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“Além disto, portugueses e espanhóis, particularmente estes últimos, encontram nas suas colônias
indígenas que se puderam aproveitar como trabalhadores. Finalmente, os portugueses tinham sido os
precursores, nisto também, desta feição particular do mundo moderno; a escravidão de negros africanos; e
dominavam os territórios que os forneciam. Adotaram-na por isso em sua colônia quase que de início —
possivelmente de início mesmo —, precedendo os ingleses, sempre imitadores retardatários, de quase um
século.
Como se vê, as colônias tropicais tomaram um rumo inteiramente diverso do de suas irmãs da
zona temperada. Enquanto nestas se constituirão colônias propriamente de povoamento [...], escoadouro
para excessos demográficos da Europa que reconstituem no novo mundo uma organização e uma
sociedade à semelhança do seu modelo e origem europeus; nos trópicos, pelo contrário, surgirá um tipo
de sociedade inteiramente original. Não será a simples feitoria comercial, que já vimos irrealizável na
América. Mas conservará no entanto um acentuado caráter mercantil; será a empresa do colono branco,
que reúne à natureza, pródiga em recursos aproveitáveis para a produção de gêneros de grande valor
comercial, o trabalho recrutado entre raças inferiores [SIC!] que domina: indígenas ou negros africanos
importados. Há um ajustamento entre os tradicionais objetivos mercantis que assinalam o início da
expansão ultramarina da Europa, e que são conservados, e as novas condições em que se realizará a
empresa. Aqueles objetivos, que vemos passar para o segundo plano nas colônias temperadas, se
manterão aqui, e marcarão profundamente a feição das colônias do nosso tipo, ditando-lhes o destino. No
seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma
vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela,
destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este
o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os
elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução históricas dos
trópicos americanos.
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Completam-se assim os três elementos constitutivos da organização agrária do Brasil colonial: a
grande propriedade, a monocultura e o trabalho escravo. Estes três elementos se conjugam num sistema
típico, a ‘grande exploração rural’, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de grande número de
indivíduos; é isto que constitui a célula fundamental da economia agrária brasileira. Como constituirá
também a base principal em que assenta toda a estrutura do país, econômica e social. Note-se aqui,
embora isto já esteja implícito no que ficou dito acima, que não se trata apenas da grande propriedade,
que pode também estar associada à exploração parcelaria; o que se realiza então pelas várias formas de
arrendamento ou aforamento, como é o caso, em maior ou menor proporção, de todos os países da
Europa. Não é isto que se dá no Brasil, mas sim a grande propriedade mais a grande exploração, o que
não só não é a mesma coisa, como traz consequências, de toda ordem, inteiramente diversas.
Mutatis mutandis, a mineração, que a partir do séc. XVIII formará a par da agricultura entre as
grandes atividades da colônia, adotará uma organização que afora as distinções de natureza técnica, é
idêntica à da agricultura; concorreram para isto, de uma forma geral, as mesmas causas, acrescidas talvez
da influência que a feição geral da economia brasileira já tomara quando a mineração se inicia. É ainda a
exploração em larga escala que predomina: grandes unidades, trabalhadas por escravos.”
INTERPRETAÇÃO III
Raízes do Brasil
por Sérgio Buarque de Holanda, 1933, p. 31, p. 49, p. 61 e p. 145-146.