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Rafael Lacerda Martins

Geografia Humana

Geografia Humana e Econômica


e Econômica

Fundação Biblioteca Nacional Geografia Humana


e Econômica
ISBN 978-85-387-3176-4
Rafael Lacerda Martins

Geografia Humana e Econômica

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

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Martins, Rafael Lacerda.


Geografia humana e econômica / Rafael Lacerda Martins. - Curitiba, PR : IESDE
Brasil, 2012.
120p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3176-4

1. Geografia humana. 2. População - Estatísticas. 3. Globalização. 4. Geografia da


população. I. Título.

12-7191. CDD: 304.2


CDU: 911.3

03.10.12 18.10.12 039630


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Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Shutterstock

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Batel – Curitiba – PR
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Sumário
Introdução à Geografia | 7
Geografia | 7
Geografia Humana e Econômica | 9
Espaço geográfico | 11
Escala geográfica | 12

Conceitos fundamentais | 15
Níveis de análise em Geografia | 15
Região | 16
Lugar | 18
Território | 20

Geografia Cultural | 25
Introdução à Geografia Cultural | 25
Temas da Geografia Cultural | 26
A noção de gênero de vida | 28
Geografia Cultural: reflexos da globalização | 28

Geografia Política | 33
Introdução à Geografia Política | 33
Geopolítica | 35
Geopolítica e nova ordem mundial | 37

Globalização | 41
Processo de globalização | 41
Blocos econômicos: o caso do Mercosul | 42
Economias mundiais | 44
Implicações espaciais das atividades econômicas sob a visão do capitalismo | 45
Abordagens do espaço agrário | 49
Organização do espaço agrário | 49
Caracterização geográfica como propósito de indicações de procedência | 50
Geografia Agrícola: o caso da produção do arroz | 52

Abordagens sobre o meio técnico | 59


O meio técnico-científico-informacional | 59
Constituição dos espaços econômicos | 61
Integração territorial | 62

O espaço regional | 67
Dinâmica regional brasileira | 67
Organização econômica: o espaço regional em transformação | 69
Urbanização brasileira | 71

Temas em Geografia da População | 75


Demografia na análise geográfica | 75
Estudos populacionais e fontes de dados | 76
Distribuição e estrutura da população | 79
Crescimento populacional | 81

Abordagens no estudo da população | 87


Políticas de população | 87
Ferramentas do demógrafo | 88
Teorias de população: o pensamento Neomalthusiano | 90
Teoria de Marx acerca da população | 91
Concepções sobre populações: as migrações | 91

Elementos da dinâmica populacional | 95


Dinâmica populacional brasileira | 95
Desenvolvimento populacional | 98
Algumas considerações sobre o Índice de Desenvolvimento Humano | 99

Abordagem socioambiental em Geografia Humana | 105


Questão ambiental | 105
Conceito de gestão ambiental e planejamento ambiental | 106
Sustentabilidade ambiental no contexto da Geografia Humana | 108
Reflexões socioambientais: recursos hídricos | 109

Referências | 115
Apresentação
Prezados alunos,

Ao iniciarmos a disciplina de Geografia Humana e Econômica, quero


desejar as boas-vindas e convidá-los para iniciar os estudos dessa disciplina
imbuídos de curiosidade, disponibilidade e responsabilidade crítica em torno
das temáticas apresentadas.

A disciplina tem como objetivo central o desenvolvimento de uma análise


a respeito das diferentes abordagens em Geografia Humana e Econômica.
A estrutura e construção dos textos expressam conceitos, pensamentos e
interpretações do espaço geográfico e suas categorias. Procurei enfocar a
evolução das dinâmicas ambientais, culturais e socioterritoriais, em conjunto
com as características e os estágios do processo histórico-geográfico. Dessa
maneira, a realização e o desenvolvimento dessa disciplina pretendem ser um
processo desencadeante de alterações objetivas e subjetivas em nossa forma
de inserção e futura intervenção na realidade social e ambiental.

Este livro está estruturando em 12 aulas, no qual irei abordar uma breve
introdução da Geografia como ciência e seus conceitos fundamentais na análise
das relações entre a sociedade e natureza. Apresento a Geografia Cultural,
procurando enfocar os estudos das relações humanas. Abordo a Geografia
Política, como um conhecimento importante para interdisciplinaridades das
ciências humanas. Apresento considerações sobre o processo de globalização
e suas implicações culturais e geoeconômicas no mundo e no Brasil. Trato
também da organização do espaço agrário, como o espaço de interesse nas
relações do território e nas funções de integração territorial. Por fim, relaciono
um quadro-síntese e o objetivo dos estudos populacionais, concentrado na
geografia da população, identificando os conceitos e as definições importantes para
os cientistas sociais, numa análise e uma interpretação nas diferentes abordagens
de estudo. O conteúdo do livro busca acrescentar uma leitura informativa, crítica e
interpretativa sobre os diferentes estudos nas distintas áreas da Geografia Humana
e Econômica. Apresenta uma abordagem socioambiental capaz de produzir uma
visão critica e fundamental nos dias de hoje.

Bem, convido a todos para a leitura deste livro e que ele auxilie na construção
do conhecimento. Boa leitura!
Introdução à Geografia
Rafael Lacerda Martins*

Geografia
O termo Geografia vem do grego e significa, simplesmente, grafia da Terra. Num primeiro
momento, o termo completa uma simples e mera explicação da superfície terrestre, mas imaginem o
trabalho exaustivo que representa “grafar” todo nosso mundo conhecido hoje.
Essa primeira análise remete a algumas questões e reflexões: Onde seria o início dessa grafia no
mundo? O que deveríamos grafar? Muito bem! Digamos que deveríamos grafar a cidade de Curitiba.
Imaginem agora a complexidade que qualquer cidade apresenta em função de inúmeras variáveis, ou
seja, grafar necessariamente implica em analisar, entender, descrever, representar e explicar a cidade
nesse caso. Essas questões iniciais remetem que a atividade de grafar e por sua vez explicar o mundo
por meio da Geografia não é tão simples, mas nada impossível para um mundo representado por trocas
de informações e conhecimentos.
Para grafar um lugar (uma rua, uma cidade, um estado, um país) devemos transitar por diversas
áreas do conhecimento e das ciências. Isso, em primeira análise, permitirá entender a cidade de Curitiba.
Podemos analisar a população, a economia relacionada à cidade, a política atual e seu modelo de gestão,
a história do território enquanto formação e sua povoação, o relevo presente no espaço da cidade, o
clima e suas relações com as pessoas e os modos de produção, entre outras inúmeras condições de
ordem física, social e cultural. Somente assim entenderíamos completamente a cidade de Curitiba.
Talvez, após essa primeira etapa de conhecimento exaustivo, mas importante, poderíamos ligar todas
essas variáveis e estabelecer uma Geografia capaz de identificar as relações e marcar as interpretações
sobre os temas reconhecidos e estudados da cidade.
A Geografia organiza esse reconhecimento e a identificação dos diferentes lugares a partir da
representação cartográfica, ou seja, o uso da Cartografia. Em muitos momentos buscamos entender a
Geografia na representação cartográfica de um mapa, e nem percebemos a complexidade das variáveis

* Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Geografia pela UFRGS. Bacharel em Geografia
pela UFRGS.
8 | Introdução à Geografia

que estão inseridas e contidas no mapa. Poderíamos imaginar, usando o exemplo anterior, um mapa da
cidade de Curitiba. O que seria um mapa de Curitiba? Poderíamos ter uma representação em forma de
mapa para cada fenômeno e tema referido anteriormente, por exemplo, um mapa de relevo da região e
da cidade, um da organização dos bairros, um das principais ruas, um das atividades econômicas e suas
relações na produção. Por outro lado, a Geografia procura não somente cartografar, mas sim, entender
as relações entre todos os elementos constituintes do espaço geográfico, contidos ou não, em repre-
sentações cartográficas.
Com esse objetivo, como seria um mapa de Curitiba que buscasse essa integração e interação dos
elementos e temas? Podemos analisar em partes os elementos da cidade, e também os elementos que
se integram e se diferenciam no espaço, por exemplo, a economia, as áreas naturais, a população, ou
variáveis que se destacam sobre as outras.
Essa é uma atividade dos gestores e administradores da cidade, ou seja, das instâncias de planeja-
mento e de governo que devem compreender e identificar as divisões e fragmentações de uma cidade.
Esses órgãos municipais se utilizam da Geografia, para estabelecer “os estudos das divisões e fragmen-
tações”, ou seja, as divisões do “espaço geográfico de Curitiba”, de acordo com o exemplo apresentado.
A Geografia, então, analisará e buscará integrar elementos humanos, naturais, econômicos e
políticos, cujas diferenças espaciais (divisões e fragmentos), dentro do espaço geográfico de Curitiba
poderão ser representadas, planejadas e administradas.
Podemos associar, então, que a Geografia se preocupa com as divisões, buscando espaços
específicos dentro de outros espaços (os países do mundo, os estados dos países, os municípios dos
estados, os “setores” ou bairros ou regiões dentro de um município, entre outras divisões possíveis). A
Geografia preocupa-se também com a identificação dos lugares, suas diferenças, suas áreas e tamanhos,
suas características presentes e relacionáveis. Para isso encontramos lugares de diferentes tamanhos e
podemos trabalhar e analisar esse critério com o auxílio da noção de escala.
Por outro lado, a Geografia não só divide e fragmenta o espaço geográfico como também analisa
suas dinâmicas dentro desse espaço, ou seja, como essas divisões, regiões ou lugares se relacionam
entre si. Uma dimensão real e contemporânea é que o espaço está cada vez mais “fluído” (conectado por
vias de transporte e comunicações). Nesse sentido, os espaços urbanos influenciam a produção e a vida
dos espaços rurais, assim como países do mundo influenciam outros países, por exemplo: como o Brasil
influencia os países da América Latina? Como algumas cidades influenciam outras cidades (Curitiba
influenciando as cidades vizinhas) e os bairros influenciam outros bairros? (O centro das cidades
determinando a organização de bairros distantes, pela presença dos órgãos públicos municipais no
centro, determinando a organização das ruas, dos transportes, de bairros de periferia). Esses exemplos,
na verdade, mostram que independente da escala global, regional e local os lugares não estão mais
separados, eles influenciam uns aos outros, porque todos estão conectados pelos transportes, seja
por estradas, ferrovias, portos, aeroportos ou pelas comunicações, como o telefone, jornais, televisão,
internet e fax. As tecnologias da comunicação e dos transportes produzem espaços fluídos, conectados
e interligados, atrelados a diferentes lugares e produzindo “canais” de comunicação como as estradas e
os cabos de energia, que cruzam diferentes territórios.
Introdução à Geografia | 9

Geografia Humana e Econômica


A Geografia Humana pode ser compreendida como o estudo e a descrição da interação entre a
sociedade e o espaço. Ela ajuda a sociedade a entender o espaço em que vive. Pode-se afirmar que o
objeto da Geografia Humana, enquanto analista dos aspectos e mudanças sociais, deve refletir uma
leitura crítica das percepções e transformações humanas sobre o espaço geográfico. O objeto busca
também analisar a sociedade no transcorrer do tempo, estudando a incidência do tempo no espaço e
na sociedade.
Talvez, durante muito tempo, a Geografia tenha se enganado em produzir estudos separados
dos elementos meramente naturais e físicos do espaço dos elementos meramente humanos dele. Por
um lado, estudava-se o relevo, o clima, a vegetação, e, por outro, a economia, a política, a população
etc. Com esses estudos “dicotomizados” (separados), organizava-se uma grande monografia descritiva
de uma região. Parece que a Geografia era um conjunto mal-acabado de diferentes outras ciências
(Geologia, Climatologia, Economia, Política etc). De um lado estava a Geografia Física, estudando o
relevo, o clima e os elementos da fauna e da flora, de outro, a Geografia Humana, estudando a sociedade.
Mas, no decorrer do tempo, percebeu-se que isso era insatisfatório e incompleto para pretensões de
entendimento da Geografia.
Essas insuficiências nos estudos da Geografia chegam ao final do século XX, com a evidência dos
problemas da humanidade e de sua relação com o planeta Terra. A degradação da natureza, a poluição de
rios e cidades, os desastres naturais (enchentes, pragas, por exemplo), fizeram o mundo atentar para os
desequilíbrios das atividades humanas em relação às dinâmicas da natureza. Observou-se que tudo está
interligado e que o homem não se encontra isolado, à parte, da natureza. Qualquer atividade humana, de
toda uma população, ou somente de um indivíduo, irá trazer consequências à dinâmica do ar e das águas.
O homem também é natureza, mas durante muito tempo, devido a sua capacidade de produzir trabalho
e técnica, ele construiu outro espaço que não é mais totalmente natural, é “humanizado” ou “tecnificado”
– como o espaço das grandes cidades, por exemplo, no qual somente observam-se prédios e estradas
(concreto e estruturas). O homem, afastando-se da natureza, modificou e alterou seus ritmos e seu tempo
de transformação. Muitos desses ritmos alterados desequilibraram e transformaram os processos naturais
(chuvas, ventos, dinâmicas fluviais, qualidade das águas para consumo humano) e provocaram danos à
própria humanidade (racionamento de água, degradação dos solos e menor produtividade na agricultura,
poluição do ar e doenças respiratórias, alteração das dinâmicas dos rios, enchentes, degradação da camada
de ozônio e aumento dos raios ultravioletas).
Hoje, os novos estudos da Geografia procuram observar como as atividades humanas produzem
alterações nas dinâmicas naturais e, consequentemente, alteram também a vida da sociedade que vive
num determinado lugar. Muitos desses estudos aparecem no próprio meio urbano, onde a ocupação
desordenada destrói a vegetação das encostas dos morros e causa muitos acidentes como desabamentos
e soterramentos. As constantes enchentes também são consequências do aumento da ocupação do
solo, tanto na cidade (pela moradia) quanto no campo (pela agricultura). Esses processos são provocados
pela retirada da vegetação e a tendência da incidência das chuvas, já também em níveis e constâncias
desequilibradas, produzindo uma maior mobilização e o acúmulo de sedimentos (partículas de solo)
10 | Introdução à Geografia

no leito dos rios. Esse acúmulo faz com que os rios transbordem facilmente, ocasionando, assim, as
enchentes que danificam as habitações na cidade e a agricultura no campo. Isso mostra que está tudo
interligado e que as ações humanas descontrolam e promovem um ciclo com muitos problemas.
Nesse sentido, cada vez mais se procura, na Geografia, o estudo da complexa conexão entre
elementos físicos e humanos do espaço, dando qualidade ao que seria o “espaço geográfico”, não
somente ao espaço natural ou espaço humano, qualificado como social, mas “espaço geográfico”, no
qual a ciência Geografia é a qualidade dessa integração e interação.
O geógrafo Manuel Correa de Andrade esclarece que os estudos geográficos, marcados pela Geografia
Econômica, podem ser entendidos como o estudo da localização, manifestação, distribuição e organi-
zação espacial das atividades econômicas por todo o planeta. Também é possível identificar na obra tópicos
acerca dos estudos da Geografia Econômica, os quais apresentam relações com a localização das indústrias e
serviços no território, dos padrões das indústrias e das suas representações no espaço geográfico e também
da Geografia dos fluxos de transporte. A área de estudo nomeada Geografia Econômica contempla temas
amplos e interliga os objetos natureza e sociedade. Para exemplificar as temáticas centrais, podemos citar os
estudos sobre o transporte urbano e inter-regional: análises da distância da produção agrícola às cidades, da
localização industrial diante das necessidades energéticas e da força de trabalho para a indústria, do comércio
internacional e suas especialidades, bem como a organização espacial em função das atividades de negócios
e serviços de um determinado espaço geográfico.
A economia de uma área geográfica pode ser influenciada pelo clima, pelo relevo e pelos aspectos
político-sociais. O relevo pode afetar a disponibilidade dos recursos, o custo de transporte e as decisões
sobre o uso e ocupação do solo. O clima pode influenciar a disponibilidade dos recursos naturais,
particularmente os produtos agrícolas e florestais, e as condições de trabalho e produtividade numa
determinada área agrícola.
A literatura especializada na Geografia Econômica foca a análise geográfica nos aspectos e
características espaciais das atividades e funções econômicas. A análise espacial apresenta relacionamentos
e interpretações em diferentes escalas, como a escala global ou a escala regional. A escala do local
também fornece subsídios espaciais importantes no que consiste a análise das relações econômicas e o
desenvolvimento local. Para marcar essa possibilidade de interpretação entre diferentes escalas, podemos
desenvolver o pensamento em torno da localização e do distanciamento entre as cidades do interior e os
grandes centros de negócios e serviços. Nesse caso, são determinadas demandas e funções de cidades
maiores e centrais, que condicionam de forma de dependência e de ligação numa escala regional-local.
Tal dependência é visível e tem um papel significativo nas decisões econômicas das cidades do interior.
Ao mesmo tempo que os condicionantes do local não expressam nenhuma relação exterior aos limites
da cidade, sendo relacionados particularmente ao cotidiano da própria cidade, apresentando aspectos do
modo e condições de vida da população e suas funções com o meio. Para uma escala global, alguns fatores
devem ser considerados, no que diz respeito à possibilidade de leitura do espaço geográfico. Citamos a
viabilidade logística de transporte entre diferentes espaços produtivos e de consumo, localização dos
pontos de exportação e importação (portos marítimos e aeroportos) e presença de matéria-prima e
recursos naturais. Os elementos citados afetam as condições econômicas de determinados países ou
região econômica.
Introdução à Geografia | 11

Sem dúvida, no mundo conhecido pelas práticas econômicas, a simples localização e distribuição
das zonas de produção industrial e serviços marcam e identificam as características das atividades
econômicas que, em grande parte, são influenciadas pela globalização dos mercados e da economia.
Nessa análise, exemplificamos a ideia dos países e suas fronteiras, que não representam mais papéis
significativos, já que muitos países tendem a eliminar os efeitos das divisões territoriais e estreitar
acordos de cooperação e integração mútua com outros países em regiões de proximidades de interesse
econômico. Um exemplo conhecido é a concentração de países em torno de uma grande área territorial,
mostrando relações comuns e acordos políticos e econômicos. A união europeia cristaliza a ideia de
uma grande região de países sem fronteiras ou limites econômicos.
A Geografia Econômica pode ser dividida em três partes: a primeira enfatiza a construção de teo-
rias sobre arranjos espaciais e distribuição das atividades econômicas; a segunda parte examina a história
e o desenvolvimento espacial das estruturas econômicas; e uma terceira parte caracterizada por uma
Geografia Econômica regional que examina as condições econômicas de determinadas regiões ou países,
ligada também com os processos de regionalização e globalização da economia.

Espaço geográfico
O espaço geográfico, conforme Milton Santos, é configurado por dois componentes que
interagem simultaneamente e de forma contínua. Primeiro o espaço é caracterizado pela figura
territorial dos elementos e formas da natureza modificada (prédios, estradas, pontes etc.) ou não
modificada/transformada (rios, depressões, montanhas etc.) pelo homem (relação homem-natureza).
O segundo expressa o espaço geográfico diante da dinâmica social ou como um conjunto de
relações que definem certo tempo histórico. Em síntese, o espaço geográfico é o espaço ocupado e
organizado pelo homem em sociedades humanas. Deve ser entendido como um espaço poligênico,
capaz de reunir necessariamente o estudo do processo histórico, da formação do território natural e
das transformações sociais. O espaço geográfico, de forma sintética, é tudo aquilo que as sociedades
constroem e consomem, mas lembramos que tal transformação (relação sociedade-natureza) passa por
um processo de incorporação, de apropriação e “retransformação”. Assim é gerado de forma contínua o
espaço geográfico.
Para muitos autores da ciência geográfica, o espaço geográfico é entendido como o principal objeto
da Geografia. Ele varia tanto no tempo quanto no espaço. Os fatos e os acontecimentos que marcam e
registram o espaço geográfico são acumulados por momentos histórico-sociais e fenômenos naturais. A
variação do tempo marca uma “rugosidade” provocando acúmulos e conferindo, assim, particularidade
a esse espaço. Por exemplo: é possível interpretar o relevo terrestre presente, diante dos elementos
geológicos do passado. Também é possível realizar uma leitura espacial do plano urbanístico, onde as
ruínas da arquitetura de um tempo distante podem ser encontradas, hoje, na forma de uma fração, que
ajuda a grafar um novo espaço urbano ou rural.
O espaço seria um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre esses objetos; não entre esses especificamente,
mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço
é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais. (SANTOS, 1997,
p. 71)
12 | Introdução à Geografia

Escala geográfica
A escala indica a proporção entre o objeto real (o mundo ou uma parte dele) e sua representação
cartográfica, ou seja, quantas vezes o tamanho real teve de ser reduzido para poder ser representado.
Podemos considerar o seguinte exemplo: um mapa na escala 1:10.000.000 indica que o espaço
representado foi reduzido de forma que 1 centímetro no mapa corresponde a 10 milhões de centímetros
ou 100 quilômetros do tamanho real.
Deve-se estabelecer a escala de um mapa antes de sua elaboração, levando-se em conta os obje-
tivos de sua utilização. Podemos exemplificar o uso da escala geográfica por meio da representação dos
objetos geográficos. Os objetos contidos num espaço ou numa área muito grande serão representados
de forma genérica, sem detalhes de representação. Ao contrário disso, os objetos num espaço ou numa
área pequena ou reduzida, serão representados com as particularidades dos objetos geográficos contidos
nesse espaço ou área. Mapas em diferentes escalas servem para diferentes tipos de necessidades:
::: mapas em pequena escala (como 1:25.000.000) proporcionam uma visão geral de um grande
espaço, como um país ou um continente;
::: mapas em grande escala (como 1:10.000) fornecem detalhes de um espaço geográfico de
dimensões regionais ou locais.
Por exemplo: em um mapa do Brasil na escala 1:25.000.000, qualquer capital de estado será
representada apenas por um ponto, ao passo que num mapa 1:10.000 aparecerá detalhes do sítio
urbano de qualquer cidade. Os tipos de escala podem ser definidos por categoria e finalidade do mapa,
por exemplo, uma escala grande: 1:50 a 1:100, usadas para plantas arquitetônicas e de engenharia;
escalas ainda grandes: 1:500 a 1:20.000, para plantas urbanas e projetos de engenharia; já as escalas de
categoria média apresentam valores entre 1:25.000 a 1:250.000 e são utilizadas para mapas topográficos.
Para finalizar os exemplos cita-se as escalas de categoria pequena, com valores acima de 1:250.000,
utilizadas nas representações dos Atlas geográficos e de globos terrestres.

Texto complementar
Do senso comum à Geografia Científica
(SILVA, 2004, p. 12-13)
[...] trabalho com os temas clássicos da Geografia, eles compõem sua estrutura sistematizada,
assim entendo. As “novidades pós-modernas” não cabem na minha apreciação, elas estão “na
moda” e modismo é senso comum, afirmam inúmeros filósofos. Sempre quis compreender por que
a Geografia é tão somente informativa. Será que a abundância de informações que a caracteriza
informa mesmo ou a deforma como ciência? No primeiro capítulo repenso espaço/tempo como
categorias universais, abstraindo-as, também, ao interesse de noções mais conhecidas na Geografia,
Introdução à Geografia | 13

apoiada em filósofos que tratam do assunto de forma divergente como Kant e Hegel, ou Hannah
Arendt e Derrida, por exemplo. Faço uma construção teórica da materialidade do tempo pelo trabalho
na multiplicidade de lugares no lugar, e do espaço abstrato na pluralidade de relações das realidades
espacializadas ou não. As lições que me foram passadas por Hegel em sua dialética da negatividade
me encorajaram na confecção desse texto. Hegel trabalha com figuras abstratas da consciência e me
arvorei a transmutar o movimento daquelas figuras para o movimento de “figuras” da realidade social,
como espaço, tempo, trabalho, lugar, paisagem, nos quais a mediação é a negação neles mesmos
para se constituírem no outro, ou, segundo a linguagem hegeliana, para suprassumirem e serem.
O segundo capítulo faz um paralelo entre o senso comum e a Ciência Geográfica. O contraponto
entre Descartes, Kant e Hegel é mais uma vez sublinhado para aportar nossas ideias. Bachelar afirma
o senso comum como não ciência, Derrida vem ao encontro da não espacialidade geográfica e
Heidegger substantiva nossas alusões à região geográfica como macromarco de endereços terrestres
e, por aí, desmancha-se sua cientificidade representativa para a Geografia. A Vontade de Potência
nietzschiana é o braço novo, de que lanço mão, para identificar o processo de territorialização
na territorialidade contraditória. A dialética materialista do coletivo político é anelada à dialética
psicológica do indivíduo social, com a finalidade de mostrar a identidade conflituosa dos chamados
fenômenos geográficos, na relação cidade-campo e na arrumação geométrica dos lugares urbanos
e agrários, nos quais a população constitui a relação desigual, pluralizada pelas deformações para
mais ou para menos dos sujeitos sociais, que valem pelo que equivalem, por meio do dinheiro, seja
para consumirem ou para aguardarem sua multiplicação fictícia (mas real) no mundo do fetiche
financeiro. No resultado do universo do trabalho estão não só momentos da vida orgânica dos
trabalhadores, como instantes dos seus sonhos mais secretos derramados no que formam e criam.
No terceiro capítulo, faço uma chamada metodológica mais detida sobre descrição e reflexão, teoria
e empirismo, paisagem e relação homem X meio, [...]

Atividades
1. Segundo os exemplos e definições colocados no texto, responda: o que a Geografia estuda?

2. Como se pode definir o termo espaço humanizado ou tecnificado?


14 | Introdução à Geografia

3. O que é escala geográfica?

Gabarito
1. Estuda as divisões do espaço geográfico e as diferenças das distintas áreas, caracterizando-as e
procurando grafar e identificar os lugares e os elementos constituintes do espaço geográfico.

2. É o espaço das transformações, construções e possibilidades por meio das diferentes atividades
do homem e suas sociedades.

3. É a proporção entre o objeto real e sua representação cartográfica.


Conceitos fundamentais
Níveis de análise em Geografia
Nessa etapa do estudo, vamos trabalhar com os níveis de análise em Geografia1. Para demarcar
essa análise vamos propor a apresentação e a reflexão em torno de três conceitos fundamentais para
Geografia, que assumem categoriais espaciais delimitadoras de escala2 e relações de análise. Num
primeiro momento vamos abordar o conceito de região, que tem uma importância nas leituras geográ-
ficas, indicando a organização do espaço geográfico e suas fragmentações. O conceito de lugar na
análise da Geografia aparece num instante importante para abordagem de investigação geográfica,
valorizando um papel fundamental das relações entre sociedade e natureza, caracterizando um espaço
singular, produto das experiências e atitudes humanas no mundo. Para agregar ao método de análise
geográfica, destacamos como terceiro conceito fundamental o território, o qual se apresenta como uma
categoria essencial para o entendimento da configuração das relações sociais, das forças produtivas
e correlações de poder político. O território destaca-se como análise diante do processo histórico, na
configuração dos atores e suas relações espaciais.
O objeto da Geografia, independentemente da categoria espacial relacionada para análise, é
definido como o estudo da sociedade e suas relações com o meio geográfico. Cabe salientar que o
termo meio geográfico é mais abrangente que o meio físico, pois engloba não somente as influências
naturais, mas também influências totalizantes que colaboram para formar o meio geográfico.
Para exemplificar essas outras influências, podemos citar o mundo contemporâneo onde as ações
das sociedades sobre a natureza estão ampliando-se cada vez mais em razão da capacidade técnica
que a ciência lhe possibilita e também pelo domínio que os transportes e velocidade da informação
asseguram sobre as distâncias. Junto a isso podemos incorporar também as ações humanas, como a
forte urbanização, a expansão agrícola, a transformação das florestas que contribuem para formar o
meio geográfico e para configurar a vida dos homens.
1 De acordo com Pierre George, geógrafo francês, a Geografia, definida como “ciência humana”, tem por objeto o estudo global e diferencial
de tudo o que interessa à vida das diversas coletividades humanas que constituem a população do globo. A Geografia, em tempos passados,
limitava-se à “descrição da Terra”, e só recentemente, no século XIX, tornou-se uma ciência, passando a ter um caráter analítico e interpretativo
(ROBBS FILHO, 2007).
2 Escala de Análise: representa a unidade de tamanho na qual o fenômeno é analisado, isto é, mostra se a dimensão do fenômeno estudado
é, por exemplo, local, regional ou global (ROBBS FILHO, 2007).
16 | Conceitos fundamentais

Essas reflexões e construções acerca do objeto da Geografia Humana permitem-nos concentrar


de maneira correta e precisa a determinação da categoria espacial e seus limites. Então, em síntese, os
níveis de análise em Geografia criam e definem categorias, nas quais a compreensão necessariamente
busca o auxílio nas relações das sociedades humanas com o meio geográfico.
A análise em Geografia concentra-se em dois momentos distintos: um que procura valorizar as
ações das sociedades humanas sobre os recursos que a natureza fornece e outro que ressalta os recursos
da natureza em relação à sociedade3. Podem ser destacados alguns exemplos como os modos de vida,
que procuram identificar os modelos diante das grandes zonas naturais do planeta. Podemos citar ainda,
a vida humana nas diferentes regiões climáticas do planeta, como a vida nas regiões temperadas ou áridas
do globo, entre outras. A comparação de cada uma dessas zonas, com o seu contingente e potencial
natural, condiciona um entendimento da biodiversidade geográfica acerca da história e do processo de
transformação humana sobre a natureza e vice-versa. A progressiva transformação e dependência da
sociedade através do tempo e do espaço, e pelos diferentes procedimentos pelos quais as sociedades
têm transformado os recursos naturais, desde os mais elementares até os mais complexos recursos, tem
justificado a leitura da valorização da sociedade sobre a natureza. Nesse sentido, analisamos a evolução
dos grupos sociais e suas concentrações no globo, a distribuição dos homens e dos grupos sociais em
função das condições da natureza e dos recursos inventados para sua exploração e transformação.

Região
A discussão e a reflexão frente ao local e ao global ganham um destaque e uma importância
nas análises geográficas, de acordo com o processo de globalização. A homogeneização social e a
fragmentação regional do espaço tornaram-se exemplos fundamentais para a compreensão dos espa-
ços e modelos regionais e inter-regionais. A diversidade regional perpassa a cartografia, com as repre-
sentações e expressões temáticas, nas pesquisas e nos estudos geográficos. Isso revela a valorização do
espaço em termos da regionalização e acerca do conceito e definição da categoria de região.
Para iniciarmos a definição de região, podemos buscar a associação do conceito com a simples
localização de uma área. Podemos exemplificar isso com a localização de uma área qualquer de uma
cidade, que inicialmente é identificada e informada como sendo uma região pertencente à cidade, como
o caso das regiões das indústrias ou da região central dessa cidade. Para uma conceitualização mais
formal e precisa, como é o caso da análise geográfica, se faz necessário uma distinção principalmente das
especificidades espaciais de cada área, respeitando as individualidades e singularidades. Essa situação
pode ser exemplificada em mapas oficiais, como os políticos e os geoeconômicos, que procuram
representar a diversidade e qualidade de uma região, de um país ou de um continente. Então, nesse
exemplo, a região pode instituir-se pela diferenciação dos interesses econômicos, desenvolvimento
e processos históricos, que produzem a singularidade dos espaços regionais, segundo as diferentes
práticas socioeconômicas e culturais.

3 Conjunto relativamente complexo de indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades, permanentemente associados e equipados de
padrões culturais comuns, próprios para garantir a continuidade do todo e a realização de seus ideais (ROBBS FILHO, 2007).
Conceitos fundamentais | 17

De acordo com Paulo César da Costa Gomes, podem-se chegar a três grandes conclusões acerca
do conceito de região: primeiro que o avanço em torno do conceito permitiu, em grande parte, o surgi-
mento das discussões políticas sobre a dinâmica do Estado4, a organização da cultura e o estatuto da
diversidade espacial; em segundo que o conceito atingiu um debate que permitiu a incorporação da
dimensão espacial nas discussões relativas à política, antes inexistente em análise, da cultura, da econo-
mia, e no que se refere às noções de autonomia, soberania e direitos.
Por fim, foi na ciência geográfica que as discussões atingiram maior importância, já que região é
um conceito-chave da ciência geográfica, no que diz respeito à proposta de análise do espaço.
Também é possível distinguir pelo menos três grandes domínios segundo Paulo César da Costa
Gomes, no qual o conceito de região está presente:
::: O
sentido da “linguagem cotidiana do senso comum”, ela expressa localização e extensão
da ocorrência analisada. Percebe-se que os critérios de análise são os mais diversos, não há
verdadeira precisão nos limites geográficos nem na escala espacial, que aparecem com uma
enorme variação.

