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Internacionais I
Prof.ª Mariana Balau Silveira
Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020
Elaboração:
Prof.ª Mariana Balau Silveira
R587t
ISBN 978-65-5663-158-5
ISBN Digital 978-65-5663-159-2
Impresso por:
Apresentação
O avanço da tecnologia, principalmente na área da comunicação,
aproximou pessoas, empresas e países. Se antes do advento da internet a
forma mais tradicional de se comunicar eram as cartas, que poderiam
levar meses para chegar ao seu destinatário, hoje, em questão de segundos,
podemos nos comunicar por vídeo e voz em alta definição com qualquer
pessoa no mundo. Essa facilidade tornou mais evidente o impacto das
relações internacionais em nossa vida cotidiana.
Bons estudos!
NOTA
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 55
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 119
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 167
UNIDADE 1 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.
CHAMADA
1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1
O REALISMO CLÁSSICO
1 INTRODUÇÃO
ATENCAO
3
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DICAS
4
TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO
TUROS
ESTUDOS FU
ATENCAO
NOTA
ATENCAO
9
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
pouco e, até aquele momento, era um amálgama de teorias advindas das mais
diversas áreas das humanidades, como História, Jornalismo, Filosofia, Direito etc.
As teorias do primeiro debate, por consequência, tinham um caráter descritivo e
baseado em pressupostos históricos e disso derivavam as suas escolhas em termos
metodológicos, voltadas ao entendimento dos fenômenos internacionais. Em
virtude dessas características, as primeiras contribuições teóricas são conhecidas
como “tradicionalistas”, ou “clássicas”.
E
IMPORTANT
10
TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO
3 O REALISMO EM MAQUIAVEL
Nicolau Maquiavel (1469-1527) publicou, em 1513, uma obra que entraria
para a história da filosofia política. Em O príncipe, o autor sugere que o poder (o
leão) e a decepção (a raposa) seriam dois eixos de atuação da inserção internacio-
nal de qualquer país (MAQUIAVEL, 2017). O valor político supremo que qual-
quer estadista deveria preservar era o da liberdade de seu país em tomar decisões
internas e externas. Apenas com a garantia da liberdade é que um Estado poderia
garantir sua sobrevivência. Isso, contudo, orientaria os atores a buscarem poder,
pois somente o Estado mais poderoso teria uma garantia de que sua sobrevivên-
cia estaria certa. Garantir a sua sobrevivência requer astúcia e, por vezes, bruta-
lidade. A falta dessas qualidades poderia levar o Estado à morte, caso um gover-
nante não conseguisse avaliar corretamente as ameaças que cercam seu país.
11
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Uma das premissas centrais na obra do autor é que o mundo seria perigoso,
mas também geraria oportunidades para os estadistas. Ao mesmo tempo em que
estes devem estar cientes das ameaças que os circundam e devem agir, portanto, de
modo a minimizá-las, também devem perceber as oportunidades para maximizar
suas riquezas e poder. A expressão mais importante para um estadista seria,
portanto, “a ética da responsabilidade”. O termo alude a uma postura, por parte
do governante, na qual este deve despir-se de uma moralidade cristã ou religiosa
e olhar para o mundo e suas relações através do equilíbrio entre ganhos e perdas.
Em tal condição, não há lugar para a indústria; porque não há certeza sobre
o fruto disso e, consequentemente, nenhuma cultura do mundo, nenhuma
marinha, nenhum uso de mercadorias importadas pelo mar; nenhuma
edificação confortável... nenhuma arte; nenhuma carta, nenhuma sociedade e,
pior de tudo, o contínuo estado de medo e o medo de morte violenta; e a vida
do homem, solitária, pobre, detestável, bruta e crua.
13
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
14
TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO
DICAS
O filme O Senhor das Moscas (1990) retrata, de modo alegórico, uma situação
análoga ao estado de natureza hobbesiano e é uma obra interessante para o entendimento
do conceito realista de anarquia.
15
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
FONTE: A autora
16
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
17
AUTOATIVIDADE
NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 21-23 (adaptado).
18
É correto o que se afirma em:
FONTE: <https://bit.ly/3776AyY>. Acesso em: 30 jul. 2020.
a) ( ) II, apenas.
b) ( ) I e IV, apenas.
c) ( ) II e III, apenas.
d) ( ) I, III e IV, apenas.
e) ( ) I, II, III e IV.
I- Relações internacionais vistas como uma constante luta pelo poder entre
os Estados;
II- Objetivo último de todos os Estados: garantir sua sobrevivência em um
ambiente anárquico e hostil;
III- A cooperação neste contexto: alianças são feitas e quebradas com base
na realpolitik. Para evitar tal processo, destaque é dado ao direito
internacional assim como às organizações internacionais;
IV- Os conflitos internacionais são vistos como endêmicos e inevitáveis
devido às disposições agressivas da natureza humana e às deficiências da
condição humana.
19
a) ( ) I e II, apenas.
b) ( ) I e III, apenas.
c) ( ) II e III, apenas.
d) ( ) III, apenas.
e) ( ) Todas estão corretas.
20
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1
O REALISMO POLÍTICO
1 INTRODUÇÃO
21
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A segunda premissa é que esse Estado seria um ator unitário. Embora seja
conhecido que os países possuem diversas burocracias e poderes internos que
podem até disputar pelo comando, no plano internacional a influência desses
atores seria drasticamente reduzida. A terceira premissa afirma que esses Estados
seriam atores racionais. As teorias realistas acreditam que as ações estatais seriam
os resultados de cálculos de custo-benefício, nos quais se procura maximizar
os ganhos e minimizar os gastos. Na racionalidade realista, porém, não seria
possível atingir um quadro de soma positiva no qual todos os atores ganhariam.
Ao contrário, o cenário seria de soma zero, no qual o ganho de um ator é visto
pelo outro como uma perda.
22
TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO
FONTE: A autora
ATENCAO
23
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
Devemos nos lembrar que a única época na história mundial em que observamos
um período pacífico mais longo foi a da balança de poder. Quando uma nação
se torna infinitamente mais poderosa em comparação ao seu oponente em
potencial, o perigo da guerra emerge. Por isso, acredito em um mundo no
qual os Estados Unidos são poderosos. Acho que o mundo será melhor e mais
seguro se tivermos os Estados Unidos forte e saudável, enquanto a Europa,
a União Soviética, a China e o Japão contrabalançam uns aos outros, não por
meio da competição, mas de um equilíbrio igual.
