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Fevereiro / 2020

Professor/autor: Dr. Wander de Lara Proença


Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional
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86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
SUMÁRIO
História do Cristianismo III
Introdução ao curso..............................................................................................................04
Unidade I - Religiões e religiosidades na formação da américa latina
Introdução
1. Os povos ameríndios e suas crenças...............................................................................07
2. A chegada dos colonizadores europeus ao continente latino-americano.....................11
3. Crenças de matriz africana...............................................................................................21
4. O catolicismo missionário na América Latina.................................................................24
5. Religiosidade popular e magia..........................................................................................27
6. Presenças ocasionais do Protestantismo no período colonial......................................39

Unidade II - Catolicismo e protestantismo na américa latina e Brasil


Introdução..............................................................................................................................48
1. O catolicismo estabelicido no Brasil e sua simbologia...................................................49
3. O protestantismo na América Latina no século XIX........................................................70
4. O protestantismo no Brasil a partir do século XIX...........................................................73
5. As primeiras igrejas protestantes estabelecidas no Brasil..............................................80

Unidade III - O pentecostalismo no Brasil


Introdução..............................................................................................................................91
1. Surgimento do Pentecostalismo.......................................................................................92
2. O petecostalismo "clássico" no Brasil................................................................................96
3. Segunda tipologia pentecostal: o "dêutero" pentecostalismo ou pentecostalismo de
"cura divina"..........................................................................................................................106
4. Pentecostalismo e o uso dos meios de comunicação de massa................................117
5. Pentecostalização do protestantismo clássico..............................................................121
6. A operosidade pentecostal em contextos sociais de exclusão....................................126

Unidade IV - Neopentecostalismo e outros movimentos evangélicos contemporâneos


1. Origem e desenvolvimento do neopentecostalismo......................................................136
2. O público alcançado pelo neopentecostalismo..............................................................137
3. O uso dos meios de comunicação de massa pelo neopentecostalismo.....................151
4. Polêmicas em relação ao dinheiro.................................................................................158
5. O atual cenário evangélico no Brasil................................................................................176

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HISTÓRIA DO CRISTIANISMO III

Introdução ao curso

Bem-vindo(a) ao curso de História do Cristianismo III!

Esta disciplina completa o ciclo de estudos no campo da história do


cristianismo, que se iniciou, em História I, com os conteúdos sobre a igreja
antiga, sua identidade apostólica e expansionista no contexto do Império
Romano, além do mundo medieval, com o surgimento da cristandade
católica, em suas formas institucional e popular. Seguimos por História
II, em que a Reforma Protestante e seu impacto no mundo moderno
foram objetos de análise, estendendo-se o olhar até os séculos XVIII e
XIX, quando se deu o advento do metodismo, com suas repercussões
reavivalistas nas igrejas norte americanas. Agora, por fim, chegamos a
um contexto mais próximo, o da América Latina e, particularmente, Brasil.
O curso está dividido em quatro grandes unidades. Na unidade
I, será apresentado um panorama histórico sobre a formação da
América Latina, demonstrando-se a diversidade de crenças indígenas,
africanas, catolicismo missionário e popular, presenças ocasionais do
protestantismo, além de uma atenção especial às formas de religiosidades
sincréticas ou hibridizadas.
Na unidade II, serão destacados o catolicismo institucional no contexto
brasileiro e, a partir do século XIX, o protestantismo estabelecido por
imigração e missão, configurando-se desse modo um novo cenário
religioso no País.
Na unidade III, os conteúdos tematizarão o pentecostalismo, originário
nos Estados Unidos e reconfigurado em sua tipologia clássica no contexto
brasileiro, além de especial atenção à chamada ‘segunda onda’ pentecostal,
caracterizada pela atuação de líderes carismáticos nacionais.
Na última unidade, a ênfase será no neopentecostalismo, com suas
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inovações geradoras de grande impacto no campo religioso, com enorme
visibilidade na mídia, criação de ritos polêmicos e com um crescimento
numérico escalonário. Também compõem este bloco as abordagens
sobre novas tendências religiosas no cenário evangélico brasileiro atual,
a partir do que se tem chamado de "pós-denominacionalismo", projetado
em movimentos que agregam seguidores fora das instituições, como os
que são nominados como "desigrejados".
Minha expectativa é de que o olhar sobre o passado ofereça a cada
estudante deste curso uma melhor compreensão do nosso presente;
quiçá, o estudo do que já é história contribua para iluminar a visão sobre
o que ainda chamamos de futuro.

Bom curso!

Prof. Wander de Lara Proença

UNIDADE I – RELIGIÕES E RELIGIOSIDADES NA


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FORMAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Introdução à unidade
Quando em Atos 1:8 Jesus disse que seus discípulos seriam suas
testemunhas “até aos confins da terra”, fazia partes destes “confins”
uma região que já era habitada por milhões de pessoas, que viria a
ser conhecida posteriormente por América e também Brasil. Povos
riquíssimos em sua cultura, religiosidade, formas de vida e relação com
a natureza. Os que chegaram nesta região se diziam ou se imaginavam
ser “discípulos” de Jesus, acreditando estarem também cumprindo uma
missão testemunhal da fé cristã.

A história revelaria a posteriori, entretanto, que o chamado “descobrimento”


da América, oficialmente ocorrido em 1492, pelo navegador Cristóvão
Colombo, representaria um impacto cultural, econômico e social sobre
os povos autóctones que habitavam este continente. “Muitas atrocidades
foram cometidas em nome de “Deus”, da ‘Santa Madre Igreja’, e das
Coroas Espanhola e Portuguesa em terras latino-americanas” (Jonathan
Menezes).

Nesta primeira unidade serão analisados os processos de ‘descoberta’,


conquista, colonização, catequização, evangelização, ou qualquer outro
nome que se dê aos encontros, ou melhor, ‘choques’ culturais e religiosos
envolvendo o mundo cristão católico, representado por Espanha e
Portugal, e o mundo ameríndio, representado por cerca de 60 milhões
habitantes constituído por inúmeras tribos e povos.

O conteúdo a ser abordado buscará responder às seguintes questões:


o surgimento da América para o restante do mundo, em 1492, foi
o “descobrimento” de um mundo novo ou o “encobrimento” de um
mundo pré-existente? Como analisar esse processo levando em conta
a perspectiva do “outro”, o índio, autóctone? Quais crenças eram
professadas ou praticadas pelos povos indígenas da América? Que tipo
de cristianismo foi disseminado entre os povos indígenas (ameríndios)?

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E as crenças de matriz africana, quando e como foram introduzidas em
solo americano? Como se formou a religiosidade sincrética, de devoção
popular, que se estende até aos nossos dias?

1. Os povos ameríndios e suas crenças


Emprega-se o termo ‘ameríndio’ para designar os habitantes do mundo
que viria a ser chamado de América, ou continente americano, a partir do
século XVI.

Este mundo, também nominado de pré-colombiano, era habitado por


cerca de 60 milhões de pessoas, há aproximadamente 25 mil anos.
Nele se falavam milhares de línguas e dialetos. Só no Brasil (hoje assim
chamado), eram cerca de 4,5 milhões de ameríndios, que falavam cerca
de 1.200 línguas e dialetos.

A História e a Arqueologia ajudam a identificar que chegada destes povos


à América pré-colombiana se deu a partir da Ásia, especialmente da região
da Mongólia, em diferentes levas de migração. Adentraram ao continente
americano fazendo provavelmente a travessia pelo Estreito de Bering.

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Glossário:
Ameríndia: nome dado à região, hoje conhecida como América,
que era habitada pelos povos pré-colombianos (antes da chegada
de Cristóvão Colombo).
Autóctone: natural do país ou da região em que habita e descende
dos povos que ali sempre viveram; aborígene, indígena.
Cristóvão Colombo: navegador genovês; geógrafo; elaborou o
projeto de navegação que, saindo da Espanha, se atingisse a região
asiática navegando pelo Oceano Atlântico no sentido inverso de
navegação conhecido à época, que seguia pelo Mar Mediterrâneo.
Estreito de Bering: faixa marítima que liga os oceanos Pacífico e
Ártico entre a Rússia e os Estados Unidos, com extensão aproximada
de 100 km de largura, e que por um processo de glaciação tem
sua parte de água congelada em determinados períodos do ano,
possibilitando a travessia pedestre.

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Os povos ameríndios desenvolveram diferentes níveis de organização
social, econômica e política. Quando espanhóis e portugueses chegaram
a este novo mundo se depararam com civilizações bastante complexas,
como os Astecas (no México), Incas (no Peru) e Maias (Guatemala).

Os Astecas, por exemplo, tinham um sistema político que formava uma


confederação, um tipo de império; tinham um imperador, chamado
Montezuma; desenvolveram cidades com construções suntuosas, ruas
pavimentadas, setores comerciais por meio de um tipo de produção e
troca em feiras, conhecimentos de medicina e engenharia; tinham um
sistema tributário que cobrava impostos de povos inimigos conquistados;
possuíam exército e um sistema religioso bastante complexo com
sacerdotes oficiais.

Os Maias, desenvolveram saberes especializados de astronomia,


agricultura cultivada por irrigação, conhecimentos de medicina, um
calendário com 365 dias e 6 horas.

Os Incas, formavam também um império; possuíam saberes


especializados de engenharia, desenvolveram complexas construções,
hoje visitadas como pontos turísticos em Machu Picchu.

Machu Picchu: Obra magna de arquitetura e engenharia; a área é Patrimônio da Humanidade desde
1983. O santuário histórico de Machu Picchu oficial é alcançado através do Caminho Inca, composto
por um conjunto de edificações que foi levantado no século XV. As pesquisas ainda não conseguiram
precisar, no entanto, se o local foi um centro de defesa, um templo cerimonial ou uma cidade.

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Outros povos ameríndios, como era o caso dos Tupi-Guarani, no contexto
hoje brasileiro, viviam de forma nômade, com base na caça e coleta, numa
economia de extração e subsistência, de integração com a natureza.

Estas populações, de modo geral, possuíam na crença um elemento


muito importante para orientar seu mundo e comportamento. Admitiam
a existência de uma divindade, mas não havia princípios ou estrutura de
uma religião como ocorre, por exemplo, no cristianismo. Nas crenças
indígenas, Tupã era o seu deus, considerado o sopro do divino. A relação
com o sagrado se dava por meio da natureza, pela crença animista. O
termo animismo tem origem na palavra grega “ânima”, que significa alma
ou vida, por isso o animismo acredita que os objetos materiais ou forças
da natureza também possuem algum tipo de vida, devendo por isso
ser também respeitados ou venerados. Assim, tudo no universo estava
animado por uma força espiritual: as árvores, as pedras, os astros, todos
os animais, insetos e também os objetos, podem relacionar-se com
as pessoas em uma dimensão transcendente. Para os seguidores do
animismo, os espíritos animam o mundo, protegem a saúde e permitem
boas colheitas, velam pelas pessoas e, sobretudo, pelos espíritos dos
mortos - se as pessoas forem más podem ser castigadas por meio de
catástrofes e doenças enviadas por eles. Os animistas invocam os
espíritos para proteção, festejam os mortos para que sejam favorecidos,
com cantos e danças ao som dos tambores. Podem utilizar em seus
rituais máscaras decoradas e pintadas com cores vivas, representando
os espíritos invisíveis.

Assim, as crenças indígenas adoravam o relâmpago, o trovão, o sol, a lua.


Acreditavam também num deus malfazejo, a quem chamavam Anhangá.
Seus líderes, na condição de xamãs ou pajés, afirmam ter comunicações
com o deus Tupã, sendo por isso capazes de predizer os tempos bons e
maus para as caçadas, para a coleta de alimento, ou mesmo para o cultivo
da terra, no caso das tribos que já adotavam esse modo de economia.

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EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 01
O conceito animismo é de grande relevância para compreensão
religiosa da América Latina, pois, a crença animista se faz
presente na religiosidade indígena, no catolicismo, protestantismo,
espiritismo, umbanda e outras formas de espiritualidade que
compõem esse contexto.

Assinale a única alternativa correta. O animismo acredita que:


( ) Os objetos materiais ou forças da natureza possuem algum
tipo de vida ou são animados por uma força divina devendo ser
respeitado e venerados. O universo é animado por forças espirituais.

( ) Os objetos materiais ou forças da natureza não são animados


por uma força espiritual. Ou seja, o universo é fruto de uma
complexa evolução natural.

( ) O animismo é uma crença isolada e se faz presente na América


Latina apenas em referência à religiosidade indígena.

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2. A chegada dos colonizadores europeus ao continente
latino-americano
Em busca de novos territórios para abastecimento comercial, espanhóis
e portugueses chegaram ao mundo ameríndio. Logo após a chegada de
Colombo, Espanha e Portugal dividiram o novo mundo em dois grandes
blocos de colonização. Esse acordo foi assinado no chamado Tratado
de Tordesilhas, em 1494. Desse modo, receberam das mãos do Papa
autorização e bênção para explorar economicamente as novas terras
americanas pela colonização. Em contrapartida, a igreja exigiu duas
coisas das respectivas coroas: que catequizassem (evangelizassem
os povos nativos) e pagassem à igreja tributos (dízimos) de toda a
riqueza produzida. Assim, os colonizadores introduziram um sistema de
exploração de riquezas, por meio de ciclos, como exploração da madeira,
do ouro, das grandes lavouras de açúcar, café e outros.

Glossário:
Tordesilhas: cidade, na Espanha, onde foi assinado o tratado ou
acordo entre Espanha, Portugal e o Papa Alexandre VI, sobre a
exploração colonizadora do novo mundo “descoberto”, a Ameríndia
(América).
Tratado de Tordesilhas: assinado em 1494, dois anos após
a chegada de Cristóvão Colombo à América pela primeira vez.
O tratado assegurava exclusividade a Espanha e Portugal,
países católicos, na exploração econômica e disseminação da fé
religiosa segundo os dogmas do catolicismo no novo mundo.

Para garantir e acelerar a produção, recorreram inicialmente à escravidão


da mão de obra indígena. Devido à morte em grande escala destes, por
excesso de trabalho, doenças contraídas, fugas, dentre outros fatores,
logo recorreram a outra mão de obra: a de africanos escravizados em
seu continente, trazidos nos navios negreiros para serem vendidos no
mercado americano. Estima-se que ao longo de três séculos, cerca de 10
milhões de africanos foram transportados para a América (do norte, do
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sul e central). Só os portugueses importaram 50% deste contingente para
o trabalho no Brasil.

Saiba Mais:
Linha do tempo
1492 – descoberta da América por Cristóvão Colombo
1494 – assinatura do Tratado de Tordesilhas
1500 – descobrimento do Brasil
1501 - Constatação científica de que se tratava de um novo
Continente, feita pelo geógrafo Américo Vespúcio, por isso o novo
continente recebeu o nome de América.

Os impactos da colonização nos povos indígenas foram enormes e


violentos, no resultando no extermínio de milhões de indígenas e suas
culturas. Houve: recrutamento para o uso da mão de obra; tomada
de suas terras e territórios, destruição de sua organização social e
religiosa, guerra bacteriológica, ou seja, doenças trazidas da Europa
intencionalmente para contágio por meio de vírus, visando a morte e
dizimação dos grupos indígenas, quando estes resistiam à dominação;
a demonização de sua cultura e crenças. Um impacto econômico,
caracterizado pela exploração, saque, implantação de um capitalismo
selvagem e ávido por lucro; um genocídio, em que houve destruição
de 90% da população nativa em três séculos de colonização. Em 1519
iniciaram-se as expedições de Fernando Cortês ao México. Dois anos
depois, a cidade de Tenochtitlán, capital do império asteca, foi destruída
quase por completo, sobrando algumas ruínas. “A destruição foi da ordem
de 90% da população [...]; “Dos 22 milhões de astecas em 1519, quando
Hernán Cortés penetrou no México, só restou um milhão em 1600”. (Boff,
1992, p. 10). No Brasil, especificamente, de 4,5 milhões, restaram hoje
cerca de 800 mil indígenas; em termos culturais, o desaparecimento de
culturas históricas, incluindo línguas, conhecimentos, valores; no Brasil,
por exemplo, de 1200 línguas e dialetos falados no século XVI, restaram
hoje cerca de 180.
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“Dificilmente na história do Ocidente encontramos tanto etnocentrismo,
dogmatismo, fundamentalismo e totalitarismo como na visão dos europeus
do século XVI. Essa rigidez cultural e religiosa está na raiz do etnocídio
e da violência aplicada contra indígenas e negros durante séculos, que
perdura no inconsciente coletivo e nos hábitos autoritários das classes
dominantes latino-americanos até os tempos atuais (...) A conquista e a
colonização constituem em si um ato de grandíssima violência. Implicam
que uma nação com sua cultura, memória, história e religião se submeta a
outra, perdendo seu caráter de sujeito histórico (...) desestruturam a cultura
submetida. Obrigam as pessoas a internalizar a figura do colonizador e a
reprimir os legítimos reclamos de libertação e de justiça” (Boff, p. 18,19).

Saiba Mais:
De acordo com informações do Censo 2010, cerca de 0,4% da
população brasileira é formada por índios, um total de 800 mil
vivendo no País. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai),
existem 225 povos indígenas, além de referências de 70 tribos
vivendo em locais isolados e que ainda não foram contatadas por
este órgão governamental.

Há, portanto, seguindo o que constata Boff (1992) uma dívida histórica
para com estes povos ameríndios:
Dívida étnico-cultural: os colonizadores dizimaram a população
autóctone; destruíram o modo de produção comunitário e participativo;
sufocaram os grandes mitos e tradições orais. Referindo-se às culturas
ameríndias, Boff afirma:
Aqui surgiram grandes culturas, com corpos de sábios,
conhecimentos sofisticados em astronomia, agricultura e
medicina e línguas e religiões grandiosas. Tudo isso foi
considerado obra de Satanás. O cristianismo sempre se
mostrou sensível ao pobre, mas implacável e etnocêntrico
diante da alteridade cultural (Boff, 1992, p. 11).
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• Dívida ecológica: há estragos irreparáveis na exploração de riquezas
naturais; desflorestamento; inserção de um capitalismo predatório.
• Dívida de uma evangelização autêntica: os ameríndios conheceram
um evangelho desfigurado; a evangelização não foi libertadora,
foi por medo, por violência. Por isso, torna-se necessária uma
reevangelização, recuperando a mensagem do evangelho a partir da
cultura e valores da própria América Latina.
Os colonizadores tinham como lema “terras para o Rei e almas para o
Papa”; desenvolveram a chamada política “cruz e da espada”, ou seja,
usavam da força para impor sua religião, ou então, usavam a religião para
facilitar a dominação escravista.

A cruz, enquanto símbolo, traz à luz o fator religioso e místico da


conquista; marca a presença dos cristãos nesse processo, e a “conquista
espiritual da América”.

Segundo o pesquisador Ruggiero Romano, o primeiro gesto de Cristóvão


Colombo, ao tomar posse da terra, foi fincar uma cruz, e, ao lado dela,
crava-se também a bandeira de Espanha. A religião aporta aqui como
instrumento ideológico e legitimador dos atos do Estado. (Romano,
1973, p. 21). Como cita Enrique Dussel, “a bandeira ou estandarte que
Cortês levou nesta expedição era de tafetá negro com cruz vermelha,
com algumas chamas azuis e brancas e uma letra em volta que dizia:
sigamos a cruz e com este sinal venceremos” (Apud Dussel, 1993, p. 44).
Tal qual o imperador Constantino no séc. IV, que teve a “visão” mística
de que com este sinal venceria, os espanhóis também se valeram dessa
experiência com a cruz (sinal de vida e liberdade), para plantar a morte e
escravidão na América.

A violência da religião na América começa pela forma como aqui se


aplicavam os intentos evangelísticos. A meta de colocar os povos
das regiões americanas debaixo da égide política de Espanha estava
intimamente atrelada à obrigação especial, firmada pelo papa Alexandre
VI e pelos reis católicos, de levar-lhes a “santa fé católica” (Deiros, 1992,
História do cristianismo III | FTSA | 15
p. 272). Como também informa Dussel, antes de começar uma batalha
contra os indígenas, os conquistadores liam um texto para eles (o
“requerimento”) – como se os nativos entendessem algo do que estavam
falando – no qual se propunha a conversão dos tais à religião cristã.
Ordens religiosas posteriormente enviadas para a evangelização
tiveram também a missão de converter para dominar; encomenderos ou
bandeirantes, foram enviados para capturar indígenas para uso de sua
mão de obra como escravos.
O século XVI marca o maior genocídio conhecido,
que se dá no choque entre o europeu – civilizado,
católico, cartesiano, bem instruído – e o índio – o “bom
selvagem”, inculto, bestializado, explorado – que foi
extraído de seu estado de “paz”, violentado e dominado
em sua própria terra, a qual não mais poderia ser
chamada de “sua”, mas daqueles mais poderosos que
a “descobriram”. (Todorov, 1993, p. 10).

Glossário:
Encomenderos: capturavam indígenas para concentrá-los em locais
de trabalho sob custódia da colonização espanhola; neste espaço
os ameríndios eram doutrinados por missionários que integravam,
normalmente, as ordens religiosas mais comuns nesta época.
Os nativos ainda tinham que prover as necessidades de seus
doutrinadores. Apareceram delações sobre os maus tratos a que
estes trabalhadores eram submetidos por parte dos ‘encomenderos’.
Bandeirantes: Cumprem, no espaço da colonização portuguesa, as
mesmas funções dos encomenderos espanhóis.
Ordens religiosas: Organizações religiosas surgidas na Idade
Média, cujos membros, a partir da inspiração ou idealização de seu
líder fundador, cumprem missões específicas, como por exemplo,
nas áreas de educação, saúde e ação social.
Genocídio: nome dado ao assassinato ou extermínio deliberado de
um grupo de pessoas

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EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 02
Segundo Leonardo Boff (1992), temos uma dívida histórica para com
os povos ameríndios. Essa ponderção se alastra para o negro, para
a mulher, ou seja, para todo aquele que foi atingido por um tipo de
evangelização que desfigurou a mensagem do Cristo por meio do uso
de violência e opressão. Assim, atitudes salutares vão de encontro a
essa dívida e são pertinentes para aplicação na atualidade.
Desse modo, quais atitudes são possíveis perante essa realidade
histórica? Assinale a única alternativa correta:
( ) Conscientização histórica já é uma atitude virtuosa que permite
apagar grande parte dessa dívida passada. Assim, a tarefa humana
perante essa barbárie histórica não se faz pela criticidade, mas
apenas em adquirir boas informações para não mais repetir os erros.

( ) Reevangelização a partir da cultura e valores da própria América


Latina, superando o etnocentrismo, além de ações práticas de
cuidado da criação de Deus em sua biodiversidade, envolvendo
atitudes de reparação às explorações de riquezas naturais, como
o reflorestamento e luta pelos direitos humanos de povos que
diretamente dependem da natureza.
( ) Reconhecimento de que não há mais nada a se fazer em
relação ao passado, bastando por isso reafirmações doutrinárias e
convicções étnicas que assegurem a evangelização já consumada.

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História do cristianismo III | FTSA | 17


Introduziram, assim, em solo latino-americano, um tipo de cristianismo
comprometido com a morte, injustiça, violência, guerra e escravidão.
Um evangelho muito diferente daquele que Jesus anunciou como o
evangelho do Reino de Deus.

Houve [na América] amostras defeituosas de


evangelização. Foram [indígenas e negros],
forçadamente, incorporados e inseridos na totalidade
romano-católica na parte ibérica da América Latina [...].
O efeito foi a satanização das religiões autóctones e a
imposição do cristianismo num imenso processo de
substituição e de inculcação. O poder político foi usado
para a implantação do cristianismo. (Boff, 1992, p. 23,24)

O outro e todo seu aparato cultural e religioso devem passar por uma
“desconstrução” para que a verdadeira religião e civilização possam ser
colocadas no lugar, como ressalta Dussel:

Todo o “mundo” imaginário do indígena era “demoníaco”


e como tal devia ser destruído. Esse mundo do Outro
era interpretado como o negativo, pagão, satânico e
intrinsecamente perverso. O método da tabula rasa era
o resultado coerente, a conclusão de um agrupamento:
como a religião indígena é demoníaca, e a europeia divina,
a primeira deve ser totalmente negada e, simplesmente,
começar-se de novo e radicalmente a partir da segunda
o ensino religioso (Dussel, 1993, p. 60).

Assim, as “conversões” e “batismos” se sucedem e se multiplicam.


Os sinais do “triunfo” do cristianismo na América também se tornam
evidentes; a efeito de demonstração, surgem os altares, capelas e
igrejas. Os vestígios que relembram as religiões e crenças anteriores dos
indígenas, altares e velhos templos, devem ser destruídos. E como ato
emblemático de vitória sobre tais crenças, as novas capelas e templos
cristãos são edificados precisamente sobre as ruínas dos antigos.

18 | História do cristianismo III | FTSA


EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 03
Os colonizadores tinham como lema “ Terras para o Rei e almas para
o Papa”. A política de envangelização e invasão era fundamentada
na cruz e na espada. Perante isso, pode-se afirmar que a conquista
espiritual e territorial da América Latina foi de intentos evangelísticos
violentos, fundamentados na dominação, escravização, e
demonização sobre as crenças, e também sobre os índios .

Que tipo de resistência houve por parte dos povos indígenas em


relação às formas de violência que sofreram? Assinale a única
alternativa correta:

( ) Os povos indígenas resistiam de forma intensa guerreando


contra os portugues e espanhóis que invadiam suas terras,
conseguindo por isso preservar numérica e culturalmente suas
tribos, como ocorreu entre os Astecas.

( ) Os povos indígenas resistiam à violência dos colonizadores por


meio da tolerância e submissão passiva como escravos.

( ) Os povos indígenas se isolavam, cometiam infanticídio, suicídio


coletivo, faziam resistência pelo sincretismo, enfim, lutavam de
diversos modos na defesa da vida e de seus territórios.

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História do cristianismo III | FTSA | 19


Como se poderia dar valor ao universo cultural de um povo que não era
visto como “povo”, cujos membros, no fundo, eram considerados como
“quase macacos”? Por isso, a afirmação de Ruggiero Romano de que a
evangelização resultou muitas vezes em um fracasso, pois foi dominada
pela violência. Este agravante pode ser observado nas palavras dos
indígenas à época: “Entre nós se introduziu a tristeza, se introduziu o
cristianismo, esse foi o princípio de nossa miséria, o princípio de nossa
escravidão.” (Boff, p.29)
Cabe citar, neste propósito, as palavras de Jonathan Menezes:
O papel da igreja, que supostamente seria o de fazer
justiça e ser a “voz” em favor de tantas vozes de seres
humanos que arbitrariamente foram sendo “caladas”
diante do horror da conquista, parece que muitas
vezes foi invertido na América, em nome de interesses
aparentemente mais “nobres” como o do lucro, do
poder, da subjugação dos povos para o fortalecimento
de um só povo. Esses exemplos aqui citados, a meu
ver, aumentam o coro de tantas vozes que acreditam
que o cristianismo, ao longo de sua história, muitas
vezes militou contra, e não a favor, do reino de Deus.
(Menezes, 2016, p.20)
Uma questão que se coloca é: houve algum tipo de resistência por parte dos
povos indígenas frente às formas de violência que sofreram? A resposta é
‘sim’. Isso ocorreu por meio fugas, isolamento, infanticídio (mães indígenas
que preferiam ver seus filhos mortos ao nascer do que serem escravizados
pelos colonizadores), e até mesmo pelo suicídio coletivo, ou seja, preferiam
morrer do que se deixar escravizar; houve resistência também pelo
sincretismo (um tipo de conversão que apenas adaptava ideias e ritos
cristãos com as crenças ameríndias, como é o caso da Virgem de Guadalupe,
no México, em que Maria é adaptada a uma antiga devoção feminina
indígena, ou seja, aparentemente estavam venerando os santos católicos,
mas indiretamente continuavam adorando suas antigas divindades. Houve,
igualmente, resistência por meio do aldeamento nas missões jesuíticas.
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Las Casas e a defesa dos índios
Segundo informa Bidegaín (1993, p. 70), este momento da colonização
das ilhas caribenhas é marcado, primeiro, pela entrada de armas e,
depois, pela chegada dos encomendeiros (que obrigavam os índios a
trabalharem como escravos em troca de catequese) e missionários. A
intensa exploração e violência utilizada pelos encomendeiros foi uma
pedra de tropeço na vida dos missionários. E, é bom que se diga, desde
o início da colonização tinha-se pelo menos dois grupos, que tomavam
posições opostas quanto à questão indígena, segundo Bidegaín: os
dominicanos, que defendiam a dignidade humana do índio e eram contra
a “guerra justa”, e aqueles que apoiavam os atos de dominação dos
colonizadores espanhóis, sem se preocupar com os “meios” utilizados.
Destaca-se a atuação de Bartolomeu de Las Casas. Espanhol, filho de
comerciantes, Las Casas chega a América como membro da tripulação
de Colombo em sua segunda viagem ao continente. Aporta, inicialmente,
como um encomendeiro entre tantos outros. Porém, ao ver com os
próprios olhos os atos de exploração e violência que aqui já se praticava
contra os nativos, Las Casas se sensibiliza e resolve mudar de postura.
De acordo com Bidegaín, num ato de consciência ele leu o texto de
Eclesiástico 34.26: “É assassino do próximo quem lhe rouba os meios de
subsistência; derrama sangue, quem priva o assalariado de seu salário”.
Assim o clérigo, ordenado na América, “compreendeu a injustiça que
cometia com seus índios e revisou sua atitude. Entregou os índios que
lhe foram encomendados ao governador de Cuba, Diego de Velásquez, e
abandonou a ilha a fim de se dirigir à Espanha, para defender os índios
perante os próprios monarcas e fazê-los compreender a situação de
exploração que padeciam” (Bidegaín, 1993, p. 70). (Menezes, 2016, p.22)

3 - Crenças de matriz africana


As organizações das religiões afro-brasileiras nasceram das tradições
culturais trazidas do continente africano para o Brasil na época da
escravatura. Os negros escravizados tiveram dificuldades de expressar
sua religiosidade e por esta razão tiveram que adaptar seus costumes e

História do cristianismo III | FTSA | 21


crenças para preservar sua tradição. Os africanos e seus descendentes
tiveram que encontrar formas alternativas para garantir a manutenção de
sua cultura. Das manifestações, a que mais sofreu perseguição e negação
de sua legitimidade foi a religião. No Brasil, o Candomblé e a Umbanda
são as religiões africanas que mais se destacaram, sendo conhecidas
como afrodescendentes por apresentarem elementos religiosos das
mais diversas regiões da África.

O candomblé é definido como religião animista, original da região das


atuais Nigéria e Benin, trazida para o Brasil e aqui estabelecida por
africanos escravizados. Em seus ritos, sacerdotes e adeptos encenam,
com danças, em cerimônias públicas e privadas, uma convivência com
forças da natureza e ancestrais. Os rituais são liderados pela mãe-de-
santo ou pai-de-santo, havendo uma hierarquia definida nas demais
funções. Os seguidores do candomblé prestam culto e adoram os
orixás, considerados pelos adeptos como deuses ou divindades que
representam as forças da natureza. No Brasil, a história do candomblé se
mistura com a do Catolicismo.

Proibidos de continuar com sua religião, os africanos escravizados


usavam as imagens dos santos católicos para escapar da censura
imposta pela Igreja. Isto ajuda a explicar o sincretismo encontrado no
Candomblé no Brasil, algo que não se verifica na África. Atualmente,
porém, muitas casas de candomblé não aceitam o sincretismo e buscam
retornar às origens africanas.

No caso da Umbanda, considera-se uma religião brasileira formada pela


composição híbrida de elementos de outras religiões como o catolicismo,
espiritismo juntando-se ainda elementos da cultura africana e indígena.
A umbanda tem origem nas senzalas em reuniões onde os escravos
vindos da África louvavam os seus deuses por meio de danças e cânticos
e incorporavam espíritos. O culto umbandista é realizado em templos,
terreiros ou Centros apropriados para o encontro dos praticantes onde

22 | História do cristianismo III | FTSA


entoam cânticos e fazem uso de instrumentos musicais como o atabaque.
A cerimônia é presidida por um chefe masculino ou feminino. Durante as
sessões são realizadas consultas de apoio e orientação a quem recorre ao
terreiro, práticas mediúnicas com incorporações de entidades espirituais
e outros rituais. O culto se assemelha ao candomblé, no entanto, são
religiões que possuem práticas distintas.

Glossário:
Candomblé: termo da língua bantu, que significa “dança” ou “dança
com atabaques”.
Umbanda: palavra derivada do termo “u´mbana”, que na língua
banta falada em Angola, o quimbundo, significa “curandeiro”.
Orixás: definidos pelos adeptos do candomblé e da umbanda como
forças da natureza.
Sincretismo: fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma
nova, seja de caráter filosófico, cultural ou religioso. O sincretismo
religioso é a mistura de uma ou mais crenças em uma única
doutrina, mantendo-se características típicas de todas as suas
doutrinas-base, sejam rituais, superstições, processos etc.

Uma palavra que partir do séc. XVII foi bastante utilizada pelos
colonizadores para definir cerimônias africanas, muito diversificadas
quanto às práticas, foi o termo Calundu. Essa palavra reúne diversos
significados: possessão ritual, evocação de espíritos (em geral de
mortos), oferendas de comidas e bebidas aos espíritos, adivinhação
do futuro, curandeirismo, música cantada e marcada por batuques. Os
calundus eram combatidos pela Inquisição, mas tolerados por senhores
(e padres), pois a tolerância era uma forma de negociação objetivando
manter maior controle sobre os africanos escravizados, diminuindo
atos de rebelião e fugas. A crença para esses grupos foi um recurso de
subsistência e também resistência cultural e identitária.
História do cristianismo III | FTSA | 23
4. O Catolicismo missionário na América Latina1
Sabe-se que a Igreja Católica, tal qual a concebemos modernamente, foi
formada somente a partir do século XVI, quando se viu a necessidade
de uma Contrarreforma ou Reforma Católica e a afirmação de um corpo
teológico-doutrinário e litúrgico que diferenciasse a “verdadeira igreja”,
Católica, Apostólica, Romana, desse novo tipo que surgiu com a Reforma
Protestante, e que vinha se alastrando pela Europa naquele período. Tudo
isso foi sintetizado no Concílio de Trento (1545-1563), o mais longo de
todos os tempos, que teve duas direções básicas: a) definição dos dogmas
contra a cosmovisão protestante; b) reforma dos costumes e leis da igreja.

O catolicismo de Trento nasce com a força propulsora de defender as


doutrinas católicas (contra a pujança dos protestantes) e levar a fé cristã
aos povos que se encontravam em estado de “ignorância” (do ponto de
vista do europeu). Quando esse concílio aconteceu, a igreja já havia se
instalado nas Américas há pelo menos 50 anos. Embora o concílio não
tenha tido nenhuma autoridade religiosa representante do continente no
quadro de religiosos presentes, houve uma preocupação, por menor que
fosse, de que as resoluções de Trento chegassem até a igreja estabelecida
nas colônias. Boa parte dessas resoluções, como já mencionado, foram
reafirmações de práticas e doutrinas outrora vigentes, em matérias
questionadas e combatidas pelos reformadores, como a questão da
autoridade, do pecado, da justificação e dos sacramentos.

Como um poderoso braço de Trento e da Contrarreforma, os jesuítas


foram os principais agentes encarregados dessa tarefa. A Companhia de
Jesus (ou dos jesuítas) é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um
grupo de estudantes da Universidade de Paris, tendo como seu principal
líder o padre Inácio de Loyola. É conhecida por duas frentes de trabalho
bastante fortes: a educacional e a missionária. Os jesuítas foram um
dos grupos defensores mais radicais dos postulados estabelecidos pela
Contrarreforma. Dentre outras coisas, pregavam que as ostentações e
cerimônias (ritos, liturgias) do catolicismo precisavam ser mantidas,
valorizadas e ostensivamente financiadas.
1
Item desenvolvido com a colaboração do prof. Jonathan Menezes
24 | História do cristianismo III | FTSA
Os primeiros jesuítas a aportarem na América foram os contratados por
Portugal, chegando ao Brasil em 1549. A Espanha os contratou em 1567.
Os nomes mais conhecidos são os dos padres José de Anchieta e Manuel
da Nóbrega. Fundaram um colégio em Salvador, Bahia, e começaram sua
catequese ali. Aos jesuítas é atribuída a responsabilidade pela instituição
de quase todo o corpo educacional no Brasil no período colonial
(1500-1800), e pelo rico legado deixado para a literatura brasileira. Há
pelo menos duas formas de conceber o trabalho dos jesuítas com os
indígenas na América: a) como protetores dos indígenas – enquanto
lutaram contra a ação dos encomenderos e latifundiários, de exploração
do trabalho escravo indígena e até mesmo de caça aos nativos; b) como
violadores de seus costumes, cultura e religião. Como todo o trabalho
de evangelização na América, a missão dos jesuítas não se delineou de
modo muito diferente no quesito diálogo com as culturas e religiosidades,
a não ser pelo fato de terem aprendido as línguas nativas, composto seus
autos (peças teatrais) e sermões nessas línguas, e tendo-as preservado
de extinção completa.

