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01 a 04 de agosto de 2012
Gramado – RS
lifroio@ccsa.ufpb.br
O estado da arte das pesquisas em Relações Internacionais na América
Latina
Resumo
Introdução
O campo de estudos das relações internacionais iniciou-se na América
Latina já nos anos 1950 e 1960, de forma incipiente e localizada, na Colômbia,
Chile e México (Herz, 2008; Muñoz, 1980). No entanto, é a partir da década de
1970 que a disciplina se dissemina pela região em razão do aprofundamento dos
estudos sobre dependência e desenvolvimento, os quais estão inseridos em um
contexto de discussão sobre a busca de autonomia dos países periféricos perante
um núcleo hegemônico economicamente desenvolvido e liderado pelos Estados
Unidos. Esta busca de autonomia está, portanto, presente nas discussões
acadêmicas do período e caracteriza, em grande medida, parte da disciplina de
relações internacionais na América Latina. Como Mônica Herz destaca, “a teoria
da Dependência é considerada a maior contribuição teórica da América Latina
nos estudos das relações internacionais e da economia política” (2008: 2).
Apesar das contribuições dos teóricos da dependência para a análise das
relações internacionais, o embasamento teórico mais utilizado pela disciplina na
1
Professora Assistente do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba.
Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.
1
região ainda é de origem europeia e norte-americana2 (Herz, 2008). Além disso,
há certa heterogeneidade metodológica entre os cursos de relações
internacionais dentro da região ou do mesmo país, o que dificulta a caracterização
de uma Escola Latinoamericana de Relações Internacionais: há cursos com um
enfoque mais unidisciplinário e outros interdisciplinar; cursos voltados para áreas
específicas, como direito internacional ou negócios internacionais, e que não se
dedicam ao ensino de teorias, conceitos e temáticas próprias da disciplina; cursos
que se limitam ao ensino das teorias e temáticas clássicas e não avançam nas
novas discussões da área (Muñoz, 1980; Merke, 2008; Jaramillo, 2008).
Esta problemática é explicada, de certa forma, por uma dificultade mais
ampla da área que consiste na sua separação de outras disciplinas. Esta
separação foi observada na Europa e Estados Unidos, mas não ocorreu na
América Latina. Tanto que em diversas instituições de ensino superior existem
cursos de graduação em ciência política ou sociologia com opção de
especialização em relações internacionais. De acordo com Mônica Herz, isso
ocorre porque parte do corpo docente também é composto, em sua maioria, por
estudiosos que se graduaram em ciências sociais, ciência política, história, direito.
Além do mais, a separação entre questões internacionais e domésticas nunca foi
atingido na América Latina (2008: 5).
Assim, apesar do aumento significativo no número de cursos de graduação
e pós-graduação nas instituições de ensino latinoamericanas ao longo do tempo,
tal processo não resultou em uma configuração uniforme da disciplina. Há uma
diversidade de enfoques teóricos, metodológicos e temáticos que requerem maior
investigação e, neste sentido, é que o presente trabalho se insere.
O artigo proposto consistiu em um levantamento da produção bibliográfica
latinoamericana3 na área de relações internacionais nos últimos dez anos (2001-
2011) e, por conseguinte, na identificação das áreas temáticas e metodologias de
estudo mais empregadas. Um dos principais objetivos deste levantamento é
poder auxiliar na compreensão da evolução e configuração da disciplina de
2
Há algumas ressalvas, como o caso do Equador, em que a Teoria da Dependência ocupa lugar
central nos cursos de Relações Internacionais do país (Jaramillo, 2008).
3
Exceto o Brasil.
2
relações internacionais na região. O trabalho pode ser caracterizado como um
primeiro esforço de análise, pautado neste momento em buscas efetuadas em
sítios diversos (universidades, institutos, centros de investigação, redes de
informação, associações de pesquisa, periódicos) e também em literatura
específica que versa sobre a questão.
Neste levantamento foi possível identificar (1) as instituições de ensino
superior que possuem cursos de graduação e pós-graduação em relações
internacionais e os institutos e centros de investigação que desenvolvem
pesquisas na área; e o (2) corpo docente de algumas destas instituições, sua
produção e áreas de interesse. Na próxima seção serão discriminados os
procedimentos empregados no desenvolvimento da pesquisa e, em seguida,
serão analisados os resultados encontrados. Por último serão apresentadas as
conclusões gerais do trabalho.