24
TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO
E
IMPORTANT
A partir dessa análise, Carr (1939) afirma que tanto realistas quanto
idealistas tinham como objetivo evitar a guerra, mas o esforço idealista de
entendimento da realidade seria utópico e idealista, ou uma tentativa de observar
25
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
como o mundo “deveria ser”. A proposta realista, por outro lado, seria mais
objetiva e enxergaria o mundo “como ele é”. Evitar crises e conflitos similares
àqueles do início do século dependeria de propostas de uma ordem internacional
baseada na realidade política, no equilíbrio de poder, na ausência de autoridade
superior e no jogo de forças entre os Estados.
26
TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO
Fica evidente, então, que para Carr (1939) a visão wilsoniana de que seria
possível estabelecer uma estrutura legal na qual os Estados compartilhariam
visões comuns e cooperariam a partir de estruturas jurídicas, é completamente
desconectada da realidade. Wilson, nessa leitura, relacionaria interesses e
princípios morais norte-americanos aos princípios supostamente comuns à
humanidade em seu conjunto. Isso não seria diferente, por exemplo, da afirmação
nazifascista de Hitler e Mussolini de que as suas respectivas nações seriam
repositórias de uma “ética superior” (CARR, 1939).
27
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NTE
INTERESSA
28
TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO
• A política seria governada por leis objetivas que refletem a natureza humana:
segundo o autor, para compreender a política internacional seria necessário
observar a natureza humana imutável e profunda, caracterizada pelo egoísmo
e pelo autointeresse.
• O interesse é definido em termos de poder: todos os Estados agiriam com o
objetivo de obter e manter o poder. A razão seria o instrumento principal do
processo político. Para o autor, a racionalidade caracterizaria a esfera política.
• Poder é conceito universalmente definido, mas sua expressão varia no tempo
e no espaço: o poder, como elemento central da política entre as nações, variaria
de acordo com o contexto e o lugar nos quais esse poder é exercido.
• Princípios morais devem ser subordinados aos interesses políticos: conforme
dito anteriormente, Morgenthau (1985) concorda com Maquiavel que a
moralidade na política não é compatível com a moralidade privada. Segundo o
autor, o limite dos princípios morais seria a prudência: o estadista deve sempre
priorizar a segurança e o interesse do Estado (definido em termos de poder) ao
observar princípios morais.
• Princípios morais não são universais, mas particulares: segundo o autor,
princípios morais não poderiam ser aplicáveis a todos os Estados e qualquer
tentativa de “exportá-los” ou “expandi-los” seria equivocada. Neste sentido,
Morgenthau (1985) se opõe a noção liberal de moralidade comum e responde
às aspirações norte-americanas de considerar seus princípios superiores aos
demais Estados.
• A esfera política é autônoma em relação às demais: neste princípio o autor
reitera a centralidade do Estado, como agente principal da política, e o seu
dever de priorizar essa esfera em relação à econômica, a jurídica ou a religiosa.
ATENCAO
29
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
30
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
31
AUTOATIVIDADE
33
34
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
2 O NEORREALISMO EM WALTZ
Os anos 1970 foram marcados pela relevância crescente de atores como as
organizações internacionais, regimes e empresas transnacionais. Nesse contexto,
as premissas do realismo clássico são colocadas em xeque, uma vez que a
relevância desses novos atores parecia ser cada vez maior na política internacional.
Com o objetivo de fortalecer as premissas realistas e propor uma abordagem mais
“científica” para o campo, Kenneth Waltz publica, em 1979, a Teoria da Política
Internacional, obra seminal do denominado neorrealismo ou realismo estrutural.
35
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
E
IMPORTANT
Vinte anos antes da publicação de Teoria da Política Internacional, Kenneth Waltz publicou
O Homem, o Estado e a Guerra, obra na qual descreve “três imagens”, ou “níveis de análise”:
o nível individual, o nível estatal/nacional e o nível sistêmico. O objetivo do autor foi definir
como cada um dos níveis proveria explicações para a ocorrência de guerras. Ao longo dos
anos, o autor avançou na explicação de conflitos a partir da condição anárquica do sistema
internacional, se afastando de proposições filosóficas e da busca por entendimento da
natureza humana (WALTZ, 1959).
NOTA
36
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
uma vez que não haveria autoridade superior e cada Estado lutaria sobrevivência
e pelo poder. Segundo Waltz (1979), nada além dessa estrutura anárquica do
sistema internacional explicaria a incidência de guerras – qualquer teoria que
oferecesse uma explicação em nível estatal seria reducionista.
ATENCAO
Waltz (1979) afirma que essas teorias reducionistas teriam dois problemas
fundamentais: em primeiro lugar, não seria possível prever os resultados das
interações entre atores somente através de uma análise de seus atributos. Em
segundo lugar, não seria possível fazer inferências acerca da política internacional
a partir da composição interna dos Estados ou somando suas políticas externas.
Além disso, Waltz (1979) alerta para o risco que teorias reducionistas correm de
produzir meras descrições a respeito de seus objetos de análise.
37
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
E
IMPORTANT
reduzido para o jogo duplo e alianças escusas. Além disso, há maior possibilidade
de monitoramento mútuo dos movimentos dos Estados. De acordo com essa visão,
a Guerra Fria teria sido um período de relativa paz e estabilidade internacionais.
FONTE: A autora
39
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
40
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
HIPÓTESE II
Conflitos por disputas de interesse em
“Grandes Potências ainda possuem
um contexto de anarquia ainda seriam
grandes capacidades militares
possíveis.
ofensivas”.
41
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Com base nesses objetivos, e tendo as cinco hipóteses como pano de fundo,
Mearsheimer (2001) apresenta quatro estratégias para conquistar poder e duas
estratégias para controlar agressores e estratégias a ser evitadas pelos Estados.
Com relação às estratégias para a conquista do poder, o autor cita primeiramente
a guerra. Segundo ele, a guerra seria a política por outros meios, a partir das ideias
42
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
de Clausewitz (1984 apud MEARSHEIMER, 2001). Ela seria a forma mais eficiente
de subjugar o oponente ou potencial ameaça e maximizar poder. Em segundo
lugar, o autor menciona a “chantagem”, que seria o uso de ameaças coercitivas e
intimidação de um outro ator. A esse respeito, Mearsheimer (2001) faz algumas
considerações: em primeiro lugar, é preciso lembrar que a chantagem precisa
parecer crível para o ator que está sendo chantageado. Nesse sentido, o ator que
está chantageando deve deixar claras suas intenções e capacidades de prosseguir
com a proposta, caso o ator chantageado não ceda às pressões.
