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A AMÉRICA ALEGORIZADA

UNIVERSIDADE
FEDERAL DA PARAÍBA

Reitora MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ

Vice-Reitor EDUARDO RAMALHO RABENHORST

Pró-Reitor de Pós ISAC ALMEIDA DE MEDEIROS


Graduação e Pesquisa

Coord. do Programa de Pós TELMA DIAS FERNANDES


Graduação em História

Vice-Coordenadora do SERIOJA RODRIGUES CORDEIRO MARIANO


Programa de Pós
Graduação em História

EDITORA DA UFPB

Diretora IZABEL FRANÇA DE LIMA

Supervisão de Editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR

Supervisão de Produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

CONSELHO EDITORIAL Maria de Fátima Agra | Ciências da Saúde


Jan Edson Rodrigues Leite | Linguística, Letras e Artes
Maria Regina V. Barbosa | Ciências Biológicas
Valdiney Veloso Gouveia | Ciências Humanas
José Humberto Vilar da Silva | Ciências Agrárias
Gustavo Henrique de Araújo Freire | Ciências Sociais e Aplicadas
Ricardo de Sousa Rosa | Interdisciplinar
João Marcos Bezerra do Ó | Ciências Exatas
Celso Augusto G. Santos | Ciências Agrárias
A AMÉRICA ALEGORIZADA
Imagens e Visões do Novo Mundo na Iconografia
Europeia dos Séculos XVI a XVIII

Carla Mary S. Oliveira

PREFÁCIO DE

Maria Cláudia Orlando Magnani

Editora da UFPB
João Pessoa
2014
Copyright © 2014 - Carla Mary S. Oliveira
Contato: <carla@carlamaryoliveira.pro.br>
Site Pessoal: <http://www.carlamaryoliveira.pro.br/>
ISBN 978-85-2370-8788
Efetuado o Depósito Legal na Biblioteca Nacional,
conforme a Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma
ou por qualquer meio. A violação dos direitos autorais
(Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido no artigo 184 do Código Penal.
O conteúdo desta publicação é de inteira responsabilidade do autor.

Impresso no Brasil. Printed in Brazil.

Projeto Gráϐico,
Editoração Eletrônica
e Design de Capa CARLA MARY S. OLIVEIRA

Ilustração da Capa: AMERICA, Jan Van Der Straet (del.) & Theodore Galle (sculpt.), 1589.
Gravura em cobre, cópia aquarelada à mão; 18,2 X 27 cm.
Acervo da National Gallery of Art;
Rosenwald Collection, Washington, D.C., EUA.

Graϐia atualizada conforme o Acordo Ortográϐico da Língua Portuguesa


de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Catalogação na fonte:
Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

O48a Oliveira, Carla Mary da Silva, 1967 -


A América Alegorizada: Imagens e Visões do Novo Mundo na Iconografia
Europeia dos Séculos XVI a XVIII/ Carla Mary da Silva Oliveira.
-- João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.

ISBN 978-85-2370-8788
116 p.: il. - inclui notas e referências bibliográficas.

1. História da Arte - Séculos XVI a XVIII. 2. História da Arte - Iconografia.


3. História da Arte - América.
I. Autor. II. Título.

UFPB / BC CDU 7(091)”16/18”

EDITORA DA UFPB Cidade Universitária, Campus I - s/n


João Pessoa - PB - Brasil
CEP 58.051-970
editota.ufpb.br
editora@ufpb.edu.br
Fone: +55 (83) 3216.7147
Para meus filhos postiços, que tive a sorte de orientar
na graduação e no mestrado e pude ver amadurecerem nas
searas de Clio e se tornarem pesquisadores competentes,
além de interlocutores com quem tenho o privilégio
de continuar a partilhar ideias e descobertas.
André Honor, Izabel Santos e Michael Nóbrega, este é pra vocês.
“Gardons-nous de retirer à notre science sa part de poésie.”
Marc Bloch, Apologie pour l'Histoire ou métier d'historien.
S UMÁRIO

Prefácio ................................................................................................... 11
Maria Cláudia Orlando Magnani

1. Introdução ........................................................................................... 15

2. Emblemática: imagens traduzindo ideias ......................................... 21

3. Visões europeias do Novo Mundo: a alegorização do incógnito ......... 29

4. A América vista pelos americanos:


reelaborações no Brasil setecentista ..................................................... 59

5. Considerações Finais .......................................................................... 65

6. Referências ........................................................................................ 71

7. Caderno de Imagens ....................................................................... 77

Sobre a Autora ...................................................................................... 115

9
PREFÁCIO

ma alegria e uma emoção. O convite para apresentar


A América Alegorizada Imagens e Visões do Novo
Mundo na Iconografia Europeia dos Séculos XVI a
XVIII, de Carla Mary S. Oliveira, trouxe-me estes
sentimentos. Sentimentos reforçados na leitura, que desde o
primeiro momento mostrou-se um passeio poético por imagens
e texto que fazem sonhar.
A América alegorizada como uma mulher que quer ser
exótica e selvagem, mantendo traços caucasianos em imagens
de gestual civilizado, remete, antes de mais nada, à contradição
intrínseca e inescapável de cada um de nós. E ao mesmo tempo
às angústias desde sempre postas entre identidade e alteridade
na autoimagem dolorosamente construída ao longo da História
pelos habitantes deste continente. O deleite e a angústia
motivadora acompanham a transformação das mensagens e
intencionalidades das alegorias, enquanto pinturas, desenhos,
mapas e esculturas estão ali sempre a lembrar que uma questão
primordial não foi resolvida: de onde viemos e para onde vamos?
Em nenhum momento pairou qualquer dúvida sobre a
qualidade do trabalho que eu teria em minhas mãos, tendo em
vista o percurso sólido e brilhante da professora e pesquisadora
da Universidade Federal da Paraíba. No entanto, ainda foi
possível me surpreender e me emocionar.
Uma pesquisa séria e atenta sustenta o texto deleitoso

11
P

e consistente que ingressa o leitor em um percurso histórico


que se apresenta como um convite a passear pelas imagens
alegóricas da América. Nascido de um interesse que surgiu em
um momento de férias, e, portanto, fruto do puro prazer e
deleite estético, resultou em um livro igualmente prazeroso e
ao mesmo tempo preciso e instigante. A junção do “bichinho
escarafunchador”, com o maravilhar-se diante das obras de arte
e as possibilidades de pesquisa abertas pelas novas tecnologias
da rede mundial de computadores permitiu a concretização
deste projeto: a intelecção das iconografias sobre o Novo Mundo
desde as surgidas na Europa nos dois séculos posteriores à sua
descoberta, até àquelas nascidas na América nos séculos XVIII
e XIX. O fio condutor de todo o percurso é a compreensão do
que o incógnito Novo Mundo representava para o continente
europeu e a identificação do desejo imperioso de, neste contato
de dois mundos, submeter o primeiro à ação civilizatória.
Lembrando que o contexto societário em questão está
matizado pelo universo discursivo e estético Renascentista
e Barroco, a autora apresenta as determinantes culturais
que estão na base das representações visuais e das imagens
como veiculadoras de mensagens que invariavelmente as
transcendem.
Destarte, a emblemática é especialmente abordada como
condição de possibilidade da compreensão dos sentidos das
alegorias no mundo europeu nos séculos XVI, XVII e XVIII: “o
emblema, a representação alegórica de um tema, constrói-se
por meio de alusões de sentido referentes a um determinado
código de amplo domínio, de modo a fazer-se entendido assim
que observado”.
Deste modo, a alteridade e o imaginário europeu
geraram as alegorias que remetiam sempre à belicosidade
inculta, ao exotismo e à selvageria em um primeiro momento
12
P

e gradativamente, com idas e vindas, foram se transformando


na apresentação simbólica da riqueza potencial e finalmente
na essência selvagem que docemente se deu à evangelização
e à aculturação.
Às dificuldades desta empreitada (“Analisar uma série
de imagens sobre um mesmo tema não é coisa das mais fáceis
de se fazer. Tentar identificar fontes, encontrar similitudes,
perceber permanências, tudo isto faz parte de uma determinada
abordagem metodológica sistematizada na primeira metade do
século passado e que até hoje encontra oposição e ressalvas”)
a autora responde magistralmente com a competência de
uma escrita leve, apontando as questões fundamentais,
orientando o olhar do leitor e, juntamente com ele, de forma
arguta, interpondo as possíveis interrogações que provocam a
inteligência e fazem com que o livro permaneça em quem o lê,
mesmo depois de ultrapassado o último ponto final.

Maria Cláudia Orlando Magnani


Diamantina - MG, setembro de 2013.

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AA A

1. INTRODUÇÃO

construção de um livro muitas vezes tem caminhos dos


mais inusitados e inesperados. O que aqui se apresenta ao
leitor não foge dessa sina, e penso que contar um pouco
desse percurso pode fazer com que se compreenda
melhor o que me fez escrevê-lo. E este, como não poderia deixar
de ser, também é o momento propício para agradecer a algumas
pessoas que, mesmo sem o saber, me ajudaram a organizar as ideias
e análises aqui presentes.
Como não há outro modo de iniciar qualquer relato senão
por sua origem primeira, devo voltar a julho de 2007, quando fiz
uma viagem de férias, de somente uma semana, à Bahia. Nada
de preocupar-me com a fala em algum evento ou com alguma
banca. Estava viajando somente por viajar... talvez a única e melhor
motivação que toda viagem devesse ter. Lá, finalmente, visitei as
igrejas barrocas de Salvador a que não pude ir durante o encontro da
ANPOCS/N-NE de que participei em 2001, e também aproveitei para
conhecer parte do Recôncavo.
Foi naqueles sete dias que tive a oportunidade de admirar in
situ dois tetos do baiano José Joaquim da Rocha e uma tela de seu
aprendiz predileto e protegido, José Teófilo de Jesus. O elo em comum
entre as três pinturas era a presença de representações alegóricas da
América, tipo de imagem cuja compreensão me inquietava desde os
tempos em que cursava o Mestrado em Sociologia na UFPB e buscava
entender o sentido das alegorias barrocas presentes no teto da nave
15
C M S. O

da igreja do convento franciscano de João Pessoa.


O fato é que ali em 2007, ainda em Salvador, aquele bichinho
escarafunchador que motiva todo historiador voltou a se instalar
em mim, intrigando-me novamente acerca deste tema e passei,
devagarinho, a juntar todas as imagens alegóricas da América com que
topava, fosse em viagens ou na web. Não era uma pesquisa constante
e sistemática, na verdade se assemelhava mais a um momento de
descontração que surgia inesperadamente enquanto eu fazia alguma
busca ou download mais demorado na rede ou então me maravilhava,
quase sucumbindo à Síndrome de Stendhal, ao visitar alguns locais
que, neste ínterim, pude conhecer na Europa.
Aliás, é preciso destacar que sem as facilidades da internet este
livro teria sido impossível, não só por conta das inúmeras imagens
que havia de conseguir, por exemplo, nos acervos digitais e de acesso
aberto do The British Museum, da The New York Public Library, da
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da Universidade de São
Paulo, da Europeana, da Biblioteca Nacional Digital de Portugal,
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e, mais recentemente, da
Digital Public Library of America – projeto ambicioso capitaneado
pelo historiador Robert Darnton e inaugurado no começo de 2013
– mas principalmente pelos diversos artigos científicos que pude
acessar por meio do Portal de Periódicos da Capes, que franqueia
aos investigadores brasileiros o acesso a bases de pesquisa que
considero essenciais no campo da História Cultural e da História da
Arte, como a JSTOR Arts & Sciences, a Blackwell, a Elsevier ou a Wiley.
Os tratados do século XVI e algumas obras do XVII e do XVIII, esses
consegui graças ao Google Books e ao Archive.org. Ah, e claro, muitos
dos livros, especialmente aqueles publicados fora do Brasil, só pude
obtê-los por meio dos sites de livrarias e sebos existentes na internet,
coisa que seria inimaginável há duas décadas, quando eu fazia minha
graduação e ficava cascavilhando as prateleiras da Biblioteca Central

16
AA A

da UFPB em busca daquilo que nem sabia que queria, apenas para
ter o gostinho de encontrar...
Espero que esse relato mostre aos jovens historiadores –
especialmente aos meus alunos e orientandos na graduação e na
pós-graduação em História da UFPB – que as novas tecnologias da
web, que fazem os acervos virem praticamente bater à porta de
nossas casas, podem sim ser utilizadas a favor de nossas pesquisas, e
que a internet não se resume apenas aos incontáveis minutos gastos
em redes sociais e leituras inócuas das manchetes e fofocas sobre
as efêmeras celebridades de nossos dias em sites sensacionalistas.
Há vida inteligente na rede, of course, mas é sempre bom lembrar
também que ela é, essencialmente, um repositório colossal de
informações que temos que aprender a desbravar com o feeling da
pesquisa, utilizando as ferramentas de crítica documental que nosso
ofício coloca ao nosso dispor. Creio mesmo que daqui pra frente,
inexoravelmente, nada será como dantes no mundo de Clio.
Não posso me esquecer dos agradecimentos, mon Dieu! O que
fez com que eu começasse a organizar as ideias e fontes que iam se
avolumando em certa pasta bem gordinha de megabytes, num de
meus HDs de backup? Como não poderia deixar de ser, os convites
que costumamos receber nesta nossa vida louca e muitas vezes
penosamente estressante da universidade pública brasileira. Quase
sempre, alguns deles são aquilo que faz todas as agruras por que
passamos no dia-a-dia, verdadeiramente, valerem a pena.
Pois bem. Em começos de 2012 a amiga Maria Emilia Monteiro
Porto, da UFRN, me convidou para fazer uma palestra em Natal, num
seminário interno que ela organizava como encerramento de sua
turma de História Moderna, na graduação. Entre um e-mail e outro,
fiquei decidindo do que poderia falar, e aí surgiu a ideia de começar a
organizar aquele mundo de coisas sobre as alegorias da América que
eu já vinha juntando havia já uns bons cinco anos. A semente deste

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C M S. O

livro e as primeiras imagens escolhidas para análise são, portanto,


consequência desse empurrãozinho inicial, e sou muito grata à Maria
Emilia por isso.
Depois, já no segundo semestre de 2012, Marília Azambuja
Ribeiro fez-me convite semelhante, dessa vez para falar num ciclo
de palestras de História da Arte que ela organizava junto à pós de
História da UFPE. Outra oportunidade riquíssima para ir além e pensar
mais um pouco sobre o assunto que eu deixava sempre em stand by,
me acenando lá de dentro da área de trabalho do notebook e em
meio às obrigações das rotinas de sala de aula, orientação e reuniões
intermináveis na universidade. Ao final da palestra, os comentários
do amigo Ricardo Pinto de Medeiros no jantar em sua casa, sempre
acolhedora, foram fulcrais para que eu revisse a maneira como
apresentava algumas das imagens e esclarecesse alguns pontos que
eram tocados apenas de leve em meu texto, àquela altura nada além
de um embrião amadurecendo e aos poucos se encorpando.
Também não posso me esquecer de agradecer ao amigo André
Honor, que nunca foi somente um orientando e que, mesmo fazendo
seu doutorado na UFMG e, depois, realizando o estágio de pesquisa
para terminar a tese, em Lisboa, teve sempre tempo de ler versões
preliminares deste texto. É esse um dos motivos para dedicar-lhe
o livro. O outro é simplesmente a pessoa luminosa que ele é e que
apareceu em minha vida para suprir meus instintos maternais que os
acasos cotidianos limitaram.
Por fim, devo agradecer à sempre presente amiga/ irmã Cláudia
Engler Cury, por ter me estimulado, já em junho de 2013, a pegar
aquele texto inicial – que só inchava e a cada semana tinha mais e
mais imagens e parágrafos incluídos – e transformá-lo em livro, pois
eu começava a achar que tinha se tornado inviável sua publicação num
periódico, justamente pelo fato de que qualquer revista minimamente
séria limitaria sua extensão e quantidade de figuras, e eu compreendia

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AA A

que o leitmotif do texto só se completaria com todas as imagens que


coletei e selecionei, mesmo que de modo bem despretencioso, como
aqui se apresenta em sua versão final.
Portanto, este livro nasceu do prazer intrínseco da pesquisa
histórica e iconográfica e de sua consequente, necessária e
indispensável maturação. Nasceu dos momentos em que flanar na
web trazia a euforia de encontrar um novo e desconhecido tratado
seiscentista em PDF facssimilar disponível para download ou uma
imagem com resolução e informação suficientes para ser agregada
à minha pequena coleção de alegorias visuais. É preciso dizer que
quase duas dezenas das que pude encontrar não estão aqui, nestas
páginas, simplesmente por não ter sido possível identificar sua
autoria, dimensões ou o acervo a que pertenciam, apesar de serem,
evidentemente, oriundas do recorte temporal que defini para este
estudo.
Finalmente, este livro nasceu também do estímulo e diálogo
intelectual com amigos próximos, estivessem eles no espaço físico
real da contiguidade de uma sala de aula ou no link de VOIP, no chat
de uma rede social ou na troca de e-mails. Antonio Carlos Ferreira
Pinheiro, Telma Dias Fernandes e Serioja Mariano, é sempre bom
tê-los por perto, especialmente quando não estamos trabalhando:
vocês são a garantia de boas conversas e muitas risadas, me fazendo
esquecer as chateações da academia. Todos esses detalhes foram
essenciais para que as discussões e análises que faço amadurecessem
e desembocassem neste texto que, finalmente, dou por terminado,
sem jamais pretender que seja definitivo. Agora sim, vamos a ele,
comme il faut.