::: O
sentido administrativo, esse domínio da região é observado e analisado como uma unidade
administrativa. As diferentes divisões regionais servem para a base e para a definição de
controle da administração dos estados ou organizações não governamentais, como instituições
político-religiosas que procuram delimitar e hierarquizar suas funções administrativas.

::: O sentido das “ciências em geral” no qual o emprego do conceito-chave de região associa-se
também a ideia de localização de determinados fenômenos. Nesse sentido o uso abriga a
etimologia do conceito, pois o conceito de região é visto como “área sob certo domínio ou
área definida por uma regularidade de propriedades que a definem”.5

Já para Roberto Lobato Corrêa, “a região pode ser definida como um conjunto de lugares onde as
diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento
de outro conjunto de lugares” (CORRÊA, 1991, p. 32). Corrêa acrescenta que em seu reconhecimento e
mensuração o conceito de região deve introduzir técnicas de estatísticas, o que pressupõe mais obje-
tividade em torno da unidade de análise.
Para ilustrar a categoria de análise, o mapa da região metropolitana de Porto Alegre, conforme
representado na figura 1, mostra a área caracterizada por um processo de metropolização (crescimento
desmesurado de uma cidade ou aglomeração, em relação ao sistema urbano a que pertence), eviden-
ciando assim um crescimento das chamadas regiões metropolitanas. Na ilustração é possível também
observar a diferenciação dos municípios que pertencem à chamada região metropolitana, com as devidas
localizações dos limites municipais dentro de um conjunto maior delimitado pela região.

4 Estado: corresponde a um grupo de pessoas organizadas politicamente em torno de um poder soberano representado pelos governantes. O
Estado é um país politicamente organizado. Para que ele exista são necessários um território, um povo e um governo (ROBBS FILHO, 2007).
5 (CUNHA, 2007).
18 | Conceitos fundamentais

Mapa dos municípios da região metropolitana de Porto Alegre

Temática Cartografia.
Nova
Ivoti Dois Sapiranga Hartz
Irmãos
Montenegro Estância
Velha Parobé Taquara
Capela
de Santana Novo
Portão São Hamburgo
Leopoldo
Nova Sapucaia
Santa Rita Esteio do Sul
Triunfo Santo Antonio
Gravataí Glorinha da Patrulha
Canoas
Cachoeirinha
Charqueadas Alvorada

Porto
Eldorado Alegre
do Sul
Viamão
Guaíba
Arroio
dos Ratos

São
Jerônimo

Área caracterizada pelo processo de metropolização.

Lugar
Para compreensão e leitura da categoria de lugar podem-se estruturar as seguintes considera-
ções: o lugar aparece como um conceito balizador para análise da Geografia e tem sido alvo de algumas
interpretações diante das mais diversas áreas do conhecimento. No campo filosófico, podemos definir
que o lugar foi apresentado por Aristóteles na sua obra intitulada Física, na qual o lugar é explicado
como o limite que circunda o corpo. O aprimoramento em torno do conceito surgiu séculos mais tarde
por Descartes que definiu que, além do limite, deve-se levar em consideração a posição de um corpo
em relação aos outros corpos. Para a Geografia, a categoria lugar representa um dos seus conceitos-
-chave, apesar das diferentes e amplas reflexões já referenciadas nas mais diversas áreas do saber, acerca
do seu significado e da sua definição.
De acordo com os teóricos da Geografia é possível identificar dois significados principais, sendo esses
considerados e relacionados aos distintos eixos epistemológicos. As diversas correntes do pensamento
apresentam fundamentações filosóficas diferenciadas, mas buscam sempre reações contrárias ao
positivismo vigente. Positivismo este fundamentado numa afirmação social das ciências experimentais
e no pensamento que expõe a existência humana a valores estritamente humanos, afastando-se
radicalmente da teologia, por exemplo. Definido também como um método que consiste na observação
dos fenômenos, subordinando a imaginação à observação.
Conceitos fundamentais | 19

A primeira corrente do pensamento está no campo da Geografia Humanística, que apresenta uma
consolidação a partir do início da década de 1970. Esse campo caracteriza-se, sobretudo, pela valorização
das relações da afetividade, desenvolvidas pelos indivíduos em relação ao seu ambiente. Para tanto,
houve uma relação aos estudos da Filosofia do significado como a fenomenologia6, o existencialismo7,
o idealismo8 e a hermenêutica9, que particularmente encontram na subjetividade humana explicações
para suas atitudes diante do mundo. Nessa interpretação, o conceito de lugar é entendido como um
produto da experiência humana, significando muito mais do que o simples sentido de localização
geográfica, enfim, não corresponde a atributos e a informações de localização, e sim, a experiências e ao
envolvimento com aquilo que está representada nas ações do mundo. Em suma, podemos dizer que o
lugar é um centro de significados, construído pela experiência, e cristalizados por referenciais afetivos das
nossas ações e das nossas vidas, marcando fortemente as sensações emotivas, transmitindo lembranças
do lar, e sendo o resultado da somas das dimensões biológicas, políticas, culturais e emocionais.
A segunda leitura pode ser entendida no campo da dialética marxista, que trata o lugar enquanto
compreensão da expressão geográfica da singularidade caracterizado como descentrado, universalista,
objetivo, sendo associado ao positivismo e/ou ao marxismo. Aborda uma visão na qual o lugar é
considerado como produto de uma dinâmica que é única, ou no caso, resultante de características
históricas e culturais inerente ao seu processo de formação.
Sobre o conceito de lugar, podemos destacar que a categoria está participando e contribuindo
nos estudos espaciais e vem recuperando sua importância científica, resgatando o estudo do espaço
para a análise das necessidades e das desigualdades sociais e ambientais. Segundo Milton Santos, o
espaço é indispensável para a compreensão da sociedade e fica cada vez mais evidente, no conjunto das
ciências sociais, a importância fundamental que está em torno das categorias espaciais. Milton Santos
acrescenta que o “lugar” é a categoria espacial que oferece as maiores possibilidades para a análise dos
problemas decorrentes da interação entre o plano individual e o plano sistêmico.
Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, “únicos”. Isso se deve à espe-
cialização desenfreada dos elementos do espaço - homens, firmas, instituições, meio ambiente -, à dissociação sempre
crescente dos processos e subprocessos necessários a uma maior acumulação de capital, à multiplicação das ações que
fazem do espaço um campo de forças multidirecionais e multicomplexas, onde cada lugar é extremamente distinto do
outro, mas também claramente ligado a todos os demais por um nexo único, dado pelas forças motrizes do modo de
acumulação hegemonicamente universal. (SANTOS, 1997, p. 34)

O autor ressalta ainda uma verdadeira necessidade de compreensão dos processos de produção
e reprodução espacial, identificando as características essenciais a esses processos, diante do modo de
viver das pessoas, que os absorvem, com diferentes velocidades de tempo.

6 Tem por objetivo valorizar a percepção. Em uma dada análise, deve abandonar as concepções prévias que se tem acerca de determinado
lugar. Ao utilizar a subjetividade e abstração, é possível compreender o mundo (ROBBS FILHO, 2007).
7 Concepção segundo a qual o homem – ser único e isolado em universo hostil e indiferente – é responsável por suas próprias ações e livre
para escolher seu destino (LUFT, 1999).
8 Modo de pensar e de agir baseado em certos ideais como princípios de ação. Aspiração e atitude dos que buscam em forma ideal, a perfeição.
LUFT, C. P. Minidicionário Luft. São Paulo: Editora Àtica. (LUFT, 1999).
9 A arte de interpretar o sentido das palavras em leis, textos. (LUFT, 1999).
20 | Conceitos fundamentais

Território
O conceito de território não deve ser confundido com outras categorias nem com o espaço.
Isso significa que os conceitos não apresentam equivalência. É muito importante compreender que o
espaço é anterior ao território. Nesse caso, o território forma-se e configura-se a partir do espaço, sendo
resultado de ações humanas. O território10 abrange um conjunto de relações entre atores, dominadas
em diversas categorias, tais como Estado, nação11, mercado, circulação, trocas, hábitos, tradição etc.
Milton Santos, na sua obra Por uma Geografia Nova, destaca as seguintes considerações sobre
espaço e território:
Um Estado-Nação é essencialmente formado por três elementos: 1. o território, 2. um povo; 3. a soberania. A utilização
do território pelo povo cria o espaço. As relações entre o povo e seu espaço e as relações entre os diversos territórios
nacionais são reguladas pela função da soberania. O território é imutável em seus limites, uma linha traçada de comum
acordo ou pela força. Esse território não tem forçosamente a mesma extensão através da história de situações de
ocupação efetiva por um povo – inclusive a situação atual – como resultado da ação de um povo, do trabalho de um
povo, do trabalho realizado segundo as regras fundamentadas do modo de produção adotado e que o poder que, de
resto, determina os tipos de relações entre as classes sociais e as formas de ocupação do território. Retomamos aqui o
argumento desenvolvido antes. A ação das sociedades territoriais é condicionada no interior de um dado território por:
a) o modo de produção dominante à escala do sistema internacional, sejam quais forem as combinações concretas:
b) o sistema político, responsável pelas formas particulares de impacto do modo de produção; c) mas também pelos
impactos dos modos de produção precedentes e dos momentos precedentes ao modo de produção atual. (SANTOS,
2002, p. 232-233)

A contribuição de Claude Raffestin na sua obra Por uma Geografia do Poder, destaca e esclarece
uma abordagem do território com caráter político. Compreende e estabelece o espaço como substrato,
necessário e já existente antes do território. Nessa sua obra, fica evidente a ideia do território marcado
pelo poder relacional, sendo assim uma categoria essencial para estabelecer uma análise sobre o
mesmo. Poder esse, exemplificado por pessoas e grupos de forma intrínseca entre as relações sociais-
-políticas-econômicas-culturais. Lembra ainda que o Estado organizado tem a função e poder de
legitimar os limites e os recortes territoriais. Tais limites territoriais são o resultado de um certo tipo
de “estabelecimento de limites” e, na maioria dos casos, essa definição de limites está condicionada
à melhor forma de delimitar, ou ainda, a uma certa ação realizada por um movimento estratégico de
projeto expansionista.
Portanto,
[...] são os processos sociais, o grau e modalidade do desenvolvimento das forças produtivas, o sistema político, a
correlação das forças sociais e as teias de interesses mercantis e as mentalidades que dão sentidos e alcance a um
determinado território” [...] então o “conceito de território não expressa o espaço geográfico nem é apenas expressão
de um domínio geográfico de uma entidade estatal. (ESPINDOLA, H. S., 2007, p. 2)

Uma breve leitura sobre as tendências e perspectivas atuais do território brasileiro indicam que
ele está passando por inúmeras transformações, muitas irreversíveis. No sentido de uma nova forma e

10 É o local dos acontecimentos, das trocas de experiências de vida das pessoas com o meio. Nele estão presentes os elementos que definem
a identidade nacional, como língua, religião, história comum, composição fenotípica. O território está sempre atrelado à ideia de poder, pois
quando alguém se apossa de algum lugar, este se torna território e, então, passa a haver poder (ROBBS FILHO, 2007).
11 Termo designativo para um conjunto de pessoas que possuem língua e tradições comuns. Nesse caso, tem o mesmo sentido de povo
(ROBBS FILHO, 2007).
Conceitos fundamentais | 21

funcionalidade espacial, o contexto é internacional e fundamentado no rápido processo de globalização


em conjunto ao desenvolvimento econômico e tecnológico. Historicamente, o território brasileiro foi
considerado como um “espaço” desarticulado e sem integração nacional, processos políticos acentua-
ram a ideia permanente e necessária de alteração desse quadro. A integração econômica e política do
território nacional é fortemente inserida em modelos e estratégias de planos políticos, ocasionando
um certo planejamento que visa consolidar, a priori, ações entre as regiões brasileiras e atender às
necessidades de interesse, muitas vezes, não locais. As transformações e alterações do contexto urbano
ficam evidentes no extremo processo da urbanização das médias e grandes cidades. Para exemplificar
a tendência atual do território, podemos citar a movimentação e a transformação da fronteira agrícola.
Os espaços que são marcados por um forte sentimento de ligação com a terra, por meio das raízes
culturais, salientadas por intensas relações ecológicas e ambientais, modificam-se e acabam
apresentando uma nova dinâmica territorial. Uma nova territorialização12 é exercida, por meio de um
modelo associado a um interesse da agricultura comercial e exportadora, eliminando um conjunto
político-ecológico presente naquele contexto local. O autor Rogério Haesbart (2004) analisa o território
com diferentes enfoques e elabora uma classificação em que se verificam três vertentes básicas:
1) Jurídico-política, segundo a qual o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se
exerce determinado poder, especialmente de caráter estatal. 2) Cultural(ista), que prioriza dimensões simbólicas e
mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário e/ou
identidade social sobre o espaço. 3) Econômica, que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como
produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho.

Texto complementar
Alguns importantes antecedentes
(CASTRO; GOMES; CORREA, 1995, p. 50-52)
A palavra região deriva do latim regere, palavra composta pelo radical reg, que deu origem a
outras palavras como regente, regência, regra etc. Regione nos tempos do Império Romano era a
denominação utilizada para designar áreas que, ainda que dispusessem de uma administração local,
estavam subordinadas às regras hegemônicas das magistraturas sediadas em Roma. Alguns filósofos
interpretam a emergência desse conceito como uma necessidade de um momento histórico em que,
pela primeira vez, surge, de forma ampla, a relação entre a centralização do poder em um local e
a extensão dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial. A contribuir com
essa interpretação existe também o fato de que outros conceitos de natureza espacial tenham sido
enumerados nessa mesma época, como o conceito mesmo de espaço (spatium), visto como “contínuo”
ou como intervalo, no qual estão dispostos os corpos seguindo uma certa ordem neste vazio, ou ainda
o conceito de província (provincere), áreas atribuídas aos controles daqueles que a haviam submetido
à ordem hegemônica romana. Dessa forma, os mapas que representam o Império Romano são

12 Territorialização: conceito explicativo da luta pela terra (MITIDIERO JUNIOR, 2007).


22 | Conceitos fundamentais

preenchidos pela nomenclatura dessas regiões que representam a extensão espacial do poder central
hegemônico, onde os governantes locais dispunham de alguma autonomia, em função mesmo da
diversidade de situações sociais e culturais, mas deviam obediência e impostos à cidade de Roma.
O esfacelamento do Império Romano seguiu, a princípio, essas linhas de fraturas regionais e
a subdivisão dessas áreas foi a origem espacial do poder autônomo dos feudos, predominantes na
Idade Média. À mesma época, a Igreja reforçou esse tipo de divisão do espaço, utilizando o tecido
dessas unidades regionais como base para o estabelecimento de sua hierarquia administrativa.
Também nesse caso a rede hierarquizada dos recortes espaciais exprimia a relação entre a centra-
lização do poder, as várias competências e os níveis diversos de autonomia de cada unidade da
complexa burocracia administrativa dessa instituição.
O surgimento do estado moderno na Europa recolocou o problema dessas unidades espaciais
regionais. Um dos discursos predominantes na afirmação da legitimidade do Estado no século
XVIII é o da união regional face a um inimigo comercial, cultural ou militar exterior. Nos diversos
relatos históricos referentes à constituição dos Estados europeus, podemos observar com clareza a
complexidade das negociações e dos conflitos que envolvem a redefinição da autonomia do poder,
da cultura, das atividades produtivas e de seus limites territoriais. Fundamentalmente, a questão
que se recoloca é a mesma que deu origem ao conceito de região na Antiguidade Clássica, ou seja,
a questão da relação entre a centralização, a uniformização administrativa e a diversidade espacial,
física, cultural, econômica e política, sobre a qual esse poder centralizado deve ser exercido. Esse
período da formação dos Estados Modernos assistiu, pois, ao renascimento das discussões em
torno dos conceitos de região, nação, comunidade territoriais, diferenças espaciais etc. Foi também
nesse momento que um campo disciplinar especificamente geográfico começou a tomar forma, aí
incluído exatamente este tipo de questão e de conceitos.
Por meio dessa reconstituição histórica podemos perceber três principais consequências: a
primeira é que o conceito de região tem implicações fundadoras no campo da discussão política, da
dinâmica do Estado, da Organização da cultura e do estatuto da diversidade espacial; percebemos
também que esse debate sobre região (ou sobre seus correlatos como nação), possui um inequívoco
componente espacial, ou seja, vemos que o viés na discussão desses temas, da política, da cultura,
das atividades econômicas, está relacionado especificamente às projeções no espaço das noções de
autonomia, soberania, direito etc., e de suas representações; finalmente, em terceiro lugar, percebemos
que a geografia foi o campo privilegiado dessas discussões ao abrigar a região como um dos seus
conceitos-chave e tomar a si a tarefa de produzir uma reflexão sistemática sobre esse tema.

Atividades
1. Qual o exemplo que podemos citar para relacionar as influências do mundo contemporâneo nas
relações da sociedade sobre a natureza?
Conceitos fundamentais | 23

2. O que mostra a figura 1, apresentada na aula?

3. Cite alguma contribuição de Milton Santos acerca da categoria de lugar para análise da Geografia.

Gabarito
1. O domínio da sociedade no âmbito dos transportes e na velocidade das informações, em um
mundo global regido por uma razão altamente tecnológica.

2. Mostra o mapa da região metropolitana de Porto Alegre, um mapa político onde é possível
observar a diferenciação dos municípios que pertencem à chamada Região Metropolitana, com
as devidas localizações dos limites municipais dentro de um conjunto maior delimitado.

3. Que a categoria é indispensável para a compreensão da sociedade; que oferece as maiores


possibilidades para a análise dos problemas decorrentes da interação entre o plano individual e o
plano sistêmico; a categoria apresenta uma referência acerca da compreensão dos processos de
produção e reprodução espacial, identificando as características essenciais.
24 | Conceitos fundamentais
Geografia Cultural
Introdução à Geografia Cultural
A primeira noção de Geografia Cultural pode ser introduzida a partir do entendimento e
conceituação em torno do termo. A Geografia Cultural é uma ramificação da Geografia e pode ser
caracterizada pelo estudo e pela compreensão da distribuição espacial das manifestações culturais.
Podemos citar alguns exemplos, como as manifestações das religiões, as crenças, os rituais, as artes, as
formas de trabalho. Em conjunto a essa primeira definição, podemos agregar que a Geografia Cultural
também é aquela que considera os sentimentos e as ideias de um grupo social ou povo sobre o espaço
geográfico a partir da experiência e momentos já vivenciados.
A Geografia Cultural, como todas as subdivisões da Geografia, deve estar “ligada à Terra”. Os aspectos da Terra, em
particular aqueles produzidos ou modificados pela ação humana, são de grande significado. O estudo desses aspectos
geográficos resultantes da ação do homem considera as diferenças entre as comunidades humanas que as criam
ou criaram e se referem aos modos especiais de vida de cada uma como culturas. A Geografia Cultural compara a
distribuição variável das áreas culturais com a distribuição de outros aspectos da superfície da Terra, visando identificar
aspectos ambientais característicos de uma determinada cultura e, se possível, descobrir que papel a ação humana
desempenha ou desempenhou na criação e manutenção de determinados aspectos geográficos. (WAGNER ; MIKESELL,
2003, p. 27-28)

A partir do século XX, essa área do conhecimento e abordagem de estudo espacial na ciência
geográfica, vem trabalhando determinados temas, tais como: gêneros de vida, paisagem cultural,
áreas culturais, história da cultura no espaço e ecologia cultural. A realização de trabalhos nessa área do
conhecimento, por profissionais da Geografia foi extensa e importante, colocando marcos fundamentais
em diferentes metodologias e tornando os estudos excelentes referenciais teóricos, sendo ressaltados e
utilizados no desenvolvimento desse campo de estudo da Geografia. Como exemplo, temos a produção da
Escola de Berkeley, na qual o pesquisador Carl Sauer tornou-se nome fundamental nos estudos culturais.
As razões da incorporação tardia da Geografia Cultural entre os geógrafos brasileiros são várias. Entre elas estão a
força da tradição empiricista, profundamente presa a uma pretensa leitura objetiva da realidade, e, a partir do final da
década de 1970, da perspectiva crítica, calcada em um materialismo histórico mal assimilado. A cultura foi, ou negligen-
ciada, ou entendida segundo o senso comum, passando a ser vista como sendo dotada de poder explicativo. (CORRÊA;
ROSENDAHL, 2003, p. 9)
26 | Geografia Cultural

Algumas mudanças na Geografia Cultural ocorreram a partir da segunda metade dos anos 1970,
entre essas, as mais significativas estiveram preocupadas em ampliar e inserir novos referenciais teórico-
-metodológicos, como a vida cotidiana, a linguagem e religião, as formas de expressão, dos significados
comuns de grupos sociais, enfim uma abordagem própria dos estudos da Geografia Cultural, permitindo
assim ampliar as possibilidades de análise e investigação em torno do objeto de estudo. As releituras da
Geografia Cultural incorporaram e agregaram novos valores e discussões aos temas mais tradicionais da
Geografia, abrindo assim uma área cada vez mais presente nas análises e estudos geográficos.
Para Paul Claval, o principal objetivo dos estudos da Geografia Cultural, ou da abordagem
cultural nas ciências geográficas é entender a experiência dos homens (sociedade) no meio (social/
ambiental), além de incorporar os significados e compreender tais estudos no meio e relacionar o nosso
conhecimento e as nossas vidas. Claval lista as principais mudanças de ordem epistemológica e teórica
da Geografia Cultural, sendo mudanças significativas na base da epistemologia científica. A base epis-
temológica pode ser entendida como o alicerce do conhecimento filosófico, que engloba uma reflexão
geral da natureza e os limites do conhecimento. A epistemologia enfoca sua análise entre o sujeito e
o objeto, apresentando os postulados e as conclusões dos métodos científicos, traçando seu caminho
científico, sua história e evolução. O mesmo autor descreve ainda os novos rumos das relações homens/
meio ambiente, enfocam as relações sociais e os problemas morais do mundo contemporâneo.
Uma possível definição dessa “nova” Geografia Cultural seria: contemporânea e histórica (mas sempre contextualizada
e apoiada na teoria); social e espacial (mas não reduzida a aspectos da paisagem definidos de forma restrita); urbana
e rural; atenta à natureza contingente da cultura, às ideologias dominantes e às formas de resistência. Para essa “nova”
geografia a cultura não é uma categoria residual, mas o meio pelo qual a mudança social é experienciada, contestada
e constituída. Para desenvolver essa questão de forma mais detalhada, será necessário retornar às raízes americanas da
Geografia Cultural contemporânea. (CASGROVE ; JACKSON, 2003, p. 136)

Temas da Geografia Cultural


Os geógrafos Wagner e Mikesell abordam vários temas da Geografia Cultural, entre os quais se
destacam: cultura, área cultural, paisagem cultural, história da cultura, ecologia cultural e o geógrafo
cultural. Tais temas marcam de forma sintética a conexão e a compreensão dos estudos da Geografia
Cultural e constituem a aplicação e apresentação do núcleo desse conhecimento.
A Cultura, segundo os autores citados, representa as atividades de entendimento de um grupo,
considerada também um conjunto de símbolos usados nessas atividades de comunicação e entendi-
mentos. O entendimento entre as pessoas do grupo acontece pela similaridade dos pensamentos, pelas
simbologias usadas e ações atribuídas a valores e qualidades. Podemos afirmar que a cultura é interna-
mente produzida em uma base geográfica, sendo que a base geográfica também é algo do reconheci-
mento cultural e, por sua vez, um resultado da própria produção cultural.
Em outras palavras, o conceito de cultura oferece um meio para classificar os seres humanos em grupos bem definidos,
de acordo com características comuns verificáveis, e também um meio para classificar áreas de acordo com as
características dos grupos humanos que as ocupam. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 28)
Geografia Cultural | 27

Para Wagner e Mikesell, a área cultural pode ser entendida como o limite da cultura, ou seja, é a
área que mantém as atividades e os atributos de uma determinada cultura1. Podemos verificar alguns
conjuntos espaciais da cultura, como os pontos centrais da cultura, as linhas em que ocorre a transmissão
ou a transferência da abrangência cultural, as áreas que representam a abrangência geográfica de
determinados tipos ou elementos de cultura. Uma área cultural pode definir uma determinada região
ou um determinado território associando a relação do homem com o meio, suas condições com os
recursos humanos e naturais, a qualidade das relações entre sociedade e natureza.
Dada a dependência da homogeneidade cultural face à comunicação imediata e à dependência da comunicação,
face à contiguidade geográfica ou substitutos técnicos para isso, a “área cultural” implica uma uniformidade relativa
em vez de absoluta. A similaridade cultural relativa aparece em diferentes graus, desde identidade virtual de atitudes
e aptidões num pequeno território, até semelhanças gerais ou ampla disseminação de características individuais ou
elementos da cultura em grandes áreas. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 32)

A paisagem cultural é o resultado concreto e visível de um grupo cultural que, por sua vez, produz
marcas no espaço geográfico através do tempo. A paisagem cultural segundo os autores Wagner e
Mikesell, refere-se ao conteúdo geográfico de uma determinada área ou a um complexo geográfico de
certo tipo, no qual são manifestadas as escolhas feitas e as mudanças realizadas pelo homem enquanto
membro de uma comunidade cultural2.
Outro tema da Geografia Cultural é a composição da história da cultura, na qual se apresentam
a evolução dos “modos de vida” no transcorrer do tempo, com o desenvolvimento tecnológico e dos
diferentes grupos sociais estruturados em diferentes períodos. Para exemplificar esse tema da Geografia
Cultural, podemos citar o conhecimento e a evolução na produção de artefatos, que são registrados nos
estudos arqueológicos.
A ecologia cultural é o resultado do trabalho de entendimento da produção de uma cultura, da
sua área cultural e da sua paisagem cultural, o que ultrapassa a análise simples sobre os atores culturais
e suas ações. As ações dos diferentes atores culturais, inseridos em uma cultura e num campo de rela-
ções específicas de um “modo de vida”, produzem sucessivos eventos históricos que promovem a quali-
dade da cultura em distintos tempos. De fato a importância deve-se à análise da relação entre todos os
elementos do sistema cultural e seus determinantes históricos, como as práticas culturais que se dão
num determinado ambiente.
O geógrafo cultural, conforme Wagner e Mikesell, pode ser entendido da seguinte forma:
[...] para os geógrafos culturais, qualquer sinal de ação humana numa paisagem implica uma cultura, demanda uma
história e exige uma interpretação ecológica; a história de seu povo evoca sua fixação na paisagem, seus problemas
ecológicos e concomitantes culturais, e o reconhecimento da cultura exige a descoberta de traços que a mesma deixou
na superfície da terra. (WAGNER, P. L.; MIKESELL, 2003. p. 50)

1 WAGNER, P. L.; MIKESELL. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003. p. 32.
2 WAGNER, P. L.; MIKESELL. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003. p. 36.
28 | Geografia Cultural

A noção de gênero de vida


A noção de gênero de vida marca uma corrente do pensamento geográfico chamada de possi-
bilismo, a qual percebe o papel das atividades, das técnicas e da cultura humana na alteração do meio
natural. O desenvolvimento da cultura e dos costumes é visto como consequências do meio natural, do
tipo de clima, do tipo de relevo, do potencial hídrico.
Para exemplificar a corrente do pensamento geográfico ligado ao possibilismo, podemos citar Paul
Vidal de la Blache que estabeleceu um rompimento com o pensamento dominante da segunda metade
do século XIX, apresentando um estudo da força da relação da natureza e suas influências sobre o homem.
Indicou também que o homem apresentava possibilidades reais e concretas de modificá-las e alterá-las.
Neste processo, de trocas mútuas com a natureza, o homem transforma a matéria natural, cria formas sobre a superfície
terrestre: para Vidal, é aí que começa a “obra geográfica do homem”. Assim, na perspectiva vidalina, a natureza passou
a ser vista como possibilidades para a ação humana; daí o nome de Possibilismo, [...] Vidal denominou “gênero de vida”,
o qual exprimiria uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída historicamente
pelas sociedades. A diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de vida. (MORAIS, 1993, p. 68-69)

Esse conceito desenvolve o pensamento de que o homem, em suas inúmeras atividades de


sobrevivência, necessita se relacionar em grupo, criando a possibilidade de conhecer o ambiente natural
em que vive, sentindo sua dificuldade na transformação da natureza. Estabelece também um conjunto
de técnicas que facilitam o trabalho e que possibilitam melhor conforto e adequada produção científica.
O processo de desenvolvimento do conhecimento e o aprimoramento das técnicas de manipulação
e criação de ferramentas foram capazes de transformar a natureza, permitindo o surgimento de
rituais específicos que mantiveram o sentido de explicação e entendimento sobre os processos que
eram observados em seu meio. Aos poucos foram surgindo e acumulando-se no tempo e no espaço
determinadas crenças, rituais, danças e figuras divinas que asseguravam a explicação sobre os
fenômenos naturais e humanos. Surgiram assim os gêneros de vida, que de acordo com Max Sorre “é o
conjunto de técnicas e rituais de uma comunidade em envolvimento com as dificuldades de seu meio
físico” (SORRE, 2002).
De acordo com Max Sorre, existem elementos formadores dos gêneros de vida: primeiro, os cria-
dores ou organizadores que são as técnicas fundamentais; segundo, os fixadores que definem o tipo
de habitat, estrutura agrária; terceiro, os antagônicos (limitadores) que reúnem as prescrições religiosas
que atrapalham a evolução econômica; e por fim, os relictuais que são os adornos, os cânticos, os ritos
funerários, por exemplo. Os gêneros de vida existem justamente por sua permanência e estabilidade no
tempo. Por outro lado, eles não são estáticos e podem evoluir. A evolução dos gêneros de vida apresenta-
-se pelo acúmulo do saber técnico e pelo máximo dinamismo das atividades econômicas.

Geografia Cultural: reflexos da globalização


Para ampliar a discussão acerca dessa temática devemos lembrar alguns efeitos e algumas
consequências diante do contexto da globalização nos dias de hoje. Sem dúvida já é comum o termo de
“comunidade global”, “aldeia global”, ou simplesmente “mundo globalizado”. Talvez esses termos provo-
quem uma interpretação rápida e direta, no que se refere à velocidade da informação ou movimentação
e transporte de pessoas e recursos, ou seja, em qualquer parte do planeta é possível ter ligação do
global como o local, seja por comunicação ou por relações de ordem econômica, por exemplo.
Geografia Cultural | 29

A globalização derruba fronteiras e aproxima limites; tais premissas são colocadas de forma
exagerada na nossa sociedade. Grande parte dos processos relacionados à globalização, como modelos
de consumo e adaptação a tecnologias traz certa padronização cultural, ocorrendo efeitos negativos
na cultura local e regional de determinadas áreas culturais, pois permite a redução de práticas e rituais
presentes na diversidade cultural do planeta.
A fixação de novos espaços econômicos mundiais facilita a integração cultural entre os povos e as
comunidades. Por outro lado, carrega um sentido de desenvolvimento, muitas vezes não desejado para
certas comunidades locais. O agravamento dessa situação amplia-se significativamente na dependência
de um domínio global. Citamos as dependências do sistema financeiro nas relações internacionais
de grupos privados. Fica claro que os efeitos e as consequências sobre a cultura de muitos países e
regiões ficam comprometidos, salientando as diferenças e exclusões sociais e alterando as relações
fundamentais do cotidiano das pessoas.
Outra análise das reflexões da globalização sobre a cultura diz respeito ao conformismo e à
adaptação rápida das pessoas em torno da qualidade e quantidade de exigências sociais, que traduzidas,
significam uma competitividade e uma irresponsabilidade ambiental, sob a ótica econômica e política.
Nesse contexto, também podemos falar das relações do trabalho que aprofundam as dependências
globais para atender a um padrão internacional de consumo crescente de muitos países.
As adaptações e os conformismos da nossa sociedade encontram-se ligados à globalização da
economia, que por intermédio da forte industrialização de produtos ou pela utilização de determinados
serviços em escala mundial, trazem consequências negativas e perversas para a população. Podemos citar
o consumo de alimentos industrializados na escala global, que contribui para alterações na dinâmica de
consumo em comunidades menores, constituindo uma mudança cultural e no padrão de alimentação das
pessoas. A consequência dessa mudança é o consumo de um valor energético diferenciado para aquelas
pessoas, até então desconhecido ou não utilizado, sendo resultado de uma intensa divulgação de mídia
e incorporação de novos valores na sociedade. Esse exemplo classifica um rompimento em “hábitos” e
“modos de vida” estabelecidos por um longo tempo no cotidiano de certas comunidades, interferindo e/
ou modificando relações culturais e sociais presentes.