E
IMPORTANT
O objetivo máximo das grandes potências, de acordo com o realismo ofensivo, é tornar-se
hegemonia, porque essa posição garantiria a sua sobrevivência. Na prática, é quase impos-
sível para qualquer país atingir esse status, porque é difícil projetar e sustentar poder mun-
dialmente e através de territórios distantes. O melhor objetivo a ser buscado é tornar-se
hegemonia regional, o que significa dominar uma determinada área geográfica. Os Esta-
dos Unidos compreenderam essa lógica realista ofensiva e trabalharam assiduamente para
tornar o país a potência dominante no ocidente, conquistando finalmente a hegemonia
regional em 1898. Ainda que os Estados Unidos tenham se tornado ainda mais poderosos
desde então, não é possível afirmar, segundo a lente realista neoclássica, que o país é uma
hegemonia global. Estados buscam o status de hegemonia regional por um motivo impor-
tante: prevenir que grandes potências de outras regiões geográficas dupliquem seu poder.
43
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Desse modo, após atingir o status de potência regional, os EUA tentaram prevenir que outras
grandes potências controlassem a Ásia e a Europa. No século XX havia quatro grandes
potências com a capacidade de tornar-se hegemonia regional: a Alemanha Imperial (1900-
1918), o Japão Imperial (1931-1945), a Alemanha Nazista (1933-1945) e a União Soviética
(1945-1989).
A partir da lente realista ofensiva, então, devemos esperar que a China “imite” os EUA e tente
tornar-se uma hegemonia regional na Ásia. A China tentará maximizar a lacuna de poder
entre ela mesma e seus vizinhos, como o Japão e a Rússia, garantindo que nenhuma outra
potência tenha a capacidade de ameaçar sua posição.
Outra estratégia possível, a partir dessa lente, seria a China tentar retirar qualquer influência
militar norte-americana na Ásia, do mesmo modo pelo qual os EUA reduziram a influência
das grandes potências europeias no ocidente no século XIX.
Mearsheimer (2001) afirma, por fim, que duas estratégias devem ser
evitadas: o seguidismo (ou Bandwagoning) e o apaziguamento. Bandwagoning
ocorre quando um Estado se alinha com um poder adversário mais forte e admite
que esse adversário ganha desproporcionalmente os bens que conquistam juntos.
O bandwagoning, portanto, é uma estratégia empregada por Estados que se
encontram em uma posição fraca. A lógica estipula que um Estado mais fraco
e sem armas deve se alinhar com um adversário mais forte, porque este último
pode conquistar o que quer à força de qualquer maneira. Ocorre geralmente
quando um Estado mais fraco decide que os custos de se opor a um Estado
mais forte ultrapassam os benefícios. É uma estratégia considerada perigosa por
Mearsheimer (2001) porque permite que o Estado rival ganhe poder. Desse modo,
deve ser empregada apenas quando não há possibilidade de construção de uma
coalizão para balancear poder, ou quando há constrangimentos geográficos. A
mesma lógica é empregada quando a estratégia é o apaziguamento, ou a tentativa
de abrandar o conflito.
44
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
REALISMO DA
REALISMO REALISMO
NATUREZA
DEFENSIVO OFENSIVO
HUMANA
O que leva
O desejo de poder
os Estados a A estrutura do A estrutura do
inerente aos
competirem sistema. sistema.
Estados.
por poder?
FONTE: A autora
Uma das escolas em ascensão nesse período (anos 70) foi a Escola
Inglesa, representada, entre outros autores, por Hedley Bull, Adam Watson e
Martin Wight. Também conhecida como “Teoria da Sociedade Internacional”,
a abordagem foi relegada ao campo da História no início e reconhecida
gradualmente enquanto teoria das Relações Internacionais. Ainda que não caiba
no presente livro aprofundar a discussão sobre essa teoria, é válido refletir sobre
suas críticas à escola realista.
45
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Outra crítica válida é a de que ainda que Waltz (1979) busque oferecer uma
teoria “científica” e “elegante” da política internacional, em vários momentos o
autor recorre a princípios normativos, típicos de seus antecessores. Além disso,
segundo Lawson e Shilliam (2010), Waltz teria interpretado erroneamente os
conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica da Durkheim, o
que teria prejudicado o seu entendimento sobre os elementos característicos da
anarquia internacional.
46
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
DICAS
47
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
LEITURA COMPLEMENTAR
Tullo Vigevani
João Paulo C. Veiga
Karina Lilia P. Mariano
A compreensão do mundo atual passa cada vez mais pelo exame das
relações entre temas econômicos e temas clássicos da estratégia e das relações
de poder, relativos às bases do poder mundial. Trata-se de compreender como a
capacidade econômica, entendida em sentido amplo e dinâmico, poderá incidir
nas formulações estratégicas globais, tornando-se o fator decisivo do poder em
escala internacional. Os autores que se utilizam do globalismo como ponto de
partida para suas análises teóricas do sistema internacional consideram que a
emergência da economia como fator explicativo básico das relações internacionais
é irreversível, sendo isso o que permite a compreensão das modificações em curso.
Essa perspectiva vem ganhando força com a aparente crise do realismo, que
predominou nos Estados Unidos durante décadas, após se sobrepor ao chamado
idealismo de inspiração wilsoniana, que tivera força no período entre as duas
guerras mundiais. Nesta nova fase dos debates, há uma tentativa de reabilitar
o realismo, ou o neo-realismo, como se chama a nova sofisticação desse modelo
de análise (Waltz, 1979), entrando como principais opositores os chamados
globalistas (Rosecrance, 1981).
48
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
No período entre as duas guerras tudo levava a crer que, nas relações
internacionais, prevalecia a concepção kantiana da não-existência objetiva do
conflito entre a moral e a política. Isso possibilitaria, segundo a proposta de Kant,
a constituição de uma liga de paz, que eliminaria todas as guerras. Implícita nisso
49
UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Daí a redução que os realistas fazem dos valores morais: para Hobbes,
onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. Em outras
palavras, pode-se reconhecer aqui elementos que persistem em toda a elaboração
pós-Segunda Guerra Mundial. Há uma característica definitiva do Realismo que
reitera permanentemente a separação entre a esfera do nacional e a esfera do
internacional. Se, segundo a análise de Waltz, na esfera nacional há uma estrutura
hierárquica sempre funcionando, as partes dos sistemas políticos internacionais
estão, pelo contrário, numa situação de coordenação: "Formalmente cada uma
delas é igual a todas as outras: nenhuma tem o direito de mandar e ninguém tem o
dever de obedecer. Os sistemas internacionais são anárquicos e descentralizados"
(Waltz, 1979, p. 178). Tal situação exerce forte influência sobre o comportamento
dos Estados nacionais. Ainda que sem referência específica, a preocupação de
Hobbes com as relações entre os povos é evidente: "Mas mesmo que jamais
tivesse havido um tempo em que os indivíduos se encontrassem numa situação
de guerra de todos contra todos, de qualquer modo em todos os tempos os reis,
50
TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL
51
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
CHAMADA
52
AUTOATIVIDADE
I- Um Estado, por não ter certeza das intenções dos demais, deverá agir
sempre com base no pior cenário possível.
