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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

UNICAMP

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH

Aluna: Maria Beatriz Lombardi - RA: 259208


Prof. Responsável: Luis Estevam de Oliveira Fernandes

CAMPINAS
2023
RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Tradução de Cristiana de Assis Serra.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

Matthew Restall, nascido em 1974, é um historiador da América Latina Colonial.


Formou-se em História na Universidade de Oxford e especializou-se em História da América
Latina na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Restall é Professor de
História e Antropologia, e Diretor de Estudos Latino-Americanos, na Penn State University.
Publicou cerca de trinta livros e oitenta artigos/ensaios, com foco em três áreas de
especialização: A história da Mesoamérica colonial, principalmente Yucatán e os Maias;
Africanos na América espanhola e a Conquista Espanhola nas Américas.
Seu livro Os sete mitos da conquista espanhola, é dedicado a seus alunos e começou
justamente como uma tentativa de responder ao comentário de um estudante: Parece haver
muitos mitos nesse curso1. Dessa maneira, não demorou para que a tentativa de adaptar suas
aulas na universidade se convertesse no projeto de um livro. Assim, os equívocos e as ficções
convenientes da história da Conquista se estruturaram em sete “mitos”, divididos em sete
partes: 01: Um punhado de aventureiros – O mito dos homens excepcionais; 02: Nem
remunerados, nem forçados – O mito do exército do rei; 03: Guerreiros invisíveis – O mito
do conquistador branco; 04: Sob o domínio do rei – O mito da conclusão; 05: As palavras
perdidas de La Malinche – O mito da (falha) comunicação; 06: o Os índios estão se
acabando - O mito da desolação nativa; 07: l Macacos e homens – O mito da superioridade.
A obra foi lançada em 2003 em inglês, mas traduzida para português três anos depois, por
Cristiana de Assis Serra.
Nesta obra,Restall se propõe a discutir e examinar de que forma a Conquista
Espanhola foi retratada e descrita, não apenas por seus contemporâneos, como também por
historiadores e outros estudiosos. Cada uma das sete partes apresenta um mito sobre a
Conquista, assim, ao longo dos capítulos, o autor se debruça sobre as narrativas construídas,
dissecando-as, situando em seus contexto históricos e no de outras fontes e evidências e,
dessa maneira, justapõe descrições falsas e minuciosas. Ciente da influência de seu tempo e
de sua própria cultura, Restall apresenta os mitos como representações históricas construídas

