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São Paulo
2022
ANA LAURA SOUSA SILVA
Versão original
Dissertação apresentada ao
Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, para avaliação do curso
de primeiro semestre do bacharelado
em História.
São Paulo
2022
INTRODUÇÃO
A história primitiva e colonial de Cuba possui pouco destaque na historiografia
contemporânea e é negligenciada inclusive pelos próprios historiadores da ilha. No
entanto, possui grande importância no que diz respeito à constituição da população
cubana – mesmo que o traço de ascendência indígena seja ignorado ou renegado –
e das características enraizadas ao longo dos séculos. A história de Cuba tem como
principal elemento a violência, que é precedente ao domínio colonial, mas esteve
presente em todo o seu processo histórico desde sua origem até a
contemporaneidade.
Os povos pré-colombianos habitantes da ilha de Cuba já estavam acostumados a
viver com o sentido prolongado de perigo externo e incertezas por conta, além de
desastres naturais, das disputas territoriais travadas entre as diferentes etnias, em
constante migração na busca por melhores condições de vida. O assentamento dos
espanhóis na região, a partir da chegada de Diego Velásquez em 1511, exacerbou
dificuldades que aqueles povos já enfrentavam, levando-os a uma crise que os
forçaria a lutarem mais arduamente pela sobrevivência.
O grande símbolo da resistência indígena de Cuba é o cacique Hatuey, ele foi o líder
mais frequentemente mencionado em crônicas e se tornou ícone da população
nativa aborígene de Cuba, relembrado por todos que desejam agregar novas
interpretações à história da ilha. Acabou, no entanto, como nome de uma marca
popular de cerveja que sobreviveu à Revolução Cubana, o que é representativo para
o entendimento do destino que tiveram os povos pré-colombianos: o extermínio
motivado por interesses econômicos.
Este trabalho, portanto, sustenta-se no objetivo de analisar o papel da fonte primária
“Discurso do Cacique Hatuey” enquanto retrato de um período histórico que carrega
em sua interpretação um importante enclave de cunho ético: até onde a ação
espanhola nas Índias seria legítima?
.
CAPÍTULO 1: INFORMAÇÕES TÉCNICAS DO DOCUMENTO
1.1. AUTORIA: VIDA E OBRA DE BARTOLOMÉ DE LAS CASAS
O discurso que consta na fonte primária foi publicado pelo frei Bartolomé de Las
Casas (1474-1566), frade dominicano nascido em Sevilla, Espanha, apóstolo dos
indígenas que atuou como teólogo, político, jurista e cronista. Las Casas possui
grande importância para a historiografia da América Espanhola, ele se
autodenominava “procurador e protetor universal de todos os povos indígenas” e
seus escritos contribuíram mais do que qualquer outra história para forjar a opinião
mundial sobre a conquista espanhola, o que era sua intenção (BUENO, 1985).
Las Casas nem sempre condenou o sistema colonial. De início, desejava apenas
modificá-lo (BUENO, 1985) e inclusive criou um projeto denominado “Plano de
Reforma das Índias”, mas se deparou com enormes obstáculos que o levaram a
adotar posições radicais, impulsionando-o à mais completa intransigência. Segundo
o historiador Alonzo Imbert, o frei acreditava no apostolado e não na conquista. “Na
opinião dele, a Espanha só poderia justificar sua ação na América caso cumprisse a
missão de conduzir os índios à fé cristã”. O afastamento dessa determinação divina
era inaceitável e foi o que aconteceu quando os conquistadores se voltaram
avaramente para as riquezas das terras descobertas, praticando crimes e
barbaridades contra os nativos em nome do enriquecimento material.
Assim, de 1514 até o ano em que morreu, em 1566, Bartolomé de Las Casas lutou
firmemente contra o massacre provocado pelos colonizadores aos povos indígenas
da América. Fez dezenas de denúncias, protestos e pedidos, exigindo que os
indígenas fossem interpretados como verdadeiros proprietários dos reinos e terras
usurpados pelos espanhóis. Na prática, conseguiu duas vitórias (que sempre
considerou insuficientes): as novas leis promulgadas em 1542, que praticamente
encerraram o sistema de encomiendas, e as doutrinas jurídicas expostas na
Universidade de Salamanca que viriam a lhe garantir a vitória legal da polêmica
contra Juan Gines de Sepúlveda, partidário da “servidão natural” dos índios da
América.
