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TEORIA POLÍTICA

PROF. LARISSA CRISTINA


CLEMENTE VEIGA
Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior


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geração, sistematização e disseminação do conhecimento,
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emissão de conceitos.
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SUMÁRIO

AULA 01 O QUE É POLÍTICA? 05

AULA 02 GRÉCIA ANTIGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO 10


POLÍTICO (PARTE I)

AULA 03 GRÉCIA ANTIGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO 15


POLÍTICO (PARTE II): ARISTÓTELES

AULA 04 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO: 20


HOBBES E O PODER SOBERANO

AULA 05 COMO GOVERNAR? O PENSAMENTO POLÍTICO DE 24


MAQUIAVEL

AULA 06 LIBERALISMO POLÍTICO 29

AULA 07 A CRÍTICA À DEMOCRACIA LIBERAL 33

AULA 08 A SEPARAÇÃO DOS TRÊS PODERES 38

AULA 09 A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO 43

AULA 10 A QUESTÃO DO PODER 49

AULA 11 A CONCEPÇÃO MARXISTA DE ESTADO 54

AULA 12 ESTADO CONTEMPORÂNEO 59

AULA 13 SISTEMAS DE GOVERNO 64

AULA 14 O SISTEMA PARTIDÁRIO 58

AULA 15 REGIMES POLÍTICOS: A DEMOCRACIA EM DEBATE

AULA 16 CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA


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INTRODUÇÃO

Olá, caro aluno! Você já pensou sobre qual o significado da palavra política? Ou sobre
como nos relacionamos com a política? A política é uma área de estudo das ciências sociais
que se dedica a pensar como nos organizamos politicamente.
A teoria política, por sua vez, é um ramo da ciência política que reflete sobre distintos
aspectos e fenômenos políticos. A ciência política pode ser descrita como a ciência dos
conflitos. Ela busca examinar o campo social a partir da compreensão de que existe uma
série de conflitos de interesses entre os diferentes grupos que o compõem. É como se
estivéssemos diante de um jogo de xadrez, onde o movimento de cada peça afeta a iniciativa
do adversário, levando o oponente a recalcular suas jogadas. Esse processo, portanto, é
dinâmico e envolve, sobretudo, a dimensão do poder.
Nesse sentido, a teoria política privilegia a análise do Estado, do poder, das instituições
políticas e sua relação com a sociedade. Durante a disciplina de teoria política, abordaremos
esses temas com base nas diferentes perspectivas que compõem essa área de estudo.
Convido você a se aventurar no universo da política!

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AULA 1
O QUE É POLÍTICA?

Você já pensou sobre o que é política? Provavelmente você já escutou em rodas de


conversas, televisão e até mesmo em redes sociais a expressão: “Tudo é político!” Essa
expressão é muito comum e revela a relação intrínseca entre a realidade social na qual
estamos inseridos e a esfera política. No entanto, a afirmação de que “tudo é político” traz uma
problemática para o campo da ciência política, já que impede uma definição mais precisa do
seu objeto. Diante disso, convido vocês a refletir sobre a seguinte questão: o que é política?
A política não é tudo, mas podemos dizer que ela está em tudo, ou seja, a nossa alimentação,
saúde, vestimenta, trabalho são afetados pelo campo político.

Anote isso

A palavra política tem origem no termo grego politikós que significa tudo relacionado
a polis, cidades-estado na Grécia antiga. Desse modo, inicialmente, podemos definir
política como um conjunto de instituições que detém o poder de decidir e a tarefa de
administrar um determinado território. Fonte: elaborado pela autora.

As instituições políticas assinalam a forma como a política se faz presente no nosso


cotidiano. Esse conjunto de instituições surge, ao longo da história da humanidade, para
solucionar conflitos que emergem do campo social. Você já parou para pensar como
resolvemos os conflitos em nossa sociedade?

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Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/bravo-irritado-zangado-com-raiva-4140308/

Por exemplo, na esfera familiar quando dois irmãos brigam disputando o mesmo brinquedo
os pais são chamados para resolver o problema, pois os pais são a autoridade competente
para isso. Na sociedade, a autoridade capacitada para resolver os conflitos de interesses entre
diferentes grupos sociais é o Estado. As teorias políticas que refletem sobre o surgimento
do Estado partem da ideia de que somos seres potencialmente em conflito.
No livro “Sapiens - Uma breve história da humanidade”, Yuval Noah Harari (2018) faz uma
viagem no tempo e investiga desde o surgimento da nossa espécie até a Revolução Científica.
Com base nas descobertas arqueológicas, o autor assinala que não houve uma única linha
ascendente de evolução da espécie homo sapiens, mas que possivelmente existiram, em
um mesmo período de tempo, uma variedade de espécies do gênero homo, então porque
apenas o homo sapiens sobreviveu? Harari (2018) levanta três hipóteses.
A primeira hipótese é de que houve uma miscigenação entre as espécies, onde neandertais,
desinovos e outras espécies humanas conviveram e geraram descendentes. A segunda
é de que as outras espécies foram extintas pelos homo sapiens. Por fim, haveria ainda a
possibilidade de que a competição por recursos tivesse disparado a violência e o genocídio
(HARARI, 2018).

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Portanto, podemos afirmar que o conflito é um elemento constitutivo da história da


humanidade. Harari (2018) também assinala o papel da linguagem e da imaginação na
construção da coletividade. Entretanto, o que nos cabe destacar é o fato de que somos
seres potencialmente em conflito. O conflito pode surgir por diferentes motivos: escassez
de recursos, interesses distintos, desejos similares.
Partindo dessa hipótese, podemos definir ciência política como a ciência do conflito.
Ela busca analisar no interior da sociedade as diferentes instituições sociais e políticas que
agem para solucionar ou coibir atritos que afetam o corpo social. O Estado é a representação
desse conjunto de instituições.
Sendo assim, o Estado é a instituição que possui o papel de administrar os conflitos
ou até fazer com que eles desapareçam. Portanto, a ciência política também se ocupa do
processo de formação do Estado moderno e as formas de governo, ou seja, de que forma
as decisões são tomadas e por quem elas são dirigidas. Segundo Dias (2013):

A ciência política é uma ciência social que estuda o exercício, a distribuição e


a organização do poder na sociedade. Como ciência social, procura estudar
os fatos políticos, que envolvem tanto acontecimentos e processos políticos,
como o comportamento político que se expressa concretamente na interação
social (DIAS, 2013, p.01).

A teoria política é um ramo da ciência política que reflete sobre distintos aspectos e
fenômenos políticos. Nessa perspectiva, a teoria política privilegia a análise do Estado, do
poder, das instituições políticas e sua relação com a sociedade. Contudo, o estudo da política
possui uma longa trajetória que tem início na Grécia Antiga.

1.1. Política e a vida na polis grega

Muitas vezes o campo da política aparece como algo externo e longe do nosso alcance. É
como se a dimensão política estivesse acima ou descolada do nosso cotidiano. Além disso,
a política é tratada como um assunto que não deve ser discutido. Você já deve ter escutado
que política é algo chato ou que não devemos falar de política. Mas por que isso acontece?
A dificuldade que temos de abordar assuntos relacionados à política nos revela que existe
uma aparente cisão entre a vida em sociedade e a política. No entanto, na antiguidade
clássica, a política era intrinsecamente ligada à vida na polis. Para os gregos, participar da
política era uma tarefa ética indispensável à própria vida na polis.
Na Grécia antiga as pessoas que não participavam da política eram vistas com reprovação
pelos demais cidadãos. É nesse contexto que surgiu o termo “idiota” para se referir aos

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cidadãos que preenchiam os requisitos para participar da política na polís, mas abdicavam
de fazê-lo. Por outro lado, aquele que se abria para vida política era chamado de politikó.

Isto está na rede

Assista ao vídeo do professor Mario Sérgio Cortella sobre a explicação da origem dos
termos “idiota” e “político”.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UujxtXzaYaU

A separação acontece com a chegada dos romanos e a introdução do termo civitas, que
traz consigo a conotação de uma sociedade organizada de acordo com um conjunto de leis.
Porém, essa separação só se cristaliza na modernidade (SOUZA, 2007).
A relação entre a vida social e política pode ser exemplificada pela famosa frase de
Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C): “o homem é um animal político”. Aristóteles compreendia que
os seres humanos possuem uma disposição natural para a associação e para participação
política. Com isso, o filósofo afirma que a comunidade e a organização política são parte
do desenvolvimento natural da humanidade.
Para Aristóteles, a cidade também era fruto da natureza humana. Segundo Aristóteles
(1998), em um primeiro momento essa associação entre os indivíduos se dá por meio da
formação das famílias que formam uma comunidade de unidades domésticas e estas
constituem a cidade. O pensamento aristotélico é a base da Teoria Naturalista (DALLARI,
2013) .
Segundo Dallari (2013), a Teoria Naturalista sustenta que haveria uma disposição natural
dos homens para a vida associativa. Ao afirmar que o homem é um ser naturalmente político
Aristóteles declara que é inerente aos seres humanos a vida em sociedade, a agregação.
Desse modo, haveria uma certa disposição natural do homem para viver em sociedade.
No período medieval, Tomás de Aquino (1225-1274) recupera a filosofia grega-romana e
reafirma esse pressuposto naturalista. Para Tomás de Aquino, a associação entre diferentes
humanas para formação de uma comunidade foi fundamental para assegurar a satisfação
das necessidades humanas.
Na transição para sociedade moderna surge a Teoria Contratualista ou do Contrato social.
Segundo essa corrente de pensamento, a sociedade é fruto da vontade coletiva, ou seja, ela
emerge de um acordo entre os diferentes seres humanos que delegam a uma estrutura
superior o poder de decidir sobre o bem comum, a vida pública.

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A teoria contratualista parte da ideia de que o Estado origina-se da livre vontade dos
sujeitos que no uso da razão estabelecem um comum acordo. A raiz desse pensamento
pode ser vista ainda na idade clássica a partir da leitura de Platão sobre os fundamentos
da política, em sua obra “Da República” Platão trata de um tipo ideal de governo, mas que
tem como critério o conhecimento.
O contratualismo ganha corpo no período moderno, especialmente com as contribuições
de Thomas Hobbes (1588-1679). Para Hobbes o ser humano é essencialmente egoísta e
agressivo e vive em um estado de temor e insegurança. Nesse estágio primitivo, qualquer
um poderia tomar à força algo que fosse do seu interesse. O Estado surge como uma
organização capaz de regular e conter os impulsos humanos, para isso os homens fazem
um pacto onde renunciam a satisfação dos seus desejos primitivos para viver uma liberdade
restrita (DIAS, 2013).
Já para John Locke (1632-1704) o estado de natureza pode ser tenso e perigoso, mas não
se configura como um estado de guerra. Na leitura de Locke, o Estado serve para proteger
direitos considerados por ele como naturais. As ideias de Locke foram fundamentais para
a formação de uma corrente de pensamento chamada liberalismo.
Com a Revolução Francesa (1789–1799) e a Revolução Industrial (1760-1840) a doutrina
liberal passou a ser fortemente criticada, principalmente a partir do pensamento marxista
que tem origem nas análises feitas por Karl Marx (1818-1833) e Friedrich Engels (1820-1895).
A Teoria Marxista reformula as bases que fundamentam o Estado e aponta as dificuldades
da gestão do Estado liberal e capitalista impõem a vida da classe trabalhadora. Dado esse
panorama geral vamos examinar mais detalhadamente os fundamentos de cada uma dessas
teorias.

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AULA 2
GRÉCIA ANTIGA E AS ORIGENS DO
PENSAMENTO POLÍTICO (PARTE I)

Ruínas da Ágora de Atenas. Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/agora-atenas-grego-arte-velho-2694936/

Vimos anteriormente que na antiguidade clássica, a relação entre política e sociedade


era diferente dos dias atuais. Além disso, podemos dizer que a Grécia Antiga é o “berço” da
política, pois é onde surgem importantes ideias sobre a organização política das sociedades.

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Na Grécia Antiga, os cidadãos participavam ativamente da política por meio de assembleias.


Apesar das reuniões serem abertas e da liberdade de discussão de ideias, apenas os homens
adultos e com posses tinham o poder de decidir. Esse regime conhecido como democracia é
base dos regimes políticos modernos, no entanto, com o crescimento das cidades e o aumento
da população a participação de todos foi sendo substituída pelo esquema representativo.
O regime democrático moderno, chamado de democracia indireta ou representativa, possui
algumas limitações, já que não permite a participação ativa de todos os cidadãos na vida
política conforme o modelo grego. Essas limitações refletem questões que eram levantadas
por alguns filósofos na Antiguidade como: Quem deve governar? Muitos ou poucos? Qual a
melhor forma de governo? Como garantir a participação de todos os cidadãos?
O pensamento político antigo pode ser dividido em três momentos. Primeiro, os sofistas
promovem uma separação entre o universo da política e da moral. Em seguida, Platão reflete
sobre o modelo ideal de governo e, por fim, Aristóteles amplia o debate nos apresentando
um estudo sobre diferentes formas e regimes de governo. Nesta aula, vamos ver um pouco
mais sobre os sofistas e o pensamento político de Platão.

2.1. Sofistas

A disputa entre Atenas e a oligarquia de Esparta constituíram parte dos eventos que
permitiram o surgimento dos sofistas e do debate filosófico acerca da política. Nesse período,
a formação de uma nova classe social composta de comerciantes, a expansão comercial, a
ascensão do povo como agente político faz frente à aristocracia grega. Essa configuração
desperta o pensamento filosófico grego para as atividades sociais e políticas, antes voltado
para o mundo natural.
Os sofistas eram mestres da oratória e educadores, defendiam principalmente a educação
dos mais jovens e cobravam pelos ensinamentos, o que despertou a crítica de Platão e
Aristóteles. Com os sofistas abre-se também uma nova perspectiva de conhecimento. Dentre
os mais importantes, podemos destacar Protágoras, Górgias, Pródico e Crícias.
Além do ponto de vista comum e pelo emprego do mesmo método de ensino, os sofistas
recusam a ideia de uma verdade universal e de normas fixas abstratas. Eles sustentavam que
o homem é o centro de todas as coisas e não o universo e o cosmos. Esse deslocamento
foi fundamental para o desenvolvimento do pensamento político. Segundo Giovanni Reale
(1990):

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Com efeito, os sofistas operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando


o eixo da reflexão filosófica da plysis e do cosmos para o homem e aquilo que
concerne a vida do homem como membro de uma sociedade. É compreensível,
portanto, que a sofística tenha feito seus temas predominantes a ética, a política,
a retórica, a arte, a língua, a religião e a educação, ou seja, aquilo que hoje
chamamos a cultura do homem. Assim, é exato afirmar que com os sofistas,
inicia-se o período humanista da filosofia antiga (REALE, 1990, p.73-74).

O autor também adverte sobre a crítica que os sofistas receberam de pensadores clássicos
como Platão e Aristóteles, com base nessas críticas o pensamento sofista foi até considerado
como um momento de decadência da filosofia grega:

“Sofista” é um termo que significa “sábio”, “especialista” do “saber”. A acepção


do termo, que em si mesma é positiva, tornou-se, porém, negativa sobretudo
pela tomada de posição fortemente polêmica de Platão e Aristóteles. Como já
havia feito Sócrates, eles sustentaram que o saber dos sofistas era “aparente”
e não “efetivo” e que, ademais, não era professado tendo em vista a busca
desinteressada da verdade, mas sim com objetivos de lucro (REALE, 1900, p.73).

No entanto, o sofismo também pode ser compreendido como uma etapa fundamental
para o desenvolvimento do pensamento político. Alguns sofistas acreditavam que o homem
possuía um caráter egoísta e que tinha capacidades desiguais. Por isso, para eles, o governo
era a consequência do domínio dos mais fortes em relação aos mais fracos ou de um pacto
dos mais fracos para manterem-se protegidos pelos mais fortes (DIAS, 2013).
Esses filósofos eram como nômades romperam com o apego à cidade a partir da perspectiva
relativista. Chamados de “iluministas gregos”, esses pensadores fazem uso da razão e da
liberdade de espírito como modo de vida. Os sofistas não devem ser vistos como um bloco
único de pensadores e podem ser divididos em três grupos: primeira geração, erísticos e os
políticos-sofistas. Esses últimos tornaram-se ideólogos de sua época e teorizaram até sobre
o imoralismo (REALE, 1990).
Protágoras (481 a.C - 411 a.C) ficou conhecido pelo axioma “o homem é a medida de
todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo
que não são” (REALE, 1990, p.76). Com esse princípio, o filósofo nega a existência de um
critério absoluto e relativiza as experiências humanas. Para Protágoras, cada indivíduo sente
e experimenta a vida do seu próprio jeito, pois o homem é sua própria medida.
O pensamento dos sofistas dá um passo importante em relação à teoria política, já que
no interior das questões sobre a moral inicia o debate sobre o Estado, deslocando-o da ideia
de território para relações sociais. A crítica de Platão e Aristóteles aos sofistas e as ideias
desses filósofos sobre política abrem novas perspectivas para a compreensão da relação
entre sociedade e política.

