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A INDÍGENAS
O longo processo de
instrumentalização dos africanos
(séculos XV - XX)
Isabel Castro Henriques
DE ESCRAVOS
A INDÍGENAS
O longo processo de
instrumentalização dos africanos
(séculos XV - XX)
TÍTULO
De escravos a indígenas.
O longo processo de instrumentalização dos africanos (séculos XV-XX)
AUTOR
Isabel Castro Henriques
IMAGEM DA CAPA
Fotografia de José Christiano Júnior, MHNRJ, Colecção Particular, 1865.
DESIGN E PAGINAÇÃO
Maria Timóteo
ISBN
978-989-???
DEPÓSITO LEGAL
463475/19
DATA DE EDIÇÃO
2019
EDIÇÃO
CALEIDOSCÓPIO – EDIÇÃO E ARTES GRÁFICAS, SA
Rua Cidade de Nova Lisboa, Quinta Fonte do Anjo, 1-A. 1800-108 Lisboa. PORTUGAL
Telef.: (+351) 21 981 79 60 | Fax: (+351) 21 981 79 55
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11 PREFÁCIO
15 CAPÍTULO 1
ESCRAVIZADOS, MERCANTILIZADOS, DESUMANIZADOS:
A construção do africano-escravo (séculos XV-XIX)
17 Angola, a Escravização dos Homens e o Comércio Negreiro
(Séculos XV - XIX )
17 Angola e a escravatura africana: quadro teórico geral
22 A escravização dos africanos: concepções, práticas, funções
48 A organização do tráfico de escravos em Angola
(Séculos XVII-XIX)
99 Os dois lados do mar: da liberdade à escravidão.
A liberdade tardia
129 Ideologias e Práticas da Escravatura no Espaço Português
(Séculos XV-XX)
130 A utilização do escravo africano na sociedade
e na economia portuguesas
132 Índios e africanos: a problemática existência da “alma”
134 Escravatura e comércio negreiro:
a criação de formas inéditas de socialização
136 Crueldade esclavagista e réplicas africanas
139 Para uma revisão da história do Atlântico
143 Ser Escravo em São Tomé no Século XVI
145 Colonizar
147 Um regime de trabalho “muito curioso”
157 A Revisão da Escravatura e do Tráfico Negreiro em Moçambique na
Obra de José Capela
158 Uma nova epistemologia da escravatura
162 O comércio negreiro europeu no Índico e a relação com o Brasil
166 Violências esclavagistas/fragilidades da resistência
169 Os “efeitos do tráfico”
173 Como legitimar a escravatura e o comércio de escravos?
Introdução a Déraison, esclavage et droit
185 CAPÍTULO 2
ICONOGRAFIA:
A instrumentalização dos Africanos através do discurso imagético
188 Produzir, comerciar e “usar” os escravos:
da África para as Américas (séculos XV a XIX)
220 A exclusão dos africanos e a prática civilizadora portuguesa:
(des)classificados, ridicularizados, “civilizados” (séculos XIX e XX)
245 CAPÍTULO 3
AS MUITAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO
E EXCLUSÃO DOS AFRICANOS NOS SÉCULOS XIX E XX
Selvagens e indígenas, assimilados e civilizados
247 Do esclavagismo ao racismo : entrevista a Isabel Castro Henriques
263 A (falsa) passagem do escravo a indígena
267 A antropologia científica justifica a inferiorização do Outro
270 O heroísmo europeu fabrica a “bestialidade” africana (e vice-versa)
273 O trabalho como ideologia do enselvajamento
279 Virtudes “Brancas”, Pecados “Negros”:
Estratégias de Dominação nas Colónias Portuguesas
282 A dissimulação das evidências ou a construção dos mitos
286 Os mitos e a política colonial: fases da sua evolução
292 Acerca do “trabalho e do ensino para o preto”
ou a evidência da exploração portuguesa
303 A África “Portuguesa” e a Primeira República:
Paradoxos, Estratégias e Práticas Coloniais
305 Ideais republicanos e realidades coloniais:
uma associação paradoxal
308 A missão civilizadora, pilar do projecto colonial republicano
320 Estratégias coloniais:
a “portugalização” dos espaços e dos homens africanos
341 Os Africanos Na Sociedade Portuguesa:
Ambiguidades Classificatórias e Realidades Coloniais
342 Ambiguidades e categorias classificatórias
344 Percursos e estratégias de integração dos africanos
(séculos XV-XVIII)
350 Representações coloniais e impacto na sociedade portuguesa
(até 1974)
372 Conclusão
375 BIBLIOGRAFIA
382 SIGLAS
383 ORIGEM DOS TEXTOS
Isabel Castro Henriques
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Este livro
é também uma homenagem
aos muitos Africanos escravizados
ao longo de séculos de história.
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PREFÁCIO
*1 HENRIQUES, Isabel Castro, Os Pilares da Diferença. Relações Portugal- África –Séculos XV-XX, Lisboa, Caleidoscópio, 2004.
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fácil, que constitui um eixo central da minha reflexão teórica e histórica, cen-
trada no estudo da África e dos Africanos. Quase cinquenta anos de estudo e
de investigação, que resultam, em parte, da minha formação na Universidade
de Paris I – Panthéon-Sorbonne, da minha longa actividade docente na Facul-
dade de Letras da Universidade de Lisboa e também, de forma pontual, em
outras universidades europeias, africanas e brasileiras, traçando o meu percur-
so intelectual de historiadora marcado por preocupações de natureza social,
centradas na realidade histórica portuguesa muito marcada pelo preconceito
e pela persistência de situações de discriminação racial dos homens e das mu-
lheres de África.
Neste estudo, eliminei algumas publicações por me parecerem algo pleo-
násticas, modifiquei outras, mas deixei o essencial, consciente das inevitáveis
repetições, da natureza e do peso científico distintos de cada um dos estudos
apresentados, que resultam da sua função originária, das minhas investigações
e dos meus conhecimentos no momento em que foram redigidos. Só assim
me pareceu possível dar conta deste meu percurso consagrado ao estudo de
questões históricas centrais no quadro global da história da África, como os
processos esclavagistas organizados pelos Europeus e as formas de dominação
impostas aos Africanos pelo colonialismo novecentista.
Os textos aqui reunidos, segundo temas e problemas que me inquietaram e
me inquietam, procuram contribuir para uma renovação da historiografia rela-
tiva às relações entre Portugal e África, no domínio concreto das formas de ins-
trumentalização dos Africanos levadas a cabo pelos Portugueses durante quase
cinco séculos. Um longo processo cuja natureza interna se revelou capaz de me-
tamorfose e reconversão nos séculos XIX e XX, assegurando a continuidade do
“uso” violento das populações africanas, recorrendo a um aparelho classificató-
rio novo - selvagens, indígenas, assimilados - destinado a manter os Africanos na
esfera da inferiorização e dominação portuguesas, contribuindo para legitimar a
sua escravização e fixar interpretações deformadoras da História.
Juízos de valor, mercantilização, coisificação, exploração, ridicularização
dos homens africanos fabricaram imaginários portugueses que reduziram o
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CAPÍTULO 1
ESCRAVIZADOS,
MERCANTILIZADOS,
DESUMANIZADOS:
a construção do
africano-escravo
(séculos XV-XIX)
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ANGOLA, A ESCRAVIZAÇÃO
DOS HOMENS E O COMÉRCIO
NEGREIRO
(SÉCULOS XV - XIX )
1 RAYNAL, G. Th., Histoire philosophique et politique..... des Européens dans les deux Indes, 1ªed.1770), vol.III, Livro
XI, cap. XXIV, 3ª edição, 1781.
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3 Ver a obra pioneira de Meillassoux consagrada ao estudo da escravatura africana, que marcou de forma exemplar a historiografia
mundial.
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tuída por dois conceitos rígidos que negam a própria flexibilidade da socieda-
de. A nossa leitura das sociedades antigas, tal como a das sociedades africanas,
estrutura-se hoje em função da importância e da generalização da escravatura.
Tais são, em primeiro lugar, as difíceis coordenadas que nos são impos-
tas por este trabalho: a necessidade de definir o campo científico em que se
inscreve, assim como as implicações sociais das acções de todos. Os efeitos
perversos da escravatura impõem um corte profundo entre o mundo anterior
a este sistema, e o mundo posterior, que é também o nosso.
Em segundo lugar, é necessário salientar as dificuldades resultantes de um
espaço de análise heterogéneo e complexo - Angola -, inexistente no tempo
histórico que é o deste trabalho.
A Angola actual é o resultado de uma longa operação histórica em que
participam Africanos de diferentes nações, mas também Portugueses e Bra-
sileiros. Até aos finais do século XIX, esse espaço define-se pela presença de
diferentes sociedades africanas, cujas fronteiras não coincidiam e/ou trans-
bordavam o espaço nacional angolano de hoje. Essas sociedades, que man-
tinham entre elas relações históricas complexas, de complementaridade e de
confronto, ocupavam posições de poder diferenciadas e hierarquizadas, num
espaço regional que se estendia do Atlântico à África Central. As formas de
interdependência no quadro regional condicionavam as relações económicas
e políticas, directas ou indirectas com os Portugueses, instalados desde os fi-
nais do século XVI no litoral atlântico, sobretudo nas regiões de Luanda e,
mais tarde, de Benguela.
Esta situação de heterogeneidade e de complexidade que caracteriza o es-
paço “angolano” anterior ao século XIX, implica escolhas no que respeita aos
exemplos a estudar, e exige uma grande prudência de maneira a evitar genera-
lizações abusivas e falsificadoras das diferentes realidades históricas africanas.
Uma terceira dificuldade resulta da natureza do estudo que pretendemos
elaborar: destinado a mostrar também as diferentes realidades da escravatura e
do tráfico de escravos, não podia deixar de privilegiar a imagem. Esta situação
impõe uma articulação entre essas realidades descritas e analisadas - em que os
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muito antes do século XV, uma prática generalizada nas sociedades africanas,
onde o critério principal assenta no parentesco, que condiciona as formas de
exploração económica, mas procura analisar as condições em que as inter-
venções europeias, sobretudo portuguesas, no espaço angolano, conduziram
à passagem das diferentes formas da escravatura interna à escravatura imposta
do exterior.
A Escravatura em África
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normais, as quais são quase sempre uma ajuda para a recuperação da liberdade.
Tratando-se de homens dependentes de outrém, a sua participação no sistema
produtivo contribui para reforçar o poder económico do proprietário.
Deve, por isso, sublinhar-se a função económica do escravo na socieda-
de em que está integrado. Se por um lado, o escravo constitui o símbolo da
riqueza do proprietário, por outro, ele contribui para a realização das tarefas
da produção, quer se trate da agricultura familiar, quer da produção artesanal.
Produção agrícola e produção artesanal constituem os pilares do desenvolvi-
mento das actividades comerciais, que dominam o espaço económico ango-
lano. A função comercial do escravo não se limita à sua possível condição de
mercadoria. Desempenhando frequentemente as funções de comerciante ao
serviço do seu proprietário, o escravo é igualmente utilizado como carregador
- função igualmente desempenhada por homens livres - nas imensas caravanas
do comércio africano, que, antes e depois da chegada dos Europeus, atravessa-
vam o centro-sul do continente, do Atlântico ao Índico.
Não se trata, por isso, de uma situação fechada e caracterizada pela desquali-
ficação profissional. É certo que, na maior parte dos casos, a situação de escravo
impede que sejam levadas a cabo certas operações, mas trata-se quase sempre
de impedimentos temporários, que a sociedade procura eliminar, para evitar
que os escravos se transformem num corpo autónomo, capaz de perturbar as
regras sociais. Não há, que se saiba, nenhuma revolta levada a cabo pelos escra-
vos africanos anterior ao século XV: a flexibilidade do sistema não o permitia.
Também o desempenho de funções políticas é possível no quadro da es-
cravatura. Em não poucos casos, os escravos podem alcançar o poder político
e em mais de uma história político-familiar se refere que a família exercendo
o poder descende de um antigo escravo. Mesmo que esta origem seja simples-
mente mítica, ela revela a vontade de integrar o escravo na estrutura hierárqui-
ca da sociedade.
Uma das situações conhecidas nesta região de que nos ocupamos é a da
utilização do escravo pelos chefes lundas, para assegurar a consolidação e a ho-
mogeneização do maior império da África central até aos finais do século XIX.
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própria estrutura religiosa exclui a escravatura permanente, a não ser nas si-
tuações castadas que, na quase totalidade dos casos, caracterizam sobretudo
as regiões onde se verifica uma forte presença islâmica. São por consequência
os defensores de uma certa ideia da religião, que são também os defensores de
uma certa ideia do capitalismo, que põem em movimento a máquina terrível
da escravatura e do tráfico negreiro.
O escravo-mercadoria é, por essa via, violentamente separado das sociedades
africanas. O seu valor não se mede em termos humanos, mas numa relação com
as mercadorias preferenciais, oferecidas pelos traficantes e procuradas pelas so-
ciedades africanas. A banalização do escravo-mercadoria, que serve sobretudo
as normas da economia-mundo inventadas pelo capitalismo originariamente
mediterrânico, altera de maneira radical as relações internas das sociedades afri-
canas. A relação mais flexível é substituída pela violência que caracteriza as rela-
ções com quantos podem ser qualificados como mercadoria potencial.
A eficácia do sistema árabe-europeu pode ser medida pela aceitação da
prática da produção de escravos. Se alguns Europeus, e muitos mestiços, não
hesitam em promover expedições destinadas a “produzir” escravos, deve di-
zer-se que a maior parte desta “mercadoria” é produzida pelas sociedades afri-
canas, que suscitam os intermediários que as transportam até aos lugares onde
se processa a sua comercialização, não hesitando em levá-los até à costa, onde
os termos de troca são mais favoráveis. A banalização desta relação comercial
opera-se em detrimento da coesão africana, permitindo por isso mesmo o au-
mento das formas hegemónicas europeias, em detrimento dos valores intrín-
secos das sociedades africanas.
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deste caracter diabólico, pois Deus marcou com pelos aquelas partes que o
homem deve cobrir.
Deve contudo notar-se que estes Africanos, estes pretos, não são antropó-
fagos. Não se regista a menor referência a este comportamento infraccional,
tal como são perfeitamente integráveis na vida normal dos Europeus. É Go-
mes Eanes de Zurara que nos diz que alguns destes escravos chegados a Portu-
gal se cristianizaram, tendo casado e tido descendência. Com quem casaram?
O texto é omisso, mas nada haveria de escandaloso se o casamento fosse com
Europeus, tanto mais que uma parte destes Africanos foram rapidamente in-
tegrados na vida doméstica portuguesa, não suscitando o menor escândalo, a
não ser pelo gosto pronunciado pelo vinho.
Os problemas particulares são simples: os Africanos manifestam uma cer-
ta dificuldade em dominar a língua portuguesa, mas, em contra-partida inte-
gram-se perfeitamente no plano musical, nanjá com instrumentos e ritmos
africanos, mas tocando música sacra, recorrendo a instrumentos europeus.
Também se revelam perfeitamente adaptados às actividades domésticas,
como mostram os documentos plásticos, assim como algumas peças de auto-
res clássicos portugueses, como é o caso de Gil Vicente, de António Ribeiro
Chiado e de Anrique de Mota.
Em qualquer destes autores se regista uma profunda integração dos escravos
africanos nas práticas culturais. Verificam-se até, certos juízos contraditórios. Gil
Vicente, em Frágua de amor, sublinha a impossibilidade africana de se adaptar à
sintaxe e à fonética portuguesas, embora não se verifique um desfasamento se-
mântico9. Ou seja, se o sentido da língua é bem entendido, tal não quer dizer que
a fonética seja escorreita, e durante séculos a tradição portuguesa porá sempre
em evidência as dificuldades africanas perante os rr, constantemente adoçados
em ll. A contradição aparece contudo nas informações provindas da correspon-
dência de Clenardo, a quem ofereceram dois escravos durante a sua estadia em
Lisboa, e que lhes ensinou latim para poder entender-se com eles10.
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Não parece possível considerar o eixo religioso como uma simples máscara
do projecto económico. Parece mais útil e mais eficaz pensar que - e já muito
antes das análises de Calvino - a religião cristã não pode ser separada da lógica
económica. Catequizar é por isso uma tarefa essencial, não só para expulsar
os “ídolos” em que acreditam os Africanos - frequentemente destruídos em
autos de fé, seja no Congo, seja na Senegâmbia -, mas sobretudo para agir de
tal maneira que a religião seja o motor fundamental das regras económicas.
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brio interno de embarcações carregadas com 300 a 500 escravos, que devem
ser alimentados, e mantidos em paz. A função policial que cabe aos diferentes
membros da população, impõe condições de recrutamento singulares, não
sendo de admirar que se registe a presença de tantos sádicos.
Estes marinheiros são pagos em cabeças (escravos), de acordo com uma ta-
bela decrescente, que reflecte a hierarquia socio-profissional existente a bordo
destas embarcações. Todavia, o que mais importa é constatar que o tráfico ne-
greiro envolve tudo e todas as coisas. Não se trata de uma actividade normal,
pois não se transportam animais, qualquer que seja a tentativa de animalizar
estes escravos. São seres que pensam, que chegam a bordo com a sua história
e as suas memórias. É em nome da sua experiência que procuram agir, esbar-
rando contra a violência das condições de captura e de transporte.
Quando desembarcarem, terão de fazer face às condições em que serão
vendidos, assim como à novidade da natureza, das relações sociais, e das con-
dições de trabalho. Falaremos mais adiante desta última estação da criação do
perfeito escravo, que corta os homens das suas origens, tal como lhes anula
esperanças e expectativas.
As condições dos barcos negreiros devem ser modificadas, como diz este
regulamento que intima os armadores a mudar as pontes que “devem ser soa-
lhadas de pau branco que lá têm (em África, como é evidente) para virem os
escravos bem guardados do frio e da chuva e suas camas feitas do dito tabuado
debaixo da coberta”. Delicada atenção da burocracia negreira! Simplesmente
estes cuidados não são destinados às pessoas, sendo apenas indispensáveis à
salvaguarda dos homens-mercadorias que devem irrigar o mecanismo da pro-
dução das Américas.
Estamos perante as exigências da racionalização, a qual tem sobretudo a
ver com custos, embora não possamos separá-la da necessidade por vezes pre-
mente de força de trabalho, uma vez que as agriculturas industriais criadas
pelo capitalismo, são enormes consumidoras da energia humana. Esta instru-
mentalização dos homens obrigou à criação de categorias, de modo a dispôr
de uma grelha permitindo classificar, dando imediatamente um valor e uma
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14 Sobre a questão da antropofagia africana fabricada pelos Europeus, ver HENRIQUES, Isabel Castro, (1999), 2004, pp. 225-246.
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19 “Um pequeno branco seco”, referindo-se naturalmente a um pequeno copo de vinho branco seco.
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por uma severa disciplina da produção ajudada pelas técnicas das queimadas
que já tinham sido usadas na Madeira.
O êxito da operação madeirense, que encontra confirmação na operação
açoreana, permite que os Portugueses e os seus associados estrangeiros, parti-
cularmente italianos, se lancem nesta operação. Para a levar a cabo, impunha-
-se uma vez mais a modificação da cobertura vegetal, assim como a eliminação
dos animais perigosos, das serpentes aos crocodilos. Os crocodilos desapare-
ceram para sempre, mas as serpentes deixaram ainda as duas variedades mor-
tais da cobra preta, com ou sem colar.
As operações do povoamento dos dois arquipélagos não podiam fazer-se
com Europeus, se bem que a corte portuguesa tivesse recrutado nas prisões
portuguesas os candidatos ao exílio recorrendo à técnica dos lançados. Não
podendo abordar a costa, os Portugueses lançavam ao mar estes condenados
que deviam alcançar a costa e instalar-se entre as populações africanas como
pontos de apoio dos Portugueses.
Nas ilhas verifica-se que os Portugueses se associaram, em condições que não
podemos esclarecer de maneira satisfatória, a Africanos livres. Se estes homens
não eram ricos, enriqueceram, graças as actividades organizadas pelos Portu-
gueses. Se produziam açúcar, serviam também de agentes do comércio na costa
africana, fornecendo escravos aos próprios chefes africanos. A articulação ilhas-
-Portugal-poderes africanos, era completada por outra, homens livres (Europeus e
Africanos)-poderes políticos africanos-banalização do comércio de escravos.
Quais as consequências? A primeira reside naturalmente na modificação
do próprio sistema ecológico. A introdução da cana de açúcar constitui um
passo importante, na medida em que se revelou naturalmente necessário en-
sinar os Africanos a cultivar esta planta desconhecida. A operação foi, como é
sabido, um êxito, o que transformou a ilha de São Tomé, assim como mais tar-
de o Príncipe em terra de produção do açúcar, com as vantagens económicas
decorrentes de semelhante operação.
O grande choque português registou-se no plano da gestão dos homens,
dos escravos. Importados da costa ocidental, contando possivelmente com al-
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20 BASTIDE, 1967.