II- Atingir a hegemonia global é o objetivo final de todos os Estados. Esse
status pode ser alcançado apenas quando um Estado derrota o mais
poderoso do sistema.
III- Os Estados devem estar preocupados com questões que podem levar o
planeta ao colapso, tais como o aquecimento global, questões de segurança
alimentar e doenças pandêmicas.
IV- Devido ao poder parador das águas, alcançar a hegemonia mundial se
torna uma tarefa excessivamente árdua. O melhor resultado passa a ser,
portanto, se tornar o hegêmona regional, evitando o surgimento de outros
hegêmonas em outras regiões.
54
REFERÊNCIAS
BULL, H. A Sociedade anárquica: um estudo da ordem da política mundial.
Brasília, DF: Funag. 2002.
MEARSHEIMER, J. The tragedy of great power politics. New York: Norton. 2001.
WALTZ, K. The man, the state and war: a theoretical analysis. New York:
Columbia University Press. 1959.
55
56
UNIDADE 2 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.
57
CHAMADA
58
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2
O LIBERALISMO CLÁSSICO
1 INTRODUÇÃO
59
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
Por propriedade, o autor não entende apenas os bens que cada homem
possui, mas também que cada indivíduo possuiria uma propriedade em sua
própria pessoa, além de possuir “o trabalho do seu corpo e a obra de suas mãos”
(LOCKE, 1998, p. 409). As posses que um homem possui em sua própria pessoa
seriam bens inalienáveis.
61
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
62
TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO
63
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
modo, a divisão do trabalho foi criada. Como resultado direto dessa divisão
e da existência de propriedade, a desigualdade entre os homens tornou-se
escancarada e a liberdade tornou-se escravidão.
64
TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO
LOCKE ROUSSEAU
FONTE: A autora
65
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
O PENSAMENTO REPUBLICANO
O pensamento republicano tem origem na Grécia Antiga, com pensadores como Aristóteles
(384-322 a.C.) e Cícero (106-43 a.C.), e evoluiu historicamente a partir das ideias de Maquiavel
(1469-1527) e Kant (1724-1804). Essa visão defende que o chefe de Estado seja escolhido
pelo povo e tenha sua autoridade legitimada pela representação, em um mandato finito e
limitado, em oposição às monarquias nas quais a legitimidade do governante vinha de sua
descendência e o mandato era vitalício.
66
TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO
Com relação à visão de Kant sobre democracia, o autor defende que Estados
democráticos operam internamente com o princípio de que conflitos devem ser
solucionados de modo pacífico, por meio de negociação e compromissos, sem
que se recorra a ameaças ou uso da força (KANT, 1997).
É esperado que as ditaduras, por outro lado, operem com base nos
princípios hobbesianos, fazendo ameaças e recorrendo à força militar.
67
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
68
TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO
NOTA
1. Inaugurar pactos de paz, depois dos quais não deverá haver acordos
diplomáticos secretos, mas uma diplomacia franca e sob o olhar público.
2. Liberdade de navegação nos mares e águas fora dos territórios nacionais, tanto
em momentos de paz quanto de guerra, com exceção dos mares fechados
completamente ou em parte por ação internacional em cumprimento de
pactos internacionais.
3. Abolição, dentro dos limites legais, de todas as barreiras econômicas entre
os países e estabelecimento de uma igualdade de condições comerciais entre
todas as nações que concordam com a paz e com a associação multilateral.
4. Garantias adequadas da redução dos armamentos nacionais até o menor nível
necessário para a garantia da segurança nacional.
69
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
70
TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO
NTE
INTERESSA
71
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
72
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
73
AUTOATIVIDADE
a) ( ) I e II.
b) ( ) I e IV.
c) ( ) II e III.
d) ( ) I, III e IV.
e) ( ) II, III e IV.
75
76
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
77
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
A CORTE DE HAIA
A Corte de Haia foi criada no contexto de emergência da Organização das Nações Unidas
como instituição central na manutenção da paz e ordem internacionais. A denominação
oficial do órgão, cuja função central é a resolução de conflitos entre Estados, é Corte
Internacional de Justiça. Possui sede em Haia, nos Países Baixos.
78
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
79
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
• Repúblicas atingiriam
• Repúblicas buscariam ma-
• Apenas uma minoria a paz entre elas porque
ximizar sua influência, o
lucraria com a guerra exercitam precaução de-
que inclui expansão terri-
e em democracias não mocrática e são capazes
torial e uso de força militar.
prevalece a vontade de respeitar os direitos de
• A necessidade de sobre-
de minoria. O resul- outras repúblicas.
vivência política levaria à
tado, portanto, será a • Guerras entre repúblicas
expansão.
busca pela manuten- democráticas seriam im-
• Pouca possibilidade de
ção da paz. prováveis. Repúblicas en-
cooperação entre repúbli-
• Baixo potencial impe- trariam em guerra com pa-
cas, uma vez que elas bus-
rialista em repúblicas íses não republicanos, que
carão a expansão territo-
democráticas levaria à não compartilham seus
rial, mesmo que envolva
cooperação entre elas. princípios morais de paz e
o uso da força militar.
respeito às liberdades.
FONTE: A autora
80
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
3 A INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA NA
CONTEMPORANEIDADE
O mundo pós-Guerra Fria passou por uma série de transformações
econômicas, políticas e sociais. As agendas políticas de segurança nacionais
e poder militar tradicional passaram a dividir espaço com a busca dos atores
internacionais por uma ordem estável e pacífica, baseada no desenvolvimento
econômico das nações. Nesse contexto reemergem as tentativas liberais de
compreensão da política internacional, agora muito menos baseada na busca
ilimitada por poder por parte dos Estados, e muito mais diversificada e plural.
Uma das abordagens centrais nesse contexto é a “Interdependência Complexa”,
desenvolvida por Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, no fim da década de 1970.
81
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
O termo “high politics”, ou alta política, diz respeito a assuntos/temáticas relativas à segurança
e à sobrevivência dos Estados. Essas questões envolvem o setor militar, segurança nacional
e diplomacia. “Low Politics”, ou baixa política, por sua vez, diz respeito a assuntos não vitais
para a sobrevivência dos Estados, como meio ambiente, gênero e direitos humanos.
E
IMPORTANT
JOGO DE SOMA-ZERO
Um jogo de soma-zero é, segundo a teoria dos jogos (ramo da matemática aplicada que
se dedica ao entendimento das ações individuais), uma situação em que o ganho de um
indivíduo significa necessariamente a perda de outro indivíduo.
