajeavam as crianças, cozinhavam e,


muitas vezes, tinham que estar disponíveis para satisfazer os desejos sexuais de seus senhores.

Em alguns casos, os donos de escravos alugavam suas “peças” para executar serviços em outras
fazendas ou em minas. Essa atividade se constituía em uma interessante fonte de renda,
especialmente para senhores que passavam por dificuldades financeiras.

Atividade semelhante acontecia nas cidades com os chamados “escravos de ganho”.


Trabalhavam em atividades como transporte de cargas, lavagem de roupas, ajudantes gerais e
recebiam pagamentos por tais serviços. No entanto, tinham que entregar o valor para seus
senhores. Eventualmente esses senhores deixavam uma pequena porcentagem com o escravo,
que poderia usar seu dinheiro com alimentação ou para poupar e comprar sua carta de alforria.

Fonte: epoca.globo.com [https://epoca.globo.com/guilherme-amado/os-escravos-de-ganho-na-


salvador-de-1857-23777451]
Figura 27 - Escravos de ganho em Salvador.

Obra "Iron collar punishment for fugitive slaves from Voyage Pittoresque au
Bresil" de Jean Baptiste Debret.
Fonte: pinimg.com
[https://i.pinimg.com/originals/6d/39/2c/6d392c9def5c4794bb1c9010ea75aa26.
jpg]

De forma geral, o africano no Brasil era tratado como uma mercadoria. Trabalhava de sol a sol,
vivia nas senzalas, úmidas e frias, e se alimentava normalmente dos restos de comida de seus
senhores. Eventualmente tinha autorização para plantar pequenas roças de feijão e milho nos
poucos momentos em que não estava trabalhando para seus senhores.

Os castigos e as punições eram frequentes. Nenhum ser humano ficava passivo frente aos
desmandos e à violência, e eram constantes as desobediências, o que justificava, na visão dos
senhores, os “corretivos” aplicados muitas vezes em praça pública. Os castigos eram permitidos
por lei e pela Igreja. Os escravos eram açoitados nos pelourinhos (castigo chamado de bacalhau,
pois cada açoite era seguido de punhado de sal na parte atingida), picados com facas, dias
presos em instrumentos como a gargalheira (espécie de coleira de ferro que servia mais como
um castigo de advertência e humilhação) e o vira-mundo (instrumento que era preso à cabeça e
ao pescoço do escravo, servindo para indicar publicamente que ele havia cometido algum ato de
rebeldia).
Figura 28 - Instrumentos para
castigo físico dos escravos.

Fonte: História de Friburgo - blogspot


[http://historiadefriburgo.blogspot.com
/2010/03/os-pretos-do-libambo.html]

Por essa razão, entre muitas outras, é que se afirma que um africano trabalhando no Brasil como
escravo vivia em média de 10 a 15 anos. E nesses 350 anos de escravidão, o africano resistiu,
seja de forma isolada, com suicídios, abortos, alcoolismo, sabotagem nos engenhos,
assassinatos de senhores ou capatazes e fugas, seja de forma organizada, através da
constituição de Quilombos, as famosas comunidades de negros fugidos da escravidão.  Nessas
comunidades, que, por questões óbvias, eram montadas em áreas de difícil acesso, os africanos
e afrodescendentes plantavam, criavam animais, estabeleciam relações de troca e comércio com
vilarejos e povoados, praticavam sua religião e ajudavam outros negros a fugirem dos engenhos.

É importante destacar que muitos Quilombos também foram abrigos para outros grupos, como
índios e mesmo brancos que eram excluídos da sociedade colonial. Os Quilombos foram
verdadeiros tormentos para os senhores de engenho, que exigiam do governo português ações
para acabar com essas comunidades.
Figura 29 - Brasil: Quilombos mais conhecidos.

Fonte: Cidadania Quilombolas - Wordpress [https://cidadaniaquilombolas.wordpress.com/2015/04/16/brasil-


quilombos-mais-conhecidos-seculos-xvii-xix/]

É por essa razão que o Quilombo de Palmares (na divisa dos estados de Alagoas e Pernambuco)
mais se destacou como referência de luta e resistência dos negros frente à opressão do poder
colonial.  Por ter se constituído em um núcleo de resistência e incentivo a novas fugas, passou a
ser prioridade das autoridades coloniais a destruição de Palmares.

As investidas militares do governo eram dificultadas pelo desafio que as tropas com
armamentos pesados tinham de transpor a região acidentada em que se havia instalado o
Quilombo de Palmares. Outro problema para a repressão era que Palmares tinha uma enorme
rede de informação nos povoados vizinhos que mantinham boas relações com o Quilombo. Essa
rede fazia com que as informações dos ataques chegassem em detalhes até os líderes, que
então planejavam com maior eficácia a resistência.
Com todo esse planejamento, o Quilombo de Palmares só se fortalecia e crescia em tamanho e
população (algumas fontes chegam a citar cerca de 30 mil habitantes). Vendo que as ações
tradicionais não funcionavam, o governador de Pernambuco, Joao da Cunha Souto Maior,
contratou os serviços do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho.

Esse bandeirante criou fama por constituir um verdadeiro exército particular para apresamento
ou extermínio de populações indígenas. Já havia ajudado a acabar com populações indígenas do
Piauí, Maranhão e Ceará, entre 1671 e 1674, e agora recebia a incumbência de acabar também
com a população quilombola.

A luta iniciou-se em 1691 e, apesar de contar com muitos homens e armamentos financiados
pela Coroa e por senhores de engenho, Domingos Jorge Velho só alcançou vitória em 1694,
quando venceu e destruiu o último reduto de resistência, o mocambo Cerca Real do Macaco.
Zumbi, o principal líder de Palmares na época, ferido, conseguiu fugir, porém, em 20 de novembro
de 1695 foi executado e degolado pelo capitão Furtado de Mendonça, que levou a cabeça de
Zumbi como prêmio ao governador de Pernambuco, Melo e Castro.

Apesar da derrota física, Palmares e seus principais líderes, Ganga Zumba e Zumbi, permanecem
na memória brasileira ainda hoje por representarem a luta de todos aqueles que militam pelo fim
de toda e qualquer forma de discriminação.  Por essa razão é que hoje, em muitas cidades, o dia
20 de novembro (dia em que teria ocorrido a execução de Zumbi de Palmares) é celebrado como
o Dia da Consciência Negra.

Zumbi dos Palmares nasceu provavelmente na região da Serra da Barriga, onde hoje está
localizado o município de União dos Palmares, em Alagoas. Alguns historiadores acreditam, no
entanto, que ele tenha nascido na África.

“Dado de presente” a um padre, Zumbi cresceu aprendendo português e latim. Estudou a Bíblia e
teve aulas de matemática. Foi batizado com o nome de Francisco.
A palavra “zumbi” veio provavelmente do termo africano zumbe, que significa “fantasma”,
“espectro”.

Fonte: sabedoriaecia.com.br [https://www.sabedoriaecia.com.br/historia/15-fatos-curiosos-


sobre-a-trajetoria-de-zumbi-dos-palmares/]
Exercícios de fixação
Leia atentamente o item Movimentos nativistas do ciclo do açúcar, e complete as lacunas
abaixo:

Movimentos nativistas são aqueles que não questionam o pacto Selecione... . Exemplos de
nativismo foram a Selecione... no Maranhão e a Guerra dos Mascates, ocorrida em
Selecione... .

Os ciclos do açúcar e do ouro no Brasil tiveram como principal objetivo:

Desenvolver a economia brasileira a fim de incorporá-la à economia capitalista da época.

Estimular a formação de cidades e mercado interno no Brasil.

Explorar a colônia e fortalecer a monarquia portuguesa.

Fomentar na colônia um sentimento patriota e nacionalista.


4 Processo de Independência do Brasil
É possível visualizarmos um sentimento emancipador em movimentos separatistas da segunda
metade do século XVIII, como a Inconfidência Mineira e a Conjura Baiana.

Os chamados movimentos separatistas passaram a ocorrer na colônia também dentro do


contexto do ciclo do ouro, que propiciou uma desigualdade social menor, maior diversificação de
profissões, desenvolvimento de grupos intelectuais e artísticos e introdução na colônia de ideias
iluministas, movimento que surgiu na Europa e que defendia o fim do Antigo Regime, pautado,
entre outras coisas, na exploração colonial.

Os dois principais movimentos que vamos analisar são denominados “separatistas” pelo seu
caráter particular em relação a outras revoltas do período colonial, como a Revolta de Beckman
(1684) e a Revolta de Felipe dos Santos, também conhecida por Revolta de Vila Rica (1720), já
analisadas e tidas como “nativistas”. Tanto a Inconfidência Mineira como a Conjura Baiana
tinham, de forma manifesta e clara, o objetivo principal de separação ou independência em
relação a Portugal.

Videoaula - Revoltas separatistas

Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui
[https://player.vimeo.com/video/429855147] .