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AA A

2. EMBLEMÁTICA:
IMAGENS TRADUZINDO IDEIAS

iconografia europeia surgida sobre o Novo Mundo


nos três séculos imediatamente seguintes às viagens
desbravadoras de Cristovão Colombo, Pedro Álvares
Cabral e Américo Vespúcio é extremamente profusa em
exemplos de visões peculiares sobre todo um universo
que se mostrava, então, profundamente incógnito ao conquistador
europeu.
Nesse contexto, as imagens surgidas a partir de idealizações
sobre o mundo tropical tão distante, mesmo parecendo referir-se a
algo bem diferente do cotidiano do Velho Mundo, diziam muito mais
sobre o meio e a cultura que as produziram do que sobre aquilo que
pretendiam representar.
A ideia que alinhava este livro, do começo ao fim, é a de que é
possível perceber, por meio das alegorias visuais construídas sobre a
América, algumas linhas de força bem significativas no que se refere
às concepções não só do que realmente representava para o homem
europeu este Novo Mundo mas, também, e por extensão, de como
o Velho Mundo enxergava, culturalmente, este contato com o outro,
com o desconhecido, com o que devia ser “civilizado” pela ação da
espada e da Fé dos colonizadores europeus.
Considerando-se também que ao se falar de produção cultural
ao longo dos séculos XVI, XVII XVIII e até mesmo estendendo-se a
começos do XIX, na Europa, se estará lançando um olhar sobre um
universo marcado pelas formas discursivas e estéticas oriundas da

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C M S. O

matriz renascentista – depois transmudada em barroca – torna-se


pertinente começar a abordar tais visões alegóricas sobre a América
justamente a partir dos engendramentos e influências culturais que
muito provavelmente estão na base de tais representações visuais.
Nesse sentido, o campo da emblemática torna-se, seguramente,
uma seara obrigatória a ser vencida, de modo a se tentar identificar
padrões de representação e discursos inerentes a tais imagens, muitas
vezes de difícil percepção para o historiador dos dias de hoje, por se
tratar de um repertório com o qual há muito a civilização ocidental
perdeu a familiaridade que os indivíduos europeus de começos e
meados da Idade Moderna possuíam.
Sendo a tradição ocidental vinculada à representação de
imagens como vetores de mensagens que as transcendem, que
carregam símbolos que são engendrados por meio de tradições orais –
sejam elas religiosas ou mesmo laicas – se pode compreendê-la como
um conjunto imagético que constitui um vocabulário franqueado a
praticamente todos os indivíduos de uma determinada comunidade,
daí seu uso tão disseminado a partir de fins da Idade Média.
Para que se possa compreender o alcance e sentido das
alegorias no mundo europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII é preciso
atentar para o campo da emblemática e suas características como
produto cultural específico do período compreendido entre fins
do Renascimento e o auge do Barroco. Há alguns anos Ehrenfried
Kluckert sintetizou muito bem, num curto texto, o significado do
emblema naquele período: “[...] é uma imagem complexa que vive de
alusões, alegorias e símbolos”1. Ou seja, o emblema, a representação
alegórica de um tema, constrói-se por meio de alusões de sentido
referentes a um determinado código de amplo domínio, de modo a
fazer-se entendido assim que observado.
Entre o segundo quartel do século XVI e as últimas décadas
1
KLUCKERT, 2004, p. 428.

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AA A

do século XVIII os livros de emblemas se constituíram num tipo


de leitura bem popular na Europa, e hoje se considera que um dos
precursores do estilo foi o romance alegórico Hypnerotomachia
Poliphili, de Francesco Colonna, publicado em Veneza no ano de 1499
por Aldus Manutius2. A obra conciliava imagens, simbologia pitagórica
e elementos místicos da cabala, tendo se tornado uma referência para
os livros de emblemática surgidos a partir de então e que traduziam
o crescente interesse pelo tema na cultura renascentista.
A partir do surgimento do Emblematum Liber de Andrea Alciati
em 1531, em Augsburgo, o discurso simbólico e alegórico por meio de
imagens começa a se tornar uma forma de expressão cada vez mais
popular, especialmente nas artes gráficas. Pensado como uma simples
compilação de epigramas latinos titulados, dedicados a Maximiliano
Sforza, duque de Milão, o livro de Alciati, por conta da visão de seu
editor, teve acrescentados a cada um dos textos uma ilustração, e a
obra tornou-se um tipo de cartilha, ao definir o tipo de representação
que se tornaria padrão após a publicação da Iconologia3 de Cesare
Ripa em 1593:
Um emblema é composto pela pictura ou figura, a
inscriptio ou moto, e a subscriptio, epigrama em
latim. A figura, também designada como imago ou
symbolon, representa todos os motivos imagináveis,
tanto da vida quotidiana como do reino animal
ou vegetal. O moto, que surge no topo da figura,
remete para o tema do emblema representado na
imagem. Por fim, a subscriptio esclarece e interpreta
aquilo que se encontra representado no emblema. É
frequente encontrar nos emblemas expressões que

2
COLONNA, 1499.
3
RIPA, 1613.

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C M S. O

reflectem sabedoria de vida ou conselhos morais.4


A partir de Casare Ripa, que explicitamente declara na folha
de rosto que seu livro se trata de “Obra não menos útil e necessária
a poetas, pintores escultores e outros, para representar a Virtude,
Vida, Afetos e Paixões Humanas”5, esse padrão de representação
se populariza entre artesãos, artífices e artistas por toda a Europa
ocidental, posteriormente chegando mesmo até o Novo Mundo.
A alegoria visual do emblema se torna, a partir de então, um
recurso amplamente utilizado em impressos e nas artes visuais entre
fins do Renascimento e o auge do Barroco, e é por esta via que vai se
construir, por meio de imagens, a visão de alteridade dos europeus
em relação à América.
Mario Praz, em sua obra clássica sobre a emblemática barroca,
Studi sul concettismo – publicada originalmente em Milão, em 1934, e
sucessivamente ampliada em suas edições inglesas6 (1947 e 1964) e
espanhola7 (1989) –, tentava justamente compreender como se deu
o processo cultural por meio do qual os emblemas se tornaram um
vocabulário plenamente franqueado ao homem barroco:
Necessitado que estava de certezas dos sentidos, o
homem do XVII não se deteve na mera apreciação
fantástica da imagem: quis exteriorizá-la, transpô-la para
um hieróglifo, para um emblema. Encontrava satisfação
em explicar a palavra somando a ela uma representação
plástica. [...] Uma fome tão incontrolável da inteligência
como dos sentidos: em suma, indica um processo de
materialização, mais do que de sublimação.8
4
KLUCKERT, 2004, p. 428. Grifos do autor.
5
RIPA, 1613, folha de rosto.
6
Studies in Seventeenth century imagery: a bibliography of emblem books.
7
Imágenes del Barroco: estudios de emblemática.
8
PRAZ, 2005, p. 18. O texto original: “Necesitado como estaba de certidumbres

24
AA A

As imagens dos emblemas serviam para transmitir uma


mensagem específica, ligada às verdades morais, à edificação do
espírito ou à exaltação de qualidades humanas. Quanto a isso, não
há divergência entre aqueles que se dedicaram ou ainda se dedicam
a seu estudo. Praz se ocupa de ir listando exaustivamente exemplos
de imagens poéticas que se trasmudaram em imagens visuais e
passaram, especialmente a partir do Renascimento, a servir de
paradigma para a transmissão de ideias ou valores abstratos entre
os europeus, fossem eles da elite ou das camadas populares.
No meu entendimento, os emblemas podem ser tomados
como um dos mais significativos exemplos de circularidade cultural
na Europa entre os séculos XVI e XVIII, justamente por eles se
constituírem em ponto de convergência de diferentes modos de
estar-no-mundo e de relacionar-se nele e com ele.
Obviamente, no século XVI o livro, como objeto de consumo,
ainda era algo relativamente caro. Não espanta, portanto, constatar
que os que reuniam emblemas tenham circulado primeiro como
elementos de uma cultura cortesã, cujos privilégios incluíam o acesso
facilitado à fruição deste tipo de literatura9. A cultura cortesã, de
fato, era campo fértil às operações mentais próprias da emblemática:
metáforas e discursos que falavam de uma coisa para representar
outra chegavam a ser imprescindíveis à própria sobrevivência dos
sujeitos que viviam, em constante tensão, emaranhados na rede de
favores, mercês e obrigações da corte. Norbert Elias já esmiuçou
suficientemente este universo, nunca é demais lembrar, e à medida
que mais se conhece tais imagens, mais claro fica que elas foram, de
de los sentidos, el hombre del XVII no se detuvo en la mera apreciación fantástica
de la imagen: quiso exteriorizzarla, transponerla a un jeroglífico, a un emblema.
Encontraba satisfacción en explicar la palabra añadiéndole una reprasentación
plástica. [...] Un apetito de la inteligencia tan incontrolado como el apetito de los
sentidos: en resumen, indica un proceso de materialización más de sublimación”.
9
PRAZ, 2005, p. 67-97.

25
C M S. O

um modo sutil, a base daquilo que ele chamou de “cultura de salão”10.


Nos séculos XVII e XVIII o “código” do emblema se populariza,
impulsionado pelo crescente avanço da atividade gráfica e da
circulação de impressos, bem como o incremento da economia
europeia propiciada pelas riquezas e oportunidades do Novo Mundo.
Tanto foi assim que Alcibiade Lucarini, em seu Impresse dell‘Officioso
Accademico Intronato, raccolte dallo Sconosciuto Accademico Unito,
publicado em Siena em 1629, já destacava:
Eu me pergunto, afinal, como tal invenção requintada, de
artifício tão inteligente, tão grande e virtuosa obra pode
ter chegado a tal perfeição em tão pouco tempo, ainda
que vejamos claramente que muitas questões científicas
mais importantes ainda permanecem obscuras e cheias
de confusão . Na própria Filosofia, a fonte e a origem de
todas as ciências, muitos juízos ainda são incertos, e até
hoje aqueles que estudam Filosofia estariam submersos
na mais completa escuridão se, depois de um espaço
de mais de quatro mil anos, não se tenha divulgado
Aristóteles, que com preceitos firmes, etc.... Do mesmo
modo, os emblemas têm sido aperfeiçoados pois a sorte
do nosso tempo fez com que neste momento vivessem e
prosperassem homens cujo gênio perfeito, inteligência
soberana e profundo juízo, junto com a excelência de
seu saber e da qualidade ímpar de seus conhecimentos,
foram suficientes para atingir o limite de perfeição
suprema quanto a produzir emblemas.11
10
ELIAS, 2001, p. 97.
11
Tradução livre, de minha autoria. O texto na tradução de Praz: “No me
maravilla, después de todo, que semejante invención exquisita, semejante
artilugio ingenioso, una tan excelente y virtuosa obra pueda haber alcanzado tal
perfección en tan poco tiempo, aunque vemos claramente que muchos asuntos
en ciencias más importantes permanecen aún oscuros e llenos de confusión. En

26
AA A

Portanto, a compreensão então vigente, que pode ser


depreendida da afirmação de Lucarini, é a de que os emblemas
só chegam a seu ápice de sofisticação justamente por conta da
conjunção de oportunidades favoráveis reunidas na Europa que
expandia seu poder por todo o mundo conhecido e lançava as
bases de um modelo civilizatório globalizado. Como este poder
fez circular riquezas, obviamente circulavam também os objetos
culturais que simbolizavam o status advindo deste enriquecimento.
O interesse pelo sentido de emblemas e alegorias, desse modo,
cresce à medida que mais indivíduos nascidos fora da nobreza ou
das elites mercantis tomam para si, como sinal de ascensão social,
os elementos constitutivos da cultura de elite, dando a eles outro
sentido ou absorvendo seu significado e uso original.
Este processo de consumo cultural do emblema e da alegoria
se espraia de forma tão eficaz que é possível encontrá-lo facilmente
inclusive em espaços que deveriam estar apartados da vida profana:
nos breviários, nos livros de vidas de santos e em muitas decorações
de igrejas e capelas, tanto na Europa Barroca como na América recém
conquistada, o vocabulário próprio de emblemas e alegorias se
mistura ao universo religioso, reforçando seus dogmas e auxiliando
na catequese e na missionação das ordens católicas.
Tratando da Espanha de Felipe IV, George Mariscal destaca

la propia Filosofia, la fuente y el origen de todas las ciencias, muchos juicios son
todavía inciertos, e incluso hoy día todos aquellos que estudian Filosofía estarían
sumergidos en una completa oscuridad si después de un espacio de más de
cuatro mil años no se hubiera presentado Aristóteles, quien con firmes rieglas,
etc... Del mismo modo han sido refinadas las empresas porque la buena fortuna
de nuestros tiempos ha propiciado que en esta época vivieran y prosperaran
hombres cuyo genio perfecto, soberano intelecto y hondo juicio, junto con la
excelencia de su saber y la incomparable calidad de sus conocimientos, fueran
suficientes para alcanzar el supremo límite de la perfección en cuanto a hacer
empresas” (LUCARINI apud PRAZ, 2005, p. 70).

27
C M S. O

justamente essa junção entre os mundos sacro e profano por meio


dos emblemas:
Em 1623, quando se representou pela primeira vez A
Devoção da Cruz de Calderón, havia na corte de Filipe IV
um texto tão popular que já tinha publicadas mais de
quinze edições em apenas quatorze anos. O Emblematum
Libellus de Andrea Alciati, impresso em Augsburgo em
1531 e traduzido para o castelhano em 1548, iniciou os
importante gênero de livros de emblemas, gênero este
cuja manifestação espanhola originou nas Empresas
Morales (1581) de Juan de Borja. Entre os emblemistas da
península se percebe um claro desenvolvimento desde
temas seculares e profanos até as preocupações morais
e sacras, no prólogo de um dos mais interessantes12, seu
autor afirma claramente a nova atitude [...].13
Como se vê, em começos do século XVII já havia um público
cativo para os emblemas e alegorias que se publicavam na Península
Ibérica, e isso valia também para o resto da Europa, como se poderá
ver mais adiante.

12
O autor se refere a Empresas Espirituales (1613), de Francisco de Villava.
13
Tradução livre, de minha autoria. O texto original: “En el ano 1623, cuando se
representó por primera vez La devoción de la Cruz de Calderón, habia en la corte
de Felipe IV un texto tan popular que se habián publicado más de quince ediciones
en solo catorce años. El Emblematum Libellus de Andrés Alciato, impreso en 1531
en Augsburgo y traducido al castellano en 1548, inició el género importante de
los libros de emblemas, género cuya manifestación española se originó con las
Empresas Morales (1581) de Juan de Borja. Entre los emblemistas de la península
se ve un claro desarrollo desde temas seglares y profanos hasta preocupaciones
morales y sacras; en el pr6logo de uno de los más interesantes, su autor plantea
claramente la nueva actitud [...]” (MARISCAL, 1981, p. 339).

