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ELLIOTT, John. A conquista espanhola e a colonização da América. In: BETHEL, Leslie (org.

)
História da América Latina: A América Latina Colonial. Vol.I. São Paulo: EDUSP, 2008.

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OS ANTECEDENTES DA CONQUISTA

p.135. A principal ideia deste tópico é destacar que o processo de conquista e colonização da
América Espanhola foi embasado em valores e práticas da Reconquista Ibérica, que associava a
conquista territorial à conversão e à vinculação política do conquistador ao monarca através de
um sistema de remuneração dos servicios.

p. 138. Elliott destaca duas modalidades de conquista: a ocupação territorial ou o saque. Em


ambas, o indivíduo que participava tinha a condição de elevar sua condição, seja
economicamente com a aquisição de terras ou riquezas, seja politicamente, com a aquisição de
honra e títulos que reconhecessem a distinção.

“A honra e o valor eram mais rapidamente conquistados com a espada e mereciam ser
formalizados numa concessão, por um soberano agradecido, de uma posição social superior”

p. 142. Para a expansão marítima castelhana, a experiência genovesa e portuguesa no comércio,


na navegação e nas estratégias de contato foi fundamental. Elas ofereceram um conjunto de
opções, como afirma Elliott:

“Podiam comerciar ou podiam invadir; podiam estabelecer-se ou seguir adiante. A escolha que
fizessem seria determinada em parte pelas condições locais – a facilidade da ocupação, a
natureza dos recursos a explorar – e em parte pela combinação específica de indivíduos e
interesses que sustentavam e controlavam as expedições de conquista”

p. 143. O empreendimento da conquista foi financiado e levado a cabo essencialmente por


particulares que arcaram com a montagem das expedições e o recrutamento dos conquistadores.
No entanto, a Igreja e a Coroa tiveram papéis determinantes nesse processo, a primeira por ter
dado a sanção moral às expedições, e a segunda por legitimar a aquisição da terra e do senhorio.

“A terra e o subsolo estavam entre as regalias pertencentes à coroa de Castela, e


consequentemente toda a terra adquirida através de conquista por um indivíduo particular se
tornava dele não por direito, mas por graça e favor reais”

Sendo o monarca concebido como a cabeça do corpo social harmonioso, em teoria, cabia-lhe
salvaguardar o direito de cada um, distribuindo os butins e as honrarias como cada um bem
merecesse. À conquista, entendida como um serviço ao rei e ao bom governo, cabe um
reconhecimento dado sob forma de remuneração (servicio e merced), estabelecendo-se uma
relação contratual entre rei e súditos que acompanha a formação territorial. Em fins do século
XV, a autoridade da Coroa servia como ponto de referência a todo movimento de conquista e
colonização, feito e legitimado em seu nome.

p. 146. Como antecedente do processo de conquista, um adelantado se propunha e/ou era


nomeado pela Coroa para se responsabilizar pela conquista de um dado espaço. Depois dessa
nomeação, eram estabelecidas as chamadas “capitulaciones”, uma espécie de contrato firmado
com os monarcas que garantia a jurisdição sobre as terras conquistadas bem como privilégios
políticos e econômicos. As Capitulações de Colombo são clássicas nesse aspecto.
p.147-8. Se a primeira expedição de Colombo tinha objetivos marcadamente comerciais e
feitorantes, sua segunda viagem agrega outros interesses ligados ao enraizamento e à
catequização das “índias”.

O PADRÃO DAS ILHAS

p. 148-9. O maior problema encontrado pela Coroa na experiência das ilhas do Caribe foi a
fixação dos colonos e a manutenção da estabilidade. O ouro encontrado de aluvião não foi
encontrado em quantidade suficiente para saciar as expectativas dos colonizadores, e logo a
fonte de aquisição de riqueza mais visada foi a população indígena. Surgiu, com isso, o extenso
debate sobre o estatuto da população indígena: seriam eles bárbaros ou súditos? Seria legítimo
ou não proceder à escravização?

p.150-151. Já na década de 1490, a Coroa começou a limitar os extensos poderes concedidos à


família Colombo, devido aos múltiplos atritos entre o Almirante e os colonos. Uma das
principais medidas foi sua destituição do cargo de governador e a nomeação de Frei Nicolás de
Ovando, em 1501.