82
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
Keohane e Nye, em sua obra clássica Power and Interdependence: world politics
in transition, descreveram três características principais da interdependência
complexa: (A) canais múltiplos; (b) ausência de hierarquia entre problemas; e (c)
papel diminuído da força militar, elucidados a seguir:
83
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
84
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
NTE
INTERESSA
85
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Keohane (1984, p. 51) afirma que ela ocorreria quando Estados “ajustam
seu comportamento às preferências reais ou antecipadas de outros, em um
processo de coordenação política”. Em um ambiente internacional competitivo, os
Estados, enquanto atores racionais, buscariam maximizar seus ganhos absolutos
através da cooperação. Os neoliberais, porém, não negam que a cooperação seria
de difícil obtenção uma vez que o sistema internacional é anárquico.
• Barganha
86
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
• Deserção
E
IMPORTANT
87
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ATENCAO
A ideia é prover soluções a eventuais disputas comerciais entre países (quando, por exemplo,
um país adota uma medida que viola os princípios da OMC, como proteção à propriedade
intelectual ou protecionismo).
88
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
FONTE: A autora
89
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
E
IMPORTANT
90
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
E
IMPORTANT
O debate Neo-Neo não foi um debate entre duas visões polarizadas e opostas.
Conforme dito anteriormente, trata-se de um debate dentro do mesmo paradigma.
Neoliberais e neorrealistas estudam diferentes “mundos” da política internacional: enquanto
os neorrealistas focam em segurança e assuntos militares, neoliberais focam em economia
política, assuntos ambientais, direitos humanos, gênero etc.
91
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
INSTITUCIONALISMO
NEORREALISMO
NEOLIBERAL
92
TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL
Estabelecem a agenda,
induzem a formação de
coalizões e atuam como
De menor importância,
Papel das arenas para a ação política
limitado pelo
Organizações de Estados mais fracos. A
poder estatal e pela
Internacionais habilidade para escolher o
importância do uso da
fórum organizacional para
força militar.
um tema e para mobilizar
outros atores é um importante
recurso de poder.
FONTE: A autora
93
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• O neoliberalismo nas RIs foi parte de um dos debates teóricos mais importantes
da área: o debate neo-neo, marcado pela contraposição entre o pensamento
neorrealista, que afirma que a segurança militar seria o objetivo central dos
Estados e o pensamento neoliberal, que defende que o interesse dos Estados
varia em relação à área temática.
94
AUTOATIVIDADE
96
É CORRETO apenas o que se afirma em:
a) ( ) I, II e III.
b) ( ) I, II e V.
c) ( ) I, III e IV.
d) ( ) II, IV e V.
e) ( ) III, IV e V.
97
98
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
2 LIBERALISMO SOCIOLÓGICO
Uma das vertentes contemporâneas do liberalismo é o denominado
“liberalismo sociológico”. Autores como James Rosenau, Karl Deutsch e Richard
Cobden apontam as limitações das visões liberais e realistas focadas no Estado
e defendem o estudo das relações transnacionais – relações entre grupos da
sociedade civil, indivíduos e organizações através e entre Estados.
100
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
101
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
TIPO DE ORGANIZAÇÃO
TIPO DE MEMBRESIA
ESPECÍFICA GERAL
União
INTERGOVERNA-
OTAN, NAFTA Africana
MENTAL
(UA)
União
SUPRANACIONAL EURATOM, CECA Europeia
REGIONAL (UE)
OMS, Agência
INTERGOVERNA-
Internacional de
MENTAL ONU
Energia Atômica (IAEA)
Movimento
TRANSNACIONAL Anistia Internacional Federalista
Mundial
FONTE: A autora
3 FUNCIONALISMO E NEOFUNCIONALISMO
Conforme discutido anteriormente, ao final da década de 1930, muitos
estudiosos das relações internacionais identificaram a necessidade de uma nova
abordagem no estudo da política mundial. A incapacidade da Liga das Nações
em lidar com crises internacionais tornou-se mais aparente e chegou ao ápice com
a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
102
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
Nesse caso, emerge a teoria funcionalista proposta por autores como David
Mitrany (1943). O autor defende a busca pelo entendimento da ordem no pós-
guerra a partir da observação das funções de cada um dos atores internacionais. À
semelhança de Carr (1939), Mitrany (1943) argumentou que o fracasso da Liga das
Nações seria devido aos limites inerentes à criação de um sistema político baseado
em pactos legais em um mundo de Estados desiguais e muito diferentes entre si.
Mitrany (1943) afirmou em sua obra A Working Peace System que nesse
contexto pós-Guerra as economias nacionais passaram a depender cada vez mais
das relações internacionais, minando a capacidade do Estado de controlar e regular
sozinho suas finanças domésticas e prover estabilidade econômica internamente.
103
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O objetivo do autor era enfatizar essa nova demanda popular por reforma
social baseada não em direitos, mas em serviços. Nessa nova realidade, o aparato
institucional necessário se concentraria no aspecto das atividades humanas que
mais precisariam de “reformas”: a sociedade e a economia, não a política.
104
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
NOTA
Criada em 1957, a CECA foi uma das bases institucionais da União Europeia. Teve como
objetivo construir uma estrutura de governança conjunta de recursos naturais entre
Alemanha Ocidental, Itália, França, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo. A ideia era evitar
possíveis conflitos futuros pelo domínio desses recursos e estabelecer o livre comércio sem
taxas de exportação de importação de aço e carvão.
105
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
O Neofuncionalismo, por sua vez, tem como obra seminal o livro The
Uniting of Europe: Political, Social and Economic Forces, publicado em 1958 por
Ernest Haas. A partir das contribuições de Mitrany, Hass teve como objetivo
central explicar a importância da CECA e da Comunidade Econômica Europeia
(CEE), como partes de uma nova organização no continente europeu.
NOTA
A CEE foi criada em 1958, a partir da assinatura do Tratado de Roma (1957), com o objetivo
de estabelecer uma estrutura institucional para o processo de integração econômica e
política crescente na Europa. Foi uma das bases para a União Europeia, criada efetivamente
em 1993 pelo Tratado de Maastricht.
106
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
107
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
cional à semelhança dos realistas, mas afirma que é possível que os Estados,
de maneira racional e com base em seus interesses, escolham a cooperação
enquanto meio para atingir seus objetivos. Desse modo, a teoria mantém os
pressupostos gerais do liberalismo, mas não possui a “ingenuidade” empírica
presente em seus antecessores.
NOTA
108
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
109
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
110
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
LEITURA COMPLEMENTAR
111
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
112
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
113
UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Após o fim da Guerra Fria, com a crise relativa dos paradigmas teóricos
dominantes (neorrealismo, neoliberalismo institucional), o liberalismo saiu
reforçado e houve um esforço de refundar a teoria. O principal autor da tentativa
de redesenhar uma grande teoria liberal nas RI foi Andrew Moravcsik. Este
professor de Princeton, ex-aluno de Kheone, assume, sinteticamente, que os três
principais pressupostos teóricos da teoria liberal das ri são os seguintes:
114
TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO
115
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
CHAMADA
116
AUTOATIVIDADE
117
3 Assinale a alternativa correta sobre os conceitos de Globalização e
Transnacionalismo:
118
REFERÊNCIAS
AXELROD, R. The evolution of cooperation. New York: Basic Books, 1984.