28
AA A

3. VISÕES EUROPEIAS DO NOVO MUNDO:


A ALEGORIZAÇÃO DO INCÓGNITO

ara E. M. Fleming, a partir dos primeiros contatos do


europeu com o Novo Mundo este universo “capturou
a imaginação europeia” e os artistas “buscaram
personificar a estranha, portentosa nova cultura que
passou a ser conhecida como América”1. Ora, tais representações
foram, gradativamente, elegendo um conjunto de atributos que
passaram a ser associados à ideia daquilo que era, para os europeus,
o Novo Mundo.
Entre o final do século XVI e o século XVIII surgem inúmeros
desenhos, gravuras, pinturas e até esculturas que mostram o
continente americano como uma mulher. Essa mulher, no entanto,
não está vazia de sentido. Ela aparece como uma rainha indígena,
comumente com elementos da cultura nativa dos povos caribenhos
ou latino-americanos, algum animal selvagem a seus pés e alusões
ao canibalismo e à beligerância.
Alegorias mostrando os continentes conhecidos como
personagens femininas não eram novidade no século XVI. Às
representações costumeiras de Ásia, África e Europa se juntaram
as imagens da América, prática reforçada a partir da publicação da
Cosmographiae Introductio do cartógrafo Martin Waldseemüller, em
1507, que passou a disseminar a ideia de um mundo dividido em quatro
partes2 (Fig. 1), complementando a já comumente aceita concepção
1
FLEMING, 1965, p. 65; grifo do autor.
2
WALDSEEMÜLLER, 1907, cap. XXVIII. Para maiores informações sobre o contexto

29
C M S. O

da cartografia medieval, que derivava de fontes romanas apropriadas


pela Igreja e que associava os três continentes até então conhecidos,
Europa, Ásia e África, aos três filhos de Noé: Shem, Ham e Japhet3.
Introduzida e consolidada a ideia de nomear o novo continente,
como foi exaustivamente demonstrado por Edmundo O’Gorman
em A invenção da América em 19584, iniciam-se as representações
cartográficas e, principalmente, as representações alegóricas desta
novíssima quarta parte do mundo. Seguindo a vigente e já mencionada
tradição de personificar os continentes como mulheres, é assim
também que aparecerá o Novo Mundo em imagens produzidas ao
longo de todo o século XVI, num processo de modelagem contínua,
nutrindo-se de diversos elementos provenientes da tradição clássica
e incorporando outros, oriundos de relatos e crônicas escritos por
homens do mar, exploradores e viajantes5.
O fascínio e maravilhamento da Europa renascentista com
aquelas terræ incognitæ que aos poucos iam se mostrando muito
maiores e mais complexas do que podia imaginar qualquer um, por
mais fantasioso que fosse, fazia-se presente tanto nas conversas
de tavernas lotadas de marinheiros à beira de um cais qualquer do
Mediterrâneo ou do Atlântico Norte, como também nos salões da
nobreza europeia. Em junho de 1539, como parte das bodas de Cosimo
de Medici e Eleonora de Toledo, por exemplo, ergueu-se em Florença
um arco do triunfo para a entrada da noiva – filha do vice-rei de Nápoles
– e nele tinham destaque as alegorias da Nova Espanha e do Peru6.
Em 1570, com a ideia de América já mais consolidada no imaginário
europeu, aparece no frontispício do Theatrum Orbis Terrarum, atlas

em que surgiu o mapa de Waldseemüller, ver: LESTER, 2012.


3
BELLUZZO, 2000, p. 73.
4
O’GORMAN, 1992, p. 174-179.
5
ZUGASTI, 2005, p. 21-22.
6
ZUGASTI, 2005, p. 22.

30
AA A

do flamengo Abraham Ortelius, aquilo que se considera ser uma das


primeiras alegorias que, decididamente, representam o continente,
personificando-o a partir de vários elementos plenos de significados
para a cultura europeia então vigente (Fig. 2).
Sobre uma estrutura retabular, que convida o leitor a penetrar
no “Teatro de Todo o Mundo” oferecido por Ortelius, destaca-se a
representação da Europa, senhora do mundo, superior a todas as
outras partes do globo, sentada sob um caramanchão que sustenta
uma frondosa parreira carregada de uvas. Em sua mão direita a mulher
porta um cetro, com a esquerda segura a cruz de um armilar, sobre sua
cabeça repousa uma coroa. Símbolos de poder, de força e de domínio
sobre os outros continentes, sobre todas as outras partes do mundo.
A Ásia é representada à esquerda da cena, trajando uma saia e um
corpete bordados, com a barriga à mostra e uma tiara ornamentada
com pedrarias segurando os fartos cabelos. Na mão esquerda, traz um
recipiente com incenso fumegante. Tanto sua roupa como o incenso
remetem ao exotismo e ao mistério dos povos orientais. À direita, a
representação da África, de torso nu e genitália parcamente recoberta
por um tecido simples e sem ornamentos, trazendo na mão direita um
ramo florido de erva cidreira. Na cabeça, os raios de sol transmitem
a ideia, então corrente, de que a tez escura dos africanos se devia à
proximidade do continente com o astro rei.
A porção mais interessante da ilustração, certamente, é a
inferior, onde se pode ver a representação feminina da América:
nua, a mulher tem longos cabelos que se estendem até as próprias
nádegas; sobre a cabeça, um gorro peruano de lã de alpaca; na mão
direita, uma borduna estilizada, na esquerda, uma cabeça masculina
decepada; na testa, uma joia adorna o semblante da americana; na
panturrilha direita, um tipo de tornozeleira metálica; sob as pernas, um
arco e duas flechas. Ao lado da mulher, um busto feminino aludindo

31
C M S. O

à Magellanica7, atrás, uma rede de dormir pendurada à parede.


Selvageria e lascívia, canibalismo e violência: são estas as qualidades
dos habitantes da América que a alegoria ressalta, oposição diametral
à civilização, religiosidade e imponência da Europa, representada no
topo da ilustração. A construção dessa imagem assinala, de forma
evidente, a alteridade entre o Velho e o Novo Mundo.
Adolph van Meetkercke, na própria obra de Ortelius, explica o
significado da alegoria:
A ninfa que se vê na parte inferior se chama América, da
qual há pouco se apoderou o audaz Vespúcio, cruzando
o mar e abraçando-a com terno Amor. Ela, esquecida de
si e de seu casto pudor, está sentada, nua por completo,
exceto pela touca com que prende as madeixas de
seus cabelos, e a joia com que enfeita sua fronte, ou as
tornozeleiras com tilintantes guizos que adornam suas
pernas. Na mão direita tem uma clava de madeira com a
qual sacrifica homens gordos e bem cevados que tenha
capturado na guerra, cujos corpos desmembra e assa em
fogo lento ou cozinha num caldeirão. Mas quando lhe
aferroa a fome devora os membros crus recém-cortados,
ainda vertendo sangue escuro e estremecendo sob seus
dentes: seu alimento é a carne dos vencidos e seu sangue
vivo, crime tão espantoso de se ver como de se relatar.

7
Hipotético continente, formado em parte pela Terra do Fogo, avistada em 1520
pelo navegador português Fernão de Magalhães, quando fazia a travessia entre
o Atlântico e o Pacífico, e que ficaria ao sul das Américas. Com o incremento do
número de navegações pela região foi constatado rapidamente que se tratava
apenas de uma ilha, que já aparece com o nome aludindo a seu descobridor em
mapas e globos do segundo quartel do século XVI. Posteriormente, o topônimo
alusivo a seu descobridor caiu em desuso e a denominação de Terra do Fogo
passou a ser mais utilizada (KROGT, 2006, p. 25).

32
AA A

Que representação de bárbara impiedade e desprezo


aos deuses! Na mão esquerda traz uma cabeça humana
recém-decepada. E aí, igualmente o arco e as velozes
flechas com que, tensionando bem o cordame, inflige
feridas fatais aos homens e os mata. Depois, cansada pela
caça, quer entregar-se ao sono em seu merecido leito,
feito, coisa rara, como uma rede, e sustentado por um
prego em suas extremidades, sobre ela reclina a cabeça
e os membros.8

Seguindo essa tradição iconográfica então vigente na Europa, de


representação das partes conhecidas do mundo de forma alegórica,
Jan Sadeler desenhou e gravou uma série de quatro pranchas em
1581, em Amsterdã. Certamente seu trabalho está entre as primeiras
imagens deste tipo que surgem no Velho Mundo, e a referência ao
motivo edênico é um dos detalhes que mais se destaca na imagem
alusiva à América (Fig. 3). O texto explicativo de quatro linhas, escrito
8
Tradução livre, de minha autoria. O texto original em latim: “Inferiore solo quam
cernis America dicta est:/ Quam nuper vectus pelago Vespucius audax/ Vi rapuit,
tenero nympham complexus amore./ Illa oblita sui, castique oblita pudores/
Nuda sedet totum corpus, nisi vitta capillos/ Plumea vinciret, frontem nisi gemma
notaret,/ Ambirent teretes nisi tintinabula suras./ Lignea clava olli in dextra:
qua mactat obesos/ Atque saginatos homines, captivaque bello/ Corpora, quae
discissa in frustra trementia lentis/ Vel torret flammis, cálido vel lixat aheno./
Vel, si quando famis rabies stimulat mage, cruda/ Et iam caesa recens, nigroque
fluentia tabo/ Membra vorat, tepidi pavitant sub dentibus artus,/ Carnibus &
miserorum & sanguine vescitur atro:/ Horrendum facinus visu, horrendumque
relatu./ Quid non impietas designat barbara? Quid non/ Contemptus Superum?/
Adspicis in laeva fœdatum caede recenti/ Humanum caput. Em arcum celeresque
sagitas,/ Queis solet, adducto dum flectit cornua nervo,/ Vulnera certa viris
certamque infligere mortem./ Mox defessa hominum venatu tradere somno/
Membra volens, lectum contextum rarius instar/ Reticuli, gemino a palo quem
fixit utrimque,/ Conscendit, textoque caput reclinat & artus” (ZUGASTI, 2005, p.
27, nota 9).

33
C M S. O

em latim e que serve de legenda à gravura, fornece uma boa noção


daquilo que se considerava, à época, relevante de se registrar a
respeito do Novo Mundo:
AMÉRICA, senão BRASIL, ou o NOVO, pela imensa vastidão
do mundo: descoberta pela primeira vez no ano de Cristo
de 1491, com infinitas províncias ensolaradas e férteis,
governadas por homens;/ Cidades nobres, com artes e
comércio de armas, em solo montanhoso, irrigado por
fontes e rios: densas matas, de onde tiram seu alimento,
para além das minas de ouro do mundo,/ onde nascem
seus copiosos rios; seus equipamentos e armas são
feitos de ossos; Homens e mulheres nus andam juntos,
cobertos apenas por mantos feitos de penas de papagaio:
Muitas pérolas enfeitam seus lábios,/ orelhas e faces. De
temperatura amena e leve orvalho, o ar é sempre sereno.
Mais valioso do que o ouro, suas ilhas produzem madeira
Guiacum, conhecida pelos franceses. Segundo Américo
Vespúcio.9
Terras férteis, matas abundantes, pérolas, ouro, pau-brasil,
animais exóticos, nativos nus. Elementos que remetem à ideia então
corrente do paraíso perdido. Não por acaso, a imagem de Sadeler
9
Tradução livre, de minha autoria. O texto original da gravura: “AMERICA, sine
BRESILIA, vel NOVUS, ob imensam vastitatem orbis: Anno Xpi M. CCCC. XCI. primum
detectus, infinitas apricas et feracissimas Provincias, et Regna ostetat;/ Urbes
aplas, artib. merratura et armis nobiles; clivosu solum, irriguu tame fontib. et
fluvys: Sylvas condesas, ubi radices ex quib. pane confi: Terra nullu metallu
prater aurum profert,/ idge copiosu in motib. et fluvys nascitur; arma ac tela
osse muniut; Viri et foemine nudi agut. nisi ex plumis psittaroe, quib. abundat,
pallium longu confi: Baccas margaritasge plurimas habet, Labia,/ aures, genasge
lapidib. pratiosis ornat. Grata coeli temperies, ros lenis, aura semper serena.
Insulis celebrid. septa. quae auru, ligni Guiacum, Gallis notu, et gumas producut.
Sic Americus Vesputius”.

34
AA A

traz uma cena idílica, sem violências: um casal de indígenas anda


calmamente junto à margem de um pequeno rio, enquanto três
homens utilizam rústicas bateias para minerar no leito do curso
d’água. Em primeiro plano, a alegoria do Novo Mundo, recostada,
seminua, com uma flecha à mão, observa bucolicamente um par de
papagaios no alto da árvore por trás da pedra em que ela própria se
apoia. No fundo da cena aparecem as montanhas e matas descritas
na legenda da gravura, com vulcões fumegantes e três habitações
de grandes proporções, provavelmente coletivas. Percebe-se que o
apelo ao canibalismo e à selvageria não está presente nesta imagem,
que parece querer mostrar somente que a América era o próprio ou
estava no mesmo patamar do Éden bíblico.
Aliás, em seu clássico Visão do Paraíso, Sérgio Buarque de
Holanda destacou justamente a tendência, por parte de Cristóvão
Colombo e dos primeiros desbravadores da América, em acreditarem
ser possível identificar em alguma parte do globo terrestre a
cristalização física do Paraíso do Gênesis:
Mas Colombo não estava tão longe de certas concepções
correntes durante a Idade Média acerca da realidade
física do Éden, que descresse de sua existência em
algum lugar do globo. E nada o desprendia da ideia,
verdadeiramente obsessiva em seus escritos, de que
precisamente as novas Índias, para onde o guiara a mão
da Providência, se situavam na orla do Paraíso Terreal.10
Contudo, apesar da anterioridade das imagens de Ortelius e
de Sadeler no que se refere à representação do Novo Mundo, se
pode dizer que foi somente a partir da Iconologia de Cesare Ripa11
10
HOLANDA, 2010, p. 53.
11
Convém sempre destacar que a primeira edição da Iconologia, publicada em
Roma em 1593, não continha ilustrações. Estas foram acrescentadas ao texto
apenas a partir da edição de 1603.