Texto complementar
(MORAES, 1981)
O principal livro de Ratzel, publicado em 1882, denomina-se Antropogeografia – fundamentos
da aplicação da Geografia à História; pode-se dizer que essa obra funda a Geografia Humana. Nela,
Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições naturais exercem
sobre a humanidade. Essas influências atuariam, primeiro na fisiologia (somatismo) e na psicologia
(caráter) dos indivíduos, e, através destes, na sociedade. Em segundo lugar, a natureza influenciaria
a própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio em que está
localizada a sociedade. A natureza também atuaria na possibilidade de expansão de um povo,
obstaculizando-a ou acelerando-a. E ainda nas possibilidades de contato com outros povos, gerando
30 | Geografia Cultural

assim o isolamento e a mestiçagem. Ratzel realizou extensa revisão bibliográfica, sobre o tema das
influências da natureza sobre o homem, e concluiu criticando as duas posições mais correntes: a
que nega tal influência, e a que visa estabelecê-la de imediato. Diz ele que essas influências vão
se exercer mediatizadas, por meio das condições econômicas e sociais. Para ele, a sociedade é um
organismo que mantém relações duráveis com o solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades
de moradia e alimentação. O homem precisaria utilizar os recursos da natureza, para conquistar sua
liberdade, que, em suas palavras, “é um dom conquistado a duras penas”. O progresso significaria
um maior uso dos recursos do meio, logo, uma relação mais íntima com a natureza. Quanto maior
o vínculo com o solo, maior seria para a sociedade a necessidade de manter sua posse. É por essa
razão que a sociedade cria o Estado, nas palavras de Ratzel: “Quando a sociedade se organiza para
defender o território, transforma-se em Estado”. A análise das relações entre o Estado e o espaço foi
um dos pontos privilegiados da Antropogeografia. Para Ratzel, o território representa as condições
de trabalho e existência de uma sociedade. A perda de território seria a maior prova de decadência
de uma sociedade. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território,
logo, de conquistar novas áreas. Justificando essas colocações, Ratzel elabora o conceito de “espaço
vital”; este representaria uma proporção de equilíbrio, entre a população de uma dada sociedade
e os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo assim suas potencialidades de
progredir e suas premências territoriais. E fácil observar a íntima vinculação entre essas formulações
de Ratzel, sua época e o projeto imperial alemão. Essa ligação se expressa na justificativa do
expansionismo como algo natural e inevitável, numa sociedade que progride, gerando uma teoria
que legitima o imperialismo bismarckiano. Também sua visão do Estado como um protetor acima da
sociedade, vem no sentido de legitimar o Estado prussiano, onipresente e militarizado.
A Geografia proposta por Ratzel privilegiou o elemento humano e abriu várias frentes de
estudo, valorizando questões referentes à História e ao espaço, como: a formação dos territórios,
a difusão dos homens no globo (migrações, colonizações etc.), a distribuição dos povos e das raças
na superfície terrestre, o isolamento e suas consequências, além de estudos monográficos das áreas
habitadas. Tudo tendo em vista o objeto central que seria o estudo das influências, que as condições
naturais exercem sobre a evolução das sociedades. Em termos de método, a obra de Ratzel não
realizou grandes avanços. Manteve a ideia da Geografia como ciência empírica, cujos procedimentos
de análise seriam a observação e a descrição. Porém, proponha ir além da descrição, buscar a síntese
das influências na escala planetária, ou, em suas palavras, “ver o lugar como objeto em si, e como
elemento de uma cadeia”. De resto, Ratzel manteve a visão naturalista: reduziu o homem a um
animal, ao não diferenciar as suas qualidades específicas; assim, propunha o método geográfico
como análogo ao das demais ciências da natureza; e concebia a causalidade dos fenômenos
humanos como idêntica a dos naturais. Daí, o mecanicismo de suas afirmações. Ratzel, ao propor
uma Geografia do Homem, entendeu-a como uma ciência natural.
Geografia Cultural | 31

Atividades
1. O que significa gênero de vida?

2. Qual a definição do objeto da Geografia segundo Ratzel?

3. Como podemos definir área cultural?

Gabarito
1. É o conjunto de técnicas e costumes, associado ao passado social. O termo exprime também
uma relação entre a população e os recursos existentes, ideia e situação de equilíbrio, construída
historicamente pelas sociedades humanas.

2. O estudo da influência das condições naturais exercidas sobre a humanidade.

3. É o limite da cultura, é a área onde se mantém as atividades e os atributos de uma cultura.


32 | Geografia Cultural
Geografia Política
Introdução à Geografia Política
A Geografia Política, no contexto dos estudos contemporâneos, está marcada pela velocidade
das informações globalizadas, apresenta-se como um campo1 do conhecimento capaz de reconhecer
as relações fundamentais da política e das relações do território sobre a sociedade. O mundo hoje se
insere em conflitos de diferentes escalas, como as regionais e as mundiais, ocasionando interferências e
conflitos de ordem econômica, política, ambiental e social. As ocorrências desses eventos têm refletido
na população mundial, como nas situações de controle de circulação de pessoas e produtos/tecnologia,
nas políticas externas e internas dos países, nas medidas de segurança etc.
Para analisar esse quadro atual e significante, a Geografia Política e a Geopolítica devem inserir-se
num contexto histórico e a partir de referenciais teóricos do território, do poder e da política. Outra
necessidade notável é a conceituação e determinação dos termos da Geografia Política e da Geopolítica,
ao passo que existe uma certa confusão nos seus empregos e nos seus usos teórico-práticos.
A Geografia Política2 é um campo de estudo da Geografia, considerado como uma área de estudo
fundamental e imensamente importante. O objeto de estudo da Geografia Política, num primeiro
momento, é visto de forma simplificada, carregado de descrições das fronteiras3 e dos limites dos países,
relatando suas capitais e suas correlações espaciais. Mas a Geografia Política no contexto moderno
abrange a ideia dos estudos das bases territoriais, sob a ótica das relações humanas e políticas.
Os estudos da Geografia Política buscam agregar informações das bases territoriais, num conjunto
do desenvolvimento histórico de ocupação e formação. Para exemplificar esse desenvolvimento,
podemos citar o caso do Estado de Israel, que foi criado no ano de 1948, por meio de um projeto da
Organização das Nações Unidas (ONU). A figura a seguir representa o estado de Israel, no contexto da
configuração de 1948.

1 Conjunto estruturado de noções que indicam a área de ação ou de extensão de um fenômeno ou de um processo que caracteriza uma área
do conhecimento (CASTRO, 2006).
2 Geografia Política: Expressão muito empregada no passado (nos séculos XVI, XVII e XVIII), a acepção do termo mudou por intermédio de
Ratzel, no final do século XIX. Atualmente, ao falar em Geografia Política, estamos nos referindo ao estudo geográfico ou espacial da política e
ao estudo das relações entre espaço e poder (ROBBS FILHO, 2007).
3 Parte externa de um país, província ou região; limite; confins (LUFT, 1999).
34 | Geografia Política

Temática Cartografia.
LÍBANO
Golan SÍRIA
Galileia LLAC
TIBERIADES

CISJORDÂNIA

Jerusalém

MAR MORTO
ZA
GA

JORDÂNIA
PENÍNSULA DO SINAI

ISRAEL

Negrev

EGITO

Territórios ocupados por Israel durante 1967.

Na figura a seguir estão as diferentes áreas ocupadas (Cisjordânia, Península do Sinai, Colinas de
Golan e Faixa de Gaza) por Israel na região da Palestina em 1967, pela chamada Guerra dos Seis Dias, e
indica o expansionismo e conquistas territoriais. Representa, também, as novas fronteiras de ocupação
de Israel sob as áreas, estabelecidas através dos conflitos históricos sob o território de países vizinhos.
Com o passar do tempo, acordos de paz e novos conflitos definiram a devolução, a transferência e a
ocupação dividida de algumas áreas da região conquistada.
Temática Cartografia.

LÍBANO

TERRITÓRIOS
CONQUISTADOS COLINAS SÍRIA
DE GOLAN

MAR
MEDITERRÂNEO CISJORDÂNIA

MAR MORTO
CANAL DE SUEZ

ISRAEL

JORDÂNIA

PENÍNSULA
DO SINAI
ABA
DE AQ
GO

ARÁBIA
LF

GOLFO
OD

SAUDITA
ES
UE
Z

EGITO MAR
VERMELHO

Conquistas israelenses na Guerra dos Seis Dias (1967).


Geografia Política | 35

O estudo do relacionamento desse conjunto de conflitos político-territoriais e da história política


evidencia os aspectos da população desse local, dos recursos encontrados no território, das condições
políticas, da jurisdição do território4 e seus fenômenos sociais. Em síntese, a Geografia Política busca
o entendimento e a compreensão das relações humanas sobre o território, no contexto das relações
nacionais e internacionais. Podemos dizer também que a unidade da Geografia Política é uma somatória
da Geografia, da Ciência Política e da História da Política.
A primeira referência teórica da temática da Geografia Política foi estabelecida pelo alemão
Frederico Ratzel (1844-1904), considerado por muitos o pai da Geografia Política. Ratzel inicia o estudo
do espaço ou territorialidade do Estado5 e cita em suas obras que o território está sujeito a grandes
alterações ao longo da História. O autor realiza ainda uma leitura geográfica preocupada com a dimensão
espacial política. Apresenta uma construção de entendimento do território e uma reflexão sistemática
e elementar da natureza do Estado e suas relações com o poder e suas espacialidades, enquanto que
outros autores definem a Geografia Política como um estudo geográfico da política, que consiste
basicamente nos estudos das relações entre o espaço e o poder.
A Geografia Política tem a idade da geografia moderna, aquela que se desenvolveu a partir de meados do século XIX
na Alemanha, com Humboldt, Ritter e Ratzel. Diversamente das posteriores especializações da pesquisa geográfica,
ela é parte mesma do movimento de constituição dessa disciplina. [...]. A própria discussão sobre as diferenças entre a
Geografia Política e a Geopolítica fica, por assim dizer, “atravessada” por esse traço característico. Rótulos como “básica
ou fundamental” para a primeira e “aplicada ou prática” para a segunda, não resolvem o problema de que, nos longos
períodos caracterizados por conflitos entre os Estados, parte substantiva da Geografia Política tenha como que se tornado
Geopolítica, ou seja, de modo mais ou menos intenso, foi marcada pelo espírito belicista da época e pelos objetivos
dos Estados envolvidos. (COSTA, 1992, p. 19-20)

Geopolítica
O conceito de Geopolítica6 restringe-se ao uso do poder do Estado nos seus limites territoriais
e nas suas relações internacionais. A Geopolítica contribui para traçar linhas de ações políticas. O
espaço territorial é o espaço da Geopolítica em que acontece a ligação entre as ações políticas e os
anseios sociais, é nesse espaço que se configuram as ações do Estado e as estratégicas espaciais. Tais
configurações remetem à expansão ou à manutenção dos territórios estatais.

4 Jurisdição, na acepção conferida ao termo, significa ter o poder legal de aplicar as leis e de julgar. Segundo Celso Mello, “O Estado tem como
seu direito fundamental o de exercer a sua jurisdição no território nacional. [No entanto] Existem certas pessoas e coisas que fogem à regra de
se encontrarem sujeitas à jurisdição do Estado estrangeiro, apesar de se encontrarem em seu território.” Além disso, pode ocorrer que outros
Estados, por invadirem outros mais fracos ou pelo próprio domínio econômico, militar ou cultural, façam exercer sua jurisdição (seu Direito, seu
poder) nesses outros Estados, mostrando que a soberania do Estado em que houve a intervenção foi violada (ROBBS FILHO, 2007).
5 Corresponde a um grupo de pessoas organizadas politicamente em torno de um poder soberano representado pelos governantes, ou seja,
o Estado é um país politicamente organizado. Para que ele exista são necessários um território, um povo e um governo (ROBBS FILHO, 2007).
6 Termo criado no século XX por Kjellén. Falar em Geopolítica significa preocupar-se com o poderio de cada Estado, com as grandes potências
mundiais ou regionais, com a instrumentalização do espaço geográfico com vistas à guerra ou ao exercício do poder estatal. A Geopolítica dava
extrema importância à escala macro ou continental/planetária, ou seja, com a questão da disputa ao poder mundial, com o que levou um Estado
a tornar-se uma grande potência, entre outros. Ela é um instrumento de ação (algo estratégico) que visa à atuação de qualquer Estado no âmbito
internacional (ROBBS FILHO, 2007).
36 | Geografia Política

As políticas de Estado estabelecidas no contexto e conforme as medidas expansionistas constroem


ou redefinem limites de fronteiras ou domínios de áreas territoriais. As ações políticas apresentam uma
dependência vital com os elementos do espaço e dos seus recursos (fertilidade do solo, disponibilidade
de água etc.), que são condições essenciais para o desenvolvimento, a estratégia econômica e a logística
de um país.
O objeto7 então da Geografia Política é o estudo das relações da política com o espaço geográfico.
A Geopolítica pode ser relacionada com a preocupação e as estratégias políticas para a obtenção de
poder sobre algum território. A Geografia Política apresenta um sentido estático, baseado nas observações
de fatores geográficos, enquanto que a Geopolítica ocorre de forma dinâmica, no contexto das ações e
políticas de Estado.
A figura a seguir representa a Geopolítica americana, com a presença militar norte-americana
na América do Sul. Determina a localização e as relações estratégicas da política de governo norte-
-americano para o território dos países latino-americanos. Além de apresentar uma ação pontual e
localizada, por meio do posicionamento de forças de poder8 militar.

Temática Cartografia.

Presença militar norte-americana na América do Sul.

7 Coisa ou mesmo ideia, conceito sobre o qual se trabalha. Um objeto da Geografia é alguma coisa que tem uma dimensão no espaço, que põe
em ação os lugares (BRUNET, R. et al. In: CASTRO, 2006).
8 Poder: 1 – Ter autoridade, domínio ou influência. 2 – Faculdade de impor obediência, autoridade, mando. 3 – Império, soberania. 4 – Posse, jurisdição,
domínio, atribuição. 5 – Governo de um Estado. 6 – Forças militares. 7 – Força ou influência. 8 – Força física ou moral (ROBBS FILHO, 2007).
Geografia Política | 37

Diferentes concepções e compreensões sobre Geopolítica podem ser expressas diante das suas
relações com a Geografia Política: uma primeira interpretação condiciona a Geopolítica a uma certa
dinâmica e a Geografia Política, por sua vez, a uma ideia e sentido estático. Uma segunda premissa
afirma que a Geopolítica está ligada à construção ideológica, servindo como instrumento de Estado
e sendo a verdadeira e fundamental análise territorial para o estudo da Geografia. Outra qualidade
da Geopolítica relaciona-se ao campo interdisciplinar, o que foi atualizado nos últimos 30 anos por
movimentos e conflitos territoriais mundiais.
Devido à confusão conceitual e terminológica que se estabeleceu em torno da definição da Geopolítica, o que nem
sempre aqueles que se autointitulam “geopolíticos” lograram esclarecer, iniciaremos a nossa exposição abordando
alguns aspectos desse problema. Descartadas as confusões e dissimulações em torno do rótulo, pode-se afirmar com
relativa segurança que a Geopolítica, tal como foi exposta pelos principais teóricos é, antes de tudo, um subproduto
e um reducionismo técnico e pragmático da Geografia Política, na medida em quem se apropria de parte de seus
postulados gerais, para aplicá-los na análise de situações concretas interessando ao jogo de forças estatais projetado
no espaço. (COSTA, 1992, p. 55)

A Geopolítica envolve uma discussão complexa em torno de temas como estratégias políticas
e conflitos em diversos países. A temática da Geopolítica surge como um assunto fundamental e
importante para a sociedade, na medida em que assume influência nos movimento políticos nacionais
e nas relações internacionais. Segundo o geógrafo francês Yves Lacoste, a importância fundamental do
conhecimento da Geopolítica está na consciência da população em lutar contra as forças internas do
poder de Estado.
É o poder de Estado que condiciona a organização do espaço externo e interno do território e
estabelece políticas com interesses de continuidade e preservação do poder daqueles que o dominam.
Lacoste, enfim, considera a necessidade de uma visão crítica das pessoas, buscando ações eficazes e
possíveis em torno das premissas da Geopolítica e dos homens que assumem governos e lideranças.
Nesse contexto, a ciência e o ensino da Geografia incorporam a qualidade do saber pensar o espaço,
sendo uma excelente ferramenta para o exercício da cidadania, da democracia e do senso crítico. É
fundamental reconhecer e compreender o espaço, para entendermos o mundo e seus conflitos e as
relações com o lugar onde moramos e vivemos.

Geopolítica e nova ordem mundial


A nova ordem mundial é um conceito referente às relações e aos aspectos políticos e econômicos
do mundo atual. A nova ordem mundial é caracterizada por um mundo multipolar, o que deu início a uma
Geopolítica dos sistemas econômicos e as estratégicas sob o território no sentido de avaliar os processos
históricos e geopolíticos entre as grandes potências mundiais. O conceito tem sido aplicado para relativi-
zação das formas e das funções do Estado nas relações internacionais.
A Geopolítica diante da nova ordem mundial, primeiramente pode ser estabelecida por uma
interpretação multipolar, ou seja, da existência de vários centros de poderes. Podemos definir que os
centros de poderes estão inseridos numa alta capacidade econômica e tecnológica e, para exemplificar
esse modelo multipolar, devemos destacar a Alemanha no conjunto da União Europeia, o Japão e os
Estados Unidos.
O conceito de mundo multipolar foi desenvolvido no fim dos anos 1980, no contexto em que
as características principais eram as divisões e disputas do mundo entre duas potências. As potências
Estados Unidos e a ex-União Soviética configuravam, até então, um mundo bipolar representando
38 | Geografia Política

modelos econômicos e políticos do capitalismo e do socialismo. As mudanças mundiais, estabelecidas


num período caracterizado como bipolar, são fortemente marcadas por eventos sociais e econômicos.
Podemos citar a queda do muro de Berlim em 1989, que marca a passagem e a transformação para uma
relação multipolar do mundo, configurando a nova ordem mundial.
A interpretação atual do mundo multipolar remete a uma configuração de medições de poderes de
ordem econômica e tecnológica, estabelecendo algumas características como: a disponibilidade de recursos
financeiros; os avanços na área tecnológica incluindo pesquisas e desenvolvimento; profissionais cada vez
mais especializados; mudanças nos padrões de produtividade e valores de competitividade entre setores.
Outra interpretação está associada ao processo de globalização, que aprofundam as relações econômicas e
ampliam as tendências concentradoras do capitalismo mundial. Nesse sentido, o processo de globalização
visa ampliar as possibilidades comerciais e os mercados especulativos e gerar lucros ainda maiores.
Essa dinâmica mundial atuante ocorre simultaneamente à expansão do modelo econômico e
tecnológico em diferentes países, que não utilizam somente sua força militar para invadir ou subjugar
outros, mas por meio da entrada de capitais, serviços, técnicas e mercadorias, determinando uma
nova maneira ágil e eficaz na determinação de espaços de dominação econômica. No que se refere à
dominação e a invasão lembramos que, fundamentalmente, fica determinado o aumento potencial dos
mercados mundiais, estabelecendo novas relações na ordem mundial, apresentando características de
ampliação dos lucros momentâneos ou ganhos em curto prazo, que são auxiliados pelo processo acele-
rado da velocidade das comunicações e das informações de uma rede mundial.
As relações da Geopolítica internacional, sem dúvida, são influenciadas por condições do processo
econômico global, fazendo com que a organização dos espaços mundiais, seja configurada como
espaços de desigualdades sociais, marcados por contradições econômicas, ou seja, uma Geopolítica que
acentua o modelo capitalista, condicionando assim diferentes problemas e conflitos de ordem ambientais
e sociais. Essa representação mundial constitui uma espacialização no plano internacional das relações
geopolíticas, mostrando fragilidades e incoerências, e salientando os conflitos étnicos e religiosos,
significando um momento histórico e imperativo.

Texto complementar
A Geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável
(BECKER, 1995, p. 271-273)
A retomada de interesse pela Geopolítica é patente. Grupos de trabalho, livros, artigos se
sucedem revelando a revalorização das relações entre poder, ou mais precisamente a prática do
poder, e o espaço geográfico, relação que constitui a preocupação central da disciplina.
Num aparente paradoxo, as mesmas condições que induzem à revalorização da Geopolítica
negam os pressupostos em que se tem assentado, a saber, o Estado como única unidade política do
Geografia Política | 39

sistema internacional, e o território como fundamento do poder nacional na medida em que permite
o desenvolvimento autárquico necessário ao exercício do poder mundial.
Ora, a demanda por repensar as relações espaço-poder decorre justamente da perplexidade
em face à desestabilização desses pressupostos. Ao nível dos eventos, o fim da Guerra Fria com
a queda do muro de Berlim é, certamente, um marco. O rompimento da divisão do espaço e do
poder mundiais em dois blocos e a distensão daí decorrente, trouxeram à luz as diferenciações
espaciais, significando a recuperação do político e da cultura expressos em conflitos pela definição
de territórios.
Tal evento, na verdade, é manifestação de rápidas, intensas e instáveis transformações em curso
no planeta e vem sendo apontadas há algum tempo. Esgota-se o padrão da acumulação e de
relações de poder calcados, respectivamente, na produção em grande escala em âmbito planetário
e na centralização do poder, que gerou conflitos ambientais e sociais manifestos sobretudo na
escala local. Por sua vez, as novas tendências de globalização econômica e dos movimentos sociais
rompem as fronteiras dos Estados introduzindo diferenciações nos territórios nacionais (Becker,
1983, 1988, 1991).
Novas territorialidades – entendidas com estratégias que visam influir em ações a partir do
controle de territórios – surgem acima e abaixo da escala do Estado e desafiam os fundamentos do
poder nacional e a possibilidade de desenvolvimento autárquico (Becker, 1988, 1991).
A questão que se coloca é, portanto, quais os condicionantes dessas transformações e como
estão eles afetando a Geopolítica. Embora o contexto histórico seja ainda de transição e instabilidade,
algumas tendências estão se definindo. É possível reconhecer que os elementos constitutivos
dessa mudança são a revolução científico-tecnológica, que transforma a base tecnoprodutiva da
economia, gerando mudanças na organização da produção e do trabalho – e a crise ambiental, que
impõe novos padrões de relações com a natureza e com seus recursos. Ambos estão redefinindo os
estilos de vida, a ética e a cultura, a dinâmica político-social e a organização do espaço global e dos
territórios nacionais, e a Geopolítica.[...]

Atividades
1. Em relação à conjuntura mundial e contemporânea discutida no texto, elabore uma breve análise.

2. O que fundamentalmente as figuras da região da palestina representam?


40 | Geografia Política

3. De acordo com o texto o que a figura da presença militar norte-americana reflete na análise geo-
política?

Gabarito
1. O mundo hoje apresenta-se inserido em conflitos de diferentes escalas, regionais e mundiais,
ocasionando interferências e conflitos de ordem econômica, política, ambiental e social.

2. Representam o processo histórico de ocupação e formação do território de Israel e as áreas


ocupadas por Israel. Mostram o expansionismo territorial do Estado de Israel sob as áreas da
Cisjordânia e Gaza, por exemplo.

3. Reflete a determinação de forma pontual, por meio do posicionamento de forças de poder militar
no território. Reflete também as ações e as relações estratégicas da política econômica do governo
norte-americano para o território dos países latino-americanos.
Globalização
Processo de globalização
A globalização vem se estabelecendo na economia mundial a partir dos anos 1980, voltando-se
principalmente para a integração dos mercados financeiros, o que levou ao aparecimento das empresas
transnacionais, à desregulamentação do sistema bancário e à desestatização de empresas nacionais
estratégicas. Tais processos manifestam-se de formas distintas, tornando os mercados mais eficientes e
mais complexos do ponto de vista econômico-financeiro. As mudanças no cenário econômico decor-
rentes evidenciam a permanente necessidade da obtenção de informações de caráter quantitativo a
respeito desse fenômeno econômico-social, permitindo uma melhor percepção do processo de inte-
gração dos mercados e de sua influência sobre a economia dos países.
A globalização e a integração regional constituem-se em aspectos centrais do funcionamento
da economia mundial. A globalização aprofunda o caráter internacional dos processos econômicos
e a integração regional, cuja definição caracteriza-se pela regionalização da economia, o que remete
ao surgimento de espaços de relações de trocas comerciais e financeiras privilegiadas entre países. A
formação dos blocos econômicos tem se revelado como um forte elemento para a globalização, no
sentido de que a soma de esforços entre os países em blocos aumentam sua potência e o seu poder
econômico e político. Portanto, a globalização pode ser compreendida como um processo de integração
mundial, que se intensifica de forma muito rápida e feroz, principalmente nas últimas décadas. A
globalização1 aparece fortalecida por bases conceituais da liberalização econômica, associado a países
que abandonam, por exemplo, as barreiras tarifárias que resguardam sua produção de concorrência
estrangeira e abrem-se para entrada estrangeira de capitais, serviços e bens.

1 Designa a tendência atual das grandes empresas a delegar parte de seu poder a filiais espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Com
efeito, para melhorar sua competitividade, as multinacionais confiam suas filiais a administradores autóctones, mais aptos a perceber as
especificidades locais nos métodos de gestão e de produção (globalização + localização) (BENKO, 1996).
42 | Globalização

Blocos econômicos: o caso do Mercosul


O Mercado Comum do Sul (Mercosul) aparece num cenário internacional aparentemente regido por
duas tendências de relações: regionais e globais. Esses fenômenos são mais convergentes que divergentes,
na medida em que o processo de regionalização se mostra como uma etapa para a globalização. Os países
não deixam de comercializar individualmente com países de outros blocos. O fato de um país participar de
mais de um bloco econômico permite trocas e intercâmbio de forma bilateral com distintos parceiros.
A necessidade de uma crescente ampliação de mercado para o funcionamento da ideologia
capitalista faz com que os grandes grupos econômicos ultrapassem as fronteiras de seus países e
concentrem a renda internacional. Esse movimento político-econômico cada vez mais complexo é
respaldado pelos governos de países centralizadores, como os Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo.
Os grandes grupos financeiros e produtivos se utilizam então do escudo de seus países para garantir
sua manutenção ao mesmo tempo em que se lançam no mercado internacional exigindo abertura
comercial por parte dos países menos estruturados industrialmente, o que caracteriza uma relação
global assimétrica.
A hierarquia internacional de poder hoje, mais do que nunca, é balizada pela economia e pela
alta tecnologia2. Após a Guerra Fria, com a quase hegemonia do sistema capitalista, a Europa e o Japão
puderam desenvolver seus setores produtivos como um todo e fortalecer suas autonomias frente às
relações internacionais. Em outras palavras, houve uma pluralização do poder internacional, no qual o
padrão mundial passou a ser ditado por uma disputa mais horizontal, resultando num enfraquecimento
relativo das partes e na possibilidade de emergência de acordos de abertura comercial regionais. O Mercosul
surge nesse contexto representado inicialmente por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, conforme
representação da figura a seguir, com o intuito de construir um mercado comum frente às crises da década
de 1980. A formalização do Mercosul aconteceu a partir da assinatura do Tratado de Assunção em 1991.
Temática Cartografia.

Configuração do Mercosul em 1991.

2 A partir dos anos 1970 o conceito de alta tecnologia tornou-se primordial na literatura de Geografia Industrial, mas permanece relativamente
vago. A tecnologia pode definir-se como a sistematização dos conhecimentos e das técnicas que permitem à indústria realizar concretamente
uma produção. A alta tecnologia simboliza o grau de aperfeiçoamento do produto realizado (BENKO, 1996).
Globalização | 43

A configuração espacial atual do Mercosul visa a incorporação de novos países, que são divididos
em três categorias: os observadores, que pretendem estabelecer participação e estreitar relações com o
bloco; os países-membros, que efetivamente participam e são signatários do bloco e os países associados
ao bloco econômico, que apresentam objetivos relativamente comuns com os países-membros e se
caracterizam por movimentos econômicos próximos ao bloco. Tal mudança espacial pode ser obser-
vada pela entrada da Venezuela em 2005, que protocolou seu pedido de adesão ao Mercosul em 4 de
julho de 2006. Os países associados, que são a Bolívia e o Chile com entrada em 1996, além do Peru em
2003 e a Colômbia e o Equador em 2004. Como o único país observador temos representado o México.
Na composição dos países-membros do Mercosul, podemos citar: o Uruguai, o Brasil, a Argentina e o
Paraguai. A seguir a figura apresenta a configuração do Mercosul do ano de 2007.

Temática Cartografia.

Configuração do Mercosul em 2007.

O interesse em avançar nas negociações, entretanto, emerge neste momento como uma
tentativa de contraponto à Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. Sobre a situação do Mercosul,
podemos incidir que um de seus acordos importantes refere-se à questão aduaneira, na medida em
que serve para a manutenção da identidade do bloco, como uma tentativa de assumir uma economia
forte e capaz de atingir mercados externos na competição comercial. A Alca, por exemplo, não prevê
a união aduaneira, meta esta atualmente imperfeita para muitos países. Além da questão aduaneira,
o Tratado de Assunção prevê a constituição de um mercado comum, com livre circulação de todos
os fatores produtivos, inclusive a mão de obra. Os avanços da produção industrial e áreas comerciais,
porém, encontram-se extremamente limitados. A etapa preliminar de harmonização das legislações
nacionais encontra-se ainda em estágio incipiente. Enfim, pouco se avançou nos acordos intra-regionais
e segundo avaliações recentes. O Mercosul vem privilegiando as negociações de acesso ao mercado de
bens em determinados setores de produção: calçados e eletrodomésticos.
Optou-se por uma via facilitada de integração, essencialmente comercialista, evitando a cessão de
soberania que decorria da questão de políticas comuns, bem como da implementação de instituições
de natureza supranacional. A análise leva a conclusão, então, de que a Alca efetivamente pode diluir
o Mercosul no âmbito hemisférico, pois a identidade mais visível dessa relação regional é o comércio.
Logo, para sua preservação, faz-se necessário aprofundar a integração sub-regional em campos não
44 | Globalização

exclusivamente comerciais. Em 1997, o governo argentino apresentou uma proposta no sentido de que
a integração deve avançar em campos como o da adoção de uma política de defesa e segurança comum,
e até mesmo uma moeda única, com vistas a fortalecer o Mercosul, enquanto espaço econômico e
político comum. Esses assuntos presentes hoje nos debates políticos poderiam indicar um interesse
pela preservação e fortalecimento do bloco por parte dos países-membros.
Segundo Mônica Arroyo, um elemento importante para análise do processo de integração
econômica é o Mercosul, pois representa o caso de um dilema ainda não resolvido3. A posição política de
intervenção assumida pelos governos dos países-membros do bloco seguem dois caminhos possíveis
e necessários: o primeiro implica em uma elevada desregularização das atividades econômicas,
simultaneamente a uma reestruturação orientada pelos mecanismos do mercado. Essa opção pode
resultar em graves custos sociais e em um aprofundamento do esquema da especialização intersetorial,
que consiste fundamentalmente no processo dos países estabelecerem acordos e associações em
segmentos industriais, marcados por setores especializados e efetivos na economia nacional. A outra
via, que está cada vez mais no centro da experiência internacional, exige uma regularização estatal
com políticas industriais e tecnológicas ativas em cada país e um esforço deliberado da harmonização
das políticas econômicas além do plano cambial. O Estado parece ser o único com o poder de facilitar
a participação de todos os agentes econômicos no processo de integração, fundamentalmente das
pequenas e médias empresas, pois é ele que legisla ações e proposições e estabelece uma agenda
política junto aos parceiros do bloco.