4.1 Movimentos separatistas I: A Inconfidência Mineira (1789)

Como já analisamos, ouro e diamantes são recursos naturais finitos, especialmente levando em
consideração as técnicas rudimentares que eram utilizadas na época. A partir de 1760, a queda
acentuada da extração acaba se refletindo nas condições socioeconômicas de Minas Gerais.

A Coroa portuguesa, no entanto, acreditava que a diminuição da produção estava mais


relacionada ao contrabando e à sonegação de impostos, continuando, portanto, com o sistema
de cobrança do quinto real nas Casas de Fundição.

Importante destacar que, nesse período de queda da extração do ouro, o principal nome do
governo português era o Marquês de Pombal que, desde 1750, ocupava o cargo de primeiro
ministro e foi responsável direto pela administração e adoção de medidas rigorosas de cobrança
de impostos das colônias portuguesas. Foi Pombal quem criou a instituição da “Derrama”,
sistema violento de cobrança imposto aos colonos brasileiros.

Figura 30 - Marquês de Pombal.

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Louis-


Michel_van_Loo_003.jpg]

Além disso, Pombal, em seu governo, implantou reformas no Estado português que visavam
elevar Portugal à condição de potência europeia. Para isso, radicalizou em medidas para extrair
ao máximo o potencial econômico das colônias. No caso do Brasil, além da intensificação da
exploração e cobrança dos impostos na região mineradora, Pombal criou companhias de
comércio, mudou a capital para o Rio de Janeiro (1763) e expulsou os jesuítas do território
brasileiro para se apoderar das propriedades da Igreja e assumir o controle do sistema
educacional da colônia.
Nas regiões produtoras do ouro estabeleceu-se uma exigência de pagamento do quinto, que
deveria atingir 100 arrobas (aproximadamente 1.500 kg) anuais. Caso essa monta não fosse
atingida, as autoridades portuguesas invadiam as propriedades dos mineradores e
“confiscavam” joias e outros objetos de valor que, em sua totalidade, deveriam atingir as ditas
100 arrobas. A Derrama, portanto, era uma ameaça constante à população mineira, que vivia em
misto de medo e revolta pelas medidas autoritárias de Portugal.

Essa tensão foi agravada pelo constante aumento do custo de vida. A inflação dos preços era
constante, pois quase tudo era comprado em ouro, o que fazia os comerciantes aumentarem
seus preços para conseguir cada vez mais metal precioso. Tanto o consumidor comum como
funcionários da Coroa e os próprios comerciantes passaram a tomar empréstimos para quitar
seus compromissos e, com o agravamento da crise, chegou determinado momento em que não
havia mais onde se recorrer para pagar as dívidas.

Uma lei de Portugal, o Alvará de 1785, proibia as manufaturas no Brasil. Essa medida era adotada
para atender aos interesses do parceiro inglês, que não queria concorrência para seus produtos
na colônia. Dessa forma, os colonos brasileiros eram obrigados a comprar os caros produtos
ingleses, o que encarecia ainda mais sua vida, já muito afetada pela forte recessão na região
mineradora.

Se internamente a situação econômica era asfixiante, o contexto internacional oferecia lufadas


de esperança para se alcançar a liberdade em relação à opressão metropolitana.

Na Europa, desde o século XVII, fervilhavam as ideias do Iluminismo, movimento filosófico e


intelectual que combatia fortemente as instituições do chamado Antigo Regime, como o
absolutismo monárquico, o mercantilismo, os privilégios da nobreza e a influência da Igreja
Católica. Muitos brasileiros iam estudar em Universidades europeias porque na colônia ainda
não haviam sido criadas instituições de ensino superior. Ao retornarem para o Brasil, traziam,
além de nova formação profissional, a empolgação pelas ideias iluministas, que defendiam a
liberdade, a igualdade e o fim do sistema colonial. Por essa razão, nessa época circulavam pela
região mineradora livros dos principais ícones iluministas, como Voltaire e Rousseau.
Figura 31 - Importantes pensadores iluministas: Locke, Voltaire e Rousseau.

Fontes: John Locke [https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:JohnLocke.png] ,


Voltaire
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Atelier_de_Nicolas_de_Largilli%C3%A8
re,_portrait_de_Voltaire,_d%C3%A9tail_(mus%C3%A9e_Carnavalet)_-002.jpg] e
Jean-Jacques Rousseau [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-
Jacques_Rousseau_(painted_portrait).jpg]

Nesse contexto, outro acontecimento internacional movimentava e animava os brasileiros pelo


ideal de liberdade: a Independência dos Estados Unidos em 1776. Foi um duro golpe ao sistema
de pacto colonial, pois se constituía efetivamente no primeiro caso de uma colônia se libertar de
sua metrópole europeia, no caso, a Inglaterra.

Com isso, o raciocínio que começava a se tornar dominante era o de pensar que no Brasil isso
também seria possível. Ora, se os estadunidenses conseguiram em relação a uma nação que, na
época, era grande potência mundial, por que o sucesso também não poderia ocorrer em Minas
Gerais em relação a Portugal?

A crise econômica, o altíssimo custo de vida e o aperto fiscal metropolitano português, de um


lado, e os movimentos internacionais que defendiam a liberdade, de outro, animavam a elite
mineradora a pensar em emancipar-se de Portugal.

Todo esse quadro nos faz entender o perfil dos principais envolvidos no movimento da
Inconfidência Mineira, que, em sua maioria, eram membros da elite colonial brasileira. Cláudio
Manuel da Costa era de família mineradora muito rica, tendo inclusive estudado na Universidade
de Coimbra; Tomás Antônio Gonzaga era escritor, mas tinha formação jurídica e ocupava o cargo
de ouvidor (juiz) em Vila Rica; Alvarenga Peixoto era minerador e grande proprietário; Francisco
de Paula Freire era comandante militar e compunha a equipe do governador; Oliveira Lopes e
Abreu Vieira também tinham alta patente militar; e Padre Toledo era minerador e religioso.

Apesar dessa característica elitista, havia também participantes não tão ricos e influentes. O
principal nome desse grupo era Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que era filho de um
pequeno proprietário e desenvolvia atividades variadas, como tropeiro, comerciante, alferes
(patente militar que não existe mais) e dentista. Por ser mais próximo do povo e possuir boa
oratória, Tiradentes era encarregado de divulgar as ideias da Inconfidência Mineira junto à
população mais simples.

O movimento tinha objetivos bem definidos:

a. Tornar Minas Gerais um país independente de Portugal - esse novo país seria uma República com capital
administrativa em São João Del Rey;
b. Fundação de Universidade em Vila Rica - os inconfidentes entendiam, dentro do espírito iluminista, que
educação era fundamental para qualquer nação;
c. Desenvolvimento de indústrias;
d. Adoção de serviço militar obrigatório.

Figura 32 - Bandeira inconfidente.

Fonte: blog.cpbedu.me
[http://blog.cpbedu.me/profheber/2017/
04/30/as-bandeiras-de-minas-gerais-
e-dos-inconfidentes-mineiros/]

Esses objetivos dos inconfidentes foram outro aspecto que deixou muito claro o caráter elitista
do movimento. Os historiadores, de maneira geral, qualificam assim a Inconfidência Mineira,
especialmente por não mencionarem em seus objetivos a libertação dos escravos, já que boa
parte dos líderes era constituída de proprietários escravistas.

Outra coisa que também faltava aos inconfidentes era melhor organização para a deflagração do
movimento. Não providenciaram boa quantidade de armas e tampouco tropas para eventuais
combates; não conseguiram mobilizar setores populares de Vila Rica, até porque não tinham
propostas efetivas que beneficiassem a população mais pobre.

O que haviam programado era o início da revolta no dia da Derrama programada para 1788. A
ideia era aproveitar a indignação geral com as invasões das casas para mobilizar o povo e
combater as autoridades portuguesas. O problema foi que o governo português já sabia de todo
esse plano das lideranças inconfidentes.

Participantes do levante, como Joaquim Silvério dos Reis, em troca do perdão de suas dívidas em
relação à Fazenda real, delataram em detalhes para o governador de Minas, o Visconde de
Barbacena, todos os planos da revolta.

A Derrama foi cancelada e todos os envolvidos foram presos, a maioria em suas casas.
Tiradentes foi preso em maio de 1789 quando se dirigia ao Rio de Janeiro para conseguir armas.
Ao todo, onze líderes da Inconfidência foram condenados à morte, mas como a maioria era
pertencente à elite de Minas Gerais, a rainha Maria I de Portugal comutou as penas em degredo
perpétuo nas colônias portuguesas na África. Alguém, porém, deveria servir de exemplo, assim,
Tiradentes teve sua pena mantida, sendo executado na forca no Rio de Janeiro, em 1792.

Figura 33 - Praça Tiradentes


atualmente em Ouro Preto (MG).