35
C M S. O

que se deu o estabelecimento consensual de uma alegoria visual


da América, representação que se tornaria a base para as outras
imagens alegóricas do Novo Mundo que passaram a circular na cultura
europeia a partir de então, acrescentando ou suprimindo elementos
desta construção imagética.
Na alegoria do livro de Ripa é possível perceber a presença de
alguns elementos que vão se tornar típicos na iconografia europeia
acerca do continente americano (Figs. 4 e 5). Primeiramente,
destaca-se a barbárie do canibalismo, por meio da cabeça decepada
e trespassada por uma flecha, aos pés da mulher que representa o
continente. A alusão à beligerância está nas flechas e no arco trazidos
nas mãos da mulher, que também tem, pendurada no ombro direito,
uma aljava com mais munição. O torso feminino seminu, com os seios
à mostra, parece aludir tanto a fertilidade dos povos americanos
quanto a sua sexualidade intrínseca, como também a seu caráter
selvagem. Ao fundo da cena, um grande lagarto repousa calmamente,
alheio a tudo, assim como as matas e animais exóticos da América
existiam, a despeito do Velho Mundo.
O que se pode perceber, ao tomar a série de imagens que
pretendo aqui discutir, é que a Alegoria foi um meio de “imaginar e
expressar o tremendo potencial religioso, ideológico e econômico
implícito na própria empresa colonial”12. Gradativamente, as imagens
da América passam, assim, de toscas e simplificadas representações
para um patamar cada vez mais elaborado, que incorpora inclusive,
em alguns casos, personagens reais.
Miguel Zugasti, ao abordar as características comuns das
representações visuais das quatro partes do mundo no Barroco
espanhol, chega a uma síntese dos elementos geralmente presentes
nas imagens da personificação alegórica da América:

12
SCANLAN, 1999, p. 9.

36
AA A

A América é de pele escura e também desnuda, como o


fazem os seus nativos. Tem o rosto feroz, com o cabelo
longo e revolto, trazendo sobre a cabeça um ornamento
de plumas coloridas. Nas mãos traz um arco, flechas e
uma aljava, com seus pés esmaga um crânio humano,
o que assinala sua belicosidade e canibalismo. Por
detrás dela costuma haver um jacaré ou lagarto, animal
frequente em suas terras.13
Nunca é demais lembrar que essas imagens iniciais da América
alegorizada trazem uma mulher de corpo e rosto caucasiano, em
nada lembrando a fisionomia ou compleição física das nativas do
Novo Mundo. Ainda aprofundando esta discussão, é preciso destacar
também que a Europa de fins do Renascimento e transição para
o Barroco estava mais marcada pelo conflito e pela perda do que
pela plenitude14, num contexto influenciado pela Reforma católica,
por um profundo deslocamento econômico, por controvérsias
políticas e religiosas, ou seja, tratava-se de um mundo ideal para sua
própria representação alegórica, e mais ainda para a alegorização
da alteridade.
Já são clássicas as teorizações de Walter Benjamin sobre esse
assunto, em sua tese de livre docência. Ao analisar o drama trágico
alemão do século XVIII, em dado momento ele destaca como o devir
histórico relaciona-se com a alegoria barroca:
Quando, no drama trágico, a história migra para o
13
Tradução livre, de minha autoria. O texto original: “América es de piel oscura y
está asimismo desnuda, según usanza de sus aborígenes. Es de rostro fiero, con
el cabello largo y esparcido, y lleva sobre la cabeza un ornamento de plumas
de colores. En las manos porta arco, flechas y un carcaj, y con sus pies aplasta
un cráneo humano, lo que apunta a su belicosidad y canibalismo. Tras ella suele
haber un caimán o lagarto, animal frecuente en su tierra” (ZUGASTI, 2005, p. 23).
14
SCANLAN, 1999, p. 15.

37
C M S. O

cenário da ação, ela fá-lo sob a forma de escrita. A palavra


“história” está gravada no rosto da natureza com os
caracteres da transitoriedade. A fisionomia alegórica da
história natural, que o drama trágico [barroco] coloca
em cena, está realmente presente sob a forma da ruína.
Com ela, a história transferiu-se de forma sensível para
o palco. Assim configurada, a história não se revela
como processo de uma vida eterna, mas antes como o
progredir de um inevitável declínio. Com isso, a alegoria
coloca-se declaradamente para lá da beleza. As alegorias
são, no reino dos pensamentos, o que as ruínas são no
reino das coisas. Daí o culto barroco das ruínas.15
Ora, o fato de as populações nativas da América viverem num
outro estágio do processo civilizatório, considerado inferior pelos
conquistadores europeus, as colocava numa posição de reflexo do
próprio passado europeu, mas sem que isso fosse subentendido
ou mesmo plenamente admitido pela cultura europeia de então.
Compreender o outro passava, antes, por conhecer a si mesmo, e
os primeiros contatos com os “selvagens” podem ser vistos como
uma tentativa um tanto desesperada de aceitar e, assim, poder
compreender aquele universo que não estava previsto nos dogmas
e nas escrituras judaico-cristãs. Talvez isso explique um pouco
o fato de as imagens da América trazerem fisionomias e corpos
caucasianos. Há também o detalhe de que os artífices e artistas
que as confeccionavam, em sua quase totalidade, não tinham
estado no Novo Mundo e construíam suas imagens a partir de suas
próprias experiências. Assim, não surpreende que uma indígena que
represente o continente, acompanhada de seu rebento, tenha toda
a aparência de uma italiana, na tela pintada por Niccolo Frangipane16
15
BENJAMIN, 2011, p. 189.
16
Pintor friulano nascido em Tarcento no ano de 1555, morreu em 1600. É

38
AA A

em fins do século XVI (Fig. 6).


Em tamanho natural e de pele clara, a América de Frangipane
não alude diretamente ao belicismo ou ao canibalismo. Quem traz
algum tipo de arma é o menino ao seu lado, que segura uma pequena
flecha com a mão direita e carrega um arco às costas, tudo em escala
infantil e que, como miniatura, não oferece perigo algum. O torso da
mulher parece recoberto por uma camiseta translúcida, que deixa
ver seus seios, já que há uma clara diferença entre a coloração desta
parte do corpo e a dos braços, pescoço, rosto e pernas. As plumas que
formam o manto e a saia da mulher estão cuidadosamente arranjadas,
de modo a cobrir sua genitália. Além disso, a indígena usa finos
brincos e traz um longo colar com pedrarias vestido em diagonal,
além de uma gargantilha decorada com penas e pedrarias e um par
de botas finamente confeccionadas. Na cabeça, traz um tipo de elmo
enfeitado com plumas e pedras preciosas. Ora, as joias e o elmo
são elementos muito mais ligados à cultura europeia, relacionados
à riqueza e ao poder militar. As botas, por sua vez, a distanciam
da selvageria. Em outras palavras, a América de Frangipane é um
simulacro do Novo Mundo, um arremedo que reinterpreta elementos
distintivos da própria realidade europeia e os usa para cristalizar uma
visão mais palatável deste universo ainda incógnito ao conquistador.
Percebe-se com esta pintura que, à altura de 1590, ainda não
estava completamente estabelecido entre os europeus o modelo de
representação alegórica do Novo Mundo, e isso pode ser percebido
claramente na diversidade de elementos agregados a diferentes
imagens produzidas entre o último quartel do século XVI e as primeiras
décadas do século XVII.
Enquanto na gravura de Étienne Delaune, datada de 1575 (Fig.
homônimo de um pintor vêneto que viveu à mesma época, mas que possuía
uma técnica muito superior à sua. É considerado um artista menor do período e
sobre sua biografia se sabe muito pouco (MANCINI, 1998).

39
C M S. O

7), aparece uma mulher nua com um pequeno cocar na cabeça,


portando arco, aljava e flechas, sentada ao lado de uma feroz lhama,
como que a controlando, nos desenhos de Marten de Vos aparecem
diferentes elementos. No desenho circular, provavelmente elaborado
para a confecção de uma moeda ou medalha comemorativa, há uma
profusão de coisas a cercar uma mulher de traços africanos que
segura um tipo de cajado com a mão direita: um felino, um pássaro
exótico, uma caravela, um rinoceronte – o que demonstra claramente
o desconhecimento do artista sobre a fauna americana – e também
um peixe, pedrarias, uma árvore frutífera e uma cabeça masculina
decepada. O desenho (Fig. 8) assinala tanto a belicosidade como as
riquezas que poderiam ser exploradas pelos homens da embarcação
que repousa no mar encrespado, ao fundo da cena. Um aviso sobre os
perigos da terra, mas também um convite a conquistá-la, certamente.
Já o desenho a bico de pena (Fig. 9) traz a personagem que
depois estaria na imagem gravada por Adrien Collaert, uma mulher
de traços caucasianos, de formas fartas, cabeleira cuidadosamente
penteada num rabo de cavalo enfeitado com uma tiara de pedrarias e
plumas, e brinco delicado na orelha, sentada sobre um tatu gigante e
portando um arco com a mão esquerda e um machado com a direita.
Às costas, uma aljava repleta de flechas. Na gravura (Fig. 10) a mulher
aparece em posição invertida, coisa comum quando se transferia
a imagem do desenho à mão livre para as chapas de gravação em
talho doce ou água forte. O caso é que na gravura há uma profusão
de elementos qualificando e esquadrinhando o que o explorador
poderia encontrar no Novo Mundo: grupos de indígenas caçando e
guerreando ilustram o fundo da cena, com destaque para o preparo
de um banquete canibal à direita da personagem principal; cabras,
ovelhas, um papagaio e tatus representam a fauna exótica que
poderia ser encontrada pelo viajante. Guerra, canibalismo e animais
estranhos, era tudo isso que esperava o europeu na América, apesar

40
AA A

da beleza de suas nativas e da possibilidade de praticar atos e ter


comportamentos normalmente vedados no velho continente. Ao
rodapé da imagem, versos em latim complementam o cenário:
Ela, na verdade, não era antes terra conhecida,
Com largos veios de ouro,
Até as entranhas, é um ser humano mau
Seu coração é selvagem, a clava trazida pela América.17
Marten de Vos foi responsável por inúmeras imagens da
América, nas quais os elementos idealizados sobre o Novo Mundo
dialogam não só com os relatos de canibalismo entre os silvícolas,
mas também com o imaginário fantástico originado da cultura popular
medieval. Não causa espanto, desse modo, que em uma de suas
imagens (Fig. 11), a personificação do continente apareça numa rica
carruagem puxada por unicórnios, enquanto ao fundo da cena, em
meio à mata exuberante, os silvícolas dividem-se entre refregas e o
preparo do banquete canibal, num misto de exotismo e barbárie.
Aliás, o caráter exótico e libertino associado ao Novo Mundo
é justamente aquele encontrado por Américo Vespúcio em pessoa:
uma lasciva América, deitada languidamente sobre uma rede, recebe
o navegador com ar de espanto, e ao seu lado, junto à árvore que
sustenta uma das pontas da rede, repousa uma borduna, pronta para
ser usada. Ao fundo da cena, duas pessoas preparam um banquete
canibal, assando uma perna humana sobre uma crepitante fogueira
(Fig. 12). Um felino, uma raposa e um tamanduá completam a cena
selvagem. O incauto explorador traz nas mãos os símbolos da
civilização: um astrolábio e uma bandeira cujo mastro termina numa
cruz cristã. A nau em que chegara ao Novo Mundo repousa em águas
17
Tradução livre, de minha autoria. O texto original da gravura: “Illa quidem
nostris dudum non cognita terris,/ Facta brevi auriferis late celeberrima venis,/
Visceribus scelerata suis humana recondens/ Viscera feralem praetendit America
clavam”.

41
C M S. O

revoltas no canto da imagem, assim como a pequena embarcação


que levou o desbravador à praia. Dois mundos se encontram aqui,
ambos sem compreender plenamente seu outro: abismados com
a alteridade, só podem se observar, no intuito de tentar assimilar
minimamente o novo universo que se apresentava a ambos...
Michel de Certeau considerou que esta imagem representava
alegoricamente a própria cena inaugural da América perante os
europeus. A América, como quarta parte do mundo, para ele só pôde
começar a existir a partir do momento em que passou a ser descrita,
a ser transformada “num campo de expansão para um sistema de
produção”18. Um jogo de poderes se deu aí, e foi a escrita da História
deste Novo Mundo, por meio de palavras ou imagens, que veio
assegurar o poder do colonizador sobre estas novas terras. Em outras
palavras, trata-se de uma “escrita conquistadora”19, nos termos de
Certeau. Hoje se tem a certeza de ter se tratado de um processo
inexorável, contra o qual a pobre América não tinha a menor chance.
Recorrentemente, contudo, as alegorias da América retornam
àqueles elementos que seriam fixados na Iconologia de Cesare Ripa.
O continente personificado numa mulher selvagem, algumas vezes de
compleição um tanto andrógina, com o corpo nu, de fartos cabelos,
com a cabeça adornada por cocares ou plumas, tendo aos pés pedaços
de corpos humanos e às mãos armas como o arco e a flecha, próxima
a algum animal exótico. Assim ela aparece numa gravura de Phillipe
Galle, datada das últimas décadas do XVI (Fig. 13), bem como na
imagem desenhada por Marcus Gheeraerts e também gravada por
Galle à mesma época (Fig. 14).
No caso da imagem de Gheeraerts, o que se observa é uma
miscelânea de elementos e personagens americanos circundando a
personificação alegórica do continente. Um tupi e um peruano, na
18
CERTEAU, 2007, p. 9-10.
19
CERTEAU, 2007, p. 10.

42
AA A

parte superior da imagem, fazem o contraponto para um casal de


inuits20 – incluindo seu rebento, carregado às costas pela mulher –
aos pés da personificação da América, que de dedo em riste parece
estar pronta a permitir que o observador a decifre, tal qual uma
esfinge das terræ incognitæ. Trópicos e zonas geladas se igualam no
exotismo, ladeados por diversos papagaios, um felino e um bode,
além de duas criaturas grotescas, aladas e fantásticas, meio homem,
meio cavalo marinho, e dois caracóis gigantes. Tudo estranho, tudo
novo ao homem europeu. Embora Michael Gaudio considere fútil a
tentativa de interpretar esta imagem, pois a seu ver ela não tem uma
mensagem alegórica coerente21, entendo que há sim algo nela que
está para além de seus próprios elementos visuais: “esteja pronto
para enfrentar o desconhecido”, ela parece sussurrar a quem quiser
observá-la. O mesmo exotismo aparece no frontispício de America
Tertia Pars memorabile Provinciae Brasiliae Historiam, de Theodore
De Bry (Fig. 15), com a ressalva de trazer, talvez pela primeira vez,
uma representação mais próxima do real no que diz respeito à
indumentária dos nativos brasileiros: ali estão os adornos de penas
e cocares dos tupinambás, tal como foram preservados em museus
europeus.
Por volta de 1630 o gravador britânico John Stafford publicou
em Londres uma série alegórica com as quatro partes do mundo,
provavelmente elaboradas por ele mesmo22. Seguindo a tradição
então vigente, mulheres representam cada um dos continentes, tendo
agregados às suas imagens elementos simbólicos representativos
de sua condição cultural e dos costumes de seus habitantes. Desse
modo, na imagem que representa a América (Fig. 16) aparece uma
mulher nua, sentada sobre uma pedra, com enquadramento de ¾.
20
Autodenominação ancestral dos esquimós.
21
GAUDIO, 2008, p. 74-75.
22
Informação disponível no sítio eletrônico do The British Museum. URL: <http://
www.britishmuseum.org>.

43
C M S. O

Com a mão direita segura um arco, que traz apoiado em seu assento;
com a esquerda, segura um pernil humano; às costas, uma aljava com
diversas flechas. De cabelos presos atrás da cabeça, ostenta um cocar
de penas e uma pedra preciosa sobre a fronte. No pescoço, um colar
de pérolas adornado com uma gema ao modo de pingente.
Não bastasse o horror do pedaço de carne humana nas mãos
da mulher que representa o Novo Mundo, ao fundo da imagem, à
direita da personagem principal, um homem e uma mulher preparam
um assado para seu deleite num ato de canibalismo, enquanto outro
indígena, ao longe, caça um cervo com arco e flecha. Um tatu e um
papagaio também aparecem na imagem, para não deixar dúvidas
quanto ao local onde se desenrolava aquele tipo de cena. Selvageria
e barbárie estão ali, sem sombra de dúvida, para destacar o quão
aterrador aquele mundo desconhecido poderia ser ao viajante
incauto. Quase que imperceptível, na direção da boca da mulher-
América e por sobre o papagaio que a observa, aparece um dístico
em latim: “Pavir qui genuit”, “Que haviam se alimentado”. Um pouco
enigmática à primeira vista, a frase me parece aludir diretamente à
cena de canibalismo representada na outra extremidade da gravura.
Já os versos que acompanham a imagem, escritos por George
Wither, trazem uma visão literária sobre o mundo selvagem do
novo continente, como que externando a esperança de civilizá-lo
plenamente algum dia:
Embora para minha irmãs por tanto tempo desconhecida
eu tenha repousado,
Sou tão rica e mais vasta do que elas,
Minha rudeza bárbara expressa plenamente
O que a Natureza é, até termos trajado Virtudes
Mas onde a assustadora Escuridão da Morte ainda está
O resplendor do amor dos Deuses eu espero encontrar 23
23
Tradução livre, de minha autoria. O texto original, redigido em inglês do século

44
AA A

O neerlandês Crispjin Van De Passe, gravador que comandava


uma próspera tipografia com seus filhos em Antuérpia, ficou tão
impressionado pelas descrições do rito asteca de sacrifício humano
que o incluiu em uma de suas imagens alegóricas representando
a América (Fig. 17), dando um impacto mais amplo aos elementos
básicos retirados de Ripa24.
Desse modo, a alegoria apresentada por De Passe multiplica
os elementos associados ao continente americano25, a começar
pelos animais – leopardo, papagaios, condor, serpente, canídeo – e
o que seria o lado mais bárbaro daquela terra inóspita: os atos de
canibalismo26.
Enquanto as representações clássicas que ilustram Ripa
mostram apenas uma cabeça decepada, De Passe apresenta ao menos
três delas em primeiro plano, ao mesmo tempo em que também três
demônios alados circundam um altar onde uma pessoa é sacrificada
em meio às chamas de uma fogueira, em frente a um grupo de
indígenas prostrados em adoração, no canto superior esquerdo da
imagem, e em primeiro plano, no canto inferior direito da cena, aos
pés do indígena que traz duas das cabeças como oferenda à América,
crepita no fogo um recipiente de onde quase saltam pés e mãos
decepados, sendo cozidos para o banquete grotesco.
A América representada por De Passe repete o modelo
de “princesa indígena”, com um arco nas mãos, joias em seu
pescoço, braço e tornozelos, cocar de penas na cabeça, um manto
desleixadamente caído sobre o ombro direito e genitália coberta por
XVII, que acompanha a gravura: “Though to my Sisters long unknowne I lay,/ I am
as rich, and greater farr then they,/ My barbarous rudenes doth at full exprese/
What Nature is, till wee have Graces drese,/ But where the loomy Shades of
Death yet bee/ The Sunnshine of Godds love I hope to see”.
24
HONOUR, 1975, p. 87-89.
25
PRATT, 2013, p. 17.
26
PANCORBO, 2008, p. 151-159.