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CAPÍTULO 2: HISTÓRIA PRIMITIVA DE CUBA
2.1. PRÉ-HISTÓRIA E GEOGRAFIA
Cuba é uma ilha integrante do imenso arquipélago do Caribe, e sua história reflete
essa realidade geográfica imutável. Lá habitaram alguns povos pré-colombianos,
sendo o povo mais antigo na ilha o guanahatabeye, imigrante dos territórios sul-
americanos que hoje formam a Venezuela e a Colômbia (GOTT, 2006). Indícios
arqueológicos sugerem que os guanahatabeyes foram empurrados para o oeste
pela chegada de duas ondas subsequentes de imigração: os taínos e os ciboneys,
que desempenhavam atividades de agricultura, cerâmica, coleta de alimentos e
caça. Irei me debruçar principalmente sobre os taínos ao longo desta análise, por se
tratar da etnia em destaque na fonte primária enquanto habitante dos arredores do
porto no qual os espanhóis desembarcaram pela primeira vez nas Antilhas. Os
taínos se assentaram na área compreendida entre as cidades de Baracoa,
Guantánamo e Punta de Maisí (TABÍO, 1966), todas situadas na Província de
Guantánamo, na costa sudeste de Cuba.
2.2. A CONQUISTA
Os espanhóis desembarcaram pela primeira vez em Cuba no porto de Baracoa, que
foi considerada pelo historiador Richard Gott como uma “escolha insensata dos
primeiros conquistadores, a quem talvez faltasse familiaridade com o terreno ou
alternativa”. É possível que eles tenham se deixado levar por Colombo, que viu o
lugar de passagem na sua viagem em 1492 e fez um relato apressado. O primeiro
assentamento espanhol permanente no Caribe foi estabelecido a leste de Cuba, no
porto de Santo Domingo, na ilha que chamaram de Hispaniola. Nicolás Ovando foi o
seu primeiro governante, em 1498, e incorporou os indígenas locais ao sistema de
trabalho forçado que se tornaria modelo para Cuba.
Somente em 1511 foi enviada uma expedição de Hispaniola para Cuba, Velásquez
tinha ordens de Diego Colombo (filho de Cristóvão e sucessor de Ovando) para
conquistar e se estabelecer na ilha, mas seus homens se depararam com uma forte
resistência indígena inflexível que perduraria por várias décadas. O primeiro líder
das forças indígenas de que falam as crônicas foi Hatuey, cacique ou chefe taíno
originário de Hispaniola.
Partiu para Cuba nos últimos dias de 1510, navegando a partir da costa noroeste de
Hispaniola, com três embarcações e um exército de 300 homens. Cruzando as 60
milhas do Canal do Vento, ele se estabeleceu em Baracoa, batizando-a de Nuestra
Señora de la Asunción. Recebido desde o primeiro dia com hostilidade, foi atrás do
líder indígena nas montanhas acima de Baracoa. Hatuey foi caçado, capturado e
queimado vivo.
Foi dito pelo próprio frei Bartolomé de Las Casas que, logo após a execução do
cacique Hatuey, os indígenas tentaram continuar a resistência, com a liderança
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passando às mãos de Caguax, um aliado de Hatuey, outro refugiado de Hispaniola.
Foram derrotados novamente por Velásquez, dessa vez com a ajuda de Pánfilo de
Narváez, antes conquistador de Valladolid e que se tornou efetivo da ilha cubana.
Eles reprimiram as forças nativas e mataram Caguax (GOTT, 2006). Os indígenas
imploraram por piedade aos espanhóis e outros participaram de uma onda de
suicídios, enforcando-se por desespero. Muitos fugiram para as montanhas e nunca
mais foram vistos, outros foram assassinados pelos conquistadores, até que em
toda a ilha de Cuba, não viram mais os índios, dando-os por exterminados.
Gott argumentou a favor de sua tese também com acontecimentos mais recentes,
como a viagem do antropólogo Stewart Culin, da Universidade da Pensilvânia, para
Baracoa em 1901, informado sobre a presença de “uma tribo de índios selvagens”, e
lá encontrou povoados com índios e mestiços que pôde fotografar. Gott informou
ainda que, posteriormente, no século XX, em 1945, Antonio Nuñez Jiménez,
geógrafo e revolucionário cubano, encontrou índios puros nos contrafortes da Sierra
Maestra e publicou a fotografia de um deles.
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Para Las Casas, no entanto, não era válido aplicar o adjetivo “bárbaro” aos
indígenas sem antes distinguir as diversas classes de barbárie que existiam no texto
aristotélico e na própria realidade. Estas eram, no mínimo, quatro, e ele as explicou
com detalhes em pelo menos três obras: na Historia de las Indias, em que narrou
sua controvérsia contra Quevedo, na Apología e na Apologética Historia.
Ele concluiu, a partir do estudo de Política, que “nem todos os bárbaros carecem de
razão nem são servos por natureza ou indignos de se governar a si próprios”. Seu
dizer era facilmente constatável na época: os índios viviam em grandes
agrupamentos com regimes políticos e sociais, tinham grandes cidades, reis, juízes
e leis; e tudo isso dentro de uma organização na qual havia comércio, compra,
venda, aluguel, e todos os tipos de contratos próprios do direito.