Fonte: mineirosnaestrada.com.br
[http://www.mineirosnaestrada.com.br/
museu-da-inconfidencia-ouro-preto/]
Joaquim José da Silva Xavier é um dos personagens mais conhecidos da História brasileira. Hoje
se sabe, porém, que muito de sua imagem foi construída com finalidades até políticas:

O resgate da imagem de Tiradentes como herói e mártir do Brasil surgiu somente após a Proclamação
da República, em 15 de novembro de 1889. Após se estabelecer, o novo regime via a necessidade de
figuras heróicas para fazer a aproximação do movimento com o povo brasileiro.
Durante o processo de sua transformação em herói e mártir, um elemento essencial foi a aproximação
dessa imagem com a figura de Jesus Cristo. Essa era uma estratégia que visava se aproveitar da
religiosidade popular para promover a aceitação de Tiradentes.
Os historiadores levantam a questão de que, muito provavelmente, Tiradentes, no momento de sua
execução, estava com os cabelos raspados. Isso porque era uma prática comum das prisões
portuguesas da época raspar os cabelos e a barba de seus presos como forma de evitar a infestação de
piolhos. 

Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br
[https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/a-mitificacao-tiradentes.htm]

4.2 Movimentos separatistas II: A Conjura Baiana (1798)

A Conjura Baiana, assim como a Inconfidência Mineira, é também considerada uma revolta
separatista porque era claro, em seu projeto, o rompimento do pacto colonial e a independência
do Brasil. Assim como a Inconfidência Mineira, a Conjura Baiana teve como causas básicas a
crise econômica e a influência de ideias iluministas e de movimentos de liberdade ocorridos mais
ou menos na mesma época.

As semelhanças, porém, se encerram por aí. Outros elementos que procuraremos desenvolver
demonstram várias diferenças entre as insurreições.

Como já vimos, a segunda metade do século XVIII foi marcada por forte crise econômica na
colônia como um todo, em função da decadência da exploração aurífera em Minas Gerais. A
amplitude da crise deixava insatisfeitos todos os extratos sociais de Salvador, do mais rico
comerciante até os mais pobres trabalhadores livres ou escravos.

A elite há muito tempo estava descontente com a Coroa portuguesa, mais especificamente a
partir de 1763, com a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Grandes
proprietários entendiam que essa mudança vinha acompanhada de um grande descaso do
governo em relação à Bahia.
Como capital, Salvador tinha vida intensa, com grande circulação de autoridades e funcionários
públicos para dar andamento às questões administrativas da Coroa, o que acabava
incrementando o comércio e os negócios em geral. Com a mudança da capital, a antiga agitação
urbana e comercial diminuiu, e a região passou a conviver com diminuição da atividade
econômica e escassez de alimentos de primeira necessidade.

Se as condições de vida se apresentavam decadentes para a elite baiana, para a população de


baixa renda a situação era insustentável e desesperadora. A fome passou a ser um problema
constante na região e, junto com ela, o aumento de saques e de violência na cidade, em função
de moradores que optavam pela via armada para conseguir alimentos nas feiras, nos mercados e
até em comboios de transporte de carga para abastecer o comércio.

Junto a esse quadro interno, no plano externo, o período que se vivia era extremamente agitado
em função das ideias iluministas, que já comentamos nesse texto, e de eventos explosivos que
colocavam em xeque as instituições do Antigo Regime, como a Revolução Haitiana e a Revolução
Francesa em sua fase mais popular.

Esses eventos serviram para difundir com força na Bahia os ideais do Iluminismo. Em 1797,
fundou-se em Salvador uma sociedade secreta, ou loja maçônica, denominada de “Cavaleiros da
Luz”, cujo principal objetivo era a discussão das ideias liberais, a divulgação dos principais
eventos ligados à Revolução Francesa e a tradução dos principais autores iluministas como
Voltaire e Rousseau.

Boa parte dos “cavaleiros da luz” era composta por membros da elite baiana, como Cipriano
Barata, Francisco Muniz Barreto e Hermógenes Pantoja.

À medida que a participação popular crescia nas manifestações contra a Coroa, com sapateiros,
soldados, pedreiros, alfaiates (daí a denominação que temos em muitos livros de “Revolta dos
Alfaiates”) e escravos, tornou-se sensível o afastamento dessa elite, especialmente por conta
das notícias recebidas, naquele momento, sobre a independência do Haiti. Para os grandes
proprietários, estava claro que o movimento que se tornava cada vez mais popular poderia
também acarretar, além da possível libertação em relação a Portugal, prejuízos para sua
condição de elite dominante.

Apesar disso, a mobilização continuava e passou-se à fase da propaganda e convocação da


população baiana para o levante. Vários folhetos foram espalhados por toda Salvador
conclamando a população a se revoltar com o domínio português e atender as principais
palavras de ordem dos revoltosos.
Figura 34 - Panfleto da Conjura Baiana.

Fonte: bvconsueloponde.ba.gov.br
[http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/arquivos/File/buzios/imagens/conteu
do.jpg]

Basicamente, os principais objetivos da Conjura Baiana eram fundar uma república Baiense,
acabar com o trabalho escravo e implantar o livre comércio. Nesse quesito, a Conjura Baiana
também demonstrou as mesmas debilidades que o movimento em Minas Gerais, nove anos
antes.

Faltaram organização e estratégia militar para enfrentar a repressão metropolitana. Além disso, o
movimento apresentou certa ingenuidade em propagandear sua mobilização, com data e local
marcados, sem estruturar um aparato de defesa em relação aos ataques que certamente
ocorreriam por parte do governo baiano.

O governador da Bahia, Dom Fernando José de Portugal e Castro, determinou que tropas se
direcionassem para o local de encontro, o Campo de Dique, em agosto de 1789. Sem resistência,
muitos revoltosos conseguiram fugir, mas 49 pessoas foram presas, em sua maioria,
trabalhadores pobres e escravos. O julgamento e a punição foram severos e muito rápidos. A
maior parte dos envolvidos, que eram cidadãos livres, foi punida com o degredo à África.

Os escravos, em sua maioria, receberam como castigo chibatadas em praça pública.


Participantes que eram da elite baiana tiveram tratamento bem diferente. Os militares
Hermógenes Pantoja e José Gomes de Oliveira Borges ficaram detidos seis meses em Salvador.
Cipriano Barata foi preso em setembro de 1798, mas ganhou a liberdade em 1800.

Assim como ocorreu na Inconfidência Mineira, deveria também haver o “castigo exemplar”. Em 8
de novembro de 1799, os soldados Lucas Dantas e Luís Gonzaga, mais os alfaiates Manuel
Faustino e João de Deus foram enforcados e esquartejados, mesmo tratamento dispensado a
Tiradentes em 1792. Apesar de duramente reprimidas, as revoltas separatistas já deixavam claro
que o processo de emancipação do Brasil estava em curso.

Figura 35 - Punidos na Conjura Baiana.

Fonte: beduka.com [https://beduka.com/blog/materias/historia/resumo-da-


conjuracao-baiana/]

Videoaula - Processo de independência do Brasil

Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui
[https://player.vimeo.com/video/429855457] .
4.3 A chegada da família real portuguesa

Para o entendimento do processo final que culminou com a emancipação definitiva do Brasil em
relação a Portugal, mais uma vez é necessária a compreensão do contexto internacional em
curso naqueles conturbados anos compreendidos entre o final do século XVIII e o início do
século XIX.

Conturbados especialmente por conta de um personagem que mudou radicalmente a geopolítica


europeia. Estamos nos referindo a Napoleão Bonaparte. Dessa forma, veremos que o fim do
pacto colonial na América, e mais especificamente no Brasil, tem uma íntima relação com os
desdobramentos políticos ocasionados pela ação do general francês.

Napoleão Bonaparte ascendeu ao poder em 1799 com o movimento conhecido como 18


Brumário, considerado o movimento final de uma das fases mais conturbadas da Revolução
Francesa, a fase do Diretório. Bonaparte teve, portanto, participação ativa nos eventos
revolucionários que culminaram com a deposição e execução do rei absolutista Luís XVI, em
1793.

Napoleão assumiu o poder e criou um governo conhecido como Consulado, onde dividia a
responsabilidade de administrar a França com outros dois políticos girondinos, o abade Sieyès e
Roger Ducos.

Considerado como um dos maiores estrategistas militares da História, Napoleão também se


mostrou um hábil administrador, e apesar de ter contribuído para a derrubada de um governo
absolutista, demonstrou características autoritárias e centralizadoras em seu governo.