Procedimentos metodológicos
No levantamento da produção bibliográfica estão incluídos 41 países 4 da
América Latina, com exceção do Brasil, e pautou-se em duas etapas:
primeiramente o levantamento das universidades e institutos de ensino que
possuem cursos de graduação e pós-graduação, assim como dos núcleos e
centro de pesquisa dedicados ao estudo das relações internacionais. No segundo
momento, a partir desta lista de instituições, buscou-se identificar o corpo docente
de cada entidade e, em seguida, a área de investigação destes pesquisadores a
partir da sua produção em periódicos diversos (internacionais, regionais e
nacionais) e também de livros.
A identificação das instituições de ensino e centros de pesquisa existentes
nos países ocorreu por meio da base de dados do Latin American Network
Information Center 5, que reúne informações sobre a América Latina e está
associado ao Instituto Lozano Long de Estudos Latinoamericanos da
4
Antigua e Barbados, Argentina, Aruba, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Cuba, Dominica, El Salvador, Equador, Grenada, Guadalupe, Guatemala, Guiana,
Guiana Francesa, Haiti, Honduras, Ilhas Caimãn, Ilhas Turcas e Caicos, Ilhas Virgens, Jamaica,
Martinica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, San
Bartolomé, San Cristobal e Nieves, San Vicente e as Granadinas, Santa Lucia, Suriname, Trinidad
e Tobago, Uruguai, Venezuela.
5
http://lanic.utexas.edu/info/about
3
Universidade do Texas, e do General Education Online 6, que consiste em um e-
project website sobre educação superior no mundo.
Foram consultados os sítios de todas as universidades, institutos e centros
de estudo latinoamericanos, encontrados nestas bases de dados, com o intuito de
localizar aquelas instituições com cursos ou área de pesquisa em relações
internacionais. Neste momento foram definidos alguns parâmetros de
identificação, especialmente em relação aos cursos das universidades, para então
considerar a instituição inserida na área. O objetivo desses parâmetros foi tentar
estabelecer uma diferenciação entre as relações internacionais e as demais
disciplinas.
Parâmetros de identificação:
a) Foram considerados os cursos de graduação e pós-graduação
não específicos (como ciência política, sociologia, direito, história,
etc) mas que possuíam especialização ou habilitação na área de
relações internacionais;
b) Foram considerados os cursos de pós-graduação em temáticas
da área (como especialização, mestrado ou doutorado em áreas
como integração regional, comércio internacional) e que
possuíam em seus programas disciplinas específicas das
relações internacionais (como introdução às relações
internacionais, teoria das relações internacionais, política
externa, política internacional, processo de integração regional,
história das relações internacionais, economia política
internacional) 7;
c) Foram considerados os intitutos e centros de pesquisa em
temáticas da área (como o Instituto de Ensino do
Desenvolvimento Sustentável da Guatemala) e que desenvolvem
pesquisas que utilizam teorias, conceitos e discussões
específicas das relações internacionais;
6
http://www.findaschool.org
7
Foram consideradas como disciplinas específicas da área aquelas que caracterizam o curso de
relações internacionais, referenciadas na literatura e na comunidade acadêmica, em associações
do campo (International Studies Association; Associação Brasileira de Relações Internacionais) e
em organizações destinadas à avaliação dos cursos das instituições de ensino superior (No caso
brasileiro, foram uttilizados os critérios de avaliação da CAPES).
4
d) Foram excluídos os cursos de graduação e pós-graduação e os
centros de pesquisa que, embora estejam relacionados com
temáticas da área, não possuíam em seus programas ou
desenvolviam pesquisas específicas das relações internacionais
(como negócios internacionais, direito internacional, comércio
exterior).
Foram cerca de 739 instituições pesquisadas em todos os 41 países, das
quais 147 foram identificadas dentro dos parâmetros estabelecidos. Ressalta-se
que em 19 países 8, especialmente da região do Caribe, não foram encontradas
instituições na área de relações internacionais.
Buscou-se então, na segunda etapa, determinar o corpo docente destas
instituições. Neste momento foram consultados os sítios das 147 universidades e
centros de estudo, os congressos da International Studies Association (ISA) e da
Latin American Studies Association (LASA) e a literatura que trata do assunto. A
principal fonte da pesquisa foram os sítios das instituições. Nesta etapa, a maior
dificuldade foi a falta de informação disponível nos sítios destas entidades sobre
os professores e investigadores dos cursos. De qualquer forma, foram
encontradas informações sobre o corpo docente em 86 instituições, ou seja, em
cerca de 58% das entidades.