Uma das dificuldades de apreensão e aceitação da pregação dos jesuítas


por parte dos nativos estava no nomadismo. Segundo Martin Dreher
(1999, p. 71), “este terminava com os esforços dos padres e punha fim à
sua ilusão de que os indígenas estavam sendo atraídos por sua pregação,
e principalmente, por sua música”. Uma das estratégias de contenção e
domesticação dos indígenas foram as chamadas reduções. Os batizados
eram concentrados em aldeamentos fixos, nos quais eram disciplinados
e ficavam sob a vigilância dos jesuítas. Alguns percalços, porém, surgiram
contra o sucesso desse modelo, como a falta de vontade política da
Corte em afastar os colonos e encomenderos dos indígenas, haja vista
o conflito de interesses que estava em jogo. Acrescia-se a isso a própria
ação dos colonos contra os jesuítas, o que resultou, por exemplo, em sua
expulsão da colônia portuguesa em 1640, só deixando-os voltar com a
condição de não mais importunarem os caçadores de índios.
História do cristianismo III | FTSA | 25
Glossário:
Inácio de Loyola: nascido na Espanha, foi o fundador da Companhia
de Jesus, uma ordem religiosa católica romana que teve grande
importância na Contrarreforma Católica, cujos membros são
conhecidos como os jesuítas. Loyola era militar e ao sobrevive a
um acidente que sofrera, fez o voto de se dedicar à vida religiosa,
fundando assim a Ordem que ficou conhecida como Companhia
de Jesus, que passou a ter como principal estratégica de missão a
educação.
Reduções: nome dado ao espaço onde funcionavam as missões
jesuíticas, constituído pela escola, onde indígenas eram
alfabetizados, pelo templo, onde era feita a catequese, e oficinas,
onde havia produção de artesanato, instrumentos musicais e outros
bens que eram vendidos para arrecadação financeira de sustento
das missões.

Além dessa estratégia das reduções, tentou-se também a estratégia


de persuasão dos indígenas. Para tanto, foi necessário que os jesuítas
flexibilizassem um pouco mais as formas de abordagem na catequese,
fazendo uma mescla de ortodoxia católica com alguns elementos
presentes nos usos, costumes e crenças dos indígenas, de modo que
houvesse uma possível identificação. José de Anchieta foi um dos que
com maestria se adaptou ao espírito flexibilizado da evangelização
através de sua produção poética e dramática. O primeiro indício disso
está no fato desse jesuíta ter redigido seus poemas e autos em tupi.
Em ambas as formas de comunicação, se podia notar a presença de
elementos do que hoje concebemos como uma “religiosidade popular”,
simples e objetiva, que buscava despertar a devoção cristã no índio e
transformá-lo num “novo homem” – os jesuítas, diferentemente de outros
colonos e dos conquistadores, consideravam os indígenas não como
seres bestiais, mas como “gente” humana.
26 | História do cristianismo III | FTSA
5. Religiosidade popular e magia2
O assunto da religiosidade popular na América Latina é bastante amplo e
um conceito que tem múltiplas definições. O Conselho Episcopal Latino
Americano, em 1974, definiu religiosidade popular como “o conjunto de
convicções e práticas religiosas que grupos étnicos e sociais elaboram
através de uma adaptação especial do cristianismo a culturas tipicamente
latino-americanas” (Apud Deiros, 1992, p. 118). Deiros formula seu
próprio ponto de vista sobre a religiosidade popular, como sendo “o
conjunto de mediações e expressões religiosas nascidas da mente e
das entranhas do povo no culto, segundo os modos tradicionais típicos
de cada agrupamento humano e transmitidos de geração em geração”
(Deiros, 1992, p. 119,120).

Segundo esse autor (1992, p. 120), “as crenças resultantes do processo


de sincretismo religioso, que se deu no continente a partir da colonização
das almas indígenas e negras, mostram a coexistência de elementos
estranhos entre si, porém, todos debaixo do nome abarcador de
catolicismo romano”.

Geralmente, nos simulacros dos santos estava presente a “côrte celeste”


de maior preferência do devoto. Sempre havia um lugar especial para a
Virgem, a padroeira do povo, em suas diversas e inúmeras representações,
adorada como a “rainha dos céus”, “madrinha dos neófitos”, advogada
dos oprimidos e pecadores, símbolo de grande devoção e comoção
populares. Dentre os santos de casa, como informa Mott (1997, p.
186), “o lusitano santo Antônio foi – e continua sendo – o campeão da
devoção popular em toda cristandade”. Ele era comumente invocado
como advogado das causas perdidas e santo casamenteiro. “Valei-me
meu Santo Antônio!”, costumam clamar os devotos, sempre em busca
de um novo favor.

2
O conteúdo deste item foi elaborado com a colaboração do Prof. Jonathan Menezes.
História do cristianismo III | FTSA | 27
Não obstante às constantes visitas dos padres a esses lugares onde
ficavam os santos, aspergindo e abençoando com água benta, nem
sempre as práticas ali realizadas seguiram os preceitos estabelecidos
pela ortodoxia católica. Um exemplo, oferecido por Mott, está na
intimidade excessiva com o sobrenatural por parte de alguns colonos.
As mulheres se colocando como as próprias amas de leite do menino
Jesus, a particular devoção das mulheres grávidas com nossa Senhora
do parto, e vários exemplos que apresentam algumas relações não só
de amor como também de ódio dos devotos com os santos. Conforme
expõe Mott (1997, p. 184), “de fato, na religiosidade popular do Brasil
de antanho, a intimidade dos devotos vis-à-vis certos santos e oragos
percorria um continuum de amor e ódio, que incluía louvores, adulação,
rituais propiciatórios, intimidação e até agressão física”.

Gilberto Freyre, em sua obra Casa-Grande e Senzala, fala-nos mais a respeito


dessa religiosidade afetivizada, lírica e animista vigente no Brasil Colonial:

(...) os santos e os anjos só faltando tornar-se carne e


descer dos altares nos dias de festa para se divertirem
com o povo; os bois entrando pelas igrejas para serem
bentos pelos padres; as mães ninando os filhinhos
com as mesmas cantigas de louvar o menino-Deus; as
mulheres estéreis indo esfregar-se, de saia levantada,
nas pernas de São Gonçalo do Amarante; os maridos
cismados de infidelidade conjugal indo interrogar os
“rochedos dos cornudos”; e as moças casadoras os
“rochedos do casamento”; nossa senhora do Ó adorada
na imagem de uma mulher prenha (Freyre, 1973, p. 22).

Dentre as práticas que compunham a religiosidade popular eram as


simpatias, os feitiços, as mandingas e até pactos explícitos com o Diabo.
Em contrapartida, alguns padres, preocupados com o desvio dos fiéis
pelas armadilhas do demônio, segundo informa Mott (1997, p. 196),
passaram a “adotar certas cerimônias e rituais que competiam, no
apelo dos sentidos e utilização de elementos materiais, com as práticas
28 | História do cristianismo III | FTSA
costumeiras dos mandingueiros, calunduzeiros”. Esse é um indício que
aponta para a complacência da igreja em tratar das práticas religiosas
populares. Nem a existência da Santa Inquisição, que no Brasil foi coisa
“pra português ver”, pôde domesticar as manifestações do sagrado em
seu estado mais primitivo ou “selvagem”, como diria o sociólogo Roger
Bastide. A tênue barreira entre a religiosidade ortodoxa e a popular, entre
as práticas ilícitas e as lícitas não foi suficiente para impedir a propagação
dessas excentricidades religiosas, que correram pela margem, pela periferia,
e perpassaram a história do cristianismo na América Latina até hoje.

O “Homo Religiosus” Latino-americano


Constatamos que:
1. América Latina é um povo evangelizado pela metade. A massa
ignorante ou douta possui uma fé incipiente, que se manifesta em
grande porcentagem numa 'religiosidade popular'. Isso se verifica
tanto entre as pessoas do campo como entre a gente urbana. A
educação dessa fé é umas de nossas grandes urgências pastorais.
2. As motivações dessa religiosidade popular são diversas e se
encontram muitas vezes mescladas, de modo que é difícil em
muitos casos discernir onde termina o religioso e onde começa o
mágico e supersticioso. Podem nascer do temor, do fatalismo e de
uma visão cósmica da divindade ou de uma visão correta de Deus
e de uma fé verdadeira. Muitas vezes essa religiosidade se fomenta
com fins econômicos e turísticos.
3. As manifestações da religiosidade popular são múltiplas e
variadas, por exemplo: multitudinárias nos santuários; coletivas
nas paróquias; familiares, nas casas e comunidades de base;
individuais, desde a veneração de uma imagem até o uso fetichista
de amuletos.
4. Essas parecem ser as manifestações mais frequentes da
religiosidade popular: o culto a imagens do Cristo passivo e morto;
o culto aos mortos; as diferentes devoções a Maria; o culto a certos

História do cristianismo III | FTSA | 29


santos que 'fazem milagres'; carregar medalhas e escapulários;
fazer novenas; pagar missas e promessas; consultar adivinhos e
horóscopos, etc.
5. Dentre essas manifestações, há algumas que vão sendo
abandonadas por muitos (rosário, mês de Maria, primeiras sextas),
enquanto em algumas partes se fazem esforços para encontrar
novas expressões de fé (Liturgia da Palavra, novenas bíblicas), se
nota um crescimento no campo do espiritismo e da astrologia em
outras partes, especialmente nas cidades.
6. Na religiosidade popular em geral encontramos elementos
positivos mesclados com alguns negativos, por exemplo:
Positivos: sentido do sagrado e transcendente; disponibilidade para
escutar a palavra de Deus; capacidade de orar; sentido de amizade
e caridade; capacidade de sofrer e reparar; desprendimento do
material; aceitação cristã de situações irremediáveis.
Negativos: falta de sentido de pertencimento à Igreja; crença em
lendas e mitos; 'religião triste e fatalista'; desvinculação entre fé
e vida; valorização exagerada dos santos e ignorância de Cristo e
seu Mistério; considerar a religião como mágica e supersticiosa;
'caricaturas' de Deus; desvios morais (rituais, orgias, etc.); primado
pelo utilitarista, o egoísta (Deiros, 1992, p. 102).

Talvez a transformação na vida do indígena tenha sido mesmo escassa do


ponto de vista do conteúdo da adoração e culto a seus deuses, cobertos
com uma camada de verniz católico; mas no que se refere às formas
estabelecidas para isso e o cotidiano dos nativos, passaram por um
processo grande de transformação. Ninguém sai totalmente incólume
de um deslocamento como esses:
Em síntese, a religiosidade popular é fruto da
evangelização incompleta e alienante, levada a cabo
desde os dias da conquista até o presente, com
30 | História do cristianismo III | FTSA
características especiais. Os conquistadores e os
missionários trabalharam por converter em realidade
seus sonhos messiânicos de criar “de cima para baixo” e
mediante métodos violentos, uma cristandade modelo,
uniforme nos planos estatal e religioso. Para tanto,
quis-se destruir a religião nativa e impor a fé católica
romana em seu lugar. Desse modo, o que houve foi uma
sobreposição de religiões, porém não uma autêntica
conversão, no sentido cristão. (Deiros, 1992, p. 126)

No Brasil, não obstante os muitos avanços (e retrocessos) ocorridos no


campo das religiões nas últimas décadas, bem como das metamorfoses
do sagrado, ainda somos fruto dessa construção ocorrida desde o período
colonial. Ed René Kivitz parece ter captado muito bem essa influência ao
falar de algumas marcas do fenômeno religioso do Brasil e da América
Latina, no prefácio à edição brasileira do livro A igreja do outro lado, de
Brian McLaren (2008). Segundo ele:

A religiosidade brasileira do terceiro mundo é mágica,


mística, profundamente marcada pelas categorias
das religiões indígenas e afro. Somos o povo das
superstições, das mandingas, das simpatias. Ainda
fazemos despachos nas esquinas, pulamos ondinhas
na passagem de ano e lançamos flores ao mar para
Iemanjá, fazemos correntes de oração e jejuns, subimos
escadas de joelhos pagando promessas, acendemos
velas, ungimos portas de casas com óleo e deixamos
a Bíblia aberta no Salmo 91 para afastar espíritos
malignos, damos dinheiro na igreja para impedir a ação
dos gafanhotos devoradores do dinheiro dos crentes,
engrossamos romarias à Fátima, Lourdes e Aparecida
do Norte, cultuamos o Padre Cícero e nos regozijamos
com a canonização do Frei Galvão (Kivitz, 2008, p. 15).

Ainda sobre a religiosidade popular e magia no campo religioso brasileiro,


História do cristianismo III | FTSA | 31
o pesquisador Antônio Gouvêa Mendonça descreve o compósito do
campo religioso brasileiro afirmando que “o universo do catolicismo
popular era um universo mágico de pluralidade de deuses”, cujo cenário,
nunca fixo e permanente, “podia ser manipulado e rearranjado segundo
as necessidades humanas”. Acrescenta ainda:
A cultura brasileira tem três componentes muito claros:
a cultura ibero-latino-católica, a indígena e a negra. A
primeira não é representada pelo catolicismo tridentino,
mas pela religião popular, folclórica e festiva legada
pela tradição lusitana. Dessa mistura de cultura resultou
um imaginário de um mundo composto por espíritos
e demônios bons e maus, por poderes intermediários
entre os homens e o sobrenatural e por possessões.
Trata-se de um mundo maniqueísta em que os poderes
são classificáveis entre o bem e o mal e manipuláveis
magicamente. (Mendonça, 1997, p.160)

Mendonça destaca algumas características fincadas nas raízes dessa


religiosidade desenvolvida desde o período colonial: peregrinações
a locais sagrados; mediação dos santos por meio de preces muito
populares, que nem sempre seguem a canonização oficial dos mesmos
pela igreja; fazer e cumprir promessas, acender velas, solicitar ajuda
de rezadores. Eduardo Albuquerque comenta o arraigamento dessas
práticas no catolicismo de devoção popular:
No cristianismo popular brasileiro, a oração, a prece
e a reza são fórmulas religiosas dirigidas a Deus, a
Cristo, à Virgem Maria e aos santos, mediante o que
o fiel pede, deseja, julga a si mesmo e avalia suas
próprias necessidades. Vindas de Portugal, enfrentam
a Inquisição, os médicos e os juristas e sobrevivem
nos nossos dias através dos homens e mulheres que
benzem. (...) instrumentos mantidos pela memória
do povo brasileiro para enfrentar suas adversidades
cotidianas. (Albuquerque, 2006, p.10)
32 | História do cristianismo III | FTSA
EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 04
A religiosidade popular é inerente à América Latina; por mais que
a corrente ortodoxa se coloque como um barreira para impedir
a propagação das excentricidades da esfera religiosa popular,
essa se fez pela margem, pela periferia, e perpassou a história do
cristianismo até hoje, formatando então o “Homo Religiosus” latino
– americano. Assim, quais aspectos dessa religiosidade popular
podem ser considerados positivos para a vida cristã na atualidade?
Assinale a única alternativa correta:
( ) Crença em lendas e mitos, superstição, falta de pertencimento
à igreja, religiosidade fatalista.

( ) Sentido do sagrado e do transcendente, disponibilidade para


escutar a palavra de Deus, capaciadade de orar, sentido de amizade
e caridade, capaciadade de sofrer e reparar, desprendimento do
material, aceitação cristã de situações irremediáveis.

( ) Religiosidade com fins materiais, valorização exagerada dos


santos, desvinculação entre fé e vida.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

História do cristianismo III | FTSA | 33


A introdução de grandes levas de escravos provenientes da África ocasionou
não somente uma grande mescla ou mestiçagem racial, como também um
intenso e circular pluralismo nas crenças que perfazem o campo religioso
brasileiro. Basicamente, os únicos elementos que os negros puderam
transportar da sua terra natal para o Brasil colonial foram, além de outros
aspectos culturais, as crenças em seus deuses e espíritos e os múltiplos
ritos para se relacionar com eles. Esta fé se estendeu posteriormente às
diferentes regiões do país, estando presente por meio de uma variedade de
expressões das quais as mais conhecidas e extensivas são o candomblé e
a umbanda. Essa última tipologia contém traços muito fortes de espiritismo
como também elementos litúrgicos da fé cristã.

Tais crenças compõem parte significativa da cultura do país. Pierre


Sanchis se refere ao capital simbólico que configura o campo religioso
brasileiro indicando como matriz religiosa um encontro de práticas,
crenças e ritos de expressões culturais distintas, marcadas por raízes
europeias, africanas e indígenas. A “porosidade” que configura essa
matriz cultural é que permite, ao mesmo tempo, crer em demônios, ter
medo de pisar em trabalhos de macumba, usar fitas do Senhor do Bonfim,
colocar carrancas nas entradas das casas, elefantes de costas para as
portas, soltar fogos no dia de Nossa Senhora Aparecida, virar Santo
Antônio de cabeça para baixo para se obter um casamento, ir à missa
aos domingos, acreditar em reencarnação, tomar banho de descarrego e
benzer-se com água benta, acender incensos, acreditar em “olho gordo”,
cristais, gnomos... (Sanchis, 1994, p. 4)

Também Eduardo Hoornaert (1993, p.67), distinguindo do que chama de


“catolicismo estabelecido ou patriarcal”, identifica o “catolicismo popular”
brasileiro como sendo a religiosidade indígena e africana (HOORNAERT,
1991, p. 98). Afirma ainda que “os sacerdotes católicos foram assimilados
a modelos bem definidos do imaginário religioso indígena...”, ao passo
que um processo em outra via também ocorreu: no confronto entre o
sacerdote católico e o “xamã” americano (pajé, curandeiro, conselheiro,
feiticeiro etc.) alguns deles “descobriram nesse confronto a dimensão
xamânica inerente à sua própria vocação” (Hoornaert, 1993, p.72).
34 | História do cristianismo III | FTSA
A magia consiste num dos elementos que marcam fortemente o campo
religioso brasileiro, com raízes fincadas na longa duração. Pode-se
entender como magia tudo aquilo que tenta inverter as formas naturais
das coisas. A sua essência reside, pois, na dominação dos poderes supra-
sensíveis, os quais são convocados e controlados autoritariamente em
função do objetivo visado pelos seus adeptos. Desde os tempos mais
antigos, a magia tem prometido às pessoas que a ela recorrem a solução
imediata de determinados problemas muito concretos. O pesquisador
Antônio Flávio Pierucci ressalta que a magia está circunscrita nas
soluções que pode oferecer aos transtornos e contratempos da vida
humana: “A magia torna o mundo mais próximo das nossas próprias
mãos, deixa os poderes superiores mais acessíveis à nossa própria
vontade, simbolicamente mais controláveis; a magia delimita, define e
aproxima os resultados que promete” (Pierucci, 2001, p.44). Esse mesmo
autor acrescenta:
A magia costuma ser praticada em situações de
muita incerteza, imprevisibilidade e, portanto, tensão e
ansiedade. (...) Magia é para ser acionada no momento
oportuno, quando se tem que enfrentar, com sucesso,
dificuldades não usuais, situações específicas fora do
trivial, quando o inexplicável teima em acontecer e o
imprevisto pode sobrevir. Magia é feita para concretizar
o extraordinário. (Pierucci, 2001, p. 55)

Estabelecendo como ponto de partida o contexto do Brasil colonial, pode-


se dizer que em tal período já podem ser identificadas práticas religiosas
marcadamente caracterizadas por expressões de magia, com fortes
raízes no catolicismo medieval. Especialmente, a partir do século IV da era
cristã, quando o cristianismo se tornou religião lícita e oficial do Império
Romano, desenvolveu-se um intenso e crescente processo de aculturação
entre doutrinas cristãs e antigas práticas cúlticas que permeavam o
universo religioso do mundo greco-romano. Segundo Leonildo Campos,
nesse período a assimilação da fé cristã pela população rural, mediante
a catequese, “formou uma camada de verniz sobre uma antiga realidade
História do cristianismo III | FTSA | 35
religiosa” (Campos, 1997, p.170), desencadeando um intenso apego às
relíquias como fetiches de proteção, com caráter mágico, objetos esses
que supostamente teriam sido utilizados pelos apóstolos ou outros
mártires do cristianismo e que eram então guardados nos lares dos
devotos com o sentido de proteção contra doenças, contra infortúnios
do demônio ou como ajuda contra as intempéries que poderiam ameaçar
as colheitas. Esta “magia” dos objetos desencadeou um verdadeiro
comércio de amuletos:

Multiplicaram-se os cultos às relíquias sagradas,


verdadeiros fetiches milagrosos, aos quais se atribuíam
poder de curar enfermidades e proteger as pessoas
dos perigos. Esses objetos, que pensavam terem
pertencido aos santos ou simplesmente por terem
sido usados na missa, eram trocados, presenteados,
roubados, vendidos ou comprados. Muitos deles eram
empregados com as mais diversas finalidades, desde
o auxílio no trabalho de parto até na cura de peste no
gado bovino ou afastar epidemias de seca, fome ou
pragas de gafanhotos (Campos, 1997, p.171).

O historiador inglês Keith Thomas também afirma que no contexto da


Idade Média,
as relíquias sagradas tornaram-se fetiches milagrosos,
tidos como dotados do poder de curar enfermidades e
proteger contra perigos (...) atribuía-se igualmente uma
eficácia miraculosa às imagens. A representação de são
Cristóvão, que com tanta frequência ornamentava as
paredes das igrejas das aldeias inglesas, supostamente
concedia um dia de imunidade à doença ou à morte a
todos os que a fitassem (Thomas, 1991, p.36).

Este mesmo autor constata que no mundo medieval havia se desenvolvido


um “amplo leque de fórmulas para atrair a bênção prática de Deus sobre
as atividades seculares”, acrescentando:
36 | História do cristianismo III | FTSA
O ritual básico era o benzimento com sal e água para
a saúde do corpo e expulsão dos maus espíritos. Mas
os livros litúrgicos da época também traziam rituais
para benzer casas, gados, culturas, embarcações,
ferramentas, armas, cisternas e fornalhas. Havia
fórmulas para abençoar homens que se preparavam
para sair em viagem, para travar um duelo, para entrar
em batalha ou mudar de casa. Havia métodos para
abençoar os doentes e tratar de animais estéreis,
para afastar o trovão e trazer a fecundidade ao leito
matrimonial [...] Fundamentalmente em todo esse
procedimento era a ideia de exorcismo, o esconjuro
formal do demônio, expulsando de algum objeto
material por meio de preces e da invocação do nome
de Deus. A água benta podia ser utilizada para afastar
maus espíritos e vapores pestilenciais. Era remédio
contra a doença e a esterilidade (Thomas, 1991, p.38).

Glossário:
Sabá: termo utilizado para identificar os ritos classificados como
bruxaria durante a Idade Média.
Amuleto: objeto ou fórmula que alguém guarda consigo e a que
se atribuem virtudes sobrenaturais de defesa contra desgraças,
doenças, malefícios etc.
Xamanismo: manifestações, ritos e práticas centralizadas na
figura do xamã, identificado como feiticeiro, que tem o papel de
intermediação entre a realidade terrena e a dimensão sobrenatural,
por meio de transes místicos, com finalidades especialmente
curativas.
Exorcismo: rito por meio do qual se expulsam os maus espíritos.

História do cristianismo III | FTSA | 37


A historiadora Laura de Mello e Souza demonstra em suas obras como
esse catolicismo mágico, de identidade ainda medieval, se transpôs à
América no período da colonização. Isto se deu de dois modos: pelas
práticas de uma religiosidade popular católica à margem dos dogmas
oficiais; pelo olhar inquisitorial do catolicismo oficial, que buscava vigiar
e punir estas práticas. Afirma que católicos chegaram a fazer uso da
violência no esforço que empreenderam visando o banimento do que
consideravam “paganismo”, expresso na religiosidade vivida pelas
populações da Europa Moderna: “homens e mulheres [eram] acusados de
[...] blasfêmias, proposições heréticas, visões e feitiçarias” (Souza, 1993,
p. 90). Ainda segundo essa autora, “os jesuítas haviam desempenhado
função demonizadora durante o século XVI, vendo sabá nas cerimônias
indígenas”. (Souza, 1986). As atuações colonizadoras no Brasil colonial
eram também vistas como mecanismos “exorcizadores desses povos;
trazendo-lhes a fé cristã, os livrariam dos demônios” (Mariz, 2000, p.257).
Na época, como mostra Keith Thomas, o diabo era a explicação para o
inexplicável e para mistérios, doenças e insucessos, havendo, portanto, a
necessidade de se recorrer à magia (Thomas, 1991, p.387).

Laura de Mello e Souza afirma que “a baixa Idade Média assistira a


uma demonização paulatina da existência”, fortalecendo “ainda mais a
presença de satã entre os homens” (Souza, 1986, p. 137). Acrescenta
esta autora:
No final do século XV, pregadores e clérigos saturavam
seus sermões com um vocabulário diabólico. [...] Foi,
portanto, no início da Época Moderna, e não na Idade
Média, que o inferno e seus habitantes tomaram conta
da imaginação dos homens do Ocidente (Souza, 1986,
p. 139).

No caso católico, a ratificação feita pelo Concílio de Trento no sentido


de continuar usando a Inquisição no combate às heresias, acabou
38 | História do cristianismo III | FTSA
instigando ainda mais o imaginário diabólico que viria configurar as
práticas religiosas desenvolvidas na América Colonial.

Encontrando na colônia populações autóctones que


também viam o diabo como força atuante e poderosa,
os jesuítas acabaram por demonizar ainda mais as
concepções indígenas, tornando-se, em última instância,
e por mais paradoxal que pareça, agentes demonizadores
do cotidiano colonial (Souza, 1986, p. 139).

Ressalta-se ainda que as práticas mágicas e religiosas na colônia


brasileira revelariam, ao final de seu primeiro século de existência, sua face
pluricultural, que se consolidou durante o século XVII. Para isso contribuiu
a Inquisição, que “despejou sobre solo colonial com grande frequência
os hereges e feiticeiros” que “trabalhariam no sentido da manutenção
das persistências” (Souza, 1993, p. 56). Enfim, a Europa da Modernidade
nascente, berço e auge das reformas religiosas tanto protestante como
católica, experimentou, com sua periferia colonial uma guinada: em vez
de “religião com magia”, como sempre tinha sido e assim seguiria sendo
no resto do mundo, “religião contra magia” (Pierucci, 2001, p. 86).

6. Presenças ocasionais do Protestantismo no período


colonial
Ainda que de modo ocasional ou temporário, o protestantismo conseguiu
estabelecer contatos com a América Latina ao longo do período
colonial.

Os primeiros contatos ocorreram por meio de literaturas. Piratas,


corsários, comerciantes de escravos (franceses, ingleses e holandeses),
que eram protestantes, ao circularem por estes territórios latino-
americanos disseminaram Bíblias, livretos protestantes e outros tipos de
literaturas, que falavam da fé reformada, sobretudo entre as camadas
mais elitizadas.
História do cristianismo III | FTSA | 39
Glossário:
Corsários: espiões enviados à América por nações concorrentes da
Espanha e Portugal. Dentre estas nações, algumas eram protestantes,
fato que possibilitava a distribuição de literaturas por estes emissários
em terras latino-americanas, dentre as quais, a Bíblia ou trechos dela,
além de comentários bíblicos de Martinho Lutero.

Uma colônia alemã, luterana, desenvolveu-se na Venezuela, entre


1529-1546. Foi por circunstâncias econômicas. A Espanha devia
para banqueiros alemães e como forma de quitar a dívida cedeu este
território para que fosse explorado comercialmente pelos credores.
Estes trouxeram algumas dezenas de famílias para o Novo Mundo,
onde criaram uma igreja para a prática do culto protestante, de liturgia
luterana, com a presença de pastores que cuidavam espiritualmente
desta população. Foi algo que se deu apenas na língua germânica, sem
finalidade missionária ou evangelizadora.

Conforme já mencionado na disciplina de História do Cristianismo II,


não obstante as restrições impostas, duas tentativas de inserção foram
feitas por protestantes no Brasil colonial. Ambas acabaram sendo
fortemente rechaçadas pela religião dominante, o catolicismo, sob a
acusação de se constituir prática de heresia, dado o calor dos conflitos
desencadeados naquele período pelo processo de reformas na igreja,
que contrapunha protestantes e católicos, e envolviam não só aspectos
religiosos, mas também interesses econômicos de controle e conquistas
de mercados pelos países europeus. A primeira tentativa de inserção
no país, por protestantes, data de 1555, quando se deu a chegada da
expedição liderada por Nicolau Villegaignon, que objetivava fundar a
França Antártica e construir uma espécie de refúgio onde calvinistas
franceses, conhecidos como huguenotes, pudessem praticar livremente
a fé reformada, uma vez que sofriam duras perseguições religiosas em
seu país de origem. Como desdobramento ainda desse projeto, em 10 de
março de 1557, chegaram em solo brasileiro pastores enviados por João
40 | História do cristianismo III | FTSA
Calvino, da cidade de Genebra, Suíça, com o propósito de difundir o culto
protestante. Fazia parte desse grupo um jovem estudante de teologia,
chamado Jean de Léry, que vinte anos mais tarde publicaria uma obra
que se tornou um importante documento sobre o Brasil, em tal período,
denominada Viagem à Terra do Brasil. Em decorrência de conflitos com
líderes políticos e religiosos portugueses, a expedição teve seu término
com a expulsão, em 1860, de todos os franceses e a desativação da
colônia que havia sido organizada por Villegaignon (Lestrigante, 1998).

Glossário:
Huguenotes: Nome dados aos calvinistas, na França. A origem do
termo tem algumas explicações; uma delas afirma que em razão
daqueles protestantes se reunirem - geralmente à noite, devidos às
perseguições - na região de um antigo castelo outrora habitado pelo
“Rei Hugo”, criou-se a alcunha pejorativa de que aqueles religiosos
eram “seguidores do Rei Hugo”, ou seja, “huguenotes”.
França Antártica: Os conflitos entre huguenotes (protestantes)
e católicos aumentavam, na França, o que resultou na fuga de
muitos protestantes, visto que estavam sendo perseguidos pelo
catolicismo. Em razão disso,
e também por interesses
econômicos e comerciais,
comandados por Nicolau
Durand Villegaignon e o
Almirante Gaspar Coligny, os
franceses chegaram ao Brasil
em 1555, na atual cidade do
Rio de Janeiro, ocupando
os territórios ainda não
explorados pelos portugueses:
Baía de Guanabara. Foi, assim,
que surgiu a França Antártica.

História do cristianismo III | FTSA | 41


Um segundo esforço de inserção no Brasil se deu no século XVII, entre
1630 e 1654, dessa vez com holandeses, através do empreendimento
denominado “Companhia das Índias Ocidentais”, que se estabeleceu
inicialmente em Pernambuco e, depois, em outras áreas do Nordeste
brasileiro. O objetivo principal era o comércio de açúcar (Reily, 1993).
Maurício de Nassau, líder do projeto, também se preocupou em trazer
ao Brasil pastores da Igreja Reformada Holandesa, que chegaram a
desenvolver um trabalho religioso não apenas com a comunidade
holandesa, mas também com outros grupos existentes no país. Com
esse propósito, foi elaborado até mesmo um catecismo nas línguas
holandesa, portuguesa e tupi, sendo organizadas inclusive algumas
igrejas que praticaram o culto reformado. Em 1654, conflitos políticos e
econômicos provocaram o fim desse empreendimento, desaparecendo
também com isso os vestígios institucionais do cristianismo protestante
holandês em solo brasileiro (Mendonça, 1984, p.17).

Colônias protestantes também foram criadas nas Ilhas do Caribe, no


século XVII, por holandeses, franceses, ingleses. Na Jamaica, os batistas
fundaram também igrejas. Todas estas igrejas funcionaram às margens
do império espanhol.

Uma colônia escocesa foi criada no Panamá, entre 1698-1700, onde se


implantou temporariamente uma igreja presbiteriana.

Houve também uma missão moraviana entre escravos, na Guiana


holandesa do Caribe, a partir de 1732; o mesmo se deu na Jamaica a
partir de 1738. Os missionários moravianos chegavam a se vender
como escravos para conseguirem adentrar em lugares proibidos a fim
de evangelizar os nativos. Aproveitavam-se também do fato de que, na
Jamaica, foi criado o Código do Escravo, segundo o qual havia a obrigação
de evangelização do escravo pelos colonos.

42 | História do cristianismo III | FTSA


Saiba Mais:
Diferentes Representações da Morte

Quando estudamos o período de formação colonial da América


Latina e Brasil, um dos assuntos que desperta a atenção se refere
às diferentes representações da morte envolvendo os diversos
grupos presentes em tais contextos.
A começar pelos povos ameríndios. Em geral, professavam a
crença em uma vida imortal. Em seus mitos, constava o da busca
pela “Terra sem males”, um tipo de paraíso perdido na Terra, no qual
não envelheceriam mais, não ficariam mais doentes, não morreriam,
onde haveria caça em abundância, sem necessidade de perseguir
os animais a serem abatidos, porque elas viriam se oferecer aos
caçadores. Um imaginário com representações semelhantes
ao Éden descrito no livro bíblico do Gênesis. Fazia parte desse
imaginário religioso a crença de que seus antepassados retornariam
no tempo do fim para guiá-los rumo a esse paraíso terrestre. Era um
tipo de escatologia. Entre os Maias, por exemplo, estes elementos
de crença estavam inclusive registrados em um livro chamado
Popol Vuh, apelidado de “Bíblia Maia”, cujas inscrições eram feitas
de uma forma artesanal nominada de Quipu, vistos que estes povos
eram ágrafos, ou seja, sem escrita. Esse livro Maia apresentava
mitos da criação do mundo e também indicativos apocalípticos.
Quando os colonizadores espanhóis e portugueses chegaram para
a conquista, alguns destes povos acreditaram inicialmente que
os seus antepassados estavam retornando, cumprindo assim as
profecias. O filme 2012, lançado no cinema nesse mesmo ano, é
baseado nesse imaginário Maia sobre o fim do mundo. A última
cena, inclusive, apresenta a chegada dos colonizadores com este
sentido apocalíptico.
Em relação aos povos de origem africana, introduzidos na
América colonial, caracterizou-os o imaginário referente à morte

História do cristianismo III | FTSA | 43


com destaque para dois aspectos. Primeiro, o valor dado aos
antepassados. Nas crenças de matriz africana é comum a ideia
de uma família extensiva e multigeracional, segundo a qual vivos
e mortos mantém vínculos familiares muitos intensos e próximos;
a morte não os separa; daí serem usuais os ritos pelos quais
eles acreditam manter contato e estabelecer comunicações
com os que já morreram. Um segundo aspecto, sobre a relação
entre vivos e mortos, é marcado pelo símbolo do fogo, que ficava
aceso diuturnamente nas senzalas (habitações dos africanos
escravizados). A história mostra que quando vinham de seu
continente de origem, os africanos costumavam trazer tições
retirados de fogueira sagrada de sua terra (representando os
ancestrais). Ao chegarem ao mundo americano acendiam aquele
tição para alimentar o fogo das suas habitações, representando a
presença dos ancestrais junto a eles, para protegê-los em casa e no
trabalho. Ao morrer alguém daquela senzala, fazia parte dos ritos
colocarem um tição aceso nas mãos do falecido durante o cortejo
até o local de sepultamento. Isto significava que aquele espírito teria
em sua travessia o caminho iluminado até o mundo dos mortos, no
encontro com os ancestrais. Um ser divinizado, chamado kalunga,
era responsável por fazer essa passagem para o mundo do além.
Quanto aos católicos e protestantes, apresentam também
diferentes representações da morte, tanto no período colonial
como do império, e mesmo no contexto contemporâneo.

Considerações finais
Vimos, nesta unidade, aspectos históricos de formação do que hoje
nominamos de América Latina e Brasil, sobretudo dos elementos que
contribuíram diretamente para a configuração de um campo religioso
marcado pela diversidade, pelo conflito, pela intolerância, mas também
por exemplos positivos de quem empreendeu esforços para anunciar a
boa notícia do reino de Deus.
44 | História do cristianismo III | FTSA
É impossível compreender o mundo latino-americano sem a devida
atenção ao elemento religioso, pois ele já estava presente com os povos
ameríndios ou pré-colombianos, acompanhou o projeto expansionista de
colonização de espanhóis e portugueses rumo ao novo mundo. Toda essa
religiosidade sofreu ao longo do tempo modificações, ressignificações,
apropriações sincréticas. A chegada, posteriormente, do protestantismo
em terras da América Latina e Brasil marcaria a construção de uma nova
visão de mundo, de sociedade e cultura. Mas sobre isto passaremos a
tratar de modo detalhado a partir da próxima unidade.

EXERCÍCIO DE REFLEXÃO - 05
Esse processo histórico que você acabou de estudar – invasões
dos portugueses e espanhóis na América Latina – expõe as
mentalidades de um tempo que permitem não só a informação,
mas, exigem uma séria reflexão sobre o germinar cristão da
América Latina.
Nesse sentido, faça uma reflexão, utilizando no mínimo 200
palavras, destacando aspectos positivos e negativos que você
consegue enxergar no processo colonizador e paute como esses
aspectos influenciam o cristianismo atual.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

História do cristianismo III | FTSA | 45


Referências:
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disponível em: http:// www.planetanews.com. Acesso em: out. 2019.

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História do cristianismo III | FTSA | 47


UNIDADE II – CATOLICISMO E PROTESTANTISMO NA
AMÉRICA LATINA E BRASIL
Introdução à unidade
Nesta unidade, apresentaremos o desenvolvimento do catolicismo e
do protestantismo na América Latina e, particularmente, no contexto
brasileiro. Por uma questão cronológica, iniciaremos com o catolicismo.
Logo após, passaremos a estudar o protestantismo, destacando o seu
estabelecimento definitivo a partir do século XIX.