Ainda na fase do Consulado, Napoleão estabeleceu um governo que estabilizou o quadro político
e econômico francês, marcado, no último período da revolução, por crises e conflitos que
pareciam intermináveis. Ele nomeou funcionários de confiança para os cargos mais importantes
de sua administração. Criou, em 1800, o Banco da França, que passou a controlar a emissão de
moeda e, com isso, pôs fim ao processo inflacionário. Incentivou a produção interna com
taxação alta de produtos estrangeiros, estimulando, dessa forma, a indústria e o comércio
franceses. Desenvolveu a educação com a disseminação, pelo território, de escolas públicas
controladas pelo governo. Estabeleceu um novo Código Civil em 1804, no qual prevaleceram os
interesses iluministas da alta burguesia, com normas que visavam à defesa da propriedade
privada, ao estabelecimento do conceito de liberdade individual, à separação entre Igreja e
Estado e à proibição de greves e formação de sindicatos.
Se, por um lado, Napoleão expressava os valores liberais adquiridos durante participação intensa
na Revolução, por outro, deixava claro suas intenções centralizadoras e ditatoriais,
especialmente em sua política externa.

Em 1802, tornou-se cônsul único e vitalício, com direito à nomeação de seu sucessor. O leitor
mais atento tem razão quando associa isso com a antiga monarquia. Em 1804, um plebiscito
decidiu, por maioria, o restabelecimento oficial da monarquia, nomeando Napoleão Bonaparte ao
trono com o título de imperador.

Figura 36 - Autoproclamação do Imperador Napoleão Bonaparte.

Obra "Coronation of Emperor Napoleon I and Coronation of the Empress Josephine in Notre-Dame de Paris,
December 2, 1804" por Jacques-Louis David. Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jacques-Louis_David_-_The_Coronation_of_Napoleon_(1805-
1807).jpg]

Depois de estabilizada a situação interna e de consolidada sua posição de líder máximo na


França, Napoleão aparelhou suas forças armadas com objetivos claros de expansão militar. Sua
intenção era difundir os valores liberais da Revolução por toda a Europa, obviamente, com a
liderança e o domínio franceses.

Assim, os franceses passaram a colocar em prática suas intenções expansionistas, obtendo


sucessivas vitórias contra Áustria (1805), Prússia (1806) e Rússia (1807). Quanto ao principal
rival europeu dos franceses, a Inglaterra, no entanto, Napoleão colecionava derrotas históricas.
Em 1805 a França tentou invadir a Inglaterra, mas foi fragorosamente derrotada na Batalha de
Trafalgar, evidenciando a superioridade da poderosa marinha inglesa.

Já que pela via militar se tornava inviável a conquista da Inglaterra, Napoleão adotou outra
estratégia para derrotar os ingleses. Em 1806, estabeleceu o Bloqueio Continental, um verdadeiro
embargo econômico e isolamento da ilha nas relações comerciais com o continente europeu.
Napoleão colocou tropas nos principais portos europeus continentais, que impediam qualquer
país de receber mercadorias britânicas ou enviar navios mercantes em direção à Inglaterra.

Figura 37 - Bloqueio Continental (1806).

Fonte: supremahistoria.blogspot.com [http://supremahistoria.blogspot.com/p/bloqueio-continental.html]

Nesse ponto é que entra Portugal, com a fuga de sua corte para o Brasil em 1808. Como vimos
em passagens anteriores, Portugal e Inglaterra eram “parceiros” históricos, especialmente depois
da restauração portuguesa em 1640, pondo fim à União Ibérica. Desde essa época, acordos
comerciais e políticos praticamente submetiam toda a economia lusitana aos interesses
ingleses.
O governo português da época, liderado pelo príncipe regente Dom João (sua mãe, a rainha Maria
I, estava impossibilitada de governar em função de problemas mentais), não podia obedecer ao
Bloqueio Continental e, ao mesmo tempo, não tinha efetivos militares que pudessem oferecer
resistência ao exército francês. Assim, a solução encontrada foi a fuga para a principal colônia
portuguesa, o Brasil.

Por isso, em 22 de janeiro de 1808 chegou à Bahia a corte portuguesa, composta por Dom João,
sua mãe e mais quinze mil nobres portugueses temerosos da invasão francesa, que acabou
ocorrendo nesse mesmo ano. Os franceses invadiram Portugal com as tropas lideradas pelo
general Junot, nomeado por Napoleão para a missão. Essa ação foi feita em conjunto com a
Espanha através do Tratado de Fontainebleau (1807), que determinava o envio de tropas
francesas através do território espanhol. Em troca, a Espanha dominaria parte do território
português.

A “comitiva” portuguesa veio escoltada por quatro navios ingleses fortemente aparelhados para
defesa em um eventual ataque francês. Como veremos, entretanto, os ingleses não fizeram isso
por benevolência em respeito à relação antiga com o “parceiro” português.

Se existe um evento que mexeu e transformou com o cotidiano da colônia foi a chegada da
família real portuguesa ao Brasil. Abaixo, alguns desses impactos no cotidiano colonial:

Quando a notícia de que o Príncipe Regente e sua comitiva desembarcariam no dia seguinte no Rio de
Janeiro chegou aos ouvidos dos cariocas, este povo iniciou uma festa que só terminou no outro dia.
Naquela noite, ninguém na cidade dormiu.
As festas pela vinda da família real portuguesa foram prolongadas durante 9 dias e 9 noites.
Durante os 57 dias de viagem até o Brasil, a nau Afonso de Albuquerque, além de sofrer com a falta de
alimentos e de água, passou por um surto de piolhos. Todas as perucas dos nobres foram lançadas ao
mar, e todas as tripulantes desta nau, inclusive a dona Carlota Joaquina, tiveram que raspar e untar
suas cabeças com banha de porco.
Quando as mulheres portuguesas chegaram ao Brasil com suas cabeças raspadas, usando turbantes,
as cariocas pensaram que esta era a última moda na Europa e, então, rasparam suas cabeças também.
Quando a família real chegou ao Rio de Janeiro, não encontrou número suficiente de alojamentos
disponíveis para abrigar as 15 mil pessoas que vieram de Portugal. O Príncipe Regente, então,
decretou que as melhores casas da cidade fossem cedidas àqueles que não possuíam casa ainda. A
casa que fosse solicitada seria carimbada na porta com as iniciais PR (Príncipe Regente), mas pelo
povo ficaram conhecidas como “Ponha-se na Rua".
Chegando aqui, em menos de uma semana Dom João assinou a “Abertura dos portos às nações
amigas”, documento que praticamente rompia com o pacto colonial, pois estabelecia a liberdade
de comércio com qualquer nação estrangeira. Na verdade, era a abertura dos portos uma
exigência feita pelos ingleses para que pudessem vender seus produtos no Brasil, uma vez que
estavam impedidos de comercializar com a Europa, em função do Bloqueio Continental.

Para muitos historiadores, a Abertura dos portos em 1808 constituiu-se no maior evento dentro
do processo de independência do Brasil. Caio Prado Jr, por exemplo, considera que “oficialmente”
a emancipação ocorreu em 1822, mas que a data real desse processo teria sido já em 1808.

 O certo é que, se os marcos cronológicos com que os historiadores assinalam a evolução social e

política dos povos não se estribassem unicamente nos caracteres externos e formais dos fatos, mas

refletissem a sua significação íntima, a independência brasileira seria antedatada de 14 anos

(PRADO JR, 2012, p. 88).

Em 1810, outros três tratados foram assinados, que praticamente selavam o domínio inglês
sobre Portugal e o Brasil. Um dos tratados estabelecia que os produtos ingleses podiam entrar
no Brasil pagando uma taxa alfandegária de 15% sobre o volume comercializado, taxa bem
menor que os 24% estabelecidos para outras nações, e menor até do que a taxa determinada
para os produtos vindos de Portugal, que seria de 16%.

A submissão não se limitava apenas às transações comerciais. Outro tratado, em um de seus


artigos, estabelecia que súditos da realeza britânica residentes no Brasil, se eventualmente
cometessem algum ato ilegal, não seriam julgados pelas leis portuguesas. Eles teriam que
nomear juízes ingleses para “julgar” seus delitos segundo a jurisdição inglesa.

Dessa maneira, os portos brasileiros passaram a receber cada vez mais navios britânicos, e o
mercado interno viu uma enxurrada de produtos ingleses serem comercializados em terras
brasileiras.

John Mawe, um naturalista inglês presente no Rio de Janeiro nessa época, registrou em seus
diários como os acordos comerciais com os ingleses mudaram até os hábitos de consumo no
Brasil:
“O mercado ficou inteiramente abarrotado, tão grande e inesperado foi o fluxo de manufaturas

inglesas no Rio, logo em seguida à chegada do Príncipe Regente, que os aluguéis das casas para

armazená-las elevaram-se vertiginosamente. A baía estava coalhada de navios, e em breve a

alfândega transbordou com o volume das mercadorias. Montes de ferragens e pregos, peixe salgado,

montanhas de queijos, chapéus, caixas de vidros, cerâmica, cordoalha, cerveja engarrafada em

barris, tintas gomas, resinas, alcatrão, etc., achavam-se expostos não somente ao sol e à chuva, mas

à depredação geral: (...) espartilhos, caixões mortuários, selas e mesmo patins para gelo abarrotavam

o mercado, no qual não poderiam ser vendidos e para o qual nunca deveriam ter sido enviados."