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As “ Fronteiras da Escravatura ”
O mapa proposto por Joseph C. Miller permite dar conta dos diferentes
estratos históricos do tráfico negreiro, pondo em evidência as datas em que
começaram a funcionar as capturas e o comércio das diferentes regiões ango-
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lanas. Como não podia deixar de ser, estas integram também a costa do Loan-
go, onde o tráfico começa extremamente cedo, quer dizer a partir de 1520, tal
como se verifica na região, povoada por Bakongos, a nordeste de Luanda. O
segundo período estende-se de 1570 a 1620. A década que vai de 1620 a 1630
permite alargar a zona costeira do tráfico a Benguela e às regiões mais a sul ou
mais a leste. O período iniciado em 1680, que se caracteriza pela recuperação
do poder político português, seja em Portugal, seja também em Angola, em-
purra o tráfico cada vez mais para o interior, verificando-se o alargamento des-
tas fronteiras já no século XVIII, a partir de 1720. De resto, o século XVIII ca-
racteriza-se pelo recrutamento de escravos em novas regiões, o que aumenta
de maneira sensível a intervenção, directa ou indirecta dos negreiros, e permi-
te verificar que a distribuição da geografia política angolana se foi construindo
e soldando graças à intervenção do tráfico negreiro. O século XIX não podia
escapar a esta situação, mas este mapa permite verificar que certas zonas só
muito tardiamente entram neste quadro: já não servirão para reforçar o tráfico
negreiro, mas sublinham a importância da circulação dos escravos na estrutu-
ra social angolana. Naturalmente estas operações empurram as “fronteiras da
escravatura” para Leste, para o Norte e o Nordeste e para o Sul e o Sudeste de
Angola.
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Tal como Miller, nos últimos anos, os investigadores desta região africa-
na têm-se preocupado com a definição das fronteiras, não no estrito sentido
político, mas em função de conjunções ou de rupturas culturais e políticas
indispensáveis para podermos compreender a relação entre as sincronias e as
diacronias neste espaço histórico. Neste caso, pretendemos muito modesta-
mente salientar as modificações ocorridas, que não só permitem compreen-
der as linhas de penetração deste comércio, mas também as transformações
internas de cada um dos espaços considerados.
Podemos até afirmar que a operacionalidade desta noção é ainda mais vas-
ta: se ela permite compreender a evolução do tráfico interno dominado pelos
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mais particularmente pelos Portugueses - para impôr a sua autoridade aos res-
ponsáveis políticos africanos22
De resto, para conseguir a sua instalação na costa, as autoridades portu-
guesas não hesitam em recorrer à política de terra queimada, que lhes permite
recuperar centenas ou até milhares de escravos.
O melhor exemplo regista-se no primeiro quartel do século XVII, no go-
verno de João Correia de Sousa. Irritado pelo comportamento de alguns ha-
bitantes da Ensaca de Casanje, o governador mandou destruir as árvores e
as plantações, obrigando o rei a tentar atravessar o rio Bengo. Capturado, foi
decapitado a 15 de Maio de 1622.
O governador convocou então os macotas, tendalas, maculuntos - diferentes
membros da aristocracia e das chefias locais -, os quatro gingos (isto é, os her-
deiros do trono), assim como as morindas - quer dizer as populações das di-
ferentes aldeias - que mandou embarcar imediatamente em navios negreiros,
então em Luanda, indicando que deviam ser enviados para as minas de ouro
de São Vicente. É certo que esta operação foi apaixonadamente contestada
pelos Jesuítas, mas a verdade é que cerca de sete mil pessoas, transformadas
em escravos, foram assim transferidas para o Brasil.
Os Portugueses puderam, pois, aumentar a zona do recrutamento dos es-
cravos ao longo dos séculos, graças aos chefes africanos, como Ngola, Jinga,
Jaga de Cassanje e outros. Sem contudo terem sido capazes de submeter os
espaços políticos africanos como a Quissama e Cassanje. O alargamento das
fronteiras deve-se sobretudo aos Africanos, que aceitam as regras do comércio
negreiro, recebendo mercadorias preferenciais em troca dos homens.
Sabe-se, pelo menos a partir da expedição de Manuel Correia Leitão
(1756) que o impacto da procura portuguesa, ou europeia, se fez sentir no
interior, embora as autoridades e os comerciantes se tenham mostrado inca-
pazes de definir uma verdadeira geografia da escravatura. Com efeito, Correia
Leitão introduz no texto uma referência aos Moluas, que se aceita desde o
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século XIX designar como Lundas. Estes seriam obrigados a servir-se dos Im-
bangalas como agentes preferenciais.
Do ponto de vista da extensão e da banalização do comércio negreiro esta
informação é fundamental, pois revela a maneira como as sociedades africa-
nas procuraram utilizar em seu proveito as regras envenenadas e venenosas do
tráfico. De um ponto de vista meramente técnico, podemos contudo aceitar
estar perante a prova da eficácia dos sistemas africanos, que procuram recupe-
rar a iniciativa num campo comercial que lhes parece promissor.
Desde o início do século XVII o comércio negreiro permitiu que apareces-
se e se desenvolvesse o reino imbangala de Cassanje - outra Cassanje -, a cerca
de 300 quilómetros de Luanda. Grande produtor de escravos, ocupando uma
posição hegemónica numa vasta região da África Central, Cassanje impediu
até meados do século XIX a intervenção directa dos Portugueses ou dos seus
agentes, nas terras orientais, para além do rio Quango..
A historiografia tem hesitado muito na definição do primeiro encontro en-
tre o chefe de Cassanje e os Portugueses. Não parece que tal seja muito impor-
tante, pois o mais significativo reside na maneira como esta estrutura política
concentrou os Imbangalas, que pouco a pouco adquiriram força para impedir
a livre circulação dos Portugueses. O paradoxo reside no facto de alguns do-
cumentos afirmarem que nos primeiros anos de existência, o Jaga de Cassanje
mobilizou os Portugueses para se livrar dos ataques de que era alvo.
O pagamento durante alguns anos de uma daxa, quer dizer de um tributo
regular devido aos Portugueses confirmaria essa versão dos factos, que con-
tudo já não era pago no século XVIII, como informa Manuel Correia Leitão,
encarregado de proceder a uma operação de reconhecimento das instalações
de Cassanje e sobretudo de descrever o rio Quango e as suas margens. O resul-
tado desta expedição não é muito claro, pois confirma por um lado o poder do
Jaga de Cassanje, mas não consegue saber de maneira precisa qual o volume
das relações comerciais com as populações da margem direita do rio.
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23 Sobre esta questão, vêr HENRIQUES, Isabel Castro, 1998, pp. 205-206 e 251.
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Talvez o título deste curto capítulo seja demasiado restritivo, pois que os
espaços de contacto servem também as sociedades africanas: os mercados,
criação específica das sociedades africanas, servem não só para trocar mer-
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31 RANDLES,1968, p.213.
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africanos utilizados também como moeda de troca como é o caso dos panos de
raphia. A troca fazia-se sobretudo contra escravos e marfim, as produções africa-
nas preferidas pelos Portugueses até ao final do século XVIII, ambas sujeitas até
1834 e 1836, ao regime de monopólio da Coroa portuguesa.
As informações disponíveis relativas aos preços dos escravos são insufi-
cientes, parcelares e frequentemente confusas. Não é possível, no estado ac-
tual do conhecimento estabelecer quadros credíveis nem séries de valores
suficientemente estruturadas. Limitamo-nos, assim, a fornecer o quadro ela-
borado por Adriano Parreira que recorre sobretudo às fontes portuguesas do
século XVII32:
“ESCRAVOS - PREÇOS”
a) Em produtos africanos
b) Em produtos europeus
Mercadorias
b) 1 escravo peça de índia = 8 pintados ( tecido branco com flores ), Ma-
sanga-a-Kaita, 1629
a) 1 escravo = 6 bungo, Masanga-a-Kaita, 1629
a) 1 escravo = 1 banzo de fato ( fardo de mercadorias constituídas por rou-
pas ), 1612
b) 1 escravo = 1/6 de torno de caramelo, 1612
b) 1 escravo = 60 peças de oito em mercadorias, 1641
a) 1 escravo = 1 colar de aboco, 1645-70
a) 1 escravo = 3 kofu de nzimbu, 1645-70
b) 1 escravo = 1/2 almude de vinho, 1646
b) 1 escravo = 0,9 motete ( medida de comprimento; pode também desig-
nar um cesto feito de ramos de palmeira ) de pano, 1648
b) 1 escravo = 5-6 pés e 2 «ponce» de pano inglês
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Moedas Europeias
1 escravo moleque = 6 pistoles, Kongo, 1600-1
1 escravo = 21-22 000 rs, Luanda, 1610
1 escravo = 10 000 rs, Ndongo, 1610
1 escravo = 10 ducados, 1630
1 escravo peça de índia = 22 000 rs, Luanda, 1632
1 escravo peça de índia = 22 000 rs, Luanda, 1628
1 escravo = 22 000 rs = 165 florins, 1640
1 escravo = 40 florins, Angola, 1641
1 escravo = 55 florins, Angola, 1641
1 escravo moleque = 13,33 florins, Angola, 1641
1 escravo = 18 000 rs, Masangano, 1646
1 escravo = 25-30 000 rs, 1648
1 escravo peça da índia = 22 000 rs, Luanda, 1656
1 escravo barbado = 16-18 000 rs, Luanda, 1656
1 escravo velho = 14 000 rs, Luanda, 1656
1 escrava velha = 14 000 rs, Luanda, 1656
1 escravo molecão = 18-20 000 rs, Luanda, 1656
1 escrava molecona = 17-19 000 rs, Luanda,1656
1 escravo moleque = 12-16 000 rs, Luanda, 1656
1 escrava moleca = 14-6 000 rs, Luanda, 1656
1 escravo molequete = 12 rs, Luanda, 1656
1 escravo criança = 11 000 rs, Luanda, 1656
1 escravo = 22 000 rs, Luanda, 1661
1 escravo = 2 dobras de ouro, 1645-70
1 escravo moleque = 3 kofu de nzimbu, Kongo, 1645-70
1 escravo moleque = 6 pistoles, Kongo, 1680-1
1 escravo = 4 libras esterlinas, Kongo, 1700
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33 Ver o significado dos diferentes termos relativos aos escravos na pp. 36 e 37. Ver também PARREIRA, Dicionário Glossográfico e
Toponímico, 1990.
34 CARREIRA, 1983, p.85.
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35 VERGER, 1968.
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36 PÉLISSIER, 1977.
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41 MERCIER, 1966.
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Um documento holandês de 1643 sublinha o que lhe parece ser uma das
razões para qualificar os Portugueses como mais eficazes no negócio negreiro:
“além disso, acostumam já os negros na África à vida de escravos para que não
sintam no Novo Mundo o peso do cativeiro”. Este elogio parece perfeitamente
justificado, na medida em que sistema português começou por utilizar as ilhas
atlânticas - sobretudo Santiago de Cabo Verde e São Tomé - como depósito de
escravos, que daí eram remetidos para outros destinos, fosse na costa africana,
fosse na Europa, fosse ainda nas Américas e mais especialmente no Brasil.
A “produção” do escravo obriga, na maior parte dos casos, a alguma pru-
dência, pelo que se multiplicam as técnicas de contenção e de coerção. O
transporte dos escravos recorria ao sistema de caravana e controle, a muitas
técnicas de contenção, como as cordas, as forquilhas, as algemas e sobretudo
os famosos libambos. O termo é de origem angolana (kimbundo, lubambu, cor-
rente de ferro; kikongo, luvambu, corrente) e a sua produção, feita na Europa,
foi também assegurada pelos ferreiros de diferentes nações angolanas, em par-
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ticular na região de Bié, como refere Silva Porto, no século XIX42. Cada libam-
bo ou corrente de ferro prendia os escravos pela mão direita ou pelo pescoço,
uns após outros, com pouco espaço de intervalo, o que tornava a deslocação
extremamente difícil. As mulheres e os homens são presos em libambos sepa-
rados e as “crias”, as crianças que já podem andar marcham livres. Formam-se
assim “comboios” de escravos, cada um levando o seu “carapetal”, isto é, o saco
do farnel, como descreve Luís António de Oliveira Mendes, em 179343. Estas
viagens internas até ao litoral duram meses, os agentes do comércio abaste-
cendo-se nos presídios por onde passam. Mas a dureza destas condições de
viagem fragiliza os escravos: muitos deles chegam já sem forças, espancados
quando recusam andar, e doentes, aos portos do litoral, onde, geralmente, se
mantêm presos pelos libambos até serem vendidos aos comerciantes das gran-
des casas comerciais do litoral. É evidente que os traficantes preferiam que os
escravos aceitassem desde logo a sua nova condição sem protestos evitando a
violência, mas a verdade é que os valores envolvidos na operação aconselha-
vam a prudência.
O homem ainda há pouco livre, acentua a sua nova condição de escravo à
medida que vai sendo afastado da sua região de origem, isto é, da sua condição
nacional, o que elimina as relações de parentesco, nas quais estava integrado
e que determinavam a sua vida. O escravo é pois aquele que é rápida e bru-
talmente afastado da sua nação, da sua ecologia, dos seus espíritos e sobre-
tudo do seu parentesco. Esta nova condição aprende-se todos os dias, sendo
o escravo obrigado, sob pena de morte, a aprender as novas regras, as novas
línguas e até as novas religiões. Ao longo do percurso, do interior até à costa,
o escravo é por vezes armazenado temporariamente nos presídios. Na primei-
ra fase da sua instalação em África, e esta prática manteve-se durante muito
tempo, os negreiros portugueses depositavam nas ilhas atlânticas os escravos,
onde ficavam instalados durante largos meses e até anos. Se estas operações
contribuíram poderosamente para a africanização das ilhas, criaram uma si-
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tuação nova de homens em trânsito, que a partir dos primeiros anos do século
XVI serão preferencialmente exportados para as Américas e, no caso portu-
guês, para o Brasil.
Esta operação era essencial: os escravos tomavam contacto com a língua
portuguesa, eram vestidos com as roupas portuguesas ou europeias, sendo al-
gumas vezes obrigados a praticar actividades completamente desconhecidas
ou que não lhes competiam nas sociedades de origem: é o caso da agricultura,
por exemplo, actividade essencialmente feminina.
Tal é o sentido desta operação, que ensina ao homem livre a sua condição
de homem-mercadoria, ou homem-objecto, situação que não ocorre sem re-
voltas. Se bem que alguns estudos queiram insistir na importância da resistên-
cia, quer activa quer passiva, a verdade é que os Africanos procuraram sobre-
tudo sobreviver e inventar, sempre que tal lhes foi possível, formas culturais e
até políticas próprias. As línguas crioulas, que os filólogos alemães do século
XIX, consideraram formas degeneradas das línguas europeias, são invenções
destinadas a assegurar a autonomia linguística de populações obrigadas a re-
nunciar à língua materna.
Quer dizer que não há praticamente nunca uma aceitação global dos valo-
res do colonizador: os escravos não são uma casca vazia, à qual se pode impor
o que o proprietário mais deseja. Podemos até dizer que essa denúncia, esse
combate contra os valores da escravatura, continua como mostram os protes-
tos dos Norte-Americanos ou dos Brasileiros contra as condições que lhes são
impostas por sociedades que exaltam apenas os valores mais brancos que pos-
suem. É nessas condições, e dentro desses limites, que podemos compreender
a importância da aprendizagem.
É certo estarmos perante uma situação ambígua: o escravo que aprende,
sobrevive, mas a sua sobrevivência implica uma alteração das suas próprias
regras. Não podemos contudo duvidar que a tarefa essencial seja a de sobre-
vivência, única via para a recomposição das células africanas dilaceradas pela
violência do tráfico, e depois pela redução permanente, vitalícia, à condição
de escravo. Para os proprietários, a aprendizagem é uma condição indispensá-
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vel, e ela foi completada pela integração dos escravos em actividades normais
de produção: como, por exemplo, a integração nas tripulações dos barcos,
incluindo nos negreiros. Como nas sociedades mediterrânicas, os senhores
recorrem às especializações dos escravos, mas não hesitam em lhes ensinar
novas profissões.
Se no interior, o armazenamento dos escravos se fazia nas fortalezas e/ou
nos presídios que dispunham de espaços fechados para o efeito, nas cidades
do litoral onde os escravos eram vendidos e aguardavam o embarque, a logísti-
ca do escravo apresentava diversas modalidades: pátios abertos de altos muros
e com ou sem telheiros para se abrigarem, espaços fechados - armazéns térreos
sem quaisquer condições -, escravos em aparente liberdade aprendendo a ser
escravo do senhor branco. As rações alimentares continuavam a ser escassas,
permaneciam sem vestuário e iam “em pelotões, a que chamam lotes, lavar-se
ao mar”44 .
São ainda hoje conhecidos os “quintalões” de Benguela, quer dizer espaços
fechados, atinentes à casa do comerciante ou do exportador, no qual eram
concentrados os escravos destinados à exportação. As zonas costeiras multi-
plicaram por isso os mercados - que em alguns casos são as “feiras” -, assim
como as forças militares que deviam proteger os comerciantes e impedir a vio-
lência sempre possível, sempre receada, dos escravos.
Estes quintalões e instalações aparentadas servem para treinar os escravos:
habituação à condição de agrilhoado, pois muitos destes homens, ainda ontem
livres e até chefes, viviam muito mal a situação de dependência. Pode contudo
afirmar-se que as técnicas de domesticação dos Europeus conseguiram impor-
-se, permitindo a exportação contínua de centenas de milhar de homens, que
foram trabalhar e produzir - e reproduzir-se - sobretudo nas Américas. Não
conhecemos todas as técnicas utilizadas, que não devem ter posto de lado a
violência, como se vê nos instrumentos de contenção e de tortura banalizados
tanto nos Estados Unidos como no Brasil.
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Este documento datado de Abril de 1738, publicado por Miller, de que re-
produzimos aqui a primeira de quatro páginas que o compõem e que transcre-
vemos integralmente, procede ao inventário dos escravos enviados de Benguela
para Luanda. Trata-se dos “quintos devidos a Vossa Majestade”, isto é, de um
escravo em cada cinco, que cabiam ao Rei, em consequência da “guerra feita” aos
chefes africanos da região de Benguela e do presídio de Caconda. Este primei-
ro elemento salienta a importância das operações militares organizadas pelos
Portugueses, assim como a parte que cabe sempre à Coroa, e que o documento
avalia segundo as cotações do mercado exportador. O inventário leva em conta
as classes de idade, assim como as condições físicas dos escravos: repare-se no
número de crianças agonizantes, que não possuem o menor valor comercial.50
50 MILLER, 1988, p.II. Documento de 29 de Abril de 1738, A.H.U., ANGOLA, CX. 30.
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NEGROS
Sunba 4$000
Cabeto 20$000
Camumo 6$000
Caputto mulequinho 1$000
Caita 25$000
Quitte 5$000
com uma bebida (2)
Quipallaca 6$000
no olho direito
67$000
Sunba 5$000
Mle. pelo da terra (1)
Bindando 4$000
Cangullo mulequinho (3) $500
Gallo 4$000
Cahiuca 6$000
86$500
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MULECONAS (5)
Quepigi 16$000
Calhoca $000
Quicoco 6$000
Zumba 12$000
Matunbo 8$000
Catunbo 14$000
Ussoa 5$000
Catunbo 10$000
Cayeco 9$000
Quicunbo 12$000
Ussoa 3$000
Mª pelo da terra (1) 224$500
Catua 3$000
Iaballa 3$000
Catumbo 9$000
Candunbo 5$000
Ussôa 6$000
Ussôa 12$000
263$000
NEGRAS E CRIAS
com cria por nome Cambia e mostra
Mama 6$000
estar morrendo
Bissoa com cria por nome Bivalla de pé (6) 8$000
sem cria por estar já avaliada no título
Mª pelo da terra (1) Camia 3$000
dos machos com o nome de Cangullo
Biabo com cria Catunba 7$000
com cria Caceyo, mostra esta cria estar
Banba 4$000
morrendo
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Uma cria a quem se não saber o nome pelo não dizer por estar morrendo,
e um macho sem valor.
E uma mulequinha Callenbo sem valor por estar morrendo.
E uma mulequinha Catunbe sem valor por estar morrendo.
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* Assinaturas ilegíveis.
51 Notas do documento:
1) Esta expressão “ Mle. pelo da terra ” (masculino) e “ Mª pelo da terra ” (feminino) significa “Moleque ou Muleque ou Moleca
ou Muleca (escravo ou escrava) proveniente da terra ”, isto é, do território de um chefe (soba) ao qual pertencia o indivíduo escra-
vizado. Sendo assim, o nome referido é o do Soba e não do escravo ou escrava, excepto no que se refere às crias que acompanham
sempre as mães.O termo moleque e seus derivados, que fazia parte do vocabulário normal da colonização, reflecte a importância da
participação africana nas operações do tráfico. Escravizar diz-se em quimbundo kubangesa muleke (António da Silva Maia, Lições
de gramática quimbundo, e.a., Cucujães, 1964 (2ª edição). Nas formas modernas, em bundu e em kikongo, moleké significa rapaz
e moleka rapariga (Solano Constâncio, Dicionário, Paris, 1852). O termo, salienta o dicionarista “ foi introduzido no Brasil pelos
negros ” e aparece também como sinónimo de “negrinho”. A complexidade das relações criadas pela escravatura e pelo tráfico
negreiro não podiam deixar de aparecer na complexa trama linguística onde se associam o português e as línguas africanas.
2) Belida é uma mancha branca que se forma na córnea do olho e turva a vista; névoa (Dicionário de Moraes, 10ª edição).