Buscaremos responder a algumas questões, como: Quem são os


protestantes em sua configuração latino-americana? Como e por que se
interessaram por esse continente? Quais são as principais marcas dessa
“nova religião” transportada para a América Latina, especialmente, Brasil,
a partir do século XIX? Quais denominações configuraram a presença
protestante no contexto brasileiro?

Vale recordar que protestantismo, desde seu nascedouro na Europa, foi


uma religião de combate. O nome “protestante” deriva dessa natureza
combatente, ainda que isso varie de contexto para contexto. Na América
Latina não foi diferente. O discurso protestante empunha pelos menos
duas bandeiras: a) o rechaço à religião e cultura predominantes nas
“Américas” (espanhola e portuguesa); b) apologia da religião e cultura
norte-americana, como uma mensagem “messiânica”’ em meio a culturas
pagãs.

Os protestantes advogam seu trabalho na América Latina em virtude do


que consideram um “fracasso” da Igreja Católica, que consistia em dois
argumentos centrais:

a) Os católicos foram incapazes de nutrir no povo uma fé e moral


verdadeiramente cristãs;

b) Nem ela mesma conseguiu se manter incontaminada em seu contato


com as tradições religiosas indígenas e africanas.
48 | História do cristianismo III | FTSA
O protestantismo, assim, serviria de religião alternativa, capaz de implantar
o autêntico cristianismo em terras latino-americanas. (Menezes, 2016).
Desse modo, os principais argumentos utilizados por protestantes,
segundo Arturo Piedra (2005), eram:
• O tipo de fé aqui professada era totalmente nominal.
• O catolicismo não passava de um “paganismo batizado”.
• Faltava-lhe “espiritualidade” para levar o povo a condições mais
elevadas de vida.
• O povo se encontrava em contínua degradação moral – havendo
nessa sentença um teor racista: a “plebe de cor” da América Latina
seria, por razões étnicas, menos virtuosa que os brancos.
• Os norte-americanos são o “povo escolhido”, predestinado para
preencher o vazio religioso da América Latina.

1. O Catolicismo estabelecido no Brasil e sua simbologia


Como vimos na unidade anterior, durante o período colonial, entre
os séculos XVI, XVII e XVIII, o catolicismo manteve hegemonia ou
exclusividade no controle das crenças na América Latina, em geral.
Exemplificando, particularmente com o que ocorreu no Brasil, a história
registra que todo navio que aportava no país naquele período devia ser
inspecionado por um religioso católico para se averiguar se não havia
entre os que chegavam algum protestante, sobretudo missionário ou
agente com finalidade religiosa. Os que eram suspeitos imediatamente
eram submetidos a um interrogatório, tipo inquisitorial, pelo qual
deveriam demonstrar que sabiam rezar a Ave Maria e responder a
algumas perguntas do catecismo católico. Os que não soubessem assim
proceder eram despachados de volta no primeiro navio que zarpasse. O
historiador Júlio Andrade Ferreira afirma que à semelhança da inspeção
que a vigilância sanitária hoje realiza nos portos para averiguar se algum
navio traz passageiros suspeitos de alguma epidemia infecto-contagiosa,
História do cristianismo III | FTSA | 49
assim também se fazia em relação aos riscos de uma “ameaça do
contágio protestante” (Ferreira, 1992, p.39))

Formalmente ligado enquanto instituição ao Estado, até o final do Brasil


Império, no século XIX, o catolicismo sob o signo da romanização
empreende esforços na tentativa de recuperação de seus laços
privilegiados com o poder político. Mesmo com o fim do padroado, a
partir da promulgação da primeira Constituição Federal da República,
a Igreja Católica continuou agir como se tivesse ainda de operar com
primazia e com certa exclusividade no contexto brasileiro. Submetida
à injunção de reorganizar-se institucionalmente, promovendo uma
nova centralização do poder eclesiástico segundo os ditames de Roma
e obrigada a reencontrar para si um novo lugar na sociedade, a Igreja
desde meados dos anos 1920 abandonaria a posição defensiva em
que se encontrava ante o avanço da laicização do Estado e a ideologia
do progresso inspirada no positivismo, para engajar-se, com um novo
espírito triunfante, na implementação da “restauração católica”.

Glossário
Padroado: união entre a Igreja Católica e o Estado, que permite
a intervenção deste nas decisões religiosas; em contrapartida, o
Estado se obriga a manter a fé católica como oficial e exclusiva
em seus domínios, ou seja, não permitindo o desenvolvimento de
outros grupos religiosos.
Positivismo: corrente filosófica surgida na França no começo
do século XIX. Para Auguste Comte, um de seus idealizadores, o
positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Advém
como desenvolvimento sociológico do iluminismo, tendo como
grande marco a Revolução Francesa (1789). Em linhas gerais,
propõe à existência humana valores completamente humanos,
afastando radicalmente a teologia e a metafísica, daí suas tensões
e embates com o catolicismo.

50 | História do cristianismo III | FTSA


A inauguração da estátua do Cristo Redentor na cidade do Rio de Janeiro,
em 1931, e, dois anos mais tarde, a realização do II Congresso Eucarístico
Nacional representam o espírito militante com o qual, recorrendo à
tradição para solucionar suas longas décadas de crise, no mais puro
estilo conservador, o catolicismo atravessará as décadas de 1930 e 1940,
procurando dar corpo ao projeto de recriação de um “Brasil católico,
uma nação perpassada pelo espírito cristão”. Por isso, os “inimigos” da
Igreja Católica são, nesse período, o protestantismo e as religiões afro-
brasileiras, genericamente incorporadas pela designação de “espiritismo”,
ao lado do pensamento cientificista e da secularização que ameaçavam
a posição institucional e a hegemonia espiritual do catolicismo, num
Brasil “verdadeiramente cristão” (Montes, 2002, p.73,75,76).

Neste propósito, a década de 1930 assinalará acontecimentos


importantes pela força do seu simbolismo:

Em toda a década de 30, a Igreja Católica perseguirá o


objetivo de consolidar sua unidade em plano nacional,
através de uma centralização e coordenação da direção
episcopal e do apostolado dos leigos. Esta unidade
havia sido assegurada durante o período colonial pelos
mecanismos do Padroado, onde o Estado detinha
o controle da Igreja. O rei e depois o imperador eram
virtualmente o chefe da Igreja no país. Proclamada
a República em 1889 cria-se um vazio de poder, logo
História do cristianismo III | FTSA | 51
preenchido por Roma, quando fracassam as tentativas
dos bispos brasileiros de criarem seus próprios
mecanismos de articulação interna, guardando um
certo controle sobre a Igreja brasileira (Beozzo, 1986,
p. 293).

Desde os primeiros dias da República, o esforço institucional de busca


pela “unidade do povo católico” se daria pelo prevalecimento da força
do simbólico, centralizada em um elemento de devoção: “a 16 de julho
de 1930, o Papa Pio XI declara Nossa Senhora Aparecida Padroeira do
Brasil” (Beozzo, 1986, p.294). Passava-se, dessa maneira, do até então
padroeiro principal da nação, São Pedro de Alcântara – estabelecido
durante o Império e mantido mesmo após a entrada da República - para
uma representação oriunda dos estratos populares:

Saiba Mais:
A história de Aparecida

A história de Aparecida é singela. Tirada das águas do Paraíba


por pescadores encarregados do peixe para a comitiva do Conde
de Assumar, em viagem de São Paulo para Minas, em 1717, é
guardada na casa de Felipe Pedroso. Só em 1743, pede o vigário
de Guaratinguetá licença ao bispo do Rio de Janeiro para erigir
uma capelinha no local. [...] Aparecida pouco a pouco se tornaria
um dos santuários de maior devoção popular no país. É cultural e
socialmente significativo o fato de Aparecida não ter por origem
uma iniciativa diretamente episcopal ou clerical, assim como de
grupos dominantes, mas, ao contrário, ter sido encontrada enquanto
imagem por pescadores, que viviam do trabalho diário, abrigada
em casa de família e posteriormente numa capela tosca e humilde:
a imagem do primeiro oratório não pertencera a nenhum membro
da classe dos grandes proprietários e senhores de escravos, coisa
tão comum no Brasil colonial, onde as capelas eram construídas

52 | História do cristianismo III | FTSA


pelos senhores de engenho, de minas e de fazendas de gado ou
café. Não fazia parte daquelas invocações apropriadas por alguma
classe em particular ou algum grupo dominante, como era praxe
acontecer. Além do que, há de se considerar ainda o fato de aquela
pequena imagem retirada do rio ser de cor negra. Numa igreja
com presença predominantemente branca em sua membresia e
liderança, aquela representação teria o significado de identificação
e aproximação daqueles que por quase quatrocentos anos viveram
discriminados pela condição de escravos e pela cor da pele. Sendo
uma Virgem dos mais pobres podia ser uma Virgem de todos. A
população negra e mestiça, assim como a massa procedente
de estratos sociais populares, aflui no cumprimento de votos e
promessas a Aparecida, fato que representa uma interrogação
levantada à consciência católica acerca da força das crenças
populares, patrimônio cultural e espiritual de tais segmentos da
população duramente combatido ao longo de quase toda a história
do país (Beozzo, 1986, p.294, 295).

O estabelecimento de Aparecida como padroeira do Brasil também está


associado aos interesses políticos e econômico-sociais do período:

Aparecida serviu muitas vezes na história mais recente


do país como um imenso capital espiritual e social
acumulado pelo apego e fidelidade do povo à Mãe de
Deus, utilizado finalmente em benefício dos interesses
da hierarquia eclesiástica e da ideologia das classes
dominantes. Em épocas de duros embates ideológicos,
Aparecida foi apresentada como a melhor barreira
à penetração do comunismo no Brasil, a palavra
comunismo servindo o mais das vezes de fachada à
reação das classes dominantes a reformas e mudanças
necessárias para a sobrevivência do próprio povo
(Beozzo, 1986, p.295).
História do cristianismo III | FTSA | 53
Glossário:
Aparições de Maria: o catolicismo acredita em teofanias de Maria,
ou seja, que a mãe de Jesus tenha aparecido em diversos lugares,
em diferentes épocas históricas, para trazer mensagens aos seus
devotos. Assim, acredita-se que apareceu pela primeira vez em
Éfeso, no século V, ao bispo Epifâneo; em Lourdes, na França; em
Fátima, Portugal; Guadalupe, no México; Aparecida, no Brasil, onde
a cor negra da imagem representaria sua identificação com os
afrodescendentes numericamente expressivos no país.
Teofania: palavra que tem origem na combinação de duas palavras
gregas, theos, que significa “Deus”, e phainein, que significa
“mostrar” ou “manifestar”; portanto, literalmente teofania significa
“manifestação de Deus”, ou de alguma forma de divindade.

É necessário considerar o fato de que Aparecida se situa no Vale do


Paraíba paulista, num momento da história nacional em que a hegemonia
econômica havia se transferido do Norte açucareiro e da mineração do
ouro nas Gerais, para o Sul cafeeiro, cujo primeiro berço de prosperidade
foi o Vale do Paraíba fluminense e paulista.

IMAGEM DA BASÍLICA DE APARECIDA

54 | História do cristianismo III | FTSA


Há igual interesse de manter uma identidade e uma unidade nacional em
torno de um símbolo religioso. Por isso mesmo, logo após a Revolução de
1930, houve uma grande concentração católica no Rio de Janeiro devido ao
deslocamento da imagem de Aparecida para uma homenagem na capital
da República perante o Governo Provisório em maio daquele mesmo ano:
No dia 31 de maio, chega a imagem conduzida de
Aparecida em trem especial pelo Arcebispo D. Duarte.
De tarde percorrerá em procissão as ruas do Rio até
a Esplanada do Castelo, onde na presença de imensa
multidão, do Presidente e do seu Ministério, do corpo
diplomático convidado pelo Itamarati, o cardeal
consagra o país à Virgem da Conceição Aparecida
(Beozzo, 1986, p.297).

Esse evento religioso estava, entretanto, carregado de repercussões


políticas:
O país refazia-se mal do abalo terrível provocado pela
Revolução de 1930. Germens de discórdia política
e surdos perigos ameaçavam aquele momento. A
fisionomia da República Nova – como se intitulara
o regime instaurado pela Revolução – mantinha-se
enigmática, numa época em que a ideia comunista
fermentava nos países da América. Não se podia prever
o que o futuro reservava para o Brasil. De qualquer
modo, haveria uma renovação nos moldes políticos e
legislativos, em que a Igreja deveria influir, em nome
da imensa maioria católica do país. Uma grande
concentração de elementos católicos na Capital da
República, em momento assim decisivo, valeria por
uma demonstração de força moral, perante os poderes
públicos ainda hesitantes entre correntes diversas. E
valeria ainda como uma oportunidade de despertar a
consciência católica aos seus deveres cívicos (Rosário,
1962, p.227,228).
História do cristianismo III | FTSA | 55
Glossário:
Revolução de 1930: foi um movimento armado, liderado pelos
estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, insatisfeitos
com o resultado das eleições presidenciais e que resultou em um
golpe de Estado, o Golpe de 1930. O Este ato derrubou o então
presidente da república Washington Luís em 24 de outubro de
1930, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, marcando
assim o fim da República Velha.

Governo provisório: Chama-se governo provisório o período de


1930 a 1934, quando Getúlio Vargas governou o Brasil, após a vitória
da Revolução de 1930. Vargas, como líder articulador da revolução
de 1930, logo ficou incumbido da organização do novo governo,
que teria caráter provisório, cujo objetivo maior era desintegrar a
estrutura política oligárquica. O governo provisório teve fim quando
a nova Constituição foi aprovada em 1934, tendo sido eleito em
seguida Getúlio Vargas presidente em votação indireta realizada na
Assembleia Constituinte.

Quando da inauguração do Cristo Redentor no alto do Corcovado, em


que houve nova concentração popular, o presidente e todo o Ministério
também fizeram questão de marcar presença naquele ato:

O coro a favor de Vargas era engrossado também pela


Igreja Católica. Símbolo dessa aliança é a estátua do
Cristo Redentor, no Corcovado, inaugurada em 12
de outubro de 1931 com a presença de Vargas e do
Cardeal D. Sebastião Leme, o mesmo que atuara um
ano antes na destituição de Washington Luís (O Brasil
em sobressalto, 2002, p. 57,58).
Essas imbricações de interesses políticos e religiosos mereceriam o
destaque de Oswaldo Aranha – nomeado ministro da Justiça do Estado
Novo – expresso nas seguintes palavras:
56 | História do cristianismo III | FTSA
Quando chegamos do Sul, nós pendíamos para a
Esquerda! Mas depois que vimos os movimentos
religiosos populares em honra de Nossa Senhora
Aparecida e do Cristo Redentor, percebemos que não
podíamos ir contra o sentimento do povo (O Brasil em
sobressalto, 2002, p. 289).

Saiba mais:
As relações entre a Igreja Católica e o Estado Novo, do governo
Vargas
Em julho de 1939 destaca-se a reunião dos bispos para o Concílio
Plenário Brasileiro. O governo brasileiro oferece aos conciliares um
banquete no Palácio do Itamarati. Nos respectivos discursos de
representantes da igreja e do Estado, a tônica era a “colaboração
mútua”. Nesse sentido, vale destacar as palavras proferidas pelo
presidente Getúlio Vargas: “Apesar de separados os campos de
atuação do poder político e do poder espiritual, nunca entre eles
houve choques de maior importância; respeitam-se, auxiliam-se. O
Estado deixando à Igreja ampla liberdade de pregação, assegura-
lhe ambiente propício a expandir-se e a ampliar o seu domínio
sobre as almas; os sacerdotes e missionários colaboram com o
Estado, timbrando em ser bons cidadãos, obedientes à Lei civil,
compreendendo que sem ela – sem ordem e sem disciplina, portanto
– os costumes se corrompem, o sentido da dignidade humana se
apaga e toda a vida espiritual se estanca. Tão estreita cooperação
jamais se interrompeu; afirma-se, de modo auspicioso, nos dias
presentes e há de intensificar-se no futuro, mantendo a admirável
continuidade de nossa história” (Vargas, 1939, p.289,290).

No Concílio, realizado de 2 a 20 de julho de 1939, já se observam as


História do cristianismo III | FTSA | 57
preocupações dos bispos quanto aos problemas que ameaçavam mais
de perto a hegemonia da Igreja Católica naquele período, sobretudo nas
camadas mais populares. Por isso, ao longo dos debates internos, o
Concílio criou comissões que trabalhassem cuidadosamente três temas:
o protestantismo, o espiritismo, a questão social. Observa o historiador
católico Oscar Beozzo:

O protestantismo, até então um fenômeno ligado à


imigração alemã [...] luterano em sua doutrina e sem
espírito de conquista, vinha sendo rapidamente suplantado
pelo protestantismo das seitas norte-americanas, cuja
propaganda se intensifica depois dos anos trinta. Com o
seu individualismo acentuado, seu agudo senso do dever
no trabalho, seu entusiasmo pela Bíblia e a aceitação de
pastores vindos do povo miúdo, esse protestantismo
militante conseguia penetrar com facilidade nas novas
camadas populares, fruto do capitalismo industrial
dependente. A religião é o cosmopolitismo das classes
subalternas na ordem capitalista e aí o protestantismo
das seitas norte-americanas desempenha papel-chave
(Beozzo, 1986, p. 331).

Não obstante a condição de primazia oficialmente ostentada no Brasil,


cabe observar que a Igreja Católica possuía uma face de “distanciamento
do povo e do catolicismo popular”:

O processo de romanização do catolicismo brasileiro


entra em crise com as manifestações religiosas do povo,
que são consideradas supersticiosas, alienantes e vazias
de sentido. As implicações desse tipo de catolicismo se
fazem sentir nas celebrações litúrgicas, na ausência de
um projeto pastoral que considere a pluralidade cultural
brasileira (Ferreira; Delgado, 2003, p.98).
58 | História do cristianismo III | FTSA
EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 06
A respeito do catolicismo estabelecido no Brasil e sua simbologia,
a Igreja Católica, enquanto instituição, estava formalmente ligada
ao Estado até o final do Brasil Império no século XIX; união essa
conhecida como padroado. A partir da promulgação da primeira
Constituição Federal da República e, mais precisamente desde
meados dos anos de 1920, a Igreja Católica abandonaria a posição
defensiva a qual se encontrava ante ao avanço da laicização do
Estado e a ideologia do progresso inspirada no positivismo para
engajar-se na implementação da “restauração católica”. Por isso,
o catolicismo romano atravessou as décadas de 1930 a 1940
procurando dar corpo ao projeto de recriação de um “Brasil católico,
uma nação perpassada pelo espírito cristão”.
Podem ser considerados inimigos da Igreja Católica que
ameaçavam a posição institucional e a hegemonia espiritual do
catolicismo neste período histórico?
I. O protestantismo / II. As religiões afro-brasileiras /
III. O pensamento cientificista / IV. A secularização
V. O espiritismo e o padroado
Assinale a alternativa correta:
a) somente as alternativas I, II e III estão corretas
b) somente as alternativas I, II e IV estão corretas
c) somente as alternativas II, III e V estão corretas
d) somente as alternativas I, II, III e IV estão corretas
e) todas as alternativas estão corretas

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!
História do cristianismo III | FTSA | 59
2. O comportamento político e social do catolicismo
brasileiro
A partir de 1964, com a instauração no Brasil do regime civil-militar de
governo, a Igreja Católica, que marcara sua relação com o Estado por
um movimento ambíguo e pendular – quer de apoio e colaboração, quer
de crítica diante de antagonismos e entraves mais agudos, é compelida
a redefinir posições, começando por sua própria estruturação interna.
Inicialmente, houve divergência entre a cúpula da Igreja, na avaliação
do golpe. No final do mês de maio daquele ano, a Comissão Central
da CNBB emitiu pronunciamento extremamente cauteloso e ambíguo.
A violência das inúmeras punições pelo governo militar fez que o
colegiado episcopal assumisse em um documento oficial duas posições
aparentemente contraditórias: procurava, por um lado, reafirmar sua
aliança com o Estado, apoiando a ação militar que “arrancou o país do
comunismo”, que deveria continuar para “consolidar a vitória, mediante
o expurgo das causas desordem”; por outro, lembrava a necessidade de
que os acusados não fossem punidos pela força e tivessem o direito
à defesa, pois a restauração da ordem social não viria “apenas com a
condenação teórica e a repressão policial do comunismo”. O apoio ao
Estado ocorre em nome da luta contra o avanço comunista no país. Na
mensagem da CNBB declaram os bispos que estão “prontos a prestigiar,
acatar e facilitar a ação governamental”, mas não silenciando “a voz a
favor do pobre e das vítimas da perseguição e da injustiça” (Declaração
da comissão central da CNBB, p.1964, p.491). Conflitos e desgastes de
relacionamentos, porém, se seguiram.

Saiba Mais:
A Igreja Católica e o Governo Militar
No primeiro aniversário do golpe militar, D. Hélder Câmara se
negou a celebrar a missa comemorativa, alegando o caráter
político do ato de exclusiva competência do governo militar e não

60 | História do cristianismo III | FTSA


da igreja. Novas repercussões se deram no segundo aniversário,
quando se reeditou o mesmo argumento do religioso. Uma outra
situação de conflito entre a igreja e o governo foi provocada pela
proibição, em julho de 1966, da realização em Belo Horizonte, do
28.º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Sob a
alegação de que o referido órgão de representação nacional dos
estudantes universitários fora extinto, a polícia federal proibiu
aos hotéis da capital mineira que recebessem os congressistas.
Dominicanos, franciscanos e monjas beneditinas se solidarizaram
com os membros da UNE, abrigando-os em suas casas religiosas e
permitindo assim que o congresso previsto se realizasse. Nos anos
de 1967 e 68, os conflitos entre Igreja e Estado se multiplicariam na
medida mesma em que “a nova ordem estatal escalava o caminho
da direita e da força e voltava contra a sociedade o rosto do terror”
(Fausto, 1986, p. 375, 376).

Em 1968, quando o governo promulgava o AI-5, armando o Estado


com o seu “instrumento mais discricionário”, a Igreja Católica se reunia
em Melellín, com a presença do Papa Paulo VI, definindo posições de
vanguarda da Igreja, que se tornavam oficialmente linhas básicas de
ação: a opção pelos pobres e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Na década de 70 aprofunda-se o conflito entre a Igreja


e o Estado que se manifesta de maneira multiforme, em
níveis variados da estrutura hierárquica, tanto do Estado,
como da Igreja. As mudanças do catolicismo, apoiando
movimentos de emancipação de categorias sociais
excluídas e defendendo os direitos humanos contra o
arbítrio e a violência do Estado autoritário e ditatorial,
parecem ocorrer de modo gradual, prosseguindo em
ritmo irregular, mas seguindo tendência coerente
(Fausto, 1986, p. 377).
História do cristianismo III | FTSA | 61
Sobretudo a partir da década de 1960, observam-se inquietantes clamores
das massas e apelos da sociedade por melhores condições de vida. O
catolicismo apresentará, então, setores preocupados em estabelecer
maior proximidade com este quadro social. Com tal propósito, convocado
pelo papa João XXIII, ocorrerá o Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965.

Glossário:
Regime de governo civil-militar: foi instaurado no Brasil a partir de
um golpe civil-militar deflagrado em 31 de março de 1964, em que
foi deposto o presidente da República João Goulart. Esse regime
de governo durou cerca de 20 anos no País, encerrando-se em 15
de março de 1985, quando José Sarney assumiu a presidência da
República, tendo sido eleito pelo voto indireto.

AI 5: O Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5, foi um decreto


emitido pela ditadura militar no Brasil durante o governo de Artur
da Costa e Silva, em 1968. O AI-5 é entendido como o marco que
inaugurou o período mais sombrio da ditadura e que concluiu
uma transição que instaurou de fato um período ditatorial no
País, marcado por cassações políticas, repressões, controle de
pensamento e conduta.

Vaticano II: Concílio Ecumênico da Igreja Católica, convocado


pelo Papa João XXIII. Durou de 1962 a 1965, encerrando-se já
sob o papado de Paulo VI. Representou grande abertura na Igreja
Católica, com destaque para: participação do leigo na liturgia e nas
diversas pastorais da igreja; leitura da Bíblia no vernáculo, assim
com a realização de missas não mais em latim, mas na língua
do povo; teologia contextual voltada sobretudo às camadas mais
pobres da sociedade.

Buscava-se uma posição de abertura, diálogo e articulação. O Concílio


inspirou, assim, novos desenhos para o catolicismo, marcado por uma
busca de diálogo com os novos desafios do mundo contemporâneo.
62 | História do cristianismo III | FTSA
Produzem-se documentos que chamam a atenção para o agravamento
das desigualdades sociais. Sob o impulso conciliar, os bispos brasileiros
traçam um plano pastoral nas diversas regiões e dioceses do Brasil,
realizando-se cursos, conferências e seminários com o objetivo de
divulgar uma nova mentalidade religiosa de aproximação com o povo.
Há maior abertura para os leigos e renovações litúrgicas.

Sob inspiração do Vaticano II também se articula no período subsequente


a Teologia da Libertação.

Saiba Mais:
A Teologia da Libertação
Assim, abraçando-se a “opção preferencial pelos pobres”,
empreendem-se esforços na organização de Comunidades Eclesiais
de Base, a Igreja Católica promove uma revisão autocrítica de sua
própria história, procurando redescobrir ou reinventar sua vocação
com base em uma releitura de sua atuação do “ponto de vista do
povo”. Essa proposta de maior envolvimento social e político procura
levar o fiel a uma conduta mais voltada para a dimensão pública que
para a interioridade da fé na vida privada. Esse processo, porém,
levaria o catolicismo a pagar um preço:

Longe da vida pública, da política e de compromisso


com os pobres e suas causas sociais, uma grossa
massa de fiéis, ricos assim como pobres, não mais
se reconheceria nessa nova Igreja, vista por muitos
como incapaz de lhes fornecer respostas quando
as exigências da fé não encontravam equivalência
necessária no plano da política, como ao precisar de
conforto diante das agruras da dor íntima, da perda
pessoal ou da carência espiritual, no âmbito da vida
privada (Boff, 1993, p. 78).

História do cristianismo III | FTSA | 63


O sacerdote peruano Gustavo Gutierrez que desenvolve um articulado
trabalho com estudantes universitários e será um dos principais
expoentes e articuladores desta maneira de pensar a teologia, declara:

A Teologia da Libertação é uma tentativa de compreender


a fé a partir da práxis histórica, libertadora e subversiva
dos pobres deste mundo, das classes exploradas, das
raças desprezadas, das culturas marginalizadas. Ela
nasce da inquietante esperança de libertação (Campos;
Gutierrez, p.58).

Procurando implementar as diretrizes da primeira sessão do Concílio


do Vaticano II, as Conferências do Episcopado Latino-Americano de
Medellín, em 1968, e de Puebla, em 1979, levaram bispos brasileiros a
uma profunda mudança no discurso perante a realidade social, em seus
posicionamentos políticos e em sua própria estrutura organizacional.
Essa nova perspectiva de reflexão favoreceu a organização de uma
pastoral popular. Os leigos puderam, então, assumir maior participação
de liderança na igreja. Desenvolveram-se as Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), que congregavam grupos e movimentos.

Saiba Mais
As Comunidades Eclesiais de Base

As CEBs, na década de 1970, multiplicam-se em diversas regiões


do país. Através de círculos bíblicos promoviam-se reflexões
das situações concretas da vida. A troca de experiências dos
participantes era uma forma de socializar os problemas e os
questionamentos de cada um, em sintonia com desafios da
história presente. Há, assim, uma intensificação entre religião e
vida cotidiana, colocando nas manifestações religiosas situações

64 | História do cristianismo III | FTSA


básicas: a família, o trabalho, o bairro, a cidade e seus desafios
prementes. Em síntese, a Teologia da Libertação, ultrapassando
o conhecimento doutrinário apenas, propõe-se a oferecer
fundamento teológico às práticas da comunidade. Acredita na
formação de uma consciência política que torne o cristão um
agente/sujeito engajado no propósito de estabelecer novos rumos
para a história na qual está inserido. Para tanto seria necessário
estabelecer uma rede de relações com sindicatos, associações e
os diversos movimentos populares. Assim, não apenas o religioso,
mas a articulação política seria um caminho obrigatório a fim de
alcançar a tão sonhada libertação.

O agravamento das condições sociais de vida no mundo urbano – marcado


pela violência, desemprego, falta de saúde, moradia etc. – passava a exigir
cada vez mais respostas imediatas, que não podiam esperar pelo processo
demorado de engajamento social objetivando uma possível transformação
da sociedade pelas mediações políticas. Ruben Oliven (1984), em análise
sobre tal período, estabelece uma relação que ocorreu entre a urbanização
e um declínio gradual do catolicismo entre a população urbana, ao passo
que se observa a ascensão de outros segmentos populares não católicos.
Nesse contexto, marcado pelo “estado de ignomínia”, “pauperismo” e
“fome”, e desencadeador de um crescente “desespero” por parte das
massas, cria-se espaço para maior operosidade de outras organizações
religiosas (Ferreira; Delgado, 2003, p.362).

No ano de 1955, reuniu-se no Rio de Janeiro a I Conferência Geral do


Episcopado Latino-Americano (CELAM), a qual apontou os “mais
graves inimigos do catolicismo na América Latina: o protestantismo,
o comunismo, o espiritismo e a maçonaria” (Fausto, p.360). No ano de
1957, o papa Pio XII, falando ao II Congresso Mundial para o Apostolado
dos Leigos, lembrava a urgência da formação de apóstolos leigos “para
suprir a falta de padres na ação pastoral” e fazer frente aos “quatro
História do cristianismo III | FTSA | 65
perigos mortais” que ameaçavam a Igreja na América Latina: “a invasão
das seitas protestantes; a secularização da vida toda; o marxismo, que
nas universidades se revela o elemento mais ativo e tem nas mãos quase
todas as organizações de trabalhadores; e finalmente, um espiritismo
inquietador” (Pio XII, 1975).

Glossário:
Espiritismo: o espiritismo kardecista se identifica como uma
doutrina religiosa, filosófica e mediúnica, codificada pelo pedagogo
francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que usava o pseudônimo
Allan Kardec. Ele criou o termo “espiritismo” em 1857 e o definiu
como “a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e o
ensino dos espíritos”.

Marxismo: Entendido como conjunto de ideias filosóficas,


econômicas, políticas e sociais elaborado pelos alemães Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) em meados
de 1848. Suas ideias se espalharam pelo mundo e influenciaram
intelectuais de todas as áreas do saber ao longo dos séculos XIX
e XX. A teoria marxista considera o trabalho como um conceito
chave da sociedade. Desta forma, a história da humanidade seria
marcada em grande medida pela tensão entre os donos dos meios
de produção e quem apenas poderia realizar a tarefa. Desse modo,
a luta de classes seria uma espécie de “motor da história”.

Saiba Mais
A Maçonaria
O termo maçon, em francês, significa pedreiro, construtor.
Considera-se que a maçonaria tenha origem com as corporações
de ofício, surgidas na Idade Média, vinculadas a pedreiros ou

66 | História do cristianismo III | FTSA


construtores. Época de grandes construções em pedra – como
castelos e catedrais - os saberes de construção eram guardados
em segredo entre os membros das corporações de ofício, espécie
de irmandade com filiados – um tipo de embrião dos modernos
sindicatos. Desenvolveu-se a partir daí em uma sociedade fraternal,

que mantém ritos secretos de iniciação, com um ideário filosófico de


“liberdade, igualdade e fraternidade”. Historicamente, a maçonaria
tem exercido grande influência política e jurídica. A organização
teve forte influência nos bastidores da Revolução Francesa,
na independência dos Estados Unidos. No Brasil participou
decisivamente da abolição da escravatura, da Independência e da
proclamação da República. Estruturados em células autônomas,
designadas por oficinas ou lojas, os maçons possuem diferentes
filiações ideológicas de pertencimento, mantendo como
característica comum em todas as ordens a ajuda mútua entre os
membros de sua irmandade.

Em abril de 1962, reunidos no Rio de Janeiro, os bispos católicos discutiram


e votaram, inclusive, um “Plano de Emergência”, o qual destacava que o
campo de ação do catolicismo no Brasil se achava “trabalhado por forças
adversas”. No documento elaborado, retomavam a fala de Pio XII:

Aplica-se ao Brasil o que disse o Santo Padre quanto


a quatro perigos mortais para a América Latina: o
naturalismo que leva até cristãos a não terem, muitas
vezes, a visão cristã de vida; o protestantismo que tenta
entre nós seu esforço máximo de expansão e se acha,
de fato, em maré montante; o espiritismo cuja difusão,
nas grandes cidades, nos meios de miséria, tem ares
de endemia; o marxismo que empolga as Escolas
Superiores e controla os Sindicatos Operários (Câmara,
1962, p.3).
História do cristianismo III | FTSA | 67
Saiba mais
Declínio da hegemonia católica
Um olhar mais atento sobre os últimos censos brasileiros mostra
uma progressiva redução do número daqueles que professam a fé
católica. Cândido Procópio Camargo, por exemplo, em sua clássica
análise sobre os censos de 1940, 1950 e 1960, já havia chamado
a atenção para essa “tendência geral para um declínio moderado,
mas constante, de adeptos da Igreja Católica”. Mas foi sobretudo
a partir dos anos 80 que a porcentagem de católicos experimentou
um declínio cada vez mais acentuado: 90% da população em 1980;
83,3% em 1991; e 73,8% em 2000, quando os evangélicos já que
atingiam índices acima de 15,4% da população brasileira. A Igreja
Católica passou a perder “o seu caráter definidor hegemônico da
verdade e da identidade institucional no campo religioso brasileiro”.
Dessa forma, o avanço e a pronta penetração de um protestantismo
agressivo, como da propagação popular do espiritismo e da
umbanda, obrigariam os bispos católicos a levar em consideração
aspirações populares e reformular seu modo de atuação. Neste
período, o Vaticano se mantém bastante vigilante. Em relação ao
espiritismo, a Igreja Católica manteve sua posição institucional de
combate ao que entende ser práticas de heresia e ameaçadoras
à “verdadeira fé”. Assim, os bispos reagem tanto em relação ao
kardecismo de importação, principalmente norte-americana,
quanto à eclosão de cultos afro-brasileiros que emergem cada
vez mais com autonomia no campo religioso brasileiro. Desde que
surgiu no Rio de Janeiro, na década de 1920, e já nas décadas de
1930 e 1940, a umbanda começava a se disseminar pelo tecido
urbano mais moderno do país, o das cidades grandes da região
mais desenvolvida, o Sudeste. (Teixeira, 2005, p.16,17).

68 | História do cristianismo III | FTSA


EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 07
A partir da década de 1960, observam-se inquietantes clamores
das massas e apelos da sociedade por melhores condições de
vida. O catolicismo apresentará, então, setores preocupados em
estabelecer maior proximidade com este quadro social. Com tal
propósito, convocado pelo papa João XXIII, ocorrerá o Concílio
Vaticano II, de 1962 a 1965.
Sobre a grande abertura, diálogo e articulação na Igreja Católica
que o Concílio Vaticano II representou, é correto afirmar que:
I) Houve maior participação do leigo na liturgia e nas diversas
pastorais da igreja.
II) Realização de missas não mais em latim, na língua do povo.
III)A busca de diálogo com os novos desafios do mundo
contemporâneo.
IV) Teologia contextual voltada sobretudo às camadas mais pobres
da sociedade.
V) A produção de documentos que chamam a atenção para o
agravamento das desigualdades sociais.
Assinale a alternativa correta:
a) somente as alternativas I e III estão corretas
b) somente as alternativas II e IV estão corretas
c) somente as alternativas III e V estão corretas
d) somente as alternativas I, II, III e IV estão corretas
e) todas as alternativas estão corretas

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!
História do cristianismo III | FTSA | 69
É possível identificar neste contexto, um caminho que se abriu a novas
configurações religiosas no cenário religioso brasileiro e que se tornou
uma opção sedutora a esse contingente de fiéis, como destaca Montes:
“Sentindo-se abandonados à própria sorte, muitos deles se bandearam
para o lado do protestantismo então em plena expansão e das religiões
afro-brasileiras (...)” (2002, p.79). No afã de tentar manter controle sobre
o campo religioso brasileiro, o catolicismo lançou mão de todas as
estratégias possíveis para impedir que seus fiéis fossem atraídos para
o protestantismo, não importando qual ramificação ou tipologia a ele
pertencente. Não obstante os esforços de controle, a busca por outras
formas de fé cristã seria algo inevitável, como passaremos a ver a seguir.

3. O Protestantismo na América Latina no século XIX1


O protestantismo demorou para se inserir na América Latina e,
particularmente, Brasil, vindo a obter tal êxito somente no século XIX.
Portanto, foram três séculos de ausência ou de contatos apenas
ocasionais ou esporádicos com este lado do continente americano.

Quais as razões para essa demora ou inserção tardia? Podem ser


apontados alguns fatores.