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Em entrevista feita por José Tadeu Arantes, da Agência FAPESP, o Prof.º Dr. Daniel
Rossi Nunes Lopes comenta a crítica feita por Platão aos Sofistas no livro “Protágoras”:
“Antes do Protágoras, não havia os conceitos de filósofo e de sofista tais como os
utilizamos hoje. O que Platão fez, nesse diálogo, foi estabelecer a ideia do filósofo, a
partir da figura paradigmática de Sócrates, em oposição à ideia do sofista, representada
por Protágoras. Tal dicotomia perpassou depois todo o pensamento platônico. E a
resposta final de Platão para esse problema só apareceu em um diálogo de sua terceira
fase, que se chama precisamente Sofista. Nele, o sofista é apresentado como o falso
filósofo, que professa o falso saber, e que, por isso, se encontra no âmbito do não-
ser, em contraposição ao filósofo, que se encontra no âmbito do ser. Este argumento,
muito sofisticado em termos metafísicos, foi, digamos assim, a palavra final de Platão
sobre o assunto. Mas o problema foi posto desde o diálogo Protágoras”, disse Lopes”.
Fonte: https://agencia.fapesp.br/o-filosofo-e-o-sofista-segundo-platao/27405/

2.2. Platão

Platão (427-347 a.C.) nasceu em Atenas e é conhecido como um dos primeiros filósofos
políticos. O filósofo não desenvolve um sistema de análise científica sobre a política, mas
suas ideias sobre governo e Estado atrelados à concepção ética de política fazem de Platão
um dos propulsores do pensamento político.
Dentre os escritos políticos do filósofo vale ressaltar “A República”, “O político” e “As leis”.
Em “A República”, Platão defende a construção de um Estado ideal refutando a tese dos
sofistas de que quem detém a força é portador do poder e do direito. O Estado, para ele, é
uma entidade superior onde as ideias individuais são elevadas aos ideais políticos (DIAS,
2013).
Para Platão, o Estado é a expressão da cooperação entre os indivíduos para a satisfação
dos desejos e necessidades humanas. Sendo assim, o Estado nasce porque ninguém é
autossuficiente e dependemos uns dos outros. A organização do Estado também é objeto
de reflexão pelo filósofo. Para ele, o Estado é composto de três classes: trabalhadores, que
cuidam das necessidades materiais, guerreiros, que defendem o território e a segurança
dos trabalhadores e, governantes, responsáveis por garantir o bem-estar comum (REALE,
1990; DIAS, 2013).

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A divisão de classes no Estado ideal reflete as posições dos indivíduos na sociedade


que, de acordo com o filósofo, são justas, pois correspondem às aptidões naturais de cada
indivíduo.

Anote isso

Vamos refletir sobre a noção de justiça que temos na sociedade contemporânea. Na


nossa sociedade, a justiça está estritamente vinculada à igualdade de direitos. Já Platão
entende justiça como a distribuição adequada das funções políticas de acordo com a
capacidade e virtudes dos indivíduos. De acordo com essa visão, os filósofos virtuosos
deveriam assumir o governo na hierarquia do Estado.
Fonte: elaborado pela autora.

Como bem exemplifica a alegoria da caverna em “A República”, para Platão a reflexão


filosófica é o caminho pelo qual o homem sai da escuridão e acessa a verdade. Dessa
forma, a boa política para o filósofo é aquela que reside na justiça e nas qualidades morais
dos cidadãos. O governo é bom quando está voltado para o bem. Em Platão, existe uma
correspondência direta entre a verdade filosófica e a verdade política (REALE, 1990).
Enfim, segundo Platão o melhor governante era aquele que seguia os preceitos do
conhecimento e da filosofia. O Estado ideal de Platão é, portanto, um Estado aristocrático
e a tirania a pior forma de governo (DIAS, 2013). Note que as reflexões de Platão estão
centralizadas em uma concepção abstrata e idealizada do Estado. Nesse momento, o estudo
da política não possuía Status de ciência, isso muda o estudo realizado por Aristóteles.

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AULA 3
GRÉCIA ANTIGA E AS ORIGENS DO
PENSAMENTO POLÍTICO (PARTE
II): ARISTÓTELES

Na aula passada pudemos observar que o pensamento político teve origem na Antiguidade
Clássica. Primeiramente, com os sofistas ocorre a abertura da reflexão filosófica para a
sociedade e para a política. Posteriormente, Platão teorizou sobre o Estado ideal. Nesse
momento, o tema da política estava estritamente vinculado à vida em comum, ou seja, a esfera
pública. Por isso, a preocupação do pensamento político grego antigo é menos especializada
e mais voltado para busca de respostas sobre a boa convivência entre os cidadãos.
Sendo assim, a filosofia política era voltada para dimensão ética, pois o governo era visto
como resultado do modo de agir dos sujeitos ou grupos sociais que o ocupavam. Nesse
sentido, buscava-se responder questões como: Quem deve governar? Como governar? Qual a
melhor forma de governo? Para Platão interessava responder à primeira questão, já Aristóteles
dedicou-se a pensar sobre formas de governo.

Busto de Aristóteles. Cópia romana de uma escultura de Lísipo. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles

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Aristóteles (384-322 a.C.) foi discípulo de Platão e um filósofo muito importante na


Antiguidade Clássica, seus escritos sobre política foram fundamentais para o surgimento da
Ciência Política como uma modalidade de estudo autônoma. Para ele, o objetivo da ciência
política é a busca pelo bem-comum (DIAS, 2013).
De acordo com Aristóteles, a ciência política é um ramo das “ciências práticas” - ciências
que buscam o saber para alcançar a perfeição moral - que estuda a relação entre o homem,
sua conduta e a sua função na sociedade. A ética é outro ramo das “ciências práticas” que
estuda a conduta e o fim do homem enquanto indivíduo. Com isso, o filósofo promove uma
cisão entre política e ética, mesmo que a perspectiva ética mantenha-se alinhada aos seus
estudos políticos (REALE, 1990).
Dessa maneira, o filósofo desloca-se do campo metafísico para o empírico, pois o estudo
da política passa a ter uma finalidade prática. Além disso, as formulações de Aristóteles são
pautadas em um longo estudo das constituições, leis e ordenamentos, de diferentes povos
e suas organizações políticas (DIAS, 2013).
Acerca do Estado, Aristóteles (1998) afirma que a origem do Estado está no esforço dos
homens para satisfazerem suas necessidades individuais. Enquanto a comunidade estava
restrita à esfera familiar, a vida doméstica, não era necessária uma instância superior. Mas,
à medida que a comunidade vai crescendo e que o homem vai almejando uma vida melhor,
se constitui a cidade-Estado, a polis. Portanto, a cidade-Estado é a expressão da vida política,
da própria atividade racional e da livre associação entre os indivíduos:

Observamos que toda a cidade é uma certa forma de comunidade e que toda
comunidade é constituída em vista de algum bem. É que, em todas as suas
ações, todos os homens visam o que pensam ser o bem. É, então, manifesto
que, na medida em que todas as comunidades visam algum bem, a comunidade
mais elevada de todas e que engloba todas as outras visará o maior de todos
os bens. Esta comunidade é chamada “cidade”, aquela que toma a forma de
uma comunidade de cidadãos (ARISTÓTELES, 1998, p.49).

Para Aristóteles o Estado pode ter diferentes formas, ou seja, diferentes constituições.
Vale ressaltar que Aristóteles entende a constituição não apenas como um conjunto de leis,
mas como um ordenamento que estrutura a sociedade e como a autoridade soberana da
formação política de um povo. Dessa maneira, o filósofo também faz uma diferenciação
entre Estado e governo.
Mas, quem deve exercer esse poder? Quem faz funcionar a constituição? Para Aristóteles
(1998), o poder pode ser exercido por: um homem só, por poucos ou pela maior parte dos
homens. O que vai definir se um governo é bom ou ruim é a forma como ele está sendo

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conduzido. Assim, quanto mais voltado para o bem comum, mais próximo de ser um bom
governo, quanto mais voltado para os interesses privados, pior é o governo.
Segundo Aristóteles, existem três regimes de governo “retos” (bons) e três regimes de
governo “corruptos” (ruim). Entre os bons estaria a Monarquia (governo de um), a Aristocracia
(governo de poucos) e a Politia (governo de muitos). Essas formas de governo, quando se
distancia do bem comum, são transformadas respectivamente em: Tirania, Oligarquia e
Oclocracia. Observe a tabela abaixo:

Quem governa? Retos (bons) Corruptos (ruins)


Um Monarquia Tirania
Poucos Aristocracia Oligarquia
Muitos Politia Democracia

Fonte: elaborado pela autora.

A visão de Aristóteles de democracia não é a mesma que temos atualmente, ele entende
democracia como demagogia, quando o governo favorece os interesses dos mais pobres.

Anote isso

Segundo Aristóteles (1998, p. 213), “A tirania é o governo de um só com vista ao interesse


pessoal; a oligarquia é a busca do interesse dos ricos; a democracia visa o interesse
dos pobres. Nenhum destes regimes via o interesse da comunidade”.
Fonte: ARISTÓTELES. Política. Tradução de António Campelo Amaral e Carlos Gomes.
São Paulo: USP, Coleção Vega, 1998.

Aristóteles faz uma análise mais qualitativa e descritiva do que os filósofos que vimos
anteriormente. Para além da questão sobre quem governa, ele reflete sobre como governar,
relativizando todas as formas de governo. Todo governo pode ser bom ou ruim, depende se
ele está direcionado para o bem comum ou para interesses particulares:

A conclusão que se segue é clara: os regimes que se propõem atingir o interesse


comum são rectos, na perspectiva da justiça absoluta; os que apenas atendem
aos interesses dos governantes são defeituosos e todos eles desviados dos
regimes retos. São despóticos, mas a cidade é uma comunidade de homens
livres (ARISTÓTELES, 1998, p.211).

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Na realidade, ao discutir e distinguir entre as melhores e piores formas de governo,


Aristóteles gerou uma classificação hierárquica pela qual ele tenta distinguir qual o melhor
tipo de governo, a pior forma de governo é considerada uma degeneração da melhor.
O pensamento de Aristóteles é mais complexo do que o esquema apresentado. Na realidade
histórica, Aristóteles percebe que existiam governos tirânicos legitimados pelo povo. Mas, esse
governo aceito pelo povo, não poderia ser classificado entre as formas corruptas de governo.
O pensador parte do princípio de que alguns povos poderiam apresentar características servis.
Existiria, portanto, no pensamento do filósofo grego, uma diferença entre a tirania legitimada,
aceita pelo povo submisso, e aquela que é contestada pelos cidadãos (SOUZA, 2007).
Contudo, Aristóteles inaugura temas clássicos e reflete as ideias presentes durante a
antiguidade. Apesar de política e ética estarem ainda um pouco misturados, assuntos como
legitimação do poder, formas de governo, esfera comum, interesse comum são abordados
pelo filósofo. Com a chegada dos romanos é introduzida outra visão sobre o que é o Estado
e as questões levantadas ficam limitadas à dimensão jurídica. O pensamento político sofre
novas transformações com os eventos que marcam a entrada na modernidade.

3.1. Modernidade e os fundamentos do Estado

A modernidade é uma demarcação histórica um tanto imprecisa. Existem várias discussões


sobre o uso do termo modernidade em diferentes contextos e significados. Apesar de estar
diretamente ligada à ascensão do capitalismo, a modernidade não pode ser descrita como
um fenômeno puramente econômico. O termo também não deve ser reduzido ao sinônimo
de tecnologia ou avanço tecnológico.
A modernidade abarca as transformações operadas na economia, na tecnologia, na cultura
e na ciência na passagem do feudalismo para o capitalismo. Mas, sobretudo, é marcada
pela dimensão reflexiva. Essa nova perspectiva que se abre com o Iluminismo (Séc. XVIII)
centraliza a razão como instrumento do conhecimento e homem como objeto de reflexão.
Você já deve ter visto na escola a famosa frase de Descartes “penso, logo existo”. Quando
Descartes faz essa afirmação ele anuncia a razão como o fundamento da existência humana.
O método cartesiano da dúvida sistemática que leva o homem a reconhecer-se como um
ser em si mesmo, ilustra a ideia fundamental que percorre as discussões iluministas e a
própria modernidade: Somos seres individuais, portadores de razões e senhores do nosso
próprio destino.
A ideia da razão como fundamento da humanidade causa uma perturbação nas ideias
políticas apresentadas anteriormente. Por exemplo, Para Platão e Aristóteles, na Antiguidade

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Clássica, o destino do homem estava traçado de acordo com suas aptidões e dificilmente
poderia ser transformado. Portanto, quando um homem nascia servo era porque suas
capacidades o limitavam a esse grupo social. Com a descoberta da razão abre-se um caminho
de questionamentos sobre a enrijecida estrutura social e política feudalista.
No campo da política ganha espaço as reflexões sobre o Estado moderno. A tensão entre
nobreza, burguesia e trabalhadores coloca em questão o poder do Estado marcado pelo
absolutismo monárquico. Nesse sentido, o Estado e as instituições políticas constituem o
campo de assuntos do pensamento político moderno.

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AULA 4
A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO
POLÍTICO MODERNO: HOBBES E O
PODER SOBERANO

A passagem para a modernidade traz diversas incertezas em relação à convivência pública


e à esfera política. As ideias de liberdade e igualdade que surgem durante a Revolução
Francesa (1789-1799) marcam o pensamento político moderno. Diante do novo cenário, as
instituições sociais modernas emergem como mecanismos capazes de regular o debate
público. Nesse momento, o pensamento político moderno entende por igualdade a garantia
da participação política.
Mas, o que significa igualdade na política? O conceito de igualdade está associado à
garantia de direitos e condições para que os cidadãos possam disputar o espaço político.
A incorporação ao vocabulário moderno dos ideais iluministas faz com que a burguesia e o
campesinato questionem a autoridade política do Estado. Com isso, não são mais aceitas
os princípios de superioridade que regiam a antiga sociedade. Na sociedade moderna, a
relação de mando e obediência é substituída pelo consenso e pela submissão às regras e
leis estabelecidas.
Diferente da idade média, onde as explicações sobre os fenômenos sociais e políticos
eram dados pela religião, o poder político passa a ser visto como resultado da vontade do
povo. Por exemplo, Tomás de Aquino (1225-1274) ao afirmar que o uso do poder possui
um caráter humano e que sua fonte era o povo, mesmo que a origem seja divina semeou
dúvidas acerca da doutrina religiosa que legitimava o poder teocrático, introduzindo a razão
como elemento para compreensão da fé cristã.
Assim que a origem do poder afasta-se da esfera religiosa e vai de encontro com o povo,
as tensões entre nobreza e clero aumentaram. Por outro lado, a visão do povo como fonte do
poder avança na construção da autonomia da esfera política. No entanto, ainda era preciso
provar a necessidade de manutenção do poder concentrado no Estado.

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4.1 Hobbes e o Estado

O que é o Estado e como ele atua? Como dito anteriormente, o Estado é um conjunto de
instituições políticas que têm por função administrar um determinado território, o Estado,
portanto, atua como uma entidade autônoma em relação à sociedade. O regulamento jurídico,
ou seja, as leis são o que dão corpo ao Estado. Por exemplo, vamos pensar como atua o
Estado brasileiro. Ele atua por meio da elaboração e aplicação das leis sem distinção. Todos
nós somos obrigados a cumprir as leis do nosso país. A soberania do Estado depende do
respeito dos cidadãos ao regulamento jurídico. Mas, porque respeitamos as leis impostas
pelo Estado?
Thomas Hobbes (1588-1679) faz parte do grupo de autores chamados de contratualistas.
Por meio de uma reflexão filosófica sobre a formação do Estado moderno, Hobbes buscava
fundamentos racionais para legitimar a atuação do Estado.

Anote isso

Para Hobbes, antes da formação do Estado os homens viviam em constante conflito


e isto caracterizaria o “estado de natureza”. No “estado de natureza” os homens são
levados a agir por impulsos e pelos seus próprios desejos. Esse cenário torna impossível
a paz social. Como sair desse estado? Segundo o filósofo, individualmente o homem
não é capaz o suficiente para controlar seus instintos naturais, pois haveria uma
predisposição ao conflito e a defesa dos seus próprios interesses.
Fonte: Elaborado pela autora.

De acordo com Hobbes: “O homem é o lobo do próprio homem”. Ao identificar que outro
deseja o mesmo que ele, o homem agiria violentamente para preservar e conseguir satisfazer
seus desejos pessoais e aí haveria uma desvantagem dos mais fracos em relação aos mais
fortes. Nesse sentido, no “estado de natureza” a vida estava constantemente ameaçada:

[...] A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do


espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais
forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando
se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não
é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela,
reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como
ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem a força suficiente para
matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros
que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo (HOBBES, 1988).

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Hobbes (1988) imagina o “estado de natureza” como uma “guerra de todos contra todos”.
Esse estado de barbárie levaria os homens a viverem com medo e a se sentirem ameaçados.
Por fim, o medo da morte violenta faz com que os homens realizem um pacto social instituindo
o Estado. O próprio estado de natureza leva a busca pela conciliação e pela preservação
da vida.
Vale ressaltar que o jogo político descrito por Hobbes está pautado nas relações humanas
e não mais em um mundo sobrenatural como era durante a idade média. A superação da
barbárie acontece através do pacto social, da reflexão racional para a preservação da vida.
Os homens ao mobilizarem a razão selam um pacto pela paz social e delegam sua liberdade
ao Estado. Mas, como garantir a manutenção do pacto social?
De acordo com Hobbes (1988), somente o Estado possui o direito de exercer a violência
justamente para garantir que todos cumpram o contrato social. Desse modo, é o temos
ao Estado que faz com que os cidadãos obedeçam a suas leis. O Estado nos escritos
hobbesianos é chamado de leviatã. Na mitologia bíblica, o leviatã é um monstro com uma
força descomunal. Nesse sentido, o Estado é a única instituição autorizada agir com crueldade
sobre os indivíduos. Vamos analisar as imagens abaixo:

Capa da edição original do Leviatã (1651). Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Hobbes

A imagem é uma gravura que foi usada como contra capa do livro “Leviatã”, escrito por
Hobbes. Nela podemos ver um monarca com a espada em uma mão, símbolo da violência e

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na outra o cetro que representa o poder soberano do monarca. A armadura que o monarca
está vestido é composta por pequenos cidadãos, legitimando o seu poder. Por fim, podemos
ver que o monarca está no alto de uma colina vigiando a cidade impondo o temor à população.
Para Hobbes (1988), o poder do Estado é absoluto e soberano. A concepção hobbesiana do
contrato social e da soberania cristalizou o pacto social como um fundamento da legitimidade
do Estado. O Estado pode materializar-se através da figura de um indivíduo (o rei) ou do
governo de muitos (assembleia).
Contudo, a teoria hobbesina contribuiu para a legitimação do absolutismo monárquico.
Por outro lado, o indivíduo passou a ser visto como peça fundamental do poder do Estado.
Essa perspectiva abriu caminho para a construção do pensamento liberal.