Economias mundiais
O novo contexto econômico mundial, segundo Sedi Hirano, pode ser entendido a partir do fim da
bipolarização do poder entre o leste e o oeste do mundo (capitalismo X socialismo) no período iniciado nos
anos 1990. A nova ordem econômica mundial é marcada pela formação de megablocos geoeconômicos
e configuram assim três regiões de atuação do capitalismo. O autor descreve a pax americana, a pax
europeia e a pax do Pacífico4. A interpretação para o termo Pax, pode ser entendida por meio da
representação do período da paz do mundo, após a II Guerra Mundial, configurando grandes áreas e/ou
agrupamentos espaciais reconhecidos no mundo. Para facilitar a espacialização dessas áreas, podemos
observar a seguir, o esboço da organização geopolítica da “nova ordem” mundial desenhado por Zbigniew
Brzezinski, conselheiro especial para assuntos de segurança nacional do presidente norte-americano Jimmy
Carter (1976-1980). Publicado originalmente no documento Word Media – A nova Desordem Mundial.

3 ARROYO, Monica. Mercosul: novo território ou ampliação de velhas tendências. In: SANTOS, M. et. al. (Org.). O Novo Mapa do Mundo.
Globalização e Espaço Latino-Americano. 3. ed. São Paulo: Hucitec-anpur, 1997 (p. 122-131).
4 HIRANO, Sedi. A América Latina no novo contexto mundial. In: SANTOS, M. et. al. (Org.). O Novo Mapa do Mundo. Globalização e Espaço
Latino-Americano. 3. ed. São Paulo: Hucitec-anpur, 1997. (p. 28-44).
Globalização | 45

Temática Cartografia.
A Nova Ordem Multipolar.

Enquanto no passado havia dois polos político-ideológicos em permanente conflito, hoje o foco é
a globalização e a regionalização econômica e social. Nessa nova ordem sobressaem-se dois conceitos:
o de mercado e o de democracia, tendo ambos os conceitos fundamentados na liberdade. Na demo-
cracia, a liberdade traz implícita a necessidade de igualdade e de justiça nas relações sociais, políticas e
econômicas, o que, em tese, deve levar à construção das sociedades justas.
Atualmente, a globalização e a regionalização fundamentam-se sobretudo na ideia de interdepen-
dência de mercados, com preponderância do sentido econômico sobre o cultural. O mercado e a democracia
necessitam de regras estáveis e o capitalismo moderno precisa de trabalhadores livres e assalariados, assim
como de empresas estáveis e livres para interagir entre si, o que só se consegue por meios “pacíficos”, tais
como as relações de trocas e cooperações científicas e tecnológicas, por exemplo.

Implicações espaciais das atividades


econômicas sob a visão do capitalismo
O capitalismo da pax europeia teve início com a internacionalização da economia promovida
pela Inglaterra, a qual, enquanto detinha a supremacia de investimentos de capitais, considerava países
como Argentina e Brasil celeiros do mundo. Toda a produção dos países do terceiro mundo era destinada
à indústria manufatureira britânica. Essa forma de capitalismo favoreceu a criação de grupos oligárquicos
no interior dos países do terceiro mundo, gerando grandes desigualdades sociais e econômicas,
afinal os trabalhadores estavam sujeitos a condições de trabalho subumanas nas fazendas de café e
pecuária, engenhos e outras formas de produção. Outra consequência nos países periféricos foi a
imigração maciça de europeus, de forma que o desenvolvimento nos países da América Latina foi baseado
na importação de mão de obra e na consequente marginalização das populações locais.
O capitalismo da pax americana desenvolveu-se após a Primeira Guerra Mundial e tornou-se
hegemônico após a Segunda Guerra Mundial, tendo início com o fordismo5. Os impérios coloniais
capitalistas perderam a sua importância estratégica diante do novo padrão de acumulação6, porque

5 Da lógica tayloriana nasceu o fordismo (com o nome de seu conceptor, Henry Ford), que constitui uma forma organizacional distinta. Ele cria
o principio da cadeia contínua, que implica submissão à cadeia do conjunto de máquinas (BENKO, 1996, p. 236).
46 | Globalização

sua acumulação de capital não dependia do mercado externo. Precisava somente do auxílio da forte
articulação interna para a produção de manufaturados, caracterizado por um capitalismo autônomo.
Essa autonomia é assegurada pela expressiva demanda interna, que lhe dá independência para a
formação dos preços. Houve um aumento do comércio e dos investimentos de capitais dos países do
Hemisfério Norte no próprio Hemisfério Norte, excluindo o Sul. Os países do Hemisfério Sul se integraram
à economia do Norte, deixando de desenvolver o intercâmbio entre países Sul-Sul.
Podemos citar ainda que o capitalismo da pax americana, centrado na lógica da acumulação intensiva
do capital e na divisão interindustrial do trabalho, provocou enorme concentração dos investimentos
estrangeiros nos países da América Latina, por meio do processo de transnacionalização da economia,
acentuando assim as desigualdades econômicas, sociais e políticas. A fase de expansão territorial das
empresas norte-americanas desenvolveu na América Latina uma política de incentivo e facilidade ao capital
estrangeiro, tornando o mercado interno latino-americano dependente do mercado externo.
A industrialização observada no Brasil e na Argentina, baseada nas exportações de matérias-primas
e não manufaturadas, demonstra que a industrialização nesses países é uma simples adaptação à nova
forma de dependência controlada pelos países desenvolvidos. Um dos resultados desse capitalismo foi
o endividamento dos países da América Latina. Essa nova reorganização espacial da produção indus-
trial das multinacionais em regiões periféricas ocasionou falência das pequenas empresas nacionais.
Nessa nova ordem econômica mundial há proeminência da economia dos Estados Unidos e o aprofun-
damento da internacionalização do capital. O processo de transnacionalização dos grupos econômicos
gerou, na década de 1980, um retrocesso econômico na América Latina, não havendo modernização do
modelo de desenvolvimento7 econômico.
O capitalismo da pax do Pacífico, também está associado ao fenômeno de globalização da
economia entre o fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, ocasionando uma grande discussão em volta
da globalização e da regionalização, em amplitude e escala, com os seguintes elementos: a posição central
do comércio exterior no mercado internacional e os investimentos estrangeiros diretos; a articulação
entre os países, visando a integração por meio da regionalização da economia como movimento de
defesa contra a competitividade global; a formação de megablocos econômicos, a partir da década de
1990; a “regionalização aberta” da Ásia, em torno da Associação de Cooperação Econômica (APEC); a
importância decisiva da terceira revolução comercial (avanço tecnológico – semicondutores); a mudança
do eixo geoeconômico do centro dinâmico do Atlântico para o Pacífico; o marco da nova divisão do
trabalho (robotização). Para completar os elementos envoltos na ideia de regionalização da economia,
podemos citar a mudança da mobilidade e acumulação ampliada da transnacionalização para a
globalização.

6 As sociedades capitalistas se caracterizam, segundo as épocas, por diferentes formas de acumulação. Um regime de acumulação designa
uma forma de alocação das riquezas sociais criadas, que asseguram correspondência mais ou menos bem estabelecida entre as transformações
das condições da produção e a evolução da demanda social: esse equilíbrio não é um equilíbrio natural (BENKO, 1996, p. 225).
7 Apresenta-se como a conjunção de três aspectos compatíveis: uma forma de organização do trabalho (um paradigma industrial), uma
estrutura macroeconômica (um regime de acumulação) e um conjunto de normas implícitas e regras institucionais (um modo de regulação)
(BENKO, 1996, p. 243).
Globalização | 47

Texto complementar
O mundo tal como nos fazem crer: a globalização como fábula
(SANTOS, 2000. p. 18-20)
Este mundo globalizado, visto como fábula, erige como verdade um certo número de fantasias,
cuja repetição, entretanto, acaba por se tornar uma base aparentemente sólida de sua interpretação
(Maria da Conceição Tavares, Destruição não criadora, 1999).
A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade é feita de peças
que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do
sistema. Damos aqui alguns exemplos. Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a
difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento
das distâncias – para aqueles que realmente podem viajar – também se difunde a noção de
tempo e espaço contraídos. É como se o mundo se tornasse, para todos, ao alcance da mão. Um
mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando,
na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade no serviço dos
atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, distanciando o sonho de uma cidadania
verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.
Fala-se, igualmente com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu
fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais,
em detrimento dos cuidados com as populações, cuja vida se torna mais difícil.
Esses poucos exemplos, recolhidos numa lista interminável, permitem indagar se, no lugar do fim
da ideologia proclamada pelos que sustentam a bondade dos presentes processos de globalização, não
estaríamos, de fato, diante da presença de uma ideologização maciça, segundo a qual a realização
do mundo atual exige como condição essencial o exercício de fabulações.

O mundo como é: a globalização como perversidade


De fato, para a grande parte [sic] da humanidade a globalização está se impondo como uma
fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes
médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se
generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a AIDS se instalam e velhas doenças,
supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece a despeito dos
progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-
-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como o egoísmo, o cinismo e a corrupção.
A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação
com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam
as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente
processo de globalização.
48 | Globalização

Atividades
1. Qual é a ideia que se tem quando se fala em formação de blocos econômicos?

2. Quais são os principais aspectos que formam a hierarquia internacional do poder nos dias de hoje?

3. Como podemos descrever as configurações atuais do Mercosul?

Gabarito
1. A ideia de um forte elemento para a globalização, na direção em que soma esforços de países em
blocos que aumentam sua potência e o seu poder econômico e político.

2. As capacidades econômicas e tecnológicas dos países, o desenvolvimento dos setores produtivos,


a alta competitividade e a padronização industrial.

3. O Mercosul apresenta uma configuração dividida em categorias, como a categoria de países obser-
vadores, a categoria de países-membros e a categoria de países associados ao bloco econômico.
Abordagens do
espaço agrário
Organização do espaço agrário
O espaço rural vem sendo redefinido nas últimas décadas, apresentando uma nova configuração
regional no âmbito da produção agrícola e da relação do campo e do sistema agrário. O espaço rural
brasileiro apresentou uma significativa mudança em pouco tempo. Podemos exemplificar com o caso da
agricultura que assumiu funções junto à indústria e ao setor financeiro do país, além de ter contado com
a entrada do potencial das inovações tecnológicas que foram introduzidas na produção e no processo
de gestão. Essas características incorporadas nos últimos anos proporcionaram uma nova dinâmica
rural-urbana no que se refere aos movimentos populacionais e econômicos.
No que diz respeito à fronteira agrícola do Brasil, podemos afirmar que houve uma ampliação
significativa e importante para o setor entre os anos 1970 e 1985. Sobre esse momento, ficam destacadas
a ampliação das lavouras permanentes e temporárias e as áreas de pastagem para criação de animais,
que se expandiram em área de superfície. Hoje a ampliação da fronteira agrícola brasileira se dá
especificamente na região Norte do país, ocasionando determinados conflitos de gestão e usos no que
tange à exploração da floresta e à questão ecológica.
Na análise da organização do espaço agrário brasileiro, podemos verificar ainda uma mudança
no padrão da produção agrária por meio da inserção de tecnologias que auxiliaram no crescimento da
produtividade. Podemos sistematizar que dois aspectos ficam em evidência nessa análise: primeiro, a
expansão territorial para fins de aumento de áreas de produção; segundo, a crescente modernização
que caracteriza todas as etapas do processo. Tais fatores influenciaram a reestruturação do espaço
agrário brasileiro.
A dinâmica espacial altera e redefine as relações e as funções do espaço, além de monitorar a
mobilidade espacial da força de trabalho no campo brasileiro e na capacidade econômica e comercial.
50 | Abordagens do espaço agrário

Para contextualizar a modernização mecânico-química do campo agrário brasileiro, podemos nos


remeter ao início dos anos 1970, quando o país apenas apresentava um terço da área territorial associada
à produção agrária. Emergiu então a necessidade de ampliação para um certo desenvolvimento nacional
e estratégico, com fins internos de ocupação do território brasileiro e expansão da economia externa,
motivada pela exportação de produtos agrícolas, que se transformavam em produtos de interesse
mundial de consumo e valores de comercialização. Para exemplificar esse contexto podemos citar
a produção da soja, que aparece como uma cultura forte e valorizada no contexto internacional. Tal
produto incentivou o empenho interno para a produção e ampliou as possibilidades de modernização
visando o aumento da produtividade.
Nesse momento histórico de produção, o país apresentava uma forma extensiva e de baixa
produtividade no que diz respeito à concorrência de mercado e à exploração do potencial agrícola
brasileiro. Apresentava também uma estrutura fundiária concentradora de terras e os meios de produção
eram associados a técnicas ultrapassadas e rudimentares. De fato, a modernização começa em grande
escala de forma regionalizada no país, nesse sentido as regiões Sul e Sudeste apresentavam indicadores
importantes do rompimento da forma de gestão e organização do espaço agrário brasileiro.

Caracterização geográfica como


propósito de indicações de procedência
Segundo o Instituto da Economia Agrícola, as caracterizações geográficas como propósito
de indicação de procedência apresentam fundamentos nos protocolos da Organização Mundial do
Comércio (OMC), criada em 1994 em Marrakesh. Foi realizado um acordo sobre os direitos de propriedade
intelectual relativos ao comércio, o TRIPS – Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights, que
reconhece a legitimidade da proteção de indicações geográficas. Entende-se por indicação geográfica
uma indicação que serve para identificar um produto como sendo originário do território de um membro,
ou de uma região ou localidade desse território, no caso em que uma qualidade, reputação ou outra
característica determinada do produto possa ser atribuída essencialmente a essa origem geográfica.
Algumas regiões brasileiras têm conseguido se promover por meio da produção e certificação de
produtos típicos, de locais específicos, com características peculiares. Os vinhos finos do vale dos
vinhedos, na Serra Gaúcha, e a certificação de origem e qualidade dos cafés e cachaças de Minas Gerais
são apenas alguns exemplos.
Outra informação do Instituto diz respeito às tentativas formais de valorizar a qualidade associada
à origem, no entanto, são ainda muito recentes no Brasil. As regras de proteção intelectual de indicações
geográficas no país ainda são recentes. Enquanto a França comemorou em 2005 o centenário da
primeira lei que instaurou as bases do conceito de origem, e os 70 anos de criação das AOCs – Apellations
d’Origine Controlées, ou as Denominações de Origem Controlada. A Lei n° 9.279/96 estabelece duas
modalidades de indicações geográficas: a indicação de procedência e a denominação de origem.
Indicação de procedência é considerada o nome geográfico de um país, cidade da região ou da localidade
do seu território, que tenha se tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de
determinado produto ou prestação de serviço. Na denominação de origem, o nome geográfico designa
produto ou serviço cujas características ou qualidades se devam exclusiva ou essencialmente ao meio
geográfico, incluídos aí os fatores naturais e humanos1.
1 IEA. Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários: o caso do café. (CUNHA, 2007).
Abordagens do espaço agrário | 51

As indicações geográficas estão entre as soluções que se apresentam para ampliar e estabilizar as
margens de negociação e comércio mundial, principalmente, no caso da produção em pequena escala
em regiões delimitadas. Pode ser citado, como exemplo, as áreas de agricultura familiar e pequenas
propriedades. O conceito de indicação geográfica permite associar a qualidade do produto à região
geográfica onde foi produzido e cultivado, é principalmente associado aos manejos e às práticas
distintas de uma história de qualidade e ao aprimoramento da produção. Dessa forma, são consideradas
as indicações de procedência e/ou às tradições culturais quando se levam em conta as denominações
de origem.
Durante as últimas décadas, alguns produtos deixaram de ser consumidos no cotidiano do local
de produção, passaram a ter novos consumidores e uma autenticidade da sua origem e qualidade ou
simplesmente uma seleção da diversidade encontrada no mercado consumidor. Esse mercado consumidor
vem se organizando e se estruturando a partir de uma reorientação de políticas setoriais comerciais, que
buscam tornar os produtos e marcas referências. Nesse sentido, o marketing acaba sendo uma forte
tendência de mercado, um modo irreversível, quando analisamos nossa sociedade de consumo.
A ideia de caracterização geográfica como propósito de indicações de procedência ultrapassa a
questão simples de parcela ou de território de produção, ou seja, do local onde necessariamente fica
estabelecido a produção. Na verdade reflete e apresenta uma análise das inter-relações concretas entre
os indivíduos e sociedades do lugar e aprofunda as relações da história, das limitações do lugar e aborda
uma discussão da vida e do cotidiano. Claro, essa lógica de aprofundamento da história cria um embate
comercial com o processo instituído da produção, administrado pela lógica da indústria e da distribuição
de consumo e das trocas de bens. Essa ideia reflete uma visão marcada por circunstâncias dicotômicas,
principalmente naquilo que marca a caracterização geográfica como o espaço de origem e o aprofunda-
mento da história, longe das práticas de uma agricultura comercial exportadora que opera na ampliação
e produtividade exaltada.
Então, um retorno ao passado, na identificação de uma história dos fatores humanos e sociais
associados e não isolados aos “fatores naturais” da produção, permitem uma análise geográfica completa
e uma caracterização mais aprofundada da realidade estudada. Analisa-se também, as mudanças que
ocorreram na agricultura nos últimos anos, principalmente com a entrada das inovações tecnológicas,
equipamentos ou mesmo da capacidade funcional dos produtores rurais na união de experiências e
técnicas fundamentadas em critérios geográficos.
A caracterização geográfica como propósito de indicações de procedência está entre as soluções
que se apresentam para ampliar e estabilizar as margens de produção, principalmente, no caso das
produções menores, em regiões delimitadas. Segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA) “o conceito
de indicação geográfica permite associar a qualidade do produto à região onde foi produzido, quando
se consideram as indicações de procedência, e/ou às tradições culturais, quando se levam em conta as
denominações de origem.”2

2 IEA. Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários: o caso do café. (CUNHA, 2007).


52 | Abordagens do espaço agrário

Geografia Agrícola: o caso da produção do arroz


A Geografia Agrícola estuda basicamente a distribuição e a ocorrência dos principais produtos
agricultáveis no mundo e nas distintas regiões climáticas do planeta. A Geografia Agrícola, além de
caracterizar os locais de produção, visa também quantificar e qualificar as produções mundiais, o que
permite avaliar as práticas do cultivo e das tradições. Também avalia os índices associados à produção.
Nesse sentido, um índice muito representativo é a produtividade por áreas, sendo essa uma variável
importante para dimensionar as áreas regionais no planeta e as regiões tipicamente produtoras. O
estudo da Geografia Agrícola permite a espacialização dos índices e das principais regiões produtoras,
bem como o reconhecimento da dinâmica relacionada à distribuição e a mobilidade da produção na
superfície terrestre. Na análise da Geografia Agrícola devemos avaliar também os impactos inerentes
da produção no contexto ambiental e social, envolvendo a história de produção e as tendências
comerciais nos aspectos econômicos. Para exemplificar a análise geográfica da produção no espaço
regional, podemos citar o caso do cultivo do arroz no mundo e no território brasileiro, buscando realizar
comparações e identificações do processo de produção, permitindo avaliar as práticas diante dos aspectos
ambientais e econômicos. A justificativa da análise desse produto fica relacionada à participação do
Brasil na produção, sendo considerado um grande produtor, na medida em que o produto tem um valor
comercial e de qualidade alimentar para população geral, de ordem extraordinária. Além de ser um país
de grande destaque fora do continente asiático.
Inicialmente podemos destacar e analisar alguns aspectos gerais e geográficos sobre o cultivo e a
produção do arroz. Primeiramente, a produção ocorre nos cincos continentes do planeta, sendo o asiático
o mais relevante em tamanho de área cultivada. A produção nesse continente pode ser caracterizada
como estratégica no aspecto econômico para muitos países da região, principalmente no aspecto de
segurança alimentar. Além disso, a produção do arroz está relacionada à tradição e cultura milenar dos
povos asiáticos. Em relação à produção também podemos destacar a função do alimento, considerado
de grande importância nutricional e sendo caracterizado como um alimento básico para uma grande
parcela da população mundial. Tal fator estabelece relação direta com a grande demanda da população
para a produção e evidencia suas relações culturais e históricas com o arroz.
Nesse aspecto, podemos informar que a produção do arroz é uma cultura extremamente versátil
na medida em que se adapta a diferentes regiões do planeta, compatibilizando-se com as diversidades de
clima e de solo. A figura a seguir representa os países produtores de arroz em grande escala mundial no
ano de 2001 e a espacialização das duas regiões do planeta concentradoras da produção. Primeiramente
podemos destacar o continente asiático, nesse caso a China, como sendo o maior produtor mundial,
e depois o Brasil, fora do continente asiático, assumindo no ranking mundial uma posição de destaque. No
ano de 2001, o Brasil estava na 3.° colocação na produção mundial.
Abordagens do espaço agrário | 53

Temática Cartografia.
Países produtores de arroz.

Numa análise delimitada para a América Latina, podemos destacar que essa região mundial
aparece também como um espaço de extrema importância na produção e no consumo do arroz. No
que diz respeito às áreas do território argentino e uruguaio, podemos afirmar que estão associados a
uma produtividade importante para as populações locais e para o mercado exportador. As lavouras
orizículas, no Brasil, apresentam uma grande importância econômica, representando em torno de 6,7%
no valor bruto da produção agrícola nacional. Outra informação referente às áreas de produção no espaço
brasileiro é que elas assumem uma produção de representatividade no espaço e na organização agrícola
do arroz na América Latina, na medida em que são grandes áreas de cultivo intensivo, proporcionando
uma caracterização geográfica singular no território.
O cultivo do arroz ocorre em todas as regiões brasileiras, mas o destaque ocorre no Rio Grande do Sul,
que concentra em torno de 60% da produção nacional. As áreas de produção, especificamente nesse estado,
estão associadas às várzeas dos grandes compartimentos hídricos, junto às grandes bacias hidrográficas,
como os rios Jacuí e Uruguai, além das grandes planícies costeiras do litoral, totalizando uma vasta área
de produção que também se expande por estados vizinhos ao Rio Grande do Sul. O sistema de irrigação
tradicionalmente utilizado na região Sul do Brasil aparece como uma lavoura estabilizadora da safra
54 | Abordagens do espaço agrário

nacional na medida em que é o grande responsável pela produção nacional. Para a economia gaúcha,
a cultura do arroz representou, em 2005, aproximadamente 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB),
apresentando uma produtividade em torno dos 5 500kg por hectare, sendo considerada uma excelente
produtividade, em relação às áreas tradicionais de produção mundial. A área cultivada no estado do Rio
Grande do Sul vem aumentando de tamanho, permitindo um aumento no total da produção nas últimas
safras no que consiste a produtividade e média de colheita.
Na região Sul, a cultura do arroz está associada aos ecossistemas de várzeas, ou seja, aos solos de
várzea, formados por planícies de rios, lagoas e lagunas, com relevo variando de plano a suavemente
ondulado. São encontrados nas regiões das planícies costeira interna e externa e no litoral sul no conjunto
da Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim, no Rio Grande do Sul e nas planícies dos rios da depressão central, da
campanha e fronteira oeste, em geral em baixas altitudes, por exemplo, entre 0 a 200 metros. O mapa
a seguir representa a distribuição das regiões de planejamento do estado do Rio Grande do Sul, onde é
possível observar a totalidade da região.

Temática Cartografia.

Regiões de planejamento do estado do Rio Grande do Sul.

No Rio Grande do Sul, o arroz irrigado é cultivado nas seguintes regiões: fronteira oeste, depressão
central, campanha, litoral sul, planície costeira externa da Lagoa dos Patos e planície costeira interna da
Lagoa dos Patos. Essas regiões apresentam diferenças quanto ao relevo apresentado, principalmente no
que consiste a topografia, o clima, o solo, a disponibilidade de água para irrigação, o tamanho de lavoura.
Essas variáveis acabam determinando variações em termos de produção e produtividade média.
Abordagens do espaço agrário | 55

Sobre as condições e os fatores da produtividade da cultura do arroz, podemos destacar os fatores


climáticos. A temperatura é um dos elementos climáticos de maior importância para o crescimento,
o desenvolvimento e a produtividade da cultura do arroz. Por exemplo: a cultura do arroz não tolera
temperaturas extremamente baixas e tampouco as altas. O caso das baixas temperaturas do Rio Grande
do Sul não influenciam a produtividade, na medida em que o arroz é produzido entre as estações da
primavera e do verão. Essa influência sobre a produtividade caracterizada pelo clima apresenta uma
regionalização no estado, ocorrendo com maior frequência no litoral e na campanha gaúcha3. A perda
de produtividade é caracterizada nas fases de germinação da planta já que a sensibilidade para as altas
temperaturas ocorre na floração.
A radiação solar é condição para o processo de fotossíntese e, consequentemente, para a produção
agrícola. Esses fatores são os que mais afetam a perda de produtividade da cultura do arroz, porque
promovem estágios diferenciados e variações de crescimento e desenvolvimento da cultura que foge dos
controles técnicos. Porém, outros fatores meteorológicos, dependendo de sua intensidade e abrangência,
podem afetar de forma determinante a produtividade. Nesses casos podemos citar como exemplo a
precipitação de granizo ou longos períodos de estiagem, o excesso de chuvas. Esta última interferindo
na colheita da lavoura, bem como acarretando prejuízos diversos na condição hídrica, ou seja, na
disponibilidade de chuvas e a água estocada para o plantio do arroz.
Como ferramenta para um possível controle sobre a produtividade sem perdas por condicionantes
climáticos, podemos citar o zoneamento agroclimáticos, sendo que o principal objetivo é sistematizar
informações suficientes para um planejamento agrícola. Conforme o exemplo, a aplicação na produção
do arroz procura minimizar um possível impacto do clima no cultivo, além de identificar as potencialidades
de cada região para a produção do arroz. Sem dúvida o zoneamento pode ser utilizado como ferramenta
de política agrícola, procurando minimizar as perdas de produtividade no setor produtivo e aumentar o
lucro da produção, no que consiste a comercialização do produto.
Para identificar as áreas e as condições iniciais para o cultivo do arroz, devemos analisar o
ambiente por meio das características naturais dos solos para a produção. As seguintes questões
devem ser primeiramente observadas: a eficiência natural de escoamento, a porosidade, a relação com
micro/macroporos, a permeabilidade e o relevo. As condições iniciais favoráveis para o cultivo do arroz
devem atender aos seguintes critérios: solos com deficiência natural de escoamento, com pouca porosi-
dade, com alta relação de micro/macroporos, com baixa permeabilidade e o relevo deve ser plano, suave
e ondulado (ajuda a diminuir as perdas de água e nutrientes). Além dessas condições naturais são desta-
cadas as práticas agrícolas, como o preparo do solo em condições de umidade extrema. Por outro lado,
os solos situados em áreas adjacentes, em patamares mais elevados, eventualmente recebem o cultivo
de arroz. Essa realidade varia de acordo com a região de cultivo.

3 O termo de campanha gaúcha está de acordo com uma região produtora de gado e arroz, sendo marcada fortemente por características
históricas da presença dos gaúchos típicos, os criadores de gado e proprietários de extensas áreas de produção. A campanha gaúcha também
é lembrada por pertencer a um sistema ecológico de vegetação campestre, chamando a atenção pela presença dos campos sulinos.
56 | Abordagens do espaço agrário

Texto complementar
A reordenação territorial do campo alterações na fronteira
(ROSS, 1995, p. 518-519)
A forte concentração industrial e metropolitana de São Paulo articula hoje praticamente quase
toda a produção agrícola brasileira. São Paulo sedia não só a bolsa de cereais oficial como também
sua similar clandestina, a “bolsinha”, na região da Rua da Cantareira, próximo ao Mercado Central da
cidade. Além dessas duas, São Paulo conta também com a bolsa de mercadorias e futuros, que atua
fortemente no mercado das commodities (mercadorias tais como: café, soja, boi gordo etc.).
Se não bastassem essas duas bolsas, capazes por si só de descentralizar na metrópole paulis-
tana a principal parte da comercialização dos produtos de origem agrária do país, em São Paulo
encontra-se também a principal unidade de comercialização de produtos hortifrutigranjeiros do
país: o Ceagesi (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo). Nesse entre-
posto forma-se praticamente a base de todos os preços nacionais desses produtos, conferindo-lhe
capacidade de centralização e decisão sobre essa parcela da produção agrícola.
Assim, São Paulo articula ambas as produções, capitalista e camponesa, no campo brasileiro. Essa
articulação faz com que o país vá criando áreas de certas especializações do ponto de vista produtivo.
As regiões da Grande São Paulo, Campinas, Jundiaí e a porção sul da região de Sorocaba têm se espe-
cializado na produção hortifrutigranjeira. São áreas produtoras de verduras, legumes, morango, uva,
pêssego, caqui, cebola, tomate etc., cultivados sobretudo por unidades camponesas de produção, arti-
culadas ou não por grandes cooperativas, como a Cooperativa Agrícola de Cotia e a Sul-Brasil.
A Coopercotia é também responsável pela expansão das culturas de frutas no Nordeste brasi-
leiro: mamão, no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo; melão, uva e manga nos vales do Açu (Rio
Grande do Norte) e do São Francisco (Bahia e Pernambuco); mamão papaia na Amazônia. Além disso,
ela atua no setor de produção de soja, na região de Barreiras, no oeste do estado da Bahia. Cabe
salientar que parte dessa produção está voltada para a exportação.
Também em decorrência da ampliação do mercado interno, somada à industrialização da fruta,
o abacaxi passou a ser cultivado em várias partes do país. Às regiões tradicionalmente produtoras de
Brodósqui (SP) e Bauru/Marília (SP) vêm sendo somadas novas áreas produtoras no Triângulo Mineiro,
norte de Minas e Agreste paraibano. Com isso criou-se um mecanismo de rodízio em seu calendário
anual, de modo a produzi-lo o ano todo.
Estimulado igualmente pelo mercado interno e externo, estruturou-se no oeste catarinense,
noroeste do Rio Grande do Sul e sudoeste do Paraná, uma das mais importantes áreas de produção
avícola e suína do país. A ação articulada de empresas como a Sadia, a Perdigão e, recentemente, a
Hering (Seara) tem expandido essas atividades criatórias por meio do mecanismo chamado integração,
com a finalidade de se abastecerem de matéria-prima industrial para a fabricação de embutidos.
A necessidade da produção do álcool carburante incentivada pelo estado, via Pró-Álcool, fez
com que a área cultivada de cana fosse também ampliada grandemente no país. A implantação de
destilarias não só intensificou a cultura nas áreas tradicionais como introduziu-a em novas áreas que
vão desde o Nordeste até a Amazônia.
Abordagens do espaço agrário | 57

Atividades
1. Como podemos explicar o espaço rural das últimas décadas?

2. Quanto à organização do espaço agrário brasileiro: o que mudou fundamentalmente?

3. Em relação à produção do arroz no mundo e no Brasil, o que podemos destacar?

Gabarito
1. Um espaço rural com uma nova configuração, marcado por transformações no âmbito da
produção agrícola e da relação do campo e o sistema agrário. Um espaço configurado por ações
econômicas mundiais e interesses globais, acarretando um processo de tecnificação das práticas
agrícolas e estratégicas econômicas e políticas do espaço rural. Além de um espaço associado a
uma política de planejamento de uso e controle, para fins de aumentar os lucros e a produtividade
com propósitos comerciais.