Na lista de professores e pesquisadores foram incluídos apenas aqueles
com produção acadêmica, já que o intuito da pesquisa consiste em mapear as
áreas temáticas e metodologias mais empregadas. Ressalta-se que a produção
acadêmica foi verificada por meio das publicações, tanto de livros como em
periódicos de relevância nacional e internacional. Não foram incluídos, portanto,
aqueles docentes cuja produção não foi localizada, ou seja, em que não foi
encontrado ao menos 1 artigo em períodico ou livro/capítulo de livro. Seguindo
este procedimento foram encontrados 499 profissionais. Na Tabela 1 abaixo
constam o número de instituições pesquisadas, as instituições encontradas dentro
dos parâmetros elencados, aquelas com informação disponível sobre o corpo
docente e o total de pesquisadores encontrados com produção na área.
8
Antigua e Barbados, Aruba, Bahamas, Belize, Dominica, Grenada, Guadalupe, Ilhas Caimãn,
Ilhas Turcas e Caicos, Ilhas Virgens, Martinica, Porto Rico, San Bartolomé, San Cristóbal e
Nieves, San Vicente e Granadinas, Suriname, Santa Lucia, Guiana Francesa, Jamaica.
5
Tabela 1 – Número de instituições por país
Instituições Instituições com Total de
Instituições
País encontradas na informação disponível pesquisadores
pesquisadas
área de RI de docentes com produção
Argentina 92 32 23 149
Barbados 1 1 1 5
Bolívia 26 7 5 18
Chile 63 11 9 50
Colômbia 84 17 13 53
Costa Rica 34 6 3 12
Cuba 13 1 1 26
El Salvador 19 2 1 5
Equador 35 7 3 19
Guatemala 10 4 1 2
México 131 33 16 120
Nicarágua 13 8 2 4
Paraguai 9 6 1 1
Peru 60 5 1 9
Uruguai 6 3 3 17
Venezuela 38 4 3 9
6
5) História das Relações Internacionais: questões das relações
internacionais com enfoque histórico;
6) Teoria das Relações Internacionais: questões teóricas e
conceituais das relações internacionais;
7) Organizações Internacionais: questões dos organismos
internacionais; inclui temas como ONU, OEA, OMC, OTAN, FMI;
8) Política Internacional: questões gerais da política internacional
que não são identificadas em uma área temática específica;
9) Direito Internacional: questões do direito internacional público;
inclui temas como tratados internacionais, princípios de direito
internacional;
10) Globalização e Atores: questões da globalização e os atores
das relações internacionais; inclui temas como impactos da
globalização, ONGs, sociedade civil, paradiplomacia;
11) Estudos Regionais: estudos de regiões e países específicos;
inclui temas como Ásia, África, América Latina, China, Estados
Unidos, Oriente Médio, Rússia;
12) Estudos de Cooperação: questões de cooperação
internacional; inclui temas de cooperação entre os atores
internacionais;
13) Meio Ambiente: questões do meio ambiente nas relações
internacionais; inclui temas como regimes ambientais,
cooperação ambiental, tratados ambientais; conferências
ambientais;
14) Direitos Humanos e Migrações Internacionais: questões dos
direitos humanos e das migrações nas relações internacionais;
inclui temas como direito humanitário, tratados de direitos
humanos, direitos humanos e os atores internacionais, direitos
humanos e os conflitos, migrações internacionais;
15) Outros: questões de poucos estudos e que não aparecem nas
demais áreas temáticas; inclui temas como energia e
nacionalismo.
Ressalta-se que, por se tratar de um período longo de análise (de 2001 até
2011), houve casos em que o pesquisador produziu em mais de uma área
temática específica ao longo do tempo. Há também casos em que o pesquisador
produz em mais de uma área específica ao mesmo tempo. Para solucionar este
problema, utilizou-se o critério “quantidade de produção” e os estudos foram
divididos em duas áreas prioritárias: a Área Prioritária 1 corresponde à área
temática específica que o pesquisador mais se dedicou e produziu ao longo do
7
tempo. A Área Prioritária 2 corresponde à segunda área específica de maior
produção do pesquisador.