45
C M S. O

um arremedo de saiote também de penas. Sentada sob uma frondosa


árvore, essa princesa tem, ao seu lado, o símbolo do Império Asteca, o
condor devorando uma pequena serpente. Para reforçar a ambiência
da imagem no México, aparece ao fundo, no canto superior direito,
um grupo de nativos que executa um prisioneiro segundo um dos
rituais astecas, catorze cabeças aparecem empaladas e, ao centro, por
detrás da cena principal, um par de guerreiros abate um inimigo numa
refrega. Estão aí os principais elementos a serem constantemente
reforçados por relatos orais e imagens: uma terra habitada por
selvagens e que ameaçava os incautos com rituais de canibalismo.
Mais ainda: ali as coisas se invertiam, e um forte e valoroso guerreiro
era subserviente a uma princesa cheia de lascívia.
Stephanie Pratt destaca justamente este aspecto na gravura
executada por De Passe:
Aqui, as expectativas convencionais da mulher como
uma figura complacente ou subserviente são superadas,
com a princesa indígena num completo auto-domínio de
sua posição e dignidade, servida por um guerreiro. Sua
capacidade de assumir o manto da violência e crueldade
tipicamente associada ao masculino adiciona um
frisson especial para esse desenvolvimento da América
alegórica.27
É interessante notar também a circularidade existente entre
diferentes suportes das representações visuais sobre a América.
Não era incomum que uma gravura influenciasse a confecção
27
Tradução livre, de minha autoria. O texto original: “Here, the conventional
expectations of woman as a compliant or subservient figure are overtuned,
with the Indian Princess in full self-position of her rank and dignity, served
by a male warrior. Her ability to take on the mantle of violence and cruelty
typically associated with the male adds a particular frisson to this deployment of
allegorical America” (PRATT, 2013, p. 17).

46
AA A

de uma pintura, ou que pinturas fossem divulgadas por meio de


gravuras avulsas. Um exemplo dessa prática pode ser encontrado
na ressignificação de uma gravura elaborada pelo pintor francês
Charles Le Brun, em meados do século XVII (Fig. 18). Assim como
na gravura de Stafford, vemos ao fundo da imagem cenas de caça
e de canibalismo, mas em primeiro plano aparece um casal de
nativos com seu rebento, como que assinalando que mesmo na
barbárie algumas coisas se assemelhavam à civilização europeia:
nos trópicos também havia um laço familiar entre os indivíduos...
É interessante analisar, contudo, como essa imagem de
pequenas dimensões, feita para grande circulação, já que podia ser
impressa inúmeras vezes, será reapresentada numa tela de tamanho
bem maior (Fig. 19). Lá está o casal americano com a criança; o homem
nativo com as armas; o banquete canibal sendo preparado; a refrega
entre indígenas. Mas também aparece o conquistador europeu, no
plano médio da imagem, conversando com um nativo, e também ao
fundo, com as naus atracadas numa bela enseada e alguns homens do
mar travando contato com os indígenas, na praia. Acréscimos feitos,
provavelmente, para assinalar justamente que o Novo Mundo jamais
seria o mesmo depois da chegada do colonizador europeu.
A fauna e a flora exóticas por sua vez, na tela anônima hoje
pertencente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo,
funcionam como repoussoir28 para a cena principal. O que interessa
ali é mostrar que aquele mundo estranho e exótico começava a ser
“enquadrado” no mundo civilizado: seus dias de barbárie, a partir da
presença do homem europeu em suas terras, estavam definitivamente
chegando ao fim.

28
Elemento de primeiro plano em uma pintura, desenho ou gravura, de tons
mais fortes ou personagens em destaque, que tem o objetivo de salientar
outro elemento da composição ou produzir, através do contraste, um efeito de
profundidade na imagem.

47
C M S. O

Se pode tomar a gravura de Le Brun e sua reinterpretação em


tela como um exemplo de que o processo do exercício de assimilação
e organização do imaginário sobre o Novo Mundo foi, ao longo
do século XVII, se tornando cada vez mais complexo, agregando
elementos que remetiam às riquezas naturais e possibilidades
comerciais do continente. Se no frontispício de America Tertia Pars de
Theodore de Bry, ainda em 1592 (Fig. 15), aparece não uma alegoria
feminina representando o continente, mas sim diversos indígenas
brasileiros, inclusive praticando explicitamente o canibalismo, alusão
também presente na gravura de John Stafford, produzida cerca de
quarenta anos depois, já no Atlas Maior de Joan Blaeu, de 1665 (Fig.
20), e no Nieuwe em Onbekende Weereld de Arnold Montanus, de
1671 (Fig. 21), o que se vê é uma mulher representando a América,
mas cercada por indivíduos dedicados a atividades produtivas bem
diversificadas. Se na gravura do atlas de Blaeu a mulher ainda traz
associados a ela todos os elementos da representação alegórica de
Ripa, em Montanus os principais sinais de barbárie, ou seja, a cabeça
masculina decepada e as armas, já não estão mais presentes, e a
América surge como dadivosa soberana indígena, acima tanto dos
nativos como também dos europeus.
Na imagem colorida do Atlas Maior29 de Blaeu percebe-se
29
Com versões em latim, francês, holandês, alemão e espanhol, o Atlas Maior de
Joan Blaeu hoje é considerado como a obra mais cara publicada na Europa em
todo o século XVII, e uma coleção com todos os volumes, cujo número podia
variar de 9 a 12 tomos, de acordo com o idioma da versão, poderia custar de 330
a 460 florins em 1670, segundo tabela de preços da oficina dos Blaeu. O preço
final da obra para o consumidor dependia do idioma e do acabamento (cópia em
preto e branco ou aquarelada, douramentos, qualidade da encadernação, etc.).
Trata-se de valor extremamente elevado, pois os aluguéis comerciais de uma
loja de tamanho razoável ou de uma propriedade rural produtiva em Amsterdã
e seus arredores, à época, ficavam entre 400 e 700 florins ao ano. Peter Van de
Krogt calcula que, a preços atuais, uma edição completa do Atlas Maior sairia em
média por cerca de € 20.000 (KROGT, 2006, p. 54).

48
AA A

claramente a presença de africanos, possivelmente escravizados,


labutando na mineração de prata, mas lá estão também o canibalismo,
o lagarto exótico e a providência divina a vencer, pela espada do
colonizador, o mal personificado no anjo caído, tudo assistido à
distância pela embarcação europeia fundeada numa enseada, ao
longe, no litoral. Em Montanus, o que mais se destaca é a presença
da personificação do continente em meio àquilo que poderia ser
entendido como um grande mercado à frente de uma fortificação
colonial. Europeus e indígenas se misturam, em meio a pedrarias,
lhamas, carneiros, soldados e um grande e feroz felino, enquanto a
América, que é carregada por dois homens musculosos e barbudos
– como se fossem Atlas a suportar o mundo em seus ombros – joga
a seu público algumas pedrarias e um colar.
Diversos significados podem ser desdobrados destas duas
imagens. Que ambas ilustrem compêndios cartográficos neerlandeses
do século de ouro parece ser um detalhe importante para tentar
compreendê-las.
No caso específico do Atlas Maior é preciso lembrar também
que o próprio Joan Blaeu – em conjunto com seu pai, Willem – lançou,
em 1635, ao modo de um ensaio para o grande empreendimento
editorial de sua oficina, o Theatrum Orbis Terrarum sive Atlas Novus,
cujo frontispício (Fig. 22) reproduzia a imagem utilizada cinco anos
antes no Atlantis Appendix (Fig. 23) pelo próprio Willem, ainda sem
a ajuda do filho que mais tarde o sucederia no comando da oficina
tipográfica30. A imagem em questão trazia, em meio a inúmeras
alegorias alusivas ao conhecimento cartográfico, aos navegadores
europeus e à providência divina, quatro representações femininas
dos continentes então conhecidos. Ao contrário de Ortelius (Fig.
2), que representara a Europa acima de Ásia, África, América e Terra
do Fogo, o velho Blaeu coloca o conhecimento científico, o saber
30
RIJKEBOER, s.d.

49
C M S. O

marítimo, o Cosmo (na alegoria da Via Láctea), as musas inspiradoras


e as bençãos divinas como superiores a todos os quatro cantos da
Terra. Conhecimento, ímpeto e fé, portanto, constituem-se como
qualidades imprescindíveis à descrição do mundo: somente a partir
delas se pode exercer pleno domínio das vastidões do Orbis Terrarum.
Essa maneira de por as coisas não era gratuita, obviamente. Estava
ligada a uma conjuntura mais ampla, que permitiu que, ao longo do
século XVII, a arte cartográfica se desenvolve-se a pleno vapor nos
Países Baixos.
Em síntese, era através do mapa que a atividade comercial
da WIC começava a ser planejada para o Novo Mundo, afinal era
preciso conhecer o território para bem conquistá-lo e usufruir de
suas riquezas. Segundo Svletana Alpers, os mapas do século de ouro
neerlandês tinham um sentido muito especial, funcionando também
como objetos de poder e de prestígio naquela sociedade burguesa:
No caso dos mapas, parece óbvio que a função pretendida
da imagem tinha algo a ver com o tipo de conhecimento
ou informação que ele transmitia e o tipo de precisão que
era desejável. Conforme ele fosse usado para possibilitar
a um navio que navegasse os mares ou que entrasse nos
portos, que um exército montasse um cerco ou que um
Estado cobrasse impostos, diferentes tipos de elementos
eram requeridos. Mas, apesar das diferenças de tipo, é
importante não esquecer a aura de conhecimento que
cercava os mapas como tais, independentemente de sua
natureza ou de seu grau de precisão. Essa aura conferiu
prestígio e poder aos mapas enquanto tipo de imagem.31
31
Tradução livre, de minha autoria. O texto original: “In the case of maps it seems
obvious that the intended function of the image had something to do with the
kind of knowledge or information it conveyed and the kind of accuracy that was
desirable. According to whether it was used to enable a ship to navigate the
seas or enter ports, to enable an army to mount a siege, or to enable a state to

50
AA A

Note-se o detalhe de que os mapas eram confeccionados com


uma cartela, que geralmente trazia seu título e informações técnicas,
como a escala da imagem. Neste espaço comumente aparecem
alegorias do território retratado ou representações dos nativos. No
caso dos tratados de cartografia ou atlas, era quase uma regra que
cada seção fosse aberta com uma alegoria do continente ou porção
de terra cartografado, tal qual em Blaeu e Montanus. Tais alegorias,
em meu entendimento, seriam um tipo de síntese do imaginário
circulante na cultura europeia de então acerca do Novo Mundo, um
tipo de briefing que preparava o leitor para todas as maravilhas e
perigos que se lhe apresentariam, caso se dispusesse a visitar terras
tão distantes32.
Em Roma, já na última década do século XVII, Andrea Pozzo,
irmão leigo jesuíta, executa sua obra prima, o afresco do teto da nave
da Igreja de Santo Inácio de Loyola. A imagem, mostrando a apoteose
do fundador da Companhia de Jesus, é ladeada, junto às paredes que
parecem se fundir ao trompe l’oeil do teto, por quatro alegorias dos
continentes então conhecidos33. O estereótipo da índia americana se
tax, different kinds of things were demanded. But despite differences, in kind
it is important not to miss the aura of knowledge possessed by maps as such
regardless of the nature or degree of their accuracy. This aura lent a prestige and
power to maps as a kind of image” (ALPERS, 1983, p. 133).
32
Para maiores detalhes sobre esta linha de raciocínio, ver: PRIORE, 1992, p. 3-13.
33
Oficialmente, o primeiro europeu a avistar a Austrália e desembarcar em suas
terras, reclamando-as para a coroa britânica, foi o capitão James Cook, em 21 de
agosto de 1770. Há, entretanto, diversas teorias acerca da visita de navegadores
portugueses ao seu litoral em 1522 (Cristovão de Mendonça) e 1525 (Gomes de
Sequeira), bem como a certeza, documentada, de que diversas embarcações
neerlandesas atracaram em diferentes pontos da costa australiana ao longo do
século XVII sem, contudo, tomar posse de tais paragens, especialmente pelo
fato de terem encontrado resistência ferrenha de grupos de aborígenes e de, à
primeira vista, o território ser inóspito e não possuir atrativos comerciais para a
Companhia das Índias Orientais. Acredita-se que os portugueses teriam mantido
segredo quanto a suas visitas à região por conta do Tratado de Tordesilhas e o

51
C M S. O

repete ali mais uma vez, de seios desnudos e cocar colorido (Fig. 24).
No entanto, mesmo reforçando no imaginário europeu a associação
do Novo Mundo ao exotismo, aqui a personagem aparece numa
acepção de sentido mais sutil. Apoiada numa rocaille, segurando com
a mão direita uma lança e tendo às costas um felino a rugir, a América
fustiga corajosamente o que parecem ser dois anjos caídos, a fim de
que eles não atrapalhem a apoteose que ocupa o centro do teto. A
selvagem se rende à força da catequese jesuítica e, assim como a
África, a Ásia e a Europa, põe-se a serviço da obra evangelizadora da
Companhia de Jesus, defendendo seu fundador.
Essa nova apresentação da personagem alegórica não destoa
do processo de suavização do estereótipo bárbaro e canibal: o que
se pode perceber, ao longo do século XVII, é que às alegorias cheias
de simbolismos representando a América vão se agregando mais e
mais elementos representativos de suas riquezas reais, ao ponto de
chegarmos a imagens que aliviam ou mesmo abandonam o discurso
alegórico para apresentar explicitamente aquilo que se poderia
extrair de suas entranhas, quer fosse o apoio de seus nativos à ação
catequética dos jesuítas, ou mesmo o minério de prata das montanhas
de Potosí, associação que aparece num dos frontispícios de seção do
Atlas Novus de Heinrich Scherer, datado de 1703 (Fig. 25).
A ilustração de Johannes Degler apresenta detalhadamente
não somente a cidade de Potosí, mas também as diversas etapas do
processo de mineração e também, ao pé da imagem, comerciantes
que vendem aves e víveres, dois nativos que transportam produtos
empacotados no lombo de uma lhama, enquanto outro nativo conduz
uma carroça carregada de pães de açúcar. Ao longe, no litoral, diversas
benefício que a coroa castelhana teria com a descoberta do novo continente,
e também que a documentação de bordo de tais expedições se perdeu
definitivamente no incêndio de Lisboa que se seguiu ao terremoto e ao tsunami
de 1755, eventos que arrasaram boa parte da cidade, incluindo prédios públicos
onde se arquivava esse tipo de registros.