DOYLE, M. Liberalism and world politics. In: BETTS, R. Conflict after the cold war:
arguments on causes of war and peace. Oxfordshire, UK: Taylor and Francis, 2017.
HASS, E. B. The uniting of Europe. political, social, and economic forces 1950–
1957. Stanford: Stanford University Press, 1958.
HOLSTI, K. The dividing discipline. Crost Nest: Allen and Unwin, 1987.
119
KEOHANE, R. O.; NYE, J. Power and interdependence. Londres: Pearson
Press, 1977.
LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os
limites e os fins verdadeiros do governo civil – e outros escritos. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1994.
MEARSHEIMER, J. The tragedy of great power politics. New York: Norton, 2001.
MARTIN, L., SIMMONS, B. Theories and empirical studies of international
institutions. International Organization, Cambridge, v. 52, n. 4, p. 729-757, 1998.
120
UNIDADE 3 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.
121
CHAMADA
122
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
123
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Autores como Theotonio dos Santos (1939 – 2018), Ruy Mauro Marini
(1932 – 1997), Vânia Bambirra (1940 – 2015), Fernando Henrique Cardoso (1931),
entre outros desenvolveram uma interpretação crítica do sistema capitalista e se
ocuparam principalmente da análise da dependência dos países do Sul global
com relação ao norte industrializado e desenvolvido.
TUROS
ESTUDOS FU
124
TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS
Vigevani et al. (2011) afirmam que não é possível identificar em Marx uma
teoria específica sobre o sistema internacional. Essa afirmação faz coro a Cox
(1986, p. 248): “se há qualquer diálogo entre as contribuições norte-americanas
das relações internacionais e o pensamento marxista, é um diálogo de surdos”.
Ainda assim é possível identificar na trajetória de Marx uma série de análises
acerca do internacional, mesmo que incompletas e pouco desenvolvidas.
125
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
E
IMPORTANT
126
TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS
NOTA
FONTE: A autora
DICAS
Para Marx e Engels (1998) o mundo material seria uma realidade objetiva,
independente da mente ou do espírito, ou seja, as ideias surgiriam apenas como
produto e reflexo das condições materiais.
128
TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS
DICAS
129
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
E
IMPORTANT
A segunda metade do século XIX foi marcada pela segunda Revolução Industrial e a
consequente modernização e aumento da produção industrial na Europa e nos Estados
Unidos. Esses processos também tiveram como consequências a substituição da mão
de obra, desemprego e menor poder de compra. O excedente de mercadorias levou à
busca, por parte das grandes potências, por mercado consumidor e matérias primas em
continentes como Ásia e África.
130
TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS
131
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
132
TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS
133
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
134
AUTOATIVIDADE
135
136
TÓPICO 2 — A
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
138
TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ATENCAO
139
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
E
IMPORTANT
140
TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Nesse sentido, apenas a luta por controle dos meios de produção não
seria suficiente para a emancipação – a luta por ideias e crenças com o objetivo
de criar uma nova hegemonia. Essa noção de luta “contra-hegemônica”, ou seja,
a proposição de alternativas às ideias dominantes do que seria normal e legítimo,
teve amplo apelo em movimentos sociais e políticos ao redor do mundo. Também
contribuiu para a noção, compartilhada com a Teoria Crítica, de que conhecimento
seria uma construção social que serviria para legitimar estruturas sociais.
141
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DICAS
142
TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
4 ABORDAGENS DO SISTEMA-MUNDO
A noção de divisão entre centro industrializado e desenvolvido e periferia
“atrasada” e dependente, proposta por Lenin no início do século XX e discutida
na segunda seção do primeiro tópico dessa unidade, influenciou a produção
teórica das denominadas “Abordagens do Sistema-Mundo”. Um dos principais
representantes dessa corrente foi Immanuel Wallerstein (1930 – 2019).
143
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
144
TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOTA
Desenvolvida pelo economista inglês David Ricardo (1772-1823), a Teoria das Vantagens
Comparativas defende que cada país deve se especializar na produção de um determinado
bem – especificamente aquele que tem menores custos para o país. Isso levaria a ganhos
mútuos, segundo o pensador.
145
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DICAS
O crescimento notável da economia chinesa nos últimos anos tem sido foco de
estudos nas Relações Internacionais e o modelo de Wallerstein é especialmente
importante no entendimento desse processo. A emergência da China, de acordo
com Nogueira (2008) estaria redefinindo o formato das relações econômicas
que ligam os países asiáticos semiperiféricos (ex.: Coreia do Sul, Hong Kong,
Taiwan) e as economias centrais, principalmente os Estados Unidos. Holst
(2002) caracteriza essa dinâmica de interação entre China, leste asiático e países
centrais como “comércio triangular”: as exportações da China para os Estados
Unidos aumentaram (de 0,5% do total importado pelo país central, para 11,3%
entre 1980 e 2003), enquanto as importações chinesas passaram a se concentrar
na semiperiferia asiática. Segundo Nogueira (2008, p. 5), “a especialização da
produção dentro da própria Ásia estaria levando a um aumento da parcela das
importações da China que vêm da própria região, transformando o país em um
dos principais (quando não o principal) destino das exportações dos outros
países asiáticos semiperiféricos”.
FONTE: A autora
146
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• Segundo essa visão, a explicação para a dependência dos países do Sul global
em relação ao Norte estaria na estrutura do Sistema-Mundo, caracterizada por
trocas desiguais.
147
AUTOATIVIDADE
148
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Alguns dos principais autores dessa tradição são Raúl Prebisch (1901-
1986), secretário executivo da comissão de 1949 a 1963, o ex-presidente brasileiro
Fernando Henrique Cardoso e André Gunder Frank. O terceiro, e último, tópico
desta unidade tem como objetivo apresentar e discutir os elementos centrais
dessa visão, além de refletir sobre o processo de globalização a partir da lente
marxista. Ao compreender as raízes da dependência de antigas colônias, a Teoria
da Dependência seria uma lente válida para a explicação da economia brasileira,
além de outros países do Sul global.
149
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
2 A TEORIA DA DEPENDÊNCIA
A Teoria da Dependência se desenvolveu no final da década de 1950, sob
a orientação do então diretor da Comissão Econômica das Nações Unidas para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), Raul Prebisch.