Primeiro, por razões políticas: pelo regime de padroado, Espanha e Portugal


estavam aliançados com a Igreja Católica, ou seja, fazia parte do acordo
entre poderes prezar pela exclusividade da fé católica. O protestantismo,
surgido no século XVI, tornou-se também religião estatizada e, com isso,
sua presença passou a ser vigiada no sentido de impedir sua presença
em território de domínio católico. Em outras palavras, o protestantismo
representava também ameaça à unidade política.
Segundo, por razões econômicas: havia disputa entre as nações pelo
controle de cobiçados mercados nascentes, especialmente do açúcar,
mineração e outras matérias-primas. Neste sentido, a América Latina logo
despertou os olhares de nações concorrentes, daí Espanha e Portugal
estabeleceram rigorosa vigilância sobre as fronteiras que haviam
1
Item desenvolvido com a colaboração do prof. Jonathan Menezes (2016).
70 | História do cristianismo III | FTSA
delimitado, fato que indiretamente repercutiu na questão religiosa, visto
que vários países da Europa estavam aderindo ao protestantismo.
Terceiro, havia um ideal católico de reconstruir no Novo Mundo uma
cristandade sem as dilacerações europeias, ocasionadas pelo impacto
das críticas advindas com o protestantismo em relação aos dogmas
e sistema de poder católico (Bastian, 1992, p. 472). Neste propósito, a
presença da Contra-Reforma em terras latino-americanas representou
ao longo do período colonial uma verdadeira cruzada do catolicismo
contra a “heresia” protestante. Os tribunais da Inquisição foram inclusive
transportados para esse Novo Mundo, com os primeiros julgamentos de
práticas consideradas heréticas ocorrendo já a partir de em 1568. Como
parte desta vigilância, foi disseminado o índex, oficialmente criado no
Concílio de Trento, com a função de vigiar a circulação de literaturas que
não estivessem harmonizadas com os dogmas católicos; aí se incluía a
atenção especial com as Bíblias protestantes e demais textos que estes
produziam. Ou seja, cultivou-se uma ideologia anti-protestante e anti-
estrangeira (Bastian, 1992, p.473).
Na América Portuguesa (Brasil), durante o período colonial, os
colonizadores portugueses estabeleceram em solo brasileiro uma espécie
de monopólio religioso, procurando impedir a entrada de estrangeiros que
não professassem a fé católica. Nesse período, o Tribunal do Santo Ofício,
por meio das conhecidas “visitações”, agia com rigor para extirpar qualquer
prática religiosa que fosse caracterizada “heresia”. Gilberto Freyre registra
que em tal época “todo navio que entrava num porto brasileiro recebia a
bordo um frade capaz de examinar a consciência, a fé e a religião de um
recém-chegado. O que barrava um imigrante naqueles dias era a ortodoxia
[...] a possibilidade de ser herético” (Freyre, 1933, p. 237).
Este controle e restrições seriam rompidos de forma definitiva a partir do
século XIX, quando o protestantismo conseguiu finalmente se estabelecer
com igrejas, práticas de culto e outros projetos em solo latino-americano.
Na Argentina, o protestantismo se estabeleceu em 1820, por meio
de imigrantes europeus Escoceses, membros da Igreja Batista. A
História do cristianismo III | FTSA | 71
partir de 1825, os metodistas também se estabeleceram, tendo
como principal estratégia a distribuição de Bíblias, com auxílio das
Sociedades Bíblicas Britânica e Norte Americana. A Argentina,
historicamente, tem forte presença europeia em sua colonização,
aspecto que facilitou o contato com as nações protestantes.
No Uruguai, os metodistas foram os primeiros a se estabelecer,
a partir de 1821, pela liderança do missionário Diego Thomson.
Os Valdenses italianos chegaram em 1856, conseguindo grande
crescimento entre a colônia italiana, atingindo em 1867 o total de
16.000 membros. Mas no transcorrer do tempo, “O protestantismo
no Uruguai não teve o mesmo êxito que em outros países...
[atualmente] mais concentrado nas igrejas pentecostais e
mórmons. O Uruguai continua sendo um país predominantemente
secular” (Deiros, 1992, p.399).
No Paraguai, houve demora na inserção protestante devido aos conflitos
políticos que desencadearam a guerra da Tríplice Aliança, formada por
Brasil, Uruguai e Argentina. Foi um conflito armado ocorrido entre os
anos de 1864 e 1870. Somente em 1886 é que dois pastores metodistas
iniciaram o seu trabalho em Assunção, tendo como estratégia a
educação. Destacou-se, posteriormente, a presença do Exército de
Salvação, com seu trabalho assistencial e humanitário. Os menonitas,
procedentes do Canadá, conseguiram expressivos resultados em seu
trabalho missionário a partir do final do século XIX.
Na Bolívia, somente em 1905 é que o país garantiu a liberdade de
culto. Tentativas no XIX não obtiveram resultados permanentes.
Metodistas e batistas foram os pioneiros a se estabelecer.
Atualmente, há um crescimento expressivo do neopentecostalismo,
destacando-se Igreja Universal do Reino de Deus. O contexto
econômico premente contribui para boa receptividade da
mensagem com este perfil.
No Chile, em 1821, o missionário batista Diego Thomson visitou o
país. Também houve a presença de imigrantes anglicanos e luteranos,
a partir de 1846, totalizando cerca de 7.000 integrantes. Metodistas
fundaram escolas em 1877. O trabalho desta denominação foi
72 | História do cristianismo III | FTSA
promissor em Valparaíso. Mais tarde, inclusive, entre os metodistas,
irá nascer a primeira igreja Pentecostal da América Latina, conhecida
como Igreja Metodista Pentecostal, fundada em 1909.
No Peru, “Já na segunda metade do século XVI, a Inquisição havia
condenado vários protestantes no Peru, mas todos eles eram
estrangeiros” (Deiros, 1992, p.421). No século XIX, destacou-se um
trabalho de distribuição de Bíblias por metodistas, cujos melhores
resultados só foram obtidos ao final daquele século.
Na Colômbia, os primeiros protestantes a se estabelecer foram
imigrantes de maioria anglo-saxã e negros de cultura inglesa.
Em 1877, a Igreja Presbiteriana fundou o Colégio Americano de
Bogotá, e, posteriormente, outras instituições sociais. O trabalho
se notabilizou principalmente na área de educação.

Exercício de Reflexão - 08
O protestantismo demorou para se inserir na América Latina, e
somente no século XIX é que obteve êxito no Brasil.
Faça uma reflexão utilizando, no mínimo 200 palavras, apontando
as principais razões pelas as quais houve essa demora ou inserção
tardia do protestantismo na América Latina/Brasil.

4. O Protestantismo no Brasil a partir do século XIX2


No Brasil, de acordo com Antônio Gouvêa Mendonça e Prócoro
Velasques Filho (1990), o que chamamos de protestantismo
brasileiro na verdade são vários protestantismos. Não veio da
Europa, mas dos EUA, cujo protestantismo possuía raízes na
Reforma Inglesa e nos chamados avivamentos do século XVIII.
Esse protestantismo se insere no Brasil: primeiro, como resultado
do fluxo migratório do começo do séc. XIX; segundo, em função
da grande explosão missionária mundial naquele século, que ficou
conhecido como “O grande século das missões mundiais”.

2
Item desenvolvido com a colaboração do prof. Jonathan Menezes (2016).
História do cristianismo III | FTSA | 73
Um aspecto histórico decisivo no contexto brasileiro deu-se no início do
século XIX: em 22 de janeiro de 1808, chegava a Salvador a família real
portuguesa, em busca de refúgio frente à ameaça de invasão napoleônica
em seu território europeu. Pouco tempo depois, a corte portuguesa
seguiu para a cidade do Rio de Janeiro, onde estabeleceu sua residência
e base administrativa. Com esse episódio, o Brasil deixaria de ser apenas
uma colônia portuguesa, adquirindo um novo estatuto político, o de
Reino Unido, fato que iria modificar substancialmente tanto sua relação
com outras nações, sobretudo com os ingleses protestantes, como seus
arranjos sociais internos. Era o início de um novo capítulo na história da
religião no país. Já em 25 de novembro do mesmo ano, D. João VI emitiu
um decreto garantindo a todos os imigrantes considerados aceitáveis,
“independente de nacionalidade e religião”, condições atrativas de
trabalho em solo brasileiro. Um pouco mais tarde, em 19 de fevereiro
de 1810, registra-se a celebração do Tratado de Aliança e Amizade e
Comércio e Navegação com a Inglaterra, abrindo com isso os portos “às
nações amigas”, permitindo que protestantes anglo-saxões começassem
a chegar e se estabelecer no Brasil com relativa liberdade para suas
práticas religiosas. Pela primeira vez o controle hegemônico institucional
da Igreja Católica seria modificado, permitindo que o campo religioso
brasileiro ganhasse um novo estatuto em relação à fé protestante.

Assim, permitiu-se que protestantes que viessem ao país a trabalho,


especialmente no comércio, pudessem aqui praticar a sua fé dentro de
alguns limites que o próprio acordo estabelecido prescrevia, tais como: não
realização de cultos na língua portuguesa, não construção de templo com
semelhança aos templos católicos, não proselitismo dos cristãos católicos
etc. Mesmo com tais restrições, houve algum contato de brasileiros com
a fé reformada, pois vieram capelães para auxiliar espiritualmente os
marinheiros, os quais, além de realizarem cultos no interior dos navios,
também se encarregavam de distribuir algumas literaturas evangélicas.
Ainda que fosse esta uma pequena mudança, na verdade já representava
uma grande diferença em relação a períodos precedentes.

Uma política de incentivo à imigração permitiu que mais de dois mil


74 | História do cristianismo III | FTSA
imigrantes provenientes do cantão de Friburgo se estabelecessem, em
1819, nas proximidades da cidade do Rio de Janeiro, onde fundaram a
colônia de Nova Friburgo. Grande parte dos imigrantes, principalmente os
de origem germânica, professava a fé reformada, fato esse que provocou
novos debates acerca da questão religiosa no Brasil, especialmente
quanto à legislação envolvendo casamento, registro de crianças e
sepultamentos em cemitérios públicos.

Saiba Mais:
O controle dos cemitérios no Brasil no século XIX
Até o século XIX, a Igreja Católica controlava os cemitérios no
Brasil; aliás, os cemitérios estavam instalados como terrenos
anexos aos templos ou capelas, em espaços urbanos ou rurais.
Membros de famílias mais importantes, assim como religiosos,
eram sepultados, inclusive, no interior dos próprios templos. De
acordo com o prestígio ou status social do falecido, tinha ainda
o privilégio de ficar mais próximo das imagens dos santos, dos
altares, em criptas localizadas debaixo do púlpito. Desse modo,
por ser um campo santo católico, para alguém ser sepultado em
tal geografia sagrada precisava ser batizado e receber o rito da
extrema-unção na hora da morte. Isso, evidentemente, impedia que
não católicos pudessem ser sepultados. Para os protestantes, a
solução foi a criação de seus próprios cemitérios, muitos dos quais
ainda espalhados em algumas cidades brasileiras.

História do cristianismo III | FTSA | 75


Com a Independência do país, as discussões religiosas ganharam maior
evidência na elaboração da primeira Constituição, em 1824. Muitos dos
parlamentares, de ideias liberais, defendiam maior abertura religiosa. E,
mesmo com forte oposição no Parlamento - porque dos 90 constituintes,
19 eram padres - e continuando a religião católica a ser a religião do
Estado e a única a ser mantida por ele, a Constituição reconheceu o Brasil
como nação cristã em todas as suas confissões, garantindo liberdade
religiosa, ainda que fossem mantidas algumas restrições, conforme se
observa no Artigo 5º da Constituição do Brasil, promulgada em 24 de
março de 1824:
A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser
a Religião do Império. Todas as outras religiões serão
permitidas com seu culto doméstico, ou particular em
casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior
de templo (Ferreira, 1992, p. 69).

ARTIGO 5º. DA CONSTITUIÇÃO DE 1824

76 | História do cristianismo III | FTSA


Saiba Mais:
A Maçonaria e o Protestantismo no Brasil
A maçonaria, já estabelecida no Brasil desde de 1802, quando
foi criada sua primeira loja em Salvador, na Bahia, teve um papel
importante no sentido de defender a presença protestante em
terras brasileiras. Isso porque a maçonaria, de influência francesa,
pregava o lema “igualdade, liberdade e fraternidade”. Sendo
oponente histórica do catolicismo, a maçonaria somou esforços
para que a hegemonia católica viesse a ser progressivamente
desconstruída no Brasil. Isto se deu por duas maneiras principais.
Primeiramente, cedendo no início os espaços de suas lojas/
templos aos protestantes – quando ainda não tinham seus próprios
templos – para que pudessem realizar seus cultos e reuniões,
criando assim maior proximidade entre maçons e protestantes.
Depois, quando da elaboração da Primeira Constituição, em 1824,
conforme já mencionado, muitos dos constituintes eram maçons;
o próprio imperador, D. Pedro I, que promulgou a Constituição,
também era maçon. Desse modo, houve pressão e predisposições
mais favoráveis para que protestantes pudessem ingressar, com
amparo legal, em maior número no país a partir daquela data. Essa
relação de proximidade entre protestantismo e maçonaria - somado
ao fato de que alguns protestantes que chegaram ao Brasil já eram
maçons - irá, posteriormente, gerar tensões e polêmicas entre os
evangélicos, ocasionando, inclusive, em divisões denominacionais.
No meio presbiteriano, em razão disto, surgiu a Igreja Presbiteriana
Independente (IPI), em 1903, tendo como um dos motivos principais
a questão da maçonaria. Os fundadores da IPI não aceitavam
a compatibilidade entre fé cristã e participação do crente na
maçonaria.

História do cristianismo III | FTSA | 77


LOJA/TEMPLO DA MAÇONARIA

Ainda em 1824, chegaram ao país grupos de imigrantes, de origem alemã,


que se estabeleceram principalmente na região sul do Brasil.

Mantiveram a sua religião de origem, o luteranismo,


mas, por serem um grupo étnico distinto, sofreram um
processo de marginalização cultural, o que limitou sua
influência sobre o conjunto da sociedade. Por muito
tempo não desenvolveram uma atividade proselitista,
pelo contrário, solicitaram à sua igreja de origem que
enviasse pastores para dirigir as novas comunidades.
(...) A igreja luterana começou a enviar pastores ao
Brasil para atender os imigrantes luteranos (Siepierski,
2003, p. 33, 34).

Os pastores se encarregavam de atender religiosamente os conterrâneos,


praticamente sem nenhuma pretensão de converter brasileiros à sua
fé, até porque havia grande preocupação em conservar a sua cultura
e tradição, daí o fato dos seus cultos e celebrações religiosas serem
realizados na língua alemã - o que dificultou ainda mais a aproximação
do contexto cultural brasileiro (Hahn, 1995).

78 | História do cristianismo III | FTSA


Saiba Mais:
A primeira tradução da Bíblia para a língua portuguesa
João Ferreira de Almeida nasceu em 1628, na cidade portuguesa
de Torre de Tavares. Educado num lar católico, converteu-se ao
protestantismo aos quatorze anos de idade. Ligou-se à Igreja
Reformada Holandesa e, mais tarde, partiu para o sudeste asiático
como missionário. Em Málaca (atual Malásia), iniciou a tradução
da Bíblia para o idioma português com base em versões latinas,
italianas e francesas derivadas dos originais em grego e hebraico.
Esta tarefa consumiu-lhe a vida, já que ao morrer, em 1691, ele
ainda estava no livro de Ezequiel, no Antigo Testamento – embora
o Novo Testamento já estivesse traduzido por ele desde 1677. A
tradução completa da Bíblia foi concluída três anos depois, pelo
pastor holandês Jacobus den Arrer. Os textos de Almeida foram
submetidos a uma série de revisões e correções por parte da
instituição à qual estava subordinado, antes de publicá-los – fato
que ocorreu somente em 1748, mais de meio século após sua
morte. (Eclésia, 2000, p.75)

Vale destacar que, a distribuição de Bíblias, pela Sociedade Bíblica


Britânica e Estrangeira, organizada em 1802, tornou-se um procedimento
estratégico onde o protestantismo encontrava barreiras legais. Por
isso essa estratégia também foi adotada no Brasil, através do trabalho
de colportores. A primeira versão da Bíblia na língua portuguesa foi
feita por João Ferreira de Almeida, no século XVIII, e isso contribuiu
diretamente para os primeiros empreendimentos evangelizadores do
protestantismo em solo brasileiro. Com esse propósito, em 1837 chegou
ao Brasil o missionário americano, metodista, Daniel Kidder, que viajou
extensamente pelo país fazendo distribuição de Bíblias. Como fruto
desse trabalho foi organizada uma Igreja Metodista, no Rio de Janeiro,
com aproximadamente 40 membros.
História do cristianismo III | FTSA | 79
Glossário:
Colportor: identificação que se dava aos missionários enviados
pelas sociedades Bíblicas europeias e norte-americanas, com
finalidade de propagar a fé protestante na América Latina, tentativa
esta que já havia sido feita, esporadicamente, e sem maiores êxitos,
por corsários protestantes, durante o período colonial.

Finalmente, a partir da segunda metade do século XIX, iniciou-se o


trabalho mais propriamente missionário, feito principalmente por norte-
americanos, período em que também começam a ser organizadas as
primeiras igrejas com a conversão de brasileiros à fé reformada.

5. As primeiras igrejas protestantes estabelecidas no


Brasil3
1. Anglicanos
Chegaram ao Brasil em 1810, com a abertura dos portos por meio do
Tratado de Livre Comércio e Navegação entre Portugal e Inglaterra.
Construíram no Rio de Janeiro o primeiro templo protestante no Brasil
(embora, àquela época, suas edificações não pudessem ter “formato” de
igreja, com torres e sinos, dado os limites do tratado).

Em 1898, missionários norte-americanos plantaram as primeiras


comunidades brasileiras da igreja Episcopal (ligada à comunhão
anglicana) no Rio Grande do Sul.

Essa denominação sofreu algumas divisões ao longo de sua história.


Desde a década de 1990, passou a se chamar Igreja Episcopal Anglicana
do Brasil (IEAB). Atualmente vive marcada por embates internos
(ortodoxia versus liberalismo).

3
Item desenvolvido com a colaboração do prof. Jonathan Menezes (2016)
80 | História do cristianismo III | FTSA
2. Luteranos
A igreja Luterana foi fundada em 1824 por imigrantes alemães, em
Nova Friburgo, RJ, e depois no Rio Grande do Sul, no vale Rio de Sinos,
comunidade que recebeu o nome de São Leopoldo (em homenagem à
Imperatriz Leopoldina).

Foi uma implantação pacífica e tranquila, pois vinha no bojo da


colonização alemã, sem intenções proselitistas. Em 1949 foi organizada
a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), independente
da igreja alemã.

Segundo Mendonça (1990, p. 28), dentre os protestantes, os luteranos


foram os que mais avançaram na identificação com os problemas
brasileiros (injustiça/ pobreza). No plano simbólico (litúrgico), se
situa entre o ritualismo católico e a total ausência de ritual dos demais
protestantes. Daí sua maior atração com a cultura brasileira.

3. Congregacionais
Obra pioneira do “protestantismo de missão” no Brasil, fundada no Rio de
Janeiro, em 1855, através do casal de missionários escoceses Sarah e
Robert Kalley. Inseriu-se no padrão missionário norte-americano por sua
natureza teológica – a mesma dos avivamentos dos EUA.

Inseriu a teologia simples e superficial dos avivamentos, fundada no


conversionismo da salvação individual. Sarah Kalley foi autora de um
livro de hinos – Salmos e hinos – em que prepondera a teologia do
pietismo. Mendonça (1990, p. 34) afirma que, através dos Salmos e
hinos, a teologia dos Kalley dominou e domina até hoje o protestantismo
de origem missionária.

No batismo, eles são híbridos: batizam por aspersão como presbiterianos


e metodistas, mas só na fase adulta, como batistas e pentecostais.

História do cristianismo III | FTSA | 81


Saiba Mais
Sobre o Pietismo
O movimento denominado pietista no século XVIII como um
“protesto contra o formalismo na doutrina, adoração e vida” (T.
Tappert). A chamada ortodoxia protestante, que veio logo após a
Reforma como intuito de sistematizar e normatizar o pensamento
reformado, só fez aumentar a separação entre intelecto/ experiência
e mística/emoções. Logo, o pietismo veio para ressaltar o lado
subjetivo da religiosidade contra a exacerbação do objetivo. Na
ortodoxia havia certo desprezo pela ação missionária. As nações
“pagãs” estavam perdidas porque já haviam recebido a pregação
apostólica e a rejeitaram. Nada se poderia fazer por elas. Já os
pietistas sentiam o contrário: todas as “almas” humanas carecem
de salvação. O principal representante da teologia pietista foi Jacob
Spener (1635-1705) – influenciado por uma tradição anterior de
resistência ao cristianismo convencional – que escreveu o famoso
livro Pia desideria (1676), que acabou se tornando uma espécie de
confissão de fé do movimento.

4. Presbiterianos
Surgiram no Brasil em 1859, com a chegada do missionário norte-
americano Ashbel Green Simonton ao Rio de Janeiro. Denominação que
mais expandiu no séc. XIX, especialmente em São Paulo, com a grande
ajuda da pregação do ex-padre, convertido ao presbiterianismo, José
Manuel da Conceição. Atuaram em duas frentes: pela evangelização
conversionista e por meio da educação, fundando em 1870 a Escola
Americana (hoje Universidade Mackenzie), em São Paulo.

Foram marcados por um paradoxo: quanto ao governo da igreja, eram


calvinistas; já na teologia e pregação, eram mais metodistas, além de
fazer uso dos Salmos e Hinos.
82 | História do cristianismo III | FTSA
A liturgia é livre e discursiva; a pregação é moralista; a salvação se situa
no plano da ética negativa. Infiltrou-se principalmente entre cidadãos de
classe média (Mendonça, 1990, p. 37).

Saiba Mais
O trabalho missionário de Simonton
Nascido na Pensylvania, em 1833, educado em lar protestante,
Simonton decidiu dedicar-se ao trabalho pastoral quando estava
na conclusão do seu curso de Direito. Daí em diante, seguiu para a
Universidade de Princeton para estudar teologia e preparar-se para o
exercício de sua vocação religiosa. Aos concluir o seu curso de quatro
anos, decidiu dedicar-se ao trabalho missionário. Em novembro de
1858 apresentou-se à Junta de Missões, indicando o Brasil como o
campo missionário de sua preferência. Foi responsável pela criação
do primeiro seminário teológico protestante criado no Brasil,
nas dependências de uma Igreja Presbiteriana, a 14 de maio de 1867.
Os primeiros professores eram os pastores-missionários, todos de
nacionalidade estrangeira. A primeira turma foi constituída por três
alunos brasileiros, que receberiam toda a formação segundo a teologia
e os dogmas da igreja-mãe norte-americana. Já em seguida, os seus
dirigentes providenciaram para que chegassem ao Brasil livros que
comporiam a primeira biblioteca para estudos e pesquisas. Foi assim
que, em 1868, sob encomenda do missionário Ashbel Green Simonton,
fundador daquela escola, vieram não apenas obras teológicas, mas
também de Física e Astronomia. Além de matérias mais específicas
do campo teológico, como Grego e Homilética, os alunos também
tinham aulas de Álgebra, Aritmética, Inglês, Latim e Gramática
Portuguesa. Chamberlain ficou responsável pela coordenadoria de
ensino e o curso completo por ele elaborado tinha a duração de seis
anos. Pouco tempo depois, em 1888, ao se expandir para a região de
São Paulo, a Igreja Presbiteriana do Brasil estabeleceu outro seminário
teológico na cidade de Campinas. (Ferreira, 1959, p. 85)

História do cristianismo III | FTSA | 83


EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 09
Após o período de resistência, o protestantismo conseguiu,
finalmente, chegar ao Brasil. Isso ocorreu após a família real
portuguesa desembarcar em solo brasileiro, diante da ameaça de
invasão de Napoleão. Em novembro de 1808, D. João VI permitiu
a aceitação de todos os tipos de imigrantes, independente de
nacionalidade e religião e os primeiros protestantes puderam vir
ao Brasil.
Sabendo disso, quais eram as principais características dos
primeiros imigrantes protestantes?

a) Comerciantes e capelães de origem inglesa.

b) Missionários de origem norte-americana.

c) Comerciantes e missionários de origem holandesa.

d) Agricultores de origem francesa.

e) Nenhuma das alternativas acima.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

84 | História do cristianismo III | FTSA


5. Metodistas
Após tentativa frustrada em 1836, estabeleceram-se definitivamente no
Brasil em 1886, por meio dos missionários J. Newman, J. Ransom, J.
Koger e J. L. Kennedy. Seu crescimento foi lento no início, pois se fixaram
em cidades, onde a presença católica era marcante. Com o crescimento
das cidades e a influência de seus colégios, abriram-se portas para uma
burguesia em ascensão.

Do ponto de vista da tradição e teologia, os metodistas são mais


coerentes: mantém a tradição episcopal norte-americana e a teologia
avivalista arminiano-wesleyana. Carregam a pecha de “igrejas de
santidade”, passando pelo ideal de “santificação progressiva”, marcas
wesleyanas.

Algumas dissidências metodistas do exterior também se transferiram ao


Brasil no início do séc. XX: Igreja Holiness do Brasil, Igreja do Nazareno e
Igreja Metodista Livre.

6. Batistas
Iniciaram-se no Brasil por meio do trabalho dos missionários William
Bagby e Zacarias Taylor, em 1881, que se deslocaram ao País para
atender espiritualmente algumas famílias batistas, provenientes do Sul
dos Estados Unidos, que haviam se estabelecido na região de Santa
Bárbaro D’Oeste, interior de São Paulo. Dali, deslocaram-se à cidade de
Salvador, na Bahia, onde em 1882 fundaram oficialmente a primeira igreja
batista no Brasil. É um grupo que não se considera dissidente da Reforma.
Gostam de ser chamados de “batistas” simplesmente, não protestantes.

São extremamente denominacionalistas, não se vinculando a nenhum


organismo ecumênico ou de cooperação eclesial.

Como informa Mendonça (1990, p. 43), o crescimento dos batistas


deveu-se a uma série de fatores, dentre os quais estão:

História do cristianismo III | FTSA | 85


a) agressividade evangélica e anticatólica declarada;
b) prioridade dada à evangelização direta;
c) eclesiologia mais simples e informal;
d) ética rigorosa e radical, que estabelece padrões de identidade mais
seguros.

Sintetizando esse período que envolve a inserção do protestantismo


histórico no Brasil, ao longo do século XIX, pode-se dizer que, em
grande parte, reproduziram-se em solo brasileiro as diferenças
denominacionais das suas igrejas de origem, notadamente norte-
americanas. Permaneceram embates com a Igreja Católica até que,
finalmente, com a Proclamação da República, em 1889, e a promulgação
de uma nova Constituição, ficou estabelecida formalmente a separação
entre Igreja e Estado, garantindo legalmente a liberdade religiosa e
admitindo uma situação de pluralismo religioso. O catolicismo teve,
assim, de gradativamente ceder terreno a uma nova religião institucional:
o protestantismo. Porém, a fragmentação deste em diferentes grupos,
muitas vezes concorrentes entre si, introduzia um aspecto de fragilidade
na sua relação com a sociedade brasileira:

Ao longo do século XIX, anglicanos, luteranos, metodistas,


presbiterianos, batistas, congregações tradicionais do
chamado “protestantismo histórico” implantaram-se
pacificamente no Brasil, ganhando adeptos ao ritmo
da imigração estrangeira, núcleos junto aos quais se
enraizaram, e da formação de uma classe média urbana,
mas sem um crescimento que pudesse inquietar a
hierarquia católica (Montes, 2002, p.81).

Configurava-se, desse modo, uma diversidade e uma plasticidade no


campo religioso brasileiro, cuja dinâmica interna possibilitaria, mais
tarde, a gênese de movimentos mais agressivos, com maior impacto e
ressonâncias culturais em dimensões mais amplas, que serão os casos das
tipologias pentecostais, que passaremos a estudar na próxima unidade.
86 | História do cristianismo III | FTSA
EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO -10
Principalmente a partir da segunda metade do século XIX,
começou o estabelecimento de igrejas protestantes no Brasil. Até
o início do século XX já estavam presentes: anglicanos, luteranos,
congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas e outras
denominações. Podemos perceber com isso que a construção
do cenário protestante brasileiro é semelhante ao seu povo, isto é,
pessoas de diferentes origens e tradições compõem a sociedade
brasileira.
Quando pensamos na atualidade, como é possível lidar com essa
diversidade de denominações, lembrando também da nossa
diversidade étnica?
Assinale a única alternativa correta:
A) Cada denominação deve se fechar em seus dogmas particulares,
buscando não se contaminar com outras doutrinas.
B) É preciso saber dialogar com outras denominações, buscando
parcerias com quem é comprometido com o Reino de Deus e
participa do cumprimento da missão deste Reino.
C) Cada denominação deve dialogar apenas com outras que
pensam de modo semelhante, ou que tenham elementos étnicos
comuns, pois é isto que assegura a unidade da igreja.
D) Cada denominação deve esquecer sua tradição e desconsiderar
suas raízes históricas.
E) Nenhuma das alternativas acima.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

História do cristianismo III | FTSA | 87


Saiba Mais
Textos e autores polêmicos no protestantismo brasileiro
O protestantismo estabelecido no Brasil ao longo do século XX foi
marcado pela diversidade, em alguns casos reproduzindo tensões
e conflitos de seus países de origem. Algumas dessas tensões se
estenderam até o período mais recente, ocasionando embates,
medidas eclesiásticas de sanções e até o surgimento de novas
denominações. Assista o vídeo, a seguir, que apresenta exemplos
de textos e autores polêmicos. O objetivo principal é demonstrar,
sem apologia ou juízo de valor sobre estes textos e seus autores,
a diversidade de pensamento que caracteriza a igreja brasileira.
Quiçá, contribuir para que tenhamos mais tolerância em relação a
quem pensa ou crê de modo diferente daquilo que configura nosso
próprio ponto de vista. O mundo contemporâneo precisa de mais
pontes e menos trincheiras.

Considerações finais
Finalizando esta unidade, vale ressaltar que o protestantismo inserido
definitivamente na América Latina e no Brasil, a partir do século XIX,
representou não apenas uma outra visão teológica ou doutrinária de
cristianismo em relação àquele implantado pelo catolicismo, mas
sobretudo de impacto social por meio da educação, com abertura de
escolas, por meio da criação de hospitais, atendendo a uma população
desassistida neste setor, implementação de novos valores que ajudaram
a romper com hegemonia católica em termos de pensamento e modelo
de sociedade.
Nas trilhas abertas pelo protestantismo, chegaria apressadamente no
início do século seguinte um fenômeno religioso com uma mensagem
revestida de enorme poder de arregimentação: o pentecostalismo. Frente
a esta nova modalidade evangélica, o protestantismo em exemplos mais
88 | História do cristianismo III | FTSA
especificados assumiria três comportamentos subsequentes: primeiro,
indiferença; depois, combate; e, finalmente, aproximação imitativa. É
sobre isto que passaremos a tratar na nossa próxima unidade de estudos.

Referências
BASTIAN, Jean P. In: VV.AA. CEHILA, 500 anos de História da Igreja na
América Latina. São Paulo: Paulinas, 1992.
BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e
a redemocratização. In: FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização
brasileira. O Brasil republicano. São Paulo: Difel, 1986.
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90 | História do cristianismo III | FTSA


UNIDADE III – O PENTECOSTALISMO NO BRASIL
Introdução:
O pentecostalismo pode ser considerado o grande fenômeno religioso do
século XX, em termos de crescimento, projeção e impactos que promoveu
no campo da crença. Surgido nos Estados Unidos no início daquele
século, rapidamente se espalhou pela América Latina, depois África,
Ásia e, finalmente, Europa. No contexto latino-americano pesquisas
revelam que a cada 10 evangélicos entrevistados, 7 se identificam como
pentecostais ou neopentecostais. Esta mesma porcentagem também se
aplica ao Brasil.

Quais elementos proporcionaram tão rápido poder de arregimentação?


Quais grupos sociais se identificaram com sua mensagem? Por que se
convencionou diferenciar o pentecostalismo em três grandes tipologias:
clássico, dêutero (segundo) e neopentecostalismo? O que as diferencia?
Quais pontos comuns possuem? Quais transformações também têm
sido experimentadas por este segmento em seu tempo de pouco mais
de um século de existência? Inicialmente averso ao estudo teológico,
assim ainda permanece nos dias atuais? Qual tem sido sua relação com
o protestantismo clássico?

Costuma-se dizer que o protestantismo se posicionou de três maneiras


subsequentes frente ao avanço pentecostal: indiferença, combate e
apropriação mimética. Nota-se, também um percurso inverso: igrejas
pentecostais se aproximando de práticas ou comportamentos que eram
típicos do protestantismo, como a valorização da formação teológica
para seus líderes. Em razão desta via de mão dupla, costuma-se empregar
os termos “protestantismo pentecostalizado” e “pentecostalismo
protestantizado” para explicar o que vem ocorrendo especialmente nas
duas ou três últimas décadas.

A força religiosa do pentecostalismo tem se mostrado impactante


também em relação ao catolicismo. Este, não conseguindo impedir
o avanço e sedução exercida pela mensagem pentecostal sobre seus
História do cristianismo III | FTSA | 91
fieis, precisou também ceder espaço e se adaptar às concorrências do
campo religioso, oferecendo uma alternativa a quem já estava próximo
da porta de saída: criar a Renovação Carismática Católica. A Renovação
surge, assim, como um contra-ataque ou estratégia de enfrentamento,
visando oferecer ritos e experiências similares ao que ocorre na vivência
pentecostal. A criação desta alternativa se tornou urgente a partir de
alertas obtidos por pesquisas, cujos resultados eram veiculados na mídia,
como o que se observa em manchete de capa da revista Veja no início
dos anos 1990: “Mais de seiscentas mil pessoas, por ano, abandonam o
catolicismo para juntar-se a uma igreja evangélica”.

Nesta unidade, iremos analisar estas e outras questões referentes ao


cenário religioso pentecostal e suas interfaces. Comecemos pela busca
das origens.

1. Surgimento do Pentecostalismo
O marco histórico de origem do pentecostalismo é situado em 1901,
em Topeka, Kansas, Estados Unidos. Charles Fox Parhan, evangelista
metodista - ligado aos movimentos de santidade dos séculos XVIII e
XIX e fundador e dirigente da Escola Bíblica Betel - passou a ensinar
a seus alunos ser possível contemporaneizar ou reviver os sinais de
glossolalia que teriam ocorrido com cristãos do primeiro século da era
cristã, conforme relato do texto bíblico Atos 2:1-4. Segundo tal narrativa,
cerca de 120 cristãos que estavam reunidos na cidade de Jerusalém,
teriam recebido o “dom” ou a capacidade divina de “falar outras línguas”.
Esse episódio é lembrado como Pentecostes, por ter ocorrido no dia em
que se celebrava uma festa judaica que trazia esse nome em alusão aos
cinquenta dias que a separavam da Páscoa. Daí a atribuição do nome
“pentecostalismo”. A manifestação de um fenômeno de êxtase, atribuído
ao Espírito Santo, semelhantemente àquele descrito pelo texto bíblico,
teria se dado inicialmente com a jovem Agnes Ozman, aluna da escola
dirigida por Parhan. O fenômeno teria ocorrido posteriormente com
outros estudantes, vindo também a se espalhar rapidamente por outros
lugares no âmbito de várias igrejas.
92 | História do cristianismo III | FTSA
Glossário:
Glossolalia: termo da língua grega, composto pelos vocábulos
glossa, que significa ‘línguas’, e lalia, que significa ‘falar’.
Etimologicamente, portanto, ‘falar outras línguas’.
Movimento Holiness: surgido em meados do século XIX, nos Estados
Unidos, por influência do metodismo, com ênfase na santidade
pessoal como uma segunda experiência cristã obrigatória após a
conversão. Esse movimento envolveu membros de diversas igrejas,
mas ao final daquele século organizou-se em uma denominação
com esse nome, separando-se da Igreja Metodista.

Influenciado pela experiência pentecostal de Topeka, o pregador negro


William J. Seymour, neto de escravos, no ano de 1906, em Los Angeles -
EUA, membro da igreja Holiness, passou a realizar cultos carismáticos em
um salão alugado na Rua Azusa, número 312, onde oficialmente fundou
a primeira denominação pentecostal, chamada de “Missão Evangélica
da Fé Apostólica”. A ênfase à obra do Espírito Santo evidenciada por
êxtases tornou-se, em pouco tempo, uma sensação local e, mais tarde,
um fenômeno de alcance mundial. Os jornais locais passaram a divulgar
amplamente os episódios miraculosos que ali se afirmava ocorrer, o que
contribuiu para que muitos visitantes de vários lugares procurassem Los
Angeles no intuito de conhecer e depois também propagar aqueles sinais
carismáticos. Estas reuniões na Rua Azusa aconteceram diariamente
por três anos, de onde surgiram inúmeros pregadores responsáveis pela
difusão do movimento em outras partes do mundo.