2. O padrão da produção com a inserção da tecnologia, auxiliando a produtividade.

3. O continente asiático é o maior produtor, sendo a China o maior produtor da região do sudoeste
asiático. No Brasil, o destaque fica para a região Sul, sendo que o estado do Rio Grande do Sul se
sobressai na produção nacional.
58 | Abordagens do espaço agrário
Abordagens sobre
o meio técnico
O meio técnico-científico-informacional
Milton Santos, no estudo do espaço geográfico, desenvolveu a ideia da história humana a partir
dos acontecimentos relacionados à da construção e aos usos dos sistemas técnicos. A evolução é contada
pelo conjunto de normas e técnicas produtivas que marcam o avanço do sistema capitalista no mundo,
principalmente após a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX. A análise constitui a passagem
do meio geográfico natural para o meio técnico, em decorrência da forte humanização, ou seja, da
intensa concentração humana, dos espaços geográficos apresentados no mundo de hoje. Associam-
-se os valores e as práticas organizadas por um sistema de objetos geográficos (cidades, transportes,
comunicações), subsidiados pelos avanços e acontecimentos da sociedade ocidental, como a colonização
europeia no mundo.
A história do homem sobre a Terra é a história de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo
se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização
do planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande
mudança na história humana da natureza. (SANTOS, 1994, p. 17)

No que tange ao meio técnico de hoje, podemos observar que houve uma evolução no meio
técnico-científico-informacional, no sentido da abrangência das concentrações de áreas científicas
e econômicas. De certa forma, a ciência serve de base técnica para os avanços econômicos e para a
preservação do sistema. Nesse caso, os progressos dos sistemas de comunicação aparecem como um
instrumento para o desenvolvimento produtivo e financeiro.
Para Santos, o processo do meio técnico-científico-informacional1 é destacado por alguns processos
tais como: a unicidade técnica, ou seja, a distribuição das técnicas industriais por todo o planeta, que
1 Período tecnológico onde a técnica representa um intermediário entre a natureza e o homem (conversão de ações científicas), além de
marcar o tempo da velocidade em que são transmitidas as informações entre os distintos lugares, caracterizada pela instantaneidade. Em
outras palavras, é um meio geográfico no qual o território inclui obrigatoriamente ciência, tecnologia e informação.
60 | Abordagens sobre o meio técnico

aconteceu com grande rapidez e velocidade, indicando novas formas de comercialização e inserção
mercadológica de produtos; a globalização “incompleta e perversa”, que se dá num sentido contínuo do
processo de modernização dos territórios, forçando o início de estágios para o capitalismo internacional
com interesses de investimentos especulativos e específicos em setores produtivos e em determinados
lugares do mundo. Essa globalização se torna “incompleta e perversa” porque a abrangência não é em
todo território, assumindo estágios diferenciados de níveis tecnológicos e produtivos e, por sua vez,
não atingindo toda a população. Esse processo evidencia também que parte da população mundial
não está conectada à rede, deixando de participar e absorver as vantagens do meio técnico-científico-
informacional e gerando segregação espacial diretamente relacionada ao processo de globalização.
Outro ponto que fundamenta o pensamento de Milton Santos é a universalização da mais-valia2,
que se tornou uma ferramenta de dominação do sistema global, e está sujeita à capacidade técnica e
às relações de trabalho no âmbito do sistema capitalista. A convergência dos momentos estabelecidos
pelo acesso às comunicações no mundo foi decorrente da tecnologia de ponta e da grande capacidade
de transmissão e velocidade de dados. Para exemplificar, podemos citar os grandes centros jornalísticos
e as comunicações via satélite que convergem para todas as partes do planeta por meio das redes
globais.
O autor ainda destaca a ampliação da área de produção e o aumento das verticalidades. Estas
últimas representam as influências externas em torno das novas técnicas, de forma mais específica.
Novos padrões e normas são estabelecidos e que modificam as configurações espaciais, como o uso das
tecnologias de telefonia celular. Outro conceito trabalhado é o de “capitalismo planetário”, que consiste
na forte abrangência sob o território, atingindo os territórios tradicionais e modificando outros por meio
de políticas de investimentos ou da constituição de novos interesses econômicos, configurando assim
novas relações econômicas, políticas sociais e culturais.
Apesar da mundialização que caracteriza o período em curso, desorganizando as formas de produção e organização
social preexistentes, o que se processa é a criação de novas desigualdades. O novo processo civilizatório acaba por
esbarrar nas condições econômicas, sociais, culturais e ecológicas de cada área, região ou país, o que torna cada lugar
diferente de outro, apresentando um arranjo entre as variáveis modernas e as preexistentes que não será encontrado
em outra parte, muito embora existam semelhanças entre várias situações. (ELIAS, 2001, p. 215)

O processo da globalização, que inclui o meio técnico-científico-informacional, associado à nova


divisão do trabalho, é refletido na configuração espacial das empresas multinacionais. A dinâmica
econômica rege o processo produtivo e, por sua vez, rege a cadeia produtiva que está distribuída pelas
diferentes partes do globo, que estando interligados por combinações eficientes, asseguram a rede de
produção. Para identificar aspectos do processo de globalização, no contexto do processo industrial,
podemos citar a economia dominada pelo sistema financeiro que indica concentração de renda, ou seja,
excedente de capitais. A globalização e os processos de produção flexível e multilocais, exemplificados
pela redução de custos e pela emergência dos blocos econômicos associados ao liberalismo da economia,
buscam investimentos técnicos para a produção de novos atrativos consumistas. A revolução das
tecnologias de transporte e comunicação indica uma ligação ao processo de produção flexível e multilocal,
na medida em que as empresas mundiais procuram espaços interligados à rede. Para fomentar esse
momento de espacialização das economias mundiais podemos citar a desregulamentação das economias
nacionais, tão necessárias para que o estabelecimento dos processos multilocais ocorra em conjunto
com as mudanças das políticas nacionais desses novos locais.

2 A mais-valia é a base do sistema capitalista. É um conceito marxista que decorre a partir da diferença do valor de produção (trabalho) e o
valor pago ao assalariado.
Abordagens sobre o meio técnico | 61

Constituição dos espaços econômicos


Para uma compreensão em torno da nova revolução industrial podemos marcar os anos 1990 como
sendo o início de um processo que incorpora grandes inovações tecnológicas nos sistemas produtivos
mundiais, além de nos transportes e nas comunicações. Na indústria, por exemplo, a automação
da produção, com uma alta capacidade de entrada de equipamento que, na medida do possível,
substituiu os trabalhadores da indústria, no processo clássico da substituição por máquinas e robôs. A
nova revolução industrial marca também a entrada de novos equipamentos em escala mundial, como
telefone, fax, computadores e aparelhos de comunicação via satélite, que facilitaram os procedimentos
de comunicação com tempo reduzido, alcançando a instantaneidade.
Devido a essa crucial evolução, as empresas transnacionais tornaram-se cada vez mais móveis e
dinamizaram suas buscas por lugares mais rentáveis, de menores custos de produção e com maiores
possibilidades de ampliação de mercado de consumo. Em virtude das exigências dos capitais, de maior
mobilidade quanto às vendas de mercadorias e instalação produtiva, os países abriram suas fronteiras
comerciais e produziram blocos econômicos.
As inovações tecnológicas nas indústrias substituem cada vez mais a mão de obra, tornando o
desemprego uma questão estrutural do setor secundário. A agricultura também se torna cada vez mais
industrializada e mecanizada e não possibilita o aumento dos postos de trabalho. Nas grandes cidades
o que absorve o excedente de mão de obra são os serviços e o comércio, principalmente o comércio
informal, nos países “subdesenvolvidos”.
As discussões sobre o fordismo3 e suas crises, no que tange o desenvolvimento das tecnologias
das informações, das comunicações e do papel dos princípios da flexibilidade na fuga da crise, geram
um debate envolvendo o impacto dos novos paradigmas na configuração da Geografia Econômica
mundial. Desencadeiam também profundas marcas no grau das relações urbanas e regionais dos países
desenvolvidos. Dessa discussão nasceram os conceitos dos novos espaços industriais, dos regimes de
acumulação flexível e da formulação de diferentes teorias da localização industrial, além do modelo de
especialização maleável e da reemergência das economias regionais integradas.
Na avaliação dos mecanismos que localizam os novos espaços industriais ou as atividades econô-
micas nos diferentes espaços produtivos, procuramos utilizar as interpretações da Geografia Econômica.
Por exemplo: na década de 1970 os trabalhos executados no estudo da Geografia Econômica, mais espe-
cificamente, dedicavam-se ao estudo da desindustrialização das antigas regiões industriais e das velhas
cidades industriais, do aumento das atividades de serviço, do desenvolvimento de setores de produção
envolvendo centros de investimentos e atração produtiva em novos lugares. Do mesmo modo com
que as novas tendências na localização das atividades econômicas foram influenciadas, num primeiro
momento, pela associação das teorias econômicas vigentes, para contextualizar a Geografia das ativida-
des econômicas, fundamentou-se nos fatores de localização dos recursos. A reflexão para saber em que
local se implanta uma fábrica contempla a dependência que se tem da estrutura do estabelecimento
e ao fato de que suas características são, em parte, consequência de uma divisão econômica e social
do espaço geográfico. Além disso, é importante detectar, de um lado, as características tecnológicas, as
econômicas do processo de industrialização, assim como sua especificidade histórica, e de outro o dina-
mismo das empresas e das indústrias.

3 O fordismo consiste em um modo de produção que apresenta uma ordem padronizada e distinta. Tal modelo inaugurou a cadeia contínua
de produção. Foi idealizada por Henry Ford.
62 | Abordagens sobre o meio técnico

Outro ponto interessante na análise em torno dos novos espaços econômicos diz respeito à forma
e à ocorrência da evolução de uma indústria ou setor produtivo ou de um segmento de produção sob
um tipo de especialidade (têxtil, eletromecânica, alimentício). No momento em que há entrada de novas
adaptações nas condições do mercado e da concorrência há alteração na quantidade de indústrias, ou
seja, pode determinar a abertura ou o fechamento de uma indústria. Podemos relacionar algumas situa-
ções como: a incorporação das novas tecnologias, impactando sobre os trabalhadores e na geração de
renda e empregos diretos e indiretos. Essas ocorrências geram também impactos geográficos, aumento
no potencial competitivo regional e estabelece novas demandas de recursos para a indústria. Podemos
citar, como exemplo, a necessidade energética, sendo um elemento primordial na instalação e na loca-
lização estratégica dos centros industriais. Outra situação são as redes de transporte e vias de acesso,
além das vias de comunicação.
Como informação complementar podemos indicar que cerca de 70% do comércio internacional
é controlado por 500 empresas e 1% das multinacionais detém 50% dos investimentos estrangeiros e
destas todas são de origem norte-americana, europeia e japonesa. A maioria dos fluxos internacionais
de comércio está concentrada entre os EUA, a Europa e as Ilhas do Japão e Tigres Asiáticos (Coreia do Sul,
Singapura, Taiwan, Hong Kong).

Integração territorial
Sobre a integração do território podemos analisar principalmente o período dos anos 1960, no
qual o mundo passava por uma onda de facilidade de créditos para a produção de infraestrutura nos
países periféricos. A integração territorial do Brasil foi modificada e conduzida por essas mudanças
globais. Podemos citar como exemplo a modernização das estradas, a adequação e modernização dos
portos, o aumento da produção e da distribuição de energia, e uma intensa modernização da produção
agropecuária. Além disso, empresas estrangeiras invadiram os territórios dos países em desenvolvimento,
com o princípio de estabelecer mercados novos e reduzir custos. O panorama mundial iniciou, naquele
momento, um processo de industrialização periférica ao invés de se ter países somente produtores de
matérias-primas e países industrializados. Como consequência disso temos uma maior mobilização de
investimentos financeiros no planeta, e também a ampliação do número de empresas transnacionais,
além do aumento da demanda na produção no campo e da intensa urbanização dos países periféricos.
Ainda sobre a integração territorial podemos destacar alguns eventos históricos e marcantes de
significados geográficos, por exemplo, o surgimento e a multiplicação das novas rotas de transporte
de mercadorias, fazendo a integração entre as capitais e as cidades comerciais e as áreas produtoras
mais longínquas. Outro ponto fundamental pode ser relacionado à disseminação dos centros de
compra e venda (cidades comerciais), que atraíram a população rural e acumularam, assim, migrantes e
excedentes populacionais que se envolveram com as atividades comerciais. Pode ser destacada também
a especialização das áreas produtivas que incentivaram o aumento na capacidade de produção para o
comércio dentro da rede urbana brasileira, e não mais, para o sustento desse local. No que consiste a
evolução dos transportes, podemos afirmar que ela promoveu um maior contato entre as comunidades
locais, através da chegada de migrantes de outras regiões e pela disseminação de informações por todo
território. Um ponto fundamental e interessante para a análise de integração é o sistema burocrático
e comercial, que fez com que as comunidades locais se organizassem num sistema único nacional e
em um conjunto de rotinas de trabalho idênticas em todo território. Sobre a formação da identidade
Abordagens sobre o meio técnico | 63

nacional, podemos assinalar que as ações das instituições escolares, disseminando a língua oficial e o
conjunto de conhecimentos necessários aos processos técnicos capitalistas, assim como a enunciação de
um conjunto de eventos históricos únicos, aprofundaram esse sentimento de pertencimento ao país.
A integração territorial é assumida também a partir da organização de um conjunto de instrumentos
de comunicação que promoveram a divulgação dos eventos ocorridos em alguns lugares do território,
aplicados como de interesse de todos os outros lugares. Por meio da ampliação pelo desenvolvimento
da comunicação e do sistema de ensino, ocorreu o fortalecimento de um sistema de práticas culturais
como a moda, os ídolos, os símbolos, a gastronomia, os valores que se expressam por todo o território.
Podemos ressaltar o sistema militar único (somente um) como o que integra todas as regiões e centra-
-se na figura de um governante.
Uma nova configuração regional interna do Brasil se estabeleceu em virtude da divisão territorial
do trabalho industrial. Tal mudança é analisada por Ruy Moreira, que destaca as características de cada
região: primeiramente, a região do polígono industrial que se estende entre Belo Horizonte e Porto
Alegre e é caracterizada pelos conjuntos de novas áreas industriais – Campinas, São Carlos, São José
dos Campos, Santa Rita de Sapucaia, Pouso Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre
e Caxias do Sul. Nesse polígono observa-se a ocorrência de economias de aglomeração nas áreas
metropolitanas de São Paulo e em vários outros centros urbanos e regiões. Há uma reconcentração na
área mais desenvolvida do Brasil e uma formação do polígono industrial e tecnológico (Belo Horizonte –
Uberlândia – Maringá – Porto Alegre – Florianópolis – São José dos Campos – Belo Horizonte, excluída a
região metropolitana de São Paulo). A segunda região analisada pelo autor, refere-se a espacialização em
virtude da divisão territorial do trabalho que ficou estabelecida na região do complexo agroindustrial.
Esta última representa a extensão do território que avança das fronteiras da região Sul para as fronteiras
com a Amazônia e com o Nordeste, e que se sobrepõe ao território da região do polígono industrial.
E por fim, a terceira regionalização, que faz a distinção entre a região da difusão da agroindústria e a
indústria de não duráveis e caracteriza-se pela fruticultura irrigada no Nordeste e é combinada com as
novas áreas de produção industrial de bens de consumo não duráveis emigradas do Sul e Sudeste.

Texto complementar
O novo e o velho
(SANTOS, 1997, p. 98-99)
Cada lugar combina variáveis de tempos diferentes. Não existe um lugar onde tudo seja novo ou
onde tudo seja velho. A situação é uma combinação de elementos com idades diferentes. O arranjo de
um lugar, por meio da aceitação ou rejeição do novo, vai depender da ação dos fatores de organização
existentes nesse lugar, quais sejam o espaço, a política, a economia, o social, o cultural.
Tanto o novo quanto o velho são dados permanentes da história; acotovelam-se em todas as
situações. Mas se os elementos de uma dada situação trabalham em conjunto, é o novo que aparece
como dotado de maior eficácia.
64 | Abordagens sobre o meio técnico

O novo nem sempre é desejado pela estrutura hegemônica da sociedade. Para esta, há o novo
que convém e o que não convém. O novo pode ser recusado se traz uma ruptura que pode retirar a
hegemonia das mãos de quem a detém. Por exemplo, quando se descobriu o petróleo, os proprie-
tários de carvão resistiram a ele. Desfazer-se de um aparato produtivo tornado envelhecido e inade-
quado, frequentemente significa desfazer-se dos próprios patrões, e estes resistem.
O novo não chega em todos os lugares e quando chega não é ao mesmo momento; por isso,
o novo nem sempre chega quando é absolutamente novo. Portanto, podemos datar a chegada das
variáveis em relação ao momento em que começam a existir, o seu momento zero. No ano em que
surge a primeira máquina a vapor ela é o novo absoluto, este é o seu momento zero. A inovação é
o novo absoluto, a partir daí se conta o novo ou o velho relativo. Estes indicam a distância entre o
surgimento de uma variável e o ponto no tempo em que ela é implantada neste ou naquele lugar.
Enquanto uma localidade está a quinze anos de uma determinada inovação, uma outra está a
cinquenta anos. O país que implanta o telégrafo dez anos depois do ano zero, estará dez anos atrás.
O novo absoluto é sempre o da história das coisas tomadas em si. A combinação das coisas, que a
geografia estuda, dá-se com defasagens.
A chegada do novo causa um choque. Quando uma variável se introduz num lugar, ela muda as
relações preexistentes e estabelece outras. Todo o lugar muda. Por exemplo, quando se constrói um
hotel com quatrocentos lugares, muda todo o lugar e não apenas o setor hoteleiro.
Cada situação é diferente da outra, como já dissemos. Nenhuma situação reproduz outra, mas é
sempre composta de pares dialéticos. Só podemos compreender a situação por meio do movimento.
E movimento é um outro nome para o tempo. As diversas variáveis têm múltiplas dimensões. Apresen-
tam as mais diversas vertentes. Uma mesma variável apresenta o novo e o velho, existe nela uma luta
contínua entre esses dois agentes. Muitas vezes, o novo expulsa logo o velho, às vezes este resiste por
muito tempo. Essa resistência não depende só dessa variável velha, mas do conjunto das variáveis, da
combinação e relação que existem entre elas. É essa relação contextual que vai estabelecer como se
dará a luta entre o novo e o velho. Aliás, o novo não é obrigatoriamente o interno, nem obrigatoriamen-
te o externo, nem todo o externo é o novo absoluto.
Qualquer que seja o lugar, as variáveis presentes não têm a mesma idade. Por exemplo, é nos
Estados Unidos onde temos, hoje, as maiores inovações. No entanto, o correio brasileiro é muito
mais avançado do que o norte-americano, assim como as estradas de ferro japonesas também são
muito mais modernas do que as dos Estados Unidos [...]

Atividades
1. Em pequenos grupos, cada aluno deve apresentar sua opinião sobre pontos fundamentais da
aula: espaço geográfico e suas transformações na medida dos avanços técnicos; a dimensão do
meio técnico-científico-informacional e suas abrangências e destaques; as influências dos meios
na configuração e representação do espaço geográfico.
Abordagens sobre o meio técnico | 65

2. Com o auxílio de um mapa do Brasil, procure identificar e delimitar as principais áreas e configura-
ções regionais estabelecidas pela divisão territorial do trabalho industrial.

3. A partir da reunião em pequenos grupos de alunos, elabore um breve comentário interpretativo


sobre a integração do território, de cinco a dez linhas.
66 | Abordagens sobre o meio técnico

Gabarito
2. Deve ser contemplado: as regiões do polígono industrial de Belo Horizonte a Porto Alegre, além
das novas áreas industriais como Campinas, São Carlos, São José dos Campos, Santa Rita de
Sapucaia, Pouso Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e Caxias do Sul. A
aglomeração nas áreas metropolitanas de São Paulo e um polígono industrial e tecnológico (Belo
Horizonte – Uberlândia – Maringá – Porto Alegre – Florianópolis – São José dos Campos – Belo
Horizonte, excluída a região metropolitana de São Paulo).

3. Podemos destacar os fatos históricos e as consequências que condicionaram a evolução e


mudanças na configuração do espaço geográfico. Podemos selecionar os fatos e aspectos
presentes na transformação de espaços produtivos e os principais eventos na estruturação do
sistema social e econômico.
O espaço regional
Dinâmica regional brasileira
A dinâmica regional brasileira é diretamente relacionada à sua urbanização, sendo que esse
último processo ocorreu em pontos isolados durante séculos, caracterizando a dinâmica regional e inter-
-regional do país. Sobre esse processo pode-se dizer que Salvador organizou a primeira rede urbana do
país, mantendo sua primazia até meados do século XVIII, quando a capital da colônia se transferiu para
a cidade do Rio de Janeiro. Nota-se que as relações entre interior e litoral eram frágeis. Nesse período,
ocorriam concentrações populacionais acentuadas no litoral e atividades econômicas voltadas para o
abastecimento estrangeiro, isso representava uma desarticulação do espaço, no sentido de integração
e articulação. Naquele momento, o processo de urbanização encaminhou-se para os primeiros passos
por meio do povoamento das cidades e das riquezas geradas pela agricultura e pela mineração em
áreas regionais até então não inseridas na base econômica do país.
Ao final do século XIX, o Brasil visualiza o crescimento do fenômeno de urbanização do território.
São Paulo, líder na produção cafeeira, inicia a formação de uma rede de cidades, envolvendo os estados
do Rio Janeiro e de Minas Gerais, estabelecendo, dessa forma, uma concentração populacional na região
Sudeste. Nos meados do século XX ocorre a unificação da comunicação e dos meios de transporte,
fatores que proporcionaram uma integração do território nacional. Os fluxos demográficos e econômicos
tornaram-se diferentes substancialmente, alternando um novo valor aos lugares. Por exemplo:
cidades do interior começam a concentrar determinados serviços como especialidades médicas e
tecnológicas que, até o momento, eram lugares com indicações unicamente agrícolas e distantes, e que
após adquirem porte de centros regionais, projetos com universidades e fortalecimento do comércio.
Por volta da década de 1960, a nova base econômica, pautada na indústria e no meio urbano
é fortalecida no território brasileiro, especialmente, na região Sudeste. Ocorre uma consolidação do
mercado nacional nessa década e um de seus principais pilares é exatamente o processo de urbanização
do território brasileiro e seu respectivo sistema de cidades, formando assim uma rede já importante para
o estabelecimento da integração do território. A análise e a importância da evolução das transforma-
ções são indicadas pela característica da taxa de urbanização no Brasil em relação a algumas datas num
quadro de evolução. Por exemplo: em 1950 esse índice alcançava 36,16% sobre o total da população
do país, já em 1970 representava 56,80%, ou seja, mais da metade da população, e em 1990 chega
68 | O espaço regional

a 77,13%. Nos anos 1970, ocorre à difusão generalizada das modernizações, tanto no campo como
na cidade. A construção e expansão de estradas de rodagem e a criação de um moderno sistema de
telecomunicações possibilitaram maior fluidez no território, além de permitir a união do mercado em
escala nacional. A figura a seguir representa o exemplo, por meio do mapa da taxa de urbanização para
a região metropolitana de Porto Alegre no fim da década de 2000, mostra as classes de urbanização
para os diferentes municípios da região, estabelecendo uma grande área praticamente homogênea em
relação ao índice de taxa de urbanização. Essa representação justifica o processo e mostra a condição
de crescimento das regiões metropolitanas a partir da década de 1970, gerando uma área urbanizada
no território brasileiro.

Temática Cartografia.

Taxa de urbanização da região metropolitana de Porto Alegre.

Já na década de 1990, observa-se uma elevação nas taxas de urbanização das diversas regiões
do país. Na metade dessa década, a região Sudeste era pioneira do moderno sistema urbano brasileiro,
com índice em torno de 85%. Seguido pela região Centro-Oeste, com mais de 80%, o Sul apresentando
valores acima de 70%, o Nordeste com taxas de urbanização em torno de 60%, e por fim, o Norte com
índices acima de 55%. Esse fenômeno de índice de urbanização acaba sendo significativo e os diferentes
índices refletem também discordâncias qualitativas ligadas à forma e ao conteúdo da urbanização
brasileira no território, mostrando um quadro de taxas elevadas no que diz respeito à urbanização. O
gráfico a seguir apresenta o grau de urbanização para as regiões brasileiras e para o Brasil, nos anos de
1991 e 2000. O destaque que podemos observar é que em todas as regiões as taxas aumentaram de
um ano para o outro e, conforme citado anteriormente, a região Sudeste apresenta as maiores taxas de
urbanização. Cabe salientar novamente que o grau de urbanização acima de 80% do território brasileiro
é considerado um grau avançado do processo de urbanização, centralizado em grandes e médias
cidades do Brasil.
O espaço regional | 69

Grau de urbanização segundo as grandes regiões do Brasil – 1991/2000


100 90,5
88,0 86,7

(IBGE, 2001)
90 81,3 80,9 81,3
75,6
69,9 74,1
80 69,1
70 60,7
59,1
60

50

40

30

20

10

0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1991 2000

O impacto da divisão territorial e social do trabalho que ocorreu no território brasileiro, ao


longo deste século, conduziu a uma diferenciação na estrutura regional e na integração nacional. Por
exemplo: nas regiões Sudeste e Sul, nas quais o dinamismo dos diversos tipos de trabalho, serviço e o
desenvolvimento industrial, asseguraram uma rede urbana mais complexa.

Organização econômica: o espaço regional em transformação


Para contextualizar a transformação do espaço brasileiro, podemos realizar uma reflexão em torno
da percepção da paisagem. Para exemplificar essa ideia, sugiro imaginar aquela paisagem de criação
de gado, sobre extensas áreas de pastagens nativas e cultivadas, relacionada ao “pampa gaúcho1”, que
está com os dias contados. Nesse sentido, vamos buscar discutir e introduzir alguns aspectos inerentes
ao espaço regional em transformação, por meio dos fortes investimentos para o desenvolvimento
regional do estado do Rio Grande do Sul e para o Brasil, sob a ótica da silvicultura nos últimos anos e
apresentar uma abordagem sintética e capaz de representar uma visão do modelo de sustentabilidade
da sociedade contemporânea.
Conforme anunciado na mídia nos últimos anos, um grande projeto de desenvolvimento florestal
no estado do Rio Grande do Sul se iniciou por meio de uma política de investimento para a produção
de madeira e celulose. Tal projeto se propôs a ampliar as áreas de produção de florestas consideradas
exóticas, tais como as florestas de pínus e de eucalipto, que apresentam um rápido crescimento,
característica fundamental para a indústria.
Associado a essa política de investimento dos últimos anos, fica caracterizado um momento
econômico de desvalorização da pecuária em conjunto com um enfraquecimento do modelo de
1 É uma região geográfica que está situada no Sul do Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, na divisa com o Uruguai.
70 | O espaço regional

produção da região chamada de Campanha Gaúcha2. Também existiu uma pressão por parte de
empresas transnacionais com forte investimento em compras de terras já desvalorizadas na região pelo
processo econômico destacado anteriormente. Com a entrada de investimentos na região, ficou evidente
a premissa para o desenvolvimento regional, com a ampliação do polo madeireiro e o estabelecimento
da indústria de beneficiamento da celulose para produção de papel. A justificativa permanente desse
investimento volta-se para o aumento da oferta de empregos para a região e a ampliação do potencial
econômico do estado do Rio Grande do Sul, que foi marcado por grandes perdas na produção e na
localização de indústrias em décadas anteriores.
Podemos relacionar à sustentabilidade dessa atividade de produção da silvicultura o momento
histórico, o ambiental e o econômico, regidos por um modelo de desenvolvimento, marcados pelo
paradigma da perspectiva da apropriação e transformação da natureza de maneira espontânea, ou seja,
em que a natureza é vista como efeito útil e imediato, indispensável ao acúmulo do capital. A evolução
dos problemas ambientais é proporcional à intensificação da produção da natureza. Vemos então um
ambiente degradado associado a uma escassez dos seus recursos naturais, em uma sociedade com
grande necessidade de transformá-los em recursos financeiros. Tal prática acaba sendo uma necessidade
real do mundo, refletindo-se fortemente nas desigualdades sociais e econômicas, e ainda numa maior
devastação do ambiente.
A concepção ampla de desenvolvimento considerado sustentável corresponde ao princípio de
temas universais no qual necessariamente estão englobadas algumas características sociais e ambientais
e não apenas aos aspectos econômicos. As mesmas características introduziram uma visão mais
integradora e totalizante dos problemas. Na construção de um projeto de desenvolvimento, deve-se
trabalhar em diferentes escalas de análises, as mesmas não devem ser entendidas isoladamente, mas a
partir de uma análise global, ou dos problemas históricos encontrados, como a exclusão social, a erosão
dos solos e a falta de capacidade de gestão dos recursos financeiros.
Nesse sentido, a sustentabilidade interliga elementos sociais, ambientais, institucionais, políticos
e produtivos. Apresenta uma visão integradora da realidade, abandonando a possibilidade de que
somente o aspecto econômico atua como elemento determinante do comportamento dos processos
produtivos e, por sua vez, na regência das políticas de investimentos. Certamente a importância dessa
visão integradora nas políticas de investimentos significa e representa o início para uma retomada do
desenvolvimento, com princípios na sustentabilidade em relação à economia e a consequente aplicação
correta dos investimentos. Essa ideia conduz para uma análise dos verdadeiros potenciais dos recursos
naturais encontrados na região e nas condições do espaço, principalmente em relação aos processos já
degradados do ambiente.
Sobre as empresas que obtêm financiamento de governos, podemos citar os programas de
bancos de fomento que gerenciam créditos do governo Estadual e Federal, em parceria com empresas
estrangeiras, criando as linhas de financiamento somente para produtores interessados nas atividades
da monocultura de florestas exóticas. Nesse processo de investimento ocorre a plena participação do
estado brasileiro que, por meio dos bancos de desenvolvimento, compram ações de empresas nas áreas
da celulose, e criam, dessa forma, o estímulo cada vez maior de investimento com recursos públicos.
O espaço em transformação fica caracterizado de forma direta no sentido econômico, já a
condição ambiental pode apresentar algumas considerações: num primeiro instante, o estabelecimento

2 É uma região geográfica referente ao pampa gaúcho de clima temperado, com temperaturas médias de 18°C, formada por relevo de coxilhas,
plano ondulado, onde os campos de produção de pecuária predominam, e por áreas de várzeas, que caracterizam a região.
O espaço regional | 71

de grandes áreas florestadas somente de espécies exóticas determina impactos com a fauna e flora,
reduzindo a biodiversidade e a dinâmica ambiental presente nos Campos Sulinos do Rio Grande
do Sul, por exemplo. Podemos destacar também que as espécies florestais propostas nas políticas
de investimento, que apresentam uma alta capacidade de absorção de água do solo, ocasionam na
diminuição significativa dos mananciais de água da região.
Sem dúvida, esses exemplos de proposta de capacitação de recursos e impactos econômicos
e ambientais relacionados anteriormente mostram um quadro preocupante no que diz respeito à
proposta de investimento no campo do Rio Grande do Sul e no Brasil. A sociedade articulada deve
participar desse processo de desenvolvimento econômico, procurando indicar e estabelecer prioridades
no que consiste a política pública e de planejamento voltado ao financiamento de atividades menos
impactantes para o ambiente.