Las Casas acusou Sepúlveda de falsear contra os índios a doutrina de Aristóteles,
por ignorância ou maldade, e difamar os povos pré-colombianos para todo o mundo.
Através do estudo e da diferenciação entre os diversos tipos de barbárie, ele
destruiu os silogismos dos conquistadores e, apesar dos poucos resultados práticos
ainda naquela época, ele contribuiu grandiosamente para a formulação do
pensamento se desenvolveu nos séculos posteriores sobre os direitos humanos e os
direitos dos povos.
No entanto, nem mesmo Bartolomé de Las Casas esteve imune de críticas e
reinterpretações que tentaram deslegitima-lo, como no caso da historiadora
Consuelo Varela em sua introdução e notas em edição de Brevíssima Relación de
Destruición de las Indias. Varela, contudo, utilizou fontes de segunda mão sem
comprová-las, como demonstrado pelo mestre em Letras da Universidade Federal
do Pernambuco (UFPE), Juan Pablo Martín Rodrigues.
CONCLUSÃO
O discurso do cacique Hatuey tem como propriedade a denuncia direta dos crimes
cometidos pelos conquistadores espanhóis contra a humanidade. Foi publicado
ainda no século XVI, algumas décadas após a execução do líder indígena, mas
ainda hoje é relembrado com finalidade similar: a reinvidicação de direitos aos povos
oprimidos por regimes econômicos cruéis que ultrapassam todos os limites em prol
do enriquecimento. A questão indígena no Caribe foi pouco destacada pela
historiografia cubana, mas ao longo do aumento das lutas sociais em todo o mundo,
a história de Hatuey e de outros mártires é consagrada para além de Cuba.
Assim, torna-se possível a reinterpretação de uma história que, após 500 anos de
seu acontecimento, faz se urgente mais uma vez. As controvérsias que começaram
naquele contexto ainda hoje possuem pautas em aberto e encabeçam temas de
debates atuais, especialmente no que se refere a uma problemática que permeia a
história do mundo desde tempos muito distantes: as disputas étnico-raciais e as
tentativas de argumentação em prol da existência de uma “supremacia racial
(branca)”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de Cuba convém como um forte exemplo de como a busca avarenta por
riquezas, a custo de qualquer coisa, acaba em dor e destruição para a população
submetida à exploração.
E muito embora se fale a respeito da conquista espiritual como pautada na
religiosidade católica e nas crenças transcendentais, é necessário reconhecer os
aspectos econômicos que estiveram por trás das conquistas ultramarinas desde o
princípio. O próprio frei Bartolomé de Las Casas decepcionou-se com o rumo que
tomou a colonização espanhola por fugir do aspecto religioso enquanto extraía todas
as riquezas antilhanas sem mais justificar-se no cristianismo e inclusive utilizando a
Bíblia para mascarar os horrores que eram cometidos.
O senhor daqueles cristãos, não era mais um Deus transcendental, e sim o ouro.
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REFERÊNCIAS
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Press, 1996.
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Índias. 4 ed. Apresentação e notas. Porto Alegre: L&PM, 1985.
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2006.
GUTIÉRREZ, Jorge Luís. A controvérsia de Valladolid (1550): Aristóteles, os
índios e a “guerra justa”. São Paulo: Revista USP, 2014.
GUTIÉRREZ, Jorge Luís. Aspectos Históricos Sobre a Brevíssima Relação da
Destruição das Índias de Frei Bartolomeu de Las Casas: na ocasião da recente
publicação da tradução para o português dos Tratados. São Paulo: Revista Primus
Vitam, 2010.
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Americana, 1951.
LAS CASAS, Bartolomé de. Historia de Las Indias II. 1 ed. México: Biblioteca
Americana, 1951.
LAS CASAS, Bartolomé de. O Paraíso Destruído: Brevíssima Relação da
Destruição das Índias. 4 ed. Porto Alegre: L&PM, 1985.
TABÍO, Ernesto E. Prehistoria de Cuba. 1 ed. Cuba: Departamento de Antropologia
da Academia de Ciencias de Cuba, La Habana, 1966.
BIBLIOGRAFIA
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EXPOSITO, Cesar Rodriguez. Hatuey, el primer libertador de Cuba. La Habana:
Cubanacan, 1997.
RODRIGUES, Juan Pablo Martín. Bartolomé de Las Casas: a pena contra a
espada. Recife: Universidade Federal do Pernambuco, 2006.
SUESS, Paulo. La Conquista Espiritual de La America Española: 200 documentos-
siglos XVI.