3) Mulequinho/a ou molequinho/a designação dadas às crianças-escravas dos 4 aos 8 anos.
4) Barbado: designação destinada a classificar o escravo. Segundo Parreira (1990) “O escravo barbado tinha menos valor do que
o escravo classificado “Peça de Índia”, e mais valor do que um escravo classificado de moleque ”. Para Parreira (1990) trata-se de
“um adolescente com barba bem formada ... já homem”.
5) Mulecona ou Molecona, mulecão ou molecão, designa as/os escravas/os entre os 8 e os 15 anos de idade (Parreira,1990)
6) Cria de pé, criança que anda, geralmente até 4 palmos de altura (4 anos aproximadamente).
7) Cabeça, termo genérico - tal como peça - para designar todos os escravos com mais de 4 palmos.
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Autores Estimativas
E. D. Dunbar (1861) 13 887 500
O. Martins (1880) 20 000 000
W.E.B du Bois (1915) 15 000 000
R.R. Kuczynski (1936) 14 650 000
N. Deer (1949) 111 970000
Ph.D. Curtin (1969) 9 566 100
J.J Ajayi e J.E. Inikori (1978) 15 400 000
Lovejoy (1983) 11 698 000
C. Coquery-Vidrovitch (1985) 11 698 000
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Pode pensar-se que estes números pecam por defeito, mas fornecem já
uma indicação significativa, a que devemos acrescentar o número dos escravos
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56 MILLER,1988, p.233.
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R. Wätjen avança a hipótese de, entre 1807 e 1947, se ter verificado a trans-
ferência de mais de cinco milhões de Africanos para as Américas: a parte an-
golana seria de 300 000 pessoas.
Recorremos mais uma vez ao trabalho do demógrafo canadiano José C.
Curto, por ser, no que se refere ao tráfico negreiro angolano, aquele que nos
permite concentrar a totalidade de informação disponível, sem nos esconder
as vastas zonas de incerteza que ainda dominam esta zona da história. José
Curto procura, nos quadros que se seguem, sintetizar o conhecimento relati-
vo às exportações de Benguela durante cerca de 50 anos - 1730-1828 -, apre-
sentando em 2 séries os números propostos pelos diferentes autores que têm
trabalhado a questão 58.
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socio-política do continente. Ora uma parte destes bens não permite as mu-
danças técnicas indispensáveis, salvo no caso das armas de fogo. Mas não estão
os Africanos dependentes da pólvora que não produzem? Os becos-sem-saída
multiplicam-se à medida que os Europeus e os Americanos só desejam es-
cravos. E, no caso angolano este desejo nunca chegou a extinguir-se: quando
acabou a exportação, registou-se a agravação da exploração dessa mesma força
de trabalho pela via do trabalho compelido.
Escrevendo nos anos finais do século XVIII, um antigo escravo, que fora
comprado em Caiena (na Colômbia actual), liberto e educado em Londres
pelo seu antigo patrão, descreve com horror o momento em que fora captu-
rado na costa, possívelmente da Nigéria actual: “ pensei que ia ser comido “.
Ou seja, os brancos eram antropófagos e os escravos embarcados nas costas
africanas estavam condenados a ser comidos.
Trata-se, como se pode verificar, da réplica à banalização da antropofa-
gia africana a que iam procedendo os Europeus. Face a face, os dois grupos
descobrem a mesma prática antropofágica. Correndo embora o risco de ser
anacrónica, encontramos a confirmação desta ideia nas práticas culturais das
regiões do nordeste angolano, pois os operários que trabalhavam nas minas
da Companhia de Diamantes de Angola explicavam a força das máquinas pela
integração da força vital africana.
Esta maneira de ler as relações entre os dois grupos sublinha a violência da
escravatura europeia e do tráfico negreiro, pois os homens e as mulheres assim
envolvidos renunciam a qualquer esperança, aceitando a condição de simples
alimento dos apetites europeus. Trata-se, certamente, da situação mais violen-
ta, na medida em que os Africanos remetidos para a Europa ou para as Améri-
cas não regressam, tal como não dão notícias.
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Pode afirmar-se sem o menor rebuço que estas medidas são tomadas para
“inglês ver”, embora se pudesse esperar que os escravos viessem a ser benefi-
ciados, mas duvidamos que tal tenha acontecido. Os dois problemas centrais,
o do espaço e das condições de instalação a bordo, e da qualidade e quantida-
de de géneros e mantimentos que se transportavam, voltam a ser reconsidera-
dos, embora com parquíssima influência na prática negreira legal, e nenhuma,
como é evidente, na prática negreira clandestina. Os Europeus e Americanos
que se opunham à continuação do tráfico negreiro não deixaram escapar esta
oportunidade para fazer dos Portugueses o paradigma dos negreiros intonsos
e brutais, constantemente descritos por Livingstone, que os transformou em
praga daninha da África.
O que se pode dizer é que não houve negreiros bem-intencionados, tal
como seria absurdo esperar encontrar humanistas entre eles, pelo que os Por-
tugueses não são melhores do que os Franceses, ou os Ingleses. Trata-se de
um espécie de comerciantes que se coloca à margem da humanidade e que
adquire, defende e pratica o que lhe parece conveniente para tornar rendível
o capital investido.
Não o duvidemos, pois que a ideologia das sociedades esclavagistas afir-
ma constantemente o carácter animal, selvagem e enselvajador do escravo.
Animalizados, os escravos são expulsos do espaço dos homens, para serem
reduzidos à mais extrema animalidade. O paradoxo reside no facto de que,
apesar desta animalização, os escravos pensam, podendo organizar estratégias
destinadas a recuperar a liberdade e a liquidar os proprietários.
Devemos, pois, encarar o tráfico negreiro como uma operação cruel, im-
posta pelas regras da economia-mundo, mas que resultou: milhões de Africa-
nos foram transferidos sobretudo para as Américas, tendo assegurado a mo-
dificação da natureza americana, e contribuindo para o enriquecimento dos
capitalistas europeus, e dos capitalistas e das populações americanas.
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Alguns destes escravos pertenciam de resto à categoria dos mulatos, grupo que
perturbou constantemente a organização normal da sociedade brasileira62.
A situação divergia, neste caso, entre o comportamento dos proprietários
e da sociedade norte-americana e a sociedade brasileira: os norte-americanos,
embora tivessem criado uma grelha que permite classificar os escravos con-
forme a parte de sangue branco de que são portadores, nunca lhes reservaram
um tratamento particular. Já tal não é o caso no Brasil, onde o sangue branco
permite intervenções mais radicais na sociedade, frequentemente apoiadas
pelos mais brancos.
Por essas razões, parece difícil falar de uma situação constantemente sin-
crónica, na medida em que a sedimentação das sociedades americanas exige
o recurso à diacronia, única maneira de compreender as diferentes condições
em que se verificam o recrutamento e depois a integração no quadro escravo-
crata. A diferença que se regista entre o negro boçal e o negro ladino constitui
uma das chaves do comportamento dos dois grupos, pois é considerado bo-
çal, e tratado como tal, o escravo que, fiel ao seu treino social, linguístico e re-
ligioso, se mostra incapaz de entender as regras da sociedade escravocrata. É o
exacto inverso do ladino, escravo que, seja pela inteligência, seja pelo treino, se
mostra capaz de assegurar a gestão das relações com a sociedade esclavagista.
A esta primeira forma de criar uma hierarquia de escravos deve acrescen-
tar-se uma outra que tem a ver com a origem étnica - e as correspondentes
capacidades de trabalho - dos homens escravizados, logo que os Europeus
aprenderam, mesmo se grosseiramente, a identificar os diferentes grupos. No
princípio do século XVIII, Antonil dá conta desta preocupação: “É necessário
comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias e
barcas. É porque comummente são de nações diversas e uns mais boçais que
outros e de forças muito diferentes, se há-de fazer a repartição com reparo e
escolha e não às cegas. Os que vêm para o Brasil são Ardas, Minas, Congos, de
S. Tomé, de Angola, de Cabo Verde e alguns de Moçambique... os de Angola,
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Existe todavia um paradoxo, que não será possível deixar de lado, na medi-
da em que a violência dos comportamentos africanos a que replica violência
dos proprietários - castigos, torturas e morte -, não impediu a integração da
maior parte dos escravos. A primeira fase da integração é física: os escravos
são integrados num sistema ecológico inédito, que implica regras de trabalho
e práticas alimentares que também não eram conhecidas. A mudança é total:
na língua, na religião, na sexualidade, no palato.
As formas de protesto são naturalmente múltiplas, pois podem ser discre-
tas e domésticas, ou, ao invés, públicas e estrepitosas. A “guerra” doméstica
existiu sempre, opondo os patrões aos dependentes, e a “guerra” íntima entre
patrões e criados já mobilizou reflexões de escritores como as de Swift ou
de Genet. O que não impede que não se registe uma habituação: os patrões
aprendem a conviver com as agressões dos empregados, mesmo quando os
castigam, ao passo que os criados têm tudo a ganhar em aprender os hábitos
dos patrões, para evitar os actos violentos.
Nos últimos anos a sociedade brasileira, e sobretudo os Afro-Brasileiros
e em geral os Afro-Americanos, preferem interessar-se pelas situações confli-
tuais mais barulhentas. No caso brasileiro, trata-se de proceder ao inventário
dos diferentes quilombos organizados pelos escravos que abandonam as plan-
tações ou as casas dos senhores.
O que caracteriza a multiplicação dos quilombos, não escapa ao campo pa-
radoxal que tínhamos definido: os escravos não aceitam de boa mente o ensel-
vajamento a que os condena a escravidão, razão pela qual preferem instalar-se
no mato, criando as comunidades auto-geridas – das quais a mais célebre é o
Quilombo de Palmares - que caracterizavam quase todas as sociedades africa-
nas, e mais particularmente as angolanas, arrastadas pelo precipício do tráfico.
Já tínhamos encontrado, nos primórdios da instalação da sociedade san-
tomense, uma situação idêntica, que permitira a africanização progressiva do
arquipélago65. Repete-se o esquema, tendo como resultado a ocupação do
65 Sobre esta questão ver HENRIQUES, Isabel Castro, 2000, pp. 110-116.
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66 Vêr a obra seiscentista de Gregório de Matos, que criticou fortemente, nos seus poemas satíricos, a sociedade baiana da época.
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dos Portugueses - quer dizer dos Brasileiros - com os não - Europeus e em par-
ticular com os Africanos mas sobretudo o carácter indispensável da presença
dos Afro-brasileiros na estrutura social do Brasil68 .
A reacção dos Estados Unidos é bastante diferente, hesitando entre a de-
volução dos Africanos à África, ou a criação de um estado autónomo, onde
fossem concentrados os Afro-americanos. Os próprios Afro-americanos en-
cararam essa hipótese, não só por via do movimento pan-africanista69, mas
sobretudo através do movimento Come back Africa, animado por Marcus Gar-
vey70. Os sistemas ideológicos separam-se radicalmente, embora os Afro-bra-
sileiros tenham transformado o desejo do regresso em práticas pontuais como
o mostram as colónias de Afro-brasileiros na costa nigeriana.
Para explicar tais reacções, poder-se-ia recorrer ao síndroma de Fanon, mas
pretendemos, para uma explicação mais sintética, sublinhar a que ponto as
sociedades escravocratas continuam a contas com a sua má consciência, que
contribui para a violência das exclusões sociais.
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1830, regularizar a arqueação dos navios negreiros, o que não pode deixar de
ter incidências sobre o número de escravos transportados, aumentando a co-
modidade de todos.
Uma decisão de 26 de Janeiro de 1818 confirma o que se pensava a respeito
das trágicas condições de transporte dos escravos, pois os armadores são au-
torizados a contratar pretos-sangradores, sempre que fosse impossível encon-
trar um cirurgião. É difícil conceber uma concentração de 500 a 600 pessoas
sem assistência médica competente, mas tal era o que se passava nos navios
negreiros, que também não parece terem disposto de remédios em quantida-
de e qualidade suficientes.
A conferência de Viena de 1815, que, após Waterloo, procedeu à divisão
das tarefas internacionais pelas grandes potências, reforça a necessidade de
proceder à liquidação do comércio negreiro, agravando mais a situação dos
comerciantes de língua portuguesa.
Pode contudo afirmar-se, e será esse um dos elementos dramáticos da rela-
ção entre Portugueses e Brasileiros, que o tráfico negreiro mantém assaz liga-
das as duas colónias. É certo que tal não impede que os Brasileiros reforcem
o seu sentimento nacional, inclusivamente devido à independência do Haiti,
em 1805, que altera de maneira sensível a distribuição do poder político na
região das Caraíbas, com forte influência nas colónias espanholas.
Não se pode certamente atribuir o descontentamento do Paraíba do Sul a
esta independência, mas em 1816 verificam-se incidentes diversos que são o
sinal da revolução de 6 de Março de 1817. Esta operação nativista e necessaria-
mente anti-portuguesa, provoca reacções angolanas, onde alguns armadores
não hesitam em prestar ajuda às forças de repressão, enquanto o governador
ordena o sequestro das embarcações e das mercadorias chegadas a Luanda,
provenientes de Pernambuco.
A situação política encaminha-se para o agravamento dos conflitos, mas
nem Angola nem o Brasil se tinham preparado para a ruptura do comércio
negreiro. De resto, a proclamação da independência, a 7 de Setembro de 1822,
provoca uma dupla reacção: em 1823 o governador Avelino Dias quis proibir
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Vamos ver mais adiante que, na verdade, o aparelho colonial português não
pode pôr termo à sua nostalgia da escravatura. O relatório elaborado por An-
tónio Ennes e mais alguns ilustres colonialistas portugueses concluía ser abso-
lutamente indispensável não só utilizar o trabalho dos Africanos, mas torná-lo
obrigatório. Ennes, que fora o genial organizador das operações militares portu-
guesas de 1895, cuja glória foi atribuída a Mouzinho de Albuquerque, fora con-
vidado a reconsiderar as questões decorrentes do fim das campanhas, em 1897.
Tendo retomado serviço, eis que elabora o famoso Relatório da Comissão en-
carregada de estudar o problema do trabalho dos indígenas, tendo como objectivo
essencial obrigá-los a um “trabalho regular”, não devendo hesitar perante a neces-
sidade das “imposições”. A filosofia de António Ennes e dos seus colegas é simples
mas brutal: o dever dos “naturais” consiste em não se recusarem ao trabalho71.
Estamos, nesse ano final do século XIX, perante uma situação que con-
traria tanto as leis como os regulamentos liberais que, aos tropeções embora,
aceitavam a validade dos princípios do marquês de Sá da Bandeira. Tal não é
contudo o caso neste ano da graça de 1899, que, recuperando a legislação de
Luís Napoleão Bonaparte (decreto de 13 de Fevereiro de 1852 ), decide tor-
nar obrigatório o trabalho nas províncias de indigenato.
Esta decisão enraíza directamente na longa tradição escravocrata e na con-
vicção de que, não dispondo de um fluxo emigratório branco significativo,
nem de capitais para adquirir máquinas, “só o negro pode fertilizar a África
adusta”72. Está assim aberta a porta ao trabalho obrigatório, seja qual for a ma-
neira como ele for designado nos documentos oficiais. Ou seja, a escravatura
nunca chegou realmente a ser extinta nas antigas colónias portuguesas.
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73 A violência das críticas inglesas baseadas em provas e a ameaça britânica de boicotar nos mercados internacionais o excelente
cacau produzido no arquipélago de São Tomé e Príncipe, constituiram um "travão de fachada" às práticas portuguesas, ao mesmo
tempo que avivaram a velha ferida que sempre caracterizou o processo colonial português: o recurso constante aos escravos
africanos, como trabalhadores e como mercadoria.
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rias das plantações, enquanto, do lado dos Africanos, havia apenas que cuidar
da protecção. Protecção contra quem, senão contra esses mesmos proprietá-
rios que o governo português pretende e consegue defender? O que vem a ser
esta defesa, a não ser um autêntico, constante e rude ataque contra os valores
humanos? É certo que esta armadilha dos conceitos e da semântica não fun-
ciona apenas no caso de Silva Cunha. Analisando a situação, Francisco Tenrei-
ro também se deixa arrastar pela armadilha patriótica: “revisto o assunto com
a serenidade que o tempo confere aos estudiosos imparciais, sem dúvida que
nem as condições de trabalho nem o processo de recrutamento de pessoal em
Angola eram humanamente aceitáveis. Mas não se pode deixar de reconhe-
cer que, sob os justos sentimentos humanistas da opinião pública inglesa, se
escondia o interesse dos chocolateiros de, pelo aviltamento do cacau de São
Tomé, promoverem o desenvolvimento das plantações dos nativos da Costa
do Ouro, que, do ponto de vista comercial, se encontravam nas suas mãos”77.
A simples consulta das medidas legislativas permite compreender a pre-
cipitação das autoridades portuguesas, face a uma terrível operação de des-
crédito que, ainda por cima, se apoiava em testemunhos. Quem, de resto, em
Portugal, e nos meios “africanistas ”, podia ignorar a violência dos tratamentos
reservados aos trabalhadores africanos, e até aos Brancos, recrutados, por via
de regra, entre camponeses sem a menor cultura?
No caso angolano, as medidas dos roceiros e das autoridades vão mais lon-
ge: renuncia-se pura e simplesmente, durante alguns anos, ao recrutamento de
trabalhadores em Angola, deslocando para isso o eixo da contratação: entre
1908 e 1915, o arquipélago importa cerca de 30000 trabalhadores moçambi-
canos. É possível que esta operação fosse também provocada por razões finan-
ceiras, pois em 1908, o preço de um escravo adulto era, em Benguela, de 16
libras esterlinas. Ou seja, a compra de 30000 trabalhadores representaria nada
menos de 480000 libras, o que seria uma soma astronómica, que as finanças
santomenses poderiam suportar, é certo, mas amputando severamente os re-
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sultados financeiros.
O Relatório de António Ennes, de 1899, que permitira a publicação do
decreto regulador de 9 de Novembro desse mesmo ano (proprietários e ad-
ministradores estavam todos à espera de uma decisão desta qualidade e in-
tenção), autoriza, enfim, o mais legalmente do mundo, a recorrer ao trabalho
obrigatório. Todas as medidas tomadas pelas autoridades portuguesas serão,
no futuro, inspiradas por este Relatório e pelo decreto de Novembro de 1899.
Os acertos que foram feitos no futuro - que é já o nosso passado - não des-
mentiram, nem na Monarquia, nem na República, nem no Estado Novo, a
estrutura da reflexão e das conclusões de António Ennes, que é certamente a
figura mais singular do domínio colonial português78.
Lembremos simplesmente que, após a proclamação da República, foi pu-
blicado a 27 de Maio de 1911, um decreto que mantem, com leves modifica-
ções, os 66 artigos do decreto de 1899. Em 1914, é publicado o decreto nº 95,
de 4 de Outubro, consagrado ao Regulamento Geral do Trabalho dos Indígenas
nas Colónias Portuguesas, ao passo que a Ditadura Militar, que confiara o Mi-
nistério das Colónias a um agente conhecido dos interesses de Moçambique,
o comandante João Belo, começa por publicar, a 23 de Outubro de 1926, o Es-
tatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique. O Código
do Trabalho Indígena só será publicado em 1928.
É este Código que, sem o menor rebuço, utiliza nada menos de três
maneiras de dizer a mesma coisa: trabalho obrigatório, trabalho forçado e
trabalho compelido são considerados como simples sinónimos. Nada podia
dizer melhor as coisas do que esta falta de cuidado sintáxico, tanto mais que
este Código abre caminho para uma situação de escravatura talvez mais vio-
lenta, que é a das “culturas obrigatórias”, que se revelaram extremamente duras
para as populações no caso do algodão, seja em Angola, seja em Moçambique.
O despertar da consciência nacional levou os nacionalistas a denunciar as
formas grosseiras de escravatura utilizadas pelos Portugueses. A emigração
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para São Tomé e Príncipe, emigração forçada, que fora já denunciada pelos
intelectuais cabo-verdianos de A Voz de Cabo Verde, fornecem um poderoso
alimento político à “geração de 1958”, a geração do Suplemento Cultural. To-
davia, esta mesma emigração foi asperamente denunciada pelos Angolanos,
que, por outro lado, se empenhavam em pôr a nu a situação dos serviçais ou
contratados, fornecidos aos empresários portugueses pelos funcionários tam-
bém portugueses.
O Império estava pois apoiado na escravatura, como se verificava também
em Moçambique onde os trabalhadores moçambicanos exportados para as
regiões anglófonas, eram pagos em ouro pelos cofres da África do Sul, ouro
que revertia a favor do Estado colonial português. Tal era a vertente moçambi-
cana desta operação, cuja brutalidade não contradiz as muitas situações de do-
minação angolana. Se o país sofre ainda hoje, uma das razões deste sofrimento
deve ser atribuída à violência da escravatura, que deixou cicatrizes indeléveis
na consciência nacional do país.
CONCLUSÃO
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Isabel Castro Henriques
letal deste sistema, que interessa apenas à obtenção de juros elevados para os
capitais empregados, sublinha a extrema violência da escravatura, que procu-
rou proceder à desumanização dos homens.