1
RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p 9
a partir de concepções culturais e interesses políticos dos personagens do momento histórico.
Não se preocupa, entretanto, em acentuar o que de fato aconteceu, e sim em apresentar e
analisar as formas de descrever o que se passou, sejam elas criadas em virtude do próprio
evento histórico, ou de historiadores que se esforçam para atingir a objetividade.
Suas fontes permeiam documentos escritos por espanhóis, americanos nativos e
africanos ocidentais que testemunharam a Conquista e suas consequências. O autor também
utiliza obras acadêmicas produzidas nos tempos coloniais e contemporâneo, assim como
atravessa filmes de Hollywood que expõem o tema.
Restall inicia suas reflexões criticando a ideia de que a Conquista foi possível graças a
poucos “grandes” e excepcionais homens, cuja audácia e realizações não seriam tamanhas
tidas por outros personagens. Para a construção da excepcionalidade de figuras como
Colombo, Cortés, e Pizarro, o autor cita as probanzas, nas quais os autores enalteciam seus
próprios feitos. Normalmente, eram endereçadas ao rei, na esperança de que os colonizadores
provassem seu valor e posição, mostrando-se na narrativa, de fato, homens excepcionais.
Entretanto, Restall argumenta, então, que a Conquista pode ser entendida de maneira mais
clara vista na chave de padrões criados pela biografia de vários espanhóis, visto que os
invasores na era da Conquista adotaram técnicas nada exclusivas: décadas antes das invasões
ao continente americano, castelhanos haviam desenvolvido práticas e costumes de conquista
durante a aquisição de territórios no sul do Mediterrâneo, norte da África e Caribe,
paralelamente, os astecas e incas haviam igualmente traçado estratégias para a rápida criação
de impérios. Nesse cenário, o autor destrincha os aspectos dos procedimentos da Conquista,
como, por exemplo, a construção de uma pretensa legitimidade a cada expedição, a procura
das populações nativas2, a fim de adquirir aliados, ou o apelo às demonstrações de violência.
Restall analisa as ações e “conquistas” dos colonizadores dentro desses procedimentos (além
dos citados acima, o autor exemplifica mais três3) , demonstrando, assim, a pouca ou
nenhuma criatividade e originalidade dos “grandes” conquistadores, colocando em evidência
sua falta de excepcionalidade.
Assim, se não homens excepcionais, quem são os conquistadores? Em oposição à
idealização das tropas enviadas pela realeza espanhola, Restall destaca que, não raro, esses
homens eram mercadores, artesãos, auxiliares, eclesiásticos, entre outros. Em primeiro plano,
2
Na tradução para o português, o autor utiliza o termo “caça”, o qual pode desencadear problemas
dos quais o próprio escritor escreve para resolver. Implica, por exemplo, o entendimento de que as
populações nativas da América eram como animais, selvagens . O termo pode ter sido um deslize da
tradução ou de Restall, ao se referir a procura por aliados.
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Outras facetas da Conquista: conseguir um aliado indígena específico,o intérprete; a busca por
metais preciosos e o apelo à uma autoridade superior, em geral (e idealmente) o rei.
o autor analisa o filme 1492: A conquista do paraíso, de 1992, dirigido por Ridley Scott4, no
qual os espanhóis estão representados como soldados, uniformizados em fileiras e portando
armas padronizadas. Tais impressões são repetidas em outros filmes, ilustrações e produções,
populares ou acadêmicas, reforçando, assim, o mito do exército do rei. Vale ressaltar que o
mito também tem fundamentos nas transformações sofridas pelas armadas da Espanha no
século XVI, como nas mudanças terminológicas que as acompanharam. Restall argumenta,
então, que o sentido de “exército”, o qual se entende por forças leais a um Estado mais que a
um líder individual, só surge no século XVII, no contexto de que começavam a se denominar
os “Estados-nações”. Além disso, no século XVI, reforça o autor, a Espanha não tinha
recursos suficientes para enviar grandes tropas e armamentos em tamanho quantidade para o
outro lado do Atlântico. Por fim, os conquistadores perceberam que o Novo Mundo requeria
outros métodos militares. Apesar de dificilmente podermos generalizar essas identidades,
Restall afirma que, se fosse possível traçar um personagem para o “conquistador típico”,
segundo biografias de várias figuras, seria um jovem, nos seus 20 e poucos anos,
semi-analfabeto, com uma profissão/ ofício específico no qual foi treinado, buscando um
melhor qualidade de vida.
Pode-se, além de levantar características sobre os colonizadores espanhóis, pensar em
quem foram os aliados e guerreiros que estavam ao lado dos hispânicos nas batalhas. Porém,
raramente esses são citados nas fontes. O autor observa que há silêncios, vácuos sobre alguns
personagens, assim, decide dar-lhes voz. Restall mostra que a imagem da Conquista que se dá
pela dizimação dos nativos e da agência de um grupo de poucos hispânicos, omite as partes
cruciais dos aliados indígenas e africanos. Argumenta que esse mito foi pintado pelos
próprios conquistadores europeus que, na verdade, eram inclusive superados em números
pelos aliados nativos. Restall, neste capítulo, esforça-se para destrinchar, minuciosamente, as
diversas fontes sobre a invasão do México pelos espanhóis, como relatos, cartas, informes de
governantes e biografia dos conquistadores, analisando a atividade dos tais guerreiros
invisíveis, indígenas e africanos.
Ao se pensar na Conquista e nos conquistadores, tem-se, não raro, nas salas de aula,
nos cinemas e livros, entre outros, esse evento histórico como um processo de começo, meio
e fim. O rótulo simplório e acrítico, ao começar com o “descobrimento”, seguido pela
dizimação dos nativos e exploração do território pelos espanhóis, leva à um raciocínio no qual
o resultado inevitável é a vitória hispânica. Assim, Restall trabalha, ao decorrer da escrita