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AULA 5
COMO GOVERNAR? O
PENSAMENTO POLÍTICO DE
MAQUIAVEL

Três Reis Magos, afresco no Palazzo Medici-Riccardi. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Benozzo_Gozzoli

É muito comum utilizarmos o termo “maquiavélico” para nos referirmos a alguém ou algum
comportamento que julgamos traiçoeiro, astucioso ou até maléfico. O termo faz referência a
Nicolau Maquiavel (1469-1527) considerado o pai da ciência política. Mas, o que lhe rendeu
essa associação? Para entendermos a questão é importante compreendermos o contexto e
os motivos que levaram Maquiavel a escrever a sua mais famosa obra: “O Príncipe”.
Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, na Itália. Na época a península itálica era formada
por vários principados que sofriam com as invasões dos espanhóis e dos franceses, enquanto
outros territórios da Europa já haviam iniciado o processo de unificação sob o governo das
monarquias absolutistas. Maquiavel era um funcionário público, trabalhava como chanceler
durante o regime republicano. Quando os Médicis retornaram ao poder em 1512, Maquiavel
perdeu seu cargo, foi preso e torturado.

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Na prisão, Maquiavel escreveu “O Príncipe” na tentativa de reaver seu antigo cargo. As


tentativas lhe renderam o título de bajulador da monarquia. O livro é dedicado por Maquiavel
a Lourenço II, sobrinho de Lourenço, o Magnífico. Na dedicatória faz um pedido de ajuda
e implora aos Médicis a sua volta ao serviço público. O livro foi inserido na lista de livros
proibidos pela igreja católica em 1559. Pouco tempo depois, Maquiavel consegue retornar
ao trabalho e quando a república é restaurada ele é acusado de estar do lado da monarquia
deposta, adoece e morre (SADEK, 2011).
A situação italiana despertou a sensibilidade de Maquiavel para a questão do governo. Para
ele não interessava tanto o tipo de governo, mas a forma como o governo era administrado
ou como o poder era exercido. Desse modo, Maquiavel desenvolve uma concepção diferente
dos gregos da política, valorizando mais a dimensão humana do que a moral.
O importante para Maquiavel é a manutenção do poder, ou seja, a estabilidade do Estado. A
preocupação de Maquiavel em suas obras é falar do Estado, mas não o Estado ideal de Platão
e Aristóteles. Maquiavel rejeita a tradição idealista e busca estudar o Estado real, seguindo
a trilha de outros autores antigos como Políbio, Tácito, Tucídides e Tito Lívio (SADEK, 2011).
Maquiavel provoca uma ruptura com os saberes da antiguidade, colocando uma nova
questão que põe fim à ideia de política regida por uma ordem natural e eterna. Na compreensão
do filósofo italiano, a política é um devir humano, é uma construção que resulta das ações
humanas (SADEK, 2011).
Para Maquiavel, o homem é livre para fazer suas escolhas, mas existe uma dimensão da
realidade concreta que escapa às escolhas humanas, é o que chamamos de acaso ou sorte.
Na verdade, Maquiavel compreende que a realidade objetiva é produto da vida coletiva e, por
isso, a liberdade é relativa ao contexto no qual se está inserida.

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Isto está na rede

Entrevista do professor José Luiz Ames a Revista do Instituto Humanitas Unisinos -


(IHU - Online, 2013)

IHU On-Line - Como Maquiavel concilia a liberdade do sujeito e a regulação dos


desejos do povo via política?
José Luiz Ames - Faz-se presente no pensamento maquiaveliano uma ideia geral de
liberdade concebida como atributo do homem, liberdade entendida como algo inerente
à condição humana. Contudo, tanto liberdade quanto livre arbítrio, como qualidades do
homem (a noção de sujeito é estranha ao contexto maquiaveliano, sendo anacrônico
seu uso para explicar sua obra, pois surgirá apenas bem mais tarde, com Descartes
e Hobbes, por exemplo), são sempre compreendidas em um contexto sócio-histórico
bem determinado, e não em uma perspectiva individual e subjetiva. É este sentido
político de liberdade, liberdade compreendida como uma experiência que se dá em um
contexto associativo, que prevalece na obra de Maquiavel.
Fonte: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5164-jose-luiz-ames

De acordo com essa visão, a política é composta por duas forças antagônicas: o povo
que não se deixa dominar e aqueles que querem impor a dominação. O problema político é
a estabilidade das relações, a correlação de forças. Para Maquiavel, esse conflito pode se
resolver por dois caminhos: os Principados e a República. Dessas duas formas de governo,
Maquiavel escolhe dedicar-se ao estudo da primeira.
A primeira distinção feita em relação aos principados é o principado hereditário. Este é
transmitido de geração em geração de acordo com a lei constitucional de sucessão. Já nos
principados novos, o poder é conquistado por alguém que ainda não era príncipe. Maquiavel
dedica seus estudos no livro aos principados novos, seu interesse é encontrar o príncipe
adequado à Itália (BOBBIO, 1988a).

Anote isso

[…] os principados dos quais se tem memória foram governados de duas formas distintas:
ou por um príncipe, de quem todos os demais são servidores que, como ministros por
graça e concessão sua, o ajudam a governar aquele reino; ou por um príncipe,e por
barões cujos títulos nobres derivam da sua ascendência[…] (MAQUIAVEL, 2007, p.3-54).
Fonte: MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: comentários de Napoleão Bonaparte e Cristina
da Suécia. São Paulo: Jardim dos livros, 2007.

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Portanto, há príncipes que governam com poder absoluto, sem intermediários e aqueles
que governam com intermediação da nobreza, possui um poder não-absoluto, divide-o com
outros membros do governo. Na primeira categoria, retoma o conceito de monarquia despótica,
da qual Aristóteles havia falado, relação de senhor e servo, dominante e dominado (BOBBIO,
1998a).
Os novos principados são divididos em quatro: 1) pela virtú; 2) pela “fortuna”; 3) pela
violência; d) com o consentimento dos cidadãos. Estas formas podem ainda estar dispostas
em duplas antitéticas, como virtú-fortuna. Esses dois conceitos são fundamentais para o
pensamento maquiavélico. Por virtú, Maquiavel entende a capacidade de dominar eventos
e atingir um fim objetivo e por fortuna, os eventos que independem da vontade humana. O
que se pode realizar objetivamente para Maquiavel, não depende exclusivamente de um ou
de outro, mas das duas partes iguais (BOBBIO, 1988a).
A diferença entre os principados conquistados pela “fortuna” ou pela virtú é que o primeiro,
por depender de sorte e não de mérito, está destinado a desaparecer em menor tempo. Já no
caso do principado adquirido pela violência, é a definição clássica de tirano. Nos outros casos
os príncipes não são considerados tiranos. O que está em questão novamente é a capacidade
da manutenção do Estado, da sua estabilidade. Desse modo, a violência é justificada quando
empregada para esse fim, devendo servir a manutenção do poder (BOBBIO, 1988a):
Apesar de admitir o reino da fortuna, acredita que a virtú pode conquistar a fortuna. Não
se trata da força bruta, mas da sabedoria do uso da força. Nesse sentido, que lhe é atribuída
a expressão “os fins justificam os meios”, ou seja, o que mantém o príncipe no poder é a
sabedoria de agir conforme a circunstância, de acordo com o fim desejado e isto justificaria
o uso da violência. Nas palavras de Maquiavel:

Por mim, creio ser isto consequência do bom ou mau emprego que se faz das
crueldades. Bem empregadas podem-se chamar, se é justo dizer bem do mal,
às que alguém pratica de uma só vez por necessidade de segurança, sem nelas
depois insistir, mas antes transformando-as o mais possível em proveito para os
súditos, Mal empregadas são as que, embora pouco numerosas no começo se
multiplicam em vez de se extinguirem com o tempo (MAQUIAVEL, 2007, p.93-94).

Para Maquiavel é preferível que o príncipe trilhe o caminho do bem, mas ele deve estar
pronto para agir com violência quando necessário. A metáfora utilizada por Maquiavel do
leão e da raposa é ilustrativa para pensarmos sobre isso:

Tendo, portanto, necessidade de proceder como animal, deve um príncipe adotar


a índole ao mesmo tempo do leão e da raposa; porque o leão não sabe fugir
das armadilhas e a raposa não sabe defender-se dos lobos. Assim, cumpre ser
raposa para conhecer as armadilhas e leão para amedrontar os lobos. Quem

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se contenta de ser leão demonstra não conhecer o assunto (MAQUIAVEL, 2007,


p.158).

Souza (2007) salienta que tanto Hobbes (1588-1679) como Maquiavel (1469-1527)
contribuem para autonomia do pensamento político e ambos articulam-se em torno da ação
política em direção à modernidade. Mas é Maquiavel quem adquire o título de Pai da Ciência
Política. Maquiavel fornece a justificativa teórica à monarquia absolutista. Independente da
forma do Estado, nem Maquiavel nem Hobbes eram defensores do Estado despótico, no
qual o governante impõe seus desejos privados ao povo.

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AULA 6
LIBERALISMO POLÍTICO

As teorias políticas de Maquiavel e Hobbes são pautadas na ideia de que o poder do Estado
deve ser soberano e absoluto. Em um primeiro momento, essa ideia ia de encontro com as
monarquias absolutistas que detinham o poder do Estado e reivindicavam sua autonomia em
relação ao domínio religioso. Nesse sentido, o Estado é compreendido como uma condição
necessária para superação da barbárie, do Estado de natureza, e para a realização efetiva
da justiça e da ordem social.
Outros autores, como Rousseau (1712 - 1778) acreditam que a soberania não reside no
Estado, mas no povo. A perspectiva de Rousseau é diferente do pensador Thomas Hobbes,
para Rousseau a natureza humana não é essencialmente má, na realidade, no “Estado de
Natureza” Rousseauniano reinaria a liberdade e a harmonia.
As mudanças que ocorreram na passagem do século XVII na sociedade europeia produzem
novas interpretações sobre o Estado moderno. O principal evento que marca a ruptura com
o ideal absolutista é a Revolução Gloriosa em 1688 na Inglaterra que limitou os poderes da
monarquia e fortaleceu o parlamento burguês. No plano econômico e social, a transição
para o capitalismo exigia novas interpretações sobre a expansão do mercado e a burguesia
emergente.
A ascensão da burguesia ao poder político reflete uma nova perspectiva política: o liberalismo.
O pensamento liberal contrapõe-se ao ideal de poder absoluto e concentrador na figura do
Estado. Na verdade, o liberalismo questiona a legitimidade da monarquia absolutista. Um
dos principais pensadores desse ideário é o filósofo inglês John Locke (1632-1704), cuja as
ideias influenciaram a Revolução Gloriosa e o Bill of Right (Declaração de Direitos de 1689),
documento assinado pela monarquia inglesa que impôs limites a mesma e ampliou os
poderes do parlamento.

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Gravura alegórica representando a Declaração de Direitos de 1689. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Direitos_de_1689

6.1 Locke e os fundamentos do pensamento liberal

As ideias de John Locke (1632-1704) influenciam a luta burguesa contra o absolutismo


monárquico. Além das suas contribuições para o pensamento político, Locke é o fundador
do empirismo segundo o qual o conhecimento é fruto das experiências humanas. Na famosa
teoria da “tabula rasa”, Locke compara o indivíduo a um papel em branco assinalando que não
existe conhecimento anterior às experiências. A teoria ilustra como o filósofo compreende
a questão da igualdade.
Locke é conhecido como o pai do “individualismo liberal” para ele, a liberdade individual é um
bem inalienável. Diferente de Hobbes, onde os homens abrem mão da liberdade pela segurança
do Estado, fazendo um pacto de submissão, Locke defende um pacto de consentimento,
ou seja, é pelo uso e defesa da liberdade que os indivíduos entram em um acordo para a
criação do Estado (MELLO, 2011).
Assim como Hobbes, Locke e Rousseau fazem parte do grupo dos jusnaturalistas. Mas
a concepção de Locke do “Estado de natureza” e dos motivos que levam ao contrato social
são diferentes de Hobbes. No “Estado de natureza” lockiano os indivíduos não são dominados
pela perversidade e paixões.
Para Locke, no “Estado de natureza” os indivíduos gozam da liberdade e da harmonia.
Além disso, o “Estado de natureza” não era compreendido como uma abstração, para Locke
o “Estado de natureza” era uma realidade histórica que podia ser encontrada em tribos
americanas (MELLO, 2011).

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Outro elemento fundamental do pensamento liberal é a defesa da propriedade privada. De


acordo com Locke, no “Estado de natureza” os homens desfrutavam da propriedade privada.
Segundo Locke, a posse de bens é a realização da liberdade natural, inclusive o próprio corpo
é reconhecido pelo filósofo como uma posse. Nesse sentido, para Locke todos saem de um
mesmo ponto de partida, o trabalho. O trabalho é o que torna os indivíduos diferentes, uns
mais empenhados se apropriam de mais bens que os outros.

Isto acontece na prática

A ideia de que possuímos aquilo que merecemos de acordo com o nosso trabalho é a
base da meritocracia, doutrina que está presente na nossa sociedade, especialmente
na educação. Por exemplo, na competição pelo vestibular somos levados a acreditar
que o esforço individual é o que leva ao sucesso para aprovação no ensino superior.
Fonte: elaborado pela autora.

Retomando a nossa linha de raciocínio, para Locke, a propriedade privada (a vida, a liberdade
e os bens) são direitos naturais. Para o pensamento liberal, as desigualdades sociais e o
acúmulo de riqueza são justificados, pois são resultado do quanto cada indivíduo dedica-se
ao trabalho.
De acordo com Locke, à medida que as relações sociais vão se complexificando, as
leis naturais tornam-se insuficientes para manter a paz social e frear os inconvenientes
do “Estado de natureza”. Para garantir os direitos individuais e a segurança dos indivíduos,
os homens fazem um pacto social para criação do Estado. Portanto, na visão de Locke, o
contrato social não é uma ruptura, como pensava Hobbes, mas um meio necessário para
garantir os direitos naturais entendidos como inalienáveis (MELLO, 2011).
Mas, e quando esses direitos são ameaçados? Para Locke, a rebelião é legítima quando
esses direitos são ameaçados. Os indivíduos têm o papel de vigiar o Estado para que ele
não cometa nenhum excesso. Locke considera a autodefesa um direito e uma forma de
proteção dos cidadãos contra a tirania do Estado.

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Isto acontece na prática

Nos últimos anos no Brasil, houve mudanças na legislação sobre o porte de armas de
fogo. Inspirados nos EUA, os defensores do porte de arma argumentam sobre o direito
de autodefesa. Nos Estados Unidos, a Segunda Emenda da constituição americana
autoriza a posse de armas como direito individual e como uma forma de preservar a
liberdade. Mas, diante do crescente número de atentados nos EUA, a lesgislação tem
sido questionada.
Fonte:http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/constituicao-dos-eua-tem-texto-
ambiguo-sobre-armas-entenda.html

O liberalismo insere no pensamento político o princípio da defesa dos direitos fundamentais


e estimula as lutas pela garantia desses direitos. Assim, o Estado deve atuar dentro da
legalidade para a preservação dos direitos naturais, podendo ser contestado quando seu
poder transcende sua tarefa fundamental. O Estado deve garantir as regras do jogo da livre
competição entre os indivíduos e a defesa da propriedade. A ideia fundamental é a defesa
da liberdade individual contra o poder absoluto do Estado (MELLO, 2011).
Na perspectiva liberal, o povo, a multidão, constitui uma ameaça, pois pode tornar-se
absoluto e oprimir os indivíduos. Assim, mesmo defendendo a pluralidade no debate político,
o pensamento liberal vê com desconfiança a ascensão das massas. Para fugir dessa ameaça,
os liberais defendem a participação política indireta, representativa, cujo os interesses da
massa estariam representados por organizações ou associações políticas. Esse pensamento
encontra seus representantes no século XVIII.
Além disso, a distribuição dos poderes é fundamental para a regulação do poder do
Estado. Para Locke, a esfera legislativa é superior ao poder executivo. Essa questão será
mais explorada posteriormente por Montesquieu.
Os liberais contentam-se com a liberdade formal, direitos expressos em leis, mas não na
liberdade e nos direitos efetivos. Por exemplo, direitos garantidos na constituição que não
podem ser usufruídos por todos. Na visão liberal, as desigualdades sociais são superadas
pela garantia da competição.
Em resumo, no liberalismo, a sociedade e a política são colonizadas pelo mercado e o seu
princípio fundamental é a defesa do Estado mínimo. Contudo, isso é paradoxal, defende-se o
Estado mínimo na economia, porém forte na garantia dos direitos expressos na legislação.
Durante o século XX, o pensamento liberal recua no Estado do bem-estar social, mas reaparece
com uma nova roupagem na contemporaneidade, o neoliberalismo.