150
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
NOTA
A OCDE tem suas raízes na Organização para Cooperação Econômica Europeia (OCEE),
criada em 1948, após a II Guerra Mundial, com o objetivo de auxiliar na implementação do
Plano Marshall de reconstrução da Europa no pós-guerra. Seu objetivo inicial foi auxiliar os
governos europeus a retomarem suas economias e encorajar sua interdependência. Após
a entrada dos EUA e Canadá, em 1960, a OCDE foi criada e passa a objetivar a promoção
do desenvolvimento econômico de seus membros, além de investimentos em países em
desenvolvimento.
151
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
De acordo com essa visão, o sistema capitalista teria criado e reforçado uma
divisão internacional do trabalho rígida, responsável pelo subdesenvolvimento
em várias áreas do mundo. Os estados dependentes ofereceriam minerais,
commodities agrícolas e mão de obra barata, além de servirem como “repositórios”
de tecnologias e produtos manufaturados obsoletos. A alocação de recursos seria
determinada pelos interesses econômicos dos Estados dominantes.
152
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
153
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ATENCAO
154
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
FONTE: A autora
155
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
LEITURA COMPLEMENTAR
A RUÍNA DO CAPITALISMO
Gustavo Ioschpe
156
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
Por um lado, essa iniciativa começou com muito êxito. Quando você proclama
que não há alternativas ao modelo neoliberal, o que está querendo dizer é que
não deveria haver outras alternativas, mas, obviamente, elas existem. Houve
uma forte reação. Não só uma reação de vários países, que disseram: "Isso não
funciona para nós, vamos sair perdendo", mas também dos EUA e da Europa
Ocidental, de pessoas como Jeffrey Sachs e Kissinger; pessoas que você não
poderia nunca chamar de esquerdistas. E o argumento deles é muito sensato,
ao dizerem que as pessoas que têm se esforçado para conseguir esse livre fluxo
não pensaram nas consequências de uma política como essa. As consequências
são muito severas: colapsos de liderança, seguidos de revoluções etc. O que
eles estão dizendo é que você deve fazer isso de uma maneira mais social.
Então a combinação da discussão, simbolicamente, do FMI-Banco Mundial e
a crescente resistência de alguns países definitivamente diminuíram o grau
de abertura. Mas isso não é nada de novo, acelera e regride o tempo todo, e
certamente o livre comércio não é uma panaceia. Quer dizer, a ideia de que você
deve competir não tem nada de novo – o que é o capitalismo senão a teoria de que
você tem de ser competitivo no mercado mundial?
Folha – O sr. não acha que a adesão formal a tratados de livre comércio é algo
novo e prejudicial?
Wallerstein – Certamente não é novo. Certamente algo que não é bom "per
se": é bom para alguns e ruim para outros. E certamente não é inevitável
ou irrevogável. Quer dizer, eu não acho que daqui a dez ou 15 anos haverá
mais abertura do que há agora, talvez até haja consideravelmente menos.
À medida que os EUA constroem uma zona na América Latina, quais seriam os
excluídos? Os europeus, os japoneses... Mas eles terão as suas próprias zonas.
Nós podemos, daqui a dez ou 15 anos, ter um mundo formalmente dividido em
três zonas, dentro das quais haverá livre comércio, mas não entre elas. Nós já
estamos vendo coisas assim na Europa Ocidental, que são apenas um sinal de
conflitos mais fundamentais ainda por vir.
157
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Folha – Isso significa que a Terceira Via seria apenas um disfarce, um rótulo?
Uma coisa que se pode dizer sobre a Terceira Via é que ela funciona. Se você é
Clinton, ela funciona contra um Partido Republicano de extrema-direita. E, se
você é Blair, ela funciona contra um Partido Conservador de extrema-direita. Mas,
se os republicanos voltarem para sua posição de "moderados" e os conservadores
voltarem para sua posição tradicional, por que os eleitores votariam na versão
falsa, quando eles podem votar na versão verdadeira? Isso é tudo que tem de ser
feito para a Terceira Via ser derrotada. Então, eu não a vejo como o caminho do
futuro. Acho que ela já alcançou seu cume e agora está começando a retroceder.
Que Fernando Henrique Cardoso tenha aderido a isso diz mais sobre as suas
tentativas de se posicionar internacionalmente do que sobre a política interna
brasileira. Não creio que isso importe muito em termos de política interna
brasileira. Eu não imagino que as pessoas saibam o que isso significa.
Folha – O sr. defende, na contracorrente das ideias dominantes, que, com o fim
da Guerra Fria, o que realmente teria sido derrotado foi o liberalismo.
Wallerstein – Se você quer começar com as minhas heresias, iniciemos com o que
eu entendo por liberalismo. O liberalismo é, como quase todos os termos políticos
importantes, um termo confuso e que confunde, e as pessoas o usam de várias
maneiras diferentes. Há liberalismo político, econômico, liberalismo cultural -e
esses termos não são a mesma coisa. As pessoas podem ser um sem ser o outro.
Então, por que usamos o mesmo termo?
Os liberais têm sido pró e contra o liberalismo político, pró e contra o liberalismo
econômico e pró e contra o liberalismo cultural, se você olhar para a verdadeira
história do movimento. Então, é óbvio que nenhuma dessas é a questão-chave. O
liberalismo tem sido, desde o início, a doutrina dos centristas do mundo.
158
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
O meu argumento é que isso foi o que manteve o sistema nos últimos 30, 50
anos e, quando isso caiu, quando os movimentos antissistêmicos – na forma
de movimentos de liberação nacional, comunistas ou até social-democratas
– perderam o apoio popular, porque eles não conseguiram mudar o mundo,
isso provocou a queda do comunismo. Provocou também a queda da principal
ferramenta de controle que as forças dominantes tinham sobre as massas, que,
então, ficaram desiludidas.
Elas não têm mais a crença de que alguma magia ou feitiço vá acontecer e se
tornam, por um lado, contra o Estado e, por outro lado, muito amedrontadas –
porque o Estado está entrando em colapso a sua volta, e há crimes – e então elas
se voltam ao que eu chamo de "grupismo", que é a criação de grupos que vão
prover segurança contra o perigo.
Folha – Será que o sr. poderia delinear, de forma resumida, suas razões para
achar que o capitalismo está agonizando?
159
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Folha – Nos próximos 50 anos, o sr. prevê uma série de convulsões sociais...
Wallerstein – À medida que o sistema entra em colapso, a ordem social também
rui, nacional e internacionalmente. Eu prevejo uma série de guerras sangrentas
e inconcludentes, mas também tumultos sociais internos. E, particularmente,
eu quero enfatizar que esses tumultos – normalmente associados a países de
Terceiro Mundo, da periferia – agora vão acontecer no Norte. Especialmente nos
Estados Unidos, mas também na Europa Ocidental, Japão etc. Será um mundo
desagradável para se viver; intelectualmente estimulante, politicamente muito
interessante e pessoalmente muito difícil.