Como demonstrou Memmi, a alienação do Outro não pode fazer-se sem
a alienação paralela do Mesmo. O que não nos deve levar contudo a ocultar a
violência de que é vítima o escravo. Mutilado físicamente, não pode ele deixar
de o ser também psíquicamente. Não posso deixar de me lembrar da senhora
Maria, uma velha “escrava”, tal como ela própria se definia, que encontrei na
minha infância numa das residências rurais de uma família portuguesa. Dizia,
nas suas muitas estórias contadas, ser de origem angolana e ter sido vendida
em criança, como escrava, para São Tomé, provavelmente acompanhando a
mãe levada como serviçal. Bem tratada em Portugal? Certamente, como “cria-
da de servir”.... Mas definitivamente amputada do território, de parentes, de
memória que não fosse a do seu estado de “antiga escrava”.
É esta situação que continua a incomodar todos: os Euro-Americanos por
terem inventado e alimentado o tráfico negreiro atlântico, os Africanos por
não terem sido capazes de uma oposição mais firme, mais contínua e mais efi-
caz. As marcas profundas da violência esclavagista, longa, tenaz, continuada,
permanece nos imaginários, contribuindo também para dificultar a pacifica-
ção das sociedades que viveram este fenómeno histórico, que hoje, sob outras
fisionomias, persegue a Humanidade.
Lisboa, Setembro de 1996
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IDEOLOGIAS E PRÁTICAS DA
ESCRAVATURA NO ESPAÇO
PORTUGUÊS
(SÉCULOS XV-XIX)
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rece já nos começos do século XI, como salienta Régine Pernoud1. A estrutura
social estava ideologicamente preparada para criar e integrar escravos.
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5 Esta afirmação é hoje historicamente incorrecta. Uma investigação que desenvolvi em 2008, permitiu-me revelar uma outra rea-
lidade: a existência do Bairro do Mocambo, bairro de africanos, sobretudo livres e forros, situado na zona ocidental de Lisboa,
onde hoje se localiza a Madragoa, registado como o 2º bairro da capital por alvará régio datado de 1593. Ver Isabel Castro Henri-
ques, A Herança Africana em Portugal, Lisboa, CTT, 2009, pp.47-65.
6 Ver os estudos de SAUNDERS, A.C. de C.M., História social dos escravos e dos libertos negros em Portugal (1441-1555), Lisboa,
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994; TINHORÃO, José Ramos, Os negros em Portugal, Lisboa, Caminho, 1988; e FONSE-
CA, Jorge, Escravos no sul de Portugal, séculos XVI-XVIII, Lisboa, Vulgata, 2002. Ver também, com prudência, dada alguma falta de
rigor metodológico, o catálogo da exposição O Negro em Portugal, Lisboa, CNCDP, 2001.
7 VICENTE, Gil, “Frágua de Amor”, in Copilaçam de todalas obras, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1983, vol. II.
8 CLENARDO, in Roersch ed., Correspondance de Nicolas Clenard, Bruxelas, 3 vol., 1940-1941. Ver também Cerejeira, Manuel
Gonçalves, O renascimento em Portugal, vol. I, Clenardo e a sociedade portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1974.
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9 HENRIQUES, Isabel Castro, São Tomé e Príncipe. A invenção de uma sociedade, Lisboa, Vega, 2000.
10 LAS CASAS, Bartolomé de, Brevísima Relatión de la Destrucción de las Indias, (1542), Edição de I. Perez Fernández, Madrid,
Editorial Tecnos, 1992.
11 BASTIDE, Roger, “Lusotropicology, race, nationalism, and class protest and development in Brazil and portuguese Africa”, in
Protest and Resistance in Angola and Brazil. Comparative Studies, Ronald H. Chilcote, ed., Berkeley, University of California Press,
1972.
Ver MARGARIDO, Alfredo, “La vision de l’Autre (Africain et Indien d’Amérique) dans la Rennaissance portugaise”, Paris,
Centre Culturel Gulbenkian, 1984.
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12 Ver STADEN, Hans, Nus, féroces et anthropophages (1557), Paris, A. M. Métaillé, 1979.
13 HENRIQUES, Isabel Castro, “A invenção da antropofagia africana”, Os Pilares da Diferença, Lisboa, Centro de História da Univer-
sidade de Lisboa, 2003.
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14 Ver MAURÍCIO, Domingos, “A Universidade de Évora e a escravatura”, Didaskalia, V, VII, 1977; PIMENTEL, Maria do Rosário,
Viagem ao fundo das consciências, Lisboa, Colibri, 1995; e CAPELA, José, “Éthique et représentation de l’esclavagisme colonial au
Mozambique”. Vêr também Déraison, esclavage et droit. Les fondements idéologiques et juridiques de la traite négrière et de l’esclavage,
direcção de Isabel Castro Henriques e Louis Sala-Molins, Paris, UNESCO, 2002.
15 VIEIRA, António, “Sermão da Epifania”, na Capela Real, 1662, in Obras completas, Sermões, Porto, Lello & Irmão, 1945, tomo XII.
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lhe eram impostas pelos colonos brancos: rejeitando a disciplina das planta-
ções produtoras de cana-de-açúcar, os escravos procuraram instalar-se na flo-
resta, separados dos colonos pela aspereza da cobertura vegetal, e pela falta
de instrumentos capazes de permitir abrir facilmente o caminho na floresta,
operação consentida já no século XX pela banalização dos machims, recorren-
do ao vocabulário santomense, embora se possa também recorrer às catanas
angolanas. É contudo evidente que os escravos “fugidos” utilizaram a redução
da floresta imposta pela desmatagem indispensável à criação dos terrenos de
cultura da cana, reforçada pela necessidade de grandes quantidades de madei-
ra para assegurar a secagem dos pães de açúcar.
A africanização do mato, que corresponde também à africanização da so-
ciedade, caracteriza-se pela instalação dos mocambos ou quilombos: os dois
substantivos provêm, ambos, das línguas banta de Angola, e conheceram uma
ampla difusão no Brasil. Ou dito por outras palavras, o alargamento e a ba-
nalização da escravatura implicam a organização de estruturas inteiramente
inéditas. Mas sobretudo elas impõem um tratamento particular desta história,
na medida em que, no Atlântico, se criam as condições para organizar formas
sociais que não sendo europeias, também não são africanas. O paradoxo resi-
de no facto de a inciativa reguladora dos colonos, ser brutalmente superada
pela determinação dos escravos africanos, decididos a ocupar a terra, agora
africanizada, para reduzir ou eliminar a autoridade dos brancos.
Já se fez a história do período mais violento desse afrontamento, que, con-
tudo deixou marcas que, modificadas embora, ainda hoje estão presentes na
organização de São Tomé e Príncipe. Esta observação adquire a sua máxima
importância se pensarmos que a própria estrutura do Brasil deriva das expe-
riências levadas a cabo em pleno oceano Atlântico. De resto uma corrente
histórica mais recente, não hesita em salientar o facto de tais estruturas – as
das ilhas atlânticas africanizadas – corresponderem a formas autónomas que
muitos pretendem diluir na terminologia vaga da “crioulização”16.
16 MARIANO, Gabriel, “Do funco ao sobrado ou o mundo que o mulato criou”, Colóquios caboverdianos, Lisboa, Junta de
Investigações do Ultramar, 1959.
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17 ANTONIL, André João ( João António Andreoni), Cultura e Opulência do Brasil, (1771), Lisboa, Alfa, 1989.
18 CASTRO, Ferreira de, A Selva, Lisboa, Guimarães, s/d.
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19 FREYRE, Gilberto, Casa Grande & Senzala, Rio de Janeiro, José Olympio, 1933.
FERNANDES, Florestan, Significado do protesto negro, São Paulo, Cortez Editora, 1989.
20 MATOS, Gregório de, Obra completa, James Amado ed., Bahia, Janaína, s.d. e BOCAGE, Manuel Maria de Barbosa du, Sone-
tos, Lisboa, Europa-América, 1989.
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23 CAPELA, José, O tráfico de escravos nos portos de Moçambique – 1733-1904, Porto, Edições Afrontamento, 2002; e MEDEIROS,
Eduardo, “A escravatura no norte de Moçambique, formação de novos espaços e entidades políticas na 2.ª metade do século
XIX e século XX”, in Escravatura e transformações culturais – África-Brasil-Caraíbas, direcção de Isabel Castro Henriques, Lisboa,
Vulgata, 2002.
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2 Ver a este respeito os estudos reunidos por S. Mintz, Esclave = facteur de production. L’économie politique de l’esclavage, Paris, Du-
nod, 1981.
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3 Questão sublinhada por Marion Mallowist, “Les débuts du système de plantation dans la période des Grandes Découvertes”, in
African Bulletin, 10, Warsóvia, 1969.
4 I. Wallerstein, Capitalisme et Economie-Monde, 1450-1640, Paris, Flammarion, 1980.
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Colonizar
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15 Desde o início do século, Valentim Fernandes fornece dados que nos permitem concluir sobre essas diferentes funções. Do mes-
mo modo, o Piloto anónimo, em meados do século, faz alusão às diferentes actividades que se desenvolveram na ilha.
16 Francisco Tenreiro, A ilha de S. Tomé, Lisboa, J.I.U., 1961, pp. 69-70.
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Da “miscigenação”
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24 Por concessão de D. João II, posteriormente confirmada por D. Manuel e D. João III. Citações in “Revolta dos Escravos em S.
Tomé”, in História e Sociedade, 8-9, Lisboa, 1981, p. 94.
25 Piloto Anónimo, op. cit., p. 78.
26 Segundo o Piloto Anónimo este “negro riquíssimo” teria sido levado nos primeiros tempos da colonização do litoral africano para
São Tomé como homem, livre ou como escravo? Se foi como escravo, como é que se tornou livre e “riquíssimo”? Uma hipótese
possível: a vida do casamento com uma mulher branca (uma “menina judia” das que foram transportadas por Álvaro de Caminha
e “cruzadas” com negros (?), como refere Valentim Fernandes, op. cit., p. 118) e o acesso às diferentes actividades económicas da
ilha, na primeira metade do século XVI.
27 Piloto Anónimo, ibid., p. 54.
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34 Ibid., p. 145.
35 Ver, por exemplo, Michel Fabre, Esclaves et Planteurs, Paris, Gallimard, 1978, p. 14 e Mattoso, ibid., pp. 143-145.
36 Mattoso, ibid.
37 Sobre esta questão, ver E. Genovese, “Le traitement des esclaves dans différents pays: problèmes d’application de la méthode
comparative”, in Mintz, op. cit., pp. 172-183.
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43 Por exemplo, um inventário “das cousas de Álvaro Borges falecido a 4 de Novembro de 1506” refere “utensílios de cozinha, escra-
vos e escravas, roupas... esteira de Beny..., almadias dos rios...” etc., Lisboa, A.N.T.T., Corpo Cronológico II, 15-17.
44 Claude Meillassoux, “Modalités historiques de l’exploitation et de la surexploitation du travail”, in Connaissance du Tiers-Monde,
Cahiers Jussieu/Univ. Paris VII, Paris, U.G.E., 1979, pp. 140-143.
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A Revisão da Escravatura e do
Tráfico Negreiro em Moçambique
na Obra de José Capela*
* Texto publicado in Africana Studia, nº5, Porto, CEA-UP (Universidade do Porto), 2002, pp. 213-226.
1 CAPELA, José, O Tráfico de Escravos nos portos de Moçambique – 1733-1904, Porto, Edições Afrontamento, 2002, 395 páginas,
gráficos, repertórios, índices e bibliografias.
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famílias africanas a vender os seus membros, que ainda por cima são embar-
cados para ser levados para destinos que durante muitos anos não foram se-
quer conhecidos pelas sociedades africanas. A verdade porém é que, em de-
terminado momento da história política e cultural de Moçambique, se regista
a comercialização dos homens, na qual participam todas as instâncias sociais
existentes.
José Capela empenha-se em proceder ao inventário e à análise dos siste-
mas de ideias, assim como das instituições que se encarregaram de assegurar
a banalização da escravatura. Embora, pelo menos nos subentendidos, José
Capela ponha em evidência a responsabilidade dos europeus, seja qual for a
categoria a que pertencem. O próprio clero católico, empenhado em assegurar
os valores do pé de altar, mostrou-se quase sempre um agente activo na produ-
ção de escravos, esquecendo a sua função de salvador das almas.
De resto, salienta ainda José Capela, confirmando na situação de Moçam-
bique o que já fora posto em evidência na costa ocidental e mais particular-
mente nos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, assim como
em Angola: o tráfico negreiro não depende de uma anestesia dos valores éti-
cos, pois implica uma convergência de todos os grupos sociais, empenhados
em enselvajar o outro africano, maneira de o transformar “legitimamente” em
escravo.
É com razão que José Capela salienta a importância crucial das questões de
género, na medida em que o casamento constitui um mecanismo essencial na
organização da norma social africana. A complementaridade dos sexos, da qual
depende a própria reprodução, permite a integração dos importados no quadro
familiar e do parentesco. Pode até dizer-se que o parentesco desempenha um
papel ambíguo, face à responsabilidade colectiva que, salienta Capela, constitui
um dos pilares do funcionamento harmónico das sociedades africanas3.
Por razões evidentes, Capela tece algumas considerações a respeito da es-
cravidão nas sociedades africanas, embora haja talvez aqui razão para suscitar
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tinuou, a depender da força do trabalho africana, fornecida legal ou, cada vez
mais frequentemente, de maneira ilegal.
Como é geralmente sabido, a legislação igualitária redigida pelo marquês de
Sá da Bandeira não foi posta em prática pelas autoridades portuguesas. Aponta-
ram-se razões bio-ideológicas: “os povos eram brutos e para mais nada serviam
que não fosse para a escravatura”. Por outro lado, e de maneira mais pragmática,
verifica-se que sem a exportação de escravos, Moçambique ficaria sem rendi-
mentos, como mostram as informações alfandegárias referidas por José Capela.
Parece-me também significativo, embora José Capela o não refira, que os
trabalhadores moçambicanos sejam deveras apreciados no Brasil, onde o gru-
po dos “moçambiques”, identificado em várias regiões, aparece como referido
entre os que se integram no mecanismo da produção, mostrando-se capazes
de aprender as técnicas sem as quais a sociedade brasileira, urbana ou rural,
não podia funcionar. Está ainda por fazer a destrinça das contribuições dos
diferentes africanos para organização social brasileira, salvo em parte, no as-
pecto religioso.
A única verdadeira tentativa do governo português para liquidar as várias
operações ilegais e clandestinas, foi a nomeação do governador-geral Joaquim
Pereira Marinho, que é considerada uma autêntica revolução, na medida em
que esta autoridade decidiu fazer frente ao clã dos negreiros. Como não podia
deixar de ser, confirmando a tendência geral da sociedade portuguesa, e dos
europeus que a ela se associam, para manter as formas violentas de dominação,
Pereira Marinho foi obrigado a renunciar à sua tarefa. Podemos já acrescentar,
utilizando as informações de José Capela, que este sistema só foi de facto arrui-
nado já no século XX, em 1902, para ser tão preciso como Capela.
Há contudo outros actores neste processo do comércio transatlântico: os
arábios, os mouros, os mujojos, que se servem sistematicamente dos pangaios.
Creio que, até agora, estas embarcações não tinham ainda ocupado neste proces-
so o papel que José Capela lhes reconhece6. Mais ainda, saio do texto de Capela
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nos navios consagrados ao tráfico, e isto apesar das regras que, pelo menos
a partir de 1648, procuram defender os africanos, definindo-lhes um espaço
mínimo, uma alimentação bem calibrada e até assistência médica. Na verdade,
os comerciantes encafuavam os futuros escravos em quintais (idênticos aos fa-
mosos “quintalões” de Benguela), sendo a maior parte “ferretados”. Capela he-
sita um pouco no que se refere ao alimento principal: feijão ou milho11. Creio
que se pode aceitar a existência de uma associação, não havendo contudo o
risco do escorbuto, dado a relativa rapidez da viagem. Todavia as condições
da viagem são tais que, em alguns casos, morrem 25% dos escravos, embora
se registem também percentagens menores. Mas José Capela sugere, mais do
que afirma, que se deve aceitar a média dos 21% que não impede lucros muito
elevados.
Por outro lado, José Capela salienta o custo bastante elevado dos escravos,
o que não limitou de forma alguma nem as operações comerciais, nem as ex-
portações, tardias embora, e suscitadas sobretudo por franceses e “brasileiros”.
Se o número de mortos é muito elevado, superando amplamente os 10% espe-
rados na costa ocidental, nem por isso, esta situação impede os lucros elevados
dos negreiros que ascende, em média, a 40,537%12. Lucros menores do que
aqueles permitidos no século XVI, mas mesmo assim suficientemente remu-
neradores para suscitar vocações negreiras, embora se registasse na sociedade
colonial portuguesa um certo asco pelo negreiro. Todavia, este pode circular
em todo os grupos sociais, pois as classes superiores, o clero e a nobreza, não
hesitaram em associar-se a estas operações. Uma parte importante dos recur-
sos do clero provém do “pé de altar”, que recebe pelos baptismos apressados
e maciços que é obrigado a fazer, para respeitar a lei. Uma das manifestações
do anti-clericalismo permite que os negreiros rejeitem este baptismo, consi-
derando-o inútil.
Forçado pela história actual da escravatura, José Capela prestou uma gran-
de atenção aos “motins e rebeliões”, para concluir que “temos notícias de muito
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
poucos” (em 1750, 1788, 1789; 1796 e 1859)13. Este reconhecimento salienta
a quase nula resistência dos africanos desta costa às operações da escravatura,
pois centenas de homens e mulheres, com crianças, percorrem quilómetros
e quilómetros para alcançar os portos negreiros, onde são embarcados, sem
que tal suscite a menor resistência. Esta situação deve ser melhor analisada,
na medida em que põe em causa a mitificação da resistência generalizada, que
nos parece incompatível com a invenção de sociedades criadas com base no
estrato africano, como aconteceu, por exemplo, nas ilhas de São Tomé e do
Príncipe ou no arquipélago de Cabo Verde.
Os “efeitos do tráfico”
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
comercial organizado pelos árabes, verificou-se não terem sido eles capazes de
manter o nível da produção, o que foi reduzindo a oferta do ouro, ameaçado
por outro lado pelo contrabando. Se, como salienta justamente José Capela as
duas mercadorias preferenciais foram, até ao século XVIII o ouro e o marfim,
os escravos vieram reforçar as estruturas de comercialização.
Uma vez que a presença no Índico não exigia o recrutamento de uma am-
pla força de trabalho, o tráfico negreiro foi deixado em dormência, sempre
pronto a responder às solicitações dos colonos, portugueses ou outros. Mas o
mercado só começou a constituir-se a partir do século XVII, e mesmo então
sob a pressão francesa e de maneira tímida. Tal se deve, como é evidente, às
produções dominantes no território, que não interessavam o comércio inter-
nacional português. Situação reforçada pela pouca confiança na competência
técnica dos produtores e dos comerciantes africanos.
O carácter tardio do tráfico negreiro depende por isso de uma certa impo-
tência do próprio aparelho político e económico português, que depende da
organização dos Outros que reconhece, descobre, sub-conquista e submete.
Se bem que se registe, convém salientá-lo, uma grande diferença entre An-
gola e Moçambique, pois na primeira o sistema comercial funcionou, após a
abolição da escravatura, graças à produção dos africanos, como de resto foi
amplamente dito e demonstrado pelo último governador-geral da monarquia,
o então capitão Henrique de Paiva Couceiro. Não poder contar com essa pro-
dução africana travou a própria evolução dos núcleos portugueses, que não
sendo formados por “produtores”, apostavam apenas no comércio, que podia
incluir ou não os próprios homens.
Entre as várias lições explícitas ou subjacentes neste trabalho de José Cape-
la, convém por em evidência a pouca flexibilidade da organização portuguesa,
para quem o comércio deriva na maior parte dos casos da própria intervenção
militar ou armada. Semelhante opção, que encontrou um esforço na lógica
das operações indianas, onde era impossível separar as escolhas comerciais
das opções militares marcadas pelo espírito sacrificial da missão religiosa dos
católicos, só podia impedir a revisão das condições de produção africanas,
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COMO LEGITIMAR A
ESCRAVATURA E O COMÉRCIO
DE ESCRAVOS?
Introdução a Déraison, esclavage
et droit 1
1 Versão revista da Introdução da obra Déraison, esclavage et droit, Paris, Éditions UNESCO, 2002, elaborada em colaboração com
Louis Sala-Molins. Esta obra reune a maior parte das comunicações apresentadas no Seminário Internacional “Os fundamentos
ideológicos e jurídicos da escravatura e do tráfico negreiro”, organizado em Lisboa, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pelo
Comité Português do Projecto UNESCO “A Rota do Escravo’’, em Dezembro de 1998. Tradução de Alfredo Margarido.
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ta do que precisa no que se refere a este ponto como de mais alguns outros,
quer fazer do pensador e do moralista o iniciador de um pretenso combate
definitivo das Luzes contra a escravatura dos negros sob a sua forma antilhesa
e transatlântica em geral. Não nos devemos enganar, porque este movimen-
to, se houve realmente um movimento, abebera-se entre alguns elementos da
burguesia, do clero e da pequena nobreza, cuja paixão conseguira com dificul-
dade gripar algum tanto a poderosa maquinaria da escravatura. Os sistemas
revolucionários, se bem que sejam impotentes face à banalização da escrava-
tura, são portadores de uma contradição que, com o tempo, arrastará consigo
a obrigação de abolir a escravatura, mesmo se ela se verifica frequentemente
muito tarde, como foi o caso no Brasil, a 13 de Maio de 1888 (decreto áureo,
assinado pela princesa Isabel), quase um século depois da revolta de Santo
Domingo, que se libertou da escravatura sem esperar pelo consentimento da
Convenção francesa!