52
AA A

naus esperam para serem abastecidas e, assim, poder partir para a


Europa, com os porões abarrotados pelas riquezas americanas. Aí já
não cabe pensar numa representação alegórica, mas sim no registro
das riquezas americanas prontas a serem exploradas...
No entanto, menos de uma década depois da impressão deste
registro da riqueza em Potosí, é inaugurado em solo inglês um
monumento em honra da Rainha Anne: nele a monarca aparece de
pé sobre um pedestal ladeado pelas personificações femininas dos
territórios que, então, eram considerados como pertencentes à Coroa
britânica34, e onde a personificação da América do Norte aparece
seguindo ainda a estilização inaugurada por Ripa em começos do
século anterior (Fig. 26). Erguido no átrio ocidental da Catedral de
St. Paul, o monumento reforçava, na Londres setecentista, a visão
então já sedimentada no senso comum europeu de um continente
povoado por bárbaros canibais e beligerantes.
Desse modo, não causa espécie que um gravador francês,
Pierre-Alexandre Aveline, ativo entre 1717 e 1760, membro de uma
respeitada família de gravadores parisienses, ainda reproduza (Fig.
27) quase de maneira idêntica a idumentária do americano retratado
na gravura de Charles Le Brun (Fig. 18). A novidade fica por conta
de outros detalhes que, talvez, passem até mesmo despercebidos
pelo observador mais incauto. Em primeiro lugar, a embarcação
34
A estátua da Rainha Anne retrata a monarca no momento da conclusão da
catedral, em 1710. O monumento que hoje está instalado em frente à fachada
oeste da Catedral de St. Paul é uma réplica de 1886, feita por Richard Claude Belt,
e substituiu a versão original, de mármore de Carrara, esculpida por Francis Bird
em 1712 e que se encontrava arruinada. As alegorias em torno da base da estátua
representam a Inglaterra, a França, a Irlanda e a América do Norte, territórios
sobre os quais a Rainha Anne considerava-se soberana de direito, embora
no caso da França não o fosse de fato. O monumento original foi entregue a
Augustus Hare, um editor de guias de viagem que pagou pela execução da cópia
de Belt, e ele o instalou em sua propriedade em Holmhurst, Sussex.

53
C M S. O

conduzida por nativos, que luta contra as ondas que lhe fustigam o
casco, tentando atracar na praia, parece ser feita de juncos, ou seja,
trata-se de um barco encontrado somente na costa do Pacífico, entre
os nativos de descendência incaica. A vestimenta do americano em
primeiro plano da imagem, portanto, não corresponde ao contexto
da embarcação. Ao fundo da imagem aparece, na continuação da
orla, à esquerda da cena, uma fortificação de pedra onde se destaca
um poste com uma gávea no cume, funcionando como um posto de
observação privilegiado, junto a uma outra construção comprida,
coberta por um telhado de palha bem simples. O gentio local e o
conquistador europeu estavam, ali, a dividir o mesmo espaço.
O detalhe mais interessante nesta gravura, no entanto, é a
mulher que pousa sua mão direita gentilmente por detrás do pescoço
do americano viril. Seminua, seus cabelos são claros e os traços,
totalmente europeus. Ela segura, com a outra mão, uma pomba
branca, símbolo associado tradicionalmente, na cultura europeia,
ao Espírito Santo ou, na tradição judaico-cristã, ao Dilúvio e salvação
de Noé após os 40 dias de tempestade navegando com sua arca.
Somente este detalhe já fala muito, especialmente se considerarmos
os quatro versos que acompanham a imagem, escritos em seu rodapé:
Lidamos com nossos costumes com nosso capricho,
Seguimos a Natureza em total liberdade,
Ao cruzar os mares, a Avareza cruel
Veio para nos fazer sofrer um jugo pouco merecido.35
Ecos do Iluminismo de Rousseau, por acaso? O bom selvagem
aparece, ali, como alguém que é consolado pela própria personificação
da Europa, que lhe oferece a pombra branca da salvação mas, ao
35
Tradução livre, de minha autoria. O texto original da gravura: “Nous reglions
nos moeurs suivant notre caprice,/ Nous suivons la Nature en toute liberté,/
Quand traversant les Mers, la cruelle Avarice/ Vint nous faire souffrir un joug peu
mérité”.

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mesmo tempo, lhe explora desavergonhadamente.


Por outro lado, em meados do século XVIII a imagem da Rainha
Indígena é retomada pelo vêneto Giovanni Battista Tiepolo36 em uma
de suas obras mais grandiosas: o afresco do teto das escadarias da
entrada do Würzburg Residenz. Contratado para decorar os tetos
de diversos espaços do palácio recém-construído pelo Príncipe e
Bispo Karl Philipp von Greiffenklau, o pintor italiano escolheu para
a entrada suntuosa o tema alegórico das quatro partes do mundo,
agregando a ela o deus grego Apolo. Cerca de um século e meio
após a publicação da primeira edição ilustrada da Iconologia de Ripa,
se percebe claramente na pintura em questão a permanência dos
atributos do Novo Mundo já tão fixados no imaginário europeu.
Dominando a porção que lhe cabe no teto, a alegoria da
América (Fig. 28) aparece cavalgando um gigantesco crocodilo, com
aljava e arco presos às costas e um pequeno escudo metálico junto
à mão direita. Próximas à mandíbula do réptil gigantesco, algumas
cabeças humanas decepadas. A cena também traz caçadores, índias
carregando cestos, animais exóticos, flâmulas, cornucópias e talvez
o preparo de um banquete canibal. Curiosamente, na cena está
presente também aquilo que parece ser a representação de um orixá,
Obaluaiyê, por trás de um grupo de caçadores musculosos37. Este
36
Na decoração de todo o palácio, tarefa que durou quase quatro anos, Tiepolo
comprovadamente teve o auxílio de seu filho Giandomenico e, possivelmente,
também do caçula Lorenzo (ASHTON, 1978, p. 112).
37
Há que se considerar também que alguns povos indígenas da porção nordeste
da América portuguesa realizam até hoje rituais utilizando indumentárias
semelhantes a esta representação de Tiepolo, confeccionadas com a palha do
ouricuri, como os Pankakaru, no sertão de Pernambuco. A divulgação de tais
práticas na Europa setecentista, no entanto, ainda não pôde ser comprovada.
A hipótese de a imagem pintada por Tiepolo representar o orixá africano é
mais plausível, justamente pela presença do crescente lunar acima da cabeça
da personagem, como também devido ao maior contato dos europeus com os
povos africanos, decorrente do tráfico de escravizados pelo Atlântico.

55
C M S. O

orixá, “rei e dono da terra”, cuja veste é de palha e lhe cobre o corpo
todo, esconde o segredo da vida e da morte, detalhe bem inusitado
para este tipo de construção imagética, especialmente por se tratar
de uma divindade de origem africana. Dentre as personificações
das quatro partes do mundo ali presentes, Mark Ashton destaca
exatamente o fato de que somente no caso da América Tiepolo foi
mais fiel às normas e padrões estabelecidos por Ripa, agregando
outros elementos presentes também em gravuras de Marten de Vos
(Fig. 10) e de Dirck Barendsz, artista que quando jovem foi aprendiz
de Ticiano38. No caso das alegorias referentes às outras três partes do
mundo, Tiepolo misturou, deslocou e fundiu elementos de diferentes
alegorias da Iconologia de Ripa, conferindo a elas novos significados.
Ora, se as gravuras e relatos impressos sobre o Novo Mundo
destinavam-se à grande circulação entre as mais diversificadas
camadas sociais, esta grande obra de Tiepolo destinava-se à elite
dentro da própria elite: a alta nobreza bávara de Würzburg. O fato
de que o artista misture e confira novo significado a elementos de
diversas fontes, mostra o alcance de uma circularidade cultural que
transitava entre os diferentes níveis de uma mesma sociedade que,
entre os séculos XVI e XVIII, reelaborou e construiu sua própria visão
sobre a alteridade com o Novo Mundo e as outras partes do Globo.
Inclusive, é possível afirmar que foi justamente ao longo do século
XVIII que as representações visuais sobre a América se distanciaram
cada vez mais dos padrões alegóricos construídos sobre a quarta
parte do mundo desde o século XVI. Tais imagens praticamente
deixaram de existir nas novas obras, fossem elas tratados, gravuras
avulsas ou relatos de viagem. Gradativamente passou-se de uma
América idealizada para uma descrição “científica” de sua geografia,
fauna, flora e riquezas minerais que poderiam ser exploradas pelo
conquistador europeu. Contudo, houve uma permanência dessa
38
ASHTON, 1978, p. 111-112.

56
AA A

matriz alegórica quinhentista e seiscentista em algumas obras


artísticas de grande porte na própria Europa – como em Würzburg
– e também em imagens provenientes da América portuguesa, que
pretendo abordar a seguir.
Antes de cruzar o Atlântico, contudo, cabe ainda apresentar
mais uma imagem criada na Europa e que circulou até o século XIX:
uma ilustração aparentemente inocente, que dialoga com a crônica
de viagem39 de um militar britânico de origem escocesa, nascido nos
Países Baixos, John Gabriel Stedman (Fig. 29).
Plenamente alegórica, remetendo mesmo até personagens
mitológicas da Antiguidade, as Três Graças, que tanto apareceram em
pinturas, afrescos, desenhos e gravuras durante o Renascimento e o
Barroco, a imagem foi preparada entre 1791 e 1794 por ninguém menos
que William Blake, o poeta inglês de inclinações místicas, que também
era um exímio pintor e gravurista. Sem reconhecimento por parte de
seus contemporâneos, hoje Blake é considerado uma figura seminal
da poesia e das artes visuais britânicas de fins do XVIII e começos do
XIX, conciliando em sua obra uma visão atormentada que oscilava
entre reminicências barrocas e vanguardismos românticos. O fato é
que, a partir do texto de Stedman, que coordenou pessoalmente a
feitura das matrizes a talho doce e forneceu esboços para as imagens
que queria que acompanhassem o texto de sua Narrative, Blake
abandona a representação construída por séculos no imaginário
europeu e mostra a Europa apoiada pela África e pela América,
numa relação praticamente igualitária, retomando o tema clássico
das Três Graças de uma maneira que pode parecer, a alguns, leve e
despretenciosa. Trata-se daquele tipo de imagem que, realmente,
faz pensar...
Esta representação suscita muitas questões: Stedman queria
mostrar a importância da América e da África para a subsistência da
39
STEDMAN, 1803/ 1813.

57
C M S. O

própria Europa? Ou ele fazia uma crítica velada ao sistema colonial?


De fato, o oficial britânico estava significativamente distante de uma
postura abolicionista ou mesmo pró-colônias: ele era um homem de
seu tempo e reproduzia as ideias e concepções vigentes no que se
refere à relação com as colônias americanas e feitorias africanas. Talvez
Blake tenha interferido mais nesta gravura, contudo é impossível
saber se isso realmente aconteceu. O que se pode afirmar é que esta
representação se distancia enormemente da tradição estabelecida
a partir de Ripa: não temos a selvagem canibal e tampouco a rainha
indígena, mas sim uma harmoniosa composição que equilibra as
diferenças e coloca os três continentes num mesmo patamar e com
laços bem significativos entre si. Seria ela um presságio dos ares da
modernidade oitocentista chegando ao Velho Mundo?

58
AA A

4. A AMÉRICA VISTA PELOS AMERICANOS:


REELABORAÇÕES NO BRASIL SETECENTISTA

pesquisador colombiano Yobenj Chicangana-Bayona


destacou de forma suscinta, em sua tese de doutorado
defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal Fluminense, que

O método iconográfico-iconológico, orientado para


decifrar e analisar os significados conceituais que
compõem a obra de arte constitui, hoje, uma via
fundamental de acesso ao fenômeno artístico, que
complementa os resultados das investigações com base
empirista, formalista ou sociológica, em função de uma
História da Arte; e que, ao mesmo tempo, apresenta-se
como o instrumento mais adequado para conseguir
a inserção da arte no lugar que legitimamente lhe
corresponde dentro da História Cultural.1
Posto isto, e em se pensando a forma por meio da qual as
representações alegóricas da América eram vistas e se fixavam no
imaginário colonial, cabe aqui destacar algumas destas imagens
existentes na América portuguesa.
O que se pode afirmar é que as representações alegóricas
do Novo Mundo que estão do lado de cá do Atlântico, em terras
brasileiras, constituem-se em significações alternativas da Rainha
Indígena que povoava os relatos e imagens acerca da América a partir
1
CHICANGANA-BAYONA, 2004, p. VII.

59
C M S. O

de começos do século XVI e até boa parte do século XVII, incluindo


a amenização dos atributos fixados na Iconologia de Cesare Ripa. O
que se terá por aqui é a cristalização de uma personagem selvagem
sim, mas essencialmente boa, quase que seguindo a concepção de
Rousseau do bom selvagem2, e também plenamente disposta a
receber os ensinamentos cristãos. Tanto é assim que talvez se possa
considerar como um bom exemplo da circulação deste modelo a
figura de convite, de azulejos portugueses, que decora um dos pilares
do claustro superior do convento franciscano de Salvador (Fig. 30).
Parte de um conjunto maior, que além das representações das quatro
partes do mundo inclui também alegorias dos sentidos e dos trabalhos
dos meses, a representação da América que cruzou o Atlântico
vinda das oficinas azulejares lisboetas traz os principais elementos
estabelecidos na iconografia europeia: a rainha indígena de traços
caucasianos, a cabeça coroada com um volumoso cocar emplumado,
na mão direita um arco, na esquerda um periquito. A beligerância e
o exotismo estão ali presentes ainda, embora já não apareça mais
a referência ao canibalismo. Excepcionalmente, a mulher alegórica
não está nua, mas sim coberta por um pudico corpete de penas e
um tecido que mais parece uma toga. Não espanta que tenha sido
este modelo mais “brando” de representação do Novo Mundo que
passou a circular no imaginário colonial brasileiro.
Desse modo, o que vai prevalecer no Brasil do século XVIII é a
apresentação desta Rainha Indígena como coadjuvante nas pinturas
que glorificam a Virgem Maria ou outros santos, como Francisco
de Assis. Duas das mais significativas dentre essas representações
2
A ideia de “bom selvagem” e “estado de natureza” estão no Discours sur l’origine
et les fondements de l’inégalité parmi les hommes, apresentado por Jean-Jacques
Rousseau à Academia de Dijon em 1754 e publicado no ano seguinte. A circulação
destes conceitos na América portuguesa já na segunda metade do século XVIII,
especialmente entre os artífices que produziram as imagens aqui abordadas, no
entanto, não pode ser comprovada (ROUSSEAU, 1820).