“Sob o governo de Ovando, portanto, a Hispaniola fez a transição de entreposto para colônia,
mas seu esquema trazia dentro de si mesmo as sementes de sua própria destruição”.

p. 151. A experiência de Ovando em Hispaniola serviu como uma espécie de laboratório de


práticas e instituições a serem levadas para o continente. Uma delas, foi o sistema de
repartimiento, voltado a promover a permanência dos colonizadores pela concessão de
indígenas mediante certas obrigações como sua evangelização e defesa.

“Era um sistema que lembrava a encomienda, ou o uso de atribuir povoações mouras a


membros de ordens militares na Espanha medieval” mas, diferente da encomienda do Velho
Mundo, “a encomienda do Novo Mundo não incluía a distribuição de terras ou de
arrendamentos. Era simplesmente uma concessão pelo Estado de mão de obra compulsória,
vinculada a responsabilidades específicas para com seus “protegidos” indígenas por parte do
depositário ou encomendero”

p. 153. Contudo, a formalização da exploração das comunidades indígenas só acelerou o


processo de seu extermínio, levando os colonizadores a se lançarem em expedições preadoras às
Bahamas e outras ilhas do mar das Caraíbas.

p. 155. A catástrofe demográfica em Hispaniola levou a um movimento desenfreado de


importação de mão-de-obra, boa parte dela africana. Enquanto isso, a população excessiva de
espanhóis nas Ilhas impelia os habitantes a se lançarem em viagens e expedições de conquista
muito precocemente (e isso explica a rápida proliferação da conquista do Novo Mundo). Já em
1508 se fundaram outros estabelecimentos fora de Hispaniola, levando à rápida devastação da
população nativa por meio do tráfico e de doenças.

p. 157. Nesse sentido, “O período insular de descoberta, conquista e colonização, entre os


anos de 1492 e 1519, culminou, portanto, num período de atividade intensa e acelerada,
estimulada ao mesmo tempo pelo fracasso inicial de Santo Domingo em manter seus
impacientes imigrantes e pelas perspectivas rapidamente crescentes de pilhagem, comércio e
lucros à medida que o território continental ia sendo revelado”.

ORGANIZAÇÃO E AVANÇO DA CONQUISTA

p.159. Elliott parte de um questionamento: como o avanço da conquista pôde se dar de maneira
tão rápida na América Espanhola? Além disso, outro grande problema se apresentou: como
manter a conquista?

p.161-2. A aliança com os nativos pode ser entendida como a base da conquista. Pequenos
grupos étnicos sujeitos à administração central dos Andes e da Mesoamérica viram nos
espanhóis a oportunidade de se desvincularem dos Incas e dos Astecas. Nos locais mais
afastados dessas entidades políticas (o extremo norte da Mesoamérica e o sul da América do
Sul) onde a população era nômade ou seminômade, os espanhóis tiveram mais dificuldade de
introduzir o domínio.

p. 164. A unidade militar característica da conquista era a Compaña ou as bandas, companhias


de guerreiros formadas segundo um acordo prévio de divisão igualitária dos butins. Na
montagem dessas companhias era comum a formação de sociedades entre os conquistadores e
alguma espécie de financiador (uma autoridade régia, um mercador ou mesmo um banqueiro).
Além disso, formavam-se alianças entre os próprios capitães e entre esses e os soldados. Nesse
sentido, a conquista foi se forjando em meio a pactos e redes que se poderiam se ramificar do
continente até as ilhas, ou às Antilhas e mesmo Sevilha.

p. 166. Contudo, esses bandos não estavam isentos das rivalidades regionais que existiam no
reino espanhol e dentro dos grupos, se formavam outros grupos, sendo necessário haver um
núcleo central de uma mesma região para que houvesse coesão. Mesmo assim, num ambiente
não-europeu, a origem européia, a religião cristã, certo senso de superioridade moral e suporte
providencial serviam como fatores de unidade entre os soldados. (veja-se o exemplo do grito de
guerra de Cortés “Santiago e a Espanha”, necessário para dar coordenação a seus homens).

p.170. Dois fatores que podem explicar a rápida queda do império Asteca são: a proliferação de
doenças e as próprias fraturas internas na política asteca. “A conquista de Cortés foi tanto uma
revolta de uma população subjugada contra seus déspotas quanto uma solução imposta de
fora”. (p. 170). Já no Peru, Pizarro se aproveitou de uma questão sucessória entre Atahualpa e
Manco Inca para efetivar a conquista.

