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Unidade 1
PROMÓRDIOS DA CRISTIANIZAÇÃO LATINA
INTRODUÇÃO
É com esta ponderação, como uma espécie de denúncia e proposta, que Enrique Dussel
introduz seu trabalho sobre a história da Igreja na América Latina. Seu olhar parte da
consideração da possibilidade de que o objetivo histórico da igreja e de Jesus, sempre fora
a evangelização dos oprimidos, os pobres.
Se tal olhar a respeito dos desvalidos da sociedade pode, por vezes, vir a gerar
instabilidade teológica no seio da Igreja Cristã – uma vez que nesta ideia está explícito a
preferência de Cristo pelos pobres (o que não é aceito por todas as alas da Igreja Cristã)
–, Dussel está correto em ao menos uma questão: é mesmo necessário incluir a história
da América Latina no bojo da História Universal. Além disso, é preciso também
compreender os processos que por aqui se deram sob o viés religioso colonialista. Ou
seja, desde seus primórdios, a história latino-americana foi embebida de diretrizes que
utilizaram a fé como régua de medida pelos europeus.
Enaltecer o poder religioso como um mero meio para não perder o poder político e
manter os privilégios da Igreja na Europa não bastou para a ambição do alto clero; e já
com toda a experiência de propagar a fé cristã - adquirida nas Cruzadas – para todos
aqueles povos pagãos sob a ótica da Igreja, era a mais eloquente substância sob a qual a
Igreja participou ativamente no processo colonizador do “Novo Mundo” (FACO, 2010)
Mas se inicialmente o jeito de ser da igreja que aqui se praticou não tinha por objetivo
primeiro fazer cessar as necessidades dos pobres, que cristianismo era este e como se
desenvolveu na percepção não apenas da alma pedida, mas também do injustiçado social?
É a partir destas questões que esta unidade buscará versar, ou seja, os primórdios da
América Latina, o discurso religioso que aqui chegou e sua influência na conquista das
novas terras e povos que aqui se estabeleciam.
1. PROCESSOS DE COLONIZAÇÃO
Ao que nos interessa da história, diz respeito à chegada ao Novo Mundo pelos europeus
através de Cristóvão Colombo.
Às duas horas da manhã do dia 12 de outubro de 1492, o vigia Rodrigo de Triana, a bordo
de uma das caravelas comandadas pelo navegador genovês Cristóvão Colombo anunciou
a famosa frase “terra à vista!”. No caso, eles estavam chegando ao Golfo do México, na
América Central. Era o ponto alto da viagem iniciada no dia 3 de agosto, em Puerto de
Palos, na Espanha. A expedição foi possível graças ao financiamento da rainha Isabel, a
Católica, que bancou o sonho de Colombo em tentar encontrar uma rota entre o Oriente
e o Oceano Atlântico. Assim que desembarcaram na então desconhecida terra, os
europeus encontraram vegetação exuberante e nativos que os teriam recebido
amigavelmente. (SEU HISTORY)
Aprofunde seus conhecimentos: Leia o artigo “As viagens de Cristóvão Colombo”, na
página online do National Geografic de Portugual, disponível em:
https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1589-cristovao-
colombo-o-navegador?showall=1
Para Hugo Faco (2010) é estreita a relação entre a Igreja (Católica), seu desejo de
expansão e a colonização da América. Ancorado nas referências de Hilário (2008) e Ferro
(1996), Faco afirma que a investida de Colombo no Novo Mundo teve também como
intenção a propagação da fé cristã, uma vez que suas viagens foram financiadas por reis
católicos.
No entanto, a ideia de superioridade dos europeus sobre os nativos era acolhida por
Colombo - os povos da nova terra, ao verem o desembarque dos navios, também os
achavam verdadeiros deuses (FACO, 2010) - o que para Borges (2004) ajuda a explicar
o comportamento de dominação cruel dos espanhóis sobre os indígenas.