Além das questões econômicas, a presença da Corte Portuguesa no Brasil alterou


profundamente o modo de vida na colônia, especialmente na cidade do Rio de Janeiro.

Dom João implantou várias medidas que tiveram impacto na vida política, social e até cultural
em nossas terras. Muitas dessas medidas visavam equiparar o Rio de Janeiro às mesmas
condições de vida que se tinha na Europa, mas sabe-se também que boa parte dessas
transformações tinha como maior objetivo agradar as elites coloniais brasileiras.

Dessa forma, foram criadas no Brasil a Casa da Moeda, o Banco do Brasil, as primeiras
instituições de ensino superior, o Jardim Botânico, a Academia Real Militar, a Biblioteca Real, e
houve a fundação da Imprensa Régia, que publicava o primeiro jornal a circular na colônia, a
Gazeta do Rio de Janeiro.

Nessa época, também veio ao Brasil a famosa Missão Francesa (1816), que trazia, entre outros
artistas importantes, Jean Baptiste Debret (pintor e escritor) e Nicolas Antoine Taunay (pintor).
Figura 38 - Missão artística francesa: obra "Barbeiros ambulantes", de
Debret

Fonte: vejario.abril.com.br [https://vejario.abril.com.br/atracao/debret-e-a-


missao-artistica-francesa-no-brasil-200-anos/]

 Na política externa, a atuação do governo joanino foi bastante agressiva. Em 1809, as tropas
portuguesas e inglesas invadiram e conquistaram Caiena, a capital da Guiana Francesa, em
retaliação ao Bloqueio Continental imposto por Napoleão. O território só foi devolvido à França
em 1815, nas tratativas do Congresso de Viena.

Em 1817, o Brasil invadiu a ex-colônia portuguesa de Sacramento, atual Montevidéu, e a


denominou de Província Cisplatina. Além de questões econômicas, essa ação militar tinha
objetivos estratégicos militares, pois visava impedir que tropas francesas ocupassem a região, já
que a Espanha, nesse momento, estava dominada pela França. A Província Cisplatina só ficou
livre do Brasil em 1827 (no governo de Dom Pedro I), na chamada Guerra da Cisplatina, que deu
origem ao atual Uruguai.

Para conciliar seu projeto expansionista com as determinações do Congresso de Viena e


continuar com seus afagos à classe dominante brasileira, Dom João elevou o Brasil à condição
de “Reino Unido a Portugal e Algarves”.

Na prática, essa medida criou uma situação inusitada, pois o Brasil deixou de ser colônia, mas ao
mesmo tempo continuou oficialmente como território vinculado ao governo português.
Apesar de agradar aos proprietários brasileiros, que, com essa medida, alcançavam maior
liberdade econômica para seus negócios, Dom João gerou uma enorme insatisfação com a elite
portuguesa que permaneceu em Portugal, já que era o Brasil que se colocava oficialmente como
sede administrativa do governo.

A elite colonial brasileira se acostumou com a liberdade de comércio, o que lhe agradava
imensamente, porque via seu lucro aumentar. Ao mesmo tempo, Dom João VI, que passou a ser
tratado como rei em 1816, com a morte da mãe, administrava o Rio de Janeiro como se estivesse
na Europa, invadindo territórios e tomando medidas de modernização da capital brasileira.

Para que tudo isso fosse possível, porém, Dom João VI necessitava de recursos, o que foi
resolvido adotando medidas ainda muito usadas atualmente, isto é, criando tributos e
aumentando os impostos já existentes. Isso encareceu o custo de vida e aumentou a
insatisfação de outras regiões que não tinham a mesma atenção e investimentos com que o Rio
de Janeiro contava nessa época.

Essa foi a justificativa de movimentos de revolta como a Revolução Pernambucana, ocorrida em


1817, que se constituiu na maior manifestação de oposição ao governo joanino.

4.4 Movimentos separatistas III: A Revolução Pernambucana (1817)

Pernambuco há muito que demonstrava ser um núcleo de movimentos importantes da história


colonial brasileira, seja ao lado dos portugueses, como no caso da Insurreição Pernambucana
em 1654, ou contra as medidas da metrópole, como na Guerra dos Mascates (1710), movimentos
já tratados anteriormente. Esse caráter combativo e de resistência pernambucana persistiu
mesmo com o Brasil já independente, como nos casos da Confederação do Equador (1824) e da
Revolução Praieira (1848).

Nesse contexto do governo joanino, a administração vinda do Rio de Janeiro desagradava tanto
a elite quanto a classe trabalhadora mais pobre. Os grandes proprietários reclamavam do
aumento dos impostos para manter a boa vida da nobreza portuguesa, bem como do descaso da
administração central com a região nordestina, que sofria com a desvalorização dos principais
produtos locais, sobretudo o açúcar e o algodão. Somou-se a isso o fato de que Dom João VI,
para dar ocupação aos nobres que o acompanharam em 1808, designou vários portugueses a
cargos de administração e do exército em Pernambuco. Isso feriu o orgulho das elites locais, que
se viam alijadas das principais decisões da região.

Para as classes mais pobres, a insatisfação era geral por conta do aumento de tributos e do
pagamento de taxas que sequer beneficiavam a região, como a imposição do pagamento de taxa
de iluminação pública do Rio de Janeiro. Para piorar, ocorreu uma violenta seca em 1816, que
diminuiu a produção no campo e gerou uma alta de preços generalizada.

Todo esse clima de revolta gerado também foi alimentado pela difusão das ideias iluministas,
que já tinham influenciado outros movimentos separatistas citados aqui. Assim, foram fundados
grupos de inspiração iluminista como o Areópago de Itambé e o Seminário de Olinda, que
discutiam ideias de liberdade e igualdade que, invariavelmente, acabavam fomentando
sentimentos anticolonialistas.

Dessa forma, tínhamos em Pernambuco um movimento contra a opressão portuguesa, de


caráter bem amplo no que diz respeito à participação social. Havia grandes comerciantes,
militares, juízes, proprietários rurais, pequenos comerciantes, padres, artesãos e trabalhadores
de maneira geral. E o que diferenciou a Revolução Pernambucana de outros movimentos
separatistas, como nos casos mineiro e baiano, foi que ela ultrapassou a fase conspiratória.

Como nos casos anteriores, o governo pernambucano já tinha conhecimento do que iria
acontecer e ordenou que um oficial, o brigadeiro Manoel Joaquim Barbosa, coordenasse as
ações de repressão ao movimento. O militar, entretanto, foi assassinado em março de 1817, e a
rebelião teve início e se espalhou por toda Recife.

Diante do crescimento do movimento, o governador de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda,


teve que fugir para o Rio de Janeiro. Com isso, foi implantado um governo provisório em
Pernambuco, que foi constituído por Manoel Correia de Araújo, representante da agricultura;
Domingos José Martins, representante do comércio; padre João Ribeiro, representante do clero;
José Luís de Mendonça, representante dos juízes; e Domingos Teotônio Jorge, representante das
Forças Armadas.

A proposta era a de que esse governo provisório atuasse até a elaboração da Constituição por
uma Assembleia constituinte que seria convocada em um ano.

As principais medidas adotadas pelo governo revolucionário foram:

a. Proclamação da independência de Pernambuco com a adoção do sistema republicano;


b. Estabelecimento de liberdade de culto e de imprensa;
c. Abolição dos impostos criados por Dom João VI;
d. Instituição dos três poderes;
e. Manutenção da escravidão (como boa parte do governo provisório era constituída pela elite, estabeleceu-
se que a escravidão seria extinta de forma lenta e gradual).
Figura 39 - Bandeira da Revolução
Pernambucana.

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Flag_Pernambucan_Revolt_of_181
7.svg]

Importante destacar que o movimento avançou as fronteiras de Pernambuco. Capitanias


vizinhas como Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará aderiram ao movimento e ao novo governo
provisório.

Com as notícias do crescimento da Revolução, Dom Joao VI não demorou a agir. Tratou de
organizar uma repressão por mar e por terra. Ordenou que uma frota de navios militares
bloqueasse o porto de Recife e mobilizou quatro mil soldados para a Bahia, que, em marcha,
seguiriam para Pernambuco, a fim de atacar os revolucionários.

O que de certa forma facilitou a repressão foram as divisões internas que se abateram sobre os
revolucionários. Assim, as forças do governo central conseguiram retomar as capitanias da
Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Mesmo assim, as forças revolucionárias resistiram até
maio de 1817, quando Recife foi totalmente dominada pelas forças militares de Dom João VI.

As punições, como sempre, procuraram ser exemplares. Trezes líderes receberam como punição
a pena de morte. Um dos envolvidos, o padre João Ribeiro, não se entregou e se enforcou; e Cruz
Cabugá, que estava nos Estados Unidos em busca de apoio e armas, com as notícias das
prisões, não voltou ao Brasil.
Figura 40 - Punições à Revolução Pernambucana.

