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01/10/2016 Revista Cultura Pensante 1

Las Casas, Bartolomeu. Paraíso Destruído. Porto Alegre. LPM POCKET, 2011.

Dionathan Tomasi(i)

Thiago Aldo Franco(ii)

FOGO E SANGUE

Frei Bartolomeu de Las Casas (1474-1566) foi um frade dominicano


espanhol, cronista, teólogo, bispo e grande defensor dos direitos dos índios. É
considerado o primeiro sacerdote da América. Bartolomeu era filho de um
comerciante de Tarifa, na Andaluzia. Participou da segunda viagem de Cristóvão
Colombo às Américas. Estudou latim e humanidades em Salamanca. Formou-se
sacerdote em Roma em 1507 e teve a licença da própria rainha para evangelizar os
índios na expansão colonial.

Las Casas viveu o auge da colonização, participou ativamente da maioria das


expedições e dos primeiros contatos com os índios, era mais um que tinha a sede
pelo conhecimento do chamado Novo Mundo, que se lançou de sua terra natal para
ajudar na campanha colonizadora, e, claro, poder aproveitar dos grandes lucros que
esta terra tão rica proporcionava a todos que aqui pisavam.

Nos primeiros anos, o frei cumpriu com sua função que era a de catequizar
os índios na religião cristã, recebeu terras da rainha como pagamento por seu
trabalho e também muitos escravos. Porém, chocado com toda a crueldade feita
pelos colonizadores aos índios, aproximadamente em 1514, de Las Casas abriu mão
de todas as suas terras e escravos para se tornar um procurado e protetor universal
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de todos os povos indígenas. A partir daí, Las Casas continuou acompanhando as


expedições, porém agora para poder escrever e relatar ao mundo todo a carnificina
organizada pelos colonizadores no Novo Mundo.

O livro possui 125 páginas e é dividido em 20 capítulos, todos são de


caráter denunciador. O autor diz que se ele narrasse todos os eventos cruéis que
presenciou durante os anos da colonização, escreveria uma obra imensa, mas, através
do que ele descreve no livro, já se percebe o caos que era a vida de um indígena
naquela época.

Las Casas narra que a primeira terra povoada pelos colonizadores foi a
chamada Ilha Espanhola. Esta, segundo ele, possuía mais de 250 léguas de
distância, e de costa marítima mais de 10 mil léguas; na época uma légua se referia a
mais ou menos de 4km a 6km. O autor relata que os índios receberam os
colonizadores como deuses, trouxeram seus líderes para vê-los, com presentes, muita
comida e frutas típicas daquela terra. Porém, os espanhóis logo entrariam em
conflito com os índios devido que estes mantinham pouca comida consigo, pois
faziam um estoque necessário apenas para suas famílias e para um período curto de
tempo. O autor chega a mencionar que o que uma família inteira de indígenas
comia em um mês, um colonizador espanhol consumia em um dia.

Não contentando-se apenas com aquilo que os índios lhe davam, os


espanhóis começaram a se servir das mulheres e filhos dos indígenas. Depois de
muitos abusos e violências que sofriam, os nativos perceberam que estes homens
não podiam ter descido do céu. Os nativos começaram a esconder sua comida, suas
mulheres e filhos e a fugir para as montanhas. Isto se desencadeou em um sangrento
ataque dos colonizadores. Assim, eles entraram nas vilas e aldeias não poupando
nem crianças, nem homens velhos, e nem mulheres grávidas. Abriam-lhes o ventre e
as faziam em pedaços.
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A partir daí, Bartolomeu de Las Casas descreve que se iniciou o período de


guerra que permaneceria até sua morte e dizimaria milhões de nativos que aqui
viviam. Esta que não pode se dizer que foi mesmo uma guerra, pois, nas palavras de
Las Casas (2011, pg 33), “Os espanhóis nunca tiveram nenhuma guerra justa
contra os índios. Todas foram diabólicas e muito injustas, mais do que as de
qualquer tirano que exista no mundo”. Os índios andavam nus e não tinham
nenhum armamento a não ser seus arcos e flechas ou táticas de guerra. Por outro
lado, os espanhóis possuíam suas armaduras e suas espadas, suas táticas organizadas
de guerra e o que os nativos mais temiam, os cavalos. Segundo o autor, um grupo
de 50 espanhóis podia dizimar uma aldeia inteira de mais de 500 índios sem perder
um único soldado. Os espanhóis até brincavam entre si sobre quais deles dividiriam
um homem ao meio com apenas um golpe de espada ou quem deles conseguiria
matar mais em uma investida. Na época, houve colonizadores que chegaram a matar
40 mil indígenas em poucos anos.