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AULA 7
A CRÍTICA À DEMOCRACIA LIBERAL

As ideias e a história não são duas dimensões separadas. Podemos dizer que as ideias
de cada pensador até aqui apresentadas são produto do seu tempo histórico. Assim como
Hobbes e Locke, Rousseau completa o tipo dos chamados contratualistas e clássicos da
política. São considerados clássicos porque suas ideias sobrevivem para além do seu tempo
de vida.
Hobbes viveu durante uma Guerra Civil na Inglaterra e Locke presenciou a crise político-
religiosa que dividiu o parlamento e a monarquia britânica. Já o filósofo Jean- Jacques
Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra, na Suíça, mas viveu sua vida na França. Rousseau
vive um momento de efervescência da filosofia, o chamado século das luzes ou iluminismo.
Nesse período, o humanismo e as ideias de igualdade e liberdade tornam-se centrais para
a reflexão filosófica.
Inspirada no pensamento de Rousseau e outros filósofos iluministas, a Revolução Francesa
(1789-1799) pôs fim à monarquia absolutista e substituiu-a pela república democrática. Você
já deve ter visto na escola sobre a “Queda da Bastilha” (1789), momento que inaugura a idade
contemporânea. Esse momento de transformação da sociedade é marcado por uma nova
divisão social, entre a burguesia e os trabalhadores.
Vamos fazer um pequeno percurso histórico desse período revolucionário! Na França o
Estado possuía três camadas sociais e tinha uma estrutura hierárquica. O primeiro Estado era
formado pelo alto clero, no segundo estava a nobreza e a aristocracia francesa e o terceiro
era composto pela burguesia (comerciantes, banqueiros, empresários) e os chamados sans-
cullotes (“sem calções”) trabalhadores urbanos e camponeses. Mesmo sendo a maioria, o
poder do terceiro Estado era limitado.
As ações do Estado absolutista já vinham desagradando a burguesia e os trabalhadores
que se levantam para lutar contra a monarquia. O levante revolucionário que culminou na
“Queda da Bastilha” termina com a formação da Assembleia Constituinte e a criação da
“Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos”, documento que assegurava os direitos
individuais e coletivos e que inspirou os “Direitos Humanos”.
A Assembleia assumiu uma nova configuração, do lado direito da Câmara, sentavam-se
os girondinos (burgueses, a ala mais conservadora que articulava-se com a nobreza, e, do

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outro lado, à esquerda sentavam-se os jacobinos (trabalhadores), ala mais radical. Após um
período de radicalização, a burguesia assume o poder. Até os dias atuais, esquerda e direita
fazem referência a essa configuração.
Pois bem, essa nova configuração do Estado moderno, aparentemente democrático e
calçado pelas ideias liberais, onde a burguesia mantém o poder e limita a presença dos
trabalhadores na política, é objeto de crítica. A crítica à democracia liberal pode ser encontrada
ainda no século XVIII a partir das ideias de Rousseau (1712-1778) para o qual o povo não
deveria apenas manter uma posição defensiva diante do Estado, mas deveria ocupá-lo
de forma efetiva, tornando-se ator da democracia. Com Rousseau surge, em oposição à
democracia representativa (indireta), a concepção moderna de democracia direta e o Estado
social.

Fonte:Wikipedia https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa#:~:text=Revolu%C3%A7%C3%A3o%20Francesa%20(em%20franc%C3%AAs%3A%20
R%C3%A9volution,em%20todo%20o%20continente%20europeu

7.1. Rousseau e o Estado social

Rousseau é considerado tanto um liberal quanto um crítico do liberalismo, as interpretações


sobre o seu pensamento dependem da forma como diferentes autores mobilizam suas ideias.
Vamos compreender isso mais de perto!
Como já dito anteriormente, Rousseau é um contratualista, ele faz o exercício filosófico
de pensar a transição de um estado pré-social para a formação de uma sociedade política

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através do pacto que institui o Estado. Diferente de Locke, Rousseau nasceu em uma família
humilde e compreende algumas contradições do projeto liberal.
Para Rousseau, o poder do Estado depende do povo que, por meio do pacto social, não
transfere esse poder para o Estado, mas o executa. Dessa forma, Rousseau compreende
que a soberania do Estado, ou seja, o que legitima o poder do Estado não é sua força militar,
nem a necessidade da paz social e sim a vontade do povo. Na visão de Rousseau, o povo
é agente fundamental da política.
Para compreender como isso acontece no pensamento do filósofo, vamos retornar ao
“Estado de natureza”. Segundo o filósofo francês, no “Estado de natureza” os indivíduos
desfrutam da paz social, da igualdade e da liberdade plena. Mas, então, o que perturba a
paz social? Para Rousseau, a propriedade privada é o que causa o conflito e a disputa entre
os homens.
Vimos que para Locke a propriedade privada é um direito natural, mas para Rousseau ela
é uma construção social e a raiz da desigualdade social.

Anote isso

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou
pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade
civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado o
gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse
gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos
se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!” (ROUSSEAU, 1998)
Fonte: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens Editora Universidade de Brasília – Brasília/DF; Editora
Ática – São Paulo/SP – 1989

Nesse sentido, o pacto seria uma forma de garantir a correção dessas desigualdades. Para
ele, a propriedade não é natural, ela inaugura um novo estágio da sociedade, a sociedade
civil. Na sociedade civil, os homens vivem em desigualdade, pois, na visão de Rousseau, a
propriedade privada é a origem dessa desigualdade.
Ao criticar os fundamentos do liberalismo, ele concebe uma teoria mais progressista. A
hipótese é de que os homens nascem livres e puros e que a propriedade os aprisionam em
um mundo de aspereza e desigualdades. Como se pode romper com isso? A resposta de
Rousseau é o pacto social.

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Na concepção de Rousseau o “Estado de natureza” não é mau nem bom. À medida que
o homem foi se relacionando com outros homens suas necessidades foram ampliadas,
despertando sentimentos ruins e bons ao mesmo tempo. Com a instituição da família surge
a primeira forma de propriedade privada e os homens passam a usar suas capacidades
naturais (força e liberdade) para atacar e se defender um dos outros.
Diante do conflito, os homens racionalmente fazem um pacto para constituir um governo
comum, com deveres mútuos regidos pela justiça e pela paz, pois a força não vale mais
como direito. Enquanto Locke aceita as diferenças naturais como base para a fundação
da propriedade privada, Rousseau reconhece nela a raiz das desigualdades e dos conflitos
entre os homens.
Nesse sentido, a desigualdade é substituída pela igualdade moral, pela convenção de
direitos. O homem não deixa de ter direito a propriedade, mas faz uma diferenciação: “ O que
o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito sem limites a tudo
o que tenta e pode atingir; ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.”
(ROUSSEAU, 2000,p.29).
Assim, a chamada “vontade geral” dirige as forças do Estado de acordo com a finalidade
do bem comum. Com base nesse interesse, a soberania é inalienável e indivisível: “Digo,
portanto, que, não sendo a soberania mais que o exercício da vontade geral, não pode
nunca alienar-se; e o soberano, que é unicamente um ser coletivo, só por si mesmo se pode
representar.” (ROUSSEAU, 2000, p.33)
Para Rousseau o poder do Estado está dividido em duas esferas. O poder legislativo que
é o poder do povo e o poder executivo, que é o dever de todos de cumprir as leis formuladas
pelo legislativo. O poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo é o cérebro que
dá movimento às partes. A soberania do Estado reside na vontade do povo ( SADEK, 2011)
O povo reunido em assembleia é que elabora as leis, a vontade política não deve ter
representantes, ela é inalienável, soberana. Mas Rousseau admite que haja representação
na administração do Estado, já que as autoridades não devem ter autonomia política. Em
resumo, o governo deve atuar como executor das leis advindas da assembleia, da vontade
do povo. Seu pensamento também nos serve para pensarmos a sociedade contemporânea
e as reivindicações da sociedade por maior participação política por meio de movimentos
sociais, plebiscitos, fóruns e demais instituições.
Para concluir, por meio do quadro abaixo, examine as principais diferenças entre os três
contratualistas.

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Estado de Natureza O que leva ao pacto Qual a função do


social? Estado?
Hobbes (1588-1679) É um estado de O medo da morte Garantir a ordem e a
violência - “Guerra de violenta e a paz social.
todos contra todos” esperança de uma
vida melhor.
Locke (1632-1704) Os homens vivem A necessidade de Preservar a liberdade
harmonia e possuem preservação da e os direitos
direitos naturais liberdade e dos naturais.
(propriedade) direitos naturais.
Rousseau (1712- Os homens são A correção das Garantir a
1778) livres e iguais. desigualdades da participação política
sociedade civil e da dos cidadãos
propriedade privada e defender os
interesses comuns.

Fonte: Elaborado pela autora.

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AULA 8
A SEPARAÇÃO DOS TRÊS PODERES

Vista aérea da Praça dos Três Podere, inaugurada em 21 de abril de 1960. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_dos_Tr%C3%AAs_Poderes

A Praça dos Três Poderes é um símbolo da política brasileira e palco de importantes


acontecimentos políticos. O projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa está
localizado em Brasília. A Praça é constituída por um espaço amplo e três prédios monumentais:
o Palácio do Planalto, sede do poder executivo, o prédio do Congresso Nacional, sede do
poder legislativo federal e o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), sede da suprema
corte do poder judiciário.
A Praça dos Três Poderes reflete uma forma de organização comum a muitos Estados.
O sistema tripartite foi elaborado no século XVIII por Charles-Louis de Secondat, barão de
Lá Brède e de Montesquieu, conhecido como Montesquieu. Ao longo da história, diferentes
autores falaram sobre a divisão dos poderes, mas é a fórmula de Montesquieu que inspira
a organização política administrativa do Estado moderno.

8.1. Montesquieu, a liberdade e as leis

Montesquieu (1689-1755) ocupa um lugar de destaque na história do pensamento liberal


ao lado de John Locke. A principal obra política deste iluminista “O espírito das leis” de 1748,
foi fundamental para a filosofia moderna. O livro gerou interpretações divergentes, refletindo
as contradições de sua época. A passagem do século XVII para o século XVIII é marcada
pelo sucesso do pensamento racionalista e pelo ideal de liberdade (NAY, 2007).
Junto aos escritos políticos de Rousseau, “O espírito das leis” inspirou os revolucionários
de 1789. Montesquieu distancia-se do pensamento abstrato sobre os fundamentos do poder
para “compreender os princípios concretos que determinam o funcionamento das sociedades
políticas”. (NAY, 2007, p.2002)
O filósofo procura compreender a partir da investigação histórica o funcionamento das
leis e costumes que diferenciam as sociedades, indo além da aparência dos acontecimentos.
Assinala Nay (2007, p.202): “A este respeito, busca explicar “o espírito geral” dos povos como

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o resultado de combinações de fatores jurídicos, políticos, geográficos, climáticos, sociais,


econômicos e religiosos”.
Montesquieu, assim como Locke, preocupa-se com a liberdade, mas parte de uma premissa
diferente dos jusnaturalistas. Para ele, a liberdade não é uma experiência anterior vivida pelo
homem no “Estado de natureza”. Ela está intrinsecamente ligada às leis, são as leis que
permitem aos cidadãos a liberdade. De acordo com Montesquieu (1996, p.166):

É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade
política não consiste em se fazer o que se quer. Em um Estado, isto é, numa
sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o
que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem direito de
querer. [...] A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um
cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os
outros também teriam este poder.

O entendimento de Montesquieu de liberdade é resultado de uma visão “negativa” e diferente


dos antigos. A liberdade de participar da política é substituída pela liberdade de se proteger
contra os abusos do poder, sem deixar de pertencer à constituição do Estado enquanto
mecanismo de segurança e garantidor de direitos.
O filósofo iluminista vê com desconfiança o poder do Estado e defende um governo
estável e moderado que só é possível pelo equilíbrio entre os povos, os nobres e os reis. Ele
enxerga o poder como uma força externa que age sem limites, para impedir a arbitrariedade
do Estado, Montesquieu defende o respeito às leis e a neutralização da sua potência pela
divisão em diferentes poderes.
O respeito às leis é usado como critério por Montesquieu para definir os regimes de
governo. A República pode ser democrática ou aristocrática, onde a lei é respeitada por todos,
mas pode haver exageros. A monarquia, governo de um só, o poder é moderado pelas leis
e por mecanismos intermediários e quando o poder age sem limites, temos o despotismo.
O segundo critério é o sentimento que move o governo.

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Fonte: NAY, Oliver. História das ideias políticas. Petrópolis - RJ: Vozes, 2007 (p.2003)

Assim, cada forma de governo tem uma consequência quando a lei é desrespeitada. Na
visão de Montesquieu, o regime monárquico possui mais chances de garantir o cumprimento
da lei, pois julga que a monarquia não tem motivos para desrespeitar o ordenamento jurídico.
Mas, contra o poder absoluto e o despotismo, propõe que o poder seja partilhado. Não apenas
na sociedade, mas no próprio funcionamento do Estado.

8.1.1. Montesquieu e a separação dos três poderes

Na visão de Montesquieu, a organização das instituições políticas é uma forma de garantir


as liberdades, tal qual apontava Locke. A Constituição, elemento fundamental do Estado,
deve cumprir dois papéis: garantir a aplicação das leis e impedir a concentração excessiva
de poder. Desse modo, o corpo político deve ser equilibrado por várias instituições distintas
capazes de regular umas às outras. Para isso, Montesquieu distingue três potências: legislativa,
executiva e judiciária. De acordo com Montesquieu:

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Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo
das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas
que dependem do direito civil.[...] Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado
cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram
feitas, Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas,
instaura a segurança e previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes,
ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de
julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado. (MONTESQUIEU,
1996, p.167-168)

Caso esses três poderes sejam confundidos eles podem gerar excessos, por exemplo,
quando o poder legislativo está unida com a instância executiva:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder


legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para
executá-las tiranicamente.” (MONTESQUIEU, 1996, p.168)

No entanto, esses dois poderes devem ser colaborativos entre si, não há uma independência
absoluta. A distinção dos poderes também deve ser aplicada ao legislativo e é preferível que
seja organizado em duas câmaras (como o modelo inglês). Só o judiciário deve conservar
independência absoluta, garantindo a justa aplicação das leis.

Isto acontece na prática

Nos últimos tempos o Brasil tem vivido uma crise institucional e política que tem
ameaçado a relação entre os três poderes. A tensão se dá especialmente entre o Supremo
Tribunal Federal (STF) e o poder executivo. Inclusive, isso tem incitado manifestação
pública a favor e contra as ações do judiciário. Para equilibrar essa tensão, todo sistema
conta com um freios e contrapesos. Em entrevista à BBC, o professor da FGV, Wallace
Corbo salienta:
“A ideia de separação dos poderes é uma ideia de contenção do arbítrio. Quando separo
os poderes, crio vários agentes de veto que conseguem conter uns aos outros”, explica
Corbo. “O nosso desenho de separação de poderes, que é muito inspirado no desenho
americano, se baseia exatamente na possibilidade de vários órgãos controlarem uns aos
outros.”...Por exemplo, diz ele: “o Legislativo controla o Executivo, o Judiciário controla o
Executivo e o Legislativo, o Legislativo e o Executivo nomeiam o Judiciário. O Legislativo
pode editar uma emenda para superar uma interpretação do Poder Judiciário”.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53071440

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O projeto de Montesquieu é inspirado na monarquia parlamentar inglesa. O modelo é


tão enraizado que resistiu a diferentes tipos de regime e foi uma fonte de inspiração das
democracias liberais (NAY, 2000). Contudo, os três poderes aparecem hoje como condição do
funcionamento do Estado democrático de direito e como uma forma de manter a estabilidade
do Estado.

