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In: BETHELL,
Leslie (Org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp, 2004, vol. I.
OS ANTECEDENTES DA COLONIZAÇÃO
Conquistar podia significar colonizar, e colonizar podia se haver com uma concepção
estática, calcada no ocupar e explorar, ou podia balizar-se por uma tática aventureira,
portanto dinâmica, calcada na pilhagem e mais generosa quanto às possibilidades de
distinção, pois diz respeito a uma colonização baseada na sistemática anexação
territorial pela espada (p. 138).
No além-mar, o modelo português de feitoria servia como exemplo aos espanhóis. Este
modelo permitia prescindir da conquista e da colonização em larga escala. Ele era
adequado para regiões que já possuíam comércio, mas obviamente se mostrou
inadequado no Novo Mundo. Aqui seria necessário desenvolver sistemas de produção
de riquezas, que na Índia, por exemplo, já eram produzidas pelos próprios nativos.
Assim, a conquista e a colonização tinham de ser mais amplas. No caso português,
optou-se por delegar tais responsabilidades a particulares, que em troca auferiam cargos
e privilégios. Esse modelo foi experimentado na Ilha da Madeira e colocado em prática
nas Capitanias Hereditárias do Brasil. Ademais, ele serviu de modelo para o
expansionismo espanhol (p. 141-142).
O movimento expansionista espanhol foi composto por três elementos decisivos: uma
iniciativa privada assumindo uma mentalidade marcadamente coletivista; a participação
da Igreja; e, por fim, o gerenciamento do Estado: “a realeza era em si o centro de toda a
organização da sociedade medieval de Castela”. No entanto, não devemos amplificar o
poder real. A vassalagem pressupunha uma teoria contratual delimitadora desse poder,
calcada fundamentalmente na noção de tirania: “ao monarca cabia garantir bom governo
e ministrar justiça, no sentido de assegurar que cada vassalo recebesse seus direitos e
cumprisse as obrigações que eram suas em virtude de sua posição” (p. 143). Trata-se de
uma sociedade senhorial calcada na interação entre “serviços” e “mercês” concedidas
em retribuição a tais serviços. Esse modelo foi transmitido ao Novo Mundo. É um
modelo de conjunção entre o público e o privado que, em suma, foi exportado: a coroa
assegura o domínio e certos direitos sobre as conquistas e, em troca, concede privilégios
ao conquistador (p. 145). A Igreja entra na engrenagem oferecendo a sanção moral para
a expansão. Isso é confirmado quando a autorização papal (Alexandre VI) de 1494
reveste a expansão espanhola de empresa missionária (p. 147).
O avanço da conquista para o continente entre 1519 e 1540 anexou ao império espanhol
uma superfície de quatro milhões de Km2, área cerca de oito vezes maior que o
território metropolitano. Daí um acréscimo de 50 milhões de súditos. Sabemos que isso
de fato não ocorreu, pois o massacre assim não o permitira. Mas de qualquer maneira, a
possibilidade de esses 50 milhões é espantosa se comparada com o número de súditos
de Castela (6 milhões) e de Aragão (1 milhão). O surpreendente é que por volta de 1580
os espanhóis se faziam sentir seu domínio na maior parte do continente. Como explicar
a rapidez desse processo?
Em primeiro lugar, os espanhóis operaram magistralmente com as dissensões e os
ressentimentos locais, seja ao cooptar os tlaxcalas contra os astecas ou incitar os ayllus
contra os incas. Essa atitude, de antemão, demonstra que o europeu se embrenhava e ia
encontrando sociedades um tanto mais complexas do que geralmente se supõe, haja
vista as disputas políticas e a ânsia expansionista de alguns desses povos pré-
colombianos (p. 161). Voltando as razões da rapidez, devemos frisar a superioridade
técnica dos espanhóis. Nas guerras, quando uma arma de pedra entrava em choque com
o ferro e a pólvora dos invasores ela não fazia frente. O tacape mexica se quebrava
contra o elmo espanhol. Além disso, “por trás de quaisquer fatores materiais estava um
conjunto de atitudes e respostas que davam aos espanhóis uma vantagem em muitas
situações em que se envolveram: uma fé instintiva na superioridade natural dos cristãos
sobre simples ‘bárbaros’; um senso da natureza providencial de seu empreendimento,
que tornava todo sucesso contra todas desvantagens aparentemente esmagadoras mais
uma prova do favor divino; e um sentimento que a recompensa final compensava todos
os sacrifícios ao longo do caminho. A perspectiva do ouro tornava toleráveis todas as
agruras”. Isso fica evidente na seguinte citação de Cortez: “Eu e meus companheiros
sofremos de uma doença do coração que só pode ser curada com ouro” (p. 167).