Saiba Mais
Leia o texto de Leonildo Campos As origens norte-americanas do
pentecostalismo brasileiro. Trecho selecionado: p.108-112
Charles F. Parham (1873-1929), “o pai do reavivamento pentecostal
do século XX” / William Joseph Seymour (1870-1922): Brother
Seymour, “o negro profeta de Azuza Street”
Disponível em: <h�p://www.revistas.usp.br/revusp/ar�cle/view/13458/15276>

História do cristianismo III | FTSA | 93


Além da alusão feita ao acontecimento bíblico já anteriormente descrito,
é preciso salientar que o pentecostalismo tem raízes precursoras que
se reportam a imaginários de movimentos religiosos de longa duração
histórica. Uma delas pode ser localizada nas práticas montanistas
ocorridas no segundo século da era cristã, sob a liderança de Montanus,
o qual, ao tornar-se cristão e receber o batismo no ano 156, entrou em
êxtase e começou a falar em línguas desconhecidas. Esse episódio foi
classificado por alguns cristãos como manifestação do Espírito Santo,
como ocorrera no Pentecostes, não, porém, para a igreja institucional, a
qual classificou aquele ato como algo estranho ao cristianismo. Expulso
da igreja como herege, o novo profeta passou a liderar um movimento
que atraiu muitos seguidores, anunciando que a revelação divina ocorre
diretamente através de seus profetas, sem a mediação institucional.
Além disso, Montanus se considerava o escolhido para anunciar o novo
advento messiânico, passando a afirmar que o fim do mundo estava
próximo e prestes a ser estabelecida, na Frígia (interior da Ásia Menor) -
região onde morava - a nova Jerusalém, para onde, inclusive, dirigiam-se
muitos dos seus fiéis. (Walker, 1980, p.86, 87).

Sementes pentecostais também podem ser encontradas em movimentos


pietistas ou de “santidade” decorrentes da Reforma Protestante, entre os
séculos XVI e XVIII, na Europa ocidental. Um desses, foi o movimento
puritano Quaker. Jorge Fox (1642-1691), líder desse segmento cristão,
passou a pregar que “o Espírito de Deus não fala somente pelas
Escrituras”, mas que também o faz diretamente através daqueles que
“interiormente são iluminados”. Afirmava ainda que era preciso “rejeitar o
ministério profissional dos clérigos” (Walker, p. p. 160).

Outro movimento que ganhou maior projeção e desempenhou maior


influência foi o metodismo, sob a liderança de John Wesley, na Inglaterra,
no século XVIII. O metodismo tem sido considerado como um ramo
tardio da Reforma Protestante. Segundo Peter Burke, os processos de
reforma religiosa ocorridos entre os séculos XVI e XVII ficaram mais
restritos às elites. O referido autor observa que tais reformas devem
94 | História do cristianismo III | FTSA
ser compreendidas como o esforço do clero católico e protestante em
promover transformações e controles no universo da cultura folclórica.
Depois de esforços fracassados nos séculos XVI e XVII, ocorreu, no
século XVIII, uma tentativa não a partir de estratos sociais superiores,
mas com a participação mais efetiva de categorias sociais populares. O
metodismo representou então uma forma dessa penetração dos valores
da Reforma Protestante na cultura de perfil mais popular.

A partir do metodismo também ocorreu o chamado “reavivamento” de


grupos internos das igrejas protestantes nos Estados Unidos, no século
XIX, aspecto no qual podem ser encontradas as raízes mais próximas
do que viria a se denominar pentecostalismo, no início do século
XX. Conseguindo romper com controles dogmáticos e institucionais,
movimentos avivalistas daquele período davam grande ênfase à
experiência mística e direta com o Espírito Santo, evidenciada por êxtases
e fortes emoções:

A função do pregador era convencer seus ouvintes de


seus pecados, levá-los ao arrependimento e torná-los
responsáveis pela aceitação ou rejeição da salvação.
Para isso, era necessário que se criasse um clima
altamente emocional, onde choros, desmaios e ataques
histéricos eram habituais (Filho; Mendonça, p.85).

O pentecostalismo seria, então, diretamente decorrente dessa


efervescência religiosa: “o movimento pentecostal é o metodismo levado
às suas últimas consequências”: O Metodismo pregava a santificação
como uma segunda obra da graça após a justificação: “não conhecemos
um só caso, em qualquer lugar de uma pessoa receber, no mesmíssimo
momento, a remissão dos pecados, o testemunho permanente do
Espírito, e um coração novo e limpo”, dizia John Wesley (STL, 1992, p.10).
A origem do movimento de santidade norte-americano nas décadas de
1840-1850 tinha a intenção de preservar e propagar o ensino de Wesley: O
processo de salvação nesse movimento envolvia duas fases: a conversão
(justificação), significando a libertação dos pecados cometidos; e a
História do cristianismo III | FTSA | 95
inteira ou plena santificação, entendida como a libertação da falha da
natureza moral que leva a pecar. O pentecostalismo fincaria suas raízes
nestes movimentos predecessores:

[...] parece que o pentecostalismo absorveu da sua


descendência metodista as convicções da experiência
subsequente e instantânea, e as transferiu integralmente
da santificação, segundo Wesley, para o batismo do
Espírito Santo. De qualquer forma, tanto o metodismo
quanto o pentecostalismo colocam sua ênfase em
algum lugar depois da justificação (STL, 1992, p.10).

Em relação ao campo religioso brasileiro também não demorou para que


o pentecostalismo lançasse nele as suas sementes, configurando-se em
denominações próprias. Num primeiro momento, surgiu o que viria a ser
identificado pela tipologia de “pentecostalismo clássico” (Mendonça,
1999, p.73), através da formação de duas igrejas: a Congregação Cristã
no Brasil e a Igreja Evangélica Assembléia de Deus - ambas organizadas
por líderes que tiveram inicialmente experiências com o movimento de
Los Angeles.

2. O pentecostalismo ‘clássico’ no Brasil


2.1 Congregação Cristã no Brasil
A Congregação Cristã no Brasil (CCB) tem sua organização inicial
oficialmente datada em 05 de junho de 1910, na cidade de Santo
Antônio da Platina – PR. Seu líder-fundador foi Luís Francescon, um
estrangeiro italiano que se considerava missionário autônomo e,
portanto, não era mantido financeiramente por nenhuma instituição do
exterior. De origem religiosa presbiteriana-calvinista, Francescon havia
residido anteriormente em Los Angeles, onde passara a frequentar o
movimento pentecostal ali nascente. Decidiu expandir aquele modelo de
cristianismo para a América do Sul, iniciando seu trabalho em Buenos
Aires, Argentina, em 1909. Não obtendo grandes êxitos naquela cidade,
quatro meses depois dirigiu-se para o Brasil, chegando a São Paulo no
96 | História do cristianismo III | FTSA
EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 11

Alguns movimentos são considerados raízes precursoras do


pentecostalismo. Esses possibilitam fundamentações históricas
que sustentam o crescimento pentecostal. Nesse sentido, quais
características podem ser destacadas em relação ao Montanismo
e aos Quakers? Assinale a única alternativa correta:

( ) Os montanistas e os Quakers são movimentos que não aceitam


a mediação humana para promulgação da Palavra de Deus

( ) Montanus dizia que Deus fala somente pela instituição. Os


Quakers diziam que Deus fala somente pelas Escrituras.

( ) Montanus dizia que a revelação divina ocorria por meio dos


profetas, sem mediação institucional. Os Quakers diziam que Deus
não fala somente pelas Escrituras, mas também o faz diretamente
por meio daqueles que são interiormente iluminados.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!
História do cristianismo III | FTSA | 97
início de 1910, onde passou a residir no bairro do Brás, lugar de grande
concentração de italianos. Naquele mesmo ano, ao saber da existência
de uma colônia italiana em Santo Antônio da Platina - PR, professante
do catolicismo romano, decidiu visitá-la com o
propósito de fazer conversos à fé pentecostal.
O trabalho obteve êxito e dele nasceu uma nova
igreja em solo paranaense. Retornando a São
Paulo, naquele mesmo ano, Francescon passou
a fazer pregações na igreja Presbiteriana do
bairro do Brás, até que suas ideias doutrinárias
geraram conflitos com a liderança daquela igreja.
Tendo um grupo simpatizante com o seu ensino,
composto por italianos que frequentavam aquela
comunidade, promoveu um cisma e constituiu
oficialmente a sua nova igreja, à qual foi filiado o
núcleo já existente no norte do Paraná. LUÍS FRANCESCON

TEMPLO-SEDE DA CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BAIRRO DO BRÁS

98 | História do cristianismo III | FTSA


Como bases teológico-doutrinárias, Francescon adotou e adaptou para
a sua nova igreja estruturas eclesiásticas do presbiterianismo calvinista,
como é o caso da doutrina da predestinação, segundo a qual Deus de
antemão pré-determina, a partir de sua soberania, os que haverão de
ser salvos ou condenados. Por isso mesmo, nessa denominação não
se fazem campanhas evangelísticas com apelos à conversão em locais
públicos que não os templos, ou ainda através do uso dos meios de
comunicação de massa, como ocorre normalmente com os demais
segmentos pentecostais. Os fiéis fazem convites individuais para os
cultos, principalmente para os dias de batismo. O batismo se torna,
então, um apelo mudo: quem se apresenta ao batizador recebe o rito sem
perguntas. Desses, alguns acabam não ficando na igreja, mas isto não
é obstáculo, pois entendem que apenas os eleitos hão de permanecer,
isto é, os “verdadeiros chamados”, ou “predestinados”, por isso, “neste
sentido, eles são mais presbiterianos que os presbiterianos brasileiros”
(Filho; Mendonça, 1990, p.49).

O pesquisador Carl J. Hahn destaca que os ‘anciãos’, além de não


possuírem formação teológica específica, são obreiros voluntários e
nada recebem por seu trabalho:

As coletas recolhidas regularmente vão


para uma tesouraria central para serem
aplicadas na construção de novos templos.
Há um fundo diaconal, constituído por
contribuições espontâneas dos membros,
que é usado para ajudar os que estão
em dificuldades prementes (Hahn, 1995,
p.346).

História do cristianismo III | FTSA | 99


Glossário:
Ancião: no Novo Testamento, o termo tem origem na palavra
“presbítero”; uma referência a pessoas de idade mais avançada
ou de maior experiência na fé, e que têm por isso atribuição de
liderança do povo de Deus.
Santo Antonio da Platina: cidade situada na região norte do Paraná,
atualmente com cerca de 45 mil habitantes, formada na segunda
metade do século XIX a partir da chegada de paulistas e mineiros. A
cidade recebeu também inúmeras famílias italianas, professantes do
catolicismo, provenientes da Província de Veneza, por volta de 1892.
Estado Novo: foi a terceira e última fase do governo de Getúlio
Vargas. Durou de 1937 a 1945 e sucedeu, portanto, as fases do
Governo Provisório (1930 a 1934) e do Governo Constitucional
(1934 a 1937). A característica principal do Estado Novo era a de
um governo centralizador, com um regime ditatorial inspirado no
modelo nazifascista europeu, então em voga à época.

Para a configuração de sua fé, líderes e membros da CCB leem quase


que exclusivamente a Bíblia tendo, quando muito, o auxílio de alguma
literatura doutrinária sobre o texto bíblico, publicada pela própria
denominação. Creem que os sermões pregados em seus cultos são
recebidos diretamente pela revelação do Espírito Santo, o qual coloca a
mensagem necessária no coração de um dos anciãos ou diáconos, que
ficam estrategicamente assentados na fileira da frente de seus templos,
durante as celebrações cúlticas.

Em 1935, sob a vigilância do Estado Novo chefiado por Getúlio Vargas,


em que se impunha rigoroso controle em relação ao estrangeirismo, a

100 | História do cristianismo III | FTSA


Congregação substituiu em seus cultos a língua italiana pela portuguesa,
fato que também viria contribuir para a sua expansão, a partir daí, para o
interior do país:

A identificação com os italianos do Brás, (“pequena


Itália”, bairro operário onde se concentraram os
imigrantes italianos em São Paulo) era tanta, que o
segundo hinário (impresso em Chicago em 1924)
ainda era totalmente na língua italiana. A terceira
edição (1935) tinha o total de 580 hinos e somente 250
deles estavam na língua portuguesa. Porém, a edição
de 1943 foi impressa totalmente em português. Esse
hinário, Louvor e Súplicas a Deus, contém os 12 pontos
doutrinários da igreja, uma breve história da elaboração
da obra e uma classificação dos hinos conforme os
momentos litúrgicos (Campos; Gutierrez, 1996, p.111).

Na década de 1950 se deu o crescimento mais acentuado dessa igreja,


quando nordestinos passaram a ocupar o lugar dos italianos no referido
bairro do Brás. Atualmente, a maior concentração de templos ocorre em
São Paulo e no Paraná, ainda que estejam presentes em todos os demais
estados brasileiros.

2.2 Assembleia de Deus


A Igreja Evangélica Assembleia de Deus, que ostenta disparadamente
o primeiro lugar em número de membros no Brasil - segundo pesquisas
do Censo-IBGE com mais de 12 milhões fieis - também tem suas
raízes fincadas no movimento pentecostal de Los Angeles. No Brasil,
foi oficialmente estabelecida em 1911, na cidade de Belém – PA, por
dois pentecostais sueco–americanos, Daniel Berg e Gunnar Vingren,
que atribuíam suas motivações missionárias às revelações recebidas
“diretamente de Deus”.
História do cristianismo III | FTSA | 101
Saiba Mais:
A experiência mística dos fundadores da Assembléia de Deus
Gunnar Vingren, mais tarde, descreveu a experiência mística
sobre a missão que deveriam cumprir, vivenciada quando ainda se
encontravam nos Estados Unidos:
“Num dia, no verão, Deus pôs no coração que nos deveríamos reunir
num sábado à noite para oração. Quando orávamos, o Espírito
do Senhor veio de uma
forma poderosa sobre
nós (...). Um irmão, Adolfo
Ulldin, recebeu pelo
Espírito Santo palavras
maravilhosas e mistérios
escondidos, que foram
revelados. Entre muitas
coisas, o Espírito Santo
falou por meio deste irmão
que nós deveríamos ir a
um lugar chamado “Pará”,
onde o povo a quem
testificaríamos de Jesus
era de um nível social muito simples. Nós iríamos ensinar-lhes os
primeiros rudimentos do Senhor. Também escutamos pelo Espírito
Santo, a linguagem daquele povo, o idioma português. (...) Nenhum
dos presentes conhecia tal lugar. Após a oração, fomos a uma
livraria a fim de consultar um mapa que nos mostrasse onde estava
localizado o Pará. Descobrimos então que se tratava de um Estado
no Norte do Brasil. A chamada divina estava, então, confirmada [...]”
(Conde, 1960, p.14).

102 | História do cristianismo III | FTSA


Em 05 de novembro de 1910, a bordo do navio Clement, os missionários
deixaram a cidade de Nova Iorque com destino ao Brasil. No dia 19
daquele mesmo mês e ano desembarcaram, em um dia de sol escaldante
dos trópicos, na cidade de Belém, no Pará. Alojaram-se nas dependências
da Igreja Batista, cujo pastor também era de origem sueca. Depois de
alguns meses, após certo aprendizado da língua portuguesa, os suecos,
por conflitos doutrinários, provocaram uma cisão na igreja ali existente e,
com 19 membros, criaram a Missão de Fé Apostólica, cujo nome, após
1914, foi alterado, assim como também ocorrera nos Estados Unidos,
para Igreja Assembléia de Deus.

PRIMEIRO TEMPLO DA ASSEMBLÉIA EM BELÉM DO PARÁ

Acompanhando a migração dos nordestinos,


a igreja em poucos anos se expandiu para
o Sul (hoje, Sudeste) do país. Após três
décadas de predominância missionária
sueca, o controle passou à liderança
brasileira, e a base de expansão deixou
de ser Belém para centralizar-se no Rio
de Janeiro, onde também existe grande
presença de nordestinos. Nota-se que o
pentecostalismo tem raízes fincadas no
contexto do nordeste brasileiro e tem projeção ligada à inserção dos
nordestinos em outras regiões do país. Aliás, esse também pode ser
um aspecto que contribui para a composição do imaginário messiânico
presente no pentecostalismo brasileiro, pois tal região do país tem forte
tradição histórica de messianismo, como veremos mais adiante.

Na Assembléia de Deus, a hierarquização interna está centralizada na


figura do pastor. Nas comunidades locais, essa liderança se subordina
à dos templos–sede, e estes a uma convenção nacional. Os pastores
assembleianos eram, inicialmente, leigos e sem preparo teológico, o
que os levava a se identificar bastante com o povo na forma de pensar,
falando-lhe na mesma linguagem, causando com isso grande empatia na
História do cristianismo III | FTSA | 103
projeção de suas mensagens. Atualmente, exige-se dos líderes ao menos
uma formação teológica básica. Coincidência ou não, o fato é que essa
igreja já não mais apresenta escalonários índices de crescimento como
ocorrera anteriormente.

O grande contingente que aflui à sua mensagem é atraído, dentre outros


fatores, pela fraternidade que agrega ali pessoas dos mais diferentes
níveis culturais e sociais e, principalmente, pela oportunidade que lhes
é outorgada de exercer cargos de liderança através dos diferentes
programas de evangelização desenvolvidos pela denominação. A partir
do momento em que o converso torna-se membro pelo rito do batismo
de imersão em água, passa a buscar o chamado “batismo com o Espírito
Santo”, evidenciado pela glossolalia e seguido de diversos dons ou
carismas, mediante os quais se tem a oportunidade de provar que são
“vocacionados pelo Senhor”.

O sociólogo Ricardo Mariano resume os primeiros anos do


pentecostalismo brasileiro da seguinte forma:

Compostas majoritariamente por pessoas pobres de


pouca escolaridade, discriminadas por protestantes
históricos e perseguidas pela Igreja Católica,
essas igrejas se caracterizavam por um ferrenho
anticatolicismo. Em 30 anos, seus templos já estavam
em todos os Estados brasileiros (Eclésia, 2000, p.46).

2.3 Igreja Evangélica Avivamento Bíblico


A terceira denominação com o perfil denominado de ‘pentecostalismo
clássico’ é a Igreja Evangélica Avivamento Bíblico. Essa igreja
originou-se em 1946, nas dependências da Faculdade de Teologia
da Igreja Metodista do Brasil, em Rudge Ramos, município de São
Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo.

O jovem seminarista, Mário Roberto Lindstron, candidato ao


ministério pastoral pela Igreja Metodista, ingressou na faculdade de

104 | História do cristianismo III | FTSA


Teologia em 1945, onde encontrou os estudantes Taisuke Sákuma
e Kinzo Uchida, ambos da Igreja Metodista Livre. Kinzo passou a
influenciar, com ideias e leituras, o seminarista Mário, que se dizia
insatisfeito com sua vida espiritual, tendo a necessidade de buscar
uma “experiência de santificação e santidade” - doutrina pregada
pelo metodismo antigo.

No ano seguinte, 1946, tornaram-se alunos da mesma faculdade os


jovens Oswaldo Fuentes e Alídio Flora Agostinho, que juntamente
com Mário passaram a realizar reuniões de oração frequentes,
em busca de santificação e poder. Logo ficaram marcados com
a alcunha de “os do grupo”. Em setembro de 1946, Mário Roberto
Lindstron afirma ter encontrado o que buscava: o batismo no Espírito
Santo, evidenciado pela glossolalia. Em seguida, passou a afirmar ter
“ouvido a voz do Senhor”, que o mandou pregar um avivamento na
igreja. Sendo ajudante das igrejas de Tucuruvi e Vila Mazzei, bairros
da capital paulista, ele, juntamente com os outros dois seminaristas,
passou a anunciar ali a mensagem de despertamento, que foi aceita
por alguns dos crentes daquelas igrejas.

Este grupo decidiu levar adiante aquele movimento avivalista, em


busca de novas experiências sob qualquer circunstância. Ainda
vinculado ao metodismo, esse grupo ficou conhecido por “grupo de
clamor”, porque orava intensamente por reavivamento no seio da
igreja e pregava a experiência da santificação e batismo no Espírito
Santo como grande necessidade para os crentes.

Como já ocorrera no âmbito de outras denominações, o grupo não


pôde ser tolerado muito tempo na igreja de origem e teve de sair
e se organizar, pretendendo ser mais um movimento do que uma
denominação. Teve que escolher um nome que o caracterizasse.
Assim, não demorou para que se configurasse em uma nova igreja:
oficialmente, em 7 de setembro de 1946 nascia o nome de Igreja
Evangélica Avivamento Bíblico. (Fonte: h�ps://avivamentobiblico.
org/historia-da-ieab/)

História do cristianismo III | FTSA | 105


PRIMEIRO TEMPLO-SEDE DO AVIVAMENTO BÍBLICO

3. Segunda tipologia pentecostal: o ‘dêutero’


pentecostalismo ou pentecostalismo de ‘cura divina’
A partir de meados do século XX, que o quadro religioso brasileiro
também começou a sofrer maior impacto com a “irrupção de um novo
tipo de protestantismo de massa, que passa a crescer de uma maneira
assombrosa com base nos grupos pentecostais” (Eclésia, 2000, p.82).

No início da década de 1950, desenvolveu-se no país o que alguns


pesquisadores chamam de “dêutero pentecostalismo” (termo que
significa “segundo”), “segunda onda” pentecostal1 ou pentecostalismo de
“cura divina”.2 Este modelo notabilizou-se pela figura das “tendas divinas”,
cujas igrejas “rapidamente se implantam e passam a ganhar centenas
de milhares de adeptos em velocidade crescente, sobretudo entre as
camadas mais modestas da população” (Mariz, 1998, p.82). O dêutero
1
Terminologia empregada por Paul Freston (1993).
2
Terminologias estas usadas, por exemplo, pelos pesquisadores Antônio Gouvêa Mendonça
(1997) e Cecília Loreto Mariz (1998)
106 | História do cristianismo III | FTSA
pentecostalismo passaria a representar, de fato, ameaças à hegemonia
católica e transformações no âmbito do próprio protestantismo:
Missionários norte-americanos invadiram o país implantando uma nova
liturgia, mais espontânea, com cultos informais e grandes concentrações
de massa. O movimento evangélico se urbanizava, com surgimento
de grandes grupos pentecostais, como a Igreja Quadrangular, O Brasil
Para Cristo, Nova Vida e a Igreja Deus é Amor. Ao mesmo tempo,
segmentos das igrejas históricas se renovavam, principalmente batistas
e metodistas. O pentecostalismo se firmava como tendência irreversível
da igreja brasileira (Mariz, 1998, p.82).
Uma das características desse dêutero pentecostalismo é o surgimento
de uma liderança nacional. Se as primeiras igrejas pentecostais, como
visto, tiveram sua origem no exterior, as que surgiram no Brasil, a partir
da década de 1950, foram formadas por cisões de suas predecessoras,
apresentando a emergência de lideranças carismáticas nacionais.

3.1 A Igreja “mãe” do pentecostalismo de cura divina: Igreja


do Evangelho Quadrangular
Uma das denominações mais ativas nesse processo foi a Igreja do
Evangelho Quadrangular, fundada nos Estados Unidos, em 1922, por
Aimeé Semple McPierson, uma canadense, missionária da Igreja
Metodista, que rompera com a sua denominação para organizar o seu
próprio movimento, também na cidade de Los Angeles. A Quadrangular é
ainda considerada a única grande igreja cristã fundada por uma mulher,
o que pode explicar o espaço privilegiado nela existente para o ministério
eclesiástico feminino, uma novidade na época. Isso certamente também
contribuiu para que essa igreja se tornasse menos repressora em relação
aos “usos e costumes” como “sinais externos de santidade”, como
exigidos pelo pentecostalismo clássico em relação à mulher. Além do
que, atualmente cerca de 35% de pastorado constitui-se de mulheres. Sua
fundadora morreu em 1944 e seu filho assumiu a liderança da igreja, que
já contava então com um grande número de congregações nos Estados
Unidos e em vários outros países.
História do cristianismo III | FTSA | 107
O nome ‘Quadrangular’ se deve ao sonho ou visão que sua fundadora
afirmara ter tido antes de fundar aquela igreja, representado na figura
mística de quatro animais: uma visão quadrangular de que Jesus salva,
cura, batiza com o Espírito Santo e voltará.

AIMEÉ SEMPLE MCPIERSON 4 SÍMBOLOS DA QUADRANGULAR

Essa igreja viria a desempenhar um importante papel no campo religioso


brasileiro quando, no início dos anos 1950, começou um empreendimento
proselitista sob o nome de Cruzada Nacional de Evangelização. Um dos
missionários responsáveis, Haroldo Williams, que já havia estado na
Bolívia, chegou ao Brasil em 1946, radicando-se em São João da Boa Vista,
no interior do estado de São Paulo, onde iniciou uma igreja, em 1951. O
começo foi lento e, em 1953, ele convidou para auxiliá-lo um amigo,
Raymond Boatright que, além de missionário da Quadrangular, também
era, como ele um ex-ator de filmes de faroeste. Juntos, passaram a realizar
campanhas de curas e expulsão de demônios, ocasião em que conseguiram
notadamente chamar a atenção da cidade. Devido ao sucesso alcançado, os
dois missionários foram convidados, no ano seguinte, para empreenderem
uma campanha semelhante na Igreja Presbiteriana Independente (IPI) do
Cambuci, na cidade de São Paulo. A ênfase era na cura e na expulsão de
demônios e atraiu a atenção de uma crescente multidão, de tal forma que
o templo ficou pequeno. Os eventos ocorridos logo chamaram também
a atenção da imprensa, tornaram-se objeto de muitos artigos nos jornais
da época, que noticiavam o comparecimento de milhares de pessoas às
sessões de cura, obrigando inclusive, a interdição de ruas do bairro para
melhor locomoção das massas.
108 | História do cristianismo III | FTSA
O resultado dessa série de reuniões no Cambuci foi um conflito com
as cúpulas das igrejas hospedeiras. A direção da Igreja Presbiteriana
Independente (IPI) exigiu explicações do pastor daquela comunidade
presbiteriana local, Rev. Silas Dias, acerca das práticas ali adotadas e que
fugiam ao perfil teológico presbiteriano. Esse embate terminou com a
recusa das denominações protestantes em ceder outros templos a esse
tipo de atividade, bem como o desligamento da igreja do Cambuci da
IPI, fato que deu origem à Igreja Evangélica do Cambuci. Com a cisão,
a solução foi comprar e armar tendas – lonas de circo – em terrenos
próximos à igreja, onde continuaram as reuniões. Muitas outras igrejas
presbiterianas independentes também foram atingidas pelo fenômeno
pentecostal, sendo por isso também forçadas a se desligar da IPI e
cada uma se constituiu de forma autônoma, abandonando a doutrina
e a eclesiologia presbiterianas e assumindo uma nova identidade
marcadamente pentecostal.

Com o passar do tempo, o trabalho de curas e exorcismos realizado nas


tendas desvinculou-se da igreja do Cambuci, expandindo-se por todo
o país. As tendas eram montadas nos centros das grandes e médias
cidades brasileiras. Esse “movimento de tendas” ficou conhecido como
Cruzada Nacional de Evangelização. Para organizar as novas igrejas que
foram surgindo em decorrência da atuação das cruzadas, os missionários
criaram, ainda em 1954, a Igreja da Cruzada, mas, já no ano seguinte,
associaram-se formalmente à Igreja do Evangelho Quadrangular dos
Estados Unidos, mudando não somente o nome, mas estabelecendo
vínculos doutrinários com a igreja americana. O que tinha sido pensado
inicialmente apenas como um movimento de avivamento no interior
das igrejas existentes logo se transformou em uma nova denominação.
Inovaram também ao infundir sua mensagem através do rádio, principal
meio de comunicação de massa da época, dos ajuntamentos itinerantes
com tendas de lonas, das concentrações em praças públicas, ginásios
de esportes e estádios de futebol. Ainda que mantivessem a ênfase
no batismo com o Espírito Santo, como os primeiros pentecostais, sua
mensagem era agora principalmente concentrada na cura divina.
História do cristianismo III | FTSA | 109
TENDAS DE CURA DIVINA

A atuação da Cruzada, portanto, promoveu um enorme impacto no


campo evangélico-protestante brasileiro, ocasionando cismas em
praticamente todas as denominações, sejam históricas ou pentecostais.
No caso das pentecostais, que até então eram representadas quase
que exclusivamente pelas igrejas Congregação Cristã e Assembléia
de Deus, a fragmentação denominacional foi enorme. Como resultado,
surgiram várias novas igrejas, entre elas a própria Igreja do Evangelho
Quadrangular, além de O Brasil para Cristo, Deus é Amor e várias outras
de menor porte:
110 | História do cristianismo III | FTSA
A partir da Igreja do Evangelho Quadrangular, a
semente do espantoso movimento de cura divina
estava lançada para germinar em grande escala no
país. Embora tipicamente pentecostal, essa igreja
inseriu nos seus fundamentos teológicos a chave do
neopentecostalismo, como por exemplo, a ênfase à
cura divina e à expulsão de demônios (Mendonça,
1997, p.158)

3.2 Igreja O Brasil Para Cristo


A Igreja o Brasil para Cristo foi fundada em 1956, em São Paulo, por
Manoel de Mello, um pernambucano que havia migrado para a capital
paulista em busca de trabalho. Mello tornou-se membro da Assembléia
de Deus e depois evangelista na mesma igreja. Foi no decorrer de 1954
que se integrou ao movimento Cruzada Nacional de Evangelização,
combinando as funções de pregador de multidões, nas tendas, com o de
pequeno empresário de construção civil.

Em 1955, Manoel de Mello iniciou um programa radiofônico na Rádio


América, com quinze minutos de duração, e alguns meses depois passou
a transmiti-lo pela Rádio Tupi de São Paulo, então a mais potente emissora
paulista. Assim nasceu o programa A Voz do Brasil para Cristo, nome
este que acabou denominando a própria igreja que viria a ser fundada por
ele em 1956, a Igreja O Brasil para Cristo.

A partir de 1958 passou a realizar grandes concentrações religiosas


que lotavam estádios de futebol, em São Paulo. Essas concentrações
eram chamadas de “tardes da bênção” e tinham grande ênfase em
milagres e curas divinas. A mídia dava uma certa cobertura a esses
eventos. Seguindo a estratégia da Cruzada, Mello também passou a usar
tendas de lona e, assim, a partir de São Paulo, a igreja espalhou-se por
todo o Brasil. Foi a igreja pentecostal a estar em evidência na mídia na
década de 60, pois suas campanhas de cura divina, ao mesmo tempo
em que atraíam grande multidão, também rendiam muitos processos
História do cristianismo III | FTSA | 111
de charlatanismo contra Manoel de Mello. Desde o final dos anos 50, a
imprensa, mais a religiosa que a chamada “secular”, publicou inúmeras
críticas sobre sua atuação. Ele foi o primeiro a alugar cinemas para as
reuniões evangelísticas, rompendo com o que até então era considerado
espaço sagrado, apropriando-se de lugares tidos profanos, como cinemas
e estádios. Participou inclusive de programas de auditório, um escândalo
para protestantes históricos e, principalmente, para os pentecostais.

Mello realizava concentrações de cura em estádios de futebol em dias de


feriado nacional e convidava autoridades civis e militares para participar
das reuniões. Em 1958, conseguiu levar ao estádio do Pacaembu, em
São Paulo, numa “tarde da bênção”, cerca de 150 mil pessoas. Nessas
concentrações, embora os seguidores de Mello dissessem haver milagres,
jornais da época o denunciavam por
charlatanismo, como por exemplo, O
Estado de S. Paulo, de 08/07/1959, o
que custou a Mello processos na justiça.
Todavia esses processos acabaram
sendo arquivados por falta de provas.
Em 13/03/1960 Mello realizou na Praça
da Sé uma “tarde da vitória”, atraindo
50 mil pessoas para comemorar o
despacho da 8ª Vara Criminal de São
Paulo, arquivando um processo aberto
contra ele por charlatanismo e prática
ilegal da medicina.
Missionário Manoel de Mello – capa da revista Veja nos anos 1960

Outro projeto de Manoel de Mello foi a construção do chamado Grande


Templo, edificado no Largo da Pompéia, em São Paulo, que de maneira
ufanística era apresentado na época como o “maior templo evangélico
do Brasil e do mundo”. A construção foi concluída em 1979.

Mello já demonstrava também atitude dessacralizadora do espaço


sagrado em relação a outros segmentos evangélicos:

112 | História do cristianismo III | FTSA


Mello já demonstrava também atitude dessacralizadora do espaço
sagrado em relação a outros segmentos evangélicos:
O povo precisa sentir-se à vontade no templo. Por
exemplo: na minha igreja eu permito que até à hora do
culto o povo converse quanto queira. É um verdadeiro
mercado lá dentro, todo mundo conversando: “como vai
a tua mãe? E aquele cavalo que você comprou?” Todos
conversam. Na hora do culto entro no assunto sério.
Aquela ideia do sujeito entrar no templo e pensar que
está num túmulo, num cemitério, já acabou (...) Eu não
permito que o povo veja o templo como coisa sagrada.
Para o povo do “Brasil para Cristo” o templo não é
sagrado. É sagrado o que se faz lá dentro. O templo
em si tem apenas uma finalidade: ampara do sol e da
chuva (...) quando começa o culto todo mundo está
satisfeito (...) Fiz muita coisa radical que hoje não faria
mais. Mas percebi que o culto participativo é o culto de
que o povo brasileiro gosta (Mello, 1968, p.11).

Saiba mais:
A primeira experiência do pentecostalismo com a política partidária
Outra inovação importante introduzida por Manoel de Mello foi o
envolvimento político-partidário da igreja. Em 1962, apresentou
um candidato a deputado federal, Levy Tavares, o qual foi eleito
em 1966; mas, ao tentar empreender uma atuação independente
perdeu o apoio de Mello e não conseguiu se reeleger em 1970.
Devido a uma atuação controvertida, tanto Manoel de Mello quanto
a sua igreja encontraram forte oposição por parte das lideranças
das denominações protestantes históricas. Não obstante o seu
rápido crescimento e projeção, faltou a esta igreja uma estrutura
de sustentação que fosse maior que o seu próprio fundador,
razão porque, com a morte de seu líder, em 1990, o movimento
descentralizou-se, perdendo muito das suas marcas iniciais.

História do cristianismo III | FTSA | 113


EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 12
O missionário Manoel de Mello é considerado como aquele
que primeiro, entre os pentecostais, demonstrou atitudes
dessacralizadoras do espaço sagrado em relação a outros
segmentos evangélicos. Assim, um dos aspectos assumidos por
ele denota uma mudança de finalidade referente ao templo. Que
mudança é essa? Assinale a única alternativa correta:

( ) Manoel de Mello dizia que não permitia que o povo visse o


templo como coisa sagrada. Para o povo do “Brasil para Cristo” o
templo não é sagrado. É sagrado o que se faz dentro do Templo.

( ) Manoel de Mello dizia que tanto o templo como o que se faz


dentro do templo são sagrados. Jamais permitia que o povo do
“Brasil para Cristo” tivesse atitudes desleais a essa doutrina
reformada.

( ) Manoel de Mello considerava profano realizar fora do templo o


que era restrito a este espaço sagrado, como, por exemplo, orações
e ritos de cura.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

114 | História do cristianismo III | FTSA


3.3 Igreja Pentecostal Deus é Amor
Da Igreja do Evangelho Quadrangular, Davi Miranda saiu para fundar, em
1962, a sua própria denominação: a Igreja Pentecostal Deus é Amor (IPDA).
Miranda, que viveu a infância e juventude na zona rural do município de
Telêmaco Borba, interior do Paraná, mudou-se posteriormente com sua
família para São Paulo, onde se converteu ao pentecostalismo, tornando-
se posteriormente membro da Igreja O Brasil para Cristo. Após ter obtido
alguma liderança nesse movimento, pediu rescisão de contrato na fábrica
em que trabalhava como vigilante e, com o dinheiro que recebera de seus
direitos trabalhistas, alugou um pequeno salão na periferia da capital
paulista, criando assim, o seu próprio movimento. Mesmo possuindo
apenas a escolaridade primária incompleta, Davi Miranda logo passou a
ganhar projeção no cenário religioso pentecostal, enfatizando, sobretudo,
a cura divina e o rigor ascético quanto ao chamado “usos e costumes”
dos seus fiéis.
Essas vertentes do pentecostalismo neoclássico, das décadas de 1950
e 60, também se caracterizaram pelo chamado “sinal de santidade”
expresso nos “usos e costumes”. Isso se observa nas vestimentas
características – terno escuro e gravata dos homens, saias compridas
das mulheres – ou nos hábitos peculiares com os quais geralmente se
identificam os chamados “crentes”: cabelos longos ou atados em coques
pelas mulheres, a Bíblia sempre carregada orgulhosamente na mão e a
recusa de ter em casa aparelhos de televisão ou participar de festas onde
o canto, a dança e a bebida possam incitar à depravação dos costumes.
Mas, de todas as igrejas pentecostais brasileiras, a Deus É Amor é a mais
rigorosa em relação ao ascetismo comportamental. Ainda hoje se proíbe
toda e qualquer prática de jogos e uso de métodos anticoncepcionais.
Também não se permite que seus membros façam qualquer tipo de curso
teológico, ou estudem qualquer instrumento musical, por se entender
que tanto a teologia como a arte desviam o ser humano dos caminhos de
Deus. É também radicalmente contra o uso de TV como meio de diversão.
Os casamentos só podem acontecer entre os que frequentam a igreja.
O regime militar, em busca permanente de legitimação e fidelidade,
valorizou práticas religiosas que enfatizavam a obediência às autoridades.
História do cristianismo III | FTSA | 115
Nesta demanda, cresceram vários grupos religiosos pentecostais.
Líderes como Davi Miranda, no início dos anos 80, ofereciam, em suas
pregações, respaldo de legitimidade ao regime autoritário. Numa dessas
orações, Miranda suplicava em favor das autoridades da nação e,
especialmente, pelo governo de Paulo Maluf em São Paulo (que naquela
época procurava petróleo, por meio da companhia estatal Paulipetro),
usando as seguintes palavras:
Oh Deus, que as autoridades possam tomar decisões
sábias e pagar a dívida externa (...) Abençoa as
pesquisas para encontrar petróleo, pois tu fizestes todas
as coisas e sabes onde o ouro negro está escondido e
também sabes Senhor, o quanto o Brasil precisa disso
(Campos, 1982, p.92).