Urbanização brasileira
A urbanização brasileira como fenômeno somente ocorreu, de fato, em meados do século XX.
Seu início teve como reflexo a industrialização, após a década de 1950, os aspectos econômicos e o fator
urbano tornam-se correlatos no território brasileiro. Coloca-se nesse momento histórico, de integração
nacional, uma nova lógica na organização da sociedade brasileira. Podemos citar a ocorrência de grandes
inovações econômicas e sociais, pois associa nesse contexto o crescimento demográfico, o êxodo rural
e a integração do território pelos transportes e as comunicações. O processo de metropolização é o
crescimento das cidades de todos os tipos e com diferentes níveis funcionais no território brasileiro.
Nos últimos anos, surge no Brasil uma nova urbanização caracterizando e indicando um espaço
urbano marcado pela expansão recente da moderna economia de serviços de apoio à produção, pela
demanda e pelo consequente aumento exponencial de trabalho intelectual. Diversos lugares do Brasil
assumem uma nova especialização comercial e industrial, com a entrada de novos serviços e acolhendo
novos trabalhos. Esses elementos são marcados pela alta capacitação de tecnologia e caracterizam,
assim, novos trabalhadores especializados e qualificados. Esse processo de especialização leva os
distintos lugares a uma nova dinâmica de distribuição dos recursos e uma nova eficiência e circulação
do sistema produtivo. Exatamente essas novas demandas do sistema produtivo é que se correlacionam,
gerando uma maior demanda de urbanização.
O espaço urbano, como se indicou, é constituído por diferentes usos da terra. Cada um deles pode ser visto como uma
forma espacial. Esta, contudo, não tem existência autônoma, existindo porque nela se realizam uma ou mais funções,
isto é, atividades como a produção e venda de mercadorias, prestação de serviços diversos ou uma função, que se
acham vinculadas aos processos da sociedade. (CORRÊA, 2002, p. 9)

Entre as cidades ocorre uma distribuição das funções produtivas. As cidades passam a regular,
por meio da existência de um sistema de usos distintos em função de diferentes atividades do espaço,
como o trabalho intelectual, por exemplo. Então, não somente as funções produtivas da produção
no sistema urbano, mas também a produção nos espaços do meio rural se modificam. Junto a isso,
soma-se a entrada das novas formas de crédito de investimentos nos espaços relacionados às funções
produtivas e consumo nas áreas de um sistema de diferentes usos espaciais (rural e urbano); ocorre a
reestruturação e evolução dos transportes (meios de locomoção entre os novos lugares na dimensão
do espaço constituído) e das telecomunicações, (meios tecnológicos que marcam a velocidade de
72 | O espaço regional

transferência de informações entre os lugares) ocorrendo assim uma maior acessibilidade física e
financeira dos indivíduos no espaço. A rede urbana diferenciou-se, aprofundando-se a divisão territorial
do trabalho no sistema urbano, entre cidades locais, cidades médias, metrópoles regionais e metrópoles
nacionais. Houve um crescimento no consumo de bens materiais e imateriais, tais como educação e
saúde, transformando as funções urbanas. A rede urbana torna-se mais complexa, pois tanto o campo
como a cidade respondem às novas condições de realização da economia contemporânea. Em 1980
o país tinha 142 cidades com mais de 100 mil habitantes e, em 1991, eram 187. Ocorreu também um
crescimento na participação das cidades médias, elevando de 13,7% em 1970 para 16,7% em 1991. Tal
espacialização da integração do país revela um papel cada vez mais ativo do território. A densidade
econômica do território leva à crescente especialização das cidades, interligado funções e atividades
comerciais e industriais na chamada integração nacional.

Texto complementar

As disparidades regionais
(SANTOS, 2004, p. 297-298)
No momento atual, disparidade regional e o que se chama de “colonização interna” são prati-
camente sinônimos. Mas nem sempre foi assim. Se as situações de desigualdade exprimem-se com
mais força depois da chegada dos colonizadores europeus, elas sempre existiram, se bem que com
outra definição. Mas não podemos falar de colonização interna senão a partir do momento em que,
ao lado de uma modernização seletiva no plano geográfico, ocorre igualmente uma acumulação,
também seletiva, no interior do próprio país.
Como funciona esse mecanismo? As regiões, qualquer que seja seu grau de dinamismo, não
dispõem por elas mesmas, enquanto espaços de produção, de mecanismos ou instrumentos susce-
tíveis de colocá-las em relação umas com as outras. Esses mecanismos são sobretudo da alçada do
setor terciário, embora, com frequência, alimentados pelas atividades do setor secundário. É por isso
que a cidade é o lugar de seu desenvolvimento.
Sem dúvida, poder-se-ia parar e perguntar se nessas condições as disparidades regionais são
criadoras de cidades de expressão diferente ou se são as cidades, pela diversidade de seu dinamismo,
que criam as disparidades regionais.
A questão exige que seja colocado o problema de filiação em termos dinâmicos. A cidade nasceu
do impacto das condições internacionais sobre as condições regionais num ponto privilegiado do
espaço. Sua evolução depende, em parte, das possibilidades que lhe são abertas por novos impactos
do sistema internacional e, em parte, de sua força adquirida. A região evolui igualmente pelo contato
com as forças externas, nacionais ou internacionais, e em função das influências, não somente da
cidade próxima, mas do sistema de cidades como um todo.
O espaço regional | 73

A questão de saber a partir de quando a cidade pode crescer independentemente da região


circundante é inseparável de uma abordagem histórica. Só os países que foram colonizados – política
e economicamente – após a revolução dos transportes terrestres, consecutiva à segunda fase da
Revolução Industrial, puderam conhecer uma integração espacial, ainda que incompleta e defeituosa,
antes da modernização do Estado e da industrialização. Nesse caso, a evolução do sistema era,
ao menos no início, diretamente dependente de decisões externas, e a cidade dificilmente podia
adquirir uma força autônoma.
Em outros ocorre a formação de sistemas urbanos quase isolados. Efetivamente, não se pode
falar de um sistema de cidades antes da integração nacional pelos transportes (ainda relativa). É esta
que permite a existência de relações entre as cidades, a constituição de uma rede urbana que é, de
início, um fato político antes de se tornar uma realidade econômica. Esta só é possível após a indus-
trialização, mesmo embrionária, do país.
A industrialização modifica as relações entre a cidade e o campo. Na realidade, trata-se de
relações entre todo o sistema de cidades e os diferentes campos, e o crescimento das duas categorias
espaciais é, então, condicionado e interdependente, paralelamente ou além da influência das bases
impostas do exterior.
Os fenômenos de acumulação dos recursos tornam-se então mais complexos e são caracteri-
zados por uma acumulação das possibilidades econômicas em algumas cidades e regiões. As cidades
que se tornaram mais poderosas do ponto de vista da produção industrial estão em condições
de atrair e utilizar – e mesmo de exportar – uma parte substancial da renda das outras cidades e
regiões. Esse fenômeno é contemporâneo da integração nacional da rede urbana, mas não se pode
pensar no domínio, por uma cidade, do resto do espaço nacional, senão a partir da ultrapassagem
do estágio de industrialização de subsistência ligado exclusivamente à população e às produções
primárias. Essa situação é mais ligada a causas demográficas e locacionais, enquanto a industriali-
zação diversificada supõe uma infraestrutura a seu serviço e um mercado mais extenso que o da
cidade e de sua região.

Atividades
1. Qual o processo que podemos associar à evolução dos espaços regionais no contexto brasileiro?

2. Quais os resultados possíveis de se verificar na crescente urbanização e fluidez do território?


74 | O espaço regional

3. Faça algumas reflexões sobre o processo de urbanização do espaço brasileiro.

Gabarito
1. O processo de urbanização, que possibilitou a inserção de novos espaços de produção, interligando
a base econômica do território por meio de redes e de uma dinâmica regional estabelecida por
cidades importantes dentro da perspectiva de evolução e transformação dos espaços regionais.

2. Taxas de urbanização elevadas para todas as regiões brasileiras, grau de urbanização do território
nacional acima de 80%. Relações cidade-campo, alteradas e transformadas na integração e
relação econômica e espacial.

3. Houve uma grande modificação do espaço a partir da segunda metade do século XX. A
industrialização transformou os espaços, dando (ou gerando) uma nova configuração na
integração nacional. Podemos citar também o crescimento das cidade em consequência do
êxodo rural. Houve uma transferência da população no território, na procura por empregos e
melhores condições.
Temas em Geografia
da População
Demografia na análise geográfica
A área da ciência geográfica que estuda a dinâmica populacional humana é a demografia. O objeto
de estudo engloba as dimensões estatísticas, a estrutura e a distribuição das mais diversas populações
humanas. As variáveis utilizadas não são estáticas, ou seja, são variáveis dinâmicas, apresentando uma
variação de crescimento diante à taxa de natalidade e à taxa de mortalidade, ou mesmo diante de
uma dinâmica das migrações e do envelhecimento da população. Ao realizar a análise demográfica, os
profissionais das ciências humanas buscam concentrar seus estudos nas características de toda a sociedade
ou de aspectos específicos, definidos por critérios como a educação, a nacionalidade ou a religião.
A demografia na análise geográfica contribui para os procedimentos de quantificação de dados
brutos acerca da população. Define também grande parte do material estatístico de cunho mais
qualitativo, que auxilia as ciências geográficas na caracterização econômica de determinadas regiões
e na explicação de problemas decorrentes das questões socioterritoriais. A demografia trabalha com
dados, e através do cruzamento e análise dos indicadores encontra explicações para os fenômenos
sociais. O número dos nascimentos e dos óbitos, ou seja, do crescimento e do decréscimo da população,
por exemplo, pode ser explicado pelos avanços da medicina e do saneamento, no caso do retrocesso da
mortalidade enquanto que a diminuição da natalidade é, muitas vezes, interpretada como o resultado
do impacto da Revolução Industrial e da transformação da estrutura social. Associado a essa análise
está o peso da determinação dos elementos culturais, como a idade para o casamento, os métodos e os
cuidados com a criança, os fatores religiosos, entre outros.
O estudo da demografia parte das pirâmides de idade e sexo, por meio das quais se discrimina
a quantidade de homens e mulheres, em diferentes classes de idade, e também expressa-se o fator de
crescimento demográfico: as pirâmides de bases significativas, isto é, com maior efetivo em intervalos de
baixa idade, revelam a possibilidade de uma maior evolução ascendente. A composição das pirâmides
76 | Temas em Geografia da População

possibilita medir os efeitos da situação demográfica sobre natalidades e as condições de vida. As


pirâmides apresentam um interesse especial para a Geografia Econômica, no âmbito da medição do
potencial econômico dos diferentes espaços geográficos.
Por meio da análise dessas pirâmides é possível inferir conclusões sobre o potencial produtivo
de uma dada sociedade, identificar uma parcela da população em idade ativa, isto é, apta ao exercício de uma
atividade ou trabalho, além de observar os intervalos de idade que representam os segmentos subdivididos,
como crianças, adolescentes e idosos. As pirâmides populacionais proporcionam uma correlação entre a
população em idade para trabalhar e a população ativa de uma determinada unidade de análise. A
unidade de análise dos estudiosos da população pode ser os países ou as distintas regiões de um mesmo
país ou unidades espaciais como municípios e cidades.
O esquema mais comum utilizado nos estudos da população ativa é divida em três setores: o setor
primário, isto é, população produtora de artigos brutos relacionados à população agrícola, pescadores,
mineiros etc.; o setor secundário que representa as populações trabalhadoras da indústria e que faz a
transformação dos produtos brutos; e o setor terciário que mostra a população voltada aos serviços,
no sentido amplo do termo. A partir das proporções relativas de cada setor, e de sua combinação, é
possível caracterizar o grau de desenvolvimento de diferentes sociedades. Para exemplificar o grau de
desenvolvimento, podemos citar os países que têm suas economias nacionais baseadas na agricultura,
ou que têm o setor primário como o principal responsável pela locação da população ainda no campo.
Isso revela um grau de desenvolvimento muito aquém dos países que concentram ou diversificam sua
população economicamente ativa em outros setores da economia, como o setor de serviços e o da
indústria. Ainda outros dados sobre nível de instrução ou de renda, por exemplo, permitem completar a
caracterização social dessa população e pontuar o seu grau de desenvolvimento.

Estudos populacionais e fontes de dados


Os estudos populacionais e os conceitos fundamentais dessa área sempre foram alvos de preo-
cupações por parte de diferentes profissionais. Em face à sua dinâmica marcadamente veloz e crescen-
te, a população apresenta transformações e alterações quantitativas e qualitativas, e os problemas e as
contradições socioeconômicas vão se tornando cada vez mais acentuados e evidentes, como os impactos
ambientais.
No esforço de equacionar as contradições e os devidos problemas, os administradores públicos,
em muitos casos, não utilizam das possibilidades e potenciais dos estudos demográficos e das propostas
de análise geográfica em torno desses conceitos fundamentais para o planejamento espacial e
social. Os estudos e as análises geográficas são um instrumental teórico dos governantes, no sentido de
orientar ou fornecer subsídio teórico para a etapa do planejamento das ações para a posterior tomada
de decisão, as de ordem prática, que se relacionam diretamente com os diferentes interesses políticos
e econômicos.
Para ressaltar as possibilidades de análise em torno dos estudos populacionais podemos citar
alguns conceitos acerca da dinâmica populacional. São definições que visam uma ampliação do
reconhecimento das características da população, bem como uma melhor compreensão dos vários
aspectos que cercam a demografia.
Temas em Geografia da População | 77

Num primeiro instante, podemos destacar o conceito de população absoluta que representa o
número total de habitantes de um lugar (país, cidade etc.). A figura a seguir representa o mapa da população
absoluta para a região metropolitana de Porto Alegre, indicando o número de habitantes por municípios. De
acordo com a legenda, é possível identificar o município de Porto Alegre como a maior ocorrência: acima de
1 milhão de habitantes.

Temática Cartografia.
População absoluta da região metropolitana de Porto Alegre.

Um outro conceito muito conhecido e importante diz respeito à densidade demográfica, que
significa o número de habitantes por km2. Para estabelecer essa variável devemos dividir a população
absoluta pela área da região analisada (país, cidade etc.). A figura que segue representa o mapa da densi-
dade demográfica para a Região Metropolitana de Porto Alegre, na qual é possível verificar as áreas com
maior presença de habitantes em relação aos municípios.
78 | Temas em Geografia da População

Temática Cartografia.
Densidade demográfica da região metropolitana de Porto Alegre.

A origem dos dados para os estudos populacionais e análise da dinâmica populacional são
estabelecidos a partir de metodologias de recenseamento populacionais. A contagem da população
é identificada por meio do levantamento ou da coleta periódica dos dados estatísticos. No Brasil, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o órgão oficial responsável pelo levantamento e o
cruzamento de dados da população, entre outros indicadores. Cabe esclarecer que o procedimento de
contagem da população consiste basicamente na coleta de dados sobre o número absoluto e relativo
da população; isso ocorre numa periodicidade curta, como ano a ano. Os censos demográficos são
estudos e procedimentos mais complexos, com um número maior de variáveis levantadas e cruzadas e
com uma periodicidade maior. No caso do Brasil acontecem de dez em dez anos, com exceção somente
no ano de 1991. Para se entender uma série histórica no Brasil podem ser observados os levantamentos
dos anos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
Os dados coletados num primeiro momento expressam dados estatísticos que podem ser
exemplificados com o número de nascimentos, de óbitos registrados, da população absoluta, além do
número de casamentos de uma determinada região. A justificativa desse levantamento ou dessa coleta
de informação se fundamenta, principalmente, no reconhecimento dos vários aspectos demográficos,
bem como para os fins de investimentos públicos, de planejamentos estratégicos e das projeções de
crescimento ou estabilização dos indicadores.
Temas em Geografia da População | 79

Também podemos estabelecer como objetivos de análise da dinâmica populacional o cálculo


de determinadas taxas, que identificam e proporcionam a relação com a natalidade e mortalidade da
população. Nesse sentido, vamos destacar a taxa de natalidade que representa a relação entre o número
de nascimentos ocorridos em um ano e o número de habitantes. Uma taxa de natalidade de 15‰
significa que nasceram quinze crianças (vivas) para cada grupo de mil habitantes em um ano. Outro
exemplo é a taxa de mortalidade, que apresenta a relação entre o número de óbitos ocorridos em um
ano e o número de habitantes (mortalidade geral). Lembramos também que é um indicador importante
que contribui para a análise correta dos aspectos culturais e econômicos. A mortalidade infantil, por
sua vez, significa o número de crianças mortas antes de completar um ano de vida para cada grupo de
1 000 crianças com menos de um ano de idade. Na verdade, o estabelecimento e o estudo dessa taxa,
em especial, embasam a comparação do nível de desenvolvimento socioeconômico entre os diversos
países do mundo e as regiões distintas.

Distribuição e estrutura da população


Para fins analíticos podemos distribuir a população em duas categorias gerais: populações rurais
e urbanas. O crescimento da população urbana e a diminuição da população rural, no Brasil e no mundo,
apresentam-se de forma evidente, principalmente, após a forte industrialização e a própria tendência
do abandono do espaço rural diante do êxodo. O processo acabou provocando uma mobilidade das
populações para grandes e médios centros urbanos em busca de melhor qualidade de vida e outras
possibilidades econômicas, como os empregos e os serviços diferenciados. Nos anos 2000, o Brasil
apresentou uma população urbana acima de 80%.
Podemos aprofundar a análise da distribuição da população por meio da estrutura da idade e do
gênero. Para a classificação da idade podemos dividi-la basicamente em três grupos: jovens, adultos e
idosos. A faixa de idade para os grupos podem apresentar algumas variações, dependendo da meto-
dologia proposta, mas de forma simples podemos delimitar os jovens de 0 a 19 anos, os adultos de 20
a 59 anos e os idosos acima de 60 anos. Essa análise se torna fundamental para políticas de empregos e
de garantias previdenciárias, por exemplo, bem como para o estabelecimento de planejamento educa-
cional para os jovens. No que se refere ao gênero na distribuição da população, podemos afirmar que é
composta de forma geral por homens e mulheres. A representação gráfica da idade e do sexo da popu-
lação é feita por meio das pirâmides etárias. Na ilustração da estrutura da população brasileira nos anos
1970 e 2000 a seguir, podemos observar que as mulheres ficam sempre do lado direito da pirâmide, os
homens no lado esquerdo, os jovens embaixo, os adultos no meio e os idosos em cima da pirâmide.
80 | Temas em Geografia da População

28 jul. 2007.
Disponível em: <bl.i.uol.com.br/atlas/graficos/piramides.gif>. Acesso em:
1970 2000

Faixa etária Faixa etária

70 e + 70 e +
65 – 69 65 – 69
60 – 64 60 – 64
55 – 59 55 – 59
50 – 54 50 – 54
45 – 49 45 – 49
HOMENS 40 – 44 MULHERES HOMENS 40 – 44 MULHERES
35 – 39 35 – 39
30 – 34 30 – 34
25 – 29 25 – 29
20 – 24 20 – 24
15 – 19 15 – 19
10 – 14 10 – 14
5–9 5–9
0–4 0–4
% 12 10 8 6 4 2 0 0 2 4 6 8 10 12 12 10 8 6 4 2 0 0 2 4 6 8 10 12

Distribuição da população por faixa etária e sexo nos anos 1970 e 2000.

A forma da representação das pirâmides está diretamente associada ao estágio de desenvolvimento


de um determinado país. As representações por pirâmides com forma irregular, topo largo e base
estreita, correspondem aos países com predomínio de distribuição de população adulta e população
envelhecida. Esse é o caso dos países desenvolvidos que já atingiram ou estão próximos de atingir a
fase de estabilização demográfica. As representações de pirâmides de base larga e forma triangular
representam os casos de países com distribuição de população predominantemente jovem e com baixa
expectativa de vida, como é o caso dos países subdesenvolvidos, em fase de forte crescimento e ainda
em primeira fase da transição demográfica. Essa primeira fase é marcada fortemente pela presença de
um número considerável de jovens no total da população recenseada e as taxas de crescimento da
população mostram uma tendência de continuidade também. As transições demográficas ocorrem a
partir das quedas das taxas de crescimento e na medida em que a população jovem do país vai passando
para a faixa adulta e, por sua vez, envelhecendo, fica estabelecido um estágio de expectativa de vida
superior ao passado, permitindo que boa parte da população atinja uma idade acima de 50 anos.
No que diz respeito à tipologia étnica, ainda é muito comum no estudo da distribuição da popu-
lação a utilização da divisão por raças, sendo elas: branca, negra, amarela e mestiça. Tais divisões não
expressam ou representam os grupos étnicos que possuem semelhanças culturais, afinal a definição do
grupo étnico não pode ser definida exclusivamente pela cor do indivíduo. De fato, esses dados mostram
de modo superficial a separação da população. O tratamento metodológico, na maioria dos casos, não
aprofunda as análises, apenas expressa o resultado total de uma pesquisa diante da informação coletada
de forma pessoal, ou seja, da resposta que é fornecida pelo entrevistado sobre sua autoimagem.
O perfil da população brasileira, conforme dados do IBGE (2000) indica que as mulheres representam
51,26% do total de 184,4 milhões de brasileiros. Podemos especular que elas reduziram o número de
filhos e aumentaram sua participação no mercado de trabalho. Ainda assim, sabe-se que os salários
das mulheres são menores e que elas ocupam postos ainda associados às tarefas domésticas. Na
representação política elas ainda são minoria. O perfil da família brasileira também está mudando: 28,5%
delas são chefiadas por mulheres. Além disso, 15,2% das famílias são compostas de casais sem filhos e
Temas em Geografia da População | 81

18,3% das mulheres são solteiras e com filhos. A redução no tamanho das famílias de 3,6 membros em
1995 para 3,2 em 2005 pode ser explicada pelo fato da população estar com maior acesso à informação
e aos métodos contraceptivos.

Crescimento populacional
No campo das ciências humanas é fundamental entender o crescimento populacional no mundo
para possibilitar as análises acerca da distribuição e da estrutura histórica das populações, principal-
mente dos dias atuais. O crescimento populacional é igual ao número de habitantes dividido por uma
unidade de tempo. O termo população pode ser aplicado a todas as espécies de seres vivos, mas espe-
cialmente no uso dado pelos profissionais das ciências humanas, refere-se aos seres humanos.
Ao realizar os estudos sobre a população, é interessante abordar uma análise estatística que
acompanha as características históricas e geográficas das sociedades existentes no planeta. No Brasil,
as elevadas taxas de crescimento e demais indicadores, por exemplo, a taxa de urbanização, são
verificadas na região Sudeste do país. Nos Estados Unidos se encontram altos índices populacionais
na região Nordeste do país e, na China, a região Leste apresenta valores populacionais elevados.
É importante levar em conta que cada um desses países tem suas particularidades culturais, sociais,
econômicas e ambientais, que influenciam na dinâmica populacional e na mobilidade das populações.
Cabe explicar que a dinâmica contempla todas as variantes que estruturam e influenciam a população,
como os nascimentos e os óbitos, diante do meio. Já a mobilidade da população apresenta as variantes
que tratam das relações das migrações, circulação ou permanência das populações em determinado
lugar, bem como sua relação com o meio.
Ao verificar os dados obtidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o mundo, é possível
identificar que a população absoluta totaliza aproximadamente 6,3 bilhões de pessoas. Destas, em torno
de 75% vivem em países subdesenvolvidos, 22% são analfabetos e aproximadamente 50% não têm
acesso ao telefone. Sobre este último, destacamos que um meio de comunicação indica a capacidade
de desenvolvimento econômico da região.
Se dividirmos o globo em faixas limitadas por paralelos de latitude equidistantes, veremos enormes diferenças no que
se refere à população. Embora haja muita terra ao norte dos 60º – como na América do Norte e na Ásia – a população
é ali muito pequena. As maiores concentrações encontram-se, no Hemisfério Norte, entre as latitudes 60 e 20, isto é,
na zona temperada e nos limites setentrionais da zona tropical. (BEAUJEU-GARNIER, 1980, p. 29)

No momento em que iniciamos um estudo sobre o crescimento demográfico, o mais surpreendente


é a velocidade desse crescimento e a sua ligação direta com as cidades, que é um fenômeno relativamente
recente na humanidade. Ao longo de muitos anos, a população mundial não cresceu significativamente.
Para se ter uma ideia, estima-se que há cerca de 2 000 anos, a população mundial era de aproximadamente
300 milhões de habitantes e passaram-se mais de 1 600 anos para que a população do mundo dobrasse
para 600 milhões. Podemos observar, a partir de determinados dados, o estágio de crescimento popula-
cional mundial, exemplificados pelo ano 1 750, no qual a população mundial era de 791 milhões, das quais
64% estavam localizadas na Ásia, 21% na Europa e 13% na África. Pode-se verificar também que a huma-
nidade precisou de pouco mais de 50 anos para alcançar o primeiro bilhão de habitantes, que ocorreu por
volta de 1802. Para se dobrar a população foram necessários mais 125 anos.
82 | Temas em Geografia da População

A partir de 1900, grande parcela da população de 1,65 bilhões de pessoas ainda vivia no campo.
No contexto da população atual do planeta, espera-se que grande parte dos mais de 6 bilhões de pessoas
irão habitar as cidades e dentro dessa perspectiva uma proporção muito grande ocupará as centenas de
metrópoles e megalópoles mundiais.
Em relação às taxas de crescimento mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) estimava
que a partir do ano 2000 a população mundial cresceria 1,2 % por ano (77 milhões de pessoas). Essa taxa
representa um decréscimo em relação ao seu nível em 1990, sobretudo devido à queda das taxas de
natalidade mundiais, que condicionariam o estabelecimento das taxas mais altas para o crescimento no
início da década de 1990. Em 2007, a China é o país mais populoso do mundo, com uma população em
torno de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes. Porém, devido a sua baixa taxa de natalidade, será supe-
rada em 2050 pela Índia, segundo estudos da mesma organização.

Países mais populosos – 1980/2000

(IBGE, 2001)
%

25,0%
,4

%
22

%
,5
21

,8
20

20,0%
%
,7
%
%

16
,8
,2
15
15

15,0%

10,0%
1%
7%
5%
5,

7%
5%
4,

3%

8%
4,

7%
7%

5,0%
3,
3,
3,

2,
2,
2,

0,0%
China Índia Estados Unidos Indonésia Brasil

1980 1991 2000

O gráfico anterior representa os países mais populosos do mundo (China, Índia, Estados Unidos,
Indonésia e Brasil) e sua contribuição na população mundial nos anos 1980, 1991 e 2000. Cabe ressaltar
a diminuição na taxa da China e o aumento da taxa para a Índia nos três períodos analisados.
O acelerado crescimento da população mundial pode ser entendido ao se verificar diversas causas.
Os índices de mortalidade nos países em desenvolvimento tiveram uma brusca queda após a Segunda
Guerra Mundial. Várias ações foram adotadas, tais como campanhas de saúde pública e de vacinação,
que desencadeou uma redução significativa de doenças e da mortalidade infantil.
O estudo do crescimento populacional estima o futuro da população, além de verificar que
atualmente as taxas de natalidade estão em decréscimo de modo geral, apesar de variar muito
entre os países de diferentes graus de desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, as taxas são
estáveis ou próximas a zero enquanto que nos países em vias de desenvolvimento, apresentam taxas
relativamente altas e com tendência de quedas no crescimento. As taxas de mortalidade podem mudar
inesperadamente devido a fatores como guerras, doenças, catástrofes ambientais ou, por outro lado,
Temas em Geografia da População | 83

os avanços da medicina. Segundo as publicações realizadas pela ONU, ao longo dos últimos dez anos,
as projeções da população mundial têm sido constantemente revistas, tendo que ser corrigidas para
valores inferiores aos anteriores anunciados. Tal fenômeno ocorre em escala global, em especial nos
países classificados como “subdesenvolvidos”.

Texto complementar
O que é Geografia de População?
(BEAJEU-GARNIER, 1980, p. 3-4)
É lugar-comum dizer que o mundo moderno está evoluindo num ritmo até agora desconhecido;
e entre os muitos aspectos dessa evolução acelerada, os fatos demográficos não são os menos
importantes nem os menos absorventes. Em 1800, havia cerca de 900 milhões de pessoas, em 1964
mais de 3 200 milhões, multiplicação, na realidade, prodigiosa e dramática! Poder-se-á perguntar
até onde irá essa maré humana e quanto tempo nosso pequeno planeta poderá conter e, acima
de tudo, alimentar todos esses milhões. Há, também, outras questões angustiantes, pois em tal
desenvolvimento demográfico as diversas regiões do mundo não seguem o mesmo ritmo, de modo
que o aspecto econômico e, indubitavelmente, também político do mundo de amanhã resultará, em
grande medida, senão inteiramente, do vulto e principalmente da eficiência dessas diferentes massas
humanas.
O assunto empolga-nos cada vez mais e, como geógrafos, podemos dar nossa contribuição ao
estudo dessas questões apaixonantes e difíceis. Se o demógrafo mede e analisa os fatos demográ-
ficos, se o historiador traça sua evolução, se o sociólogo procura suas causas e sua repercussão por
meio de observação da sociedade humana, é função do geógrafo descrever os fatos no contexto de
seu ambiente atual, estudando também suas causas, suas características originais e suas possíveis
consequências. Ao fazê-lo, o geógrafo recorre a várias disciplinas da Sociologia, se bem que reagrupe
o material à luz de seu objetivo declarado, isto é, ligar todos os fenômenos a determinada situação,
conforme é revelada pela superfície da terra, perspectiva fascinante, mas operação delicada e com-
plexa.
Mesmo para uma simples descrição e, certamente, para estudos mais adiantados, o geógrafo
recorre ao estatístico. Os números são a chave insubstituível da precisão e das comparações, que
constituem elementos para a classificação: pode-se dizer que a população é densa ou esparsa, que
uma cidade é grande ou pequena, mas não podemos ir além sem estatísticas relativas ao presente e
ao passado, que mostram a evolução no tempo e no espaço. Tudo que auxilia a explicar a Geografia
de nossos dias faz parte do campo de estudo do geógrafo.
O estudo geográfico da população assume, portanto, três aspectos: a distribuição dos povos
pelo globo, a evolução das sociedades humanas e o grau do êxito por elas atingido.
84 | Temas em Geografia da População

O fato mais elementar é a distribuição da população. Pareceria óbvio que o ambiente natural
– com sua força maciça e, às vezes, temível, e seus contrastes quase sempre violentos – fosse um
fator determinante. Mas o geógrafo social classifica o clima, observa o relevo, avalia as possibilidades
biológicas do ambiente, registra – à maneira de um médico – as reações do organismo humano e,
depois, descobre que nem em termos numéricos nem de distribuição é a população tiranicamente
controlada pelo ambiente físico. Deve recorrer a outras explicações. A história afigura-se
indispensável, e são inúmeros os eventos de valor: guerras que destroem e migrações que atravessam
continentes, mesclando raças e civilizações; períodos de paz que conduzem a desenvolvimentos
mais fecundos, mas também, ao enfraquecimento de sociedades; ação de indivíduos poderosos
que pacificam, agitam, regulam ou descobrem e inventam; psicologia das massas, seus desejos,
seu espírito de aventura, seu “malthusianismo” ou sua fertilidade, sua lenta conquista do solo e suas
súbitas manifestações de atividade inventiva, seu deslocamento das regiões populosas para áreas
completamente despovoadas.

Atividades
1. Qual o objeto da demografia?

2. Quais são as metodologias que identificam os dados para o estudo da população?

3. Qual a principal premissa na questão das populações serem cada vez mais urbanas?
Temas em Geografia da População | 85

Gabarito
1. O estudo da dinâmica populacional humana por meio da estatística, da estrutura e da distribuição
das populações na superfície terrestre.