"Os Mártires" de Antônio Parreiras. Fonte: wikimedia.org


[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ant%C3%B4nio_Parreiras_-
_Os_M%C3%A1rtires.jpg]

4.5 O retorno da família real para Portugal

Em 1820, ocorreu um fato importante em Portugal que mudaria as forças políticas dentro do país
e sua relação com a colônia: a Revolução Liberal do Porto. Como vimos, quando a família real se
transferiu para o Rio de Janeiro em 1808, Portugal foi invadido por tropas francesas em reação à
não obediência do governo português ao Bloqueio Continental.

Os ingleses conseguiram impor derrotas aos franceses e retomaram o governo português. Como
o rei estava no Brasil, nomeou-se uma junta governativa para governar Portugal, liderada pelo
Lorde Beresford.

Desde 1808, os portugueses viviam em estado de penúria. A crise econômica violenta foi
causada por fatores: a invasão francesa, a perda de sua principal fonte de recursos, a colônia
brasileira praticamente perdida depois da abertura dos portos em 1808, tratados de 1810 e
elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal em 1815.

Além de tudo isso, os português tinham que conviver com a ideia humilhante de ter um rei
vivendo em uma colônia e submetendo suas decisões a um colegiado de militares ingleses
instalado em território português. Diante desse quadro, a burguesia portuguesa, a partir da
cidade do Porto, organizou um movimento para readquirir sua autonomia e soberania. Para tanto,
aproveitaram-se da ausência de Beresford, que havia viajado ao Brasil para negociar com Dom
João. Com o sucesso e adesão maciça da população aos ideais revolucionários, Beresford ficou
proibido de voltar a Portugal e retornou para a Inglaterra.

A revolução espalhou-se para outras cidades portuguesas e passou a reivindicar a volta de Dom
João para Portugal e a formação de uma Assembleia Constituinte, a fim de estabelecer novas
leis, mais sintonizadas com as ideias liberais que naquele momento dominavam o contexto
político europeu.

O parlamento português, porém, denominado de Cortes e dominado pela burguesia, exigia do rei,
caso voltasse, a obediência à nova constituição que se baseava em princípios iluministas e
estabeleciam uma Monarquia Constitucional. Além disso, as Cortes exigiam outra medida
urgente: restabelecer o caráter de colônia ao Brasil, especialmente para que tivessem recursos
para reconstruir a economia debilitada de Portugal.

A Revolução do Porto teve reflexos imediatos no Brasil e as reações foram diferenciadas,


dependendo da região. No Centro-Sul, as notícias não foram bem vistas porque colocaram em
risco a liberdade econômica que a elite da região desfrutava desde a abertura dos portos. Já no
Norte e no Nordeste, os grandes proprietários viam com simpatia as propostas dos
revolucionários do Porto, pois a autonomia conferida ao Brasil sempre prejudicou seus
interesses, como já analisamos aqui. Viam, em uma possível recolonização, um retorno aos bons
negócios e mais atenção para a região.

Com todo esse quadro conturbado, e apesar de ter se afeiçoado ao Brasil, Dom João VI ficou
temeroso em perder a Coroa portuguesa e resolveu retornar para Portugal. Assim, Dom João VI
voltou com sua família para Portugal em 1821 e deixou no Brasil como Príncipe Regente seu
filho, Dom Pedro, já ciente de que a independência do Brasil era questão de tempo.

Figura 41 - Volta da família real portuguesa a Lisboa em 1821.

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Partida_da_Rainha_Carlota_Joaquina
_no_seu_retorno_a_Portugal.jpg]
Quando D. João VI voltou para Lisboa, em abril de 1821, levou no porão do seu navio todo o
dinheiro que havia no Banco do Brasil.

As pessoas que tinham guardado dinheiro no banco ficaram sem nada e o banco acabou
fechando em 1829.

Um novo Banco do Brasil só foi criado em julho de 1851 e é o que existe até hoje.

Fonte: folha.uol.com.br [https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/9/08/folhinha/7.html]

4.6 A ruptura final e o processo de Independência formal do Brasil

Com a volta da família real para Portugal, a elite dominante se dividiu quanto ao posicionamento
sobre a Revolução do Porto e sobre como se daria o processo de independência, que se colocava
como iminente.

Basicamente, formaram-se três grupos, organizados em partidos: o Brasileiro, formado pela elite
colonial brasileira e de caráter mais conservador; o Português, constituído por funcionários do
governo, comerciantes e grandes proprietários portugueses; e o Partido Radical, formado por
profissionais liberais e pela classe média, defensores do republicanismo.

O que deixava o ambiente político mais agitado era o fato de que as cortes portuguesas queriam
colocar em prática rapidamente seu projeto de recolonização do Brasil. Entre outras coisas,
exigiam o fim de instituições criadas por Dom Joao VI no Brasil, o envio de mais efetivos
militares portugueses ao Brasil e o retorno imediato a Portugal do príncipe regente, Dom Pedro.

Pela nova constituição portuguesa, estava prevista a participação de deputados brasileiros nas
Cortes Portuguesas, mas eram sumariamente ignorados em suas tentativas de evitar a
recolonização.

Como a ordens para que Dom Pedro voltasse a Portugal se tornavam cada vez mais insistentes,
criou-se no Brasil o chamado Clube da Resistência, agrupamento que misturava integrantes dos
Partidos Brasileiro e Radical com a finalidade de cooptar o Príncipe-Regente para a causa
separatista.
O objetivo era muito claro. A elite brasileira se desdobraria pela separação do Brasil em relação a
Portugal. Dom Pedro apoiaria o movimento com a condição de se tornar o primeiro governante
do novo país. O arranjo era perfeito especialmente para que os grandes proprietários
continuassem com sua liberdade de comércio, ao mesmo tempo que se manteriam os seus
privilégios de classe, evitando a participação popular no processo e mantendo a instituição da
escravidão.

Dessa forma, as ações rapidamente se sucederam. Dois personagens importantes nesse


processo foram José Bonifácio, membro do Partido Brasileiro e conselheiro de Dom Pedro, e a
própria esposa do príncipe regente, Dona Maria Leopoldina, que demonstrava notável interesse
na articulação da Independência.

Em janeiro de 1822, o Senado brasileiro apresentou um abaixo-assinado com oito mil


assinaturas, que foi entregue a Dom Pedro, pedindo para que o Príncipe-Regente permanecesse
no Brasil. Em 9 de janeiro, Dom Pedro declarou oficialmente que não atenderia as ordens das
Cortes e permaneceria no Brasil. Era o “Dia do Fico”.

Figura 42 - Dia do Fico.

Fonte: institutopoimenica.com [https://institutopoimenica.com/2018/01/09/dia-


do-fico-jean-baptiste-debret/]

No mês de maio, Dom Pedro determinou que todas as ordens ou leis aprovadas pelas Cortes
referentes aos assuntos internos do Brasil, antes de serem adotadas, teriam que passar pela sua
aprovação pessoal. Era o “Cumpra-se”,que deixava cada vez mais clara a postura separatista do
Príncipe-Regente.
Em junho, atendendo à reivindicação de Gonçalves Ledo, o principal líder do Partido Radical, Dom
Pedro convocou uma Assembleia Constituinte para a elaboração de uma constituição própria
para o Brasil.

Apesar do “Cumpra-se” e da convocação da Assembleia Constituinte, as Cortes portuguesas


mantiveram-se intransigentes. Ignoravam toda movimentação política no Brasil e continuavam a
insistir na volta imediata do Príncipe-Regente e sua família a Portugal.

Como Dom Pedro estava em viagem, Dona Maria Leopoldina e José Bonifácio convocaram uma
sessão extraordinária da Assembleia, em 2 de setembro de 1822, e decidiram pela ruptura formal
com o governo de Portugal. Para tanto, foi redigida uma Declaração de Independência, que foi
enviada a Dom Pedro.

O Príncipe-Regente, quando recebeu a carta, estava em viagem a Santos, no litoral paulista. Foi
alcançado pelo mensageiro em 7 de setembro, quando se encontrava próximo ao rio Ipiranga.
Convencido pelos argumentos de sua esposa e de seu principal conselheiro, declarou
oficialmente então a Independência do Brasil. A sua coroação ocorreu em dezembro de 1822 no
Rio de Janeiro, quando Dom Pedro foi aclamado imperador com o título de Dom Pedro I.
Figura 43 - Quadro de Pedro Américo representando a Independência do Brasil.