Com isto, explica-se também as atrocidades cometidas aos nativos, descrita por Las
Casas:
Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças começaram a praticar crueldades
estranhas; entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os
homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam
em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. [...] Faziam
certas forcas longas e baixas, de modo que os pés tocavam quase a terra, um para cada
treze, em honra e reverência de Nosso Senhor e de seus doze Apóstolos (como diziam) e
deitando-lhes fogo, queimavam vivos todos os que ali estavam presos. (LAS CASAS,
1984, p. 32)
Assim, para Colombo, os nativos eram tanto bárbaros com a necessidade de serem
subjugados, quanto homens na mesma proporção da necessidade de serem convertidos,
explica Faco (2010). Por um lado, Colombo “submete tudo a um ideal exterior e absoluto
(a religião cristã), e todas as coisas terrestres não passam de meios em vista da realização
deste ideal. Mas, por outro lado, ele parece encontrar na descoberta da natureza, atividade
à qual ele se adapta melhor, um prazer que faz com que essa atividade se haste. Ela já não
tem a mínima utilidade, e o meio torna-se fim” (TODOROV, 1982). A atitude de
Colombo para com os índios decorre da percepção que tinha deles e por isso, explica
Todorov, os conquistadores fizerem o que fizerem em sua chegada.
Os conquistadores espanhóis pertencem, historicamente, à época de transição entre uma
Idade Média dominada pela religião e a época moderna, que coloca os bens materiais no
topo de sua escala de valores. Também na prática, a conquista terá estes dois aspectos
essenciais: os cristãos vêm ao Novo Mundo imbuídos de religião, e levam, em troca, ouro
e riquezas. (TODOROV, 1982)
O que se deseja neste primeiro momento de nosso estudo, é trazer à luz a chegada dos
europeus à terras que ainda nem se chamavam América, e que esta chegada, não obstante
ocorrer sob viés religioso expansionista, deu-se também por um desejo ganancioso e
porque não dizer desumano, que não se igualava em praticamente nada da Palavra Santa
de Deus, identificada por amor, justiça e paz. Não se aproximavam também da teologia
que hoje se busca pregar no seio latino sob estes três aspectos de amor, justiça e paz ao
povo sofrido da terra.
“A Igreja até que se preocupou na elaboração de algumas leis à respeito de proteção dos
nativos, mas tão inúteis que nem ao menos preservou legados culturais, como é o caso da
civilização maia. [...] Igreja começou um processo de catequização dos índios, para os
tornarem seres com almas, mas nunca o bastante para se tornarem homens livres.”
(FACO, 2010).
As próprias interferências da coroa na defesa dos nativos diante dos abusos que esses
sofriam, afirma Gonzalez (1983, v.7, p.46), não tinham um interesse unicamente
humanitário, mas se ajustavam aos propósitos políticos dos soberanos, que temiam que,
se os conquistadores e colonizadores não tivessem limites em sua exploração dos índios,
tornar-se-iam senhores feudais com o mesmo espírito independente que os grandes da
Europa.
Sobre o termo América, nome que oficialmente passou a ser chamado o continente
descoberto por Cristóvão Colombo, ele não foi dado por esse descobridor, como
geralmente ocorria. O historiador e escritor Eduardo Bueno informa que o explorador
italiano Américo Vespúcio fora enviado para a terra recém descoberta por Pedro Alvarez
Cabral – o Brasil. Nesta viagem, Vespúcio encontrou-se, coincidentemente, com Cabral
em 1501 no porto de Bezeguiche, junto à foz do Senegal.
Bueno (2006, p. 101) diz que dois meses após se separar de Cabral, Vespúcio chegou ao
Brasil, percorrendo toda a sua extensão do Rio Grande do Norte à Argentina. Vespúcio
então, escreveu uma carta intitulada Mundus Novus (Novo Mundo), descrevendo o lugar
que encontrou. Foi “graças ao sucesso da carta, o novo continente veio a se chamar
América”, em referência a Américo Vespúcio.
Filme: “1492 - A conquista do paraíso” é um documentário produzido no ano 1992, por
Ridley Scott e mostra vinte anos da vida de Cristóvão Colombo, passando pelo empenho
em conseguir apoio financeiro da Coroa Espanhola para sua expedição, o descobrimento
da América, o comportamento que os europeus tiveram com os habitantes do Novo
Mundo e a luta de Colombo para colonizar um continente que ele descobriu por acaso,
além de sua velhice.