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Renomado diretor e produtor de cinema britânico, notório por realizar grandes produções de ficção
científica, como o Gladiador e O alien, entre outros.
desse capítulo, sete aspectos da incompletude desse processo. Dentre eles, o autor discorre e
refuta sobre, por exemplo, a pretensa rapidez da conquista e a implantação dos espanhóis nos
territórios, afirmando que em 1522, o controle sobre o México central era tênue e,
paralelamente, o do Peru era quase inexistente. Perpassa pelo ideário da Pax colonial, paz
entre colonos e nativos, a errônea premissa de que a Conquista espiritual também foi um
sucesso e sobre a persistência das culturas nativas. O capítulo cumpre com seu objetivo de
refutar o mito de um processo concluído, que perdura até os dias vigentes, como uma vitória
dos espanhóis, entretanto, houve uma ausência no que Restall tem como conclusão do
processo. Seria, então, algo inacabado que perdura até quando? O autor foi feliz em dizer que
os mitos vitoriosos e pacificadores dos espanhóis têm mais relação com seus interesses do
que com o que se passava, porém, foi triste, talvez, em retirar-se do próprio texto.
A fim de voltar-se para as relações hispano-nativas, após debruçar-se sobre os
colonizadores, o autor apresenta o paradoxo do mito da – falha – comunicação. Vale ressaltar
que, nessa parte, Restall acentua as críticas à leitura de Tzvetan Todorov5, que compara
Cortés - esforçado leitor de signos - e Colombo - desinteressado na comunicação com os
nativos caribenhos, em relação à conquista pela comunicação. Assim, Restall argumenta que
uma melhor forma de entender a Conquista, ao invés de pensar somente nos extremos, é
indicar um “meio-termo” que possibilita melhor as leituras de intenções entre espanhóis e
indígenas. Demonstra que há um mito em acreditar que a comunicação foi um sucesso, mas é
falacioso dizer que não houve comunicação alguma. O autor, em principal, refuta a tese que
afirma que a falha na comunicação ocasionou o massacre indígena. Destaca-se também que,
em semelhança aos guerreiros invisíveis ocultos nas fontes, Restall também dá voz aos
intérpretes, que eram poucos citados pelos espanhóis, apesar de imprescindíveis. Alguns
nativos, inclusive, viam a possibilidade de ascensão social por meio do bilinguismos, visto a
importância desses personagens. Malinche foi uma intérprete que, quando criança foi raptada
por traficantes ou vendida como escrava e terminara entre os chontal, povo maia. Em 1519,
foi dada à Cortes e, apesar de quase não ter sido notada pela história, é uma mulher cuja
imagem e figura construída mobilizam causas até os dias vigentes.
Como visto, os colonizadores espanhóis construíram narrativas que constituíram
imagens, preconceitos, mitos e as mais diversas interpretações. Os nativos, claro, não