Os sistemas jurídicos, manipulados pela burguesia nascida das Luzes
põem termo ao tráfico primeiro, à escravatura depois. Esta situação devia
provocar a perturbação nos continentes cujo sistema económico só podia
funcionar se dispusesse de enormes massas de trabalhadores cuja vida – e
não apenas a força de trabalho – pertencia ao proprietário. Foi necessário
encontrar na panóplia das práticas sociais e legais, medidas capazes de ga-
rantir a criação, o controlo e a dominação dos trabalhadores, tanto euro-
peus como africanos e asiáticos. Também aqui, o primeiro lugar pertence
aos portugueses que, no arquipélago de São Tomé e Príncipe, souberam
inventar o “trabalhador contratado”, ou seja um trabalhador africano pre-
tensamente “livre”, que assinava um contrato pondo-o sob a autoridade de
um patrão durante períodos limitados (entre dois e três anos), mas que,
com muita frequência, se prolongavam durante a vida inteira. Estas práticas
foram acompanhadas, a partir dos anos finais do século XIX, pela criação
do “indigenato” e do “indígena”, que permitia outra vez o regresso ao en-
selvajamento autorizando contratações falsamente voluntárias. As outras
nações tendo praticado o tráfico encontrarão por sua vez as argúcias neces-
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CAPÍTULO 2
ICONOGRAFIA:
A instrumentalização
dos Africanos através
do discurso imagético
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4.1 4.2
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4 – O território angolano e a organização dos homens: cidades e presídios portugueses, aldeias e luga-
res da vida africana
Fig. 4.1 – Luanda no século XIX. Henrique de Carvalho,1890, I, p.46. Fig. 4.2 – O presídio de Massan-
gano no século XIX. Carvalho, 1890, I, p. 96. Fig. 4.3 – Na região de Benguela, aldeia e acampamento de
Douville, explorador francês. Gravura aguarelada, 1828, AHU. Fig. 4.4 – Kilombo, a cidade –capital do
reino de Cassanje. Cavazzi de Montecuccolo, 1687.
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5 – Escravos ou dependentes
Fig. 5.1 – Escravos africanos e sua representação.
Objectos do MNE. Fig. 5.2 – Representação de
um escravo da região do Congo no século XVII.
Cavazzi de Montecuccolo, 1687.Fig. 5.3 – A rainha
Njinga sentada em cima de uma escrava que lhe
serve de assento. Cavazzi de Montecuccolo, 1687.
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6.5
6.6
Fig. 6.5 – Escravos capturados conduzidos por africanos condutores de escravos. Litografia, segundo de-
senho de Douville, 1828, BNF, e gravura anónima de 1811, BADParis. Fig. 6.6 – Escravo nu capturado e
preso por uma forquilha na região de Cabinda. Gravura publicada em De Granpré, 1801.
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Prender os movimentos para evitar a fuga e melhor controlar o escravo, não o impedindo de trabalhar
para o proprietário e de se manter activo nas tarefas do quotidiano, eram as funções de uma infernal
panóplia de instrumentos de metal ou de madeira criados pelos Europeus, no âmbito do processo de
escravização dos Africanos, quer em África, quer nas Américas, quer ainda na Europa. O sofrimento quo-
tidiano provocado pelo uso desses objectos que impediam a liberdade do escravo e dificultavam actos
banais como comer, devem ainda ser associados à dôr física e psíquica provocada pela marcação a ferro e
fogo no seu corpo, que para além de animalizar o homem escravizado, apagava as marcas civilizacionais
dos corpos africanos, eliminando os símbolos - escarificações, tatuagens, incisões – da sua africanidade.
Transformado o homem numa mercadoria, o corpo marcado de acordo com as normas do negreiro ou
do esclavagista, dava indicações sobre o proprietário individual, ou o representante da casa comercial ou
ainda da instituição do Estado português, criando uma nova identidade a homens e mulheres africanos
de origem, agora sofrendo a amputação da sua liberdade. Se a fuga do escravo era a solução preferencial
para sair da situação de escravização, era ela duramente castigada quando falhada, atingindo uma violên-
cia extrema que provocava lesões irreversíveis e a morte.
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Fig. 8.3 – O acto de marcação de uma escrava. Gravura anónima do século XVIII.
Fig. 8.4 – Ferros utilizados em Angola para marcar com fogo os escravos destinados à
exportação. Objectos do MNEA.
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Os negreiros, grandes e médios comerciantes portugueses e brasileiros, mas também angolanos como a
famosa luandense D. Ana Joaquina de Sousa, que actuavam em Angola, muitas vezes ausentes e represen-
tados por agentes intermédios, ocupavam o topo da pirâmide esclavagista que praticava o comércio de
escravos, base do seu enriquecimento. Estabelecidos nas cidades e nas vilas do interior através de casas
comerciais e de agentes locais que velavam pelos seus interesses comerciais, organizavam o comércio de
escravos e protegiam-no ferozmente, mesmo quando as abolições foram decretadas, conduzindo então
o tráfico esclavagista clandestino. Associados a intermediários africanos e tendo ao seu serviço pequenos
comerciantes “do mato”, brancos mas sobretudo negros e mestiços, muitas vezes designados de pom-
beiros, alimentaram durante séculos o processo de escravização dos homens e das mulheres africanos.
Este comércio de escravos que, no interior circulava também nas redes de outras trocas africanas, exigia
um volume significativo e diferenciado de mercadorias europeias, procuradas e destinadas aos chefes
africanos que controlavam os circuitos internos e dispunham da capacidade de “produzir” e de vender
os escravos. Introduzidas a partir do litoral e seguindo as rotas do comércio africano, as mercadorias
europeias - manilhas de cobre e latão. missangas, tecidos, bebidas alcoólicas, armas de fogo, pólvora, con-
chas cauris, barras de cobre -, algumas funcionando como dinheiro, como as conchas cauris vindas das
Maldivas ou as barras de cobre europeias, chegavam às mais variadas populações do interior, tornando-se
essencialmente objectos de prestígio e de poder.
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Malaguetas
Inhame
Palmeira dendém
Mandioca
Milho Batata doce
Fig. 10.7 – A alimentação a bordo: as plantas, algumas africanas outras americanas, asseguravam a sub-
sistência dos escravos durante a travessia do Atlântico. Inhame africano: Gravura de Frey de Mussac,
Flore des Antilles, 1808. BNF. Milho americano: gravura da tradução italiana da Asia de João de Barros,
Veneza, 1563. Malagueta africana. Fotografia anónima publicada por Ferrão, 1992. Palmeira dendém,
Aguarela setecentista, AHU (imagem digitalizada); Mandioca americana. Gravura inserida na obra de
André Thévet, La Cosmographie Universelle, 1575. Batata doce ou «nabo do Congo» , planta americana
já africanizada. Gravura publicada por Cavazzi de Montecuccolo, 1687.
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As condições do transporte nos navios negreiro eram de tal modo duras que levaram a invenção de uma
expressão inglesa que consagrou a violência da travessia entre a África e as Américas: Middle Passage (Pas-
sagem do Meio). Viagem sem retorno, era ela operada pelos milhares de navios negreiros que durante sé-
culos atravessaram o Atlântico carregados de escravos africanos. A rigorosa organização do espaço onde
os escravos eram presos não se podendo mexer, deitados, empilhados para ocupar menos lugar no navio
e permitir assim um maior volume de “mercadoria” transportada e uma maior rendibilidade. Uma das
práticas frequentes, era o lançamento de homens e mulheres ao mar, situação que ocorria frequentemen-
te no período do tráfico clandestino, em que os negreiros eram detectados e perseguidos pela navegação
inglesa que controlava o tráfico atlântico. Mas os escravos também eram lançados ao mar quando estavam
doentes ou moribundos, ou mesmo vivos em situações determinadas como o castigo ou a falta de água a
bordo. Os seguros cobriam geralmente estas situações de perda da carga, pelo que ela era frequentemente
utilizada pelos negreiros. William Turner pintor romântico inglês (1775-1851) fixou esta operação numa
célebre pintura intitulada The Slave Ship, exposta pela primeira vez em 1840, que se encontra no Museu
de Belas Artes de Boston. Refira-se ainda a cuidada preparação destes navios destinados a carregar um
número máximo de escravos, que levou à produção de maquetas dos barcos negreiros, utilizadas quer
para estudar a capacidade e a arrumação dos escravos a transportar, como é o caso da primeira maquete
do século XVIII ( Paris), mas também para sublinhar a dureza das condições em que essa operação se
fazia: a maquete dupla foi utilizada pelo abolicionista e deputado Wilberforce para a sua intervenção na
Camâra dos Comuns inglesa, em 1807, destinada a denunciar a violência do comércio esclavagista e que,
após longa campanha, resultou na aprovação da abolição do tráfico de escravos.
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Fig. 11.4 – O trabalho escravo rural: paisagem de plantação com engenho de açúcar. Dese-
nho de Zacharias Wagener, primeira metade do século XVII, Thier Buch, Dresden. As mui-
tas tarefas ligadas à cultura da cana e à produção do açúcar, no século XVII, gravura repro-
duzida em Pierre Vander Aa, La Galerie Agréable du Monde, século XVIII, Leiden. O fabrico
do açúcar no século XIX, Rugendas, 1835. O trabalho nas minas de ouro e de diamantes: a
lavagem do ouro, gravura do século XVIII, AHU, e as tarefas de extracção e lavagem dos dia-
mantes, gravura do século XVIII, AHU, e desenho de Carlos Julião, finais do século XVIII.
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Se no século XVIII europeu, o “Apolo de Belvedere” passou a concentrar o paradigma da beleza masculi-
na, a «verdadeira» beleza humana, é nos princípios do século XIX que a tristemente famosa africana do
sul Saartje Baartman forneceu o modelo desta Vénus africana, remetida para o monstruoso, seguindo as
classificações poligenista das raças humanas, como a de Virey (1801). Os anatomistas organizaram uma
grelha degenerescente da beleza humana, a qual só podia denunciar a brutalidade da fealdade africana,
próxima do orangotango. Esta monstruosidade inventada pelos Europeus para classificar os Africanos,
revela-se na criação de um modelo de “monstro” destinado a mostrar aos Portugueses a selvajaria africana
: Gungunhana. Nestas imagens, o herói moçambicano é apresentado fisicamente enorme posando com
coroa e ceptro, símbolos da sua realeza, descalço como um chefe africano, mas desvalorizado na cultura
portuguesa, que assinala a sua natureza monstruosa, não só pelo físico, mas também pelo gosto da guerra
e da brutalidade. No barco que o leva para o exílio em Portugal, em 1896, é visível o desânimo do chefe
para quem os sinais do poder – colares, coroa, mulheres – não podem suplantar a derrota e a humilha-
ção. Em Lisboa foi mostrado aos lisboetas, em carro aberto através da cidade, em direcção à prisão do
Monsanto, onde esperaria a sua transferência para os Açores. Já nas ilhas açoreanas, onde desembarcou
em 27 de Junho de 1896, com uma parte da família, é aqui retratado de cabeça baixa, dominado, sempre
descalço, este postal fixando o vencido e simultaneamente as glórias de Mouzinho de Albuquerque,o
herói português da conquista de Moçambique. Este último é desenhado erecto, a espada desembainhada,
neste livro de história destinado a ensinar as crianças portuguesas, que põe em evidência a superioridade
natural dos brancos, perante a figura dobrada, sentada e descalça do também “naturalmente” selvagem
de Gungunhana.
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13.3
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Fig. 13.3 – Classificação poligenista das raças humanas, segundo Virey (1801). TAGUIEFF, Pierre-
-André, Le Racisme, Paris, Flammarion, 1997. Fig. 13.4 – Gungunhana, o modelo da «monstruosi-
dade» africana, a bordo do vapor África, a caminho do desterro nos Açores, semi-nu e acompanhado
de algumas das suas mulheres. Fotografia do AHM. Fig. 13.5 – Gungunhana em pose de rei africano.
Fotografia publicada no Diário Ilustrado, 1897. Fig. 13.6 – Gungunhana nos Açores. Postal do AHM.
Fig. 13.7 – Mouzinho de Albuquerque e Gungunhana. Ameal, João, Obreiros do Império, Lisboa,
DGEP, série D, nº 5, 1959, p. 191.
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A dicotomia civilizados/ não civilizados, primitivos ou selvagens torna-se mais visível quando se aban-
dona o espaço restrito da cidade para se entrar no mato. Este conjunto de imagens concentra a visão
normativa do mundo africano, tal como os europeus o pensavam e o reproduziam, pondo em evidência
a acção civilizadora do colono e a selvajaria dos africanos, fossem eles autoridades locais, famílias ou
simplesmente homens e mulheres marcados pela sua inferioridade física e cultural, alguns já com “laivos
de civilização”. Registe-se a oposição entre os nus ou semi-nus – com as suas escarificações, tatuagens,
adornos, penteados, vestuário “primitivos” - e os vestidos que definem o eixo da partilha do mundo e das
humanidades em duas metades profundamente desiguais, que apenas o esforço heróico dos portugueses
pode reduzir e esbater através de um árduo trabalho civilizador. Mesmo se o processo pode ser lento,
demorado, doloroso, é certamente um dever (teórico) dos civilizados criar as condições e construir os
mecanismos para que possam emergir as circunstâncias necessárias à abolição das diferenças culturais e
mesmo raciais, garantindo ao selvagem a plena integração no espaço do progresso.
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Se as missões religiosas desempenharam o papel central na educação dos indígenas, das crianças aos adul-
tos, desenvolvendo o ensino da língua portuguesa e ministrando os ensinamentos e as práticas religiosas
– como o baptismo dos adultos - as autoridades coloniais, em particular as republicanas, apresentaram,
paradoxalmente, um cepticismo cruel, revelador do seu anticlericalismo, no que respeita aos efeitos do
trabalho dos missionários, a quem as imagens forneceram sempre uma estrutura simbólica do corpo or-
namentada com a barba da sabedoria! Ferreira Diniz (1924) é particularmente acutilante quando analisa
a questão: “A missão religiosa gerou o produto imperfeito do preto semi-civilizado, de aparência desa-
gradável, desmazelado, negligente no vestuário, que bem se constata comparando-o com o specimen do
preto do mato, distinto pela sua aparência de saúde e robustez, insinuante pela sua alegria ingénua e es-
pontânea, e pela simplicidade rústica da sua semi-nudez. O preto perde as qualidades sãs, que constituem
o rudimento moral da raça a que pertence, com a defeituosa educação que adquiriu em contacto íntimo
com o missionário, e que lhe destruiu o respeito, a delicadeza e o pudor naturais, substituindo-lhes por
um tosco descaramento e por um insólito amor próprio mal concebido”; e acrescenta que “ a instrução
literária que as missões subministram, à europeia, transplantando para a África as escolas primárias da
Europa…não se coaduna com o estado actual da sua civilização, manifestando-se a sua acção…pelo de-
senvolvimento antecipado da inteligência do preto, fazendo-lhe brotar no espírito a noção de individua-
lismo para o qual se não encontra preparado ...”. A rejeição do africano é total, lançando os fundamentos
da ridicularização do civilizado/assimilado que vai marcar durante décadas o facto colonial português.
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Os alunos das missões eram orientados, desde muito cedo, para uma actividade artesanal, mantendo-se
a divisão sexual da instrução e do trabalho. Também neste campo específico, encontramos as críticas
republicanas ao trabalho das missões, como é o caso das palavras de Ferreira Diniz (1924, p.11) que refe-
rindo-se “à instrução profissional, que deveria ser o seu principal objectivo” critica “ as missões religiosas
(que se) limitam a ensinar os ofícios de cuja aplicação convém para uso exclusivo na missão, não a inten-
sificando e não atendendo às aptidões dos indígenas da região, nem às necessidades e condições locais”.
Registe-se sobretudo dois factos: os missionários não hesitam – como toda a sociedade portuguesa e co-
lonial – em recorrer ao trabalho das crianças, tal como a aprendizagem que ministram se deve compreen-
der como uma recusa de escolaridade prolongada. Estamos perante a (quase permanente) ambiguidade
das intervenções dos missionários que se mostram incapazes de se furtar ao quadro dos preconceitos por-
tugueses, frequentemente reforçados pela origem social de missionários e de outros educadores – como
se pode ver na imagem representando uma triste mulher portuguesa, certamente analfabeta, ensinando
jovens e crianças a costurar - , que, possuindo apenas a experiência dos muitos pobres, não podem encarar
mais do que a reprodução da pobreza, mesmo se alterada pela aprendizagem de um ofício.
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Podemos dar-nos conta da diferença registada pelo colonizador português entre as colónias continentais
e as insulares, através destas fotografias de mulheres, todas elas de uma grande beleza física, que põem
evidência os fortes marcadores culturais das africanas do continente – nome africano, corpo nu ou se-
mi-nu, escarificações e tatuagens, penteados simbólicos, adornos e vestuário marcando origem, idade,
estatuto -, em contraste com a europeização das mulheres insulares, que renunciaram aos nomes africa-
nos e adoptaram os corpos vestidos, dispensando quaisquer marcas físicas. Entre estas mulheres de cada
um dos espaços do império africano português, as selvagens e as civilizadas, está a obra civilizadora da
colonização portuguesa. Registe-se a imagem da jovem cabo-verdiana, posando em estúdio fotográfico,
vestindo modelo ocidental, que as relações de Cabo Verde com a Europa e as Américas, através da emi-
gração cabo-verdiana, banalizou nos grupos sociais mais elevados do arquipélago, em particular de São
Vicente. E registe-se a situação particular da família cabo-verdiana instalada na Guiné, integrando o grupo
dos ponteiros, reveladora das capacidades civilizadoras dos cabo-verdianos, cuja experiência permitia a
sua utilização nas colónias continentais ao lado dos portugueses, na sua missão de progresso e civilização
dos indígenas.
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Referindo-se às desvantagens da educação europeizante dos africanos, Ferreira Diniz (1924) sublinha
o facto de “o indígena” se julgar “ igual ao europeu, em cultura e conhecimento, quando apenas se lhe
assemelha no mal, senão que o excede, especialmente no egoísmo e na vaidade”. Esta desvalorização dos
africanos que tinham aprendido a ler, a escrever, a vestir e a viver à europeia vai orientar as relações entre
os portugueses e os africanos durante todo o período colonial, fixando no imaginário português uma
atitude de ridicularização do assimilado, cuja “portugalização”, se assentava na capacidade de falar e de
escrever o português, exigia também a prática civilizada dos quotidianos – vestuário, cozinha, palato,
descanso - , que constituíam um elemento fundamental, permitindo ou recusando a assimilação. Salien-
te-se, no que respeita à língua, a importância de um paradoxo – cuja eficácia é no entanto visível - , pois ao
mesmo tempo que se recusava o reconhecimento das línguas dos africanos, exigia-se que os funcionários
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19.3 19.4
Fig. 19.3 – «Casamento em Moçambique: com véu e flôr de laranjeira». Rufino, Álbuns Fotográficos e
Descritivos da Colónia de Moçambique, 1929, X, fotografia 22, BNP. Fig. 19.4 – «Um Político em Luan-
da». Postal da colecção João Loureiro, Lisboa.
da administração civil conhecessem uma língua africana, sendo, o kimbundu em Angola ou o ronga em
Moçambique, as línguas escolhidas. Registe-se sobretudo a violência contra o próprio assimilado, como
foi o caso em Moçambique e em Angola, onde o ambaquista e o «calcinhas» põem em evidência a im-
possibilidade de encontrar um acordo funcional entre os colonos e colonizados. Os «calcinhas» fizeram
parte da paisagem urbana colonial, sublinhando a vontade africana de se integrar nos padrões culturais do
colonizador, o que este não só não reconhecia, mas caricaturava. O «calcinhas» era encarado como uma
violenta caricatura do colonizador, devido ao que seria a impossibilidade africana de aprender a calçar-se,
a vestir-se e até a pentear-se. Mas, na verdade, os «calcinhas» sublinham a banalização das práticas urba-
nas, havendo por parte das populações africanas uma operação destinada a anular a distância que podia
separá-los dos europeus.
A carga irónica da fotografia corresponde ao sorriso trocista do fotógrafo que legenda a sua obra: da ridi-
cularização da família “semi-civilizada” moçambicana, ao “político” angolano, de “palhinhas” toscamente
colocado na cabeça, aos chinelos que ainda não são sapatos de civilizado, e aos comentários trocistas de
Rufino sobre homens, mulheres – ainda descalças - e comportamentos urbanos moçambicanos, onde se
integra o casamento. Estamos em presença de uma leitura cruel que sublinha a importância dos objectos
simbólicos, de qualquer tipo, para afirmar ou confirmar as diferenças culturais, que permitem e justificam
as formas mais extremas da dominação colonial.