12
Gráfico 1 – Áreas de estudo na América Latina (Área prioritária 1 dos docentes)
13
No Gráfico 1 constam as áreas temáticas de estudo mais pesquisadas ao
longo do período 2001-2011. O Gráfico 2 indica a segunda opção de área
temática mais pesquisada (necessário para solucionar o problema dos casos de
pesquisadores que publicam sobre assuntos de áreas diferentes). Ou seja, se um
docente publicou no período abordado 10 estudos sobre segurança e defesa e 6
estudos sobre integração regional, então a área de segurança e defesa será sua
Área Prioritária 1 e a área de integração regional será sua Área Prioritária 2.
A partir do Gráfico 1, percebe-se que as cinco áreas temáticas mais
pesquisadas na região foram: segurança e defesa, economia política
internacional, estudos regionais, política externa e integração regional. Os
estudos nestas áreas apresentaram-se bem equilibrados, de maneira que
nenhuma preponderou sobre a outra. Já no Gráfico 2, a segunda área mais
pesquisada aparece na seguinte ordem: integração regional, estudos regionais,
política externa, globalização e atores e estudos de segurança e defesa. No
entanto, a área de integração regional se destaca de forma mais veemente das
demais áreas.
Se as duas áreas prioritárias fossem consolidadas, o resultado seria o
Gráfico 3 abaixo.
Gráfico 3 – Áreas de estudo na América Latina (áreas consolidadas)
14
No Gráfico 3, a área de integração regional aparece com uma leve
preponderância sobre as demais e os estudos de segurança e defesa caem da 1ª
para a 5ª posição quando comparada com o Gráfico 1. De certa forma, o que
podemos compreender destes dados é que os pesquisadores estão dando uma
leve ênfase aos estudos de segurança e defesa como área prioritária, no entanto,
o maior volume de produção é na área de integração regional e depois de estudos
regionais.
De fato, a área de estudos regionais é a que aparece com maior
consistência em todos os gráficos e consiste na área de relações internacionais
de maior crescimento na América Latina (Muñoz, 1980; Solórzano, 2011;
Robinson, 2008; Salazar, 2008; Merke, 2008). A região que concentra o maior
número de estudos é a Ásia, seguida da América do Norte, América Latina e
África. No Gráfico 4 é possível observar os dados consolidados das produções
sobre estudos regionais discriminado por região.
15
internacional ou das negociações e comércio de forma geral. São aqueles
pesquisadores inseridos, em grande medida, em cursos com abordagens de
âmbito econômico, como por exemplo a Fundación Universitária San Martin da
Colômbia, em que no programa do curso constam as disciplinas de estatística,
álgebra, econometria, matemática financeira.
Conclusão
A pesquisa realizada objetivou contribuir nas investigações para a
compreensão das características do campo das relações internacionais na
América Latina. De fato, como afirmam os estudiosos, há uma heterogeneidade
entre os cursos encontrados nas instituições de ensino superior, seja de âmbito
programático seja em termos de enfoque temático. De forma geral, as
informações sobre os cursos de relações internacionais (como corpo docente)
que estão disponíveis nos sítios das instituições são precárias. As instituições
com sítios bem estruturados e que disponibilizam informações mais detalhadas
são aquelas que também concentram o maior número de publicações e
instituições na área. Na maioria delas, o curso não está voltado para a área
acadêmica e para a pesquisa mas para o mercado de trabalho, portanto, a
intensidade de publicações é baixa e em muitos programas abdica-se de
disciplinas referentes à área específica das relações internacionais para inserir
disciplinas da área de administração, política, negócios e direito.
Em relação às áreas temáticas, observa-se um crescimento dos estudos
sobre segurança e defesa. Como destaca Mônica Herz, os estudos sobre
segurança internacional têm sido marginais na América Latina em razão da sua
condição periférica no sistema internacional, no entanto, em razão da ampliação
do conceito de segurança, os estudos nesta área têm se intesificado nos últimos
10 anos (2008, p. 4). As áreas tradicionalmente mais pesquisadas, como estudos
regionais e integração, continuam engrossando o maior número das publicações.
Já os estudos de teoria das relações internacionais e organizações internacionais
persistem como áreas marginais na região.
16
Referências bibliográficas
HERZ, Mônica (2008). The study of International Relations in Latin America. In:
Seminário sobre el estado de la disciplina de las Relaciones Internacionales en
América Latina. México: ITAM.
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