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pedro_Am%C3%A9rico_-


_Independ%C3%AAncia_ou_Morte_-_Google_Art_Project.jpg]

Como o quadro de Pedro Américo foi uma mera idealização do que realmente ocorreu em 1822,
historiadores apontam alguns erros destacados na obra:

Nem Dom Pedro e nem a comitiva estavam vestidos com os uniformes de gala que a obra exibe.
O cavalo em que D. Pedro estava montado durante a viagem na verdade era uma mula, animal muito
usado para longas viagens.
A famosa Casa do Grito, um dos símbolos do Dia da Independência, pode não ter feito parte da
proclamação. Não há comprovações de que ela existia na época. Seu primeiro registro é de 1884, 62
anos depois.
O grito da Independência não aconteceu de fato às margens do Ipiranga como consta no quadro. Dom
Pedro estaria em cima de uma colina com uma crise de diarreia.

Fonte: educacao.uol.com.br [https://educacao.uol.com.br/album/2013/09/07/veja-cinco-erros-


do-quadro-independencia-ou-morte-de-pedro-americo.htm?mode=list&foto=1]
Videoaula - Reação e significado da independência

Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui
[https://player.vimeo.com/video/429842865] .

4.7 As reações e o significado da Independência brasileira

Não tivemos guerras sangrentas de independência como ocorreram em ex-colônias espanholas


ou no caso dos Estados Unidos, mas isso também não significa que o processo de emancipação
brasileira foi pacífico. As províncias da Bahia, Maranhão, Pará e Cisplatina resistiram à
independência e queriam se manter fiéis a Portugal. O Brasil, por ser uma nação recém-
independente, não tinha exército constituído. Por isso, Jose Bonifácio e Dom Pedro I recorreram
a mercenários, especialmente militares franceses que estavam ociosos desde a queda de
Napoleão Bonaparte, para combater os revoltosos.

Com o fim da resistência, Portugal reconheceu a independência brasileira, mediada pela


diplomacia inglesa, em 1825, mediante o pagamento de uma indenização de dois milhões de
libras, valor que o Brasil não possuía e teve de recorrer a empréstimos junto à Inglaterra.

Antes de Portugal, os Estados Unidos já haviam reconhecido a independência brasileira


atendendo à chamada doutrina Monroe, que tinha como principal lema “a América para os
americanos”.

Entre os nossos vizinhos latino-americanos, a independência brasileira foi vista com reservas
porque, na América do Sul, foi o único caso em que uma ex-colônia adotava o regime
monárquico depois de independente. As ex-colônias espanholas, quando promoveram suas
independências, organizaram seu governo livre dentro do modelo republicano.
A Inglaterra, que se interessava muito pelos processos de independência na América, reconheceu
nossa independência em 1826, exigindo que se renovassem os tratados comerciais de 1810 e se
extinguisse o tráfico negreiro no Brasil. A primeira exigência foi satisfeita, mas a segunda só foi
atendida 24 anos depois.

Dessa forma, a independência brasileira revestiu-se de alguns significados importantes dentro


do contexto das independências latino-americanas. Apesar da independência administrativa e
formal de Portugal, o Brasil continuou com o modelo político monarquista e a vida política e
econômica vinculada ainda a interesses europeus, só que agora dos ingleses.

Uma independência que nasceu com uma dívida externa, sem nenhuma participação popular e,
principalmente, mantendo os privilégios da antiga elite colonial, que se assentou no latifúndio
agroexportador, baseado ainda no trabalho escravo. Esse era o início do Brasil “livre”.
Exercícios de fixação
Assinale verdadeiro ou falso para o texto abaixo:

A União Ibérica mudou as relações entre Portugal e Holanda. As colônias portuguesas passaram
também a pertencer à Espanha, por isso a Holanda teve que sair do Brasil. Esse o principal
motivo das invasões holandesas no nordeste brasileiro.

Verdadeiro Falso

Assinale verdadeiro ou falso para o texto abaixo:

A independência do Brasil foi fruto de embates importantes entre o povo brasileiro e a metrópole
portuguesa. Não fosse a atuação de Dom Pedro, respaldado pelas principais lideranças
populares do Brasil, o processo de emancipação não teria ocorrido.

Verdadeiro Falso

Leia atentamente o item Movimentos separatistas I e complete as lacunas abaixo:

A ameaça da  Selecione... e os altos impostos constituem o principal motivo da


Selecione... . Essa é considerada uma revolta separatista, pois um de seus
objetivos era a emancipação em relação a Selecione... . Foi um movimento considerado
elitista, pois não queria a abolição da escravidão. O plano foi delatado por Joaquim Silvério dos
Reis, e seus principais líderes foram presos e julgados. Apenas
Selecione... teve sua pena de morte mantida pela Coroa portuguesa.
Qual movimento ocorrido em Portugal forçou a volta de Dom João VI em 1821?

Bloqueio Continental.

Revolta Portuguesa.

Revolução Lisboeta.

Revolução Liberal do Porto.


Considerações Finais
Atualmente, o País vive um momento econômico e político particular, onde predominam posições
marcadas pela polarização política e ideológica acerca de vários temas, que vão desde questões
ambientais até a forma como são escritos os livros didáticos ou como devem se comportar os
professores em salas de aula.

Esse ambiente de disputas e ódio exacerbado é, por diferentes razões, fomentado por um
fenômeno que surgiu nos últimos tempos e que tem tido peso em vários elementos tanto na vida
cotidiana como até em tempos eleitorais: as fake news.

A disseminação de notícias falsas ganhou potencial em razão da velocidade com que se


espalham, favorecida pela diversidade e pela ampliação das chamadas redes sociais. Em termos
de questões políticas, particularmente muitas dessas fake news se assentam em distorções ou
manipulações do processo histórico, em particular a História de nosso país.

Agora que você chegou ao fim desta disciplina, esperamos que os elementos constitutivos de
nossa História colonial possam oferecer parâmetros mais adequados e que abram
possibilidades de análise mais crítica, superando a visão do chamado senso comum, conjunto de
conhecimentos muito superficiais e que dão base para a construção e a disseminação das
chamadas fake news.

Não se trata de entender que as páginas até agora lidas, ou qualquer outro livro de História,
devam servir como manual de conduta ou posicionamento moral, mas sim de entender que
várias das mazelas atuais, como o preconceito racial, a misoginia, o feminicídio, a concentração
fundiária e a corrupção endêmica, entre vários outros problemas, têm origem nos primeiros
passos que os europeus deram em nossa terra.

Para se resolver isso, ou pelo menos minimizar esse processo, não existe outra saída senão no
investimento na educação, na valorização do professor, na produção do conhecimento e na
radicalização da democracia.

Está demonstrado, há muito tempo, que os países onde há menos corrupção e mais qualidade de
vida são os países democráticos nos quais se investe muito em educação, ao mesmo tempo que
se valoriza o estudo de sua História.

Afinal de contas, “Viver sem conhecer o passado é andar no escuro” (UMA HISTÓRIA..., 2013).
Exercícios de fixação - respostas
Leia atentamente o item O contexto europeu da Idade Média para a Idade Moderna, e complete
as lacunas abaixo:

O contexto em que se vivia na Europa na transição da Idade Média para a Idade Moderna
estava marcado pela crise do feudalismo e consolidação das relações econômicas
pautadas pelo mercantilismo onde a exploração das colônias era fundamental
para o sucesso do novo modelo.

Assinale a alternativa INCORRETA quanto ao processo conhecido como Expansão Marítima:

Portugal foi pioneiro nas grandes navegações, logo seguido pela Espanha.

O Oceano Pacífico era conhecido como “Mar Tenebroso” em função do imaginário criado
sobre monstros marinhos e terra plana.

Nesse processo, regiões como o Brasil foram incorporadas à Geografia europeia.

Vasco da Gama foi o primeiro navegador português a chegar nas Índias.

Analise as informações abaixo e depois assinale a alternativa CORRETA:

A escravidão no Brasil começou com a exploração do pau-brasil.

Maurício de Nassau foi um importante administrador da França Antártica.

Governo Geral foi o primeiro modelo administrativo adotado pelos portugueses no Brasil.

A presença francesa no Brasil pode ser atestada na fundação da colônia da França Equinocial.

Leia atentamente o item Movimentos nativistas do ciclo do açúcar, e complete as lacunas


abaixo:
Movimentos nativistas são aqueles que não questionam o pacto colonial . Exemplos de
nativismo foram a revolta de Beckman no Maranhão e a Guerra dos Mascates, ocorrida em
Pernambuco .

Os ciclos do açúcar e do ouro no Brasil tiveram como principal objetivo:

Desenvolver a economia brasileira a fim de incorporá-la à economia capitalista da época.

Estimular a formação de cidades e mercado interno no Brasil.

Explorar a colônia e fortalecer a monarquia portuguesa.

Fomentar na colônia um sentimento patriota e nacionalista.

Assinale verdadeiro ou falso para o texto abaixo:

A União Ibérica mudou as relações entre Portugal e Holanda. As colônias portuguesas passaram
também a pertencer à Espanha, por isso a Holanda teve que sair do Brasil. Esse o principal
motivo das invasões holandesas no nordeste brasileiro.