Saiba Mais:
A Igreja Pentecostal Deus é Amor possui o que é considerado o maior
templo evangélico da América Latina, chamado de Templo da Glória
de Deus, com capacidade para 18 mil lugares, onde funciona a sede
própria, instalado no centro da capital paulista. No interior do templo,
a igreja mantém uma “sala de milagres”, na qual inúmeras muletas,
cadeiras de rodas e outros objetos ali expostos, testificam milagres
declarados pelos fiéis.

116 | História do cristianismo III | FTSA


A IPDA chegou a totalizar, em seu período mais expressivo, cerca
de 2,5 milhões de seguidores no Brasil, estando também presente
em outros 26 países, a maioria da América Latina, sendo também
proprietária de mais de 40 emissoras de rádio, que transmitem
diariamente e com exclusividade seus programas religiosos. A
IPDA é fortemente sectária, não colaborando com nenhuma outra
igreja evangélica.

4. Pentecostalismo e o uso dos meios de comunicação de


massa
Como mencionado no item anterior, Manoel de Mello foi um dos
pioneiros no país a utilizar programas de rádio para a propagação
da sua mensagem religiosa. O sucesso de Mello e a projeção de seu
carisma podem ser explicados, dentre outros fatores, pelas pregações
radiofônicas, que provocavam grande interatividade entre o locutor e os
ouvintes, principalmente pela oração e relatos de curas dela decorrentes
através de tais programações diárias.

O intenso emprego das emissoras de rádio como estratégia de apoio às


concentrações, para divulgação das curas divinas, possibilitava também
o contato com um rebanho disperso por inúmeras cidades no interior do
País. A ousadia de Manoel de Mello era notória naquele contexto.

Davi Miranda empregou a mesma técnica de comunicação de Manoel


de Mello, fazendo do rádio o seu principal veículo de propaganda, prática
esta à qual se mantém fiel até hoje. À ênfase na cura divina, Miranda
acrescentou o exorcismo, realizado durante os cultos e transmitidos ao
vivo pelo rádio. Com o crescimento de sua denominação, com sede em uma
antiga fábrica desativada próxima da Praça da Sé, no centro de São Paulo,
missionário investiu na aquisição de emissoras de rádio. Atualmente, a
voz do “consagrado homem de Deus”, como Miranda é chamado pelos
fiéis, ecoa através das dezenas de emissoras de propriedade da própria
igreja e por centenas de outras com horários pagos em todo o Brasil. Vale
dizer que as primeiras programações radiofônicas realizadas pela IPDA
História do cristianismo III | FTSA | 117
provocaram forte reação e oposição da mídia, sob a acusação de que
tais programas promoviam a prática de curandeirismo.

No final dos anos 1960, início dos anos 70, o país começaria a viver uma
fase de grande desenvolvimento dos meios de comunicação de massa,
especialmente através da televisão, que logo passaria a transmitir em
cadeia nacional e em cores. A importância e a capacidade de influência
desses meios de comunicação para a atividade política, sobretudo da
televisão, ficou muito evidente com o regime militar:

Nos anos 60, especialmente depois de 1964,


consolidou-se aos poucos a indústria cultural e os
meios de comunicação de massa. Desde os anos 40, o
rádio, e posteriormente a TV, começou a desempenhar
papel cada vez mais decisivo na vida social. (Alambert,
1992, p.102)

O advento da televisão teria, inegavelmente, uma importância cultural de


grandes proporções na história do país, como afirma Fernando Novais:
“o centro da nossa indústria cultural tornou-se a televisão” (Novais,
2002, p.640). A penetração intensa da televisão no Brasil se inscreve na
paisagem urbana e rural, na profusão de aparelhos nos interiores das
casas, nas mansões de alto luxo, nos barracos das favelas das cidades
grandes, como também nas casas modestas e nas praças públicas de
cidades pequenas:

Os recordes nas vendas de televisores se explicam


pela presença de diversos aparelhos por domicílio,
cuidadosamente dispostos em vários cômodos das
residências, às vezes em meio a altares domésticos.
As inúmeras antenas parabólicas, com seus imensos
discos redondos voltados para o céu, instaladas em
muitos telhados de residências em favelas (...) em
distantes sítios nas zonas rurais, são emblemáticas,
quase falam por si só. Esse aparelho tecnológico
dissemina por todo o território nacional imagens
118 | História do cristianismo III | FTSA
acuradas emitidas por uma variedade de canais,
eliminando nesse contexto algumas barreiras sociais
geográficas (Schwarcz, 2002, p.440).

Tornando-se cada vez mais um poderoso instrumento de comunicação, a


televisão passou a fornecer um repertório comum por meio do qual pessoas
de classes sociais, gerações, sexo e regiões diferentes se posicionam,
integram-se e se situam umas em relação às outras, criando com isso
aproximações e, no caso de programações religiosas, promovendo aos
fiéis representações de pertencimento a uma comunidade imaginária
maior. Atenta a essa nova estratégia que se apresenta, a Igreja Católica
passou a investir nesta modalidade de comunicação. Empreendeu
também uma corrida para a conquista de mais espaço na TV, fundando
a Rede Vida e apoiando as lideranças da Renovação Carismática,
maximizando o uso evangelístico de sua extensa rede de rádio.

Sobre o uso da televisão como meio de veiculação de programas religiosos,


é preciso considerar que até os anos 1960 – apesar da televisão ter
iniciado as suas atividades na década anterior - os pentecostais ainda se
mantinham distantes desse novo veículo de comunicação. As primeiras
investidas dessas igrejas na televisão esbarravam em dois grandes
problemas: o pouco recurso financeiro para custear os programas e a
falta de experiência com o veículo. No caso da Igreja Pentecostal Deus
é Amor, o uso da televisão é proibido aos fiéis sob o argumento de que é
um veículo difusor de imoralidade. Manoel de Mello, nos anos 60, chegou
a usar a TV, ainda que em programas de pouquíssima duração de tempo.
Além dele, o pregador pentecostal Josias Joaquim de Souza, conhecido
como “missionário Josias”, da Cruzada Evangélica A Volta de Jesus,
sucessora da Igreja Viva Jesus. Souza pregava a cura divina e chegou
a transmitir ao vivo cenas de exorcismo que causaram enorme reação
e provocaram o fim de sua aparição na TV. Embora tais programas de
TV, ancestrais da bateria de programações religiosas atuais, tenham
durado pouco, os líderes aceitavam convites para comparecer em outros
talk shows, mesmo aqueles que chocavam os pentecostais, como o da
apresentadora Hebe Camargo (Freston, 1993, p.88).
História do cristianismo III | FTSA | 119
Saiba Mais:
A primeira polêmica envolvendo TV e religiosidade no Brasil
Uma polêmica envolveu a presença na TV de agentes religiosos
umbandistas, em 1971. O caso foi protagonizado por Cacilda de
Assis, que se dizia encarnar “Seu Sete da Lira da Encruzilhada”.
Era proprietária de um sítio onde instalou o seu centro de culto
afro-brasileiro, no Rio de Janeiro, e mantinha um programa de
rádio diário, na Rádio Metropolitana (RJ). No final de agosto
daquele ano, essa médium se apresentou nos programas de
auditório de Abelardo Barbosa (Chacrinha) e de Flávio Cavalcanti,
respectivamente nas TVs Globo e Tupi. No programa do Chacrinha,
não somente Cacilda caiu em êxtase, como também o apresentador
foi tomado de convulsão de choro, além das duas ajudantes
(“chacretes”) que entraram em transe, junto com várias pessoas do
auditório.1 O acontecido criou uma ebulição nacional e, sobretudo,
entre representantes de segmentos religiosos do país. Os bispos
católicos reagiram por meio da voz de D. Eugênio Sales, no programa
de rádio “A Voz do Pastor”, e através dos jornais, todos naquele ano
de 1971, como O Globo (1971) e Tribuna da Imprensa. Até mesmo
os demais umbandistas condenaram o delírio causado na TV,
conforme matéria publicada no jornal A Notícia, sob a manchete,
“Umbandistas manifestam sua repulsa por Seu Sete”, e também
no jornal Última Hora. Houve ainda debates entre deputados na
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Tal episódio, ao lado de
outros, foi usado pela ditadura militar que vigorava no País naquele
período para estabelecer a censura dos programas de auditório,
então transmitidos ao vivo. Tecnicamente, a televisão brasileira
já havia incorporado os recursos do vídeo-tape, o que facilitou o
cumprimento de tal exigência e, ao mesmo tempo, facilitaria mais
tarde a presença mais efetiva de programas religiosos na TV
(Maggie, 1992).
1
Em seu livro A Noite da Madrinha, publicado em 1972, posteriormente relançado pela editora
Companhia das Letras, em que trata de programas televisivos, Sérgio Miceli descreve tal episódio
referindo-se à “macumbeira que bebeu pinga e fez o auditório entrar em transe no programa do
Chacrinha e do Flávio Cavalcan�, em 1971”. Cf. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 set. 2005, p. E1.
120 | História do cristianismo III | FTSA
5. Pentecostalização do protestantismo clássico
Historicamente, o protestantismo adotou três posturas subsequentes
em relação ao pentecostalismo: inicialmente, ignorou, atribuindo a tais
práticas o sentido de algo efêmero, que logo iria passar, que não merecia
crédito, que estava destinado a desaparecer por si mesmo; depois,
percebendo que o fenômeno pentecostal teria vindo para ficar, o que era
indiferença se transformou em incômodo, ameaça, fazendo com que o
discurso protestante assumisse a partir daí um tom combativo, atribuindo
àquelas práticas termos pejorativos como ‘heresia”, ‘falso evangelho’,
‘fanatismo’, ‘superstição’ etc.; a teologia foi aí acionada para atacar o que
se considerava deturpação da Bíblia; e, finalmente, não podendo mais
concorrer em pé de igualdade, o protestantismo em algumas de suas
vertentes se rendeu, passando a imitar o pentecostalismo, fazendo jus
ao dito de que “não podendo vencer seu concorrente, una-se a ele”.

Em geral, é possível fazer a seguinte síntese sobre a relação


protestantismo & pentecostalismo: primeiro, conflitos entre protestantes
e doutrinas pentecostais originaram igrejas do pentecostalismo clássico,
com novos nomes (como Congregação Cristã e Assembléia de Deus);
segundo, algumas igrejas que romperam com protestantismo clássico
mantiveram o nome de origem e agregaram um sentido pentecostal,
surgindo assim denominações como Igreja Presbiteriana Renovada,
Igreja Batista Renovada, Igreja Batista Nacional, dentre outras; terceiro,
igrejas locais do protestantismo clássico que receberam influências
pentecostais ou neopentecostais, mas que não romperam com suas
respectivas instituições ou organizações (são igrejas protestantes que
mimetizaram ou incorporaram ritos pentecostais em suas práticas).
Todos estes modelos caracterizam de algum modo um “protestantismo
pentecostalizado”.

Citamos, a seguir, exemplos de duas denominações que foram envolvidas


por essas experiências.

História do cristianismo III | FTSA | 121


EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 13
Historicamente, o protestantismo adotou três posturas
subsequentes em relação ao pentecostalismo. Uma dessas
atitudes demonstra um ato preconceituoso que deve ser evitado
em qualquer religião. Assinale a alternativa que indica a prática a
ser evitada no comportamento cristão:

( ) Discurso reflexivo sobre o outro embasado na moderação.

( ) Discurso de tom combativo que pretende minar o outro a fim de


ganhar espaço.

( ) Discurso reflexivo sobre o outro pautado no diálogo e busca de


compreensão.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

122 | História do cristianismo III | FTSA


Batistas e pentecostalismo

No meio batista, como influência do movimento pentecostal, houve o


que ficou conhecido como movimento de “Renovação Espiritual”. Este
movimento teve como proponentes iniciais especialmente o Pr. José
Rego do Nascimento e o Pr. Enéas Tognini. Como resultado, surgiu a
Convenção Batista Nacional, quando se deu o desligamento no ano de
1965 de 32 igrejas da Convenção Batista Brasileira.

Não eram apenas as igrejas que recebiam influências da doutrina e


prática pentecostais; o Seminário do Sul, no Rio de Janeiro, foi impactado
pelo carimatismo da Renovação Espiritual. Em uma carta dirigida ao
Pr. Enéas Tognini, nos anos 1960, o Pr. José do Rego Nascimento faz
relatório de reuniões realizadas naquele seminário com o corpo discente
daquela instituição. Nestas reuniões, os seminaristas foram envolvidos
por experiências pentecostais, isto ocorrendo sem o conhecimento
e aprovação do reitor da instituição, Pr. A. Bem Oliver. A posterior
reprovação do seminário a essas reuniões e ao pentecostalismo seria
apenas o início do que estava prestes a acontecer na denominação.

Depois de muita discussão e embates internos na denominação, a


Convenção Batista Brasileira designou uma comissão constituída por
treze dos seus mais influentes pastores para estudar e apresentar um
trabalho analisando o pentecostalismo à luz das Escrituras, para que
assim a denominação pudesse tomar uma decisão final sobre as igrejas
que vinham aderindo à Renovação Espiritual. O parecer final da instituição
foi de incompatibilidade entre o que a doutrina batista acreditava e as
vivências pentecostalizadas.

Expulsas da Convenção Batista Brasileira, as 35 igrejas a princípio os


dois principais líderes de Renovação Espiritual, Enéas Tognini e José
Rego do Nascimento, não se mobilizaram para reunir as igrejas excluídas
em uma convenção. É quando surge então a figura do pastor Ilton
Quadros Cordeiro, pastor da Igreja Batista do Barreiro, em Belo Horizonte.
Com o apoio desse pastor, decidiu-se criar inicialmente a AME: Ação
História do cristianismo III | FTSA | 123
Missionária Evangélica. Essa organização não continha apenas igrejas
batistas; havia também metodistas e presbiterianas que também haviam
aderido ao movimento de renovação espiritual.

No ano de 1967 extinguiu-se a AME, dando lugar à Convenção


Batista Nacional. Na primeira seção de sua assembleia inaugural,
no templo da Igreja Batista da Lagoinha, foi eleita a primeira diretoria
daquela Convenção. Nascia, assim, oficialmente, o movimento batista
com alinhamento doutrinário pentecostal.

Saiba Mais:
Enéas Tognini e o movimento de renovação pentecostal

O pastor batista Enéas Tognini (1914-2015) é um dos primeiros


expoentes na “pentecostalização” de igrejas clássicas no Brasil.
Filho de imigrantes italianos, nascido em 20 de abril de 1914,
no município de Avaré (SP), Tognini se formou em Teologia pelo
Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro.
Pastoreou igrejas Batistas em Belo Horizonte e a Batista de
Perdizes (São Paulo).

Nos anos de 1950, Tognini foi diretor do Colégio Batista Brasileiro, da


Faculdade Teológica Batista de São Paulo e pastor da Igreja Batista
de Perdizes. Tornou-se referência de um movimento de renovação
espiritual entre os batistas, espalhados em diferentes regiões do
Brasil, movimento esse que se organizou como denominação em
1967, com o nome de Igreja Batista Nacional.

Tognini advogava que nunca deixou sua identidade batista, não


obstante sua aproximação do movimento pentecostal: “Nasci batista
e continuo batista e por ser batista sou livre”. (SIQUEIRA, 2015).

124 | História do cristianismo III | FTSA


Presbiterianos e pentecostalismo

Um movimento em prol do que se denominava ‘avivamento’ ocorreu


também no meio presbiteriano brasileiro, na década de 1960. Deste afã,
nasceram duas igrejas com doutrinas, práticas, objetivos e características
semelhantes: a Igreja Cristã Presbiteriana (que surgiu em 1968, em
Cianorte, Paraná, dissidente da Igreja Presbiteriana do Brasil), e a Igreja
Presbiteriana Independente Renovada (surgida em 1972, na cidade de
Assis, São Paulo, separada da Igreja Presbiteriana Independente do
Brasil).

A afinidade levou essas igrejas a uma aproximação que resultou na união


das duas denominações, no dia 08 de janeiro de 1975, selada numa
assembleia realizada na cidade de Maringá – PR. Nascia, assim, a Igreja
Presbiteriana Renovada do Brasil (IPRB).

A motivação para o surgimento de ambas as denominações foi a


influência do movimento pentecostal, como destacado no site oficial da
IPRB:

“Esse avivamento caracterizou-se por um intenso desejo de conhecer


mais a Palavra de Deus, por uma ênfase ao estudo da doutrina do Espírito
Santo e por uma vontade de consagrar-se mais a Jesus, através da prática
da vida de oração, da pregação ardorosa do Evangelho e da separação
dos costumes mundanos”. (Site da IPRB, 2019).

A igreja manteve um sistema misto de doutrina e sistema de governo.


De um lado, adotou a doutrina pentecostal, com ênfase na glossolalia,
na interpretação sobre os dons espirituais e rigor ascético quanto aos
chamados “usos e costumes”, especialmente em relação às mulheres; por
outro lado, manteve o sistema de governo presbiteriano, fundamentado
em representação de poder na figura de presbíteros, quem compõem
juntamente com os pastores o conselho local e o presbitério, além de
prezar pela formação teológica de seus pastores como exigência para o
exercício pastoral.
História do cristianismo III | FTSA | 125
Saiba Mais
Dados iniciais da IPRB
A Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil nascera com 8.335
membros, 12.497 alunos nas escolas bíblicas dominicais, 84
igrejas, 94 congregações, 7 campos missionários, 59 pastores, 89
evangelistas, 257 presbíteros, 278 diáconos, 97 templos e salões
de cultos, 26 casas pastorais, 34 terrenos, 776 assinantes do
Jornal Aleluia e 60 alunos no Seminário Presbiteriano Renovado de
Cianorte. (Fonte: Site oficial da IPRB)

6. A operosidade pentecostal em contextos sociais de


exclusão
Campos e Gutierrez lembram que, às vezes quando se pergunta a líderes
pentecostais se suas igrejas fizeram a “opção pelos pobres”, prontamente
respondem: “não optamos pelos pobres, somos os pobres” (1990, p.16).

Nesse período de desenvolvimento de novas denominações pentecostais,


houve significativas transformações sociais, como, por exemplo, a
aceleração do processo de industrialização e a consequente migração
para os grandes centros urbanos de contingentes populacionais vindos de
um Brasil rural pobre em busca de melhores condições de vida na cidade.
A emergência destas igrejas viria ao encontro dos valores
tradicionais da cultura desses migrantes, em especial
aqueles ligados a uma terapêutica mágica de benzimentos
e simpatias ou à medicina tradicional de ervas e plantas
curativas sobejamente conhecidas do meio rural de onde
provinham. Para estes a mensagem de “cura divina” não
seria algo estranho (Schwarcz,2002, p.84).

Outra dimensão social do papel dessas igrejas é a conferência aos fiéis


de algum status, o que lhes tem sido negado, como destaca Montes:

126 | História do cristianismo III | FTSA


No meio em que passam a viver, essas igrejas
rapidamente reconstituem para esses novos
trabalhadores que chegam aos grandes centros
urbanos os laços de solidariedade primária de seu
local de origem, perdidos com o processo migratório,
dando-lhes enfim o sentimento de pertencimento
que lhes falta na grande cidade, absorvendo-os numa
comunidade. Por mais humilde, mais incapaz, mais
ignorante que seja, o convertido sente imediatamente
que é útil e que nele depositam confiança: chamam-no
respeitosamente irmão, seus serviços são solicitados
por pessoas que falam como ele e que têm a certeza de
pertencer ao povo de Deus (Montes, 2002, p.84).

Na segunda metade do século XX, as migrações internas e a urbanização


ganharam um ritmo acelerado, provocando alterações nos dados
estatísticos populacionais: se até 1970, cerca de 70% da população
estava concentrada no campo (Folha de Londrina, 1976, p. 01), em 1980,
as cidades já abrigavam 61 milhões de pessoas, contra quase 60 milhões
que moravam ainda no campo, em vilarejos e cidades pequenas.2 Uma
das razões desse novo quadro tem origem no fato de que, na década de
1980, a esmagadora maioria da população que vivia no campo estivesse
mergulhada na pobreza absoluta, forçando, assim, o deslocamento para
o contexto urbano (Schwarcz, 2002, p. 620,621).
O sociólogo Rubem G. Oliven apresenta uma análise sobre as
transformações sociais que ocorreram no país apontando para uma
sociedade cada vez mais “urbana”, sobretudo a partir do final da década
de 60, e apresenta a migração de camponeses e agricultores mais
pobres para as cidades, em busca de trabalho, como um dos fatores
responsáveis por este quadro, e acrescenta:

Um dado significativo sobre o volume da migração no


Brasil é o fato de que por ocasião do censo de 1970
2
Atualmente, segundo dados do Censo IBGE, cerca de 80% desse contingente se instalam
nos centros urbanos.
História do cristianismo III | FTSA | 127
quase um terço de todos os brasileiros estavam vivendo
num lugar diferente daquele em que tinham nascido
(Oliven, 1996, p.68).

Devido a crises no campo, ou embalados pelo sonho de uma vida melhor,


massas migratórias que se concentram no mundo urbano passarão
a enfrentar grandes problemas de violência e desemprego, exclusão
social, crise de sentido, numa espécie de subproduto do modelo urbano-
industrial – aspectos esses que foram intensificados com o fim do
“milagre econômico” apregoado pelos governos autoritários. Novas
classes sociais emergem, pois, disputando um espaço, ainda que
subalterno na sociedade brasileira: classes médias urbanas, o operariado
industrial, o mundo estudantil. Consequentemente, houve considerável
aumento do custo de vida, ocasionando uma queda dos salários reais.
Nos meios urbanos, observam-se condições de saúde e nutrição, assim
como o controle de doenças, agravando-se de forma bastante precária
(Delgado; Ferreira, p.257).

Desse modo, sem mão-de-obra qualificada, a condição de grande parte


da população trabalhadora se torna cada vez mais difícil. As grandes
camadas de rendas inferiores, principalmente, passaram também a
ser atingidas pelo problema da habitação. O processo de favelização
se acentuou na mesma proporção. Nas áreas marginais das cidades,
principalmente as de médio e grande porte, surgiram então, da noite para
o dia, as favelas com todos os seus problemas correlatos:
a migração rural-urbana, causou o inchaço das cidades
médias e grandes, aumentando com isso as favelas,
a fome, a marginalização, a violência e insegurança
(Folha de Londrina, 1984, Caderno 2).

Vista a sociedade em sua maior parcela, há a família do trabalhador


comum, do migrante rural recém-chegado e dos citadinos pobres,
de todos os que se encontram na base do mercado do trabalho; há a
128 | História do cristianismo III | FTSA
família que mora em barracos mais ou menos precários nas favelas, ou
na periferia, ainda cheia de poeira, sem iluminação pública, sem esgoto
ou água encanada, sem condições básicas de saneamento. “Fugir do
aluguel” é uma preocupação permanente de todos os assalariados
(Novais, 2002, p. 601).

Naturalmente, o incremento populacional é um dos elementos


desencadeadores da violência urbana. Há uma explosão desse problema
social nos anos 1970 e 1980. Os efeitos da pobreza e da urbanização
acelerada promovem aumento espetacular da violência nas metrópoles,
sendo as áreas e bairros mais pobres os mais afetados. Noticiários
nos meios de comunicação de massa passam a estampar diariamente
informações que propagam o medo, sobretudo pelo crime e morte
ocorridos de modo agressivo (Schwarcz, 2002).

Criou-se, desse modo, um terreno fértil para a operosidade pentecostal em


suas diferentes tipologias. A multiplicação desses segmentos evangélicos,
com extraordinário crescimento, faz que seus fiéis “partilhem as mesmas
crenças e as mesmas esperanças, longe da agitação da vida social mais
ampla, ensinando a não ambicionar outra projeção senão aquela que se
conquista no interior da própria igreja” (Schwarcz, 2002, p. 84).

História do cristianismo III | FTSA | 129


EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 14
A operosidade pentecostal em contextos sociais de exclusão
é algo notável. Tal questão é de evidência histórica e reflete até
os dias de hoje. A aplicação de certas práticas absorveu muitas
pessoas marginalizadas para os templos. Por mais que os
métodos pentecostais revelem a magia como algo atraente para as
pessoas, há uma dimensão social da igreja pentecostal que atinge
uma carência humana evidenciando um alerta para aplicação do
evangelho. Assine a alternativa correta, que corresponde a este
enunciado:
( ) Uma dimensão social das igrejas pentecostais é a conferência
aos fiéis de algum status, o que lhes tem sido negado no dia a dia da
sociedade. Assim, uma vez inclusas as pessoas acabam obtendo o
sentimento de pertencimento, solidariedade, e absorção dentro da
comunidade. Tal questão evidencia uma carência humana e um
alerta para aplicação da mensagem cristã.
( ) Os pentecostais demonstram pouca receptividade e pouca
interação com a realidade social, devido ao fundamentalismo; por
isso, o que atrai as pessoas para esse meio são as terapias mágicas
denotadas como cura divina. Esse posicionamento demonstra um
bom exemplo de aplicabilidade do evangelho na atualidade.
( ) A dimensão social das igrejas pentecostais revelam somente
o desejo de transcendência que habita no humano, ou seja, dá-se
importância ali somente ao sobrenatural, ignorando as questões
terrenas. Isso pode ser considerado como modelo para aplicação
do evangelho.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!

130 | História do cristianismo III | FTSA


Considerações finais
Em geral, o pentecostalismo, chamado às vezes de “protestantismo de
conversão” (Camargo, 1973), trouxe, sob vários aspectos, significativas
inovações para o campo religioso.

Primeiro, suas denominações surgem como rupturas de igrejas


tradicionais do protestantismo histórico. Foi assim com a Congregação
Cristã no Brasil (originária na Igreja Presbiteriana); com a Assembléia
de Deus (gestada por missionários da Igreja Batista); Igreja Evangélica
Avivamento Bíblico (surgida dentro da Igreja Metodista); Igreja do
Evangelho Quadrangular (igualmente fundada por uma missionária
metodista).

Segundo, o pentecostalismo, em num país majoritariamente católico,


inovou do ponto de vista teológico e organizacional: suas igrejas
prescindiam da hierarquia sacerdotal e “negavam ao catolicismo o
monopólio da salvação, agora colocada nas mãos dos próprios fiéis”
(Schwarcz, 2002, p. 83):

Para esses novos fiéis, a adesão às igrejas pentecostais


emergentes seguramente representaria uma “subversão
simbólica” da estrutura tradicional do poder. (...) Ao
rejeitarem também a hierarquia sacerdotal tradicional
da Igreja Católica, elas promovem adesão a um sistema
de crenças religiosas que colocam o sobrenatural ao
alcance imediato de todos os que abraçam a nova fé
(Schwarcz, 2002, p. 84).

Terceiro, o pentecostalismo – em sua versão de cura divina - trouxe


mudanças no uso de instrumentos não convencionais de evangelização,
centrados sobretudo na comunicação de massa, por meio do rádio, tendas
de lona itinerantes junto às quais se agrupavam os adeptos potenciais
para ouvir a nova mensagem evangélicas, assim como nas concentrações
em praças públicas, ginásios de esporte e estádios de futebol.
História do cristianismo III | FTSA | 131
E, finalmente, o pentecostalismo promoveu mudanças também em
sua própria mensagem a “cura divina” para as doenças do corpo ou da
interioridade do espírito: o que era inicialmente uma dimensão privada,
de experiência pessoal, logo passou a ser exposto publicamente por
meio dos nomes verbalizados pelos pregadores que, sem receios,
diagnosticavam as enfermidades; e também pela autoconfissão nos
chamados “testemunhos de cura” dados pelos fiéis. O milagre passou a
ser, assim, um elemento de propaganda com dia e hora marcados.

Uma nova tipologia pentecostal ganharia evidência a partir dos anos


1970, sob a alcunha acadêmica de neopentecostalismo. Sobre isto
estudaremos com detalhes na próxima unidade.

EXERCÍCIO DE REFLEXÃO - 15
O pentecostalismo trouxe mudanças relevantes para a América
Latina e Brasil. Promoveu impactos, rompeu controles dogmáticos
e institucionais, gerou um novo cenário de igrejas, espiritualidades,
evangelizações, denotando uma nova dinâmica para fé. Assim,
elabore um texto reflexivo, utilizando no mínimo 200 palavras, que
aponte aspectos que você considera como positivos em relação ao
desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!
132 | História do cristianismo III | FTSA
Referências
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e reflexões. São Paulo: Scipione, 1999.
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História do cristianismo III | FTSA | 135


UNIDADE IV - NEOPENTECOSTALISMO E OUTROS
MOVIMENTOS EVANGÉLICOS CONTEMPORÂNEOS
Introdução à unidade
Chegamos à última unidade do nosso curso. Nesta, daremos uma atenção
especial aos movimentos evangélicos mais recentes, responsáveis por
um crescimento escalonário do número de pessoas que se declaram
evangélicas no país, conforme demonstrado pelos institutos de
pesquisas especializados. O segmento mais impactante neste novo
cenário é o que de convencionou denominar de ‘neopentecostalismo’,
representado por igrejas como a Igreja Universal do Reino de Deus,
responsável por inovações e práticas até então inimagináveis no campo
religioso protestante. Juntamente com ela, um número infindável de
novas comunidades locais e autônomas, originárias em grande parte
das vezes de cismas ou divisões ocorridas no âmbito de igrejas do
protestantismo histórico ou do pentecostalismo clássico. Também
é notório que práticas neopentecostais não se fixaram em fronteiras
denominacionais, ou seja, muitas igrejas consideradas tradicionais ou
clássicas se ‘neopentecostalizaram’, passando a adotar em seus ritos
vários elementos com este perfil.

Outro aspecto que se notabiliza nestas décadas recentes é o chamado


‘trânsito religioso’ envolvendo evangélicos, significando a migração pelos
fieis entre as diversas denominações. A fidelidade institucional é cada vez
mais frágil; os crentes costumam frequentar mais de uma modalidade
evangélica, compondo uma espécie de ‘cardápio’ religioso para atender
aos diferentes anseios pessoais. Desse modo, a igreja que frequentam
no domingo não é a mesma da terça, nem a da quinta-feira. A isto ainda
se acrescenta o acompanhamento quase que diário de programações
eletrônicas, na TV ou na internet, pelas quais participam de campanhas de
oração, recebem doutrinação, fazem contribuições financeiras etc. Assim,
ocorre a vivência de um universo bastante pluralizado, em que elementos
136 | História do cristianismo III | FTSA
do protestantismo e do (neo)pentecostalismo são combinados segundo
preferências e gostos pessoais.

Veremos também outro indicativo que começa a chamar a atenção de


estudiosos do temário religioso brasileiro: o crescimento cada vez mais
acentuado, apontado pelos institutos de pesquisas, de pessoas que se
identificam como ‘sem religião’. Muitas destas se declaram evangélicas,
mas optaram por não se filiar a uma denominação ou frequentar um
templo religioso. Nesta modalidade se incluem particularmente três
grupos: os que se declaram cristãos, mas optaram por viver a fé e a
espiritualidade de forma pessoal ou privativa, gerindo elas mesmas
os bens espirituais de salvação; os que já pertenceram a uma igreja
evangélica, mas dela se desvincularam, passando a se denominar daí em
diante como “desigrejados”; e, a categoria de evangélicos não praticantes.

Em síntese, quais elementos novos passaram a compor a identidade


evangélica no país nas últimas décadas? Como interpretar estas
transformações? São alguns dos aspectos que apresentaremos nesta
unidade. Quais desafios e prospecções estes novos cenários significam
para a missão da igreja? São reflexões que você, caro estudante, poderá
fazer ao final, a partir da leitura destas páginas, análise dos vídeos e
interatividade com os exercícios propostos. Boa aula!

1 – Origem e desenvolvimento do neopentecostalismo


Os cristãos ‘não católicos’ têm sido historicamente identificados
por diferentes nomenclaturas no Brasil: ‘os crentes’, protestantes,
evangélicos, pentecostais, neopentecostais, dentre outros. ‘Evangélico’
tem sido atualmente o termo mais genericamente empregado. Em
relação às tipologias pentecostais, ‘neopentecostalismo’ é a categoria
mais utilizada pelos estudiosos do campo religioso brasileiro quando se
referem à modalidade mais recente do movimento iniciado nos EUA, no
início do século XX, conforme já visto na unidade anterior.
História do cristianismo III | FTSA | 137
Saiba mais
O que significa "evangélico":
No campo religioso brasileiro torna-se cada vez mais difícil delimitar
ou conceituar com maior precisão a categoria “evangélico”, já que
engloba um número importante de igrejas com grande diversidade
organizacional, teológica e litúrgica. Em geral, o termo remete a um
conjunto de características que traçam um perfil relativamente definido
de um grupo que engloba um número cada vez mais significativo de
pessoas, mas com muitas fragmentações e divergências internas.
Assim, gozando de extraordinária autonomia, cada uma destas
igrejas se projeta no espaço social segundo iniciativa dos pastores ou
de suas comunidades locais, por não possuir um órgão institucional
que as normatize ou as regularize. Em decorrência de tal projeção, há
inclusive hoje uma assimilação cultural da liturgia e do vocabulário
evangélico, fazendo que cada vez mais nas ruas e locais públicos,
por exemplo, pessoas exibam camisetas e estampem adesivos nos
seus automóveis com dizeres que representam essa nova tendência
religiosa. (Montes, 2002, p. 87).
O que significa "neopentecostalismo":
A tipologia pentecostal surgida a partir de meados da década de
1970 é denominada por pesquisadores, como Antônio de Gouvêa
Mendonça, Leonildo Silveira Campos e Ricardo Mariano, como
‘neopentecostalismo’. Tornou-se o termo de uso mais frequente
nas pesquisas acadêmicas. Outros estudiosos, como Paul Freston,
preferem o termo ‘terceira onda’. Embora mantendo certas ênfases
das denominações pentecostais mais antigas, as novas igrejas
acrescentam elementos totalmente inovadores, constituindo-
se em algo qualitativamente diferente, características distintivas
que conferem a tal segmento identidade e estatuto próprio em
relação ao aos modelos predecessores de pentecostalismo.
Podem ser apontadas quatro principais características do
neopentecostalismo: ênfase no exorcismo; ênfase na teologia da

138 | História do cristianismo III | FTSA


prosperidade (segundo a qual, é direito e dever do cristão ser rico ou
bem sucedido financeiramente, sendo a pobreza, em contrapartida,
algo incompatível com a fé cristã); não mais a exigência dos
chamados ‘usos e costumes’ como sinais de santidade adotados
do pentecostalismo clássico (como por exemplo, as mulheres se
trajarem de modo diferente dos homens, usarem o cabelo comprido,
não fazerem uso adornos ou enfeites estéticos, comportarem-se
de modo bastante recatado); uso dos meios de comunicação de
massa, sobretudo rádio e TV (no caso desta última, uma ruptura
com o pentecostalismo clássico, que considerava a televisão
algo pernicioso à fé cristã e, como tal, de uso inapropriado à fé
evangélica), para a propagação de sua mensagem.

1.1 A "igreja-mãe" do neopentecostalismo brasileiro


Um elemento marcante no campo religioso brasileiro foi o surgimento
da Igreja Cristã de Nova Vida, fundada em agosto de 1960, no bairro
Botafogo, Rio de Janeiro, pelo pastor canadense Walter Robert McAlister.
Intitulado posteriormente ‘bispo’, esse líder publicou mais de 40 livros e
livretos sobre libertação de demônios e prosperidade financeira. Durante
os anos 60, McAlister fixou-se no Brasil como missionário, morando no Rio
de Janeiro, onde pregava semanalmente no auditório ABI – Associação
Brasileira de Imprensa, iniciando o que chamava de “a Cruzada de Nova
Vida”, que deu origem posteriormente à igreja como o nome similar.

Por meio da TV Tupi, McAlister transmitia seus programas religiosos,


no período de 1965 a 1967. No Rio de Janeiro, a Nova Vida tornou-se
proprietária da Rádio Relógio. Ela criou a sua própria editora e, desde
1994, passou a editar a revista mensal Voice, cuja tiragem alcança 20 mil
exemplares, distribuídos gratuitamente ao público, em geral através de
bancas de revistas.
Essa igreja desempenhou um papel importante na demarcação do campo
religioso brasileiro: nela se formou um locus ou um ethos pentecostal,
História do cristianismo III | FTSA | 139
desencadeador e provedor de quadros de liderança das duas das
maiores igrejas neopentecostais do país: Universal do Reino de Deus
e Internacional da Graça de Deus – respectivamente lideradas por Edir
Macedo e R. R. Soares, originários daquele ambiente.