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Tzvetan Todorov é reconhecido por suas contribuições para a teoria literária. Também escreveu sobre história,
filosofia, política e psicanálise. “A conquista da América: A questão do outro”, por exemplo, é uma de suas
obras com maior impacto nos estudos americanos, trazendo uma nova perspectiva da Conquista vista sobre a
chave da alteridade. É inegável a importância da escrita de Todorov, entre outras obras conhecidas podemos citar
“A poética de Prosa”, “A literatura em perigo”, entre outras.
deixaram de ser estigmatizados pelas colocações europeias. O mito da desolação nativa, diz a
respeito da natureza das civilizações nativas antes da conquista e do impacto dessa. Engloba,
segundo Restall, o mito da perfeição das comunidades nativas e inocências de seus habitantes,
ou, como uma abordagem na direção contrária, com frequência racista, uma América anterior
ao contato europeu como desagradável e brutal. Tais abordagens ajudaram a construir os
estereótipos indígenas disseminados pelo senso comum, visto que os europeus inventaram e
imaginaram um derrota cultural e social das sociedades nativo americanas. Restall apresenta
outros mitos atrelados a desolação nativa, como o canibalismo indígena, a superioridade
europeia por conta da escrita, a crença da divinização dos espanhóis pelos nativos, ou a
construção desses segundos como primitivos, supersticiosos e crédulos a ponto de se
colocarem longe da razão.
Dessa maneira, o autor argumenta que, apesar das grandes epidemias enfrentadas que
ocasionaram um alto índice de mortalidade, a atividade das comunidades continuou, mesmo,
inclusive, com a Conquista. As culturas indígenas continuaram se desenvolvendo,
analogamente às suas tecnologias, existentes até hoje. Restall brilhantemente constrói sua
argumentação e se posiciona quanto à questão da desolação nativa, mostrando a América
profundamente indígena, ainda na era da conquista. Poderia, se lhe coubesse, um reforço na
presença indígena ativa nos dias presentes, pois, apesar de afirmado que as culturas
continuaram, parece que a argumentação fica solta ou atribuída somente ao século XVI.
Por fim, embarcamos no mito da superioridade, que instituiu, segundo o autor, a
explicação mais simples da Conquista: a superioridade europeia. Dentro desse mito, tem-se
também a crença de que os povos nativos foram responsáveis pela própria derrota, ou que as
culturas nativas foram incapazes de impedir a invasão espanhola. É nessa premissa – da
superioridade europeia – que sustenta e abrange vários mitos citados e refutados por Restall,
já que a inferioridade indígena e a construção da imagem do nativo é a base para muitos
deles. Na última seção do capítulo, o autor apresenta cinco fatores que elucidam melhor o
resultado da conquista, nenhum dele de todo original, ressalta. Argumenta, então, que as
doenças, a desunião dos povos e o aço (pela indubitável eficácia das espadas) correspondem à
boa parte dos resultados da conquista. Entretanto, cita também a importância da cultura bélica
espanhola e, em principal, o entendimento da Conquista espanhola se situada no contexto
mais amplo da expansão ultramarina, como as abordagens que transcendem o processo de
ocupação da América pelos espanhóis. Examinando a história humana na chave dos milhares
de anos, a excepcionalidade da conquista espanhola se desvanece.
Dentro de Os sete mitos da conquista espanhola, pode-se perceber uma construção
dos mitos e das argumentações que se torna essencial não apenas para a mensagem que
Restall gostaria de passar, mas para atravessar o pensamento epistemológico dos próprios
leitores. Ao ler cada capítulo, a sequência se complementa, trazendo a sensação de uma
bagagem acumulada que permite o entendimento da complexidade do que será trazido a
seguir. Por exemplo, se Restall estruturasse seu texto de modo a deixar o mito da
superioridade como primeiro capítulo, provavelmente não seria possível para seu leitor
compreender toda a vastidão dos "submitos" que estão agregados ao redor da pretensa
superioridade europeia, visto que a ideia de conquista estaria resumida a isso. Outrossim,
tem-se a escolha do epílogo, que faz o papel exemplificador de tudo exposto e trabalhado no
livro. Foi, de fato, um caprichoso preocupado com o entendimento do leitor, visto que
encontro apresentado entre Cortés e o último emperador asteca, Cuauhtémoc, elucida os
mitos e seus contrapontos postos na obra.
Existem incômodos pontuais com o texto, como a lacuna do que seria a “conclusão”
da conquista para Restall, ou a falta dos indígenas atuais, fixando-os também no presente,
entretanto, não atravessam o texto no sentido de prejudicá-lo, muito, talvez, por serem pontos
dos quais não ocupavam preocupações para o autor. E, mesmo nesse cenário, Restall escreve
uma obra que cumpre com excelência com o que propõe.
Dessa maneira, a obra de Matthew Restall traz à luz das reflexões tópicos importantes
para o estudo da América Latina Colonial. Em suma, o autor se dispõe a explorar as
metáforas dos mitos, a fim de adentrar as motivações e padrões do comportamento humano,
fazendo-o com brilhantismo ao longo de sua narrativa. Desse modo, Os sete mitos da
conquista espanhola é uma aula de interpretação e análise de eventos históricos, essencial
para os interessados no tema. A partir de uma tentativa de resposta a um comentário em sala,
Restall produz um material de excelência para ser usado como aprendizado que transcende as
questões apenas acadêmicas.
Referências bibliográficas

RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Tradução de Cristiana de Assis Serra.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes,
1999.

TODOROV, Tzvetan. A poética da prosa. Tradução Claudia Berliner. São Paulo : Martins Fontes,
2003.

Todorov, Tzvetan, 1939- A literatura em perigo. Tradução Caio Meira. - Rio de Janeiro, 2009

1942: A conquista do paraíso. Ridley Scott. 1992

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