“A própria ausência em outras partes da América continental das condições predominantes nas
civilizações dos Andes e do México central constituem uma boa explicação para as dificuldades
que o movimento de conquista se defrontou em outras áreas do continente” (p. 173-174)

A CONSOLIDAÇÃO DA CONQUISTA

p.176. Com a derrocada dos impérios inca e asteca, os espanhóis valeram-se da máquina
administrativa e das relações de trabalho preexistentes, bem como do apoio da maioria da
população.
p. 177. A conquista militar foi acompanhada pela conquista espiritual, pela migração maciça
da Espanha e pela conquista da terra e do trabalho.

p. 177-8. Os “conquistadores” formavam um grupo muito heterogêneo, constituído por militares


“profissionais”, mas também por artesãos e lavradores, por exemplo. Se a Alta Nobreza de
Castela esteve ausente do processo de conquista, o grupo conquistador possuía fortes pretensões
ao enobrecimento, fossem eles hidalgos ou não.

p. 178. Os primeiros conquistadores julgavam-se com direitos e uma consideração especial do


monarca:“Servicios, como sempre, mereciam mercedes, e que melhor serviço podia um homem
prestar a seu rei que conquistar para ele novos territórios”?. Nesse sentido, alguns grupos de
colonizadores afirmavam-se como descubridores (como os homens de Cortés) justamente para
diferenciarem-se dos grupos mais recém-chegados.

p. 179. Alguns homens que participaram da expedição de Cortés receberam títulos de fidalguia,
mas não de nobreza, reservados apenas ao próprio e a Pizarro. Sendo tão grande a quantidade de
pessoas que arruavam para a conquista, surgiu um problema: como recompensar tanta gente?
Elliott destaca que os conquistadores nunca se satisfaziam com as mercês que recebiam e, por
isso, muitos estavam sempre em busca de prestar mais serviços para receber mais mercês; além
disso, desde o princípio, ficou evidente que a distribuição dos espólios foi desproporcional à
cada uma das partes que participaram.

p. 180. Os verdadeiros prêmios não eram concedidos pela Coroa diretamente, mas pelo Capitão
das expedições em forma de espólios, encomiendas, cargos, terras e prestígio, ainda que fosse
necessário o reconhecimento da Coroa.

p. 180. As intenções desses conquistadores estavam voltadas ao enriquecimento fácil, logo, ou


pretendiam retornar à Espanha ou seguir em busca de novas terras. Logo nas Ilhas, a dificuldade
de enraizamento e a necessidade de transformar soldados em “cidadãos” se apresentou como um
desafio. Uma das alternativas, adotada pelo bando de Cortés, e que viria a se tornar um padrão
na conquista era a formação de Cabildos antes mesmo das cidades, como o Cabildo de
Veracruz.

p. 181-4. A concessão de terras e mão-de-obra indígena constituem as primeiras políticas de


enraizamento adotadas, a encomienda, instituição semelhante ao repartimiento do velho Mundo
mas que ganhou novas feições na América. A ideia de encomienda está associada a um pacto
tremendamente desigual: os índios trabalham e em troca disso receberiam a proteção, a
evangelização e os benefícios da civilização. Se o plano inicial dos conquistadores era fazer da
encomienda uma concessão hereditária, a coroa, em meados do século XVI, procurou abolir a
hereditariedade e afastar progressivamente os encomenderos da tutela dos índios. E já na
segunda metade do século XVI, a encomienda de serviço se transformou na encomienda de
tributos.

185-7. “A evangelização da América foi realizada em seus estágios iniciais por membros das
ordens regulares, uma forma distinta do clero secular”. Se os altos índices de conversão
alcançados nos primeiros anos são impressionantes, a “qualidade” dessas conversões era muito
baixa, pois os cultos aos antigos deuses persistiram entre os indígenas, assumindo a forma de
sincretismos em muitas situações.
“No final da primeira geração da conquista, já estava claro que no novo mundo das Índias
espanholas estavam surgindo sociedades novas e distintas. Os conquistadores, depois de se
instalar, haviam tomado o controle da terra e do povo; e, se haviam destruído em escala
maciça, estavam também começando a criar”. (p. 193)

p. 193. Mas logo a presença da Coroa se fez sentir de maneira mais forte entre os vassalos
ultramarinos, principalmente nos governos de Carlos V (1516-1555) e de Filipe II (1556-1598).
Elliott caracteriza esse período como um enrijecimento dos laços entre a coroa de Castela e a
América.

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