236
de escravos a indígenas
20.1 20.2
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20.3 20.4
20.5 20.6
Fig. 20.3 – «A pá e o trabalho: o ensino do seu manuseamento sob o olhar do guarda branco. Fotografia
do Album de Veloso e Castro, AHM. Fig. 20.4 – «A pá do trabalho obrigatório – Grupo de trabalha-
dores indígenas de Gaza». Rufino, Álbuns Fotográficos e Descritivos da Colónia de Moçambique, 1929, X,
fotografia 29, BNP. Fig. 20.5 – «A festa do indígena no Dundo – o concurso da pazada de terra». Foto-
grafia do ANTT. Fig. 20.6 – «A pá do castigo- Serviços correcionais em Benguela». Postal do Arquivo
MaisImagem.
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21.2
21.1 21.3
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21.4
21.5
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Fig. 21.8 – «Mesmo para a festa, como em todas as outras tarefas, os serviçais são obrigados a cumprir as
exigentes regras de formatura existentes nas roças». Postal do início do século XX, Arquivo MaisImagem.
As técnicas de controle dos homens vão-se afinando, de tal maneira que é possível sentir nelas a força de
gravidade da influência sul-africana: fixação da residência e proibição das viagens sem autorização prévia,
expropriação das terras, trabalho forçado ou obrigatório, imposto indígena, inibição de actividades eco-
nómicas independentes, castigos físicos, limitação ou mesmo proibição de frequentar certos espaços re-
creativos: eis o painel das medidas tomadas para garantir o carácter estanque da fronteira física e cultural
que devia separar os brancos dos pretos, a caderneta do indígena servindo de corolário de todo o edifício
da dominação colonial, para consagrar a inferiorização dos africanos.
Outro grupo demograficamente importante de trabalhadores contratados é o dos serviçais enviados para
as roças de São Tomé e Príncipe, a partir de todas as colónias portuguesas, das africanas, mas também
da Índia e da China. Estes homens, mulheres e crianças, raramente repatriados como previsto no fim do
seu contrato, viviam nas plantações em situações tão precárias que suscitaram as denúncias não só da co-
munidade internacional – que considerava uma situação de escravatura - , mas de sectores da autoridade
colonial portuguesa: o pagamento do seu salário foi sempre um roubo, pois que deviam receber 50% do
salário em São Tomé, de onde eram descontadas as verbas devedoras, segundo os proprietários e gestores
das roças, a segunda metade sendo paga no momento em que regressavam à terra de origem, situação que
raramente acontecia.
243
DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
CAPÍTULO 3
AS MUITAS FORMAS DE
UTILIZAÇÃO E EXCLUSÃO
DOS AFRICANOS NOS
SÉCULOS XIX E XX
Selvagens e indígenas,
assimilados e civilizados
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
Do esclavagismo ao racismo 1
Comecemos com uma questão ideológica geral: não acha que o estudo
histórico da questão da escravatura está ainda muito preso a moralismos, sus-
citando juízos de valor apaixonados que dificultam uma visão mais “neutra”?
Creio que será bom afirmar que não há questões historiográficas neutras.
Mas convém também observar que se trata de uma questão que continua a
ser extremamente sensível, que não entusiasma nem mobiliza muitos historia-
dores. No campo concreto da historiografia portuguesa, que neste particular,
como em outros, seguiu a tendência geral europeia, pode dizer-se que, du-
rante estes dois últimos séculos, ela não só trabalhou, mas procurou até silen-
ciar o fenómeno da escravatura e do tráfico negreiro. Esta realidade histórica
dramática, que se prolongou entre os séculos XV e XIX, alcançando o século
XX, não motivou uma produção historiográfica suficientemente abundante e
rigorosa, capaz de pôr a claro as causas, os mecanismos, as modalidades, des-
te fenómeno. Diria até que a partir do século XIX assistimos a uma viragem
das historiografias europeia e portuguesa que se empenham em sublinhar a
importância da abolição, primeiro do comércio negreiro, depois da própria
escravatura. Regista-se uma espécie de alarme que não depende de pulsões
éticas internas ao próprio processo da sociedade civil, mas do receio dos co-
1 “Esta entrevista permitiu uma reflexão, com amplas pistas para a compreensão do mundo actual, tendo sido abordados os silên-
cios das historiografias sobre a matéria, o lugar da escravatura e do tráfico negreiro na expansão e no colonialismo, o complicado
processo do abolicionismo oitocentista, as ligações entre o espírito e a prática do esclavagismo e do comércio negreiro, e ainda
fenómenos como o racismo ou a violência, ideológica ou económica, que condenam o continente africano a uma situação de
subdesenvolvimento. A terminar, ficaram também apontamentos acerca do que, a nível internacional, se vai fazendo para pôr
termo aos resíduos contemporâneos da cultura esclavagista “ ( José Miguel Sardica).
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que nos deve preocupar, procurando esclarecer as razões que levaram a se-
melhante situação.
Esclavagismo histórico e racismo contemporâneo: subscreveria uma
leitura do racismo actual como um sucedâneo moderno do espírito escla-
vagista?
Penso que se trata da pergunta necessária e penso também que não se pode
pôr o problema dessa maneira, se aceitarmos que o etnocentrismo que está na
base da construção do edifício ideológico da escravatura corresponde a uma
fase primária da recusa e da exclusão do Outro. Quando um país como o nos-
so, associado de resto a Castela, enuncia o princípio do “sangue puro”, subli-
nhando que esta pureza exigia a ausência de qualquer gota de sangue mouro,
negro ou judeu, estamos face a condições de inferiorização cultural e racial.
Ainda não conseguimos superar essa situação, como de resto se pode verificar
hoje, quando a sociedade branca se deixa invadir pelo síndroma da rejeição
contra tudo o que não é branco, a cor negra traduzindo linguisticamente todos
os aspectos negativos dos nossos quotidianos.
Daí que a articulação entre o esclavagismo e o racismo constitua um elo
fundador que não só se não dissolveu com o tempo, mas antes se reforçou,
sobretudo nos séculos XIX e XX, no quadro das relações que se estabele-
ceram entre europeus e africanos. Se no século XIX os africanos mantêm o
controle e a gestão dos seus espaços, é este também o momento em que os
contactos afro-europeus se multiplicam, pondo em evidência a disjunção
dos dois sistemas culturais e reforçando a inferiorização dos sistemas e dos
homens africanos. O sistema colonial, que domina a primeira metade do
nosso século (até 1974, no caso português), consolida as ideologias racistas,
legitima científica e historicamente a inferiorização dos africanos e proce-
de à hierarquização somática das populações das colónias. Finalmente, não
podemos deixar de lembrar que a guerra colonial, que inventou os “turras”,
quer dizer os “terroristas”, pretendeu graças a esta forma injuriosa de desig-
nar os nacionalistas africanos, negar-lhes toda e qualquer forma de dignida-
de pessoal e política.
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Será que o papel muito activo que a Inglaterra veio a assumir como
campeã internacional do abolicionismo esconde alguma hipocrisia anglo-
-saxónica, destinada a “limpar” um passado britânico de activo tráfico ne-
greiro? Não haverá ainda hoje, em alguma historiografia, uma imagem dos
países ibéricos como esclavagistas “piores” dos que os do Norte da Europa
ou do que os Estados Unidos da América?
É evidente que as situações e os projectos económicos contam numa ope-
ração destinada a modificar de maneira substancial o estatuto de milhões de
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possível futura produtora de árvores das patacas. Mas estas secaram: os ventos
eram os da independência ….e as guerras recomeçaram face à miopia, ao ar-
caísmo e à rigidez do pensamento e dos projectos portugueses.
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2 Isabel Castro Henriques foi membro deste Comité Científico Internacional entre 1996 e 2004 e Presidente do Comité Português
do mesmo projecto UNESCO, desde a sua criação em 1996 até à sua extinção em 2016.
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Lisboa, 1999.
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A (falsa) passagem
do escravo a indígena
1 Paul Ricoeur analisa no campo da reflexão literária e filosófica a função da crise face aos paradigmas da falsa concordância. Ver
RICOEUR, Paul, Temps et récit, Paris, Éditions do Seuil, 1984, pp. 47-49.
2 A excelência das soluções deste fim de século, explicam a sua longa duração: praticamente reconduzidas em 1914 e em 1926,
marcam ainda a legislação de 1961. Todavia, esta situação jurídica está no centro da conflitualidade entre os Africanos e os Por-
tugueses, só tendo sido resolvida pelas independências no início do último quartel do século XX.
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3 A Controvérsia de Valladolid pôs face a face os defensores da legitimidade da escravatura do Índio porque este não teria alma no
sentido teológico cristão, opondo-se aos defensores da causa dos Índios que denunciavam vivamente esta des-humanização das
populações americanas e que tem como expressão o dominicano Bartolomé de Las Casas.
4 Os estudos sobre Sá da Bandeira, os seus projectos e as leis por ele elaboradas e promulgadas têm-se multiplicado no quadro
historiográfico português actual, revelando uma tomada de consciência tardia da sociedade portuguesa perante a violência da
escravatura. Estes estudos reflectem a existência de um mosaico contrastado de opiniões e de teorias que permitem a estruturação
do debate indispensável. Ver, entre outros, ALEXANDRE, Valentim, Os Sentidos do Império – Questão Nacional e Questão Colonial
na Crise do Antigo Regime Português, Porto, Afrontamento, 1993; MARQUES, João Pedro, O Silêncio dos Tambores, Lisboa, Afron-
tamento, 2000.
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9 O próprio modelo da beleza não é fornecido pelos homens mas sim pela representação esculpida, que só pode resultar de uma
idealização. Quando Peter Camper optou pela organização de uma grelha classificatória, escolheu como modelo masculino da
beleza, a cabeça do Apolo do Belvedere, que o século XVI fornecera aos Italianos e mais particularmente ao Papado. A perfeição
física do Apolo podia ler-se na maneira como a estátua foi colocada, contra uma parede, para que não fosse possível ver-lhe as
costas: Apolo é por isso uma figura que dispunha apenas da face. Mas se os europeus podiam parecer-se com o Apolo, já os
melanesianos eram o oposto dessa construção física, pelo que só podiam ser os homens mais feios do mundo, destinados a ser
capturados. Tão negros como os melros, o que permitia que nas ilhas do Pacífico houvesse campanhas de “caça aos melros”, que
eram apenas homens que não possuíam nem a cor nem o rosto do Apolo. Ver HASKELL, F. e PENNY, N, Pour l’amour de l’Anti-
que. La statuaire gréco-romaine et le goût européen, Paris, Hachette, 1988.
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10 Sobre esta questão ver PEREIRA, Ana Leonor, Darwin em Portugal (1865-1914), Lisboa, Livraria Almedina, 2001. Ver também:
MACHADO, Bernardino, A Universidade de Coimbra, Lisboa, Edição do Autor, 1908; Aula de Antropologia da Universidade de
Coimbra – Trabalhos de alunos, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902; Cem anos de antropologia em Coimbra 1885-1985,
Coimbra, Museu e Laboratório Antropológico, 1985.
11 Da vasta obra de Oliveira Martins, ver em particular, O Brasil e as Colónias Portuguesas, 1880; Elementos de antropologia: História
Natural do Homem, 1881; As raças humanas e a civilização primitiva, 1881. São muitos os estudos consagrados a este pensador
português: ver por exemplo, MEDINA, João, As Conferências do Casino e o socialismo em Portugal, Lisboa, Publ. D. Quixote, 1984,
e PEREIRA, Ana L., o.c.
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13 Na sua actividade de Ceramista nas Caldas da Rainha, Rafael Bordalo Pinheiro multiplicou as canecas representando o chefe
Nguni Gungunhana, assim transformado em objecto doméstico para reforçar o prazer do vinho. Ver exemplares seja no Museu
Bordalo Pinheiro, em Lisboa, seja nas Caldas da Rainha. A banda desenhada entra no campo das produções dos anos 1930,
inventariando a “selvajaria” e “antropofagia congénita” dos Africanos. Ver, por exemplo, “Mousinho de Albuquerque e o Régulo
Gungunhana”, no Diabrete, n.º 121, de 24 de Abril de 1943.
14 A feitiçaria designa aqui um sistema religioso africano que se estrutura fora das regras teológicas dos Ocidentais e que é gerido por
especialistas identificados por António Ennes, no caso moçambicano. Ver ENNES, António, A Guerra de África em 1895, Lisboa,
Guimarães, 1898, pp. 432-433.
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15 Muito curiosamente a investigação portuguesa não se tem preocupado com as condições em que viveu em Portugal o chefe
nguni. Tal situação explica a ausência de estudos sobre a apresentação de Gungunhana – trazido dos Açores a Lisboa – no cortejo
organizado, em Março de 1897, em Lisboa, para exaltar o herói Mouzinho de Albuquerque e assinalar assim a derrota “defini-
tiva” dos Africanos. As parcas imagens desse evento não se encontram, óbviamente, nem coleccionadas, nem arquivadas, nem
estudadas. Ver os raros trabalhos que referem esse cortejo: WHEELER, Douglas, “Gungunyane the negotiator: a study in African
diplomacy”, Journal of africane History, 9, 1968, pp. 583-602; e BRETES, Maria da Graça, “Arqueologia de um mito. A derrota de
Gungunhana e a sua chegada a Lisboa”, Penélope, n.º 2, Fevereiro 1989, pp. 75-95.
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16 Moçambique – Relatório apresentado ao Governo, Lisboa, Agência Geral das Colónias 1899.
17 As formas de trabalho impostas pelo aparelho colonial seja qual for a sua designação (obrigatório, compelido, contratado, com-
pulsivo) caracterizam-se pela violência que obriga os homens a abandonar o seu território e o seu grupo social para os transfor-
mar em simples força de trabalho ao serviço dos colonos. Sobre esta questão ver a obra clássica de DUFFY, James, A Question
of Slavery. Labour policies in Portuguese Africa, Oxford University, Press, 1967; MATOS, Leonor Correia de, “O problema do
recrutamento da mão-de-obra local e respectivo código de trabalho”, in ALBUQUERQUE, L., dir, Portugal no Mundo, vol. séculos
XVIII-XX, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, pp. 580-589. Ver também: SÁ DA BANDEIRA, O trabalho rural africano e a
administração colonial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1873; Algumas palavras sobre a questão do trabalho nas colónias portuguesas de
África e especialmente nas Ilhas de S. Tomé e Príncipe, Lisboa, Associação Comercial de Lisboa, 1872; CUNHA, J. M. da Silva, O
Trabalho Indígena, Lisboa, Agência-Geral das Colónias, 1949.
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extermínio, tantas outras obrigações que lhes aproveitam bem menos e nem
sempre são legitimadas pelos interesses da civilização”18.
A legislação portuguesa põe em evidência a ausência de direitos do indíge-
na (tal como o escravo), a ponto de a sua gestão ser confiada a autoridades es-
pecializadas: os Curadores dos indígenas19. Ou seja, os Africanos são geridos
como órfãos. Esta negação de uma paternidade biológica e social transforma
os Africanos em “filhos” do Estado Colonial, e por isso dependentes da vonta-
de dos representantes do Estado.
Na visão dos anticolonialistas, esta classificação deve-se sobretudo à neces-
sidade de pôr à disposição dos colonos uma mão de obra abundante e barata.
Tal foi efectivamente o caso, mas convém acrescentar que tais formas de nega-
ção do Outro são acompanhadas pela certeza de que esses indígenas a quem
são recusadas as qualidades inerentes à própria espécie humana são os traba-
lhadores graças aos quais o patrão branco, o Estado e a nação, podem evoluir e
crescer. A crueldade reside na necessidade de manter o indígena nessa condi-
ção permitindo-lhe apenas que trabalhe e reproduza outros indígenas. O Es-
tado recusa por isso, retomando e alargando o vocabulário dos colonos, toda
e qualquer modificação substancial das condições físicas, jurídicas, sociais e
técnicas dos indígenas.
Graças a esta legislação banaliza-se o trabalho compelido, indispensável
à própria moralização dos Africanos, diz a lei, e permite-se que se possa re-
gressar aos bons hábitos da escravatura. Utilizados nas colónias, capturados
e enviados aos patrões, longe das suas aldeias e até dos seus países, permitem
eles que as economias coloniais, como é visível em São Tomé e Príncipe, en-
contrem assim a solução do problema da força de trabalho. Os serviçais – tra-
balhadores contratados que deviam ser repatriados terminado o seu contrato
- enviados para São Tomé ou os Contratados moçambicanos levados para as
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Isabel Castro Henriques
20 Todos estes dados bem como o documento do jornal O Africano de 15 de Junho de 1912 são referidos por ZAMPARONI, Valde-
mir, na sua tese de doutoramento, intitulada Entre narros e mulungos: colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques, Moçam-
bique – c. 1890 – c. 1940, que se encontra em via de publicação em Maputo
21 O articulista não sabia que estava a fazer uma profecia que encontrou em: a partir de dos anos 1911-1914, um jornal como A Voz
de Cabo Verde começou a denunciar este tipo de recrutamento, criando uma temática poética que mobilizou uma grande parte
dos escritores então colonizados.
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
Face à catadupa das críticas, que punham em causa o bom nome da Na-
ção e dos seus intelectuais, o governo português, reforçado pelos governos
provinciais (ou coloniais) multiplicou os diplomas legislativos, as máscaras
destinadas a dissimular as condições que permitiam que os especialistas de-
nunciassem a crueza do sistema de trabalho português.
Faltou infelizmente nas colónias portuguesas desse período um observa-
dor impiedoso e justo como André Gide, capaz de descrever miudamente a
soma das humilhações suportadas pelos Africanos do Congo belga. Embora
as poucas obras consagradas à tarefa da denúncia, tenham perturbado os ho-
mens políticos portugueses, que só podiam responder multiplicando as ope-
rações de escamoteação, isto é, participando abertamente no conto do vigário
institucional, tentativa frustre de liquidar a “crise discreta” que tanto compro-
meteu a nossa imagem no mundo.
Lisboa, Dezembro de 2001.
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Isabel Castro Henriques
Portugal, potência colonial até 1974, viria a manter as mesmas posições teóricas
e as mesmas leituras de África, reforçando velhos mitos e impedindo um conhe-
cimento correcto das sociedades africanas sob a sua dominação.
Efectivamente, até meados da década de 70, a maioria dos estudos por-
tugueses sobre África, elaborados com base nos documentos portugueses e
no âmbito de uma historiografia oficial marcada pela estreita ligação entre a
política e a história coloniais, procuraram sobretudo demonstrar a acção civi-
lizadora que os Portugueses desenvolveram nas suas colónias, com base numa
vocação colonial particular e numa capacidade especificamente lusa de esta-
belecer relações de interpenetração biológica e cultural com os outros povos
do mundo, em especial, os Africanos.
Por outras palavras, este atraso de mais de 20 anos em relação aos pro-
digiosos progressos verificados no estudo das sociedades africanas nesse pe-
ríodo de tempo e o afastamento das correntes historiográficas africanas num
momento tão importante como foi aquele que decorreu nos anos 50, 60 e 70
reflectem-se ainda hoje, de uma forma extremamente pesada e negativa, na
produção historiográfica relativa aos países africanos que oficialmente falam
o português1.
Quando as diferentes explicações da questão colonial assentavam já, de for-
ma categórica e indiscutível, na necessidade de estudar com igual rigor tanto
1 É necessário sublinhar o importante desenvolvimento da historiografia africana nessas três décadas em que a África se libertou do
jugo colonial. Se os primeiros trabalhos de carácter histórico revelam ainda o peso de uma história colonial, o europocentrismo
e a dificuldade em seguir uma via liberta das concepções e das perspectivas dos historiadores do passado, uma segunda fase ca-
racteriza-se pelo aparecimento das primeiras tentativas de construir uma história nacionalista que, utilizando frequentemente os
mesmos quadros teóricos dos historiadores europocêntricos, se limita a “pôr a história colonial de pernas para o ar” rotulando-a
de “história nacional”. Uma terceira vaga de estudos que se situa nos finais de 70, essencialmente produzida por uma nova geração
de historiadores particularmente africanos, procura afastar-se das correntes anteriores, ultrapassando os temas preferenciais da
historiografia nacionalista – resistências ao colonialismo, história dos heróis africanos e dos impérios grandiosos do continente
africano, e dirigindo a sua reflexão e investigação para a análise de problemas concretos sociais, económicos, políticos, ideológicos
específicos das sociedades africanas. Rejeitando a sobre-estimação dos factores exógenes na dinâmica histórica dos povos de
África, reconhecendo de forma inequívoca a complexidade e a diversidade das sociedades africanas, a nova historiografia africana
procura assim pôr a nu os factores endógenes que, articulados com elementos externos, deram origem ao movimento e à mudan-
ça que, ao longo dos séculos, caracterizaram a evolução do processo histórico africano.
Ora, a historiografia portuguesa e os estudos relativos à África de língua oficial portuguesa – exceptuando algumas contribuições
de relevo produzidas sobretudo por historiadores anglo-saxónicos – estiveram afastados de todo este processo. E é hoje difícil
recuperar o tempo perdido. A necessidade de andar rapidamente tropeça com o tempo de amadurecimento das ideias exigido
pelas diferentes etapas; choca igualmente com uma situação complexa quer em Portugal, quer em África: se no segundo caso, são
a guerra, a fome, a desorganização que dificultam o trabalho intelectual, no primeiro, é ainda uma mentalidade colectiva forte-
mente marcada pelas ideias enraizadas no passado e pelo trauma da guerra colonial, bem como uma desorganização da riquíssima
documentação portuguesa, que impedem o desenvolvimento de uma investigação sistemática e apoiada, neste domínio do saber.