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 16
Podem ser consideradas práticas características do
neopentecostalismo, quando comparadas ao pentecostalismo
clássico:
(A) Ênfase no exorcismo.
(B) Ênfase na teologia da prosperidade.
(C) Não mais a exigência dos chamados ‘usos e costumes’ como
sinais de santidade.
(D) Rejeição ao uso de símbolos e objetos com função mágica em
seus ritos, por considerá-los idolatria.
(E) Uso dos meios de comunicação de massa, sobretudo rádio e
TV, para difusão de sua mensagem.
Assinale a única alternativa correta:
[ ] Apenas A, B, e C estão corretas
[ ] Apenas C, D e E estão corretas
[ ] Apenas C está correta
[ ] Apenas A, B, C e E estão corretas
[ ] Todas as alternativas estão corretas

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140 | História do cristianismo III | FTSA


1.2 – O surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)
As práticas da IURD reeditam experiências já conquistadas por
segmentos pentecostais que historicamente a antecederam, porém, as
modificações que essa igreja implementou ocorrem numa dimensão e
numa profundidade sem precedentes. Surgiu aí “um novo tipo de igreja
evangélica, inédito no Brasil”:

Em menos de três décadas essa igreja atingiu


um crescimento vertiginoso, diversificando suas
atividades e formas de atuação a ponto de definir um
“perfil próprio” que a distingue no interior do campo
evangélico, configurando o que veio a ser chamado de
“neopentecostalismo” (Montes, 2002, p.85).

Seu fundador, Edir Macedo Bezerra, nasceu na cidade de Rio das Flores,
em 18 de fevereiro de 1945. Viveu sua infância em um lar extremamente
pobre de migrantes nordestinos: “seu pai, Henrique Francisco Bezerra,
alagoano, possuía uma pequena venda de secos e molhados, e sua mãe,
Eugênia Bezerra, dona-de-casa”. (Mariano, p.43). Segundo o próprio
Macedo, ele é um “sobrevivente”, pois sua mãe teve 33 filhos, dos quais
10 morreram e 16 foram abortados por terem nascido “fora de época”. No
começo da sua adolescência, Macedo mudou-se com sua família para
Petrópolis - RJ. Em 18 de dezembro de 1971, casou-se com Ester Eunice
Rangel Bezerra. Do casamento nasceram três filhos, sendo as duas filhas
mais velhas casadas com pastores da Igreja Universal, e o terceiro filho,
Moisés, dedicado ao campo da música.

Quanto à sua trajetória mais propriamente religiosa, vale destacar


que, antes de fundar a sua própria igreja, Macedo foi católico, depois
participante da umbanda e candomblé além de peregrinar por igrejas
evangélicas, como a Batista e outras do pentecostalismo clássico, fato
que o torna uma figura bastante representativa da configuração pluralista
do campo religioso brasileiro. O site da Igreja descreve esta experiência
de conversão como decisiva na vida de seu líder:

História do cristianismo III | FTSA | 141


Desde muito jovem, Edir Macedo sentia falta de algo
especial que preenchesse o vazio de seu coração: uma
experiência maior com Deus. O encontro ocorreu em
1963 e deu origem a uma virada radical não apenas em
sua vida, mas também na de milhões de pessoas. (Arca
Universal, 2004)

O início da trajetória religiosa de Edir Macedo, que faria dele uma figura
emblemática do neopentecostalismo se deu em 1963, quando, aos 18
anos, converteu-se na Igreja Cristã de Nova Vida, aonde chegou por
meio de sua irmã, que testemunhava ter sido curada de uma bronquite
asmática naquela denominação religiosa.

A aparição definitiva de Macedo como líder religioso aconteceu em 1974.


Quando era funcionário da Casa de Loterias do Rio de Janeiro, com
31 anos, Macedo deixou a Igreja de Nova Vida, para iniciar sua própria
denominação. O primeiro passo foi iniciar um programa de rádio que ia
para o ar logo após uma outra programação religiosa, apresentada por
uma mãe-de-santo. O programa, ao vivo, garantia que Edir contrapusesse
os discursos, as cosmologias e, principalmente, os resultados práticos de
uma religiosidade e outra. Durante esse período, com o auxílio de Romildo
Ribeiro Soares, seu cunhado, (hoje, conhecido como “missionário R.R.
Soares”), Roberto Augusto Lopes e Samuel Fidélis Coutinho, fundou a
Igreja Cruzada do Caminho Eterno. Logo depois, Macedo e R. R. Soares
consagraram-se mutuamente pastores, sendo que Edir Macedo passou a
acumular também o cargo de tesoureiro da cruzada. Vale dizer que antes
de fundarem a Igreja do Caminho Eterno, esses dois líderes nunca haviam
exercido qualquer cargo eclesiástico; contudo – mesmo sem qualquer
formação teológica específica – obtiveram a consagração para tal função.

Três anos mais tarde ocorreu uma cisão no grupo. Foi quando Macedo,
após também pedir demissão de seu emprego na Loterj, com o apoio de R.
R. Soares, fundou, no dia 9 de julho de 1977, a Igreja Universal do Reino de
Deus. Nas palavras da própria IURD assim é descrito o surgimento da Igreja:

142 | História do cristianismo III | FTSA


É bem verdade que nada começou de uma hora para
outra. Sem condições de alugar um imóvel, o então
pastor Edir Macedo iniciou as suas primeiras reuniões
num coreto do Jardim do Méier. Orientado pelo Espírito
Santo e revestido de uma fé inabalável, as suas
palavras logo deram início à Igreja que atualmente
mais cresce no mundo. Em 9 de julho de 1977, abriam-
se oficialmente as portas da Igreja Universal do Reino
de Deus. Foi alugada uma antiga fábrica de móveis no
número 7.702 da Avenida Suburbana que parecia ser
o local ideal para iniciar a obra. O galpão se tornou o
grande templo da Abolição, com capacidade inicial para
1.500 fiéis. Mas logo foi preciso ampliar a capacidade
para duas mil pessoas. (Arca Universal, 2004)
Em 1980, devido a uma divergência, R.R Soares separou-se de Macedo
para fundar a sua própria denominação religiosa, a Igreja Internacional
da Graça de Deus. Mais tarde, em 1981, Macedo optou pelo episcopado,
sendo consagrado bispo.

1.3 A expansão do neopentecostalismo iurdiano


O crescimento da Igreja Universal se deu de modo sem precedentes no
campo religioso brasileiro. Em menos de três décadas transformou-se no
mais surpreendente e bem-sucedido fenômeno religioso do país. Nenhuma
outra igreja havia crescido tanto em tão pouco tempo. Rapidamente, a IURD
rompeu as fronteiras geográficas de seu ambiente de origem, superando
as expectativas mais otimistas utilizadas para aferir o crescimento de
novas igrejas. Atualmente, possui templos em cerca de 180 países. O site
oficial da IURD enobrece essa capacidade visionária e o papel de ousadia
desempenhado pelo seu líder.
Quando o jovem Macedo alugou o galpão, alguns pastores que trabalhavam
com ele consideraram o gesto uma loucura, já que o aluguel do imóvel era
muito caro. Essa ousadia, entretanto, contribuiu para fazer da Universal o
que ela é hoje: uma Igreja que não para de crescer. (Arca Universal, 2004)
História do cristianismo III | FTSA | 143
Nos primeiros anos, a distribuição geográfica da Igreja se concentrou
nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Em
seguida expandiu-se pelas demais capitais, grandes e médias cidades.
Com apenas três anos já contava com 21 templos em cinco estados
brasileiros. Em 1985 avançou para 195 templos em 14 Estados e no
Distrito Federal. Em 1989, eram 571 locais de culto. Na década de 1990,
passou a cobrir todos os Estados do território brasileiro. Em 1999, numa
vigília, reuniu multidão suficiente para lotar, ao mesmo tempo, o enorme
estádio do Maracanã e o Maracanãzinho, evento registrado de forma
entusiástica pela Folha Universal:

A noite de 29 de outubro entra para a história como


a data em que se reuniu o maior número de pessoas
em um evento religioso realizado num estádio de
futebol no país: 250 mil pessoas. Ônibus, trens e metrô
completamente lotados, traziam, a cada nova viagem,
centenas de pessoas (...) Caravanas, utilizando mais
de três mil ônibus, de vários pontos do país, passaram
pelos portões do maior estádio do mundo, porém
pequeno para abrigar o grande número de membros da
IURD. (Plenitude, 1999, p.69)

Nesse acontecimento, a Universal ousou novamente ao alugar dois


trens, cada um com oito vagões, que saíram da Baixada Fluminense,
transportando os fiéis até o local da reunião. Comentando esse
crescimento da Igreja, Ricardo Mariano destaca a distinção obtida pelo
movimento liderado por Macedo:

Qualquer um que tivesse visto a IURD surgir na sala


de uma ex-funerária do bairro da Abolição, subúrbio
da Zona Norte do Rio, não sustentaria grandes
expectativas a seu respeito. (...) No entanto, apesar da
remota probabilidade de êxito, a história lhe foi assaz
generosa, milagrosa até. (Mariano, 1999, p.43)

144 | História do cristianismo III | FTSA


O depoimento dado por um ex-pastor da IURD também destaca essa
capacidade de projeção:

De todos os milagres operados por Edir Macedo, o


maior, sem sombra de dúvida, foi de ter transformado
uma igrejinha protestante, que começara timidamente
em uma funerária no Rio de Janeiro, em 1977, neste
imenso e poderoso império que se espalha por vários
países. Um império que cresce a cada dia com a
capacidade de multiplicar milhões de dólares como se
fossem pães. (Justino, 1995, p. 29)
Segundo Macedo, uma das atitudes que tem colaborado para o crescimento
da IURD em todo o mundo é uma receita bem simples: “fazer dos limões
(que representam os problemas), uma boa limonada (representando a
vitória)”. A igreja enfrentou períodos de grande perseguição e rejeição de
alguns de seus pastores em alguns lugares onde se estabeleceu. “Essas
dificuldades têm sido encaradas pelos líderes da Igreja Universal como
oportunidades ideais para o exercício da fé e para a ação do poder de
Deus”. (Justino, 1995, p. 12)

A Igreja Universal do Reino de Deus tem ultrapassado as


fronteiras abençoando os povos em mais de cem países.
Todos os dias, milhares de pessoas testemunham
milagres de cura, vitória e prosperidade – um sinal da
manifestação do poder de Deus – que fazem com que
a IURD se mantenha firme em sua trajetória. Nas ruas,
prisões, hospitais e através dos meios de comunicação,
bispos, pastores e obreiros devotam cada minuto de
suas vidas, dedicando todas suas forças para ajudar os
necessitados. (Folha Universal, 2005, p.5)

Cabe ainda um destaque para a atuação da IURD em uma frente missional


ainda pouco alcançada pelos demais evangélicos: a capelania em
ambientes prisionais. Essa igreja desempenha hoje o principal trabalho
evangelizador e social com detentos e seus familiares; tem autorização
História do cristianismo III | FTSA | 145
oficial para exercer estas atividades com centenas e centenas de
obreiros envolvidos, inclusive nos presídios em que se concentram as
facções mais violentas do país. O fato de muitos de seus obreiros já
terem também passado pelo mundo da violência ou do crime, contribui
em grande medida para o êxito obtido por essa igreja junto a este público
que perfaz atualmente mais de meio milhão de detentos.

Em síntese, a dinâmica e impactante atuação no campo religioso da


IURD se deve não apenas ao seu rápido crescimento, visibilidade e
capacidade de arregimentação de fiéis, mas também às inovações que
promoveu: ao invés de templos convencionais para os seus cultos ou
reuniões, a transformação de locais normalmente tidos pelos evangélicos
como profanos em espaços sagrados - a exemplo de casas de shows e
cinemas - inseridos em meio às aglomerações; o uso intenso dos meios
de comunicação de massa, mediante compra de horários no rádio e na TV,
ou mesmo pela aquisição desses meios de comunicação para o anúncio
de sua mensagem; grande ênfase no dinheiro como parte da vida religiosa,
promovendo enorme visibilidade social e projeção econômica da Igreja,
com altas taxas de arrecadação financeira, posse de milhares de templos,
além de diversos empreendimentos paralelos tais como, gravadoras,
editoras, livrarias, instituições bancárias e do ramo da construção civil.

Saiba mais
Outras denominações representativas do neopentecostalismo
brasileiro
Além da IURD, há um número incalculável de outras denominações
e comunidades locais que compõem o neopentecostalismo.
Destacamos, a seguir, alguns exemplos bastante representativos
deste perfil, que ganharam projeção nacional:

146 | História do cristianismo III | FTSA


- Igreja Internacional da Graça de Deus: fundada por Romildo
Ribeiro Soares (conhecido como missionário R. R. Soares), em
1980, após separação entre Soares e Macedo, seu cunhado, que
juntos haviam fundado a IURD. Soares optou por trabalhar com o
público da chamada terceira idade. Os diagnósticos de doenças
que apresenta, assim como os ritos e orações de cura que realiza
em seus programas, são estratégica e tipicamente associados a
essa faixa etária. Os poucos jovens que comparecem ao templo e
campanhas estão ali geralmente auxiliando no acompanhamento
de seus avós idosos. Seguindo o estilo norte americano de
evangelismo, Soares adotou como principais estratégias, além do
uso dos templos, campanhas de cura divina em ginásios de esporte
e, sobretudo, a ocupação de representativo espaço na TV. Suas
programações entram diariamente nos lares brasileiros, em horário
nobre da TV, atingindo membros de diferentes denominações,
que mensalmente contribuem, na condição de “associados do
missionário”, para o pagamento destes horários. Na última década,
Soares adquiriu seu próprio canal de televisão, a RIT TV. Também
tem elegido já por alguns mandatos seus dois filhos para cargos
políticos: um deputado federal, outro, vereador por São Paulo.

- Igreja Renascer em Cristo: A Igreja Apostólica Renascer em


Cristo foi fundada em São Paulo, em 1986, por Estevam Hernandes
e Sônia Hernandes. Ele, denominado ‘apóstolo’; ela, ‘bispa’. Seu
surgimento provocou um tipo de ‘escândalo’ no mundo pentecostal:
uma mulher nomeada ‘bispa’, que se apresentava ostentando
grande número de adereços, joias e maquiagens, ‘usos e costumes’
estes até então considerados pecados para o pentecostalismo. A
Igreja Renascer possui uma emissora de TV, a Rede Gospel, uma
gravadora, rede de rádio, uma editora e uma linha de confecções;
no Brasil há cerca de 1200 templos. Desde o início, priorizou o
trabalho com jovens urbanos, além de artistas e músicos. Tornou-
História do cristianismo III | FTSA | 147
se referência no estilo de inovações da chamada ‘música gospel’.
Inovou também as práticas do campo religioso ao trabalhar com
as chamadas “franquias religiosas”, ou seja, à semelhança do que
ocorre com grandes redes e marcas do mundo comercial, passou
a abrir templos Brasil afora cedendo o uso de sua marca a líderes
locais que desejavam abrir uma nova igreja, devendo estas, a
partir do segundo ano de funcionamento, pagar progressivamente
comissões financeiras com base nas arrecadações de dízimos e
ofertas. Essa igreja é também idealizadora e principal responsável
pela realização do maior evento gospel que anualmente ocorre no
país: a Marcha para Jesus, em São Paulo.

- Igreja Bola de Neve: O movimento Bola de Neve surgiu em 1993,


em São Paulo, como um ministério idealizado pelo profissional de
marketing Rinaldo Luís de Seixas Pereira (Rina), frequentador da
Igreja Renascer em Cristo. O objetivo era de desenvolver atividades
religiosas com jovens urbanos dos meios esportivos com estilos
radicais. O nome advém da proposta religiosa que seria como
uma bola de neve, que começaria pequena e se tornaria grande,
cumprindo seu papel. Depois de funcionar como um ministério
da Igreja Renascer, em 1999 houve um rompimento com esta
denominação, nascendo oficialmente a partir daí como uma nova
igreja. Como as primeiras reuniões ocorreram nas dependências
de uma loja de surf, adotaram como marca distintiva o uso de uma
prancha de surf como púlpito, o que ocorre até hoje. Suas principais
atividades são voltadas a jovens pertencentes às chamadas tribos
urbanas, com uso de rádios on line e lançamento de músicos no
estilo gospel que disseminam letras típicas do público ao qual
a igreja se dirige. O perfil ministerial da Bola de Neve representa
algo inimaginável – e escandaloso - até bem pouco tempo no

148 | História do cristianismo III | FTSA


meio pentecostal: evangelho misturado à prática de esportes
radicais, estilo de roupas típicas de tribos urbanas, uso de música e
instrumentos musicais – como o hip-hop ou o funk - considerados
profanos ou ‘mundanos’ para a ascese pentecostal.
- Igreja Mundial do Poder de Deus: Cerca de 70% dos atuais adeptos
da Igreja Mundial são provenientes da Igreja Universal do Reino
de Deus. Isto porque seu fundador, conhecido como apóstolo
Valdemiro Santiago, atuou como bispo por mais de 10 anos naquela
denominação. Em 1998, na cidade de Sorocaba – SP, onde era
bispo da IURD, Valdemiro rompeu com a igreja de Edir Macedo,
ganhando rápida projeção e notoriedade ao adotar um perfil que
combina o sagrado com um estilo de humor, tanto nas prédicas
quanto no modo caricato de se trajar, que inclui, por exemplo, o uso
de um chapéu que lembra o perfil interiorano. Esta representação
de ‘humildade’ ou simplicidade, Valdemiro estrategicamente gosta
de explorar. Sua mulher, Franciléia, foi nomeada ‘bispa’; seu modo
de se vestir, com notável uso de anéis, joias e maquiagens, também
simboliza o quanto o neopentecostalismo se distanciou do modelo
clássico do pentecostalismo. Os cultos e campanhas da Mundial são
voltados quase que exclusivamente à cura divina, valorizando o uso
de objetos com poderes ‘mágicos’, como: lenços contendo o suor
do ‘apóstolo’, copos d’água e outros tipos de souvenir, ‘vendidos’ aos
fieis, assumindo a função de amuletos e fetiches miraculosos, além
do rito que possibilita aos adeptos receberem um ‘abraço de cura’
do apóstolo. Após duas décadas de funcionamento, a denominação
atingiu mais 700 mil membros; passou também a sofrer processos
judiciais por não pagamento de aluguel de cerca de 400 templos,
dentre os milhares que conseguiu espalhar pelo país.

História do cristianismo III | FTSA | 149


EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 17
Podem ser consideradas inovações apresentadas pelo
neopentecostalismo no campo religioso brasileiro:
(A) Mulheres nomeadas com o título de bispas.
(B) Mulheres líderes utilizando adereços como joias e maquiagens,
além do cabelo curto e outros modos comportamentais, aspectos
até então considerados profano pelo pentecostalismo clássico.
(C) Concessões de franquias religiosas para abertura de novas
igrejas usando-se o nome da igreja-sede.
(D) Ministério realizado por meio de prática de esportes radicais,
uso de música e instrumentos musicais típicos de tribos urbanas.
Assinale a única alternativa correta.

[ ] Apenas A e B estão corretas


[ ] Apenas A, B e D estão corretas
[ ] Apenas C está correta
[ ] Apenas C e D estão corretas
[ ] Todas as alternativas anteriores estão corretas

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150 | História do cristianismo III | FTSA


2 – O público alcançado pelo neopentecostalismo
Nos anos 1970 e 80 o Brasil vivencia um intenso processo de urbanização,
decorrente de um escalonário desencadeamento de êxodo rural, que
intensificou a formação e multiplicação de periferias pobres, ocasionando
desemprego e perda de referência de coletividade. Esse contingente, que
passaria a experimentar situações de pobreza e violência, num contexto
gerador de profundas incertezas e desestabilidades existenciais, em
proporções ainda maiores do que as vividas pelo homem rural, passaria
a se constituir no público-alvo de práticas religiosas que pudessem
responder a tais contingências.

A massificação da vida nos grandes centros urbanos leva o indivíduo


a conviver com problemas de natureza psicossocial: a solidão e a
perda de muitos referenciais simbólicos como a família e a religião da
tradição, logo, torna-se necessário buscar alternativas de compensação
na tentativa de preencher os espaços vazios que o novo estilo de vida
foi criando. Neste quadro de uma economia capitalista em fase de
remodelação, provocando desarticulação dos modos de vida, é que se
formou um contingente vivendo em situações-limite - terreno fértil e
público–alvo para a operosidade neopentecostal.

Assim, nesse momento e contexto, eclodiu uma massa emergente de


indivíduos em busca de respostas mais rápidas aos seus dramas e
anseios. Esse contingente migrante do contexto rural para o urbano não
encontrou espaço no protestantismo pela sua aridez simbólica, discurso
racional, um estilo de culto com linguagem inacessível e espaço quase
inexistente à liderança leiga, aspectos que marcavam um fosso cultural
entre a religiosidade popular e o racionalismo da cultura eclesiástica.
No catolicismo oficial, a erudição das missas em latim também se
tornava grande obstáculo. Tampouco o discurso militante da Teologia
da Libertação foi capaz de atrair essa massa que precisava de respostas
imediatas, sem poder esperar pelos processos de conscientização
promovidos nos grupos de reflexão e catequese das Comunidades
Eclesiais de Base e a consequente transformação da sociedade pela
História do cristianismo III | FTSA | 151
revolução dos oprimidos ou proletariados. Com isso, muitos desses
simpatizantes acabariam atraídos a uma “solução” mais rápida e de
caráter mais “sobrenatural”.

Portanto, foi em tal ambiente, onde o ato mágico se tornou necessário


para preencher o vazio do desconhecido, que surgiu um movimento com
propostas de soluções mais instantâneas e mediadas pelo sobrenatural
do sagrado, apresentando-se como um caminho mais sedutor para um
contingente urbano que não mais podia esperar. No caso da IURD, bispos,
pastores, obreiros auxiliares e membros, de modo geral, demonstram
uma experiência comum: chegaram à Igreja na condição do que
denominam “fundo do poço”. A saída de tais situações de infortúnio, que
se materializam em doenças, desemprego e fracassos, está nas mãos de
cada um, pois basta que os fiéis apelem para Jesus buscando o auxílio
da verdadeira Igreja (IURD, é claro), a qual é fiadora dos milagres. O passo
seguinte é fazer, lá mesmo, as “correntes de fé”.

Pessoas vivendo em “situações limites” de sofrimento e até decepcionadas


com a medicina oficial recorrem à IURD. Muitas dizem “desenganadas” da
ciência, tendo apenas uma última centelha de esperança: o milagre. Nos
depoimentos, chamados de “testemunhos”, em que relatam as experiências
de mudança e transformação alcançadas, costumam ressaltar que para
lá se dirigem como doentes, bêbados, jogadores, traficantes, pobres,
homossexuais, travestis, prostitutas, viciados ou assassinos. O outro
depoimento de um rapaz, a seguir, ilustra esta realidade:

Eu estava andando só com marginal [...] era traficante


e vivia na prostituição. Porque só eles aceitavam andar
comigo. Um dia minha mãe apareceu para conversar
comigo, chorou muito, falou para eu sair daquela vida
[...] fiquei chateado dela ter ido ali, sabe como é, mãe
da gente [...] meu pai já nem conversava comigo, depois
minha mãe também sumiu... acho que ela se cansou

152 | História do cristianismo III | FTSA


de mim, cansou de tanto sofrer, de me ver naquela vida
[...] E eu só usando todo tipo de droga, algumas já nem
faziam mais efeito. Tinha que roubar pra manter o vício
[...] Aí eu cheguei aqui na Igreja e tudo mudou. (Folha
Universal, 2005, p.8)

O bispo Macedo faz questão de ressaltar que acolher pessoas nesta


situação de sofrimento e redimensionar-lhes o sentido de vida faz parte
do dia-a-dia da IURD. Segundo ele, “a mudança de vida não é difícil quando
se está no fundo do poço [...] e qualquer pessoa quando chega até nós
é porque está no fundo do poço. E quando ela está lá tende a subir ou
morrer. Baixar mais não pode”. (Veja, 1995)

A IURD representa, para os que a ela recorrem, um lugar aonde se vai


quando não se tem mais para aonde ir, quando se está sofrendo, sozinho e
sem saída. Num contato inicial tais pessoas são simplesmente acolhidas
sem questionamentos ou exigências. Cria-se então uma relação de ajuda
que obedece em linhas gerais a seguinte ordem: acolhimento, escuta e
proposta de solução. Promove-se, a partir daí, principalmente através
da participação nos ritos oferecidos pela Igreja, noções de segurança,
proteção e sentido no ambiente do grupo.

Ao se remeterem à situação de “fundo de poço”, os


membros falam sempre de uma vida desestruturada no
âmbito financeiro, físico, afetivo, emocional, familiar e
social. Quando se chega à IURD, chega-se não tendo
mais lugar para se ir, em geral o indivíduo já perdeu tudo
o que lhe dava alguma dignidade social ou pessoal.
Geralmente, não se tem saúde, emprego, afeto, recursos
financeiros para prover, até mesmo, às vezes, o básico
como moradia e alimentação. Ou então, não se é aceito
pela família, pela sociedade ou vive-se no submundo
de vícios, prostituição e drogas. (Bonfatti, 2000, p.137)
História do cristianismo III | FTSA | 153
A Igreja Universal do Reino Deus, como principal representante
do neopentecostalismo, marcaria assim a escrita de um capítulo
absolutamente novo na composição e no funcionamento do campo
religioso brasileiro, reconfiguração tão absolutamente radical ao ponto
de se poder afirmar que o panorama de crenças do país se divide em
antes e depois dessa Igreja.

3. O uso dos meios de comunicação de massa pelo


neopentecostalismo
Inovação e agressividade têm sido marcas distintivas do movimento
iurdiano. Isto se observa, por exemplo, no uso extensivo e impactante
dos meios de comunicação, principalmente o rádio e a TV, como
instrumento de evangelização de massas, tendo consequentemente
acesso ao ambiente privado dos lares em horários nobres e nos horários
tardios. Essa utilização dos meios de comunicação de massa ganhou
uma proporção inédita ou sem precedentes nas práticas da Universal,
desempenhando um papel importante no processo de rápida expansão
do movimento. O depoimento de um pastor, líder da Igreja no Nordeste
do Brasil, Carlos Magno, revela o uso dessa estratégia:

A implantação da igreja é praticamente igual em


qualquer lugar. Em João Pessoa, por exemplo, consegui
um horário na rádio e comecei a pregar o evangelho.
Arranjei um clube e marquei para fazer reuniões aos
domingos. Muita gente ia porque ouvia o rádio. Começa
assim: um núcleo a partir de um programa de rádio e
televisão e dali nasce a igreja. Só então você aluga um
lugar para reunir as pessoas. Foi assim que começou
a Universal no Rio, com horário alugado na Rádio
Metropolitana, na época um programa de 15 minutos.
E assim implantei a Universal em todos os Estados do
Nordeste. (Jornal da Tarde, 1991)

154 | História do cristianismo III | FTSA


Saiba mais
O poderio midiático da IURD
Reportagens do início da década de 1990 já constatavam o
espaço da mídia ocupado de forma ascendente pelos pregadores
neopentecostais nas emissoras de rádio e TV, os quais também
vinham adquirindo concessões de dezenas de canais (Veja, 1990,
p.40). A expansão da IURD confirma bem esse quadro, já que se
constitui hoje numa grande potência em termos de propriedade
e uso dos meios de comunicação de massa. Em 1984 ocorreu a
compra da 1ª emissora de rádio, a Copacabana Rio. Um avanço
maior ocorreu em 1988, quando houve a aquisição de várias
emissoras de rádio e TV (Almeida, 1996, p.12,13). A partir daí,
não faltaram empreendimentos milionários como, por exemplo, a
compra do jornal diário Hoje em Dia e a Rádio Cidade de BH, por
20 milhões de dólares. Ao final da década de 90, a igreja já possuía
um verdadeiro império comunicacional formado por 22 emissoras
de rádio e 16 emissoras de televisão. A entrada da IURD na política
partidária, a partir de 1986, configurou-se como estratégia para se
obter concessão de canais de rádio e TV (Mariano; Pierucci, 1991,
p.92-106). No final de 1989, realizou o mais ousado investimento
nesse setor: a compra da Rede Record de Televisão, por 45 milhões
de dólares (Isto É, 1989). Atingiu-se o número de cerca de noventa
emissoras de televisão afiliadas à TV Record. O uso deste recurso
de comunicação se tornou, inegavelmente, muito estratégico
para a propagação da mensagem iurdiana, sobretudo quando
considerados os dados de que 90% dos lares brasileiros possuem
atualmente um aparelho de TV, o que corresponde a 65 milhões de
aparelhos (Entrevista 107, 2006).

História do cristianismo III | FTSA | 155


Edir Macedo foi o primeiro evangélico a televisionar os cultos ao vivo.
Davi Miranda, da Deus É Amor, já havia inaugurado prática semelhante,
transmitindo as sessões de exorcismo de seus templos, pelo rádio. A
IURD também se utiliza dessa mesma dramaticidade, só que de maneira
ainda mais espetacular, pois o evento passa a ser veiculado pela televisão.
O movimento iurdiano soube, assim, aproveitar tal recurso midiático,
estabelecendo por meio dele “altares domésticos”, fazendo ocorrer uma
aproximação entre a igreja e o cotidiano de milhões de telespectadores.

Em programações televisivas diárias, exibidas durante a madrugada, a


denominação mantém sistematicamente dois programas: “Fala que eu te
escuto” e “SOS espiritual”, com grande abertura para a participação entre
emissor e receptor. Aflitos recebem socorro espiritual pela televisão. O
telefone não para de tocar durante toda a madrugada, na Rede Record.
São pessoas com diversos problemas, procurando um aconselhamento
espiritual. As telefonistas anotam os pedidos dos telespectadores
sofridos por causa do fracasso no casamento, filhos drogados etc. Nos
programas, muitos deles ao vivo, bispos ou pastores recebem ligações
telefônicas de pessoas que estão passando pelas mais variadas
dificuldades. Após ouvir pacientemente o relato do(a) telespectador(a),
o apresentador abre a Bíblia e lê algum texto que possa identificar ou
“diagnosticar” a causa dos problemas. Em seguida, são dados alguns
conselhos e, finalmente, uma orientação no sentido de que tal pessoa
procure, com urgência, um dos templos iurdianos.

Não obstante o uso recorrente da televisão para veiculação de sua


mensagem, parece ser inconsistente a conceituação que se tornou de certa
forma convencional entre pesquisadores do fenômeno religioso no Brasil
de que a IURD seja classificada como “igreja eletrônica”, pois é decisivo
em suas práticas o templo como local de ritos, reuniões e atendimento ao
público. O bispo João Batista Ramos, ao ser entrevistado pela Folha de S.
Paulo sobre os “telepastores” norte-americanos, confirma essa perspectiva:

somos frontalmente contra a igreja eletrônica. Se você quiser comprar


carne, vai ao açougue. Se quiser comprar um remédio, vai à drogaria.

156 | História do cristianismo III | FTSA


Se quiser um encontro mais íntimo com Jesus, precisa ir à igreja. Caso
se comunique só pela televisão, o pastor se distancia de suas ovelhas.
(Folha de S. Paulo, 2003)

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 18
Sobre os fatores que influenciaram de forma direta o crescimento
das igrejas neopentecostais e o público alcançado, podemos
afirmar que:
(A) Mesmo as pessoas mais simples conseguiram ter acesso aos
cultos por meio do rádio e da TV.
(B) O público alcançado pelas transmissões, em sua maioria, já é
bem estabelecido emocional e financeiramente.
(C) As situações miraculosas transmitidas são o grande chamariz
para quem procura mudanças em sua vida.
(D) O êxodo rural e a urbanização contribuíram para que os
mais humildes se tornassem principal público alvo das igrejas
neopentecostais.
Assinale a única alternativa correta:
[ ] Apenas A e D estão corretas.
[ ] Apenas A, B e D estão corretas.
[ ] Apenas A, B e D estão corretas.
[ ] Apenas A e C estão corretas.
[ ] Todas as alternativas anteriores estão corretas.

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!
História do cristianismo III | FTSA | 157
4. Polêmicas envolvendo as práticas do neopentecostalismo
brasileiro
A IURD se diferencia do protestantismo e do pentecostalismo
clássico, assim como promove um dinâmico processo de apropriação
e resignificação das expressões de fé arraigadas nas crenças afro-
brasileiras e no catolicismo de devoção mais popular, além de práticas e
simbologia do judaísmo.

4.1 Polêmicas em relação ao dinheiro


Desde o início de suas atividades, a IURD se viu envolta a polêmicas
envolvendo dinheiro. O pedido de doações feito por essa igreja, não apenas
de dinheiro, mas de bens como casas, carro, imóveis em geral, como parte
dos “sacrifícios” que os fieis devem fazer como um ato de fé, causou enorme
polêmica, sobretudo quando imagens de cultos nos templos e em estádios
de futebol, passaram a ser veiculadas em telejornais em rede nacional ao
longo das décadas de 1980 e 90. Dezenas de obreiros carregando sacos
de dinheiro no estádio do Maracanã, provocaram constrangimentos entre
outros segmentos evangélicos no Brasil.

OBREIROS DA IURD COM SACOS DE DINHEIRO NO MARACANÁ

158 | História do cristianismo III | FTSA


O mesmo ocorreu quando o Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou em
rede nacional um vídeo no qual Macedo ensinava os pastores a como
levar os fieis a fazerem doações para a igreja.

De acordo com o discurso da teologia da prosperidade, o reino de Deus já


chegou e por isso suas benesses podem ser usufruídas aqui e agora, no
modelo econômico capitalista. O pesquisador Ricardo Mariano destaca
essa perspectiva:

Se os primeiros pentecostais enfatizavam o abrupto


fim apocalíptico deste mundo, ao qual se seguiria a
bem-aventurança dos eleitos no paraíso celestial, os
novos pentecostais, por seu lado, priorizam a vida
aqui e agora, eles querem ter sucesso nesse mundo.
(Mariano, 1999, p.8)

A teologia da prosperidade – quando comparada com a visão do


protestantismo e do pentecostalismo – apresenta perspectivas muito
peculiares:
Até bem pouco tempo atrás uma fatia respeitável da
igreja cristã empurrava todas as bem-aventuranças
para o céu e para a eternidade. Dizia-se então que
era necessário suportar pacientemente o sofrimento
presente... A “Teologia da Prosperidade” está trazendo o
celeste porvir para o terrestre presente. Para comermos
a melhor comida, para vestirmos as melhores roupas,
para dirigir os melhores carros, para termos o melhor
de todas as coisas, para adquirir muitas riquezas,
para não adoecermos nunca, para não sofrer qualquer
acidente, para morrermos entre 70 e 80 anos, para
experimentarmos uma morte suave - basta crer no
coração e decretar em voz alta a posse de tudo isso.
Basta usar o nome de Jesus com a mesma liberdade
com que usamos nosso talão de cheques. (Ultimato,
1994, p.5)
História do cristianismo III | FTSA | 159
No modelo da IURD, o pentecostalismo abandona uma ética de
desvalorização do mundo, optando pela ideia da aceitação de que é
natural o usufruto de riquezas, de saúde e de prosperidade, em uma
espécie de antecipação do paraíso que comumente esteve deslocado
para o final dos tempos, num futuro incerto e indeterminado. Para os fieis
da IURD o movimento do qual fazem parte já representa o início de uma
vida no paraíso, conquistado dentro da história. O acesso às benesses
do paraíso é imediato; o escatológico “celeste porvir” é desse modo
substituído pelo “terrestre presente”.

Glossário
Teologia da prosperidade: Os ensinos precursores desta teologia
se remontam a movimentos teosóficos propagados no contexto
norte-americano no início do século XX, que enfatizavam a
“confissão positiva” com finalidades terapêuticas, tendo como
pressuposto o fato de que as forças mentais e espirituais estão à
disposição do indivíduo para que, uma vez manipuladas, possam
realizar curas e resolver problemas. Essek W. Kenyon e Kenneth
Hagin se tornaram os principais propagadores desse ensino no
meio evangélico norte-americano, mediante pregações itinerantes
e publicações de literaturas, por meio das quais houve influência
sobre alguns líderes do neopentecostalismo brasileiro, como são
os casos de Edir Macedo e R. R. Soares.

4.2 Polêmicas em relação às outras crenças existentes no


campo religioso
4.2.1 Em relação ao catolicismo
A IURD demonstra dois comportamentos em relação ao catolicismo:
combate e apropriação ressignificadora.
Sobre o combate, um episódio simbólico do conflito entre a IURD e o
160 | História do cristianismo III | FTSA
catolicismo se deu com o chamado “chute na santa”, quando Sérgio
Von Helde, bispo da Igreja Universal, em 12 de outubro de 1995, chutou
a imagem de Nossa Senhora Aparecida, em um programa levado ao ar
pela TV Record, sob a alegação de ser esta “objeto de idolatria”. A Rede
Globo de televisão multiplicou as imagens em nível nacional, mostrando
Von Helde chutando a imagem da padroeira do Brasil. Naquele dia, via
Embratel, a televisão brasileira transmitiria para todo o país, ao vivo e
em cores, a imagem do que seria considerado um ato de profanação
e quase uma ofensa pessoal a cada brasileiro - dada a importância
daquele símbolo de fé no imaginário religioso do país - provocando
enorme indignação popular e mobilizando em defesa da Igreja Católica
não só sua hierarquia como também figuras eminentes de praticamente
todas as religiões, além de levantar uma enorme polêmica inédita nos
meios de comunicação sobre uma instituição religiosa no Brasil (Eclésia,
2000, p.11). O bispo Von Helde recebeu uma pena de dois anos de prisão
domiciliar em regime aberto por causa deste episódio. Como era réu
primário, cumpriu em liberdade.