2. Metodologias de recenseamento populacionais, contagem da população e censos demográficos.

3. Crescente industrialização dos grandes centros urbanos, abandono dos espaços rurais por meio
do êxodo, procura por empregos e serviços.
86 | Temas em Geografia da População
Abordagens no
estudo da população
Políticas de população
Para definir as políticas demográficas, o governo tem dois caminhos: estimular ou dificultar os
novos nascimentos. Algumas medidas governamentais, tais como: complementação salarial para auxílio
aos pais que têm mais filhos ou aumento de impostos para os jovens que ainda não tenham filhos,
podem ser chamadas de políticas de incentivo ou controle, pois definem as taxas de natalidade. Em outra
análise, quando o governo sobretaxa o imposto para os pais que têm mais filhos ou desenvolve políticas
diretas de controle de natalidade como liberação do aborto ou distribuição de anticoncepcionais, ele
está direcionado ou optando por uma política de gestão sobre a demografia do país.
No Brasil, as políticas demográficas sempre tiveram duas faces. Na realidade, nenhum governo
adotou políticas antinatalistas, o que pode ser explicado pela intensa influência da Igreja Católica, no
que diz respeito ao discurso contra o uso de métodos anticoncepcionais e a favor da doutrina do cresci-
mento e reprodução. Além disso, a ideia que por muito tempo dominou o governo e a opinião pública
é a de que era necessário ocupar o vazio demográfico do interior do país. Porém, a postura de controle
de natalidade adotada, no Brasil, na prática não foi eficiente. Na verdade, o que acontece é que a própria
realidade social brasileira funciona como um bom método antinatalista. As famílias enfrentam grandes
dificuldades para criarem os seus filhos, tais como a falta de creches, escolas públicas de qualidade,
desemprego, baixos salários, moradia precária, entre outros. A diminuição que ocorreu das taxas de na-
talidade no Brasil somente é comparável a de países que adotaram programas mais rígidos de controle
demográfico como o caso da China, por exemplo. Quanto aos métodos contraceptivos, o problema fica
por conta da carência na educação e nos programas sociais a serem adotados.
Para fins de políticas de planejamento, o volume da população em idade dependente deve estar
associado aos investimentos econômicos como o aumento de número de escolas, hospitais, etc. As
políticas de planejamento devem preocupar-se em investimentos produtivos, associados a ritmos lentos
de crescimento demográficos. Portanto, a “pressão demográfica” pode reproduzir estágios de retenção
de investimento na economia e, por sua vez, impedir uma política planejada de acordo com as taxas do
volume da população.
88 | Abordagens no estudo da população

Ferramentas do demógrafo
O estudo da população é realizado com o auxílio de algumas taxas que servem de ferramentas,
sendo fundamentais para a compreensão dos fenômenos que envolvem a população e sua dinâmica.
Primeiramente podemos tratar da taxa de mortalidade, obtida pela relação entre o número de óbitos
em determinado ano e a população total nesse ano, multiplicado por mil. Essas taxas são expressas da
seguinte maneira: 24‰ ou 8‰. A taxa de mortalidade infantil expressa a relação entre o número de
óbitos de crianças menores de um ano de vida em determinado ano e a população total de crianças
nascidas vivas nesse ano, multiplicado por mil. O gráfico a seguir apresenta a taxa de mortalidade no
Brasil em diferentes anos, no qual é possível verificar a queda nos valores da taxa, chegando ao valor de
6,9 ‰ em 1999. No caso do Brasil, é possível observar que a queda na taxa de mortalidade representou
um melhora nas condições de vida da população em geral, permitindo melhoramentos e acessos como
ao saneamento e à saúde básica. As reduções indicam fundamentalmente uma mudança na estrutura
da população e a nas relações das políticas públicas voltadas para ela. Por sua vez, países que atingem
altas taxas de mortalidade sofrem com problemas de saúde básica e comprometem sua qualidade e
projeto de desenvolvimento econômico e social.

Taxa de mortalidade (por milhar – ‰) no Brasil – 1940/1999

30

IBGE. Disponível em:

Acesso em: 28 jul. 2007.


<www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/fecundidade.htm>.
25
25
21
20

15 13

9 8
10 7,7 6,9

0
1940 1950 1960 1970 1980 1991 1999

Já a taxa de natalidade é obtida pela relação entre o número de nascimentos em determinado


ano e a população total nesse ano, multiplicado por mil. Para cada caso em estudo (país, estado, região
cidade). É expresso da mesma maneira que a taxa de mortalidade (40‰, por exemplo). O gráfico a
seguir representa os valores da taxa de natalidade do período de 1940 a 1999, no Brasil. Podemos
observar uma queda mais acentuada nos valores a partir do ano de 1980, já para o ano de 1999 a taxa de
natalidade apresenta 21,2 % para mil habitantes. As razões para as quedas são muitas, mas podemos citar
a inserção das mulheres no mercado de trabalho e a diminuição do tamanho das famílias. Esses fatores
têm contribuído para a diminuição da taxa de crescimento também. Outro aspecto a ser considerado é
Abordagens no estudo da população | 89

a padronização do modo de vida moderno e as novas necessidades culturais, que interagem de forma
individual na sociedade, fazendo com que as pessoas escolham ou optem por não ter filhos, ou tenham
apenas um, principalmente por questões econômicas e sociais.

Taxa de natalidade (por milhar – ‰) no Brasil – 1940/1999


50

IBGE. Disponível em:


<www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/imagens/graffe-
cund_g13.gif>. Acesso em: 28 jul. 2007.
44 44 43
45
38
40
35 31,2
30 23,4
25 21,2
20
15
10
5
0
1940 1950 1960 1970 1980 1991 1999

Quanto à taxa de fecundidade, podemos entender que representa uma relação entre o número
de crianças menores de 5 anos e o número de mulheres em idade reprodutiva (entre 15 a 44 ou 15 a
49 anos – em alguns países a idade fértil varia de 20 a 44 anos). Citamos também a taxa de crescimento
vegetativo que é o resultado da subtração entre a taxa de natalidade e a taxa da mortalidade. Ela é apre-
sentada em percentuais, como: 2% ou 5%.
Hoje, o crescimento demográfico se destaca como uma das razões, entre tantas outras, para a manutenção de
esquemas de homogeneidade, baseados nos imperativos da indústria, da organização e do crescimento, em vez de
ressaltar os diferentes problemas para cada país, para cada povo, para cada cultura. Mais ainda, induziria, novamente
entre outras razões, à perspectiva do crescimento ilimitado da produção e da produtividade. (DAMIANI, 1991, p. 93)

Algumas análises podem ser realizadas acerca das taxas descritas: a predominância de população
jovem significa queda na taxa de mortalidade, da mesma forma que grandes contingentes de
população idosa expressam condição e expectativa de vida superior. As altas taxas de mortalidade infantil
são reflexos da redução de salários e da superexploração dos trabalhadores, segundo muitos teóricos
da Geografia da População. Também é possível analisar as taxas de mortalidade diferencial, nas quais os
números são focados por camadas sociais, profissionais e por faixas etárias. O conceito de mortalidade
diferencial representa o contexto que é pretendido. É focado em uma classe social, por exemplo, os mais
ricos dos países analisados, ou a mortalidade por uma faixa etária mais suscetível a acidentes de trânsito.
Outra análise relevante são as reduções nas taxas de mortalidade mundiais, que refletem o avanço da
medicina (imunológica, bactericidas, assepsias etc.), os fatores sanitários e os aspectos socioeconômicos
(melhores salários, menos horas de trabalho, férias, seguridade social etc.). Todavia são fatores que mascaram
a realidade para a totalidade da população mundial, na medida em que não atingem toda estrutura da
população com suas ações e políticas públicas. Observa-se que em muitos lugares ainda ocorrem mortes
por problemas de saúde pública, ou por grandes deficiências e distorções na distribuição de renda.
90 | Abordagens no estudo da população

Teorias de população: o pensamento Neomalthusiano


O pensamento Neomalthusiano se desenvolveu após a Segunda Guerra Mundial e voltava-se para
as interpretações do crescimento populacional no mundo subdesenvolvido. Ainda durante a década de
1920 desenvolveu-se na Europa o conceito de “ótimo de população”. Essa teoria procurava estabelecer
o equilíbrio entre a quantidade de população e os recursos sociais, econômicos e tecnológicos que
assegurariam o melhor nível de renda por habitante. Todavia, só se aplicou a países desenvolvidos. Os
italianos serviram-se dessa teoria para ampliarem seu espaço, que argumentavam ser pequeno diante
do aumento da população que experimentaram. Buscavam espaço vital, o que era considerado o espaço
mínimo para o desenvolvimento e manutenção da vida da população. Já os alemães buscavam ampliar
seu espaço como forma de lutar contra a extinção de seu povo, pois experimentavam, na época, uma
baixa natalidade.
Os neomalthusianos interpretam que o crescimento populacional dos países do terceiro mundo
forma uma população excedente às suas possibilidades sociais e econômicas, o que lhes agravaria as
condições de miserabilidade. Esse aumento de demanda por escolas, hospitais, saneamento, deslocaria
recursos para investimentos não produtivos, os quais não gerariam novas oportunidades de trabalho. Se
esses recursos fossem aplicados em atividades produtivas – nas fábricas, por exemplo –, poderiam ser
aumentados os efetivos de trabalhadores, cujas rendas realimentariam a economia.
A preocupação ocidental era de que essa demanda por serviços poderia fazer avançar os desequi-
líbrios ecológicos causados pela superpopulação. Fica patente a utilização das ideias de Malthus1 para fins
de legitimação ideológica de governos soberanos, que praticavam políticas de controle e manutenção
da sociedade, em aspectos da carência da distribuição de renda e na falta de desenvolvimento de
planos sociais e ambientais. Para lograrem as reais necessidades de política econômica e gestão social,
utilizaram as estratégias demográficas do controle da natalidade e do planejamento familiar. Essa política
foi exportada para todo o terceiro mundo por meio do uso comum da justificativa de governos com as
demandas populacionais crescentes.
Exercer o controle da natalidade e reduzir o crescimento de população em países subdesenvolvidos
foi uma política sugerida pelo Banco Mundial e pela Organização das Nações Unidas (ONU). Os países
que se candidatassem a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) deveriam submeter-se ao
controle de natalidade. Também foram popularizadas as distribuições gratuitas de anticoncepcionais aos
pobres. Quem lucrou com esse empenho foram as indústrias farmacêuticas e fabricantes de aparelhos
contraceptivos. As mídias também tiveram um papel fundamental na propagação de um modelo ideal
de família, pelos meios de comunicação de massa, do tamanho da família ideal e moderna composta
por casal e mais dois filhos.

1 As ideias de Malthus revelam que os problemas do crescimento populacional estariam relacionados ao controle de natalidade, indicando
uma política antinatalista e conservadora, além de basear-se em princípios da progressão geométrica da população, ocorrendo a duplicação a
cada 25 anos, em contraponto a produção dos meios de subsistência (alimentos) que poderiam aumentar numa progressão aritmética.
Abordagens no estudo da população | 91

Teoria de Marx acerca da população


Segundo a perspectiva marxista, a população excedente é considerada simplesmente como
a produção de uma superpopulação. Não é considerada como resultado do descasamento entre
crescimento dos meios de subsistência e população (conforme o pensamento neomalthusiano). A
relação entre empregado e empregador vai determinar o salário e as condições de vida e reprodução
do trabalhador. Isso não depende exatamente do trabalhador, mas da relação de trabalho e da lei da
oferta e da demanda de mão de obra, ou seja, o trabalhador tem apenas o seu trabalho para “vender”
e subsistir. O resultado será visível na qualidade de vida dos trabalhadores, especialmente na sua
miserabilidade. Se o nível de produção é aumentado, o número de trabalhadores aumenta também,
ainda que em menor proporção. Embora o capitalismo desejasse um grande aumento da população, o
que lhe permitiria aumentar seus negócios, todavia esse aumento não teria como ser absorvido como
mão de obra. Simplesmente não há lugar para todos trabalharem.
Contudo, no desenvolvimento de tecnologias, apesar de se ter a produção aumentada, ao mesmo
tempo desocupa-se a mão de obra, na medida em que as máquinas fazem os serviços que outrora eram
feitos pelos trabalhadores. De modo que há um aumento de produção conjugado com liberação de mão
de obra, cujo resultado é um desequilíbrio no qual os trabalhadores são os principais prejudicados. Estes
passam a integrar o “exército de reserva” que, em última análise, serve como instrumento de barganha
dos empresários em relação aos trabalhadores. “Essa superpopulação relativa favorece a acumulação de
capital por meio de duas maneiras: primeiro serve para regular os salários; e segundo é o material humano
disponível, a ser aproveitado, independente dos limites do aumento real da população” (DAMIANI, 1991).
Finalmente, a existência de excedentes populacionais úteis permite transformá-los em dominados, além
de torná-los excluídos econômica e politicamente.

Concepções sobre populações: as migrações


Os estudos populacionais sobre migração envolvem uma perspectiva histórica ampla e acompa-
nham o fenômeno desde a Antiguidade até nossos dias. O fenômeno do povoamento e ocupação dos
territórios não poderia ser compreendido sem o processo de migração. Podemos nos referir ao processo
migratório desde as migrações intercontinentais, que é especialmente identificada pelo seu volume na
emigração europeia no período do final do século XIX até as primeiras décadas do século XX, e chegar
até nas migrações de curta e de média distância, frequentes em todas as partes do planeta. Para Max
Sorre, pode-se falar em europeização do ecúmeno, que é a parte habitada e cultivada do planeta desde
o século XVI, como os impérios coloniais estabelecidos na África, na Ásia e na América, em especial.
O autor inclui em sua análise a questão do “branqueamento” da população da Terra nesse processo
migratório, a discussão sobre os problemas de assimilação cultural e, especialmente, a questão da
miscigenação.
Nos estudos populacionais podemos definir as migrações permanentes, que são marcadas por
episódios mundiais e regionais ou pelas transferências autoritárias da população, como as migrações
de refugiados de guerras. Há também outros casos de movimentos populacionais, que podem ser
observados no comércio de escravos e nas migrações “espontâneas”. Em conjunto aos diferentes
processos descritos, aparecem os motivos políticos e econômicos conjunturais. Quanto às causas da
92 | Abordagens no estudo da população

migração distinta na superfície terrestre, sugere-se uma contextualização histórica e particular. Entre
as afirmações genéricas das causas está a definição permanente das migrações em relação à pressão
demográfica e os usos e aplicações dos recursos naturais e sociais terrestres. De modo particular, os
geógrafos decifram aspectos históricos no desvendamento do fenômeno de migração, tal como inserem
a emigração europeia durante séculos na construção econômica do capitalismo, como um dado da
irradiação geográfica do sistema econômico e de uma dada estrutura social, e não apenas como um
deslocamento humano. Na maioria das vezes, é um empreendimento controlado por um ato político de
ações governamentais.
As migrações aparecem como característica permanente da espécie humana. Max Sorre diz que a mobilidade é a lei
que rege todos os grupos humanos, portanto, o estudo da circulação ocupa um lugar importante na geografia humana.
Nele está inserida a discussão das raças e das miscigenações, levando à definição das etnias. A questão do povoamento,
da instalação sedentária do homem ao solo é mediada pelo estudo dessas variações. (DAMIANI, 1991, p. 51)

Inicialmente, a emigração foi alimentada pelos países afetados pela Revolução Industrial, diante da
impossibilidade permanente ou episódica de assimilar, nas diversas formas de emprego da nova economia,
a totalidade dos efetivos postos em movimento pelas modificações da estrutura econômica nacional. As
flutuações do emprego teriam uma repercussão direta nesses movimentos migratórios, qualificados, nesse
caso, enquanto migrações econômicas temporárias. As economias e as sociedades se diferenciam cada
vez mais pela sua maior aptidão em absorver no mercado de trabalho as camadas jovens, e pela maior ou
menor rapidez e eliminação dos trabalhadores envelhecidos. As crises e os períodos de desemprego levam
à produção de futuros imigrantes, gerados por um desequilíbrio econômico. A espacialização geográfica
reproduz a contradição entre o fluxo das cidades e campo e a redução quantitativa do engajamento nas
atividades de produção. Então, a migração rural-urbana comporta movimentos e o aumento quantitativo
e qualitativo dos conflitos sociais e econômicos dos países.

Texto complementar
Fatores da distribuição da população
(DAMIANI, 1991, p. 52-53)
O ecúmeno (onde a humanidade vive), não seria explicado apenas por fatores naturais, mas
também históricos. Ele se definiria, no interior do meio geográfico, como uma obra humana. Nesse
sentido, o desenvolvimento da civilização industrial, permitindo uma produção crescente, seria,
segundo Pierre George, fator de acréscimo da habitabilidade do globo. (Sujeito a contradições em face
da concentração dos lucros, que tem como consequência reduzir o acréscimo paralelo de população.
Trata-se da questão da superpopulação e do desemprego, que recuperaremos adiante.)
Há desigualdade na ocupação dos continentes. Até meados do século XX, por volta de 2/3 dos
habitantes da Terra estariam concentrados em 1/7 da superfície do globo. Apesar da variação dos
dados a respeito dessa desigualdade, era unânime sua concentração na Europa, China e Índia.
Abordagens no estudo da população | 93

A definição dos diferentes fatores dessa distribuição populacional também sugere o caminho da
superação de uns em relação a outros. Ou melhor, o aumento da complexidade dos fatores intervenientes.
Assim, mesmo que de forma diferente, aparece o reconhecimento das condições naturais na
determinação do povoamento; a variação dos dados astronômicos – as latitudes (concentração
entre 20° e 60°) –, climáticos e os relativos à altitude aparecem como essenciais. E principalmente sua
combinação. Existiriam climas inumanos – climas frios, de latitude elevada e elevada altitude e climas
áridos da zona intertropical – que coincidiriam com manchas brancas do mapa demográfico. O frio
e a aridez constituiriam os dois principais fatores repulsivos do povoamento. Os climas humanos,
aqueles que toleram grandes acumulações populacionais, seriam climas temperados; e quentes e
úmidos. A zona temperada aparece, de início, como a mais densa. A segunda metade do século XX
caminha em direção a alterar esse quadro.
Uma análise mais aprimorada possibilitaria reconhecer nessa classificação sumária, e em outras
mais primorosas, uma leitura marcada pelo ponto de vista do colonizador. Haveria povoamento,
embora “rarefeito”, em zonas consideradas inumanas – sabemos que a quantidade deve ser
relativizada a partir das diferentes sociedades. Toda uma literatura sobre o papel biológico do clima,
ou a configuração biológica do ser humano a partir do clima, ligada à discussão da concentração
diferenciada das raças originais na terra, desembocou na interpretação da aclimatação do branco
aos climas quentes e úmidos.
Observa-se no interior da Geografia, desde uma preocupação geral com a influência do meio
sobre o comportamento respectivo das diferentes raças, e sua aclimatação fora do domínio habitual,
desembocando, inclusive, com Max Sorre, numa geografia das enfermidades infecciosas e na
resistência diferencial das raças às mesmas; até posições claramente colonialistas, preocupadas com
a aclimatação do grupo branco.
Haveria, portanto, uma descontinuidade qualitativa dos homens na Terra, sugerida, em princípio,
por raças diferentes, definidas por suas características físicas. As raças primárias são: caucasoide,
mongoloide e negroide; a partir delas existiriam as raças compostas. Nos termos de Max Sorre, em
O Homem na Terra, “a distinção maior opõe o grupo das raças equatoriais a das boreais; o conjunto
dos tipos negroides, de África, Ásia Sul-Oriental e Insulíndia (melanodermos), a dos tipos amarelos
(xantodermos) e brancos (leucodermos) de Eurásia”.

Atividades
1. No que consiste as políticas populacionais que visam ações para manipular o crescimento?
94 | Abordagens no estudo da população

2. Quais são as principais ferramentas do demógrafo?

3. O que trata o pensamento neomalthusiano?

Gabarito
1. Ações de estímulo no aumento das taxas de natalidade ou controle de políticas de redução por
meio de imposição ou programas de incentivos.

2. O estudo do crescimento populacional, por meio do conhecimento das taxas de natalidade,


mortalidade, fecundidade e outras demais taxas e indicadores que apresentam a estrutura e
composição da população.

3. Trata de uma teoria acerca do crescimento populacional mundial, por meio de interpretações do
mundo subdesenvolvido.
Elementos da
dinâmica populacional
Dinâmica populacional brasileira
O estudo da dinâmica populacional espacial brasileira pode ser dividido sinteticamente em três
períodos básicos. Os dados e informações relacionam-se às transformações territoriais do Brasil no
decorrer do tempo histórico de ocupação.
O primeiro período que podemos destacar data entre os anos 1850 e 1940. Nesse período, o
crescimento vegetativo1 do Brasil foi constante (1,6% ao ano e 1,8% ao ano) a população brasileira era
essencialmente rural. Essa dinâmica remete a determinadas conclusões, por exemplo, a necessidade
de maior número de filhos para constituir a mão de obra familiar agrícola, ou seja, aumento na taxa de
natalidade. Além das péssimas condições de saúde e assistência médica, foi possível registrar então
as altas taxas de mortalidade, principalmente a infantil, em virtude da baixa evolução dos sistemas de
saúde. Além disso, a vida que era concentrada basicamente no meio rural, não tinha acesso a equipa-
mentos. O período apresentava uma população brasileira que crescia em virtude da imigração euro-
peia, cujos primeiros trabalhadores, os alemães, ocuparam a lavoura de café, substituindo a mão de
obra escrava. Era um momento de sucessivas crises mundiais acontecendo, principalmente na Europa.
Podemos exemplificar as guerras napoleônicas no século XIX e as Primeira e Segunda Guerras Mundiais
no início do século XX.
Para o segundo período de análise da dinâmica populacional espacial brasileira, localizado
entre 1941 a 1980, devemos relacionar as seguintes características à ocorrência e à aceleração do
crescimento vegetativo na década de 1960. Esse crescimento pode ser tratado a partir dos seguintes
processos: primeiro o processo de urbanização, que representou uma convergência das pessoas para
a cidade, fortemente marcada pelo êxodo rural, dessa época, e as melhorias sanitárias e médicas
devido à expansão dos investimentos de infraestrutura e bem-estar social na cidade; essas questões
1 O crescimento vegetativo é a diferença entre os nascimentos e os óbitos, ou seja, entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade.
96 | Elementos da dinâmica populacional

proporcionam a queda da taxa de mortalidade. Segundo, em decorrência do processo do êxodo rural,


os hábitos familiares urbanos estavam condicionados ainda aos rurais, sendo que os filhos ainda eram
a força de trabalho e tinham como objetivo aumentar a renda familiar. Essa situação levou a uma leve
queda na taxa de natalidade. Foi nesse período que a expansão populacional do Brasil estabeleceu-
-se, podendo ser caracterizado pela queda na taxa de mortalidade e da manutenção das altas taxas de
natalidade. Assim, o país apresentou um alto crescimento vegetativo, uma vez que as pessoas estavam
morrendo mais tardiamente e, por outro lado, ainda apresentava-se uma alta taxa de nascimentos.
Devemos lembrar ainda que esse período foi caracterizado por intensas migrações internas, como nos
anos de 1970, nos quais em torno de 20% da população mudou de município, 4,6% mudou de região e
7,16% de estado, estabelecendo o início de uma mobilidade urbana. A partir dessa mudança, ocorreu a
expansão da fronteira agrícola, que representou uma expansão da área cultivada no Brasil, ocupando os
espaços vazios que até então não haviam sido explorados pela agricultura e pecuária.
Alguns eventos na dinâmica populacional espacial brasileira nesse período apareceram de forma
marcante e fundamental para a compreensão das transformações sociais e econômicas do território.
No sentido cronológico, podemos estabelecer determinados eventos e situações importantes para
cada período. Na década de 1940, ocorreu a ocupação do norte do Paraná; nas duas décadas seguintes
aconteceu a ocupação de Goiás, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal; nos anos 1970 ocorreu a ocupação
do estado de Rondônia e Amazonas. Sobre esta última, sabemos que proporcionou à região norte um
crescimento 5% a.a, ou 8,8% do incremento nacional dessa década. Como já estabelecido antes da atuação
dos processos de migração campo-cidade, o chamado êxodo rural, que indicavam uma participação na
década de 1960, com cerca de 13 milhões de pessoas migrando para a cidade e, na década de 1970, os
movimentos foram de 16 milhões de pessoas, que mostravam desde aquele momento a dinâmica de
movimentação e refletindo em dados sobre a quantidade de população urbana. Certamente esses dados
indicavam a concentração de população na cidade e predomínio da cidade sobre o campo. Os valores, no
fim da década de 1970, mostravam uma população urbana acima de 75 milhões de pessoas e somente
cerca de 35 milhões de pessoas vivendo no campo. Outra característica espacial urbana, ocorrida na década
de 1980, foi o crescimento das regiões metropolitanas. Podemos citar o crescimento de nove regiões
metropolitanas (Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e
Porto Alegre). Em suma, o período apresentou forte urbanização, aumento da população, concentração
da população em cidades, domínio da região Sudeste e Grande São Paulo sob as outras regiões do país,
esvaziamento das áreas rurais, crescimento da mobilidade espacial, deslocamento da fronteira agrícola.
O terceiro período analisado na dinâmica populacional espacial brasileira a partir dos anos 1980
apresenta as seguintes características: desaceleração do crescimento vegetativo, pois de fato, as taxas
de crescimento declinaram; as taxas de mortalidade mantiveram-se estáveis, possivelmente por causa
das melhorias da assistência médica, por meio da evolução da medicina preventiva e também da orga-
nização do sistema de saneamento básico nas cidades. No que diz respeito às taxas de natalidade, estas
mostraram um declínio acelerado em virtude da crise econômica e do aumento do custo na criação dos
filhos. Essa diminuição na taxa mostra que os casais não constroem mais famílias grandes, além de indicar
a disseminação do uso e a evolução dos métodos anticoncepcionais. Podemos associar a esses fatores
o período do ingresso mais efetivo da mulher no mercado de trabalho. Tais mudanças são também
identificadas por meio dos dados de registro de casamentos mais tardios em virtude da exigência de
formação profissional no meio urbano e concorrência no mercado de trabalho, ou seja, uma mudança
da cultura familiar para pequenas famílias e muitas famílias sem filhos. Outro registro fundamental
Elementos da dinâmica populacional | 97

para dimensionar o período é a queda da taxa de fecundidade (quantidade de filhos por casal) que
pode ser observada a seguir: em 1960 eram cerca de 6,3 filhos; já em 1970 ficava na média dos 5,8;
em 1980 aproximadamente 4,5 filhos, em 1990 o índice chegou a três filhos por casal e em 2000 a
quantidade de filhos chegou a dois por casal.
No período após 1980 caracterizamos a representação da dinâmica espacial regional pelo
incremento populacional urbano na região Norte do país. A região Norte, nas décadas de 1980 e 1990,
foi a única região do país que apresentou uma taxa positiva de crescimento rural simultaneamente
ao crescimento urbano. Nesse mesmo período, o crescimento para a região Sul foi negativo, em
contraposição, enquanto que na região Nordeste a alteração populacional foi, sobretudo, na urbana. O
êxodo rural observado especificamente no sertão nordestino é considerado também um responsável
pela dinâmica rural-urbana regional. No que consiste a espacialização das regiões metropolitanas no
país, podemos observar que ocorreu uma retração no crescimento. As taxas indicam que as regiões
metropolitanas diminuíram sua participação no incremento urbano do país. Isso evidencia um processo
de desconcentração populacional nessas regiões. Podemos resumir que o período após os anos 1980
condicionou um menor crescimento vegetativo no país, uma menor concentração populacional nas
regiões metropolitanas e o aparecimento das periferias no entorno das cidades.
O gráfico que se segue representa a densidade demográfica no Brasil e nas regiões brasileiras
nos anos de 1991 e 2000. Mostra uma concentração de habitantes por área territorial acima de 70
habitantes por quilômetro quadrado. A região Sudeste para os dois anos mostra valores relativamente
altos. A respeito da densidade demográfica para o Brasil, é possível verificar leve alta na década de 1990,
ficando em torno de 20 habitantes por quilômetro quadrado. Outro ponto fundamental do gráfico é
a baixa concentração populacional por área para a região Norte do país, sendo a menor densidade
demográfica. A fonte dos dados é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável
pela divulgação oficial dos resultados do universo dos censos demográficos.

Densidade demográfica: Brasil e grandes regiões – 1991–2000

80,0
(IBGE, 2001)

70,0
1991
60,0 2000
50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
-Oeste
98 | Elementos da dinâmica populacional

Desenvolvimento populacional
O estudo da população consiste em analisar a distribuição da população nos distintos espaços
geográficos, em classificá-la e identificá-la por idade e sexo, além de compor a tipologia étnica da população.
Um fator que se destaca em torno da população mundial é o fato dela não estar distribuída uniformemente
na superfície terrestre. Pelo contrário, determinadas regiões do planeta apresentam excesso populacional
e outras um vazio ou reduzidas proporções populacionais em relação à área terrestre.
Numa primeira análise podemos associar a distribuição da população mundial a determinados
elementos que exercem influência na distribuição dos grupos, como a vegetação, a água, o clima e o
relevo terrestre. Tais elementos condicionam a ocupação sobre o território e atração sobre os recursos,
permitindo assim a existência de regiões facilmente ocupadas pelo homem. Essa regiões são denomi-
nadas de ecúmenas. Por sua vez, as regiões não ocupadas, que caracterizam os vazios demográficos, são
denominados de anecúmenas. Para exemplificar a regiões anecúmenas, delimitamos as regiões polares,
as desérticas e as altas montanhas do planeta. Por outro lado, muitas regiões do planeta apresentam
exatamente uma forte concentração de pessoas, acarretando a uma representação de alta concentração
por área, como as regiões temperadas do planeta e áreas com grande oferta de recursos naturais.
O estudo da distribuição da população pelos espaços geográficos continentais mostra que
a Ásia apresenta-se como o continente mais populoso e povoado. Já o continente da Oceania é o
menos populoso e menos povoado. A Antártida é o continente não habitado do planeta, tendo apenas
populações provisórias de cientistas e pesquisadores condicionados ao protocolo internacional2 que
rege a ocupação do território antártico.
O Brasil no contexto da distribuição da população mundial, conta com uma população superior
a 180 milhões de habitantes, representando no ranking mundial a classificação de quinto país mais
populoso do mundo e segundo mais populoso da América. No contexto interno do território é possível
observar uma irregularidade na distribuição, ou seja, o Sudeste apresenta-se como a região mais
populosa e povoada e a região Norte a região menos povoada.
Em População e Povoamento, Pierre George afirma que em termos de economia dinâmica, as relações entre população
e economia refletem a velocidade de crescimento da população e a velocidade da capacidade de emprego e de
distribuição dos meios de subsistência das economias. Diferencia as economias ditas de consumo, com ênfase na
manutenção da população num elevado nível de vida, e as economias de penúria dos países subdesenvolvidos.
(DAMIANI, 1991, p. 73)

Os estudos de geógrafos avaliam ainda que o avanço populacional mundial poderá gerar várias
consequências negativas. A primeira consequência diz respeito à falta de alimentos, fundamentalmente
pela razão da má distribuição destes para as populações. O forte crescimento populacional e o
desenvolvimento de muitos países fazem com que ocorra o aumento da poluição e da produção de
resíduos. Imagina-se que com a população superior aos dias de hoje, os problemas poderão ser ainda
maiores devido ao aumento da poluição ambiental o que implica na degradação de muitos ecossistemas
naturais.
Sem dúvida, em uma sociedade globalizada temos que viver com grandes problemas ambientais,
como a propagação das epidemias, que foram facilitadas pelos avanços dos meios de transporte,
permitindo o deslocamento de grandes massas populacionais na superfície terrestre de forma rápida,

2 Visa usar o território para fins pacíficos e de livre pesquisa científica em cooperação internacional, além de proibir atividades militares na
região, explosões nucleares e depósito de lixo radioativo (PORTAL CNPq, 2007).
Elementos da dinâmica populacional | 99

ou seja, aumentou o contato entre os indivíduos de todos os pontos do mundo. O fato de a concentração
populacional localizar-se em áreas cada vez menores, ou seja, em conjunto a ocorrência da diminuição
das áreas habitáveis, (áreas adequadas para moradias, longe de inundações, de cheias ao longo dos
rios, por exemplo) permite que as populações habitem também as áreas de risco do planeta, como
proximidade de vulcões e áreas geológicas instáveis e facilmente suscetíveis a catástrofes ambientais,
por alterações na dinâmica física da Terra e, por fim, o motivo das populações concentrarem-se
devido as condições geoeconômicas do mundo globalizado. Segundo a geógrafa Amélia Damiani: “A
pressão demográfica varia de fraca a forte. Neste último caso, há impasse entre o ritmo de crescimento
demográfico e a capacidade de absorção dos excessos de população ativa, numa economia de
desenvolvimento lento” (DAMIANI, 1991, p. 73).