Wallerstein – É, do Sul para o Norte. Esses fluxos criarão o tumulto social
interno nos países do norte. A demografia vai mudar, de forma dramática. E não
só porque as pessoas irão do Brasil ou da Venezuela para os EUA: haverá uma
cascata de fluxos, que irá mais rápido do que jamais ocorreu, e nós teremos um
efeito político mais radical, por causa de sua velocidade e de seu tamanho.
160
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
"A política atual de FHC está muito longe de sua posição intelectual dos anos
50, mas não estou muito certo de que seja diferente de sua postura nos anos 70"
Folha – O sr. disse uma vez que é impossível para a América Latina desenvolver-
se sozinha.
Wallerstein – Bem, eu suponho que, se o sistema capitalista fosse existir por mais
150 anos – o que eu não acho que vá acontecer-, talvez o Brasil se tornasse um
grande centro, se a Europa ruísse, ou algo do gênero, o que não é totalmente
impossível, já que nós temos rotações no sistema. Mas não acho que isso vá
acontecer, porque eu não creio que o sistema vá durar até lá.
muito. Pessoas diziam que o caminho para a salvação era juntar-se à economia
global, mas essa só é a salvação para um pequeno número, não para as massas.
Entretanto as massas têm sorte, porque em 1999 há mais possibilidades do que
havia em 1945, precisamente porque o sistema está entrando em colapso. Portanto
nós teremos a oportunidade de construir uma nova alternativa -e a questão é
se ela será melhor ou pior que a atual. Nós podemos construir uma alternativa
melhor. Esse é um desafio para as pessoas no Brasil e para as pessoas nos Estados
Unidos. É um desafio para todos: construir uma nova estrutura -essa é a principal
questão política.
Folha – Um país periférico, como o Brasil, pode ter poder suficiente para influir
na construção dessa nova alternativa?
Wallerstein – Acho que os brasileiros têm tanto poder para afetar onde nós vamos
estar daqui a 25 ou 50 anos quanto as pessoas dos Estados Unidos. Elas podem até
mais, porque o que segura as pessoas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental
é um senso de privilégio presente e um medo de perdê-lo e, portanto, elas tomam
decisões insensatas a longo prazo. Como a maioria das pessoas no Brasil não têm
esse medo de perder uma posição privilegiada, elas podem tomar decisões mais
acertadas. Eu nunca defendi a supremacia do Primeiro ou do Terceiro Mundo.
Acho que nós todos estamos juntos nessa.
162
TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS
capitalismo. Não há dúvidas de que, para pessoas da classe média alta, suas vidas
são melhores do que as das pessoas de mesmo nível comparadas a cem anos
atrás. E, normalmente, nós estamos olhando para nós mesmos quando fazemos
esse tipo de afirmação de que o capitalismo melhorou a qualidade de vida. Mas,
se você olhar para as pessoas das classes mais baixas, a coisa não é tão óbvia.
Wallerstein – Ele tomou a decisão política de mover para o centro, que pensa ser
a melhor para a situação brasileira. Até agora tem recebido apoio popular.
Wallerstein – Bom, isso sobe e desce. Deixe-me dizer isso: FHC é um homem
muito esperto, e as decisões que ele tomou são decisões pensadas, refletidas, e
são as decisões que ele acha as mais acertadas. Talvez não sejam as decisões que
eu tomaria.
Wallerstein – Como sociólogo, ele é uma figura importante, foi um dos primeiros
"dependentistas"; seus escritos foram bastante influentes. Ele então se moveu de
uma posição dependentista clássica para o que ele chamou de desenvolvimento
dependente. Os dependentistas diziam que desenvolvimento nacional é
impossível, e Cardoso mudou sua postura para dizer que o desenvolvimento era
possível, caso houvesse um Estado forte.
Essa posição o levou de uma posição de dependentista para uma variável da teoria
da modernização. Essa foi a mudança intelectual que ele fez, e dela resultaram
as óbvias mudanças políticas que também fez. Mas como intelectual tem sido
influente; é certamente um dos mais importantes sociólogos do pós-guerra.
Folha – Então sua política não o surpreende, pois o sr. a vê como congruente
com sua mudança intelectual?
Wallerstein – Deixe-me colocar da seguinte forma: sua política atual está muito
longe de sua posição intelectual dos anos 50, mas eu não estou muito certo de que
elas sejam muito diferentes de sua postura do começo dos anos 70. Ele mudou,
em resultado da reavaliação que fez a respeito do que acontecia no mundo. Então,
a sua política de hoje me parece consistente com a sua postura intelectual desde,
pelo menos, o início dos anos 70.
163
UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Wallerstein – É muito arriscado fazer projeções para o cenário futuro, de como o
mundo será em 2050, ou por aí. De modo geral, podemos distinguir entre duas
formas genéricas. Uma é a forma relativamente democrática e igualitária, e a outra
é uma forma hierárquica, desigual. Cada uma pode tomar múltiplos formatos.
Nos últimos 10 mil anos, com algumas exceções, nós temos tido um sistema
hierárquico, com vários formatos diferentes. Pode ser que inventem mais um,
novo. Ou pode ser que voltemos a usar um antigo: um sistema neofeudal, ou
neofascista, ou neoimperialista.
Wallerstein – Aí você tem a questão de hierarquia interna. Você tem tido muita
pressão, nos últimos cem anos, por democratização interna. Estamos chegando
lá, devagarinho. Como é que elas iriam funcionar? Não sei. Teríamos que ir
descobrindo pelo caminho. Por isso é que eu não sou um utopista. Acredito
em tentativa e erro. Mas rejeito a ideia de que é impossível termos um sistema
relativamente não-hierárquico, relativamente democrático, relativamente
igualitário -acho que poderia funcionar, e em grande escala. Nesse sentido eu
sou otimista: acredito na maleabilidade da natureza humana; na capacidade de
construir novas estruturas que realmente funcionem.
Folha – Quais são as suas razões para ser otimista em relação ao futuro?
164
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
CHAMADA
165
AUTOATIVIDADE
166
REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1947. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.
br/weby/up/208/o/fil_dialetica_esclarec.pdf. Acesso em: 20 jul. 2020.
COX, R. Social forces, states and world order: beyond international relations
theory. In: KEOHANE, R. (Org.). Neorrealism and its critics. Columbia: Columbia
University Press, 1986.
167
MARX, K., ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. In: DOSSIÊ manifesto
comunista. Estudos Avançados, São Paulo, v. 12, n. 34, p. 6-46, 1998. Disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v12n34/v12n34a02.pdf. Acesso em: 20 jul. 2020.
TESCHKE, B. The myth of 1948: class, geopolitics and the making of modern
international relations. Rio de Janeiro: Verso, 2003.
168