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
2 Parece evidente que, se definirmos de forma sumária, capitalismo como o sistema económico e social implicando a generalização
do trabalho assalariado livre, a existência de um mercado interno e a capacidade de exportação de capitais, ele está totalmente
ausente das colónias portuguesas até à década de 30, momento em que o desenvolvimento do regime fascista em Portugal vai
timidamente incrementar relações de produção capitalistas e a exportação de capitais para as colónias, a sua rendibilização im-
plicando uma organização da economia colonial e os mecanismos indispensáveis à exploração da mão-de-obra africana. Mas a
questão é bem mais complexa e nem o atraso do capitalismo nem o “imperialismo” português, contrariamente ao que pretende
demonstrar HAMMOND, Richard, Portugal and África, 1815-1910: a study in uneconomic imperialism, Stanford University Press,
1966, justificam a inexistência de modalidades diversas de exploração dos Africanos e dos seus territórios, ao longo dos séculos
XIX e XX.
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3 O desencadear da guerra pela independência e contra o colonialismo português deu-se primeiro em Angola, em 1961. O movi-
mento angolano foi depois seguido, de imediato, pelos movimentos guineense e moçambicano, a guerra alargando-se a todos os
territórios dominados pelos Portugueses no espaço continental africano.
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
4 Os Descobrimentos e a expansão portuguesa numa perspectiva patriótica obsoleta, os feitos heróicos e os factos grandiosos da
aventura portuguesa, continuam a merecer, por parte de uma fracção ainda importante dos estudiosos portugueses, a mesma
atenção poeirenta marcada pelos mitos do passado recente, deixando de lado as questões fundamentais para compreender o
Outro, o Próprio e as relações entre os dois tecidas ao longo dos tempos.
5 Este debate público da questão colonial portuguesa deve ser posto em relevo, já que ele apresenta um dos raros momentos de
discussão do problema. A sociedade portuguesa ainda não cicatrizou a ferida colonial, o que está bem patente nos obstáculos
colocados à discussão pública da guerra colonial e ao desinteresse dos Portugueses em participar no debate da questão.
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Isabel Castro Henriques
6 Outro era o discurso neo-colonial dominante no restante espaço europeu, discurso dicotómico assentando num outro corpo de
imagens que dirigiam e dirigem a leitura da realidade africana: imagens de guerra, de golpes de estado, dos mais variados conflitos
internos privilegiando-se as questões étnicas, de fome, de miséria e de ostentação, em suma, de subdesenvolvimento opondo-se
às imagens do desenvolvimento tecnológico e económico dos países ditos desenvolvidos, prontos para estabelecer as mais diver-
sas formas de ajuda e de cooperação “desinteressadas”.
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7 Sobre toda esta questão ver ALEXANDRE, Valentim, Origens do colonialismo português moderno, Lisboa, Sá da Costa Editora,
1979.
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8 Essa evolução processa-se obviamente por fases que permitem construir uma periodização provisória para a consolidação da
ideologia colonial, tendo presente a necessidade de estudar mais profundamente a questão. Do mesmo modo, as datas avançadas
devem ser entendidas sem rigidez: elas pretendem sobretudo fornecer balizas par ajudar a organizar a informação.
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9 Ver CAPELA, José, O imposto de palhota e a introdução do Modo de Produção Capitalista nas colónias, Porto, Afrontamento, 1977,
p. 84.
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“ser apreciado unicamente sob o seu aspecto fiscal, mas muito principalmente
sob o seu aspecto político, como indicador seguro do estado de submissão dos
indígenas”10 e devia “considerar-se como o acto final da ocupação, pacificação
e administração das regiões do interior” (1913)11.
A partir de 1926 inicia-se uma nova fase caracterizada por importantes
avanços na estruturação do sistema colonial português, acentuando-se as con-
tradições entre o discurso do poder, na metrópole, e as práticas coloniais.
É o momento da sistematização dos princípios básicos que, durante décadas,
irão nortear a política colonial portuguesa e definir as formas de administração
de cada colónia. Assim, partindo-se de bases já anteriormente pensadas dão-se
passos precisos e decisivos para a exploração das riquezas e da mão-de-obra afri-
canas. A publicação do Acto Colonial, em 18 de Julho de 1930 – corpo de leis
referentes à administração das colónias – vem legalmente enquadrar e fornecer
as directivas da gestão e das práticas coloniais dos Portugueses em África12.
Explorar as riquezas e a mão-de-obra africanas constitui o objectivo pri-
meiro de Portugal relativamente nas colónias de África. Se Salazar afirma em
1933 que “ é imperativo para Portugal salvaguardar os interesses das raças in-
feriores, cuja inclusão sob as influências do cristianismo é um dos maiores e
mais ousados feitos da colonização portuguesa”13, o ministro das Colónias de
então, Armindo Monteiro, declara, de forma menos hipócrita, que a “coloni-
zação exige uma infinita tolerância e piedade pelo que lhe é inferior na gente
do sertão”, acrescentando, dois anos mais tarde, que “o branco está destina-
do a ser o dirigente, o técnico, o responsável; nos trópicos faria triste figura a
trabalhar com o seu braço ao lado do nativo... a grande força de produção, o
abundante e dócil elemento de consumo que a África oferece”14.
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15 Constituídos em companhias concessionárias com grandes privilégios, os capitalistas estrangeiros detêm vastos poderes sobre
áreas imensas bem como sobre as populações que nelas habitam. Têm como obrigação portuguesa, o desenvolvimento de infra-
-estruturas e o pagamento de uma taxa ao Estado português.
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17 CAPELLO, Hermenegildo e IVENS, Roberto, De Angola à Contra-Costa, Descrição de uma Viagem atravez do Continente Africano,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, vol. I, p. 181.
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22 Trata-se da comissão nomeada pelo governo português, na sequência da Conferência de Berlim, para estudar os problemas ad-
ministrativos e económicos das colónias. A comissão, que recorreu a homens como António Ennes, Mouzinho de Albuquerque
e Paiva Couceiro, iniciou os seus trabalhos em 1894, vindo a entregar o seu relatório final em 1898. O parágrafo f do relatório
da subcomissão encarregada de estudar a melhor maneira de utilizar a mão-de-obra africana, acrescenta ao excerto já citado que
“precisamos do trabalho dos indígenas... para melhorar a condição destes trabalhadores... para a economia da Europa e para o
progresso de África”. Ver ELI, J.E. MAR., op. cit., p. 85.
23 Citado por CAPELA, J., op. cit., p. 114.
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Pelo que, desde 1926 não só a separação do ensino para Africanos e Euro-
peus era uma realidade, como também se procurou criar, para os “indígenas”,
um ensino destinado a formar os trabalhadores necessários à economia colo-
nial. Tratava-se de um ensino de carácter eminentemente prático, essencial-
mente virado para as actividades ligadas à agricultura e à produção artesanal,
relegando para segundo plano qualquer tipo de ensino teórico. Foi nesta al-
tura que surgiu em Angola o projecto designado “Educação pelo Trabalho”28
que assentava nas “escolas-oficinas”. Esperavam-se outros resultados: a criação
destes artesãos especializados africanos que afluíam aos centros urbanos criou
problemas de concorrência com a mão-de-obra portuguesa aí existente.
As “escolas-oficinas” deram então lugar às Escolas Rudimentares do Ensi-
no Agro-Pecuário: o tipo de exploração empreendida por Portugal nas suas
colónias exigia uma grande concentração de mão-de-obra na agricultura. Os
Africanos eram assim desviados dos ofícios, deixando livre o espaço urbano
aos Europeus e canalizados para os duros trabalhos da terra. Foi também neste
período (década de 30) que, em Moçambique, se definiu o Ensino Rudimen-
tar com o objectivo de “conduzir gradualmente o indígena selvagem para a
vida civilizada, formar-lhe a consciência de cidadão português e prepará-lo
para a luta da vida tornando-o mais útil à sociedade e a si próprio”29.
O Acordo Missionário assinado em 1940 estabeleceu definitivamente a
separação dos ensinos para “indígenas” e “não indígenas” (isto é, brancos e
assimilados)30, nos moldes já ensaiados anteriormente. Enquanto os segun-
dos dispunham de um ensino idêntico ao da metrópole, que visava formar
quadros para o aparelho administrativo, os primeiros eram dirigidos para
um ensino especialmente concebido e ministrado pelas missões católicas. A
regulamentação deste Acordo prolongou-se quase até ao fim da década nas
28 Esta expressão revela bem a carga dissimuladora do projecto colonial salazarista. O trabalho aparece como um meio par a edu-
cação dos Africanos e não como o meio essencial par atingir o objectivo primeiro da colonização portuguesa: a exploração dos
territórios africanos.
29 Boletim Oficial de Moçambique, 1.ª série, n.º 20, Maio de 1930.
30 REGO, António Silva define a assimilação como “o processo pelo qual o povo colonizador procura elevar até si por todos os
meios ao seu alcance, os indivíduos indígenas colonizados” in “Adaptação missionária e assimilação colonizadora no ultramar
português”, Separata do Boletim Geral das Colónias, Lisboa, 1958, p. 12. Teoricamente iguais aos brancos, os assimilados jamais
serão totalmente reconhecidos como tal: na prática, mantinha-se a discriminação. Ver BENDER, G.J., op. cit., capítulos 1 e 2.
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31 É importante referir que o ensino rudimentar era oficialmente reconhecido como a primeira fase do ensino dito oficial para os
Africanos. Uma vez concluída essa primeira fase, o Africano ingressaria directamente na terceira classe de um ensino primário de
4 anos. Porém, sendo o ensino rudimentar constituído por quatro anos lectivos, entre os 7 e os 15 anos, ao mesmo tempo que
idade limite de ingresso na escola secundária era de 14 anos, o Africano raramente conseguia atingir este nível, já que obstáculos
vários, a língua, os meios financeiros, as distâncias, etc. – o obrigavam a repetições de anos, impedindo-o de concluir o nível
primário antes dos 14 anos. O que mostra a hipocrisia do sistema.
32 É o que determina o Decreto-lei n.º 39 666, de 20 de Maio de 1954.
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lho nas colónias portuguesas, não era mais do que um instrumento visando a
propaganda do regime salazarista.
Este código introduzia restrições ao trabalho imposto aos Africanos em-
bora não tivesse suprimido o trabalho obrigatório ou trabalho compelido que
obrigava o africano a trabalhar, 6 meses por ano, para o Estado, uma família
ou um indivíduo não africano. Introduziram-se três pontos significativos do
espírito desta lei – nada mudar sob a aparência da mudança. São eles: supri-
mir as distinções entre os trabalhadores e indivíduos de raças e culturas dife-
rentes; impedir a participação das autoridades coloniais no recrutamento dos
trabalhadores africanos, como era seu dever até então; e legalizar o trabalho
contratado, que já existia anteriormente, procurando garantir ao trabalhador
o respeito pelas cláusulas do contrato assinado. O que jamais se verificava33.
Este trabalhador contratado era, na realidade, um trabalhador forçado, não só
porque as regras do sistema – a necessidade de pagar o imposto, por exemplo
– a isso o obrigavam, com também pelo facto de não usufruir de quaisquer re-
galias e direitos. Era um trabalhador sujeito ao horário e ao sistema de alimen-
tação impostos pelo patrão, aos castigos corporais, à tortura e à prisão, sem
assistência médica nem segurança social. O salário proposto nunca era pago
e não era raro o caso de “contratos” que, depois de muitos meses de trabalho,
eram despedidos sem nada receberem, pois que, feitas as contas pelo patrão,
tudo o que tinham a haver, deviam!
Esta situação tornou-se ainda mais dura na década de 70, com o aumento
das tensões verificada nas colónias em consequência da guerra e de uma au-
sência de solução a favor dos Portugueses.
Em 1973, numa entrevista dada à televisão francesa, um agricultor e in-
dustrial português estabelecido em Angola, traçava com clareza a situação de
exploração e de discriminação dos Africanos dominados pelo sistema colonial
português34. Proprietário de inúmeras plantações de café, o senhor Magalhães
33 Aliás, o Estado ao abolir a intervenção das autoridades coloniais no recrutamento dos trabalhadores africanos, deixava aos colo-
nos a liberdade de agirem segundo as suas conveniências!
34 Entrevista referida por ELIS, MAR., op. cit., p. 115.
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35 Ver A.A.V.V., Colonialismo e lutas de libertação-7 cadernos sobre a guerra colonial, Porto, Afrontamento, 1974, pp. 68-69.
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36 TENREIRO, Francisco, A ilha de S. Tomé, Lisboa, Junta de Investigações do ultramar, 1961, pp. 69-70.
Sobre a situação do escravo em S. Tomé, no século XVI, ver HENRIQUES, Isabel Castro, “Ser escravo em São Tomé no século
XVI: uma outra leitura de um mesmo quotidiano”, Revista Internacional de Estudos Africanos, Lisboa, 1988, n.º 6-7.
37 Se no final do século XIX se afirmava: “Portugal é e ainda ficará sendo depois de impor a obrigação do trabalho, o soberano mais
benigno e o mais humanitário de quantos têm bandeira içada no continente africano” (citação extraída de ELIS MAR., op. cit.,
p. 114), quarenta anos depois assistia-se a um reforço dessa ideia em moldes novos exigidos pela conjuntura de então: “Precisa-
mos... de manter sempre vivo na gente portuguesa o sonho de além-mar e a consciência e orgulho do Império... A África é, para
nós, uma justificação moral e uma razão de ser como potência. Sem ela seríamos uma pequena nação; com ela somos um grande
país” (Editorial de O Mundo Português, 2, Julho-Agosto de 1935, p. 218).
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A ÁFRICA “PORTUGUESA”
E A PRIMEIRA REPÚBLICA
Paradoxos, Estratégias
e Práticas Coloniais
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1 À clareza de alguns textos e à ambiguidade de muitos outros, é necessário acrescentar com evidente proveito científico, a palavra
das imagens, que permitem apreender o terreno movediço em que se situam as ideologias coloniais, ao mesmo tempo que cons-
tituem uma colecção indispensável para descodificar a relação entre colonizado e colonizador.
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2 Sobre esta questão, ver, por exemplo, as obras dirigidas por BANCEL, Nicolas, e BLANCHARD, Pascal, Images et Colonies (1880-
1962), Paris, BDIC-ACHAC, 1993, Images d’Empire. 1930-1960, Paris, Ed. de la Martinière, 1997, Zoos Humains, Paris, Ed. de
La Découverte, 2004, consagradas ao estudo das múltiplas formas – como as grandes exposições internacionais - utilizadas pelos
governos europeus para mostrar às populações a selvajaria das realidades coloniais e suscitar a adesão nacional ao esforço civili-
zador.
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3 Advogando a ideia de uma sociedade industrial reforçada graças à exploração do mundo no seu todo, os socialistas simonianos
sublinham a importância do desenvolvimento das vias de comunicação, em particular o caminho de ferro, indispensável ao aces-
so às riquezas do planeta. Esta ideia associada à concepção da disponibilidade do mundo apoiada pelo movimento geográfico
oitocentista, organiza o seu discurso de exploração e organização racional da Terra, permitindo estabelecer a ligação entre estes
pensadores e a expansão ultramarina. Discurso também humanista, sublinha todas as vantagens da valorização dos territórios:
benefícios para os povos inferiores, lucros relevantes para as potências colonizadoras e proveitos para toda a humanidade. Ver
HOLO, Yann, “ L’oeuvre civilisatrice de l’idée à l’image”, in Images et Colonies ..., pp.58-65.
4 Ver BLANCHARD, P., BANCEL, N., LEMAIRE, S., dir., La fracture coloniale, Paris, Éd. La Découverte, 2006.
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5 Ver BRAUMAN, Rony, « Indigènes et indigents: de la “mission civilisatrice” coloniale à l’action humanitaire”, in La fracture..., p.169.
6 CARVALHO, Henrique de, 1894, IV, p. 783.
7 Sobre o projecto colonial português, ver a obra de Valentim Alexandre, em particular, « Ideologia, economia e política : a questão
colonial na implantação do Estado Novo» , Análise Social, vol. XXVIII, nº 123-124, Lisboa, ICS, 1993, pp. 1117-1136.
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greiro, resultava também de uma longa prática do degredo nesse espaço con-
siderado o lugar ideal para castigar e expulsar da sociedade normal os grandes
criminosos. Esta situação, que durou séculos, confirmava o juízo negativo ins-
pirado pela África aos cidadãos, e naturalmente agia como uma força desmo-
bilizadora8.
A vontade civilizadora da Primeira República portuguesa, que dá continui-
dade ao esforço monárquico e responde a um imperativo de modernização
- distinguindo-se assim da colonização das Américas, nos séculos anteriores,
marcada pelo imperativo do cristianismo -, apresenta-se como uma obriga-
ção de consciência que decorre da superioridade da sociedade colonizadora
sobre os povos colonizados, articulando-se com o projecto republicano, mar-
cado pela inovação e pelo desejo de progresso, e legitimada por um horizonte
ainda indefinível em que os indígenas poderiam vir a alcançar a civilização. É
o princípio original da missão civilizadora que vai tornar-se o dogma central
da ideologia e do discurso coloniais, em plena sintonia com a ideia de um
Portugal uno.
É na metrópole que o projecto republicano se materializa através de dife-
rentes políticas que pretendem a modernização do país, projectadas depois
como um princípio estruturante para o espaço colonial. No discurso da mis-
são civilizadora encontra-se toda a argumentação positivista sobre o progresso
guiado pela ciência, que é igualmente um dos pilares de uma república laica
e esclarecida, face a um clero conservador e monárquico. Desenha-se assim
uma transposição da ideologia política republicana para o projecto colonial. A
missão civilizadora aparece pois como um prolongamento lógico dos direitos
do homem – o direito a ser civilizado.
Este princípio, absolutamente fundamental para os republicanos, pois cria
a ilusão de uma suposta igualdade dos povos a concretizar-se em tempos di-
ferentes, institui a desigualdade racial no coração do dispositivo republicano
nacional e colonial.
8 Ver HENRIQUES, Isabel Castro, Os Pilares da Diferença. Relações Portugal-África – séculos XV-XX, Lisboa, Ed. Caleidoscópio-
CHUL, 2004.
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9 Os finais do século XIX foram marcados por uma profunda perturbação na sociedade portuguesa resultante dos interesses cres-
centes que a Europa manifestava em relação à África, pondo em causa a pax portuguesa nos territórios a sul do Equador, consi-
derados propriedade portuguesa. Multiplicando, durante a Conferência de Berlim (1884-1885), os argumentos históricos e os
sinais de uma europeização teórica nos espaços africanos, Portugal sai com perdas amplas, embora mantendo o essencial do seu
“património” africano. A perturbação portuguesa acelera-se e reforça-se com os episódios do Mapa Côr-de-Rosa – tentativa por-
tuguesa de assegurar o seu projecto recusado – e do Ultimato Inglês de 1890 que repõe a legalidade de Berlim. Neste quadro de
perturbação política, a que se devem acrescentar as acções militares destinadas a “pacificar” as populações africanas que reagem à
ocupação dos seus territórios, o Estado convoca os cidadãos, apela ao seu patriotismo em torno de uma causa nacional: o ataque
europeu aos territórios portugueses de África.
10 Norton de Mattos, Governador de Angola entre 1912 e 1915, Ministro das Colónias em 1915; Alto-Comissário em Angola entre
1921 e 1923, escreveu uma vasta obra consagrada às colónias portuguesas. MATTOS, Norton de, Memórias e Trabalhos da minha
Vida, Lisboa, Editora Marítimo- Colonial, 4 volumes, 1944.Vol. I, p.19.
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11 As « estações civilizadoras e comerciais » multiplicam-se nas décadas finais de Oitocentos, com o objectivo de servir uma nova
política colonial portuguesa que pretendia estabelecer uma ocupação racional dos espaços africanos. Instaladas ao lado de povoa-
ções africanas, servidas por redes de circulação e de transporte que se iam desenvolvendo, atraíam as populações, estimulando o
comércio, inovando no campo agrícola, divulgando os valores e as práticas civilizacionais europeias. Ver CARVALHO, Henrique
de, Descrição da viagem à Mussumba do Muatiânvua.., Lisboa, Imprensa Nacional, 4 Volumes, 1890-1894. Vol. IV, p. 783.
12 A confusão entre espaço colonial e espaço nacional é, em primeiro lugar, obra dos republicanos, que não só promovem a ideia
como procuram consolidá-la de forma pragmática através da Escola, em particular, quer na metrópole, quer nas colónias. Mapas,
rios e montanhas, cidades, caminhos-de-ferro… fazem parte da panóplia de elementos de aprendizagem ministrados nos diferen-
tes graus do ensino. Acrescente-se que, ainda hoje, se podem verificar vestígios deste fenómeno absurdo, que ganhou novo fôlego
com a questão da lusofonia: contestar o projecto político da lusofonia é ser pouco patriota, pouco português!
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13 DINIZ, Ferreira, A Missão Civilizadora do Estado em Angola, Lisboa, Centro de Tipografia Colonial, 1926, p.91.
14 DINIZ, Ferreira, A Missão Civilizadora…, 1926, pp.3-4.
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15 MATTOS, Norton de, A Missão Colonizadora de Portugal em África, Discurso proferido na Câmara Municipal de Lisboa, 1923,
pp. 14-15.
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18 COUCEIRO, H. de Paiva, Relatório da viagem entre o Bailundo e as terras do Mucusso, Lisboa, Imprensa Nacional, 1892.