O Frei descreve que a colônia sempre possuía um governador, estes não


ficavam muito tempo, cerca de 7 a 8 anos, pois morriam ou voltavam à Espanha,
mas que nesses curtos períodos que permaneciam no poder eram assustadoramente
sanguinários e cruéis. Isso agravou-se ainda mais com a morte da rainha alguns anos
depois.

Os espanhóis capturavam os lideres das tribos indígenas e os torturavam para


conseguir ouro, e, mesmo após conseguirem grandes somas, continuavam até que o
líder perecia. A principal forma de tortura usada era queimar os nativos vivos, fosse
em grandes fogueiras, amarrados em troncos, em braseiros, com azeite e outras
formas. O importante era que em ambos os métodos as pessoas submetidas a este
suplício morressem de forma lenta e dolorosa.
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A maioria dos indígenas eram mortos nos avanços espanhóis. Do restante,


mulheres eram usadas para satisfazer os homens colonizadores, e bebês de colo
eram dados aos cachorros para serem destroçados e devorados por estes, inclusive
alguns cachorros até ficaram famosos naquela época, diversos de seus nomes são
citados na obra. E, por fim, os homens e crianças capturados eram feitos cativos,
forçados a trabalhar nas minas para extração de ouro, carregar bagagens aos navios e
serem vendidos como escravos nas outras ilhas. Estes quase não recebiam comida e
água e pereciam como moscas de sede, fome e cansaço. O trato dos espanhóis era
rude, toda vez que um índio caia recebia chicotadas, chutes e bofetadas; o cativo,
então, exausto, implorava pela morte.

Uma história é contada pelo Frei no livro, a de um novo governador que


chegou à ilha, que ele descreve como um dos mais cruéis, fazendo reféns os lideres
de todas as tribos e exigindo pagamento de ouro de suas tribos; caso não fizessem,
todos ficariam sem comida, pois o governador havia confiscado todo o estoque de
trigo dos nativos. Mesmo depois de vários pagamentos, os índios não receberam
alimento. Milhares morreram. Pais matavam os próprios filhos para que estes não
sofressem a dor da fome. Uma mulher chegou a matar a própria filha para poder
comê-la.

Las Casas narra que ilhas imensas, territórios gigantescos ficaram


completamente desertos depois de algumas décadas de colonização. Ele menciona
que cerca de 50 milhões de nativos foram mortos nesse tempo, que a América era o
lugar mais habitado do planeta, e foi reduzido a nada. Os espanhóis assassinaram
tantas nações que chegaram a desaparecer com determinados idiomas, pois não
havia mais ninguém que os falasse.

O conhecimento desta obra nos faz pensar na crueldade e no suplício


sofrido pelos índios que aqui viviam na América, até mesmo a história em nossas
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escolas sempre foi ensinada com o foco na Europa: as histórias dos colonizadores
ousados, que atravessam oceanos, correm perigos, se aventuram no mar, no
desconhecido, para levar adiante seus planos. A história é passada como o
colonizador enganando os nativos de um continente considerado primitivo, um ser
sem passado, nem vínculos sociais que aceita de forma omissa esse destino de
trabalhar como escravo, escravidão esta que é inserida com plena naturalidade nas
séries inicias em nossas escolas.
Ao ler a obra, nos deparamos com um sentimento de revolta perante a
tamanha desumanidade por parte dos colonizadores, e percebemos que até hoje a
cultura indígena é ignorada pelos grandes poderes e pela mídia. Os poucos que
restam perambulam pelas ruas das cidades sem rumo com as mazelas de 500 anos
atrás ainda refletindo em sua realidade.
Este livro não é para quem espera um final feliz, não é para ler em um final
de semana ou na praia, não é um livro agradável, é um livro para quem tem
estômago, é uma descrição da selvageria, desumanidade, crueldade de um povo
perante o outro. Recomenda-se este livro para quem busca conhecer uma história
vil, sem censura e sem medo, a real história da colonização, que foi fundada no fogo
e sangue, por cima de milhões de cadáveres em uma carnificina gigantesca.

(i)Acadêmico do Curso de Filosofia da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-


mail: dtnaweb@hotmail.com
(ii)Acadêmico do Curso de Filosofia da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-
mail: thiagofranco999666@hotmail.com

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