Algumas considerações sobre


o Índice de Desenvolvimento Humano
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos permite realizar algumas comparações e análises
entre a qualidade de vida da população em diferentes países e regiões do planeta. Esse índice estabelece
o resultado de três variáveis básicas como a expectativa de vida ao nascer, a escolaridade e produto
interno bruto.
No sentido de expressar o Índice de Desenvolvimento Humano, podemos classificar as variá-
veis utilizadas. Primeiro a variável da expectativa de vida ao nascer3. Nesse caso, se a população de um
determinado país ou região apresenta uma expectativa de vida elevada, deve ser por que as condições de
saneamento básico, alimentação, assistência médico-hospitalar e moradia são boas, ou seja, resultando
em características de um ambiente saudável condicionado a tais condições. A segunda variável utilizada
é o grau de escolaridade (que corresponde a número médio de anos de estudo da população) que esta-
belece uma relação: quanto maior o índice de escolarização da população, melhor será o nível de desen-
volvimento, do exercício da cidadania, da produtividade do trabalho, por exemplo. Para representar a
terceira e última variável do Índice de Desenvolvimento Humano, identificamos o produto interno bruto
per capita, que significa a soma de tudo o que foi produzido pela economia de um país no período de um
ano, dividido por sua população. De forma estatística revela-se como o valor que caberia, em média, a
cada pessoa. O produto interno bruto per capita, indica as distintas concentrações e desigualdades eco-
nômicas, porém não reflete de forma precisa e correta a distribuição da riqueza e da economia.
As variáveis são expressas em uma escala que varia de 0,0 a 1,0: quanto mais baixo os índices, piores
são as condições de vida; quanto mais próximo de 1,0, mais elevada é a qualidade de vida da população
em geral. Para fins de análise e comparação, os países e regiões são divididos em três categorias: uma
primeira que representa o baixo desenvolvimento humano sendo menor que 0,500; uma segunda
categoria que representa um médio desenvolvimento humano, entre 0,500 e 0,799; e uma terceira
categoria que observa um alto desenvolvimento humano com valores acima de 0,800 ou mais. Em
muitos casos, o estudo da população por meio do IDH, submete a uma superficialidade comparativa e
envolve uma simplificação de determinadas análises importantes, sendo fundamental contextualizar

3 É um número médio de anos esperados para que um recém-nascido viva, em determinado ano.
100 | Elementos da dinâmica populacional

o meio socioeconômico a aspectos históricos e políticos e expressar outras variáveis econômicas e


culturais em conjunto, permitindo uma análise mais complexa em torno dos processos da população
e o desenvolvimento humano. Podemos citar o IDH do Brasil, que atualmente ocupa a 69ª colocação
no ranking do ano de 2006, com um índice de 0,792, mostrando um médio desenvolvimento humano.
Outro exemplo dessa classificação é o registro no ranking do primeiro país, sendo a Noruega, com índice
de 0,965, e o último país da lista sendo o Níger com um índice de 0,311.

Texto complementar
População e planejamento
(ROSS, 1995)
Um dos primeiros teóricos a estudar as relações entre a população e as leis do crescimento eco-
nômico foi Thomas Robert Malthus, no livro Essay on the Principie of Population, em 1798. Essa obra
influenciou durante um século outros pensadores, inclusive Charles Darwin, criador da mais conhe-
cida teoria da evolução biológica. Entre as formulações teóricas deixadas por Malthus, a mais famosa
é a seguinte: existe uma tendência universal de a população crescer em progressão geométrica e a
produção de alimentos em progressão aritmética.
Essa teoria baseou-se na lei dos rendimentos decrescentes, segundo a qual o ingresso de
trabalhadores no processo de produção de alimentos nunca resulta num excedente de alimentos
proporcional a esse ingresso. Ele é sempre inferior. Dessa forma, os alimentos tendem a não
acompanhar o crescimento geométrico da população.
A teoria dos rendimentos decrescentes de Malthus não foi capaz de rever o desenvolvimento
das técnicas de produção que surgiram a partir do século seguinte à publicação de sua clássica obra.
Mesmo tendo sido rejeitada posteriormente em função do progresso técnico verificado na produção
agrícola dos países desenvolvidos, acompanhado pela queda dos índices de crescimento da
população, essa teoria ainda exerce enorme influência, diante do quadro apresentado pela economia
e pelo crescimento da população nos países subdesenvolvidos.
Os estudos econômicos que se seguiram a Malthus passaram a incorporar as pesquisas
demográficas como um segmento importante para seu campo científico. Em quase todos os manuais
ou tratados de Economia existe sempre um capítulo sobre a importância da demografia para a
explicação econômica. A demografia se consolidou como um ramo da pesquisa científica no mundo
contemporâneo e trouxe importantes contribuições para a explicação dos fenômenos populacionais
relacionados com a mortalidade, a natalidade e a fecundidade (relação entre o número de crianças
com menos de cinco anos e o número de mulheres em idade reprodutiva, que pode variar de 15 a
44 anos de idade). Assim, a demografia possibilita chegar ao conhecimento do processo de evolução
das taxas de crescimento natural da população (saldo positivo ou negativo entre o número dos que
nascem e o dos que morrem).
Elementos da dinâmica populacional | 101

Os conhecimentos oferecidos pelos avanços da demografia permitiram que a Economia, a


Geografia, a Sociologia etc., pudessem trabalhar de forma mais segura para a realização dos estudos
relacionados com a população.
Desde que Malthus levantou a polêmica sobre as relações existentes entre o crescimento
demográfico e o desenvolvimento econômico, as diferentes sociedades passaram a se preocupar com
o conhecimento sistemático do seu efetivo populacional (estoque populacional disponível), tanto
em nível quantitativo como qualitativo. Essa preocupação tornou-se mais evidente entre os países
desenvolvidos, em razão da prática do planejamento como instrumento para o desenvolvimento.

Atividades
1. Conforme estudamos na aula, a dinâmica populacional brasileira passou por três períodos: o
primeiro grande período em 1850 a 1940, o segundo de 1941 a 1980 e o terceiro e último período
de 1980 até a atualidade. Reúnam-se em pequenos grupos e façam um texto descrevendo as
características de cada período.
102 | Elementos da dinâmica populacional
Elementos da dinâmica populacional | 103

2. Numa primeira análise, quais são os critérios que determinam a distribuição da população?

3. O que representa o Índice de Desenvolvimento Humano e quais suas limitações de uso?

Gabarito
1. No período de 1850 A 1940: o crescimento vegetativo foi constante, a população era essencial-
mente rural, então, havia a necessidade de um maior número de filhos para constituir a mão
de obra familiar agrícola. As condições de saúde e assistência médica eram péssimas, ou seja, a
mortalidade, principalmente a infantil, era alta em virtude da baixa evolução dos sistemas de saú-
de, sem acesso aos equipamentos que já eram escassos. A população brasileira crescia em virtude
da imigração europeia. No período de 1941 a 1980 ocorreu a aceleração do crescimento vegeta-
tivo principalmente nas décadas de 1960 e 1970, em virtude dos seguintes processos: processo
de urbanização (maior convergência de pessoas a cidade devido ao êxodo rural dessa época) e
melhorias sanitárias e médicas devido à expansão dos investimentos de infraestrutura e bem-
estar social na cidade. Esse período foi caracterizado por intensas migrações internas: Na déca-
da de 1970, 20% da população mudou de município, 4,6% mudou de região e 7,16% de Estado.
Ocorreu a imigração para a região Sudeste e a emigração do Sul e Nordeste. Ocorreu a expansão da
fronteira agrícola (expansão da área cultivada no Brasil, ocupando os espaços vazios, até então não
explorados). No período após a década de 1980 houve o crescimento das Regiões Metropolitanas
onde se verificou o crescimento de nove regiões como: Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife,
Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Ocorreu a desaceleração do cresci-
104 | Elementos da dinâmica populacional

mento vegetativo, declínio da taxas de natalidade a partir dos anos 80, em virtude da crise econô-
mica e o aumento do custo de criação dos filhos, os casais não mais construíam famílias grandes;
houve uma evolução dos métodos anticoncepcionais (pílula); o ingresso da mulher no mercado
de trabalho. Queda na taxa de fecundidade (quantidade de filhos por casal). A região Norte pesou
no incremento populacional brasileiro.

2. A disposição e localização dos elementos geográficos (físicos – humanos que influenciam a


ocupação e evolução dos grupos populacionais.

3. Representa a qualidade de vida de populações distintas por meio de três indicadores: a


expectativa de vida ao nascer, os índices de escolaridade e o valor do produto interno bruto
per capita, para as áreas estudadas. As limitações podem ser destacadas em função que o IDH
está relacionado a possíveis erros com os pesos de seus indicadores (questão teórica), e seus
respectivos componentes na fonte de pesquisa para comparações (questão prática). Além de o
desenvolvimento humano estar ligado a um conceito mais amplo, do que os simples valores de
crescimento econômico per capita, por exemplo, deve reunir mais variáveis que identifiquem as
diferenças políticas e socioambientais no mundo.
Abordagem socioambiental
em Geografia Humana
Nos estudos da Geografia Humana, mais especificamente no contexto da explosão e concentração
demográfica, frequentemente relacionam-se os problemas socioambientais com o desenvolvimento
econômico, nas mais diferentes escalas de análises espaciais. Portanto, podemos expressar algumas
reflexões que marcam a análise ambiental/territorial no âmbito da Geografia Humana. Na abordagem
socioambiental em Geografia Humana, procuramos identificar o marco fundamental, em torno da
questão ambiental. Buscamos identificar o plano teórico-metodológico da questão, por meio da
interpretação do conceito de gestão e planejamento ambiental. Para exemplificar tais ações e planos,
é descrita ao longo do texto uma série de situações práticas e teóricas relacionadas a nossa sociedade,
que configuram e geram um espaço geográfico transformador.

Questão ambiental
A questão ambiental, hoje, mostra-se como um verdadeiro problema social, visto que concentra
aspectos fundamentais no campo da política, da economia e da sociedade. Desse modo, constitui-se
em uma esfera de relação sociedade-natureza, englobando um sistema integral, envolvendo elementos
físico-bióticos com elementos sociais. No caso de elementos físico-bióticos, podemos elencar os
elementos do relevo, da fauna, da flora, da botânica, do clima etc. Já para os elementos sociais, podemos
condicionar os padrões de movimentos migratórios, concentrações populacionais, atividades agrícolas
e industriais etc. Tal relação é marcada fortemente por ações humanas e tecnológicas de interferências
e redirecionamentos dos nossos recursos, dos métodos de produção e transformação da natureza que
têm levado aos acelerados processos degradantes responsáveis por um comprometimento das condições
ambientais.
Segundo Walter Casseti, o problema ambiental nasce da perspectiva da apropriação e
transformação da natureza de maneira espontânea, ou seja, a natureza é vista como efeito útil
e imediato, indispensável ao acúmulo do capital. A evolução dos problemas ambientais é proporcional à
intensificação da produção da natureza. Numa primeira análise acerca da questão, vemos um ambiente
degradado associado a uma escassez de recursos numa sociedade com grande necessidade de gerar
106 | Abordagem socioambiental em Geografia Humana

recursos, e a fim de transformá-los em recursos financeiros. Tal prática acaba sendo uma necessidade real
do mundo de hoje e, consequentemente, refletindo fortemente nas desigualdades sociais e econômicas,
resultando numa maior degradação do ambiente.
Assim, o problema ambiental se materializa por meio das forças produtivas, isto é, onde se dá a
relação entre a sociedade e a natureza, ou mais especificamente, entre a força de trabalho e os meios de
produção. Portanto, aqueles que integram as relações de produção são os que definem as relações da
sociedade com a natureza, esse é o momento em que os problemas ambientais materializam-se. Dessa
forma, o modelo vigente e seguido condiciona a um comprometimento dos sistemas naturais e coloca
em cena uma discussão do estabelecimento do repensar, ou seja, uma mudança fundamental do rela-
cionamento da sociedade com a natureza.
[...] a crise ambiental deriva de um modelo de desenvolvimento desigual para as sociedades humanas e agressor para
os sistemas naturais, fato que reafirma a necessidade de abordagem dos desafios de natureza social e ecológica à luz
da ecopolítica. (AJARA, 1993, p. 10)

O aprimoramento tecnológico assume o caráter decisório em nossa análise, porque reúne impor-
tantes questões como: alteração das limitações técnico-científicas e instrumentais, visão em diferentes
escalas, novos equipamentos que foram viabilizados e transformaram-se em de modelos incapazes
de comprometer o ambiente. Mas o fator político-econômico também está presente, na verdade, sem
ações políticas e econômicas não há ordenamento e reorganização do espaço.
A conscientização ecológica fulmina como uma força que movimenta todas essas ideias: de
mudanças, do repensar, da redefinição da prática, enfim, o contraponto desse quadro de degradação. Junto
a essa conscientização deve haver uma estruturação e reorientação da ética e do pensamento em torno
de fatos políticos que envolvem e permeiam a questão ambiental, devendo assim assumir a qualidade de
um compromisso social, promovendo um desenvolvimento num estágio menos impactante, capaz de
exercer e promover uma melhor qualidade de vida da nossa sociedade. Nesse sentido, as inter-relações e
as articulações da problemática ambiental devem estar vinculadas à tentativa de criar soluções sob uma
visão dos processos sociais, já que motivam a degradação ambiental e a intensificação dos processos.
Lembramos que os processos sociais aos quais nos referimos são as ações da sociedade, como o
desenvolvimento da agricultura, da distribuição de renda e terra no campo, das políticas e planejamento
de saneamento básico.

Conceito de gestão ambiental e planejamento ambiental


O conceito de gestão ambiental diz respeito à administração, pelo governo, do uso dos recursos
ambientais, por meio de ações ou medidas econômicas, investimentos e providências institucional e
legal, com a intenção de manter ou recuperar a qualidade do ambiente, assegurar a produtividade dos
recursos e o desenvolvimento social.
A gestão ambiental proposta, muitas vezes, acaba sendo uma alternativa positiva na manutenção
e no planejamento das condições ambientais, por estar inserida em diferentes níveis da sociedade e do
Estado. Além disso, conta com a interdisciplinaridade da ciência, que qualifica e desenvolve uma opção
objetiva no sentido de dimensionar ações fundamentais para políticas ambientais e na implementação de
políticas de planejamento econômico-social. A gestão ambiental tenta condicionar uma política adequada
de desenvolvimento, promovendo assim, um equilíbrio entre relações da sociedade e da natureza.
Abordagem socioambiental em Geografia Humana | 107

Podemos definir como planejamento ambiental um processo racional de tomada de decisões, o


qual implica necessariamente numa reflexão sobre as condições sociais, econômicas e ambientais que
orientam qualquer ação e decisões posteriores. No entanto, existem várias definições para a expressão
planejamento ambiental. Conforme Botelho, são identificadas duas linhas principais do processo de plane-
jamento: a linha da demanda, na qual:
O planejamento ambiental consiste em um grupo de metodologias e procedimentos para avaliar as consequências
ambientais de uma ação proposta e identificar possíveis alternativas a essa ação; e a linha de oferta, onde existe um
conjunto de metodologias e procedimentos que avalia as contraposições entre as aptidões e usos dos territórios a
serem planejados. (BOTELHO, 1999, p. 274)

O planejamento ambiental e o desenvolvimento local-regional, como processo de mudança


socioambiental, traduzem um esforço de análise multidisciplinar, bem como uma análise geográfica
permitindo, assim, definir prioridades e orientar a tomada de decisões político-ambientais.
O planejamento ambiental apresenta-se, então, como um instrumento que permite formular
objetivos diferenciados e comuns para cada causa identificada. Em alguns casos de análises não exis-
tirá uma ligação direta, mas existirá sim um envolvimento real das relações mais complexas entre as
diferentes dimensões relacionadas, como as de ordem econômica, social, ambiental e política, que
configuram a análise geográfica.
No planejamento ambiental, as decisões executadas partem da prioridade do meio ambiente
sobre o homem, e da prioridade do homem sobre as atividades econômicas. O planejamento é composto
por uma série de etapas e processos, que mostram as fragilidades e as potencialidades do meio.
[...] o planejamento ambiental consiste na adequação de ações a potencialidade, vocação local e a sua capacidade
de suporte, buscando o desenvolvimento harmônico da região e a manutenção da qualidade do ambiente físico,
biológico e social. (SANTOS, 2004, p. 28)

O elemento norteador na aplicação de ações e de programas no planejamento ambiental são os


sistemas ambientais1. A meta é minimizar ao máximo os impactos e transformações no meio. A maioria dos
planejamentos ambientais utiliza-se dos métodos espaciais de representação com base na estrutura de
integração dos elementos ambientais. Eles têm a capacidade de ordenar, classificar, dividir ou integrar
um dado espacial. Por exemplo: apresentação dos mapas, gráficos e tabelas, descrevendo, enumerando,
classificando os elementos, para uma metodologia ampla e sistemática em torno do planejamento.
Na perspectiva da Geografia, a questão ambiental adota uma postura que resgata a unidade da
Geografia, pela razão que se constitui em uma proposta de discussão voltada para ciência, por meio
de uma reflexão científica. Essa possibilidade de discussão está de acordo com um referencial teórico
e metodológico que impossibilita, de certa maneira, a retomada da temática em torno de antigos
paradigmas. A postura de unidade tenta acabar com aquela análise reducionista presente nas análises
do tipo homem-homem, homem-meio. A relação sociedade-natureza intensifica uma visão social
e verdadeira, recuperando toda sua riqueza e complexidade. Também se percebe interfaces desses
aspectos sociedade-natureza, mas o mais importante é a observação de como essa sociedade se articula
e se apropria da natureza. Nessa perspectiva, a discussão assume a característica da percepção inicial e
final do meio social, associando seus processos políticos e econômicos com os fenômenos naturais.
A partir dessa perspectiva é possível construir uma ciência geográfica capaz de desenvolver uma
análise no sentido político-social envolvendo a questão ambiental. Nesse ponto, a Geografia aparece

1 Conjunto de processos de interações dos elementos que compõem o meio ambiente, incluído, além dos fatores físicos e bióticos, os de natureza
socioeconômica, política e institucional. IBGE. Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
108 | Abordagem socioambiental em Geografia Humana

como elemento integrador da interdisciplinaridade, sendo responsável por uma análise clara e expressiva
da realidade totalizante.

Sustentabilidade ambiental no contexto da Geografia Humana


A degradação do ambiente é uma das consequências mais negativas oriundas do atual modelo
agrícola no espaço brasileiro. À medida que o solo perde parte de sua fertilidade, provoca alterações em toda
sua estrutura de produção. A decorrência dessas práticas agrícolas utilizadas atualmente acaba privilegiando
a modernização do setor agrícola por meio do uso intensivo de máquinas e insumos modernos. No conjunto
dessa análise aparece a monocultura, que provoca um rompimento do equilíbrio natural, que havia
quando os cultivos apresentavam uma maior variedade de vegetais. A pressão exercida pela ocupação em
determinadas áreas, principalmente por atividades agrícolas intensivas, aliadas a uma despreocupação quanto
à adoção de práticas conservacionistas, tem dado lugar a uma perda dificilmente recuperável do potencial
produtivo das terras, a qual tem como causa principal a erosão acelerada. A preocupação em resolver
questões relacionadas a esse tema tem propiciado a criação de metodologias de trabalho voltadas à adoção
de medidas que busquem compatibilizar os usos com as limitações particulares a cada território.
A concepção ampla de desenvolvimento considerado sustentável obedece ao princípio de ques-
tões universais, isto é, necessariamente terá de englobar algumas características anexas e não apenas
os aspectos econômicos e ambientais. Tais aspectos introduziram uma visão mais integradora e totali-
zante dos problemas e levaram a um certo planejamento. Mas, na construção de um desenvolvimento
considerado sustentável de fato, deve-se trabalhar em diferentes escalas, e as diferenças não devem ser
entendidas isoladamente, mas sim, a partir de análise global, ou dos problemas históricos encontrados,
como a exclusão social, a erosão dos solos, a falta de capacidades de gestão, as baixas produtividades da
terra e do trabalho. Então, é verificado na verdade problemas nas mais diferentes escalas, em diversos
aspectos, conectados num contexto de desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a sustentabilidade
do ambiente obriga que seja aplicada uma análise que interliga elementos sociais, ambientais, institu-
cionais, políticos e produtivos. Deve envolver uma visão integradora da realidade, abandonando a pos-
sibilidade que somente um aspecto consegue dar conta dela. O aspecto econômico deve ser entendido
como um elemento determinante do comportamento dos processos, e por meio dessa, todas as outras
dinâmicas são impulsionadas.
Certamente, a importância de uma etapa investigativa e contextualizadora significa o início para
um desenvolvimento sustentável em relação à economia e ao desenvolvimento regional, na medida
em que isso serve para uma análise dos recursos naturais e das condições do espaço em relação aos
processos já degradados do ambiente.
O conceito de agricultura sustentável, que nos últimos anos vem sendo utilizado para compor
um quadro de desenvolvimento, pode ser verificado a partir do uso corrente entre aqueles que lidam
com o chamado desenvolvimento. Uma definição geral é que a sustentabilidade simplesmente se refere
à manutenção contínua dos elementos presentes no ambiente para gerações futuras. Na agricultura, a
sustentabilidade apresenta uma definição básica que consiste na capacidade das parcelas de produção
serem suficientes para garantir uma permanência na questão da produtividade, ao mesmo tempo de
não interferir na questão da base de recursos dessa mesma área.
Abordagem socioambiental em Geografia Humana | 109

O contexto da agricultura e os sistemas agrícolas mais tradicionais estão ligados a um desenvolvi-


mento, que basicamente utiliza-se de uma constante interação entre a estrutura da sociedade e os recursos
locais. À medida que essa estrutura sofre modificações, necessariamente as condições para a realização da
agricultura também são alteradas. Um exemplo dessa mudança estrutural é o crescimento populacional,
que influencia intensamente os sistemas agrícolas do mundo. Isso possibilita possíveis pressões e tensões
de adaptações na base dos recursos, interferindo e alterando a constante de interação. Possivelmente
outros fatores são classificados nessa análise de desintegração do sistema, localmente pode ser identificada
à falta de informação em todas as esferas capazes de se adequar ao um novo sistema, além de modelos
administrativos incapazes na geração de recursos, enfim, uma mudança determinante na degradação do
ambiente.

Reflexões socioambientais: recursos hídricos


A reflexão que se insere como exemplo são as condições naturais relacionadas à quantidade e à
qualidade dos recursos hídricos que escoam pela rede de drenagem de uma bacia hidrográfica, onde
dependem do clima e das características físicas e biológicas dos ecossistemas que a compõem. Outro
exemplo é a interação contínua entre a litosfera2, a biosfera3 e a atmosfera4, que acabam definindo um
equilíbrio dinâmico para o ciclo da água. Assim, entre as ações humanas que podem alterar as caracterís-
ticas naturais de uma bacia hidrográfica destacam-se o desmatamento, o uso do solo e a irrigação.
Tal condição aparece presente num cotidiano social e ambiental, buscando um equilíbrio de um
gerenciamento eficiente da oferta de água de forma a promover o bem-estar da sociedade e a manutenção
da qualidade do meio natural. É importante destacar, ainda, dois fatores que estão crescentemente
incorporados à tendência da gestão e manejo dos recursos hídricos. Em primeiro lugar, a definição objetiva
de instâncias de participação direta da sociedade no processo decisório relativo aos recursos hídricos. Em
segundo lugar, o reconhecimento que a bacia hidrográfica, delimitada pelos divisores de águas, é a área
relevante de planejamento, negociação e intervenção na gestão global dos recursos hídricos.
A importância do estabelecimento dessas premissas indica uma análise necessária para a ciência
geográfica. O caso do planejamento ambiental, que aparece em destaque nos diferentes estudos,
apresenta inúmeras variáveis analíticas, por exemplo: de vazão dos rios, das taxas de dissecação dos
terrenos, dos inúmeros padrões de drenagem, da qualidade das águas das bacias hidrográficas, dos
índices de declividade das vertentes etc. Assim, percebemos como todos esses fatores estão intimamente
relacionados com o ciclo hidrológico e, por sua vez, compreendidos na análise de uma unidade espacial
com vista ao planejamento.
A qualidade da água está relacionada fundamentalmente às práticas e às medidas preventivas e
corretivas da nossa sociedade. A partir disso os índices encontrados de qualidade dos recursos hídricos
apresentam uma grande variação de acordo com fatores de ordem física e química decorrentes das
atividades humanas. O uso da terra com remoção da cobertura vegetal e com a implantação de uma

2 Capa rígida do planeta [...]. Engloba a crosta continental, com sua porções superior e inferior, a crosta oceânica e o manto litosférico (IBGE,
2002).
3 Região da Terra onde existe atividade de vida orgânica. Compreende a porção inferior da atmosfera, a hidrosfera e a porção superior da
litosfera (IBGE, 2002).
4 Camada fina de gases, inodora, sem cor, insípida, e presa à Terra pela força da gravidade (IBGE, 2002).
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agricultura sem controle de erosão normalmente apresenta uma degradação dos recursos hídricos, pelo
motivo do aumento do processo de escoamento superficial, carregando assim partículas dos solos que
provocam assoreamento dos rios, lagos e represas. A respeito da contaminação agrícola, os resíduos do
uso comum e intensivo de agrotóxicos nas áreas agropastoris enviam grandes quantidades de substâncias
tóxicas para os rios por meio das precipitações e dos processos de infiltração. Os resíduos gerados pelas
indústrias e áreas urbanas condicionam um potencial de poluição enorme sobre os recursos.
A poluição então vai existir toda vez que resíduos (sólidos, líquidos ou gasosos) produzidos por
micro-organismos, ou lançados pela sociedade na natureza, forem superiores à capacidade de absorção
do ambiente. Ela pode ser entendida, ainda, como qualquer alteração do equilíbrio ecológico existente.
A poluição está relacionada a processos de industrialização e a consequente urbanização crescente.
Esses são os dois fatores contemporâneos que podem explicar claramente os atuais índices de poluição.
A contaminação química das águas é um tipo de poluição que atinge os recursos hídricos, prejudicando
sua preservação e condição necessária.
A gestão deve ser um processo de mediação de interesses. Na medida em que o assunto perti-
nente aos recursos hídricos se situa na relação sociedade-natureza, a sua prática deve contar, necessa-
riamente com a participação dos segmentos sociais interessados na formulação, execução e avaliação
das ações educativas. A descentralização será necessária já que as ações são concebidas e executadas de
forma descentralizada. Nesse sentido, a participação da sociedade organizada na gestão e execução dos
programas decorrentes da política nacional de recursos hídricos é de fundamental importância.
A busca pelo enfoque sistêmico que possibilite conceber o conjunto das inter-relações, e as múltiplas
determinações dinâmicas entre os âmbitos naturais, culturais, históricos, sociais, econômicos e políticos; a
construção social de novos valores éticos, entendendo o ambiente, como fenômenos complexos, sistêmicos
e globais, significa aproximarmos de um novo paradigma conceitual, metodológico e ético sobre o tema
recurso hídrico. O desenvolvimento de novas atitudes e valores democráticos que viabilizem a participação
crítica nas decisões políticas e econômicas, tanto no nível local como global, pode significar um grande
impacto para a transformação da sociedade e das relações desta com a natureza e seus recursos naturais.

Texto complementar
A Geografia: da natureza à sociedade
(ROSS, 1995, p. 15-17)
O espaço vital para a sobrevivência humana é claramente delimitado. Grigoriev, em 1968,
denominou-o estrato geográfico terrestre e o definiu como espaço limitado pela litosfera como piso,
e pela estratosfera, onde está a camada de ozônio, como teto. Nesse intervalo de poucas dezenas de
quilômetros, que vai da parte superior da crosta terrestre até a baixa atmosfera, é onde o homem,
bem como os demais seres animais e vegetais, vive naturalmente. É esse intervalo estreito, de 30
a 40km, o palco onde as sociedades humanas se organizam, se reproduzem e promovem grandes
mudanças na natureza.
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Na interface que separa, de um lado, o núcleo terrestre e, de outro, a alta atmosfera e o espaço
celeste do universo, está o objeto máximo de preocupação da Geografia – o homem e suas complexas
relações, vivendo e interferindo na biosfera. Toda a dinâmica que rege os fenômenos da natureza
contidos no estrato geográfico é produto do antagonismo entre as forças geradas pela energia solar
que atua na superfície terrestre, com o auxílio da atmosfera, e a energia do interior da Terra, que age
na superfície por meio da crosta terrestre ou litosfera.
O entendimento da verdadeira dimensão e importância do homem como ser vivo e social
passa obrigatoriamente pela compreensão das limitações que a rigidez da natureza impõe à
sua existência. Apesar de toda tecnologia e dos avanços para espaços que ultrapassam as altas
camadas da atmosfera e que até atingem a Lua e planetas do Sistema Solar, o lugar comum dos
homens é a superfície terrestre. Há que lembrar que não são todas as áreas da superfície da Terra
que podem abrigar naturalmente o homem. Há dificuldades impostas pelas geleiras, pelas massas
oceânicas, pelos desertos, pelas montanhas elevadas e pelos pântanos. Com a tecnologia e muitos
investimentos, o homem de fato pode sobreviver além desses limites impostos pela natureza. Isso
entretanto só ocorre quando há interesse político, científico ou ainda viabilidade econômica – em
outras palavras, quando por alguma razão há necessidade de ganhar espaços para as atividades
socioeconômicas e políticas.
É objeto de preocupação da Geografia de hoje conhecer cada dia mais o ambiente natural de
sobrevivência do homem, bem como entender o comportamento das sociedades humanas, suas
relações com a natureza e suas relações socioeconômicas e culturais. É portanto de interesse da
Geografia apreender como cada sociedade humana estrutura e organiza o espaço físico-territorial
em face das imposições do meio natural, de um lado, e da capacidade técnica, do poder econômico e
dos valores socioculturais, de outro. Os grupos sociais, por mais autossuficientes e simples que sejam,
não conseguem sobreviver de forma absolutamente isolada e estabelecem uma teia complexa de
relações socioculturais e econômicas. Essa intensa troca de conhecimentos, mercadorias e moedas
é determinada pelas necessidades reais e pelas necessidades criadas, que na atualidade cada dia
mais se intensificam. Esse complexo jogo de relações locais, regionais, nacionais e internacionais é
de absoluto interesse para o conhecimento geográfico.
A organização da sociedade na agricultura e na indústria, a dinâmica demográfica, o crescimento
e a organização das cidades, suas causas e consequências fazem parte da preocupação da Geografia.
A Geografia de hoje deve entender cada vez mais o que acontece com o crescente processo de
distanciamento entre os interesses socioeconômicos, de um lado, e as necessidades reais de preservação
da natureza, de outro. A procura de soluções alternativas para o desenvolvimento econômico, com justiça
social e racionalização do uso dos recursos naturais que atenue os impactos ambientais, é o caminho a
ser perseguido pelas sociedades atuais e futuras, e isso deve ser objeto de preocupação da Geografia.
112 | Abordagem socioambiental em Geografia Humana

Atividades
1. Quais são as premissas ligadas à abordagem socioambiental no Brasil?

2. Desenvolva por escrito um conceito pessoal de gestão ambiental, a partir das definições e infor-
mações trabalhadas.

3. Por que, segundo sua análise e compreensão, a temática socioambiental deve ser incluída nos
estudos da Geografia?
Abordagem socioambiental em Geografia Humana | 113

Gabarito
1. Aspectos importantes como política, economia e sociedade na discussão acerca do tema, a relação
sociedade-natureza que engloba os elementos físico-bióticos com elementos sociais, marcados
por ações humanas e tecnológicas.

2. O conceito de gestão ambiental busca aplicar e detalhar as atividades humanas, no intuito das
atividades causarem o menor impacto possível sobre o meio. Esse entendimento está relacionado
com a escolha das técnicas, do estudo das legislações e do uso correto dos recursos humanos e
econômicos.

3. Pela importância que nos dias de hoje a questão é introduzida para reflexão e discussão. Também
pela necessidade permanente de os profissionais trabalharem com a visão multidisciplinar, bem
como, a inclusão de temáticas transversais em assuntos ligados aos aspectos da nossa sociedade.
No que consiste o estudo da Geografia, podemos justificar que seu objetivo é colocar em evidência
o ensino e a pesquisa geográfica no âmbito das discussões sociais, visto que, encontramos muitas
respostas e ponderações diante da análise social.
114 | Abordagem socioambiental em Geografia Humana
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Anotações
Rafael Lacerda Martins

Geografia Humana

Geografia Humana e Econômica


e Econômica

Fundação Biblioteca Nacional Geografia Humana


e Econômica
ISBN 978-85-387-3176-4

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