60
AA A

são obra de José Joaquim da Rocha, expoente da Escola Baiana de


pintura do século XVIII. Suas alegorias igualmente figuram como
detalhes de cenas mais grandiosas: uma no forro da nave da Igreja
de Nossa Senhora da Conceição da Praia e outra no forro da portaria
do Convento de São Francisco, ambas em Salvador.
Se na Glorificação da Imaculada Conceição (Fig. 31) a América
aparece timidamente por trás da alegoria da Europa, com suas mãos
postas em oração, ela também traz, atada à própria cintura, uma
aljava repleta de projéteis, numa clara alusão à belicosidade de seus
nativos. Apesar de seu torso nu, as mãos da índia ocultam seus seios
e, assim, quase que são escamoteadas as possíveis referências sexuais
da imagem. Além disso, ao ser colocada por trás da Europa, sua
dependência em relação à sede da civilização colonizadora também
fica especialmente assinalada.
Já na pintura do forro da portaria do convento franciscano
(Fig. 32), Rocha alude claramente à função catequética dos frades
seráficos, pois coloca ao lado da representação alegórica da América
o frade São Francisco Solano3, que teve larga atuação missionária
na América espanhola. A Rainha Indígena aparece de joelhos ao lado
do santo, de mãos também postas em oração, mas com os seios à
mostra. Ao invés de aljava, traz um arco que parece estar entregando
ao missionário, a quem dirige seu olhar num misto de adoração e de
3
Missionário espanhol, nascido em Montilla, na diocese de Córdoba, em 10 de
março de 1549, filho de um casal da nobreza local conhecido por sua virtude e
profunda piedade. Recebeu o hábito franciscano aos 20 anos, em sua cidade
natal, e durante longo período atuou como mestre dos noviços no Convento
de Arifazza. Em 1589 foi enviado à América espanhola para missionar, tendo
atuado diligentemente durante quase vinte anos, entre Tucumán e o Paraguai,
na conversão do gentio. Tornou-se um hábil língua, dominando diversos idiomas
e dialetos locais, o que facilitou enormemente sua obra de evangelização. Foi
eleito guardião do Convento de Lima, onde morreu em 14 de julho de 1610.
Beatificado pelo papa Clemente X em 1675, foi canonizado por Bento XIII em
1726 (DONOVAN, 1909).

61
C M S. O

subserviência.
O modelo utilizado por Rocha na Bahia parece ter circulado
entre os frades menores instalados no Brasil, pois salvo pequenas
diferenças de estilo e palheta, além do tema principal, ele se repete
quase que inteiramente no forro da igreja conventual dos seráficos
na Paraíba (Fig. 33), no que se refere aos coadjuvantes – ou seja, os
frades santificados – e às alegorias dos continentes. Até recentemente
atribuída ao próprio Rocha, a Glorificação dos Santos Franciscanos
ou Glorificação de São Francisco traz o mesmo esquema da pintura
feita pelo artista baiano para os frades menores de Salvador. Hoje,
contudo, toma corpo a atribuição de sua autoria a Manoel de Jesus
Pinto4, pintor mediano atuante na vila do Recife no último quartel do
século XVIII e duas primeiras décadas do XIX5. Além da discrepância
das palhetas utilizadas, há diferenças evidentes também no trato
anatômico das personagens presentes nas duas pinturas, embora
pareçam ambas ter sido inspiradas pela mesma fonte iconográfica,
possivelmente uma ilustração de missal, breviário ou compêndio
hagiográfico, ou mesmo uma gravura avulsa que tenha circulado nas
casas franciscanas instaladas nas Capitanias do Norte da América
portuguesa.
Na imagem paraibana, a América aparece semi-ajoelhada, com
a mão esquerda sobre o coração, enquanto segura com a mão direita
seu arco e algumas flechas. De torso nu, o peitoral feito de penas
coloridas esconde seus seios e deixa a cena mais pudica. No entanto,
assim como na imagem baiana, São Francisco Solano ergue a mão
direita em benção misericordiosa à selvagem, ao mesmo tempo em
que lhe controla, por meio do olhar, frente às personagens principais
da pintura, Nossa Senhora da Conceição, no caso do forro baiano,
e São Francisco de Assis e a Santíssima Trindade, no convento da
4
Para detalhes sobre esta atribuição, feita por mim mesma, ver: OLIVEIRA, 2009.
5
Para detalhes biográficos, ver: ACIOLI, 2008, p. 354-357.

62
AA A

Paraíba.
Percebe-se, desse modo, que aqueles atributos repetidos à
exaustão nas alegorias europeias sobre o Novo Mundo são, nestas
três representações, diminuídos a duas essenciais características
dos nativos do continente americano: sua belicosidade intrínseca e,
também, a ideia de que se constituíam em tabula rasa para a recepção
da palavra de Deus por meio da ação dos missionários católicos.
Uma significativa exceção a este tipo de representação
alegórica, contudo, parece ser a cena alusiva ao Parnaso ou ao Éden
(Fig. 34), pintada por José Teófilo de Jesus, principal e predileto
discípulo do próprio José Joaquim da Rocha. A América da pequena
tela não remete, em momento algum, às cenas de barbárie,
belicismo ou canibalismo presentes em diversas gravuras europeias
que a precederam. O que transparece por meio dela é justamente
a concepção de um Éden bíblico à disposição de quem o queira
encontrar. Ali estão as riquezas da terra, aos pés da América: cana
de açúcar, ouro e gemas preciosas. A flora se mostra generosamente
pródiga, com diversas frutíferas oferecendo bananas, jacas, cajus,
melancias, mamões, mangas, abacaxis e cocos para qualquer um que
deseje com esses frutos se banquetear. A fauna exótica não ameaça
a personagem principal: ao contrário, ela a domina por completo, e
onças, cobra, capivara, jacaré, aves diversas e uma rês de gado bovino
partilham do cenário sem se atacar uns aos outros.
Aliás, a presença da rês, por trás da mangueira que protege
a singela e pueril América do escaldante sol tropical, constitui-se
num dos únicos três elementos da cena que denotam a presença
do europeu, já que também foi o colonizador que introduziu, nas
terras americanas, tanto o coqueiro (Cocos nucifera) – importado das
costas africanas – quanto a mangueira (Mangifera indica) – trazida
do subcontinente indiano. Esse Éden parnasiano de Teófilo de Jesus,
portanto, não traz uma natureza selvagem e primordial, mas sim um

63
C M S. O

espaço e, mais ainda, uma paisagem em que a civilização europeia


já se faz presente, mesmo que de forma pouco evidente, por meio
de suas interferências comerciais e traslado de espécimes vegetais.
Por fim, a América de Teófilo de Jesus abre um singelo sorriso
para seu observador, oferecendo-lhe amigavelmente todas aquelas
maravilhas, sem qualquer ônus. Coloca-se, por meio dela, uma questão
interessante: estariam as representações anteriores equivocadas, por
acaso? Chego a acreditar mesmo que o pintor baiano aparenta brincar
com a tradição pictórica do tema de sua tela, como se estivesse
dizendo, em tom de galhofa: “esta é a verdadeira América, e é um
nativo quem lhes diz isso: desfrutem-na”.

64
AA A

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

nalisar uma série de imagens sobre um mesmo tema


não é coisa das mais fáceis de se fazer. Tentar identificar
fontes, encontrar similitudes, perceber permanências,
tudo isto faz parte de uma determinada abordagem
metodológica sistematizada na primeira metade do século passado
e que até hoje encontra oposição e ressalvas. Refiro-me ao método
iconológico de Erwin Panofsky, que ainda considero como um dos
meios válidos de se esmiuçar o universo imagético constituído a partir
do “achamento” do Novo Mundo pelos europeus.
No entanto, creio que cabem aqui algumas outras considerações,
tomando como mote as imagens alegóricas de que tratei, o método
que utilizei para fazê-lo e mais outras ideias sobre o tema, inclusive
algumas coetâneas das gravuras e outras imagens que apresentei.
O literato britânico Sir Jonathan Richardson publicou, em 1719, dois
discursos, um tratando da crítica de arte e da pintura, e outro sobre a
ciência do connaisseur. Nesses textos ele já aponta certos elementos
que, dois séculos depois, Panofsky consideraria imprescindíveis à
análise das obras de arte:

Por fim, para atingir esse ramo da ciência da qual


eu venho tratando uma determinada capacidade é
justamente um requisito. Um homem pode ser um bom
pintor e um bom connaisseur quanto ao valor de uma
imagem, ou de desenhar, e pode ter visto todas as obras

65
C M S. O

primas do mundo e não saber qualquer coisa sobre este


assunto; Isso [a crítica] é uma coisa distinta de todas
essas qualificações e requer uma certa mudança de
enfoque conforme [a obra de arte].1

Richardson considera que o ofício da crítica de arte – ou seja,


a análise das obras de arte – só poderia ser exercido a partir da
experiência pessoal, do conhecimento acumulado que torna o crítico
um connaisseur. Para Panofsky, trata-se do “conhecimento estilístico
(...) [a que] só poderia ter chegado por meio de uma reflexão
histórica”2. Citando Wölfflin, Panofsky destaca que não somente a
forma faz parte da descrição imagética, mas também o seu objetivo,
ou seja, o contexto em que ela é produzida, o modo como circula, sua
recepção, tudo constitui seu sentido e deve ser considerado quando
ela é analisada3.
Omar Calabrese destaca justamente esta característica do
método iconológico de Panofsky:

A palavra [iconologia] tem para Panofsky uma extensão


bastante vasta, que vai da identificação do sujeito a uma
leitura da obra que a liga à complexidade da cultura e
das atitudes mentais da época em que foi composta.4

1
Tradução livre, de minha autoria. O texto original: “Lastly, to attain that branch
of Science of wich I have been treating a Particular Application that very thing is
requisite. A man may be a Good Painter, and a Good Connoisseur as to the Merit
of a Picture, or Drawining and may have seen all the Fine ones in the World, and
not know any thing of This Matter; Tis a thing intirely distinct from all These
Qualifications, and requires a Turn of Thought accordingly” (RICHARDSON, 1719,
p. 148-149).
2
PANOFSKY, 2005, p. 87.
3
PANOFSKY, 2005, p. 88.
4
CALABRESE, 1986, p. 24.

66
AA A

Em texto posterior, o mesmo Calabrese amplia o alcance


da discussão sobre a crítica e análise das obras de arte, propondo
a contraposição dos conceitos de Panofsky com aquilo que ele
denomina de antimétodo:

A metáfora lingüística (...) descende seguramente da


tese croceana da arte como ‘lingüística geral’ e da crítica
como prosa com que traduz conceptualmente a obra de
arte. Do mesmo modo, certo automatismo lingüístico
provém da prática da fuga etimológica heideggeriana.
Portanto, começamos a encontrar no antimétodo
uma linha filosófica muito coerente: a infinidade
potencial das interpretações e não um truque retórico
inconsistente. Mas também é uma tradição com todas
as suas consequências: ao fim e ao cabo, as infinitas
interpretações legitimam qualquer interpretação.5

É sempre bom lembrar que Panofsky foi profundamente


influenciado, no início de sua carreira acadêmica na Europa, pelo
pesquisador vienense que hoje é considerado como um dos
fundadores da moderna História da Arte, ainda em fins do século
XIX: o austríaco Aloïs Riegl. Veio dele a noção de que há algo que
une os artistas de um mesmo contexto, de uma mesma época, à
maneira de uma pulsão. A ela Riegl deu o nome de kunstwollen, um
neologismo que pode ser traduzido como algo próximo a “vontade
de arte” ou “vontade artística”6. Apesar de suas limitações teóricas e
metodológicas, que vem sendo discutidas desde começos do século
XX por pesquisadores das mais diversas extrações acadêmicas, o
conceito ajudou Panofsky a pensar a obra de arte a partir de seu
5
CALABRESE, 1997, p. 16-17.
6
OLIN, 1992, p. 148-153; IVERSEN, 1993, p. 2-18; RIEGL, 2000, p. 87-103; GUBSER,
2006, p. 135-139.

67
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contexto de produção e de suas condições de circulação. O método


iconológico de Panofsky tem uma de suas bases principais nestas
formulações de Riegl, ou seja: a ideia de que a criação artística
não é apenas algo que surge do nada e se manifesta por meio das
mãos do seu criador. Qualquer obra de arte pertence àqueles que
a criaram, mas também à época que a gestou, ao público a que ela
se destinava, aos propósitos que ela pretendia atender. Tudo está
interligado, e é esta compreensão panorâmica, que vai do grande
quadro ao detalhe mais específico, num jogo constante de ampliação
e redução de escalas, que nos permite, hoje, apreender um vislumbre
do que representa qualquer obra artística de outra época, procurando
sempre fugir do espectro de uma análise anacrônica.
O fato é que acredito que as imagens que reuni neste livro
constituem um determinado discurso, firmemente assentado num
construto cultural comum à sociedade europeia entre os séculos
XVI e XVIII. Mais do que isso, tais imagens-discurso foram criando,
também, o domínio dos europeus sobre o Novo Mundo, mesmo
quando surgiam pelas mãos de artistas nascidos na América. Como
afirma Anne Cauquelin:

Em geral supomos que as figuras de estilo, dispostas e


classificadas por ordem em um dicionário, estariam à
disposição dos artistas do ‘estilo’, que ali esgotariam
os instrumentos de sedução de que necessitam. (...)
Essa caixa de ferramentas linguísticas é uma espécie
de instrumento, amplamente disseminado, que nos
serve para fabricar dia a dia nosso ambiente de objetos
e nos permite adaptar as coisas da percepção a nossas
exigências culturais. O mesmo se passa com a paisagem,
para a qual são convocadas, uma por vez, as figuras de
circulação indispensáveis a seu estabelecimento. Porque

68
AA A

nos é necessário, para fazê-la existir, passar da árvore à


floresta, do reservatório d’água ao oceano, do matiz à
cor ‘autêntica’, desse monte de pedregulhos à ruína que
exprime a memória do passado. Adições e abstrações,
preenchimentos da expectativa. E, se em geral não nos
ocupamos muito das operações pelas quais chegamos
a um resultado tal qual o enunciado, (...) sabemos sem
saber que sabemos, utilizá-las com conhecimento de
causa.7

As diversas alegorias da América que aqui apresentei, portanto,


constituem-se também em reflexo da cultura – ou das figuras de
estilo – que as elaborou. Tal qual nos estilos literários a que se refere
Anne Cauquelin, os autores das gravuras e pinturas que aqui reuni
também se valeram de um certo conjunto de “ferramentas” que eram
consideradas válidas pelo público que as consumia. Como já afirmou
Gadamer, “Assim como um gesto simbólico não é apenas ele mesmo,
mas expressa algo diverso por meio daí, a obra de arte também não
é apenas ela mesma enquanto aquilo que é feito”8.

7
CAUQUELIN, 2007, p. 153-154.
8
GADAMER, 2010, p. 52.

69
AA A

6. REFERÊNCIAS

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(1901)”. In: WOOD, Christopher S. (ed.). The Vienna School Reader: politics
and art historical method in the 1930's. Nova York: Zone Books, 2000, p.
87-103.
RIJKEBOER, Henk. “The heritage of Willem and Joan Blaeu”. European
Heritage ORG. Sítio eletrônico. S.r., s.d. Disponível em: <http://european-
heritage.org/>. Acesso em: 30 dez. 2012.
RIPA, Cesare. Iconologia overo Descrittione dell’Imagini universali. Siena:
Appreffo gli Heredi di Matteo Fiorimi, 1613. Disponível em: <http://books.
google.com/>. Acesso em: 02 nov. 2009.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre el orígen y los fundamentos de la
desigualdad de condiciones entre los hombres. Madrid: en la Imprenta de
José del Collado, 1820. Disponível em: <http://books.google.com/>. Acesso
em: 15 fev. 2013.
SCANLAN, Thomas. Colonial writing and the New World – 1583-1671: allegories
of desire. Cambridge: The Cambridge University Press, 1999.
STEDMAN, John Gabriel. Narrative, of a Five Years’ Expedition, against the
Revolted Negroes of Surinam. 2 vols. Londres: J. Johnson & J. Edwards, 1803/
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WALDSEEMÜLLER, Martin. The Cosmographiae introductio (in facsimile).
Nova York: The United States Catholic Historical Society, 1907 [1507].
Disponível em: <http://www.archive.org/>. Acesso em: 15 jan. 2011.
ZUGASTI, Miguel. La alegoría de América en el Barroco hispánico: del arte
efímero al teatro. Valencia: Pre-Textos; Fundación Amado Alonso, 2005.

75
AA A

7. CĆĉĊėēĔ ĉĊ IĒĆČĊēĘ

77
AA
A

Fig. 1 – Planisfério de Martin Waldseemüller, publicado como anexo a seu Cosmographiae Introductio, em
1507, com destaque para a América, representada pela primeira vez com este nome, além de ser mostrada
como uma ilha. Fonte: WALDSEEMÜLLER, 1907.

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Fig. 2 – Joris Hoefnagel (del.) & Franciscus Hogenberg (sculpt.), frontispício do


Theatrus Orbis Terrarum, atlas de Abraham Ortelius, publicado em Antuérpia, no
ano de 1570. Gravura em cobre, cópia aquarelada à mão, acervo da Biblioteca
Nacional, Zagreb, Croácia.