O catolicismo era assim a religião oficial por meio do padroado, um acordo entre a Igreja
Católica e os reinos de Portugal e Espanha.
Dussel considera este um dos problemas na história da Igreja na América Latina, seu
discurso e prática. Para ele, entender tal história é considerar que ela “foi escrita pelas
classes dominantes e, é claro, o povo foi esquecido” (Dussel, 1982, p. 4). Ao que parece,
a Igreja, sua teologia e prática não preocupou-se em cumprir seu papel de anúncio
salvacionista, de forma libertadora e integral, mas aglutinadora de poder, subjugação e
proselitismo expansionista.
Contudo, é também possível incluir a história de alguns que “tão esforçadamente lutaram
em prol de uma maior obediência aos ditames do evangelho” (GONZALEZ, 1983, v.7,
p. 56), como o sacerdote dominicano Antonio Montesinos em seu sermão contra os
abusos sofridos pelos índios, em 1511, em Santo Domingo. Neste, Montesinos lança “o
primeiro grito profético em defesa dos índios: ‘Eu sou a voz que clama no deserto desta
ilha’” (DUSSEL, 1982, p. 9).
Influenciado por Monstesinos, frei Bartolomeu de Las Casas, que já estava naquele
assentamento, mas sem expressividade cristã, três anos depois (1514), tomou partido na
causa dos dominicanos passando a ser visto com indiferença pelos colonos que pouco se
importavam com a causa dos nativos. Las Casas teve passagem por diversos
assentamentos naquela América Latina como a atual Venezuela, México e Guatemala,
mantendo sempre sua ideia de que os índios deveriam ser evangelizados pacificamente,
como assevera Gonzalez (1983, v7, p.59). Mas isso não lhe garantiu ser ouvido pelos
colonizadores e a própria Igreja.
"não estou convencido de que até este momento a fé cristã tenha sido apresentada aos
bárbaros de tal maneira que se não a aceitem estejam em pecado mortal". Em outras
palavras, que os meios violentos que estavam empregando, por sua própria natureza,
exoneravam os que se negavam a aceitar um cristianismo que lhes chegava com tão tristes
recomendações. Além disso, ainda que estivessem em pecado mortal por haverem
rechaçado o evangelho, isso não privaria os índios de seu legítimo direito de propriedade
(GONZALEZ, v.7. 1983, p.63).
Importante: não é possível ocultar o fato de que Vitória, apesar de ter sido o grande
crítico dos desmandos dos espanhóis, foi também quem previu justificação jurídica e
teológica ao empreendimento de conquista e colonização. A moderação de Vitória, ao
mesmo tempo que condenava os crimes dos conquistadores, acabava de justificar o maior
dos crimes, que foi a própria conquista, como podemos ver nas últimas palavras de sua
primeira Relação: "Fica patente que, depois que tenha ocorrido a conversão de muitos
bárbaros, não é admissível nem lícito ao príncipe renunciar por completo a administração
dessas províncias". (GONZALEZ, v.7, 1983, p.65)
Afora uns e outros mais apegados ao evangelho e à obra missionária, boa parte das
iniciais investidas religiosas católicas fizeram bem pouco em favor da conversão dos
índios. Mas fosse por religiosidade ou ganância travestida de evangelho, a face daquele
Novo Mundo que se chamou América, estava sendo moldada. Novos lugares e nativos,
como os Incas ao sul da América e os Maias mais ao centro, iam sendo encontrados,
explorados, mortos e catequizados; ou tudo isso junto. “Ao que parece, a perda de
referenciais éticos, morais ou jurídicos chegou a tal ponto que o discurso imperialista
oficial sequer se preocupa em defender a veracidade das justificativas utilizadas para seus
atos” (CARVALHO, 2004, p.16).
Os interesses acabavam sendo muito mais pessoais o que gerava rebeldia entre colonos e
acirrava o confronto com os nativos. Não apenas aos índios, mas a questão religiosa
também era bastante controversa junto aos negros que passaram a ser trazidos de forma
sistemática, não necessariamente da África para América, mas muitas vezes de Sevilha,
na Espanha, (GONZALEZ, 1983, p.75) onde já eram escravos. Os povos se misturavam,
e ainda que a obrigação ao branco e europeu fosse maior, a culturas, aos poucos, se
mesclavam na formação do povo latino que hoje se vê.