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AULA 9
A FORMAÇÃO DO ESTADO
MODERNO

As teorias políticas que vimos em aulas anteriores nos indicam que o Estado moderno
não é somente uma abstração, mas um produto histórico-social de determinadas épocas,
que assume diferentes configurações. A este respeito, vejamos uma definição do conceito
de Estado moderno:

O ESTADO MODERNO COMO FORMA HISTÓRICA DETERMINADA. — “Para a


nossa geração, reentra agora, no seguro patrimônio do conhecimento científico,
o fato de que o conceito de ‘Estado’ não é um conceito universal, mas serve
apenas para indicar e descrever uma forma de ordenamento político surgida
na Europa a partir do século XIII até os fins do século XVIII ou inícios do XIX,
na base de pressupostos e motivos específicos da história européia e que após
esse período se estendeu — libertando-se, de certa maneira, das suas condições
originais e concretas de nascimento — a todo o mundo civilizado.”(BOBBIO et
al, 1998, p.425)

No “Dicionário de política”, Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998) utilizam-se da definição


de Estado dada por Ernst Wolfgang Boeckenfoerde e do método histórico-crítico, ressalta
a importância de pensarmos o Estado como uma forma histórica determinada, ou seja, é
preciso pensar o contexto e as condições históricas nas quais o Estado moderno emerge.
Como apontado anteriormente, o Estado moderno é uma forma de organização do poder
político que surgiu na Europa durante o século XIII e que existiu até meados do século XIX. Após
esse período, o Estado estendeu-se para outros territórios e assumiu novas configurações,
distanciando-se das suas condições originais de nascimento.
O elemento central do Estado moderno é a concentração de poder em uma instância sempre
mais ampla e superior que acaba compreendendo por completo as relações políticas. Outro
traço do Estado moderno é o princípio da territorialidade e da impessoalidade do comando
político. O Estado é constitutivo de um determinado território sem o qual seu poder não
tem razão de existir e através da burocratização, a administração torna-se cada vez mais
impessoal (BOBBIO et al., 1998).
O sistema descentralizado e disperso do mundo feudal vê-se transformado pela centralização
e racionalização da gestão do poder na figura do Estado. A burguesia incipiente na passagem

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do sistema feudal para o sistema capitalista encontra no Estado uma forma de proteção e
segurança para os seus interesses econômicos, rompendo com as ideias religiosas medievais
que coordenavam a política feudal, cujo a nobreza assume o papel fundamental. Esse é o
traço característico do estágio pré-moderno da formação do Estado, a distinção entre o
mundo espiritual, religioso, e a esfera política.
A primeira forma que o Estado moderno adquire é o Estado monárquico absolutista que
se caracterizava pela concentração de poder nas mãos da monarquia. Nesse momento,
as relações sociais começam a ser compreendidas fora da esfera religiosa. O governo do
príncipe atende tanto os interesses da nobreza, quando da burguesia mercantil emergente,
caracterizando por ser uma instituição administrativa: se trata de uma organização das
relações sociais (poder) através de procedimentos técnicos preestabelecidos (instituições,
administração), úteis para a prevenção e neutralização dos casos de conflito e para o alcance
dos fins terrenos (BOBBIO et al., 1998, p. 427)
O Estado absolutista feudal é marcado pelas relações de servidão, entre os nobres, que
exercem domínio político e econômico sobre os servos, ou seja, é a relação de suserania e
vassalagem, onde o senhorial feudal subordina os trabalhadores do campo. Nesse esquema,
o Estado é marcado por ser um Estado territorial, a nobreza por meio do exército e da posse
de terras tem o domínio de determinados territórios, mas a administração do Estado, portanto,
fica a cargo de uma aristocracia fundiária. Através do sistema de cargos a nobreza feudal
integrou-se ao Estado absolutista.
Na passagem do século XVI- XVIII, a introdução das relações comerciais faz com que
esses laços se desfaçam. As relações mercantis produzem uma modificação nas relações
sociais com a emergência da burguesia urbana e pré-industrial, ocorre a separação da força
de trabalho e dos meios de produção, assinalando a necessidade do reconhecimento do
indivíduo e suas posses, necessidade jurídica que é atendida pelo estabelecimento das
leis públicas e privadas que controlam a relação entre o Estado e os indivíduos e entre os
indivíduos uns com os outros (resgate do direito romano). A nobreza vai se aburguesando, ou
seja, os nobres, grandes proprietários de terra passam a participar da atividade econômica
ganhando força social, terminando na formação do parlamento. A revolução industrial no
século XVIII assinala a nova configuração social e política que opõem burguesia e proletariado.
A teoria política clássica cria a justificação racional para a existência do Estado, na verdade
ela reflete essa nova concepção do Estado como uma primeira forma de organização política
associativa necessária para a preservação das atividades mundanas (propriedade, liberdade
escolher seu próprio destino) que mais tarde aparecem como direitos naturais, encontramos
isso em Hobbes.

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No entanto, à medida que os interesses privados foram sendo ressaltados, o abismo entre
classes aumentou e o Estado absolutista monárquico tornou-se uma ameaça a preservação da
liberdade, colocando em crise a legitimação do príncipe. O indivíduo e seus valores completam
agora a ordem estatal que através da concepção jusnaturalista, apresenta-se como a soma
dos valores individuais.
O Estado liberal constitui a nova face do Estado moderno, resultado das reivindicações
burguesas e da defesa formal das liberdades individuais, sem, no entanto, alterar
significativamente algumas estruturas do antigo regime. A personificação do monarca não
se faz mais necessária diante da abstração da leitura jurídica, o Estado como representante
da lei e da ordem, eis o Estado de direito caracterizado pela passagem da legitimidade para
a legalidade. Segundo Bobbio et al ( 1998, p. 430):

A passagem da esfera da legitimidade para a esfera da legalidade assinalou,


dessa forma, uma fase ulterior do Estado moderno, a do Estado de direito,
fundado sobre a liberdade política (não apenas privada) e sobre a igualdade
de participação ( e não apenas pré-estatal) dos cidadãos (não mais súditos)
frente ao poder, mas gerenciado pela burguesia como classes dominantes, com
os instrumentos científicos fornecidos pelo direito e pela economia na idade
triunfal da Revolução industrial.

Tanto no plano teórico como no plano prático, a expansão da sociedade e a nova configuração
da correlação de forças levou a burguesia a adotar a doutrina democrática, que tem como pilar
o parlamentarismo e os partidos de massa. Mas a verdade transformação foi a constituição
do Estado como Estado social, frente a insurgência das classes subalternas.

9.1 Estado e sociedade

Ao longo das primeiras aulas, vimos que alguns pensadores dedicaram-se ao estudo do
surgimento do Estado. O Estado está sempre em uma condição de relação com a sociedade. Ao
estudar o Estado deve-se sempre pensar sua relação com a sociedade fugindo do formalismo
político que reduz Estado a manutenção da ordem.
A filosofia política faz uma distinção entre aqueles que pensam o Estado como uma
instituição que dá origem à sociedade e aqueles que compreendem o Estado como produto
da sociedade. No primeiro grupo podemos citar Hobbes, que compreende o momento anterior
ao Estado como uma guerra (SOUZA, 2007).
No estado de natureza hobbesiano não existe sociedade. É o Estado que funda a sociedade,
pois é por meio do pacto que cria o Estado que a vida associativa, em sociedade é possível.

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Em contraposição, Locke entende a sociedade como anterior ao Estado, já que antes do


seu surgimento os indivíduos desfrutavam de relativa autonomia, sendo o Estado um pacto
necessário para a manutenção e preservação do social. Nessa perspectiva, o Estado precede
o social (SOUZA, 2007)

Anote isso

Como podemos definir o que é o Estado? Na filosofia política da antiguidade clássica,


vimos que a política está intrinsecamente ligada à esfera pública, ao bem comum. Com
base nisso, podemos definir, grosseiramente, o Estado como uma associação política
voltada para o bem comum.
Fonte: Elaborado pela autora.

Essa definição também expressa um ideal de Estado, pois ao longo da história observamos
que nem sempre o Estado tem operado para esse fim, voltando-se por vezes para interesses
particulares.
O Estado engloba uma multiplicidade de instituições, como o exército, a escola e a família.
Ele constitui-se sobre um território determinado, e dentro desse território age como soberano.
O potencial do Estado, ou seja, seu poder e soberania é explorado por Weber que define o
Estado como uma comunidade que detém o monopólio legítimo da violência.
Apesar do Estado aparecer como uma entidade que está acima do social, corroborando
com a interpretação jusnaturalista, ele está em constante tensão com a sociedade. Por muito
tempo, a interpretação do Estado ficou restrita à dimensão jurídica. Segundo essa linha de
pensamento, compreende-se o Estado como instituição responsável pela aplicação das leis.
No século XIX, as ciências sociais trazem uma outra visão sobre a relação do Estado
com a sociedade, entendendo a organização social e seus efeitos sobre o corpo social. As
características da sociedade tornam-se objeto de análise para compreensão do sistema
político. De acordo com SOUZA (2007, p.86): “Torna-se recorrente a percepção de que as
diversidades e os conflitos sociais afetam o sistema político, a ordenação e a racionalidade
do Estado.”

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Tela-mural “Manifestación” (1934), do pintor argentino Antonio Berni. Fonte:https://iela.ufsc.br/files/manifestacion-antonio-berni-1934jpg

9.1.1 O Estado social

O Estado social derivado da interpretação sociológica surge em oposição ao Estado de


direito. De um lado, o Estado de direito caracteriza-se pelo aparato jurídico e pela defesa das
liberdades individuais, operando em uma oposição entre Estado e sociedade, essa lógica
é reivindicada pelo pensamento liberal burguês, onde as desigualdades entre classes são
aceitas e mantidas. O Estado liberal é uma abstração já que ignora as contradições no plano
material.
Por outro lado, o Estado social reivindica a participação dos cidadãos na esfera política,
buscando uma distribuição equitativa do poder e a correção das desigualdades entre classes.
Nesse sentido, a sociedade adentra o Estado, torna-se corpo do Estado para superar as
contradições experimentadas na esfera social e econômica.
Observe as diferença entre as duas concepções no quadro abaixo:

Teoria política Fundamento


Estado de Direito Jusnaturalismo/Liberalismo Estado opõem-se a sociedade
Estado Social Marxismo/ Anarquismo A sociedade compõe o Estado.

Fonte: Elaborado pela autora.

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A percepção da propriedade como fruto da desigualdade entre os homens torna-se


recorrente entre os adeptos da teoria social em contraposição ao pensamento liberal. O
conflito entre grupos é um dado recorrente na história, no século XIX observa-se que o
pacto social não cessou os conflitos como assim prometera os jusnaturalistas. Na verdade,
algumas correntes políticas identificam no Estado a base dos problemas sociais.
Com isso, emergem algumas questões fundamentais acerca da relação entre Estado e
política para a teoria política e social: Como superar as desigualdades entre classes? Como
corrigir as contradições no plano social? Como superar a aparente relação antagônica entre
sociedade e Estado? São essas questões aliadas às lutas políticas no século XIX contra a
exploração dos trabalhadores que alimentam as teorias marxista e anarquista sobre o Estado.

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AULA 10
A QUESTÃO DO PODER

A questão do poder é uma peça fundamental da teoria política. Com o surgimento do


pensamento liberal e a luta contra o absolutismo, a dimensão do poder se tornou cada vez
mais discutida. Muitos autores encaram o tema do poder procurando determinar as bases
que compõem o Estado moderno, é o caso de Rousseau e Montesquieu. O primeiro acredita
que o poder reside na vontade do povo e o segundo nas leis.
Enquanto Montesquieu procurava neutralizar o poder através da divisão de sua potência
em três instituições estratégicas, Rousseau buscava a racionalização do poder por meio da
sua justa distribuição entre o povo. As perspectivas sobre o poder podem ser divergentes
na teoria política,para alguns o poder é algo que deve ser vencido, extirpado, e, para outros
o poder é constitutivo das relações sociais, portanto, deve-se buscar a racionalização da
sua distribuição na impossibilidade do seu fim.
A primeira visão vai de encontra com o Hobbes, para quem o poder é algo, um recurso
que alguém detém:

Passemos a uma noção mais sofisticada: o poder é o conjunto de recursos,


de natureza psicológica, material ou econômica, existentes na sociedade,
que os indivíduos põem a serviço de uma autoridade suprema, para manter
a ordem pública. É esta a noção que corresponde ao conceito de poder em
Thomas Hobbes, uma das vertentes do pensamento político moderno. Aqui, de
novo, aparecem os mesmos elementos: o poder é um objeto (um conjunto de
recursos) possuído pelo rei (a autoridade suprema) e oferecido por seus súditos
(os indivíduos da sociedade). Hobbes se encarrega de dar concretude à entidade
que detém o poder chamando-a Leviatã (ALBUQUERQUE, 1995)

No século XVIII, o avanço do capitalismo e as transformações no sistema político, social


e econômico fazem emergir novas interpretações sobre o que é o poder. De forma genérica,
pode ser definido como a capacidade de agir, de gerar efeitos, mas em sentido social seu
significado é mais preciso, como observa Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p.933 ):

Se o entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação


com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu
espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até à capacidade
do homem em determinar o comportamento do homem: Poder do homem sobre
o homem.O homem é não só o sujeito mas também o objeto do Poder social

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O homem ocupa, portanto, duas posições em relação ao poder, ele é sujeito e ao mesmo
tempo objeto do poder. O poder em sentido social envolve a relação dos homens uns com
os outros e, por isso, está conectado a uma outra dimensão: a possibilidade de dominação.
Poder e dominação constituem dois pólos distintos, mas complementares da esfera social
e política.
Poder e dominação não são sinônimos, é o que nos alerta o sociólogo Max Weber ( 2004,
p.175): “Por “poder” entendemos, aqui, genericamente, a probabilidade de uma pessoa ou
várias impor, numa ação social, a vontade própria, mesmo contra a oposição de outros
participantes desta”. Em contraposição:

Por “dominação” compreenderemos, então, aqui, uma situação de fato, em que


uma vontade manifesta (“mandato”) do “dominador” ou dos “dominadores” quer
influenciar as ações de outras pessoas ( do “dominado” ou dos “dominados”),
e de fato as influencia de tal modo que estas ações, num grau socialmente
relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo
do mandado a máxima de duas ações (“obediência”). (WEBER, 2004, p.191)

Em outras palavras, para Weber (2004) o poder depende da capacidade de alguém impor
sua vontade, nesse sentido, os meios para impor o poder podem ou não ser mobilizados. Já
a dominação consiste em uma relação de mando e obediência, é quando ocorre a submissão
ao poder.

Anote isso

A distinção de Weber (2004) entre poder e dominação rompe com a definição clássica
do que é o poder: o poder como algo que alguém possui. Na visão do sociólogo alemão,
o poder é uma relação entre as pessoas e não uma coisa, por mais que ele dependa de
recursos para ser exercido, o poder só existe quando esses recursos são mobilizados
dentro de uma relação.
Fonte: Elaborado pela autora

Desse modo, o poder de possuir coisas não deve ser confundido com o poder do homem
sobre o homem. De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p.934 ):

Todavia, em linha de princípio, o Poder sobre o homem é sempre distinto do Poder


sobre as coisas. E este último é relevante no estudo do Poder social, na medida
em que pode se converter num recurso para exercer o Poder sobre o homem.

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Ao longo da história, diversas nações e líderes usaram da violência para dominar diferentes
povos. Com base nisso, o Estado pode ser compreendido como um instrumento de dominação
do homem pelo homem. Quem nos dá a definição clássica de Estado e poder é, novamente,
o sociólogo Max Weber. Segundo Weber (2015, p. 98): “Hoje, porém, temos de dizer que o
Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo
da força física dentro de um determinado território” .
Nesse sentido, o poder do Estado reside na capacidade do Estado de impor sua força,
por meio da ação policial ou do exército, por exemplo. Assim, a questão não é mais o direito
do uso da força, mas a exclusividade desse direito.

Isto acontece na prática

Por exemplo, na nossa sociedade, muitas pessoas não estranham quando a polícia
age com violência, ou até, quando uma ação policial tira a vida de alguém. A violência
policial é aceita e legitimada por toda a sociedade porque julgamos que os policiais
agem de acordo com a lei e para proteção da leis.
Fonte: Elaborado pela autora.

Apesar do uso da violência ser um atributo do Estado isso não quer dizer que toda ação
de dominação do Estado seja violenta. É o que nos diz o filósofo francês Michel Foucault
(1926-1984), para quem o poder não se dá somente por uma relação hierárquica e pela
coação violenta. Foucault (1982) observa que as relações sociais são constituídas por
relações de poder e que essa relação é assimétrica.
Para Foucault (1982) o poder do Estado é individualizante e totalizante, ele constitui
determinada forma de agir e de pensar que nos é transmitida através de instituições
disciplinares (escola, prisão, hospício, exército), sem necessariamente agir de forma abrupta
e coercitiva. Nesse sentido o poder:

[...] é um conjunto de ações sobre ações possíveis, ele opera sobre o campo
de possibilidade onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos; ele
incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil, amplia ou limita, torna mais ou
menos provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente, mas é sempre
uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem
ou são suscetíveis de agir. Uma ação sobre ações(FOUCAULT, 1982, p.240)

Na sociedade medieval era necessário diferenciar o poder do Estado do poder da Igreja. O


primeiro detinha o poder de coagir e o segundo de ensinar: … ao Estado o direito e o poder

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exclusivo de exercer a força física sobre um determinado território, deixando à igreja o direito
e poder de ensinar (BOBBIO, 1987, p.80).
Foucault (1982) nos diz que no século XVIII, o poder de dirigir as consciências que era
delegado a igreja , chamado de poder pastoral, é incorporado pelo Estado ou pelo menos
por algumas instituições públicas, mas não para fins religiosos e sim para o governo e
administração dos sujeitos.

10.1 Teorias contemporâneas sobre o poder

Fonte: https://br.freepik.com/vetores-gratis/conceito-de-ilustracao-multirraciais-de-punhos-levantados_8816682.htm#page=1&query=poder&position=37


Segundo Bobbio (1987) podemos classificar as teorias do poder em três grupos:
substancialista, subjetivista e relacional. Na primeira perspectiva o poder é encarado como
algo que se possui, como um bem que se usa, conforme interpretou Hobbes “ o poder de
um homem consiste nos meios de que presentemente dispõe para obter qualquer visível
bem futuro”. (BOBBIO, 1987, p. 77)
Nesse sentido, Hobbes possui uma visão substancialista, pois, para ele o poder depende
da concentração dos meios utilizados, ou seja, dá força para se obter determinado domínio.
A concepção substancialista é vertical, hierárquica e assimétrica, nessa perspectiva o poder
opera fundamentalmente pela coerção, pela força, pela violência, o que implica de outro lado
a desapropriação do outro.

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Já Locke, concebe o poder como um atributo da capacidade do sujeito de gerar determinados


efeitos. Essa concepção é apropriada por juristas para defender o direito subjetivo e aproxima
Locke dos subjetivistas (BOBBIO, 1987). No pensamento político contemporâneo, a concepção
subjetivista pode ser encontrada com o sociólogo norte-americano Talcott Parsons (1902-
1979) para quem o que determina a coerção não é a violência, mas a tradição, costumes e
crenças, a autoridade repousa no entendimento do bem comum.
O poder depende da disposição de recursos por parte do proprietário para determinar
o comportamento do outro. O critério adotado pelas duas perspectivas é a posse, seja de
força, riqueza e sabedoria, três tipos principais de poder social, distinção constante nas
teorias contemporâneas .O primeiro é de natureza política, o uso das armas, o segundo é
de natureza ideológica e o terceiro de natureza econômica (BOBBIO, 1987)
Contudo, na sociedade contemporânea tem-se adotado a perspectiva relacional, onde o
poder é entendido como uma ação de um sujeito que obtém um comportamento desejado de
outro. A relação de trabalho nos moldes que conhecemos é um exemplo disso, o proprietário
dos meios de produção possui o poder de exigir daqueles que não possuem que estes
trabalhem segundo as condições exigidas. A teoria marxista aproxima-se dessa abordagem.
Por exemplo, Robert Dahl (1915-2014) defendia que o poder depende da influência que
um sujeito exerce sobre os outros, fazendo com que ajam de determinada forma, sem a
qual não agiriam.
A perspectiva relacional também pode ser identificada em Max Weber e Michel Foucault,
para os dois pensadores, como definiu Foucault (1982), o poder é uma “ação sobre ações”, em
outras palavras, o poder é uma ação que induz um comportamento desejado pelo dominador.
Nesse sentido, o poder e as liberdades estão em campos opostos, o exercício do poder
implica a subtração da liberdade daquele que é submisso.

