Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONCLUSÃO
A postura da Igreja frente a escravidão negra foi de conivência, agindo como
suporte ideológico do sistema escravocrata. Preocupada unicamente com a
sacramentalização em massa dos negros, ela não se interessou por sua sorte. Como
funcionária da Coroa e usufruindo ela mesma dos benefícios da escravidão nos seus
colégios, conventos e fazendas, não lhe coube outra atitude senão contribuir para que
os negros introjetassem passivamente o destino ao qual estavam condenados em
nome de uma retribuição futura após a morte. A religião serviu, muitas vezes, como
manto ideológico para justificar, em nome do sagrado, as injustiças da escravidão.
Atitude esta que não mudou qualitativamente ao longo dos séculos em que durou a
escravidão no Brasil até o Concílio Vaticano II.36
O destino da Igreja no período da escravidão confunde-se com o destino dos
senhores. A Igreja contribuiu enormemente com a escravidão, não só pela defesa da
necessidade da escravidão para o desenvolvimento do Brasil e para a sua
evangelização, mas também e principalmente, pela introjeção da consciência escrava
nos negros e da aceitação da sua situação imposta pelo senhor. O substrato teológico
sobre o qual se desenvolveu o anúncio, foi uma teologia da retribuição onde a dor e o
sofrimento deveriam ser aceitos com paciência e obediência por parte dos escravos,
na esperança e na certeza de uma retribuição proporcional dada por Deus após a sua
morte. Com as mais sutis e sofisticadas interpretações bíblicas e teológicas, ela
justificou, salvo raras exceções, a injustiça praticada contra os negros escravizados.
Como sistema religioso, ele se impôs como portador e realizador da única
Verdade. Como afirma Branco sobre a consciência do colonizador: “O Estrangeiro
louro que chega (começos de 1500) é o europeu civilizado produtor da cultura e
portador da moral, senhor político do mundo, crente em Deus, homem de moral e de
fé. É o portador da razão do mundo, lúcido de espírito e medida do real. É o
verdadeiro homem, e padrão ideal de beleza, louro e livre. É o deus que surge...”37
No horizonte negro, isto significa a negação das estruturas mais profundas do
seu ser. Se aceitar a ambigüidade da sua auto-negação, entrará em busca, nunca
definitivamente realizável e impossível de assumir o ser do outro, do seu senhor.
1
Cf.: JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1981. pp. 31-32.
2
Cf.: KLEIN, Herbert. A escravidão africana: América Latina e Caribe. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 54.
3
Cf.: BASTIDE, Roger. As religiões aficanas no Brasil. São Paulo: EDUSP 1971. p. 65. v. 1.; KI-ZERBO,
Joseph. Die Geschichte Schwarz-Afrikas. Frankfurt am Mein: Fischer Verlag, 1981. p. 222.
4
Cf.: BASTIDE, 1971, 55.
5
Cf.: REHBEIN, Francisca C. Candomblé e Salvação: A salvação na religião Nagô à luz da teologia cristã.
São Paulo: Paulinas, 1985. p. 64.
6
Cf.: BASTIDE, 1971. p. 69.
7
Ibidem, p. 71.
8
Ibidem, p. 70.
9
Cf.: CINTRA, Raimundo. Candomblé e Umbanda: o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985. pp. 36-38.;
REHBEIN, 1985, 18.
10
Os centros urbanos, principalmente Recife e Salvador, por propiciarem uma maior liberdade de locomoção e
articulação entre os escravos foram também lugares onde se desenvolveram várias tentativas de revoltas
organizadas por parte dos escravos contra os seus senhores. Ver: BASTIDE, 1971. pp. 113-141.
11
Ibidem, p. 75.
12
Ibidem, p. 64.
13
“Os portugueses colonizadores participavam largamente da mentalidade de seus reis: eles pertenciam a uma
Igreja estabelecida e participavam de um estado de espírito comum a todos os católicos da época, pelo menos na
península ibérica: o espírito guerreiro contra os inimigos da fé, espírito este que foi popularizado através de uma
ação concientizadora demorada por parte do clero e da nobreza e encontrou o seu ponto culminante na Europa
quando o papa Urbano II convocou os povos europeus para a ‘guerra santa’ contra os turcos, donos da terra
santa. Esta ideologia de ‘guerra santa’ fez com que nunca houvesse propriamente missão na América Latina:
houve conquista, implantação da estrutura da religião dominante. Missão e conquista são irreconciliáveis.”
Cf.:HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro: 1550-1800. Petrópolis: Vozes, 1978. pp.
32-33.
14
.Ibidem, p. 35.
15
Cf.: HOORNAERT, Eduardo. A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial. In:
HOORNAERT, Eduardo et. al. (Orgs.). História da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1983. t.II/1, p. 58.
16
Há uma escandalosa profundidade simbólica neste ato. O corpo do escravo é marcado a fogo com o símbolo
que representa o seu dominador e a sua religião. Sendo o primeiro contato do africano com o cristianismo um
encontro marcado pela dor e pela agressão.
17
Cf.: CINTRA, 1985. p. 97.
18
“Na falta de estatísticas e dados mais precisos para as diversas ordens religiosas, basta citar estas
informações a respeito dos conventos franciscanos no século XVIII: o Convento da Bahia possuía então 86
escravos para 81 professos e o Mosteiro do Desterro das Clarissas 298 escravas para 81 professas...” Cf.:
Ibidem, p.106.
19
Cf.: HOORNAERT, Eduardo. A cristandade durante a primeira época colonial. In: Hoornaert, Eduardo.
História da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1983. t.II/1. p. 260.
20
Cf.: CINTRA, 1985. p. 98.
21
Cf.: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfego de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Currupio, 1987. p. 113ss.
22
Cf.: ROCHA, Manuel Ribeiro. Etíope Resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruido e libertado.
discurso teológico-jurídico sobre a libertação dos escravos no Brasil de 1758. Petrópolis: Vozes, 1993. pp. 112-
113.
23
Ibidem, p. 118.
24
Cf.: Apud HOORNAERT, 1983. p. 261.
25
Cf.: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Portugália, 1945. v. VI. pp.
350-351.
26
Cf.: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Portugália, 1945. v. II. pp.
347-348.
27
Cf.: Ibidem, p. 356.
28
Cf.: Ibidem, p. 358.
29
HOORNAERT, 1978. pp. 58-65.
30
Cf.: LEITE, 1945. v. II. p. 229.
31
Cf.: Ibidem, pp. 228-229.
32
Cf.: Ibidem, p. 227.
33
Cf.: TERRA, João Evangelista Martins. O negro e a igreja. São Paulo: Loyola, 1988. p. 92.
34
Cf.: LEITE, 1945. v. II. p. 349.
35
Cf.: CINTRA, 1985. p. 104.
36
Ver BEOZZO, José Oscar. A igreja na crise final do império. In: HOORNAERT, 1983. t.II/1. pp. 273-286.
37
Cf.: BRANCO, Manoel J. de F. C. A negação do sujeito na empresa colonial (Por uma Antropologia Filosófica
Latino-Americana) - Fundamentos II: O lugar do negro na dupla condição do não. In: REB, Vol. 48, Março de
1988. p. 57.