Embora a elite criolla não tivesse ideias claras a respeito da emancipação, o retorno do
rei da Espanha, Fernando VII, ao trono e as tentativas de re-colonização e de volta ao
absolutismo monárquico foram suficientes para fazer eclodir guerras civis muito violentas
que vão, de 1810 a 1825, destruir grande parte da estrutura econômico-produtiva colonial.
Formaram-se dezessete repúblicas, cujo limite territorial era dado pela unidade
administrativa ou comercial ou militar anteriores ao processo. Eram divisões arbitrárias
decretadas pelo alto, desde o período colonial. Quando se tornam independentes, tendem
a constituir-se como Estados ainda sem nações. (WASSERMAN, 2003, p. 181)
Aprofunde seus conhecimentos: Leia o artigo base publicado como adaptação pelo
professor Fabrício Colombo, em seu blog, sobre “As nascentes repúblicas latino-
americanas”, que dão de modo introdutório informações sobre as primeiras repúblicas
estabelecidas na América Latina. Link:
http://f1colombohistoriando.blogspot.com/2013/09/15-as-nascentes-republicas-
latino.html
De forma resumida, como uma espécie de conclusão sobre este primeiro momento da
história latino-americana, deixamos aqui a citação de Ricardo de Moura Faria compilada
pelo professor Fabrício Colombo.
GLOSSÁRIO
Novo Mundo: Termo que inicialmente foi usado para identificar as terras do hemisfério
sul alcançadas por Cristóvão Colombo em 1492. O termo foi cunhado pelo historiador
Pedro Mártir de Angleria, em sua carta datada de novembro daquele mesmo ano. Por
isso, os continentes até então conhecidos, Europa, África e Ásia, foram chamados de
Velho Mundo.
Criollo: Ou crioulo, poderia ser considerado(a) assim, aquele ou aquela que sendo
descendente de europeu, nascesse em terras colonizadas. Poderiam também identificar
aqueles que nascessem escravos nos países americanos, colonizados.
BIBLIOGRAFIA
DUSSEL, Enrique. A história da Igreja na América Latina: Uma interpretação. In Puebla, nº 18,
Petrópolis: Editora Vozes. 1982.
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na América Latina e no Caribe. Petrópolis: Vozes. 1995.
FACO, Hugo Fernando do Couto. Igreja Católica na colonização da América Espanhola. História
Crítica – blog de história, filosofia, política, etc. Disponível em:
http://bloghistoriacritica.blogspot.com/2010/03/igreja-catolica-na-colonizacao-da.html acesso
em dezembro de 2018.
HILÁRIO, Janaína Carla S. Vargas. História da América I. Londrina: Editora CDI Unopar, 2008.
CARVALHO, Lucas Borges de. Direito e Barbárie na Conquista da América Indígena. 2004.
Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/7024 acesso em dezembro de 2018.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes.
1982.
LAS CASAS, Frei Bartolomé de. O Paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias.
2ed. Porto Alegre: L&PM Editores Ltda. 1984.
_______, Eduardo. Náufragos, traficantes e degredados. 2ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
BARUÍN, Francisco Bilbao. Iniciativa de la América Idea de un Congreso Federal de las Repúblicas.
Congresso Americano. 1856. Disponível em: http://www.filosofia.org/aut/002/fbb1285.htm
Acesso em dezembro de 2018.
GONZALEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo: a era dos conquistadores. V. 7. São
Paulo: Edições Vida Nova. 1983.
FARIA, Ricardo de Moura. Estudos de História. V.2. São Paulo: FTD. 2009. In COLOMBO, Fabrício.
As Nascentes Repúblicas Latino-Americanas. 2013. Disponível em:
http://f1colombohistoriando.blogspot.com/2013/09/15-as-nascentes-republicas-latino.html
WASSERMAN, Claudia. A primeira fase da historiografia latino-americana e a construção da
identidade das novas nações. História da Historiografia, nº 07. Ouro Preto. 2001. 94-115.