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AULA 11
A CONCEPÇÃO MARXISTA DE
ESTADO

Alguns filósofos do início do século XIX se preocupavam com as condições de vida


extremamente precárias dos trabalhadores das fábricas e passaram a questionar se de fato
a liberdade e a igualdade defendida pelo liberalismo político-econômico abrangiam todas as
pessoas de uma sociedade. Segundo esses pensadores, a sociedade decorrente da Revolução
industrial era injusta e contraditória, já que o aumento da circulação de riquezas promovida
pelo avanço da tecnologia não era acompanhada de uma melhor distribuição dessa riqueza.
Os primeiros filósofos a se dedicar a esse tema são chamados de socialistas utópicos.
Saint-Simon (1760-1825), por exemplo, reconhecia a desigualdade social como produto da
má distribuição da riqueza, mas acreditava no avanço da ciência como forma de superação
dos problemas políticos-sociais. Robert Owen (1771-1858), crítico do sistema capitalista,
acreditava na reforma do sistema produtivo e Charles Fourier (1772-1837) idealizou uma
sociedade comunitária.
Você pode perceber nesses autores a preocupação com a construção de uma sociedade
onde não exista a exploração do homem pelo homem. Contudo, suas propostas carecem
de uma explicação teórica e caracterizam-se por se tratar de uma visão romântica sobre
uma “sociedade ideal”.
Karl Marx desenvolveu aquilo que ele chama de filosofia da práxis humana, pois, segundo
ele, na sua célebre frase: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras;
porém, o que importa é transformá-lo” (MARX, 2007, p.539). Em parceria com seu amigo,
Friedrich Engels, Marx desenvolveu a teoria de que as relações humanas são determinadas
pelas relações de produção estabelecidas por meio do trabalho. Portanto, as ideias formam-
se na vida concreta e objetiva.

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Anote isso

Marx e Engels não acreditavam no liberalismo como algo que realmente se preocupava
em preservar a liberdade e a igualdade entre os homens, mas se tratava, na verdade, de
um sistema ideológico que defendia uma coisa, mas incentivava na prática outra. No
livro “Manifesto do Partido Comunista”, publicado em 1984, Marx e Engels desenvolveram
as bases do socialismo científico. Segundo eles, caberia à classe social oprimida, os
trabalhadores, a ação prática de transformar a sociedade capitalista em uma sociedade
socialista, cuja finalidade é encontrar o comunismo.
Fonte: Elaborado pela autora.

11.1 Marx e Engels e o Estado capitalista

Na sociedade capitalista, Marx e Engels identificam a classe social dos operários das
fábricas, chamada de proletariado, como a classe explorada, portanto, aquela que tinha a
missão de iniciar uma revolução contra a classe opressora - a burguesia. E aqui chegamos
a questão política da política e do Estado.
Marx e Engels entendem o Estado como uma esfera de poder da burguesia. Segundo eles,
o liberalismo político, ao privilegiar a classe dominante, faz com que a política seja conduzida
de acordo com os seus interesses, o que reflete nas esferas governamentais representadas
pelo Estado. As leis do Estado liberal, ao garantirem a preservação da propriedade privada,
serviam para legitimar a desigualdade social como algo juridicamente correto. Em suma,
a liberdade e a igualdade não passariam de mera ideologia em uma sociedade capitalista.
Assim, a função do proletariado é assumir o comando do Estado por meio de uma revolução,
a fim de desarticular os mecanismos burgueses de controle social. Marx e Engels observam
que a emancipação humana não coincide com a emancipação política descrita no Estado
liberal burguês. Eles reconhecem a divisão entre sociedade e Estado como produto do Estado
liberal burguês, mas apontam a necessidade dessa superação através da tomada do Estado
pelo operariado. Em a “Questão Judaica”, Marx ( 2010, p.40):

Onde o Estado político atingiu a sua verdadeira forma definitiva, o homem leva
uma vida dupla não só mentalmente, na consciência, mas também na realidade,
na vida concreta; ele leva uma vida celestial e uma vida terrena, a vida na
comunidade política, na qual ele se considera um ente comunitário, e a vida na
sociedade burguesa, na qual ele atua como pessoa particular, encara as demais
pessoas como meios, degrada a si próprio à condição de meio e se torna um
joguete na mão de poderes estranhos a ele. A relação entre o Estado político e
a sociedade burguesa é tão espiritualista quanto a relação entre o céu e a terra.

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O Estado proletário, chamado de “Ditadura do proletariado”, seria imprescindível para a


transição do capitalismo para o comunismo. No entanto, uma vez atingida a organização
social comunista, o Estado deveria desaparecer, uma vez que a fonte da desigualdade, a
propriedade privada, foi superada, não era mais necessário um intermediário.

Barricade The Paris Commune May, 1871. Andre Devambez, 1911. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris

Em 1871, ocorreu a primeira organização político-social baseada no socialismo científico


de Marx e Engels. A Comuna de Paris surgiu quando os operários de Paris tomaram o
poder político da cidade e implantaram uma série de reformas em prol do povo em seu
autogoverno, o primeiro ato foi as eleições universais. Entre elas, a proibição do trabalho
noturno, encurtamento da jornada de trabalho, ocupação e desapropriação de casas vazias,
separação da igreja e do Estado, educação gratuita, igualdade entre os sexos. A Comuna foi
reprimida e destruída dois meses depois da sua inauguração, mas as reformas implementadas
repercutiram.
A experiência mais duradoura de um Estado socialista aconteceu na Rússia, em 1917,
quando a Revolução de Outubro colocou no poder o Partido Bolchevique, liderado por Lênin.
Em 1922, formou-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que durou até
1991. Podemos destacar ainda a revolução de Mao Tse-tung, em 1949 na China. Na América
a experiência socialista mais notável aconteceu em Cuba, a partir da Revolução Cubana de
1959.

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As experiências concretas dos Estados socialistas são carregadas de contradições. No


entanto, as ideias socialistas assinalaram a necessidade de se repensar o Estado e a nossa
forma de organização política.

11.1.1 O Estado na perspectiva anarquista

Na metade do século XIX, o francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), contemporâneo


de Marx, desenvolveu a teoria libertária conhecida como anarquismo. A palavra anarquia
tem origem no grego e significa “sem governo”. No livro “O que é a propriedade?”, publicado
em 1840, Proudhon afirmou: “A propriedade é um roubo”. Segundo ele, a exploração da força
de trabalho é um roubo e cada um deveria ter o controle sobre os meios de produção que
utilizasse.
Assim como Marx, Proudhon via na propriedade privada o problema da desigualdade entre
classes e, por isso, fazia-se necessário aboli-la. A propriedade a qual Proudhon se refere
não é apenas a posse de bens materiais, mas a capacidade de trabalho do operário que
é subtraída pela exploração e pela sua condição de despossuído dos meios de produção.
Dessa forma, esses pensadores colocam-se contra a doutrina liberal, já que um dos seus
principais fundamentos é a defesa da propriedade privada. Porém, Proudhon se distanciou
dos marxistas em relação a solução dada para a construção de uma sociedade justa, pois,
ele entende que qualquer forma que o Estado adquira é prejudicial para a sociedade.
Proudhon vê o Estado como um problema a ser superado, porque o Estado constitui-
se na ordem burguesa e coloca-se sempre acima das pessoas. Marx também acredita na
superação do Estado, mas para os anarquistas o Estado não é uma etapa do autogoverno
comunista e sim a sua completa destruição.
Na perspectiva anarquista, toda e qualquer forma de Estado deve ser abolida. Segundo
Proudhon, enquanto houver Estado persiste a dominação de um homem sobre o outro. Existe
uma confusão na sociedade sobre o termo anarquia, confundido com desordem, baderna.
A anarquia, no entanto, está longe de ser isso. Os anarquistas defendem a liberdade,
mas não a liberdade burguesa fruto do traduzida pelo pensamento liberal, defende-se a
liberdade plena de ser governado por si próprio, o que não quer dizer a ausência de regras.
No entanto, as regras devem ser construídas pelas pessoas diretamente que compõem a
sociedade de forma esclarecida, de forma que cada um participe do processo de tomadas
de decisões, sem ser representado. Essa sociedade deveria se apoiar no mutualismo, ou
seja, na cooperação entre as pessoas na forma de associações, sem espaço para as ideias
liberais e para a propriedade privada.

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As ideias de Proudhon influenciaram outros pensadores como o russo Mikhail Bakunin (


1814-1876), uma das mais importantes expressões do anarquismo, junto com Kropotkin (
1842-1921) e o italiano Errico Malatesta (1853-1932), também é importante lembrar o nome
da poetisa Louise Michel (1830-1905) e Emma Goldman (1869-1940). As ideias anarquistas
foram trazidas para o Brasil no final do século XIX, especialmente por imigrantes italianos.
Por fim, há uma grande divergência entre a concepção marxista de Estado e a perspectiva
anarquista. As duas, no entanto, compreendem a necessidade de transformação da sociedade
e de superação da estrutura social vigente.
Há ainda uma outra vertente, conhecida como social-democrata, que se coloca entre o
pensamento liberal e as ideias marxistas. A social-democracia, desenvolvida na passagem do
século XIX para o século XX, especialmente pelo alemão Karl Kautsky (1854-1938), defende
que a sociedade socialista pode ser alcançada sem a necessidade de uma revolução e um
rompimento abrupto com o Estado capitalista, mas por meio de reformas e conquistas
políticas na forma de uma evolução democrática. Como, por exemplo, através da participação
política da classe trabalhadora por meio da aquisição de direitos. A luta se daria em torno
de mudanças na legislação que permitiriam a classe oprimida compor o Estado e corrigir
a desigualdade.
Na social-democracia compete ao Estado a defesa dos direitos básicos, a garantia da
educação, da saúde, moradia, além do direito da classe trabalhadora ser representada por
meio dos sindicatos. A livre concorrência não é considerada um problema, o Estado deve
intervir na economia assegurando um equilíbrio entre os interesses do capital e da população.

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AULA 12
ESTADO CONTEMPORÂNEO

O Estado contemporâneo é a formação histórico-social atual, resultado de diferentes crises


e rearranjos estruturais. Na nossa sociedade, podemos notar que a disputa entre as ideias
socialistas e liberais continuam a gerar debates sobre os rumos que o Estado deve tomar.
No início do século XX, as experiências socialistas e a crise do capital colocam em evidência
as dificuldades práticas do Estado liberando. Os eventos que se seguem nesse período e
as suspeitas aos projeto político-econômico liberal, levam a uma reorganização do Estado.
O resultado prático do abandono das ideias liberais é a construção do Estado do bem-
estar social, que em contraposição ao princípio liberal da não intervenção, passa a promover
reformas e ocupar cada vez mais espaço enquanto órgão regulador do campo social, político
e econômico.
Por fim, o declínio do Estado do bem-estar social faz ressurgir o liberalismo com uma
expansão da doutrina econômica e política para o campo social. Vamos examinar isso mais de
perto, começando pelos motivos que levaram ao surgimento do Estado do bem-estar social.

12.1 Estado do bem-estar social e a crise do liberalismo

A fotografia Migrant Mother, de Dorothea Lange, apontada pela revista Life


como uma das 100 Fotografias que Mudaram o Mundo.[1] Uma das fotos
estadunidenses mais famosas da década de 1930, mostra Florence Owens
Thompson, mãe de sete crianças, de 32 anos de idade, em Nipono, Califórnia,
março de 1936, em busca de um emprego ou de ajuda social para sustentar sua
família. Seu marido havia perdido seu emprego em 1931, e morrera no mesmo
ano. FONTE: https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%C3%A3o

No início do século XX a sociedade passa por profundas transformações que colocam


em cheque o Estado liberal. Apesar das críticas dos socialistas, anarquistas e dos social-
democratas, o liberalismo político-econômico predominou nos países europeus e americanos
até as primeiras décadas do século XX. No entanto, a crítica marxista estimulou a experiência
da Revolução Russa em 1917 em contraste com a doutrina liberal e o Estado capitalista.

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O liberalismo sofreu um forte impacto com a crise de 1929 que teve seu epicentro nos
Estados Unidos com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Após a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) os Estados Unidos tornaram-se uma potência mundial, posição que
era ocupada pela Inglaterra em decorrência da Revolução Industrial no século XVIII. No
pós guerra o desenvolvimento industrial americano foi enorme, criando expectativas sobre
a capacidade de consumo da população.
Porém, a superprodução criou um desequilíbrio na balança econômica desafiando
o princípio liberal do laissez-faire. A crise de 1929, chamada de crise de superprodução,
atingiu praticamente todos os países capitalistas, pois, de uma forma ou de outra, todos
tinham relação com os Estados Unidos. No Brasil, a crise de 1929, levou a uma política
intervencionista, ao fortalecimento da soberania nacional e a industrialização da sociedade
brasileira, promovendo avanços na legislação trabalhista.
Com o agravamento da crise os Estados Unidos se viram obrigados a abandonar, em
certa medida, a premissa liberal da não intervenção na economia, por meio de uma política
de intervenção estatal os Estados Unidos realizou uma série de transformações econômicas
e sociais. O projeto intervencionista foi realizado pelo presidente americano Franklin Delano
Roosevelt e sua política econômica ficou conhecida como New Deal.
O New Deal (investimento maciço em obras públicas, destruição dos estoques de gêneros
agrícolas e na diminuição da jornada de trabalho) foi um pacote de medidas econômicas e
liberais que colocavam em prática as ideias do economista John Maynard Keynes (1883-
1946). Para Keynes, a crise de 1929 não era uma crise de superprodução, mas uma crise
de retração de demanda, ou seja, de diminuição da capacidade de consumo da população.
Keynes, identificou a necessidade do Estado agir para recompor a renda da classe trabalhadora
e garantir o consumo.
O Welfare State (Estado do bem - estar social) desenvolveu-se através das medidas de
fortalecimento das instituições políticas frente ao mercado. Dentre as medidas desenvolvidas
pelo Estado do bem-estar social podemos destacar: o investimento em seguridade social,
avanço dos direitos trabalhistas, criação de empresas estatais, industrialização, saúde e
educação como um bem público e a promoção de políticas sociais. As propostas keynesianas
tornaram-se estruturais.
O Estado do bem-estar social tornou-se uma fórmula universal, ganhando espaço,
especialmente, nos países escandinavos, como na Suécia, Dinamarca e Noruega. O Estado
do bem-estar propiciou, de um lado, o desenvolvimento da economia capitalista, de outro, um
equilíbrio das desigualdades sociais, por meio de políticas públicas e sociais, especialmente,

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voltadas para o setor trabalhista. Contudo, isso não representou uma ruptura com o pensamento
liberal, mas um acordo entre classes.
A classe operária é reconhecida como agente político, adentrando o Estado através da
formação dos partidos de massa. A ideia de que a crise do capital levaria a revolução socialista
foi deixada de lado, enquanto alimentava-se a perspectiva de que as ideias socialistas deveriam
invadir o Estado. É o momento em que a classe operária Europeia organiza-se em grandes
partidos de massa e vende as eleições, formando uma coalizão. Ganhos para o mercado
e ganhos sociais, sem romper estruturalmente com o liberalismo e com o capitalismo. O
acúmulo é protegido pela camada da proteção social. Em síntese, o Estado do bem-estar
social faz um rearranjo entre a esfera econômica e o cultural. O Estado do bem-estar social
não deixa de ser um Estado capitalista, ele necessita do desenvolvimento interno, da indústria.
O Estado do bem-estar social também foi uma resposta ao socialismo soviético.
Em 1970 o Welfare State entra em crise, especialmente, após a crise do petróleo em 1973.
O momento é também conhecido como pós-fordismo, pela introdução de novas tecnologias e
aumento da flexibilidade do mercado. O novo arranjo produtivo acarretou a perda do consumo
de massa, gerando desemprego estrutural. De um lado, os trabalhadores sofrem com o
aumento do desemprego nas fábricas e a mão-de-obra fabril não consegue ser absorvida
pelo setor de serviços. Por outro lado, o capital demandou cada vez mais investimentos em
tecnologia e a diminuição das taxas de juros. A iniciativa privada passa a considerar onera
a manutenção das políticas públicas. Crise fiscal.
A crise do Estado do bem-estar social é também uma crise de legitimidade do Estado,
que passa a ter dificuldade de justificar os gastos sociais diante do aprofundamento das
desigualdades e da miséria. Lembrando que o pensamento liberal não passou adormecido
esse tempo todo, a crise levanta questões sobre o intervencionismo estatal. Diante desse
cenário emerge o pensamento neoliberal que atualiza o pensamento liberal clássico, trazendo
novos elementos como a crítica às políticas sociais e a diminuição dos direitos trabalhistas.
Vale lembrar que o Estado é em sua concepção uma instituição intervencionista, criada
para administrar os conflitos que emergem do campo social. Esse foi o papel do Estado do
bem-estar social e sua crise surge justamente quando ele perde a capacidade de gerir as
tensões entre as classes sociais e de manter sua estabilidade. Sobre esse assunto, confira
a fala do professor Silvio Luis de Almeida.