Relembre o episódio, assistindo o vídeo a seguir:

Ainda em termos combativos, o bispo Macedo costuma associar o


catolicismo ao sincretismo africano:

Quando os primeiros escravos chegaram ao Brasil,


trouxeram com eles as seitas animistas e fetichistas
que permeavam seus países de origem na África. Para
evitar atritos com a igreja católica, os escravos que
praticam macumba, inspirados pelas próprias entidades
demoníacas, passaram a relacionar os nomes de seus
deuses ou, para ficar mais claro, demônios, com os santos
da igreja católica. Por isso, os nomes dos demônios
estarem associados a santos, como são os casos de
São Jorge, que representa Ogum; a Virgem Maria que
representa Iemanjá. (Apud Proença, 2011, p.237)

História do cristianismo III | FTSA | 161


Mas a IURD também faz apropriação ressignificadora em seu favor de
elementos do catolicismo romano. Foi a primeira igreja - no âmbito do
segmento pentecostal - a empregar o título de ‘bispo’, que é emblemático
para a Igreja Católica. Também, dentre os seus ritos, realiza a campanha
religiosa intitulada “novena da sagrada família” – estrategicamente
iniciada no período da Quaresma do calendário católico - segundo a qual
os fiéis são desafiados a comparecer à igreja durante nove semanas
ininterruptas em busca de solução para problemas que estejam afligindo
a família. Seguindo ainda este mesmo calendário, a IURD costuma
realizar também a campanha “Quarentena da Fé – quarenta dias de
vitória”, cujo objetivo é realizar em todas as noites nos dias de domingo,
segunda, quarta e sexta-feira reuniões em busca de milagres. Além do
que, traz para dentro do templo o espírito das festas populares e das
procissões, promovendo aproximação do devocionário popular, à medida
que incorpora algumas de suas práticas rituais, invertendo, quando
necessário, o seu significado. O mesmo se dá para as convocações a
grandes eventos em estádios de futebol, relembrando cortejos católicos
festivos. Reedita sentidos de promessas, incentiva peregrinações e
pagamento de votos pelos fieis. O atual Templo de Salomão se transforma
cada vez mais um local de romaria evangélica.

4.2.2 Em relação às crenças de matriz africana


Em relação às crenças de matriz africana, a IURD também tem
demonstrado dois principais comportamentos: combate e apropriação
ressignificadora.

Sobre o combate, desde o início de suas atividades, essa igreja demonstrou


um ostensivo enfrentamento das crenças africanas, inclusive com
mobilizações dos fieis para uma “guerra espiritual” contra os adeptos
destes cultos, desfazendo rituais em encruzilhadas, cemitérios e até
mesmo quebrando altares. Muitos destes conflitos tiveram seu desfecho
na delegacia e se transformaram em processos judiciais.

O ápice da polêmica ocorreu com a publicação do livro Orixás, Caboclos

162 | História do cristianismo III | FTSA


e Guias: Deuses ou Demônios? - de autoria do bispo Macedo. No prefácio
da obra, Macedo é apresentado pelo editor da seguinte maneira:

Poucas pessoas estão tão bem qualificadas para


falar desse assunto quanto o bispo Macedo. Ele tem
se empenhado ferrenhamente, por muitos anos, na
obra de libertação. Quem o conhece pessoalmente
se contagia com sua ardente fé, pois dedica toda
sua vida a lutar contra os demônios, pelos quais tem
repugnância e raiva. Esse homem, que Deus levantou
nesses dias para uma obra de grande vulto no cenário
evangelístico nacional e mundial, conhece todas as
artimanhas demoníacas. Seu frequente contato com
praticantes do espiritismo, nas suas mais diversas
ramificações, faz com que seja um grande conhecedor
da matéria. Através dos veículos de comunicação e
das igrejas que tem estabelecido pelos rincões de
nossa pátria e no exterior (...). Neste livro, denuncia
as manobras satânicas através do kardecismo, da
umbanda, do candomblé e outras seitas similares;
coloca a descoberto as verdadeiras intenções dos
demônios que se fazem passar por orixás, exus, erês,
e ensina a fórmula para que a pessoa seja liberta do
demônio que a domina. (Macedo, 1988, p.2)

Ao apresentar a referida obra ao público leitor, Macedo usa as seguintes


palavras: “é impossível a um praticante do espiritismo ler esse livro e
continuar na sua prática. Todas as áreas do demonismo são postas a
descoberto neste livro; todos os truques e enganos usados pelo diabo e
seus anjos para iludir a humanidade são revelados”.

Macedo adverte que os demônios procuram se “disfarçar de santos”


e cheios de filosofias “aparentemente cristãs” criam religiões onde
transformam seres humanos em “cavalos” e “aparelhos”. Nesta visão, o
diabo está no mundo tentando tomar conta dele. E esse “reino do mal”
História do cristianismo III | FTSA | 163
a ser enfrentado e combatido pode ser identificado em algumas “faces”.
Num primeiro momento, apresenta-se através de falsas religiões. Tais
formas de “engano religioso” são identificadas prioritariamente pela IURD
nas crenças afro-brasileiras. Obviamente, contribui para isto a passagem
de Macedo pela umbanda e candomblé, como ele mesmo o declara,
reivindicando a autoridade da experiência pessoal no conhecimento de
tal universo religioso. (Macedo, 1988, p.91)

Saiba mais
Sobre o livro Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios?
Durante a exposição do texto, Macedo faz a seguinte afirmação: “há
muito tempo venho orando por pessoas que tiveram ligações com
o espiritismo nas suas diversas facetas”. Ressalta que milhares
de pais e mães-de-santo “se transformaram em cristãos sinceros
e tementes a Deus”, após participarem de reuniões da Igreja
Universal. “Nossa igreja foi levantada para um trabalho especial,
que se salienta pela libertação de pessoas endemoninhadas” –
afirma, acrescentando: “nossa experiência tem sido muito vasta
nesse campo e grande é o número de pessoas que nos procuram
pedindo esclarecimentos a respeito de tão discutido assunto”.
(Macedo, 1988, p.9). Macedo não esconde o seu desejo de ver os
líderes religiosos de cultos afro-brasileiros sendo encaminhados
para atuar em sua igreja:
Dedico esta obra a todos os pais-de-santo e mães-de-santo da
nossa pátria, porque eles, mais do que qualquer pessoa, merecem
e precisam de um esclarecimento. São sacerdotes de cultos como
umbanda, quimbanda e candomblé, que estão na maioria dos casos
bem-intencionados. Poderão usar seus dons de liderança ou de
sacerdócio, corretamente, se forem instruídos. Muitos deles hoje
são obreiros ou pastores das nossas igrejas, mas não o seriam se
Deus não levantasse alguém que lhes dissesse a verdade. (Macedo,
1988, p.10) [grifos nossos]

164 | História do cristianismo III | FTSA


Atribuindo ao Demônio a origem dos cultos afro-brasileiros, Edir
afirma:

O povo brasileiro herdou, das práticas religiosas dos índios nativos e


dos escravos oriundos da África, algumas religiões que vieram mais
tarde a ser reforçadas com doutrinas espiritualistas, esotéricas e
tantas outras. Houve, com o decorrer dos séculos um sincretismo
religioso, ou seja, uma mistura curiosa e diabólica de mitologia
africana, indígena brasileira, espiritismo e cristianismo, que criou ou
favoreceu o desenvolvimento de cultos fetichistas como a umbanda,
a quimbanda e o candomblé. (Macedo, 1988, p.13)

A Justiça Federal da Bahia, algum tempo depois do lançamento


da obra, determinou pouco tempo depois do lançamento a
suspensão da venda do livro: uma ação civil pública foi movida sob
alegação de ser literatura ofensiva e preconceituosa em relação
às religiões afro. A juíza Nair Cristina de Castro determinou que a
IURD e a Editora Gráfica Universal retirassem em 30 dias os livros
do mercado, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A Justiça
considerou a obra “abusiva e atentatória ao direito fundamental”,
não apenas aos adeptos das religiões originárias da África e
aqui absorvidas culturalmente, como afro-brasileiras, “mas da
sociedade, no seu genérico prisma, que tem direito à convivência
harmônica e fraterna, a despeito de toda a sua diversidade (de
cores, raças, etnias e credos)” – declarou a representante do poder
público. (Jornal da Manhã, 2005, p.6).

Mas há, por outro lado, uma apropriação ressignificadora pela IURD dos
cultos afro-brasileiros. O calendário dos ritos e sessões apresenta uma
correspondência bastante explícita com o calendário ritual estabelecido
pelas religiões afro-brasileiras para celebrar suas divindades. Nessas

História do cristianismo III | FTSA | 165


religiosidades, acredita-se que o tempo é um sistema sob a regência
de divindades específicas. Os dias da semana ou meses podem indicar
regências de princípios simbólicos organizadores. Assim, por exemplo,
a segunda e sexta-feira são dias consagrados a Exu, que, sendo orixá
dos caminhos e das passagens, é cultuado nesses dias liminares que
circunscrevem as mudanças entre períodos de trabalho e descanso.
Suas horas consagradas são as de mudanças de períodos, como a meia-
noite. Por isso, preferencialmente nesses dias são feitas as giras de exus
nos terreiros de umbanda e lhes são entregues oferendas em locais de
passagem, como encruzilhadas e cemitérios. Sexta-feira é também
consagrada a Oxalá, no candomblé, quando muitos iniciados se vestem
de branco. A associação desse dia ao da crucificação de Cristo, também
o torna uma referência de morte. Nas práticas da IURD, as sessões de
libertação ou de descarrego realizadas às sextas-feiras à noite ganharam
especial evidência, sendo as mais concorridas. À meia-noite, “hora grande”
de sexta para sábado, é o momento em que os Exus se manifestam e
trabalham, é justamente nessa mesma hora que nas igrejas estão sendo
realizadas as cerimônias onde esses Exus são invocados para, em seguida,
serem expulsos dos corpos das pessoas presentes. O mês de agosto, no
calendário afro, é mês de Omolu, dedicado à terra onde se depositam os
corpos dos mortos e se veneram os ancestrais. Na IURD, essa época foi
declarada o “mês dos encostos”, espíritos malignos dos cemitérios.

Nos ritos iurdianos, é também comum as pessoas


receberam fitas azuis e vermelhas para serem
amarradas nos pulsos, adquirindo-se assim sorte e
proteção contra os malefícios demoníacos. As cores
azul e vermelha têm significação nos cultos afro-
brasileiros. Nas sextas-feiras, no rito nominado de
“vigília da mesa branca”, as pessoas em fila costumam
passar as mãos sobre uma toalha branca, estendida
sobre a “mesa energizada”, para adquirir bênçãos e
proteção para a vida.

166 | História do cristianismo III | FTSA


Glossário
- Descarrego: nos cultos afro-brasileiros, realiza-se o rito do ebó,
que consiste num ritual de limpeza para descarregar o indivíduo
de energias estranhas, que sobrecarregando a pessoa, podem
provocar desequilíbrios que resultam em doenças físicas ou
psíquicas ou, de modo geral, em empecilho à realização de seus
projetos e tarefas cotidianas.
- Encosto: segundo as crenças de matriz africana, encostos são
espíritos ou entidades malignas, que exercem influência espiritual
e física sobre uma pessoa, tornando-a incapaz de sentir vontade
própria, amor próprio, com consequências graves que podem
inclusive levá-la à morte.
- Macumba: termo do idioma quimbundo, que significa ‘fechadura’,
‘cadeado’, sentido ligado geralmente a ritos e banhos de ‘fechamento
do corpo’, visando proteger contra o que se acredita na tradição
africana como ‘mau olhado’.

Saiba Mais
Sobre a sessão de descarrego
O rito denominado “sessão espiritual de descarrego” é um dos
mais característicos e populares na IURD. O anúncio apresentado
a seguir demonstra o amplo alcance do universo simbólico
vivenciado pela IURD:

SESSÃO ESPIRITUAL DE DESCARREGO! Se você é


vítima de um encosto de vícios, doenças, miséria,
separação conjugal, VENHA RECEBER A LIBERTAÇÃO
NA PRECE DO DESCARREGO, aonde DEUS, que é o pai
das luzes, vai iluminar seus caminhos! Você receberá
gratuitamente a Rosa do Descarrego. Coloque-a num
ambiente onde existe um encosto para que a maldição

História do cristianismo III | FTSA | 167


seja quebrada. Participe também da campanha da
arruda contra os maus espíritos na última sexta-feira do
mês. Temos a oração de descarrego com arruda, uma
oração forte, muito forte para a sua vida. Sexta-feira, às
15 e 19:30 horas. Rua Brasil, 553, centro. Se precisar,
ligue para o SOS Espiritual: (43) 3344-3557. (Folheto da
IURD, 2004).
Na mensagem deste panfleto, aparecem elementos que configuram a
magia dos símbolos (arruda, rosa ungida), dos rituais (encosto, sexta-feira,
descarrego) e dos lugares onde ocorrem as manifestações taumatúrgicas
(os templos). Fala-se em crença na inveja, mau-olhado, praguejamento,
simpatias, benzimento, apego a objetos como fetiches e amuletos.

Na IURD, há uma ressignificação do rito do ebó cerimônia é denominada


campanha de “descarrego”, indicada para quem deseja superar a condição
mais profunda de sofrimento e de fracasso:

Se a pessoa admite que a sua vida está um inferno, é porque


existe a atuação do maligno, e com essas palavras ela dá
forças aos encostos. O mal quando entra na vida de uma
pessoa usa toda a força para destruir o ser humano, por
isso, quem participa da Sessão do Descarrego, tem que
usar a força que vem de Deus para vencer definitivamente
os encostos (Folha Universal, 2006, p.21).

Um panfleto, apresentando como slogan “venha libertar-se dos encostos!”,


dá detalhes sobre o que a IURD entende por tal expressão:

Encosto é uma força espiritual negativa que se aproxima


das pessoas causando sofrimento, transtorno,
confusões, virando a vida do avesso do dia para a
noite como num piscar de olhos. O feitiço, a inveja, o
olho-grande são os meios mais comuns de se lançar
um encosto em alguém. Se você tem vícios, insônia,
depressão, nervosismo, dores de cabeça constantes,
168 | História do cristianismo III | FTSA
desmaios ou ataques, vê vultos, ouve vozes, tem
desejos de morrer; se tudo tem dado errado pra você
... Há um encosto em sua vida! (Folha Universal, 2004)
(Proença, 2011, p.344)

4.2.3 Em relação às outras igrejas evangélicas


As práticas neopentecostais provocaram reações acirradas por parte de
outros segmentos evangélicos do país. A opinião emitida por um pastor
presbiteriano - Roberto Vicente Cruz Themudo Lessa -, em entrevista
concedida em 1978, retrata o posicionamento combativo em relação ao
que se projetaria de modo mais acentuado na IURD:

Consideramos um absurdo pessoas se intitulando


pastores, missionários, abençoando copos de água,
gravando orações de cura divina, elementos que,
tomados e ouvidos, curariam toda e qualquer doença
[...] Pior ainda: anunciam espalhafatosamente grandes
concentrações em estádios com dia marcado e hora
determinada, garantindo que o Espírito Santo estará
presente para curar todas as enfermidades e solucionar
todos os problemas. Além das sedes dessas igrejas, em
cuja porta é colocado o expediente para atendimento
dos interessados, como se o Espírito Santo fosse um
executivo à disposição de tais ministros (...). (Lessa,
1978 apud Campos, 1997, p.177).

Quando ocorreu o episódio conhecido “chute na santa”, a Associação


Evangélica Brasileira (AEVB) - com sede na cidade do Rio de Janeiro,
então presidida pelo pastor presbiteriano Caio Fábio D’Araújo Filho -
fez um pronunciamento oficial na imprensa, além da elaboração de um
documento, assinado pelos diretores, conselheiros e secretários da AEVB
e também por cerca de quarenta pastores de diversas denominações
evangélicas. Esse pronunciamento objetivou distinguir as igrejas
evangélicas da IURD, ressaltando que nas práticas desta há “elementos

História do cristianismo III | FTSA | 169


radicalmente contrários à fé evangélica e ao melhor da herança bíblica
da igreja protestante e pentecostal”, acrescentando ainda que existem
“imensas e irreconciliáveis diferenças entre as práticas da maioria dos
evangélicos e a IURD”. Como exemplo, destacava algumas questões
que se referiam: à doação de dinheiro para alcançar bênçãos; ao seu
método de levantar fundos; à aceitação de entidades dos cultos “afro-
ameríndios” tal qual estes as concebem; ao “uso de elementos mágicos
dos cultos e das superstições populares do Brasil” como “sal grosso”,
“rosa ungida”, “água fluidificada”, “fitas e pulseiras especiais”, “ramo de
arruda” e “uma quantidade enorme de apetrechos”. Caio Fábio também
afirmou na ocasião:
As práticas da Igreja Universal geram um constrangimento
profundo no meio evangélico (...) A Igreja é uma máquina
de arrancar dinheiro dos fiéis (...) ela é o primeiro
produto de um sincretismo surgido entre os evangélicos
brasileiros, é uma versão cristã da macumba (Montes,
2002, p.68).

Mas a IURD também apresenta seu contra-ataque. Em relação às


denominações do protestantismo clássico, os líderes iurdianos
polemizam ao ressaltar a ineficiência dessas igrejas em se atualizar em
seu culto e liturgia, assim como estabelecer maior proximidade com as
camadas mais populares:

A Igreja Metodista, por exemplo, tem cerca de 250


anos e apesar disso seu crescimento vem se dando a
passos de tartaruga pelo tradicionalismo da igreja que
tem quase a mesma liturgia desde a sua fundação. Os
metodistas valorizam em seus sermões o raciocínio
lógico, o profundo conhecimento teológico e as músicas
da Idade Média, afastando com isso o povão dos seus
templos. Uma pessoa humilde aproveita pouco desses
cultos. (Plenitude, 1999, p.28).

O bispo Macedo ao se referir aos líderes de outras igrejas evangélicas


170 | História do cristianismo III | FTSA
é contundente ao afirmar que estariam, “ingênua e irresponsavelmente”
pregando o evangelho “água com açúcar”:

A culpa do fato de o Diabo e seus anjos estarem


arruinando a vida das pessoas, muitas vezes, reside
nos líderes religiosos evangélicos que não ministram
o poder de Deus na vida das pessoas. Pregam apenas
o evangelho “chocolate”, ou água com açúcar e não
libertam verdadeiramente as pessoas da influência dos
demônios (Macedo, 1988, p.131).

Nesse aspecto, ele aponta para o que entende ser diferencial nas práticas
da Igreja que comanda:

A Igreja Universal do Reino de Deus tem consciência da


supremacia da fé em relação à razão [...] Talvez esse
seja um dos aspectos mais importantes que a fazem
diferente de outras organizações religiosas [...] Cristo
passou muito mais tempo expulsando demônios e
curando miraculosamente as pessoas do que pregando
sermões ou distribuindo comida para os pobres [...].
(Folha de S. Paulo, 1995)

Até mesmo em relação ao pentecostalismo clássico são contundentes


as palavras de Edir Macedo:

Temos de sair da mera pregação pentecostal, que está


na moda, para a pregação plena. Temos que sair por aí
dizendo que Jesus Cristo salva, batiza com o Espírito
Santo, mas também, e antes de tudo, que liberta as
pessoas que estão oprimidas pelo diabo e seus anjos.
Seus membros não se alistam no combate contra
as potestades e passam a se preocupar com jogos,
passatempos, diversões, ou no outro extremo, com as
“vestes dos santos”. (Macedo, 1988, p.133)

História do cristianismo III | FTSA | 171


4.2.4 Em relação ao judaísmo
Desde o início de suas atividades, a IURD demonstrou especial
predileção por este segmento e a simbologia de Israel. A igreja usa
quase que exclusivamente o Antigo Testamento, para configurar seus
ritos e pregações. Desenvolve um intenso processo de apropriação e
ressignificação dos ritos e símbolos do judaísmo. Uma de suas principais
campanhas ritualísticas, a Fogueira Santa de Israel, pressupõe a ida de
seus pastores e bispos frequentemente à Terra Santa para realização
de sacrifícios em favor dos pedidos de seus fieis. Ao invés de animais,
as oferendas são feitas em dinheiro ou bens materiais, exercendo os
pastores iurdianos, neste caso, o antigo papel dos sacerdotes e sumo
sacerdotais judaicos, tanto na mediação quanto na posse e guarda dos
bens doados pelos fieis.
Outra prática bastante usual, é a busca de elementos na terra de Israel
para distribuição aos fieis nos ritos que realiza, tais como água do rio
Jordão, areia do Monte Sinai, pedras das Minas do Rei Salomão (estas
especialmente destinadas à obtenção de riquezas e prosperidade). A
IURD também costuma ornamentar seus principais templos com estes
objetos. Reedita-se, desse modo, uma prática muito recorrente no
período medieval, quando se desenvolveu um verdadeiro comércio com
estes objetos acreditando-se em seus poderes de fetiches e amuletos.
Mais recentemente, a grande e ousadia iurdiana foi a construção na cidade
de São Paulo do que se considera uma réplica do Templo de Salomão.
Inaugurado em 2014, o templo custou 685 milhões, possui 74 mil metros
quadrados (maior que a Basílica de Aparecida), ostenta uma altura
correspondente a um prédio de 11 andares, foi edificado e ornamentado
com pedras trazidas de Israel. Rapidamente se transformações em um
dos pontos turísticos de São Paulo, que anualmente recebe a visita de
milhares de pessoas e caravanas, do Brasil e do exterior.

172 | História do cristianismo III | FTSA


TEMPLO DE SALOMÃO

Esta edificação tem um papel bastante emblemático para a IURD: ao


invés das pessoas se deslocarem a Israel, ou então serem representadas
pelos pastores e bispos na Terra Santa, podem agora comparecer
pessoalmente por meio de caravanas a um “pedaço de Israel” transposto
em solo brasileiro. Conheça mais detalhes do Templo de Salomão
assistindo o vídeo a seguir.

Saiba mais
A IURD e os objetos da Terra Santa
A IURD também reedita uma prática típica ocorrida com grande
evidência no período medieval: peregrinações a Israel e aquisição
de objetos tidos como sagrados da Terra Santa. As campanhas
de fé denominadas “campanha do Monte Sinai” e “fogueira
santa de Israel” ostentam especial destaque nos ritos propostos
pela IURD. Visto como um “solo sagrado”, Israel está à espera
de uma peregrinação concreta, para os que tiverem condições
ou por procuração, feita pelos fiéis aos pastores, bastando para
isso preencher uma folha de papel com os seus “pedidos de fé”,
cujas cinzas serão, segundo os pastores, por eles levadas para
Israel. É estabelecida, desta forma, uma conexão simbólica entre
a Terra Santa e o templo iurdiano por meio de objetos como água,

História do cristianismo III | FTSA | 173


pedra, sal, óleo, trazidos pelas caravanas de pastores e fiéis que
periodicamente fazem turismo àquele país. Nesse imaginário,
Israel é mais do que um território, pois transcende as fronteiras
geográficas e adquire uma dimensão mítica nas pregações dessa
Igreja. Israel é a terra “abençoada”, onde tudo dava certo para os
que temiam a Deus, e está pontuada por locais “carregados de
poder”, tais como os montes Carmelo e Sinai, o Rio Jordão, o mar da
Galiléia, as minas do rei Salomão e o túmulo de Jesus, entre outros.
Como espaço mítico, Israel serve de suporte para nele se apoiarem
as necessidades e desejos concretos a serem satisfeitos, como se
pode observar no exemplo de uma propaganda, transcrita a seguir:

Não perca a “unção dos dizimistas”. No próximo


domingo, haverá a consagração dos dizimistas
com óleo santo, que o Bispo Paulo estará trazendo
de Israel e na segunda-feira iremos apresentar as
imagens das peregrinações, que 300 pessoas de
nossa Igreja fizeram a Israel. Foram momentos
inspiradores, inesquecíveis mesmo, como a Santa
Ceia no Getsêmane, com a participação do Bispo
Macedo. (O despertar da fé, 2003)

Num dos templos da IURD, sobre a mesa, localizada no altar, foi


colocada uma pedra que, segundo os pastores, havia sido trazida
do Monte Sinai. Em outra ocasião, uma pedra apresentada aos
fiéis teria sido tirada, segundo um dos obreiros, das “minas
do rei Salomão” – personagem bíblico notadamente lembrado
como possuidor de grande riqueza e poder. Mediante uma oferta
financeira especial, as pessoas tinham então o direito de colocar as
mãos sobre aquela pedra, através da qual se transfeririam para os
fiéis as energias de origem divina que no passado teriam gerado a
prosperidade daquele personagem bíblico. (Proença, 2011, p.316)

174 | História do cristianismo III | FTSA


EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 19
A Reforma Protestante do século XVI, sob liderança de Martinho
Lutero, apresentou questionamento e crítica teológica em relação
às práticas vivenciadas pelo cristianismo na ocasião. Com base
nos conteúdos anteriormente apresentados, quais delas poderiam
ser aplicáveis à realidade evangélica contemporânea? Leia os
enunciados abaixo e em seguida assinale a única alternativa que
poderia corresponder a esta aplicabilidade:
(A) Apego a objetos como fetiches e amuletos miraculosos.
(B) Sincretismo religioso, que mistura elementos cristãos com ritos
e misticismo oriundos de crenças pagãs.
(C) Exploração financeira da fé pela igreja, em que milagres ou
outras formas de benefícios espirituais são trocados por dinheiro.
(D) Centralização de poder na figura de líderes vistos como
mediadores entre Deus os seres humanos.
(E) Ausência de ensinamento correto da Bíblia ao povo de Deus ou
manipulações de textos bíblicos para outros interesses que não o
do seu sentido originário.
[ ] Apenas A e B estão corretos
[ ] Apenas C, D e E estão corretos
[ ] Apenas B, C e E estão corretos
[ ] Apenas E não se aplicaria
[ ] Todas as letras anteriores são aplicáveis

Acesse o AVA para fazer o exercício!


e veja a reação do professor!
História do cristianismo III | FTSA | 175
5. O atual cenário evangélico no Brasil
5.1 O expressivo crescimento
Atribui-se em grande medida ao neopentecostalismo o explosivo
crescimento evangélico no Brasil, nas últimas décadas. Dados
catalogados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
relativos aos censos demográficos constatam que em 1940 os
evangélicos representavam 2,6% da população; em 1950, 3,4%; em
1970, de uma população composta de pouco mais de 90 milhões, os
evangélicos somavam 5,17%; em 1980, eram cerca de 120 milhões de
brasileiros, e os evangélicos totalizavam 6,62%. Os dados relativos ao
Censo Demográfico realizado em 1991, indicaram uma população de
mais de 146 milhões e um total de 8,98% de fiéis. No início da década de
1990, a revista Veja - exibindo como manchete de capa “A fé que move
multidões avança no país” - também apontava para esta projeção:

Cerca de 16 milhões de pessoas no país, especialmente


a imensa massa de descamisados colocados à margem
da modernidade e progresso, já rezam pela cartilha
dessas igrejas barulhentas que em seus cultos cheios
de cânticos e emoções prometem curas, milagres e
prosperidade instantânea na terra. (Veja, 1990, p.40)

Em 2000, próximos dos 170 milhões de habitantes, os evangélicos


superaram as cifras dos 26 milhões, perfazendo 15,4% dessa população
(Estudos Avançados, 2004, p.15,16). Em números absolutos, o
crescimento desse grupo, na última década, é da ordem de 100/%, pois
eles passaram de 13 milhões em 1991 para os mais de 26 milhões
atuais (Siepierski, 2003, p.26,27). Também se destaca que, dos números
anteriormente apresentados pelas pesquisas nas duas últimas décadas,
“de cada dez crentes sete se declaram pentecostais ou neopentecostais”
(Eclésia, 2000, p.46). O censo realizado pelo ISER, em 1991, revelava que
já se abria naquele momento um templo evangélico a cada dia útil no Rio
de Janeiro. Segundo dados atuais do IBGE, cerca de 600 mil brasileiros se
convertem a cada ano a alguma denominação com esse perfil religioso.
176 | História do cristianismo III | FTSA
O censo demográfico IBGE 2010 apontou que em 10 anos o número de
evangélicos no Brasil aumentou 61,45%. Em 2000, cerca de 26,2 milhões
se disseram evangélicos, ou 15,4% da população. Em 2010, eles passaram
a ser 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros.
Mesmo com o crescimento de evangélicos, o país ainda se configurava
com maioria católica. Segundo o IBGE, o número de católicos era de
123,3 milhões em 2010, cerca de 64,6% da população.
Já no início de 2020, o Instituto Datafolha publicou resultados de pesquisa
indicando que evangélicos já somam cerca de 30% da população brasileira,
enquanto que cerca de 50% se declaram católicos. Nestes indicativos, a
população evangélica já alcança a expressiva casa de 60 milhões de adeptos.
Esta mesma pesquisa relevou que mulheres e negros se destacam e
chegam a 69% dos fieis nas congregações neopentecostais, como a
Igreja Universal do Reino de Deus. (Datafolha, 2020)

5.2 Trânsito religioso e desigrejados


O Censo IBGE 2010 registrou que 15 milhões de pessoas se declararam
sem religião no Censo de 2010, o que representa 8% dos brasileiros. Em
2000 eram 12,5 milhões, o equivalente a 7,3% da população.
Em matéria de capa sobre os dados deste Censo, a revista Isto É publicou
reportagem destacando que em menos de uma década, “4 milhões de
evangélicos deixaram de ter vínculos com igrejas”. (Isto É, 2011, p.62).
Mostrou também o trânsito religioso, caracterizado pela mudança
frequente pelos fieis de uma denominação para outra.
Contribuem diretamente para esta circulação religiosa, dois principais
fatores: primeiro, uma acirrada concorrência entre as igrejas que, em uma
espécie de mercado religioso, oferecem “produtos espirituais” em tom de
propaganda, buscando atrair novos seguidores pela oferta de respostas
imediatas às mais diversas premências e dificuldades; segundo, o valor
dado às opções individuais e privativas e desapego às instituições, como
um dos elementos da chamada pós-modernidade, onde as relações
são frágeis, os objetos são descartáveis, em um tipo de sociedade
conceitualmente classificada como “líquida”.
História do cristianismo III | FTSA | 177
Glossário
- Sociedade líquida: Termo elaborado pelo filósofo polonês
Zygmunt Bauman (1925-2017) para definir a atual sociedade,
caracterizada pelas relações e comportamentos rápidos e
fluidos do mundo contemporâneo, impactados pelo capitalismo
globalizado. A liquidez e sua volatilidade seriam características
que vieram desorganizar todas as esferas da vida social como o
amor, a cultura, o trabalho etc. e também fragilizar as relações com
elementos mais estruturais.

Pesquisas realizadas pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações


Sociais (Ceris), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
revelaram que é cada vez maior a circulação de um fiel por diferentes
denominações, ao mesmo tempo que decresce a lealdade a uma única
instituição religiosa. Um quarto dos entrevistados já havia trocado de crença.
“É tempo de mobilidade religiosa e pouca permanência. Cada vez mais as
pessoas estabelecem uma relação utilitária com a religião; se não há o retorno
(material, na maioria das vezes), o fiel procura outra prestadora de serviço
religioso”. Revelam ainda os pesquisadores: “Entre os neopentecostais não
se busca mais um líder religioso, mas um mago que resolva tudo num estalar
de dedos. Essa magia faz sucesso, mas tem vida curta, uma vez que o fiel se
afasta, caso não encontre logo o que quer” (Isto É, 2011, p.63)
A pesquisa também revelou que há um trânsito de pentecostais em relação
às igrejas protestantes históricas. Evangélicos que passaram a ser mais
exigentes quanto às questões teológicas ou mais críticos em relação aos
chamados “usos e costumes”. Um dos entrevistados declarou os motivos
de ter feito essa mudança: “Eu não vestia bermuda nem dormia sem
camisa, não tinha TV em casa, não bebia vinho, não ia ao cinema nem à
praia porque era pecado. Questionando estas proibições, migrei para uma
nova igreja protestante histórica, onde encontrei um Deus que perdoa, não
um justiceiro”. (Isto É, 2011, p.61)
178 | História do cristianismo III | FTSA
Para conseguir manter por mais tempo o número de fieis filiados, ou diminuir
o índice de evasão para comunidades concorrentes, as denominações têm
empregado diversas estratégias, destacando-se duas principais. Entre os
protestantes históricos, a opção tem sido adaptar práticas neopentecostais
em suas liturgia e programação semanal. Isto tem gerado um certo tipo
de “protestantismo pentecostalizado”. Algumas igrejas maiores, inclusive,
chegam a oferecer no mesmo dia, ou ao longo da semana, horários com
programações cúlticas distintas: uma para atender ao público chamado
tradicional, outra para atender aos que desejam práticas mais “avivadas”
ou “pentecostalizadas”. Com isso, os fieis encontram na própria igreja que
já frequentam aquilo que iriam buscar em outra denominação.

Entre os pentecostais clássicos, muitas igrejas optaram por abrir


mão da exigência dos chamados usos e costumes como sinais de
santidade objetivando com isso minimizar a perda de membros para o
neopentecostalismo.

Do lado neopentecostal, em algumas igrejas a estratégia tem sido a de


oferecer melhor formação teológica aos seus líderes, isso para atender a
um público cada vez mais portador de uma escolaridade superior, que se
torna mais exigente em relação ao que se prega ou se ensina nos púlpitos.

5.3. “Igrejas sob medida”: comunidades evangélicas


destinadas a públicos específicos
É crescente o número de igrejas surgidas para atender a públicos
específicos. Agregam pessoas que procuram uma comunidade de fé
que responda a seus próprios anseios ou visões de mundo, ou então,
para fugir dos padrões convencionais do perfil evangélico. Fenômeno
típico das ‘tribos urbanas’, sobretudo nas grandes cidades do país,
estes movimentos apresentam nomes e estilos bastante excêntricos,
oferecendo uma mensagem que ‘determinado público deseja ouvir’,
tanto em relação ao conteúdo quanto à forma. Situam-se, por vezes, nas
geografias pobres ou violentas da periferia. Alternam entre o inusitado e o
História do cristianismo III | FTSA | 179
polêmico; provocam a crítica, o incômodo e reações de outros segmentos
cristãos. Entretanto, ainda que de modo sutil ou ressignificado, elementos
clássicos do mundo evangélico também ali se fazem presentes.
Saiba mais, assistindo os vídeos a seguir, que apresentam matéria
jornalística bastante detalhada sobre o assunto.
VÍDEOS: ‘Fé sob medida’ – Partes II e III - SBT Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=GyOoexZSb6M
https://www.youtube.com/watch?v=1KO8rk4s5Mw

Considerações finais
Em sua trajetória de mais de 500 anos de história, o protestantismo
experimentou diversas realidades em sua relação com o Brasil. Ainda durante
o período colonial, na chamada América Portuguesa, foi rejeitado, perseguido
e proibido. No século XIX conseguiu finalmente se estabelecer no país, tendo
progressivamente liberdade para realizar suas atividades e construir seus
templos; contribuiu diretamente com Brasil nas áreas de educação, saúde e
trabalho social, frutos de importantes esforços missionários. Pouco a pouco
ganhou a confiança de autoridades, tornou-se cada vez mais autóctone,
expandiu-se por todo o território nacional. Já no século XX, um grande
impacto evangelizador viria a ocorrer com a chegada e desenvolvimento do
pentecostalismo, em suas diferentes vertentes e tipologias.

Portanto, de uma pequena minoria frente a um


gigantismo católico, a igreja protestante/evangélica
chega finalmente na segunda década do século XXI
a uma condição até recentemente inimaginável:
representa cerca de 60 milhões de fieis. Demonstra
força e poderio capazes de influenciar os destinos do
país. Novos capítulos desta história deverão ainda ser
escritos. A igreja deve sabiamente olhar para o passado
para melhor enxergar o seu futuro.

180 | História do cristianismo III | FTSA


EXERCÍCIO DE REFLEXÃO - 20
O cenário de trânsito religioso tem promovido comportamentos no
campo evangélico brasileiro, como os demonstrados a seguir:
(A) Há igrejas do protestantismo clássico oferecendo atividades
típicas do (neo)pentecostalismo, como campanhas de libertação
e cura divina, para minimizar a evasão de membros para outras
comunidades religiosas.
(B) Há igrejas do pentecostalismo clássico abrindo mão da
exigência dos usos e costumes para minimizar a perda de membros
para o neopentecostalismo.
(C) Há igrejas de perfil (neo)pentecostal adotando comportamentos
típicos do protestantismo clássico, como por exemplo valorizar a
formação e preparo teológico de seus líderes, devido à presença de
um público mais exigente que frequenta seus cultos.
(D) O consumismo religioso, que leva fieis a buscar nos pastores
um tipo de mago que resolva tudo num estalar de dedos, faz com
que muitos se afastem da comunidade logo que não encontrem o
que querem.
(E) Um dos efeitos da chamada ‘sociedade líquida’ sobre o
comportamento religioso tem sido o valor dado às opções
individuais e privativas, as relações frágeis, os objetos vistos como
descartáveis, além de um desapego às instituições.
Sobre as afirmações acima:
[ ] A, B e D estão corretas
[ ] C, D e E estão corretas
[ ] B, C e E estão corretas
[ ] Apenas D está correta
[ ] Todas as afirmações estão corretas

Acesse AVA para fazer o exercício e veja a reação do


professor!
História do cristianismo III | FTSA | 181
Referências
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História do cristianismo III | FTSA | 183


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