Verdadeiro Falso

Assinale verdadeiro ou falso para o texto abaixo:

A independência do Brasil foi fruto de embates importantes entre o povo brasileiro e a metrópole
portuguesa. Não fosse a atuação de Dom Pedro, respaldado pelas principais lideranças
populares do Brasil, o processo de emancipação não teria ocorrido.

Verdadeiro Falso
Leia atentamente o item Movimentos separatistas I e complete as lacunas abaixo:

A ameaça da  Derrama e os altos impostos constituem o principal motivo da


Inconfidência Mineira . Essa é considerada uma revolta separatista, pois um de seus
objetivos era a emancipação em relação a Portugal . Foi um movimento considerado elitista,
pois não queria a abolição da escravidão. O plano foi delatado por Joaquim Silvério dos Reis, e
seus principais líderes foram presos e julgados. Apenas Joaquim José da Silva Xavier teve
sua pena de morte mantida pela Coroa portuguesa.

Qual movimento ocorrido em Portugal forçou a volta de Dom João VI em 1821?

Bloqueio Continental.

Revolta Portuguesa.

Revolução Lisboeta.

Revolução Liberal do Porto.


Autoria
Odair de Abreu Lima
Autor
Graduação e mestrado em História Social pela PUC-SP. Pós-graduação em Ensino da Filosofia e
História Cultural pelo Instituto Claretiano. Professor de História da Educação Básica (ciclo
fundamental II e ensino médio) desde 1994. Professor, desde 2011, nas modalidades presencial e
educação a distância, das Universidades Estácio de Sá, Municipal de São Caetano do Sul,
Cândido Mendes e Uninassau. Coordenador pedagógico de projetos sociais de 2000 até 2018.
Conteudista do Instituto Phorte, desde 2011, nas áreas de História, Sociologia, Filosofia,
Educação de Jovens e Adultos e História Cultural.
Glossário

Absolutismo
Teoria política que defende que alguém (geralmente, um monarca) deve ter o poder absoluto, isto
é, independente de outro órgão.

Antilhas
Conjunto de ilhas no mar do Caribe, que antigamente foram colônias espanholas, francesas,
holandesas e inglesas, e onde se produzia o açúcar que concorria com o açúcar produzido no
Brasil na época colonial.

Antropocentrismo
Forma de pensamento comum a certos sistemas filosóficos e crenças religiosas, que atribui ao
ser humano uma posição de centralidade em relação a todo o universo.

Atos de Navegação
Lei inglesa, elaborada em 1651, sancionada por Oliver Cromwell, líder puritano que derrubara a
monarquia absolutista dos Stuarts em 1649, com o objetivo de excluir os holandeses do
comércio inglês.

Batavos
Designação dada durante o Império Romano aos povos germânicos que habitavam a região do
delta do rio Reno, a que corresponde aproximadamente o território dos atuais Países Baixos.

Calvinismo
Conjunto de ideias e doutrinas de João Calvino (1509-1564), teólogo e reformador cristão, um
dos grandes nomes da Reforma Protestante.

Colonização
Processo pelo qual os seres humanos ocupam novos territórios pelo mundo com objetivo de
habitação ou de exploração de recursos.

Colônia de Sacramento
Fundada pelos portugueses na margem esquerda do rio da Prata (atual Montevidéu) em 1680.
Essa ação fazia parte da ampliação do comércio português em uma região de grande potencial
econômico. Por ser área de ocupação predominante de colonos espanhóis, entretanto, os
conflitos com os portugueses e os brasileiros estabelecidos na região eram constantes.
Confederação dos Tamoios
Composta por diferentes grupos (tupinambás, tupiniquins, aimorés, entre outros), foi uma reunião
de índios que iam da região do Litoral Norte Paulista até o Sul Fluminense, que ocorreu entre
1554 e 1567. O principal motivo dessa Confederação, que reuniu diversos caciques, foi a revolta
ante a ação violenta dos portugueses contra os índios Tupinambás, que causou escravidão e
mortes.

Cortes Portuguesas
Oficialmente designadas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, foi o primeiro
Parlamento convocado em Portugal e tinha como objetivo principal a elaboração de uma
constituinte de caráter liberal.

Código Civil
Conjunto de normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas
relações no âmbito privado, com base na Constituição Nacional.

Degredo
Exílio imposto judicialmente em caráter excepcional como punição de um crime grave,
constituindo uma forma de banimento.

Emboaba
Nome que se dá a uma ave de pernas emplumadas. Os paulistas passam a chamar
pejorativamente os portugueses de emboabas em uma referência ao uso que eles faziam de
botas, já que, em sua maioria, os bandeirantes paulistas andavam descalços pela região.

Especiarias
Cada uma das ervas ou partes de plantas com propriedades aromáticas e que são usadas para
dar sabor e aroma no preparo culinário (cravo, canela, pimenta-do-reino, cominho, noz-moscada,
baunilha etc.), condimento, tempero, espécie.

Girondinos
Um dos grupos atuantes durante a Revolução Francesa. Eram considerados defensores da alta
burguesia e mais moderados. Seus principais inimigos políticos eram os jacobinos, tidos como
mais radicais e defensores da pequena burguesia e dos trabalhadores.

Guerra dos Trinta Anos


Envolveu a Espanha e uma série de nações europeias motivadas por questões religiosas
(católicos x protestantes), dinásticas e territoriais. Ao longo de três décadas de combates,
calcula-se em torno de 4 milhões de vidas perdidas com a guerra.

Inconfidência
Significa a falta de fidelidade ou lealdade para com alguém, principalmente com o Estado ou com
um representante de uma soberania.

Mercantilismo
Conhecido como um conjunto de ideias e práticas econômicas executadas pelos Estados
absolutistas europeus durante a Idade Moderna, posterior ao período do Feudalismo.

Missões
Também chamadas de reduções, foram os aldeamentos indígenas organizados e administrados
pelos padres jesuítas no Novo Mundo, como parte de sua obra de cunho civilizador e
evangelizador.

Monarquia Constitucional
Sistema de governo onde a posição do monarca (rei, imperador ou figura similar) ficou
estabelecida na constituição local. O soberano governa de acordo com a constituição, isto é, de
acordo com a lei, ao invés de tomar decisões baseado na sua livre vontade.

Nativismo
Movimento que advoga a favor dos habitantes nativos de um determinado território, em
detrimento dos emigrantes.

Plebiscito
Consulta sobre questão específica, feita diretamente ao povo, geralmente por meio de votação do
tipo sim ou não.

Revolução Haitiana
Também chamada de Revolta de São Domingos, ocorreu em 1791 e foi o único evento onde uma
ex-colônia conseguiu sua independência (Haiti) na liderança da população escrava. Esse
movimento de independência do Haiti em relação à França criou um temor geral entre as elites
coloniais da América, chamado de “haitianismo”, pois havia uma preocupação muito grande de
que essa revolução, liderada por escravos, pudesse ocorrer em outras regiões onde essa mão de
obra era utilizada.
Sítio arqueológico
Local onde são encontrados vestígios de ocupação humana, seja esta ocupação antiga ou
recente.

Teocentrismo
Doutrina que considera Deus o centro de todo o Universo e responsável pela criação de tudo o
que há nele.

Teocracia
Forma de governo onde o chefe de estado também se coloca como chefe religioso, ou mesmo
exige ser tratado como deus.

Ultramarina
Expansão territorial no além-mar.

Zona da Mata
É uma sub-região que fica no litoral da região Nordeste do Brasil e que se estende do estado do
Rio Grande do Norte até o sul da Bahia, formada por uma estreita faixa de terra para os padrões
continentais do Brasil.
Bibliografia
Bibliografia Clássica
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1978. v. 4.

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HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. 7. ed. São Paulo:
DIFEL,1985, tomo 1, v. 1, p. 72-86.

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economia patriarcal. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do


nordeste do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2004.

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Fronteiras. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 19-53.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de.
História Geral da Civilização Brasileira. 7. ed. São Paulo: DIFEL,1985.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e


colonização do Brasil. 3. ed. São Paulo: Ed. Nacional: Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia,
1977.

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A MISSÃO. Direção de Roland Joffé. Reino Unido, 1986.

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COMO ERA gostoso meu francês. Direção de Nelson Pereira dos Santos. Brasil, 1971.

HANS Staden. Direção de Luís Alberto Pereira. Brasil, 1999.

CARLOTA Joaquina. Direção de Carla Camuratti. Brasil, 1995.

XICA da Silva. Direção de Carlos Diegues. Brasil, 1976.

TIRADENTES, o filme. Direção de Oswaldo Caldeira. Brasil, 1999.

INDEPENDÊNCIA ou morte. Direção de Carlos Coimbra. Brasil, 1972.

QUILOMBO. Direção de Carlos Diegues. Brasil, 1984.

UMA HISTÓRIA de amor e fúria. Direção de Luís Bolognesi. Brasil, 2013.

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