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Isto acontece na prática

O Estado de bem-estar social: Real ou Ilusão?


Entrevista do Silvio Luiz de Almeida para o Canal da Casa do Saber.
FONTE: https://www.youtube.com/watch?v=TcdqGHbIWds

12.1 O neoliberalismo

A crise do Welfare State reviveu as ideias liberais levando a uma nova reestruturação do
Estado, em termos econômicos e sociais. A perda de capital pela iniciativa privada faz com
que o setor critique os custos das políticas sociais, já que o dinheiro para pagamento dessas
políticas eram retirados das altas taxas de juros pagos pela iniciativa privada. Em decorrência
disso, a iniciativa privada diminui os investimentos, gerando alto índice de desemprego.
O neoliberalismo defende a não intervenção do Estado não apenas na economia, mas
também no campo social. Os direitos trabalhistas passam a ser vistos como um empecilho
que oneram os empresários e desestimulam os investimentos. Não é atoa que os neoliberais
criticam os sindicatos, pois estes representam os interesses dos trabalhadores.
Diante disso, os neoliberais defendem que o papel do Estado deve ser reduzido ao mínimo,
restringindo-se a manter a estabilidade por meio do controle da inflação e de uma política de
juros que mantenha a moeda do país estável. O neoliberalismo defende ainda o enxugamento
da máquina pública, a privatização das empresas estatais, e o corte nos direitos trabalhistas.
O entendimento dos neoliberais é que existe uma correspondência entre a liberdade
econômica e liberdade política e que as duas combinadas é a melhor forma de se aumentar a
riqueza, qualquer entrave à liberdade deve ser retirado. Mas, os neoliberais não compreendem
que a distribuição da riqueza é papel do Estado, porque na concepção liberal é pautada no
mérito, onde cada indivíduo recebe aquilo que produz.
Nessa perspectiva, as desigualdades sociais não são vistas como problema e nem como
produto da política, mas como resultado do sucesso ou fracasso individual, já que para
os neoliberais as condições de se produzir riqueza estão dadas no mundo e basta cada
indivíduo buscar.
O pensamento neoliberal encontra justificação teórica nas ideias de Hans Kelsen (1881-
1973), Ludwig Von Mises (1881-1973), Friedrich Hayek ( 1899-19920) e Milton Friedman (1912-
2006). Hayek, por exemplo, defende a liberdade econômica como meio para se chegar a uma
sociedade verdadeiramente livre, onde cada indivíduo desfruta da sua liberdade individual

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por meio da economia, a crítica dirige-se principalmente ao Estado intervencionista, cujo o


papel deve ser novamente restrito a segurança das liberdades individuais, em outras palavras,
ao livre mercado.
As reformas neoliberais foram colocadas em prática em 1980 na Inglaterra através da
primeira-ministra Margaret Thatcher e nos Estados Unidos pelo presidente Ronald Reagan.
Enquanto a União Soviética entrava em colapso, o sistema capitalista via-se revigorado pelas
estratégias neoliberais. A partir do Consenso de Washington em 1989, as medidas neoliberais
ganham dimensão global. No Brasil, a reforma da previdência e as reformas trabalhistas em
2019 e 2010 são reflexos da política neoliberal.
A globalização, o avanço das tecnologias e a expansão do neoliberalismo trouxe novos
entraves para o Estado contemporâneo. Contudo, é possível observarmos que as reformas
neoliberais não diminuem as taxas de desemprego e muito menos conseguem esconder os
conflitos entre os grupos sociais. Desde então, o Estado vem enfrentando crises periódicas
que colocam em questão a sua legitimidade.

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AULA 13
SISTEMAS DE GOVERNO

Em aulas anteriores vimos o que são formas de governo e regimes políticos, termos muito
confundidos quando falamos de política. As formas de governo dizem respeito à forma
como o Estado e a sociedade são administrados, já os regimes políticos são a forma como
o poder está distribuído.
Nesta aula, vamos conhecer um pouco mais sobre outro conceito da política, os sistemas
políticos. Vale ressaltar que o que chamamos aqui de sistema de governo, alguns teóricos
políticos como Norberto Bobbio (1904-2004) chamaram de formas de governo.
O sistema político ou sistema de governo é o modo como os poderes se relacionam, ou
seja, qual a relação entre executivo e legislativo. Em outros termos, quais as regras que
regem essa relação. A estruturação do sistema político de cada país depende de fatores
internos e históricos da sua constituição.

Anote isso

Sistema de governo, em uma breve definição, caracteriza-se por um conjunto de regras


que determinam as relações entre o poder executivo e o poder legislativo. São eles:
presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo.
Fonte: Elaborado pela autora.

Os regimes democráticos podem ser governados por meio de dois sistemas: o


parlamentarismo e o presidencialismo. Vamos examinar como é o arranjo entre os
poderes nesses dois sistemas. Ainda podemos acrescentar um terceiro sistema que é o
semipresidencialismo, onde o presidente partilha do poder com o primeiro-ministro.

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Parlamento do Reino Unido. Fonte: https://www.politize.com.br/eleicoes-no-reino-unido-como-funcionam/

13.1 Parlamentarismo X Presidencialismo

O parlamentarismo firmou-se no final do século XIX, mas originou-se muito antes, quando
foi oficializado na Inglaterra as reuniões do parlamento. Em 1332, com a instituição do
sistema bicameral, o parlamento pode ser composto por dois grupos distintos, os nobres e
os plebeus. No entanto, é somente no século XVIII que o sistema parlamentar ganha força
e adquire maiores poderes (STRECK, 2014).
No sistema parlamentarista os cidadãos votam nos membros do poder legislativo e os
membros do poder legislativo, por sua vez, votam no chefe de governo do poder executivo, o
chamado Primeiro Ministro. O voto no legislativo advém do povo que dá poderes ao legislativo
de escolher o chefe do executivo entre os parlamentares eleitos. Como assinala STRECK
(2014, p. 254)

Dessa forma, pode-se dizer que o governo parlamentar caracteriza-se


genericamente por uma dualidade entre chefia de governo e chefia de Estado,
detendo este – monarca ou presidente da república – a representação do Estado
e aquele – Primeiro Ministro ou Chanceler – o comando das decisões políticas
ou a função executiva. Ao chefe de governo impõe-se responsabilização política

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através de voto de desconfiança ou de confiança – podendo-se, ainda, referir,


no caso alemão, o chamado voto de desconfiança construtivo –, posto que
destituído de mandato. A partir desta última característica, pode-se manter ou
destituir o governo, o que ocorre também pela perda da maioria parlamentar,
podendo acontecer, em determinadas situações, a dissolução do parlamento
com a convocação de eleições gerais.

Sendo assim, o parlamentarismo apresenta uma colaboração entre os dois poderes,


legislativo e executivo. Outro traço deste sistema é que o poder legislativo exerce também o
trabalho de controle do executivo. O primeiro-ministro responde aos parlamentares sobre suas
ações que devem estar pautadas nas decisões da câmara e no consenso. Com base nisso,
o primeiro-ministro pode ser retirado a qualquer momento do cargo caso os parlamentares
julguem adequado.
Já o presidencialismo tem origem no sistema político americano do século XVIII, em face
da sua independência frente à coroa britânica. No presidencialismo, o poder está concentrado
na figura do presidente. Tanto os membros do parlamento como do executivo são escolhidos
por meio das eleições. No sistema presidencialista é mais difícil o chefe do executivo ser
retirado do seu cargo.
As eleições periódicas e a ampla participação da população no processo eleitoral são o
que garantem o funcionamento do sistema e o revezamento entre os governantes, para que
estes não assumam poderes autocráticos. O Brasil, por meio de um plebiscito realizado em
1993 decidiu adotar o presidencialismo e a República como sistema de governo.
Para entender como funciona o sistema presidencialista e o parlamentarismo, vamos
examinar qual atribuição de cada um dos poderes, resgatando algumas ideias que vimos
com o filósofo Montesquieu (1996). Você sabe qual é a função do presidente do Brasil? Ou
já pensou sobre o papel dos deputados em nosso país?
Os três poderes são formados pelo legislativo, executivo e judiciário. Ao poder legislativo
cabe a função de fazer as leis com base nos interesses comuns da população. Já o executivo
é responsável por aplicar as leis e o judiciário deve fiscalizar esse sistema, mantendo uma
harmonia entre os poderes.

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Fonte: https://www.politize.com.br/separacao-dos-tres-poderes-executivo-legislativo-e-judiciario/

No parlamentarismo a tensão entre os poderes é um pouco menor, porque o chefe do


executivo vê seus poderes limitados pelo parlamento. Já no presidencialismo, o chefe do
executivo tem poderes mais ampliados. Por exemplo, no Brasil, o presidente pode vetar um
projeto de lei e até mesmo propor legislações por meio de uma articulação com membros
do legislativo. Isso impõe algumas dificuldades para o bom funcionamento do sistema,
que nem sempre opera de forma harmoniosa. Lembrando que harmonia não é sinônimo de
consenso, ela está mais relacionada ao bom funcionamento dos poderes.
O sistema de governo brasileiro possui algumas particularidades. O termo presidencialismo
de coalizão foi criado pelo cientista político brasileiro Sérgio Abranches, em 1988, para
caracterizar o sistema político brasileiro. Para governar, o presidente precisa fazer acordos
com os partidos e parlamentares em troca de apoio político para os seus objetivos. Esses
acordos se dão principalmente por meio da oferta de cargos políticos para compor o poder
legislativo.
Contudo, seja o parlamentarismo ou o presidencialismo, a democracia representativa
impõe dificuldades à participação política. O poder político ainda parece reservado a uma
elite política ou a políticos especializados que buscam acordos para favorecer seus interesses
privados. A situação leva a crer que o sistema está em crise. Afinal, como garantir a participação
política de todos na política?

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AULA 14
O SISTEMA PARTIDÁRIO

Em um regime democrático, todos devem poder expor suas ideias para os demais cidadãos.
Mas, como fazer isso? Por exemplo, digamos que você tenha uma proposta de lei ou a ideia
de implantação de alguma política pública. Como fazer para que os demais cidadãos ouçam
o que você tem a dizer?
Uma alternativa é você se associar a demais pessoas que tenham ideias parecidas com
você para poder ampliar sua influência. Com o avanço da sociedade moderna e o crescimento
populacional, a participação direta de todos os cidadãos na política torna-se mais difícil. A
ideia por trás do partido é que os cidadãos com interesses comuns criem associações e
a partir deles possam ter seus interesses representados a fim de disputar o poder político.

Anote isso

Os partidos políticos são uma forma de agrupação moderna. O sistema partidário surge
através das reivindicações do povo pelo direito de participar das instâncias decisórias
do Estado. Sempre houve na história grupos disputando o poder, com a formação do
Estado moderno a disputa passou a se dar pelo controle do Estado. Podemos definir
os partidos políticos como associações que tem por objetivo disputar o poder político.
Fonte: Elaborado pela autora.

A liberdade e a participação política são elementos fundamentais dos regimes democráticos.


A partir do pensamento liberal e da formação dos parlamentos deu-se início a criação do
sistema partidário. O Brasil vive uma situação muito particular em relação ao sistema
partidário, marcado pela fragmentação dos grandes partidos e pela polarização.

Isto está na rede

O que são partidos políticos? - Escola Virtual de Cidadania (Câmara dos Deputados)
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Xsn3s_UpUFo

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14.1 Como surgiram os partidos modernos?

A disputa política pelo poder sempre acontece e se configurou de diferentes formas ao


longo da história. Durante o Estado absolutista, a burguesia e o povo fizeram frente ao
poder absoluto do monarca. Mas, diferente da monarquia que fazia uso da violência para
preservação do poder, a burguesia ascende ao como do Estado por meios mais burocráticos,
como a formação dos partidos e a instituição do parlamentarismo.
Os partidos políticos surgem na passagem do século XIX para o século XX, quando a esfera
política adquiriu certa autonomia em relação à moral e ao domínio religioso; no contexto dos
movimentos de massa e do estabelecimento da democracia representativa.
À medida que o voto foi tornando-se mais abrangente e que as reivindicações da classe
popular foram ganhando força, outros autores entraram em cena para disputar o poder no
sistema partidário, como trabalhadores, mulheres e a população negra escravizada.
Uma das características da política moderna é a questão do consentimento e da legitimação
do poder pelo pacto social, pelo povo. O sistema partidário contribui para a legitimação do
Estado, pois abre espaço para a discussão política dos interesses de diferentes grupos que
compõem a sociedade, ampliando a participação política dos cidadãos, conforme requerido
Rousseau.
Mas, se por um lado, os espaços políticos foram abertos para as demais camadas da
sociedade, por outro, a emergência de uma elite política ao poder, instalada no parlamento,
dificultou a entrada efetiva do povo na administração do Estado.
O processo de reconhecimento do povo como agente político é resultado de uma intensa luta
pela ampliação dos direitos de participação na esfera política. Um dos primeiros movimentos
que podemos destacar nesse sentido, é o movimento cartista que ocorreu na Inglaterra no
século XIX, entre 1837-1848.

Um motim cartista em Londres. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cartismo

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O Cartismo foi o primeiro movimento de massa das classes operárias da Inglaterra, para
exigir melhores condições de trabalho. A Revolução Industrial havia agravado a situação
dos trabalhadores que eram obrigados a cumprir extensas horas de trabalho em situações
precárias e com baixos salários. O movimento leva esse nome por conta da Carta ao Povo,
documento escrito por William Lovett e Francis Place, em 7 de junho de 1837, em Londres
e encaminhada para o parlamento Inglês em 1838.
O documento exigia direitos básicos à participação política da classe trabalhadora, como
o sufrágio universal masculino, voto secreto e eleições anuais. Apesar das tentativas, o
movimento foi duramente reprimido e suas reivindicações rejeitadas pelo parlamento, no
entanto, as ações contribuíram para o fortalecimento do movimento operário que ao final
de 1848 conquistou alguns direitos trabalhistas e políticos, colocando em prática a própria
organização como partido.
Nesse contexto, a disputa pela participação no sistema partidário ganha grande importância
para as classes populares, como um canal de diálogo com o governo. Os partidos políticos
possuem o papel de fazer a mediação entre sociedade e Estado, seu papel é interpretar a
vontade política dos cidadãos e viabilizar a sua implantação. Vamos examinar a definição
de partidos de Max Weber:

Segundo a famosa definição de Weber, o Partido político é “uma associação... que


visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’ como a realização de um plano com
intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios,
poder e, conseqüentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então voltado
para todos esses objetivos conjuntamente (BOBBIO; MATTEUCCi; PASQUINO,
1998).

Segundo a definição de Weber, o partido político se define pelo seu caráter associativo. De
acordo ainda com o sociólogo, os partidos podem estar voltados para interesses individuais
ou para os objetivos do coletivo. Podemos observar essa contradição na nossa sociedade,
principalmente, em cidades pequenas, onde os laços pessoais são mais valorizados pelos
eleitores na hora de escolher seus representantes.
Ao mesmo tempo em que o sistema partidário permitiu ao povo o reconhecimento de
duas demandas e espaço para o debate político, o modelo representativo impôs limites à
participação direta da população nas instâncias decisórias da política. O modelo representativo
reflete as ideias liberais, restringindo a participação política. É possível comprovarmos isso
historicamente, examinando a luta histórica de diferentes grupos sociais, como das mulheres
pelo direito ao voto.

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Isto acontece na prática

O filme “As sufragistas” (2015) mostra a luta histórica das


mulheres pela participação política e por direitos.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=e88IJJv7PLQ

O esquema partidário também cria uma distinção entre governantes e governados, onde
os primeiros gozam de status privilegiado. O princípio das eleições representativas valoriza
a manutenção da elite no poder. O partido é o canal de comunicação entre eleitores e
representantes. No contexto de sua implementação, ele exerce duas funções: mediação e
contenção.
Na perspectiva liberal é ao mesmo tempo um canal de comunicação e uma forma de
proteção contra o excesso de poder do Estado e contra a revolta coletiva. Os representantes
possuem certa autonomia em relação aos eleitores e para que não se torne uma oligarquia,
o esquema prevê liberdade de manifestação pública.
De acordo com Maurice Duverger (1917-2014), a disputa política partidária divide-se em
dois grandes blocos. O bloco mais à esquerda, que busca a proteção dos mais pobres, onde
estariam os socialistas, e o bloco localizado à direita, que faz o papel de contenção do Estado
para que ele não interfira na economia, representado pelos liberais.
Um exemplo disso é a situação dos Estado Unidos, onde o Partido Democrata coloca-
se mais à esquerda no espectro político enquanto o Partido Republicano representa os
interesses dos liberais e conservadores. Na Inglaterra a divisão é mais clara, entre o Partido
conservador (direita) e o Partido Trabalhista (esquerda).
No Brasil, mesmo com o aumento da fragmentação partidária e da formação crescente
de pequenos partidos voltados a interesses privados, é possível reunir esses partidos em
dois grandes blocos. Contudo, isso não quer dizer que há uma hegemonia entre as ideias
desses diferentes partidos, pode acontecer de um partido localizado à esquerda vote em
favor dos interesses da direita e transite entre esses dois blocos.

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Por fim, vale lembrar que a disputa política é também uma disputa das ideias, o filósofo
Antonio Gramsci escreveu sobre isso, a luta pelo poder, segundo Gramsci, é também uma
luta pela hegemonia, ou seja, pela dominação ideológica da população.