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Fig. 3 – America, Jan Sadeler (del. & sculpt.), Amsterdã, 1581. Gravura em cobre; 16,1 x 22,1 cm;
Acervo de Leen Helmink Antique Maps, Holanda.

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Fig. 4 – America, gravura anônima. Ilustração ao texto de Ripa,


na edição de 1603. Fonte: ZUGASTI, 2005.

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Fig. 5 – America, gravura anônima, atribuída a Giuseppe Cesari, dito Cavalieri


d’Arpino. Ilustração ao texto de Ripa. Fonte: RIPA, 1613.

83
C M S. O

Fig. 6 – Alegoria da América, Niccolo Frangipane, 1590; óleo sobre tela; 194 X 112 cm.
Coleção Emanoel de Araújo, São Paulo.

84
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A

Fig. 7 – Americca, Étienne Delaune, 1575. Gravura em cobre, 6,5 X 8,2 cm.
The New York Historical Society, Nova York, EUA.

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Fig. 8 – America, Marten de Vos (atribuído), c. 1600.


Pena e nanquim sobre papel; 12,5 cm de diâmetro.
The University of Michigan Museum of Art, Ann Arbor, Michigan, EUA.

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Fig. 9 – America, Marten de Vos, s.d. Pena ao lavis sobre papel; 28,5 X 16,5 cm.
Stedelijk Prentenkabinet, Antuérpia, Bélgica.

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M

Fig. 10 – America, Marten de Vos (del.) & Adriaen Collaert (sculpt.), c. 1600. Gravura em cobre;
20,7 X 25,9 cm. Rijkprentenkabinet, Rijksmuseum, Amsterdã, Holanda.

88
C
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A

Fig. 11 – Amerika; Maerten de Vos (del.), Julius Goltzius (sculpt.), Johannes Baptista Vrints (exec.); c. 1600.
Gravura em cobre; 27,9 × 22,1 cm. Rijkprentenkabinet, Rijksmuseum, Amsterdã, Holanda.

89
S. O
M

Fig. 12 – America, Jan Van Der Straet (del.) & Theodore Galle (sculpt.), 1589. Gravura em cobre
aquarelada à mão; 18,2 X 27 cm. National Gallery of Art; Rosenwald Collection, Washington, D.C., EUA.

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Fig. 13 – America, Philippe Galle, c. 1579-1600. Gravura em cobre; 19 X 11 cm.


The New York Historical Society, Nova York, EUA.
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C M S. O

Fig. 14 – America, Marcus Gheeraerts (del.) & Philipe Galle (sculpt.),


c. 1590-1600. Gravura em cobre; 20,6 X 14,3 cm.
The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.

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Fig. 15 – Sem título, Theodore De Bry, 1592. Gravura em cobre. Frontispício de


America Tertia Pars memorabile Provinciae Brasiliae Historiam, 3º vol. De Voyages,
Frankfurt, 1592. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo.

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Fig. 16 – America, John Stafford (del. & sculpt.), c. 1630.


Gravura em cobre; 20,3 X 13,7 cm. Versos de George Wither.
The British Museum, Londres, Reino Unido.

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Fig. 17 – Amerika, Crispjin van de Passe, 1639; gravura em cobre; 19,8 × 22,1 cm.
Rijkprentenkabinet, Rijksmuseum, Amsterdã, Holanda.

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M

Fig. 18 – America, Charles Le Brun (del.) & Gilles Rousselet (sculpt.), c. 1650;
gravura em cobre; 25,5 X 31,1 cm. Bibliotheque Mazarine, Paris, França.

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Fig. 19 – America, anônimo (d’après Charles Le Brun), c. 1650; óleo sobre tela; 153,5 X 250 cm.
Pinacoteca do Estado, São Paulo.

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Fig. 20 – America, anônimo, gravura em cobre, cópia aquarelada à mão,


frontispício da seção correspondente no Atlas Maior de Joan Blaeu, 1665.
Fonte: Edição facsimilar, Taschen Verlag, Colônia, Alemanha, 2006.

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Fig. 21 – America, Jacob Van Meurs. Gravura em cobre; 31 X 19,8 cm. Frontispício
de Arnold Montanus, Nieuwe em Onbekende Weereld, Amsterdã, 1671.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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Fig. 22 – Frontispício, Theatrum Orbis Terrarum sive Atlas Novus, anônimo, 39


X 24,5 cm, gravura em cobre, cópia aquarelada à mão, Willem e Joan Blaeu,
Amsterdã, edição de 1645. Charles E. Young Research Library,
University of California, Los Angeles, EUA.

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Fig. 23 – Frontispício, Atlantis Appendix, anônimo, gravura em cobre, Willem


Blaeu, Amsterdã, 1630. Universiteitsbibliotheek, Amsterdã, Países Baixos.

101
S. O
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Fig. 24 – Alegoria da América, Apoteose de Santo Inácio (detalhe), Andrea Pozzo, afresco, 1691-1694.

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Teto da nave, Igreja de Santo Inácio de Loyola, Roma, Itália. Foto: Carla Mary S. Oliveira, jun. 2008.
C
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Fig. 25 – Genius Utriusque Americae et Indigenarum Indoles et Exercitatio,


Johannes Degler (del.) & Joseph à Montalegre der Nuremberg (sculpt.).
Gravura em cobre; 19,1 x 24,2 cm; Munique, 1703. Frontispício da seção dedicada
à América do Sul no Atlas Novus de Heinrich Scherer.
Acervo de Leen Helmink Antique Maps, Holanda.

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Fig. 26 – Richard Claude Belt, North America, réplica em granito do original de


mármore, de autoria de Francis Bird, que foi instalada no mesmo local em 1712.
Átrio da fachada oeste da Catedral de St. Paul, Londres, Reino Unido.
Foto: Ricardo Medeiros, jun. 2013.

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Fig. 27 – L’Amerique, Pierre-Alexandre Aveline (del. & sculpt.), c. 1717-1760.


Gravura em cobre, 24,1 X 18,5 cm. The British Museum, Londres, Reino Unido.

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C M S. O

Fig. 28 – America, detalhe de Apolo e os Continentes, Giovanni Battista Tiepolo;


1750-1753; afresco, teto das escadarias de entrada do Würzburg Residenz,
Würzburg, Baviera, Alemanha.
Foto: acervo particular, Carla Mary S. Oliveira.

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C M S. O

Fig. 29 – Europa Supported by Africa & America, John Gabriel Stedman (del.) &
William Blake (sculpt.); c. 1791-1794; gravura em cobre, cópia aquarelada à mão;
c. 18 X 13 cm. Acervo da Seção de Livros Raros da Henry E. Huntington Library
and Art Gallery, San Marino, Califórnia, EUA.

108
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Fig. 30 – América, figura de convite,


azulejaria portuguesa do século XVIII,
coluna do claustro superior, Convento
de São Francisco, Salvador, Bahia.
Foto: Carla Mary S. Oliveira
(jul. 2007).

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Fig. 31 – Glorificação da Imaculada Conceição, José Joaquim da Rocha, c. 1772-1774;


madeira policromada; medalhão principal do forro da nave da Igreja de Nossa
Senhora da Conceição da Praia, Salvador, Bahia.
À direita da Virgem aparecem as alegorias de Europa, à frente, e América, atrás e
de pé, com as mãos postas em oração. Foto: Carla Mary S. Oliveira (jul. 2007).

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Fig. 32 – Detalhe de Alegoria da Obra Missionária dos Franciscanos sob a Proteção


da Virgem da Imaculada Conceição, José Joaquim da Rocha, medalhão principal
do forro da portaria do Convento de São Francisco da Bahia.
Madeira policromada; 1774; Salvador, Bahia. Aos pés de São Francisco de Assis,
à sua direita, aparece a alegoria da América, ladeada por São Francisco Solano,
evangelizador do Peru. Foto: Carla Mary S. Oliveira (jul. 2007).

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C M S. O

Fig. 33 – Glorificação dos


Santos Franciscanos ou
Glorificação de São Francisco,
Manoel de Jesus Pinto (atrib.),
medalhão central do forro da
nave da igreja do Convento de
Santo Antônio da Paraíba.
Madeira policromada; décadas
finais do século XVIII; João
Pessoa, Paraíba. Aos pés
de São Francisco de Assis,
à sua direita, aparece a
alegoria da América, ladeada
por São Francisco Solano,
evangelizador do Peru. Foto:
Carla Mary S. Oliveira
(jun. 2011).

112
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A

Fig. 34 – América, José Teófilo de Jesus, s.d.; óleo sobre tela, 65 X 82 cm;
Museu de Arte da Bahia, Salvador. Foto: acervo particular, Carla Mary S. Oliveira.

113
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SOBRE A AUTORA
Carla Mary S. Oliveira é historiadora, doutora em Sociologia
pela Universidade Federal da Paraíba e Professora Associada do
Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da
mesma instituição, onde atua como docente desde 2004. Realizou,
entre agosto e dezembro de 2009, Estágio Pós-Doutoral junto ao
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
de Minas Gerais, com financiamento de uma bolsa Capes PROCAD-
NF. Lidera o Grupo de Pesquisa Arte, Cultura e Sociedade no Mundo
Ibérico (séculos XVI a XIX), e participa, como pesquisadora, do Grupo
de Pesquisa História da Educação no Nordeste Oitocentista - GHENO,
ambos vinculados ao PPGH-UFPB, e também do Grupo de Pesquisa
Perspectiva Pictorum, vinculado ao PPGHIS-UFMG. Desenvolve
investigações sobre o Barroco europeu, o Barroco religioso no litoral
do Nordeste brasileiro, a Arte do Brasil Holandês e o Patrimônio
Histórico da Paraíba. É autora de O Barroco na Paraíba: arte, religião
e conquista [João Pessoa: Ed. Universitária/ UFPB; IESP, 2003] e de
Saudades D’Além-Mar: a revista Lusitania e a imigração portuguesa no
Rio de Janeiro (1929-1934) [João Pessoa: Editora da UFPB, 2013].
E-Mail: <carla@carlamaryoliveira.pro.br>.
Sítio Eletrônico: <http://www.carlamaryoliveira.pro.br/>.

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As opiniões emitidas no texto deste livro não exprimem,
necessariamente, as da Editora da UFPB ou de qualquer
instância da Universidade Federal da Paraíba.

Este livro foi diagramado pela Editora da UFPB em 2014,


utilizando as fontes Cambria e Helvetica. Capitulares
retiradas/ adaptadas do livro Les singvlarites de la
France Antartiqve, avtrement nommée Ameriqve: & de
plvsievrs Terres et Isles decouuerts de nostre Temps, do Fr.
André Theuet, publicado em Paris no ano de 1558 pelos
herdeiros de Maurice de la Porte, com privilégio real
(exemplar da Biblioteca do Congresso dos EUA, disponível
no portal Google Books). Impresso em papel Offset 75 g/m2
e capa em papel Supremo 90 g/m2.
Tiragem: 300 exemplares.
Este livro nasceu do prazer intrínseco da
pesquisa histórica e iconográfica e de sua
consequente, necessária e indispensável

A AMÉRICA ALEGORIZADA

A AMÉRICA ALEGORIZADA
A América alegorizada como uma mulher que quer ser exótica e selvagem, maturação. Nasceu dos momentos em
mantendo traços caucasianos em imagens de gestual civilizado, remete, que flanar na web trazia a euforia de
encontrar um novo e desconhecido
antes de mais nada, à contradição intrínseca e inescapável de cada um de
nós. E ao mesmo tempo às angústias desde sempre postas entre identidade
Imagens e Visões do Novo Mundo tratado seiscentista em PDF facssimilar
disponível para download ou uma
e alteridade na autoimagem dolorosamente construída ao longo da História na Iconografia Europeia dos Séculos XVI a XVIII imagem com resolução e informação
suficientes para ser agregada à minha
pelos habitantes deste continente. O deleite e a angústia motivadora pequena coleção de alegorias visuais.
acompanham a transformação das mensagens e intencionalidades das É preciso dizer que quase duas dezenas
das que pude encontrar não estão aqui,
alegorias, enquanto pinturas, desenhos, mapas e esculturas estão ali
nestas páginas, simplesmente por não
Carla Mary S. Oliveira, natural de Nova sempre a lembrar que uma questão primordial não foi resolvida: de onde ter sido possível identificar sua autoria,
Friburgo - RJ, está radicada na Paraíba
desde 1987. É historiadora, doutora em
viemos e para onde vamos? dimensões ou o acervo a que pertenciam,
apesar de serem, evidentemente,
Sociologia pela Universidade Federal da Uma pesquisa séria e atenta sustenta o texto deleitoso e consistente oriundas do recorte temporal que defini
Paraíba e docente do Departamento e do que ingressa o leitor em um percurso histórico que se apresenta como para este estudo.
Programa de Pós-Graduação em História
da mesma instituição desde 2004, sendo um convite a passear pelas imagens alegóricas da América. Nascido de Finalmente, este livro nasceu também
atualmente Professora Associada. Realizou, um interesse que surgiu em um momento de férias, e, portanto, fruto do estímulo e diálogo intelectual com
entre agosto e dezembro de 2009, Estágio amigos próximos, estivessem eles no
do puro prazer e deleite estético, resultou em um livro igualmente espaço físico real da contiguidade de
Pós-Doutoral junto ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade prazeroso e ao mesmo tempo preciso e instigante. A junção do “bichinho uma sala de aula ou no link de VOIP, no
Federal de Minas Gerais, com financiamento escarafunchador”, com o maravilhar-se diante das obras de arte e as chat de uma rede social ou na troca de
de uma bolsa Capes PROCAD-NF. Desde 2012 e-mails. Cláudia Engler Cury, Antonio
possibilidades de pesquisa abertas pelas novas tecnologias da rede mundial Carlos Ferreira Pinheiro, Telma Dias
lidera o Grupo de Pesquisa Arte, Cultura e
Sociedade no Mundo Ibérico (séculos XVI a de computadores permitiu a concretização deste projeto: a intelecção das Fernandes e Serioja Mariano, é sempre

Carla Mary S. Oliveira


XIX), além de participar, como pesquisadora, iconografias sobre o Novo Mundo desde as surgidas na Europa nos dois bom tê-los por perto, especialmente
do Grupo de Pesquisa História da Educação quando não estamos trabalhando:
no Nordeste Oitocentista - GHENO, ambos
séculos posteriores à sua descoberta, até àquelas nascidas na América nos vocês são a garantia de boas conversas
vinculados ao PPGH-UFPB. Também está séculos XVIII e XIX. O fio condutor de todo o percurso é a compreensão e muitas risadas, me fazendo esquecer
vinculada ao Grupo de Pesquisa Perspectiva do que o incógnito Novo Mundo representava para o continente europeu as chateações da academia. Todos
Pictorum, do PPGHIS-UFMG. Desenvolve esses detalhes foram essenciais para
investigações sobre o Barroco europeu, e a identificação do desejo imperioso de, neste contato de dois mundos, que as discussões e análises que faço
o Barroco religioso no litoral do Nordeste submeter o primeiro à ação civilizatória. amadurecessem e desembocassem
brasileiro, a Arte do Brasil Holandês e a neste texto que, finalmente, dou por
formação educacional do pintor Pedro terminado, sem jamais pretender que
Américo. É autora de O Barroco na Paraíba: Maria Cláudia Orlando Magnani seja definitivo. Agora sim, vamos a ele,
Arte, religião e conquista (João Pessoa: UFVJM - Diamantina - MG comme il faut.
Ed.Universitária/ UFPB; IESP, 2003) e de
Saudades D’Além-Mar: a revista Lusitania e
a imigração portuguesa no Rio de Janeiro
Carla Mary S. Oliveira Carla Mary S. Oliveira
(1929-1934) (João Pessoa: Editora da UFPB, João Pessoa - PB, julho de 2014.
2013). Apoio:
ISBN: 978-85-237-0878-8

E-Mail para contato:


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