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AULA 15
REGIMES POLÍTICO: A
DEMOCRACIA EM DEBATE

Vimos em aulas anteriores que o conceito de democracia tem origem na Grécia antiga.
A origem da palavra grega é uma junção de dêmos que significa “povo” e Kratia que remete
a governo. Em outras palavras, o termo democracia pode ser traduzido como: “governo do
povo”. Ao longo do tempo, a definição do conceito adquiriu novas interpretações.
A partir da ascensão do liberalismo, o respeito às liberdades individuais tornou-se um
critério para definir se um governo é ou não democrático. Além disso, o sistema representativo
inseriu novas dificuldades para o exercício do regime democrático nos moldes da Grécia
antiga. Com o sistema representativo, onde um grupo é eleito pela a população para compor
o governo do Estado, a participação política foi restringida.
O “governo do povo” passou a ser o “governo de alguns”, todos podem participar da
esfera política, mas apenas indiretamente, já que as decisões políticas são tomadas por
representantes eleitos. Desse modo, o pensamento liberal conseguiu afastar a ascensão da
massa trabalhadora vista como uma ameaça às conquistas da burguesia.
Segundo Sartori (1994), o que diferencia o liberalismo da democracia é que o primeiro
busca a defesa da liberdade e o segundo corresponde à igualdade. Mas a igualdade no
pensamento liberal é apenas assegurada de maneira formal:

Quando puxamos o fio liberal, nem todas as formas de igualdade desaparecem;


mas a igualdade liberal em si pretende promover, acima de tudo, através da
liberdade, a aristocracia do mérito. O liberalismo, enquanto tal, toma cuidado
de não conferir mais que a igualdade jurídico-política por desconfiar de toda
igualdade concedida gratuitamente de cima (SARTORI, 1994, p.167)

Outra dificuldade que soma-se à definição de democracia é o termo “povo”. De acordo


com Sartori (1994), “povo” não deve ser confundido como sinônimo de “todo mundo”, mesmo
na antiguidade clássica era possível encontrar formas de diferenciação entre governantes
e governados.

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No “Dicionário de política”, Bobbio e demais autores (1998, p.1085) definem o termo regime
político como o “conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício,
bem como a prática dos valores que animam tais instituições”.
O regime político depende, portanto, da estrutura do governo, de como se organizam as
classes para disputar o sistema político. Segundo essa definição, existe uma correspondência
entre valores e regime, ou seja, o regime refletem as ideias e forma de funcionamento do
governo que está no poder de dirigir o Estado.
A diferença entre regimes políticos na atualidade é explicada pela forma como se organiza
e agem os três poderes, ou seja, como o poder está distribuído. Em razão disso, Alvarez e
companhia (1997), estabelecem três critérios para definição de um regime democrático:

• Eleição do chefe do executivo por meio do voto;


• Eleição de membros do poder legislativo pelo povo;
• Mais de um partido participa da disputa política.

Portanto, a possibilidade do governo ser eleito e também de perder as eleições é uma


característica fundamental para o funcionamento do regime democrático.
Robert Dahl sugere uma diferenciação entre democracia antiga e democracia moderna,
para se referir a democracia na modernidade, Dahl sugere o termo poliarquia, cujo aspecto
fundamental é a permissão da oposição, da competição entre oponentes. Além desse
critério, a poliarquia depende de um sistema eleitoral em pleno funcionamento que garanta
a participação política dos cidadãos.

Anote isso

Os dois critérios fundamentais da poliarquia são: a contestação pública (liberalização)


e o direito de participação (inclusividade). Quanto mais próximo desses critérios, o
governo pode ser considerado uma poliarquia.

Em tradução literal, o termo poliarquia significa o “governo de muitos”. O autor utiliza o


termo para se referir às condições necessárias para a democratização.
Com base nisso, temos o seguinte quadro:

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Fonte: DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (2005, p.29).

Vamos analisar a imagem. Nas palavras do autor:

A democracia poderia ser concebida como um regime localizado no canto


superior direito. Mas como ela pode envolver mais dimensões do que as duas
da figura 1.2, e como (no meu entender) nenhum grande sistema no mundo
real é plenamente democratizado, prefiro chamar os sistemas mundiais reais
que estão perto do canto direito de poliarquias. Qualquer mudança num regime
que o desloque para cima e para direita, ao longo do caminho III, por exemplo,
pode-se dizer que representa algum grau de democratização. As poliarquias
podem ser pensadas então como regimes relativamente (mais incompletamente)
democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes que foram
substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e
amplamente abertos à contestação pública (DAHL, 2005).

Nesse sentido, a democracia depende fundamentalmente da liberdade para disputa política


e de mecanismos para garantir a ampla participação da população.

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15.1 Autoritarismo e os regimes totalitários

Fonte: https://conhecimentocientifico.r7.com/regimes-totalitarios/

Não faltam exemplos na história de regimes que se desviaram dos preceitos democráticos
e foram tomados por líderes autoritários. A Alemanha nazista, o fascismo na Itália e a chegada
ao poder de Stálin na Rússia são exemplos de como dos efeitos do autoritarismo na política.
Esses regimes políticos marcam o século XX profundamente e são objeto de longos estudos.
Os governos autoritários são marcados pela intolerância à oposição política. Nos três
exemplos citados, as pessoas consideradas inimigas do governo eram perseguidas e
exterminadas. O sociólogo Theodor W. Adorno (1903-1969) liderou um grupo de pesquisadoras
para o estudo dos elementos psíquicos que levariam os indivíduos a assumirem posturas
fascistas, violentas, o resultado foi o livro de autoria coletiva “A personalidade autoritária”,
de 1950.
No livro, o estudo traçou o perfil psicológico dos indivíduos que subjetivamente teriam
uma predisposição a cumprir ordens de líderes autoritários, que teriam desde a infância
experimentando uma vida de subordinação e, por insegurança e medo, escolhem se identificar
com o líder autoritário. Isso explicaria porque durante o nazismo e o fascismo, muitos cidadãos
foram convenientes com o genocídio de milhões de pessoas.

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Isto está na rede

Entrevista de Flávio Ricardo Vassoler para a Casa do Saber. “A personalidade autoritária


como base do cotidiano”.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=zFRww4gkyw0

Outra autora que nos ajuda a compreender os regimes autoritários é a filósofa Hannah
Arendt (1906-1975). Arendt no livro “As Origens do Totalitarismo”, escrito em 1941, dedicou-se
a pensar a situação dos judeus e as características do nazismo ou as estruturas do regime
que levou a uma forma total de dominação.
Em outros termos, a autora procura entender como o Estado, instituição voltada para
manter as liberdades, converteu-se na negação da pluralidade, do direito e da justiça. Essa
conversão se dá, sobretudo, quando os interesses privados passam a dominar a esfera
pública, ou seja, quando os indivíduos estão voltados para seus próprios interesses e não
para o bem-comum. A crise da esfera pública, portanto, é o elemento fundamental dos
regimes totalitários.
O totalitarismo se apropria da massa dos indivíduos que estão isolados em seu interior.
A massa se coloca à disposição do líder, onde a propaganda e o culto à personalidade são
fundamentais para o convencimento da massa. O totalitarismo possui alguns traços como
o antissemitismo, imperialismo, terror permanente, controle total, o poder tirânico do líder.
Após o período da segunda guerra, o totalitarismo passou a ser visto como um regime
político. No Brasil, o período da Ditadura Militar possui características de um regime
totalitarismo onde foi implantada a restrição à participação política e a perseguição aos
inimigos do governo. Mesmo em países considerados democráticos, é possível que haja
governos que promovam medidas antidemocráticas e autoritárias.

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AULA 16
CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA

Você participa da política? O que significa participar politicamente? Como podemos


participar da política? Essas questões nos fazem refletir sobre a ação política. A ação política
é uma temática da teoria política que pode ter diferentes formas de abordagem teórica.
Atualmente, a sociedade tem vivido certa apatia política. As manifestações e formas
de reivindicações pela participação política também mudaram de perfil com o advento da
internet. Além disso, o próprio movimento de massa passou por transformações.
O movimento de massa pode ser descrito como uma forma de organização política popular.
Essa forma de organização surge no contexto da Revolução industrial, a partir da mobilização
dos operários para exigir melhores condições de trabalho. Na época, o movimento de massa
caracterizava-se pelas demandas da classe trabalhadora. Segundo a teoria marxista, a classe
trabalhadora é o agente político da revolução e, por isso, cumpre um papel fundamental de
mobilização contra o Estado e as medidas liberais.
Como dito em aulas anteriores, a sociedade é marcada pelo conflito, ou seja, pela tensão
entre os diferentes grupos que a compõem. A mobilização política é elemento fundamental que
revela essa tensão entre as diferentes camadas sociais. Contudo, na sociedade contemporânea
os movimentos sociais adquirem outro perfil, pois a classe trabalhadora deixa de ser vista
como um bloco único e homogêneo.
Outras demandas sociais como a desigualdade racial, de gênero e a violência policial,
motivam a mobilização política. Mas, a ação política não se restringe apenas à formação
dos movimentos sociais. Por exemplo, quando alguém cria uma petição na internet para
impedir a aprovação de uma lei, essa pessoa também está de alguma forma construindo
uma ação política.
Nesse sentido, podemos definir ação política como um tipo de ação que tem por objetivo
interferir na distribuição do poder do Estado. Esse tipo de ação pode partir de gestos individuais
que tem como motivo a mudança da realidade política ou de ações coletivas em movimentos
organizados.

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Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem-Viver. Fonte: http://www.onumulheres.org.br/areas-tematicas/lideranca-e-participacao/


Mesmo quando nos recusamos a participar da política, a recusa pode ser considerada
uma ação política. O jogo político depende do posicionamento dos membros da sociedade
em relação aos assuntos, direitos, leis que podem afetar o campo político. Por outro lado, a
mobilização social tem mais impacto, promovendo a participação política efetiva.

16.1 Movimentos sociais

Como dito anteriormente, os movimentos sociais são fundamentais para participação


política e para luta pela garantia de direitos. Os movimentos sociais são compostos por um
grupo de pessoas com a intenção de transformar algum aspecto da sociedade. De acordo com
a filósofa norte-americana Nancy Fraser, os movimentos sociais contemporâneos possuem
duas formas de luta: luta por redistribuição e luta por reconhecimento.
A luta por redistribuição busca corrigir ou eliminar injustiças no plano econômico e social.
No Brasil, o exemplo disso é a luta dos sindicatos, dos indígenas ou do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O MST reivindica a redistribuição das terras no país
concentradas nas mãos de grandes latifundiários.

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Marcha do MST em protesto pela reforma agrária em 2014. Fonte: https://mst.org.br/2014/02/12/16-mil-sem-terra-fazem-protesto-pela-reforma-agraria-em-brasilia/

Já a luta por reconhecimento é busca por correção no plano cultural, como a luta contra
a discriminação racial, contra a negação de direitos as pessoas LGBTQI+ e o combate à
violência de gênero. São exemplos dessas lutas, o movimento de mulheres, o movimento
negro e o movimento da comunidade LGBTQI+.
Os movimentos por reconhecimento buscam alterações na política do Estado. Por exemplo,
a mudança nas leis sobre o casamento civil, o reconhecimento do uso do nome social por
transexuais, a ampliação da participação das mulheres nos espaços formais da política,
mas parte importante da sua luta é a transformação cultural do pensamento da população
pelo seu reconhecimento enquanto cidadãos. Segundo Fraser, alguns movimentos como o
movimento feminista, possui uma luta bivalente, luta ao mesmo tempo por redistribuição e
por reconhecimento.

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Isto acontece na prática

O projeto da ONU “Democracia paritária” prevê diversas metas para o fortalecimento


da igualdade de gênero na participação política, através do apoio aos movimentos
sociais de mulheres. Os movimentos sociais de mulheres são plurais e refletem dentro
da demanda mais ampla por participação política, as demandas mais específicas de
cada grupo. Alguns dos objetivos do programa são:
Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades
para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica
e pública e adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção
da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos
os níveis são algumas das metas globais do Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) 5 – Igualdade de Gênero.
A ONU Mulheres promove a democracia paritária, um regime democrático justo e
inclusivo que permite às mulheres liderar e participar de forma substantiva e igualitária
da tomada de decisão, junto com os homens, para contribuir com a agenda pública
com perspectiva de gênero.
No Brasil, a ONU Mulheres apoia a participação política de mulheres em todos os espaços
de poder, formais e não formais, garantindo a sua diversidade e o fortalecimento dos
movimentos de mulheres e feministas: negras, indígenas, ciganas, rurais, jovens. Saiba
mais sobre democracia paritária.
Fonte: http://www.onumulheres.org.br/areas-tematicas/lideranca-e-participacao/

16.1.1 A luta pela cidadania

Ao longo da história, as lutas políticas aconteceram de diferentes formas. Na sociedade


moderna, uma questão que emerge é a definição de cidadania. Provavelmente, você deve
ter experimentado ou presenciado situações em que algumas pessoas parecem gozar de
mais direitos que as outras.
A cidadania está relacionada aos direitos e deveres de cada cidadão. Em situações em
que os direitos de um determinado grupo ou pessoa parecem restringidos ou até mesmo
inexiste, a própria cidadania está prejudicada. Um dos papéis dos movimentos sociais é
justamente a luta por direitos.
Em outros termos, cidadania é a condição de ser reconhecido como membro de um Estado
e desfrutar de direitos e deveres que regem a sociedade em que vivemos. De acordo com
Hannah Arendt (1989), cidadania é “o direito de ter direitos”, Arendt diz isso pensando nas
condições dos judeus durante o regime nazista. Desse modo, ter direitos garantidos pelo

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Estado é fundamental para a garantia do exercício da cidadania. A situação vivenciada pelos


refugiados hoje em dia, por exemplo, coloca milhares de pessoas à margem da cidadania, pois
muitas vezes não são reconhecidos como portadores de direitos nos territórios onde vivem.
Os direitos e deveres são fundamentais para a constituição da cidadania. Thomas Humphrey
Marshall (1983-1991), identificou três tipos de direitos que formam a cidadania moderna:

• Direitos Civis: Permitem o exercício das liberdades individuais. Por exemplo, a liberdade
de fazer contratos, negociações ou de se expressar livremente.
• Direitos Políticos: que permitem aos cidadãos participarem do exercício do poder, por
meio do voto e da livre organização.
• Direitos Sociais: que garantem aos cidadãos bem-estar e uma vida digna, como direito
à educação, à saúde, à moradia.

Para Marshall (1967, p.76), “A cidadania é um status concedido àqueles que são membros
integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito
aos direitos e obrigações pertinentes ao status”. Vamos fazer um exercício? A qual perspectiva
política esse pensamento está vinculado?
O pensamento de que a cidadania restringe-se à integração do cidadão com as leis é
parte das ideias liberais. Mas, podemos entender cidadania como algo mais abrangente que
perpassa a formação da consciência dos indivíduos sobre a vida política.

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CONCLUSÃO

A teoria política é um ramo da ciência política formado por diferentes perspectivas ou


correntes de pensamento acerca do funcionamento da política nas sociedades. O estudo da
teoria política é abrangente e envolve certa sensibilidade para as questões sociais.
Em um primeiro momento, vimos sobre a formação do pensamento político na antiguidade.
Nesse momento, o pensamento político estava conectado à reflexão filosófica e ao
entendimento da esfera política como algo conectado à sociedade. É a partir de Aristóteles
que a ciência política se torna uma forma de estudo autônoma e que a política passa a ser
compreendida como uma dimensão que possui racionalidade própria.
A transição para a sociedade moderna trouxe novas questões para o conhecimento político.
Os chamados contratualistas são um grupo de pensadores fundamentais para entendermos
como surge e funciona o Estado moderno, instituição política que nos governa até os dias
de hoje. A teoria liberal assinala os traços fundamentais do Estado e como essa instituição
opera na modernidade. Já a teoria marxista inspirada na crítica ao Estado e a teoria liberal,
busca a transformação da sociedade e até da sua estrutura política, propondo a abolição
do Estado.
Por fim, a organização do Estado moderno e o tema da participação política nos convida a
refletir sobre os rumos da sociedade contemporânea. A teoria política é de suma importância
para pensarmos nossa atuação tanto como sujeito quanto profissionais do serviço social. É
compreendendo como funcionam as estruturas políticas que podemos encontrar caminhos
para transformá-las, esse é o desafio ético do profissional do serviço social de acordo com
o seu juramento.

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ELEMENTOS COMPLEMENTARES

LIVRO

Título: Ciência Política


Autor: Paulo Bonavides
Editora: Malheiros
Sinopse: O livro é considerado um clássico da área jurídica.
O autor aborda de forma didática a Teoria Geral do Estado,
explorando as diferentes doutrinas políticas.

Título: Teoria Geral da Política


Autor: Norberto Bobbio
Editora: Gen Atlas
Sinopse: O livro reúne ensaios produzidos pelo autor
selecionado Michelangelo Bovero que expressam a análise
de Bobbio dos principais conceitos da teoria política.

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FILME

Título: A Onda
Ano: 2008
Sinopse: Rainer é um professor a quem foi designada a
tarefa de instruir seus estudantes de Ensino Médio sobre o
Estado Autocrático durante uma sessão às lições longas.
Um professor favorito entre as crianças, Rainer decide
deixar seus alunos desenvolverem o assunto e pede a eles
que construam sua própria autocracia. No entanto, quando
as crianças formam um Estado-nação similar com o da
Alemanha nazista, os professores não sabem o que fazer

WEB

O portal do Instituto Humanitas Unisino possui diversas entrevistas com autores da área da
ciência política e das ciências sociais que refletem sobre aspectos da política e da sociedade
contemporânea.
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FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 85


TEORIA POLÍTICA
PROF. LARISSA CRISTINA CLEMENTE VEIGA

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PROF. LARISSA CRISTINA CLEMENTE VEIGA

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