19 Ver Alfredo MARGARIDO, “ Algumas formas da hegemonia africana nas relações com os Portugueses”, I Reunião Internacional
de História de África, Lisboa, IICT, 1989, pp.383-406.
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20 PEREIRA, Rui, “ Antropologia aplicada na política colonial portuguesa do Estado Novo”, Revista Internacional de Estudos Africa-
nos, nº 4-5, Lisboa, Janeiro-Dezembro de 1986, p.201.
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21 DINIZ, Ferreira, Populações Indígenas de Angola, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1918, p. VI.
22 MATTOS, Norton de, Memórias…., vol. III, p. 235.
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a abandonar o seu cargo, na medida em que não pode levar a cabo os seus
projectos coloniais. O golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, que provocou
uma revisão dramática do sistema político português, acaba por transformar
a ditadura militar em Estado Novo. Esta mudança das perspectivas políticas
portuguesas não podia deixar de provocar uma revisão do sistema da coloni-
zação, embora ele não seja muito importante no que respeita às práticas colo-
niais: é um processo relativamente indiferente à cor política dos homens que
governam25.
Estratégias coloniais :
a “portugalização” dos espaços e dos homens africanos
25 Os militares que haviam organizado o golpe de Estado de 1926 tinham na sua grande maioria uma considerável folha de serviços
em África. Se o general Alves Roçadas era um “ herói” da ocupação do sul de Angola, o general Gomes da Costa participara nas
operações de “pacificação” do sul de Moçambique.
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29 Este sistema de autonomia para as grandes colónias africanas – Angola e Moçambique - desencadeou acesa polémica, em torno
sobretudo da figura e acção de Norton de Matos, polémica que continuava ainda em meados dos anos 20, quando o golpe de 28
Maio de 1926 pôs termo à experiência republicana.
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30 Os mapas mais provocadores são efectivamente os de Ferreira Diniz elaborados em 1916 – o seu verdadeiro autor continua por
identificar – e publicados em 1918. Os africanos são acima de tudo considerados em função dos caracteres somáticos, acaso
reforçados pelas marcas corporais, pelos sistemas culturais “primitivos”, mas sobretudo pelas línguas. O mapa serve assim para
“arrumar” as populações indígenas; o “desordenamento” em que se encontravam é substituído pela “ordem” do colonizador. Tal
foi a tarefa da “etnografização” cartográfica de Angola: a criação de “povos” apresentados como unidades culturais autónomas,
a delimitação dos seus territórios, a representação dos seus espaços linguísticos. Se a “geografização” do território aparece tanto
no plano simbólico como no pragmático como uma das operações essenciais da colonização, as representações “etnográfica” e
“linguística” de Angola fornecem os conteúdos populacionais angolanos, estabelecendo a sua distribuição no território colonial
de acordo com normas concebidas pelos portugueses. Se os mapas instilam rigidez conceptual e pragmática falsa, permitem fixar
o território colonial moderno, delimitando-o, organizando-o, e criando as condições para levar a cabo os projectos e as políticas
de colonização.
31 Ver HENRIQUES, Isabel Castro, Território e Identidade.A construção da Angola Colonial – 1872-1926, Lisboa, CHUL, 2004.
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literária rudimentar das primeiras letras, que não aproveitarão de qualquer dos
cursos da organização do ensino colonial estabelecida aqui na colónia (Ango-
la)…(pois) só a força das circunstâncias…os convencerá da necessidade de,
pelo menos, aprender a ler e escrever, e as quatro operações com o sistema de
pesos e medidas”34, os gestores do aparelho colonial utilizam o princípio da
missão civilizadora para criar nestes colonos, qualquer que fosse a sua origem
social ou a sua competência técnica, a ideia de uma superioridade natural em
relação aos africanos. Tal superioridade é revelada, aliás, na maneira como os
Europeus banalizam o tratamento por “tu”, alargando-o a todos os “indígenas”,
reforçando assim a dominação e a humilhação35.
O quotidiano das comunidades não pode deixar de ser influenciado por
este quadro ideológico, na medida em que o colono parte do princípio de que
a sua superioridade é sempre naturalmente reconhecida pelos indígenas que,
desta maneira, perdem a sua condição de proprietários do seu próprio terri-
tório, para serem instalados num espaço mítico, que depende inteira e exclu-
sivamente das decisões das autoridades portuguesas, entre as quais se deve
contar a decisão do colono, que é também o colonizador. As operações de
dominação criam uma sociedade onde as diferenças geram as hierarquias so-
máticas, ou raciais, as quais, por sua vez, decidem a organização de hierarquias
socioprofissionais.
O crescimento demográfico dos Europeus implicou, no entanto, algumas
reflexões destinadas a encontrar a via legislativa para controlar as relações com
os Africanos, e consequentemente, o aparecimento progressivo dos mestiços.
Ferreira Diniz propõe que se estimule a emigração de mulheres brancas, que
devia permitir reduzir, ou até mesmo eliminar, a produção de mulatos, uma
das chagas denunciadas directa ou implicitamente em numerosos textos do
período que analisamos. Afirma ele em 1918, que “não convém deixar de fri-
sar quanto pernicioso tem sido o cruzamento da raça branca com a negra, e
quanta vantagem havia em promulgar medidas que tivessem por fim dificultar
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38 Convém talvez acrescentar que a emigração caboverdiana se multiplicou em todas as colónias portuguesas, embora de maneira
desigual: em São Tomé e Príncipe era principalmente constituída por trabalhadores contratados – os serviçais –, sendo a situação
menos clara na Guiné, em Angola e também em Moçambique, onde os caboverdianos-trabalhadores eram uma minoria: nestas
colónias encontramos sobretudo caboverdianos, quadros médios e superiores, que integravam o aparelho administrativo colonial.
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rapidamente do seu modo de viver”, “dos seus usos e costumes”, mas sim
“fazê-los evolucionar….para uma civilização mais perfeita” pois a “instrução
meramente literária e o proselitismo, isolados e como fins únicos a atingir”,
produziram sempre maus resultados40.
A assimilação sustentada aparece como o meio mais adequado à “branqui-
zação” dos “indígenas”, exigindo regras duras, provas difíceis e um tempo de
consolidação de forma a eliminar todas as marcas e as recaídas da selvajaria
dos Africanos. Os Africanos estavam assim sujeitos a um controlo muito estri-
to, exercido pelos colonos e pelas autoridades. A tendência dos colonos e dos
funcionários da administração era considerar todos os Africanos como indí-
genas, não hesitando as autoridades em detê-los. Ou seja, qualquer Africano
de pele escura podia ser considerado indígena, sobretudo se não trouxesse
consigo o bilhete de identidade, provando de maneira oficial e visível que dei-
xara de ser indígena para passar à categoria de assimilado ou de cidadão.
A adesão aos valores europeus podia medir-se através das regras impostas
aos indígenas que pretendiam transferir-se para o grupo de assimilados. Com
efeito, esta operação implicava o fornecimento de provas que permitiam ve-
rificar uma ‘branquização’, não só dos caracteres somáticos, mas das práticas
culturais. O vestuário, o mobiliário, a alimentação, as práticas habitacionais
são por isso severamente analisados.
Era dentro deste espírito que os funcionários encarregados de definir a
europeização analisavam as práticas alimentares e os próprios utensílios utili-
zados na cozinha, assim como proibiam e denunciavam o recurso às esteiras,
que em muitos grupos angolanos eram utilizadas como camas (baratas), im-
pondo-se o uso de camas e de outras peças de mobiliário, que permitissem dar
conta das novas regras do comportamento.
O vestuário aparece como um dos grandes marcadores civilizacionais,
pondo em evidência o velho debate entre os nus e os vestidos ou, mais cor-
rectamente, entre os pouco vestidos e os vestidos que já no século XVI pro-
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Desde 1890 que Lisboa parece ser uma imensa placa giratória, onde che-
gam o cacau, o café, o sisal e outros produtos das colónias, depois reexpor-
tados, alimentando muito significativamente os fluxos positivos que contri-
buem para o equilíbrio da balança de pagamentos portuguesa. Nos primeiros
anos da República (1913) a reexportação dos produtos coloniais, provindos
sobretudo de São Tomé, correspondia a cerca de metade das exportações nor-
mais, cobrindo quase metade do défice comercial e assegurando o essencial
das exportações.
Esta situação não pode generalizar-se à totalidade das colónias africanas,
nem tão pouco a Angola. Em Janeiro de 1926, o comandante Leite de Maga-
lhães constatava que Angola só muito recentemente tinha abandonado o seu
“estatuto de entreposto”, para se transformar numa “colónia mista de explora-
ção comercial e de plantações”, pondo em evidência o carácter retardatário do
sistema económico da colónia, traduzindo assim a insatisfação dos especialistas
das colónias perante um arcaísmo que parecia cada vez mais difícil de aceitar.
No entanto, é importante salientar o impacto positivo das produções e das
exportações coloniais na débil economia nacional e na elaboração de pro-
jectos centrados na valorização dos territórios colonizados, que não podiam
dispensar o trabalho africano, nem separar-se da ideia de missão civilizadora
destinada a legitimar a exploração dos Africanos.
Desde o final de Oitocentos, a questão do trabalho indígena constituía
uma das preocupações centrais dos responsáveis coloniais, suscitando natu-
ralmente debates, escritos e a produção de leis destinadas ao seu enquadra-
mento legal.
“Isto de reger colónias….de colocar o negro ao abrigo de leis benéficas e
deixar este na ociosidade levando uma vida licenciosa…. É assaz repreensível
do ponto de vista moral e económico. A protecção e liberdade…que hoje da-
mos ao indígena africano de trabalhar só quando quer, (traz) grave detrimen-
to de quantas indústrias ali se iniciam e prejuízo do comércio e da propriedade
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43 CAPELLO, H, e IVENS, R., De Angola à Contracosta. Descrição de uma viagem atravez do continente africano, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1886, vol.I, p.181.
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47 As formas de trabalho impostas pelo aparelho colonial, seja qual for a sua designação e a sua tipologia de trabalho – obrigatório,
compelido, contratado, compulsivo – caracteriza-se pela violência que obriga os homens a abandonar o seu território e o seu
grupo social para os transformar em simples força de trabalho ao serviço dos colonos. Sobre esta questão ver, para além do estudo
clássico de DUFFY, James, A question of slavery. Labour policies in portuguese Africa, Oxford University Press, 1967, o texto de
MATOS, Mª Leonor Correia de, “ O problema do recrutamento da mão de obra local e respectivo código de trabalho”, in ALBU-
QUERQUE, Luís, dir., Portugal no Mundo – séculos XVIII-XX, Lisboa,Círculo de Leitores, 19…. Ver ainda SÁ DA BANDEIRA, O
trabalho rural africano e a administração colonial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1873, onde a preocupação do trabalho dos africanos
emerge como questão central da política relativa à África, e CUNHA, J.M. da Silva, O trabalho indígena, Lisboa, Agência Geral do
Ultramar, 1949, que permite verificar o percurso e a constância do problema e as soluções criadas pelo Estado Novo.
48 “Moçambique - Relatório…,1946, I, pp. 25-29.
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dante e barata. Tal foi efectivamente o caso, mas convém acrescentar que tais
formas de negação do Outro são acompanhadas pela certeza de que esses in-
dígenas, a quem são recusadas qualidades inerente à própria espécie humana,
são os trabalhadores, graças aos quais o patrão branco, o Estado e a nação po-
dem evoluir e crescer. A crueldade reside na necessidade de manter o indí-
gena nessa condição permitindo-lhe apenas que trabalhe e reproduza outros
indígenas. O Estado recusa por isso, retomando e alargando o vocabulário dos
colonos, toda e qualquer modificação substancial das condições físicas, jurídi-
cas, sociais e técnicas dos indígenas.
Norton de Mattos que considera a “nossa política indígena … modelar e
pode(ndo) apresentar-se como exemplo a todas as nações coloniais”, salienta
precisamente o carácter modernizante das “nossas leis do trabalho indígena
(que) contêm disposições de humanitarismo que não se encontram em legis-
lações praticadas a operários de civilizações mais adiantadas”54.
Este tipo de discurso – mesmo se marcado pela hipocrisia que caracteriza
o Estado Novo - será, no essencial, retomado após a proclamação da ditadura
militar, a 28 de Maio de 1926, sustentando uma reforma rápida da política
colonial55. Se não rompe com a tradição da administração colonial, reforça as
tendências para a exploração sistemática dos trabalhadores africanos. A dita-
dura – que vai durar até 25 de Abril de 1974 – não rejeita as medidas tomadas
pela Primeira República, mas procura essencialmente torná-las mais eficazes,
primeiro, em termos económicos, depois, em termos políticos, consolidando
uma sociedade colonial onde se impõe, de forma paradoxalmente crua e dissi-
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56 O Acto Colonial de 1930, que apura as condições da gestão colonial portuguesa, é bem significativo da alteração do discurso
colonial, sendo a reforma da Politica indígena o ponto central das alterações de ‘fachada’, visando a transformação progressiva do
indígena em civilizado, passando a ter os mesmos direitos e deveres dos Portugueses de origem, nomeadamente no campo jurídico.
Enquanto tal situação se não verificasse, os indígenas estariam sob protecção do Estado que tinha o dever de os defender também
contra os abusos dos colonos, assegurando o trabalho remunerado, mas também o ensino, a educação, a difusão da língua e da
religião católica – a cargo das missões religiosas. A assimilação assim constitui um dos eixos centrais do discurso e das políticas co-
loniais do Estado Novo. Nesse mesmo ano, Salazar afirma que Portugal assumia uma tarefa de salvaguardar os interesses das «raças
inferiores», sem esquecer de assinalar que um dos feitos mais ousados da colonização portuguesa fora o de colocar as populações
indígenas sob a influência do cristianismo. Afinam-se as técnicas de controlo de tal maneira, que é possível sentir nelas a força
de gravidade da influência sul-africana: «caderneta indígena» (cópia do «pass» dos Sul-Africanos), proibição das viagens sem
autorização prévia, expropriação das terras, trabalho forçado ou obrigatório, imposto indígena, inibição de actividades económicas
independentes, castigos físicos, limitação ao mesmo proibição de frequentar certos espaços recreativos, eis o painel das medidas
tomadas para garantir o carácter estanque da fronteira física e cultural que devia separar os brancos dos pretos.
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OS AFRICANOS NA SOCIEDADE
PORTUGUESA:
ambiguidades classificatórias
e realidades coloniais
1 Na lógica imperial portuguesa, integrando-se as colónias na “África Portuguesa”, ou a partir da década de 1950, no “ Portugal de
Minho a Timor”, passando então a designar-se por “províncias ultramarinas”, os colonos portugueses ou outros provenientes
das diferentes “províncias ultramarinas” do país, não podem ser, nem teoricamente, nem aos olhos da lei, “migrantes” ou “es-
trangeiros”, pois, como diria Salazar, Portugal era « uma nação pelo mundo repartida » (1963, p.10), a única onde se praticava
o “multirracialismo” (Nogueira, 1967, pp.197-198).
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2 Além das obras pioneiras de Leite de Vasconcelos (1942) e Tinhorão (1988) e do estudo mais recente (Henriques 2009), outros
autores consagraram textos a algumas das questões cruciais para o estudo dos Africanos no imaginário português: Fonseca 2010,
Gusmão 2004, Henriques 1993 e 2004, Lahon 1999, Lahon e Neto 1999, Margarido 1984, Pantoja 2011, Pimentel 1995 e 2011,
Saunders 1994.
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5 Afonso X, o Sábio, rei de Leão e Castela, mandou organizar um livro de cantigas em honra da Virgem, entre 1252 e 1284, intitu-
lado Cantigas de Santa Maria, servindo o texto de suporte a ilustrações executadas em Castela por artistas locais (Biblioteca del
Escorial, Madrid). Uma “Cantiga de Maldizer”, do mesmo rei, estudada por Margarido (2003, p.138), é provavelmente a primeira
referência a uma africana «negra como o carvão», retratada com a violência somática que perdura até hoje.
6 Ver Devisse e Mollat, 1979.
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Estratégias de integração
7 As primeiras referências à presença significativa de populações africanas em Portugal, e certamente na Europa, pertencem ao cro-
nista Gomes Eanes de Zurara, que descreve o primeiro grande carregamento de escravos vindos de África, na cidade portuguesa
de Lagos, em 1444.
8 A toponímia portuguesa (Costa 1929-1949) revela a força da presença africana em todo o país, os aspectos somáticos consti-
tuindo as referências das designações utilizadas, como a Rua das Pretas, a Rua Poço dos Negros, em Lisboa -, tendo integrado
novas formulações de acordo com as conjunturas contemporâneas: encontramos designações que remetem para uma espécie
de “urbanismo colonial”, que permanece na memória colonial portuguesa (Rua da Cidade de Malanje, Rua Cidade de Cachéu,
Rua Cidade de Inhambane), e depois de 1974, os terroristas de ontem deram os seus nomes a ruas e praças portuguesas (Rua
Agostinho Neto, Praça Eduardo Mondlane, Rua Amílcar Cabral)!
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Representações coloniais
e impacto na sociedade portuguesa (até 1974)
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demonstravam ser o crânio um dos elementos físicos mais aptos para permitir
o conhecimento do homem e organizar grelhas classificatórias, chamou a si,
em 1880, a tarefa de demonstrar cientificamente “a inferioridade congénita
dos negros” e o absurdo da sua educação:
E acrescenta:
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14 Ennes dirigiu o grupo que elaborou o estudo consagrado a Moçambique, intitulado Moçambique – Relatório apresentado ao go-
verno, que forneceu as informações indispensáveis à legislação do trabalho e do imposto indígenas de 1891 graças à qual foi
possível encontrar uma plataforma institucional que permitiu a exploração dos homens e dos territórios africanos, assim como o
enriquecimento dos colonos portugueses (Ennes [1899] 1946, I, pp. 26-33).
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15 Sobre a questão teórica da construção dos heróis coloniais, ver Henriques, 2009b, pp. 337-351.
16 Ver Ameal, 1959, p. 191.
17 Refira-se a obra plástica (gravuras e cerâmicas) de Rafael Bordalo Pinheiro, produzidas entre 1875 e 1900, que representam o
chefe nguni de forma caricatural, lembrando o seu aspecto monstruoso, mas também a sua domesticação.
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20 Nas últimas décadas, foram publicados alguns estudos, apresentando perspectivas diferentes, consagrados integralmente (Ac-
ciaiuoli 1998) ou parcialmente (Henriques 1993, João, 2003, Matos 2006) às Exposições Coloniais portuguesas.
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canas. Num discurso de 1957, Salazar afirmava “nós cremos que há raças,
decadentes ou cruzadas, como se queira, em relação às quais perfilhámos o
dever de chamá-las à civilização”28. Se esta afirmação não continha nada de
verdadeiramente novo, já o momento em que foi pronunciada era fundamen-
talmente outro. Salazar decidia em favor da única operação possível do ponto
de vista dos Portugueses: prosseguir aquilo a que se dava o nome de “esforço
civilizador”, já que os Africanos continuavam a manter-se fiéis à sua barbárie.
Cunha Leal, político anti-salazarista perfilhava das mesmas ideias, escreven-
do, em 1961, que só as intervenções dos Europeus seriam capazes de eliminar
a “selvajaria” dos Africanos, o “canibalismo”, assim como a “nudez”, sem esque-
cer a necessidade de erradicar a “doença do sono” e de liquidar os “feiticeiros”,
convidando os agentes portugueses a afirmar, com força, os direitos específi-
cos dos portugueses, os únicos capazes de bem “civilizar”29.
Se, no plano interno, os responsáveis políticos, se serviam do racismo di-
fuso que caracterizava as relações entre Portugueses e Africanos, no plano in-
ternacional, sempre apoiados, em matéria colonial, pela oposição ao regime,
as autoridades portuguesas mobilizavam sem pudor os velhos “direitos his-
tóricos” e o luso-tropicalismo como teoria que “cientificamente” fornecia as
provas da “diferença lusa” nas relações com os Outros, servindo para legitimar
a justeza da continuidade da presença portuguesa em África, recusando a in-
dependência aos povos dominados.
É também durante os anos 1955-1965 que se regista mais um paradoxo:
por um lado verificava-se o recurso ao luso-tropicalismo para justificar as es-
colhas e as soluções do Estado e a igualdade dos Portugueses “de cá” e “de
lá”, pelo outro multiplicavam-se as regras discriminatórias nas colónias (agora
“províncias ultramarinas”), que viriam a provocar as respostas violentas dos
Africanos. Estas regras discriminatórias devem ser compreendidas também
no âmbito de um fortíssimo projecto de “branquização” das colónias, criando
os mecanismos necessários para incentivar e apoiar a emigração dos Portu-
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gueses para a África, sobretudo para Angola. Esta opção reforçava o carácter
obstinado do colonialismo português, apoiado por uma massa cada vez mais
significativa de colonos, na sua grande maioria provenientes dos espaços ru-
rais portugueses, iletrados e paupérrimos, que no Ultramar podiam ambicio-
nar uma promoção social e económica impossível de conquistar em Portugal:
considerando-se e considerados superiores aos Africanos “selvagens” ou “as-
similados”, estes colonos brancos encontravam nos “pretos” os trabalhadores
indispensáveis ao seu rápido enriquecimento.
Estas operações alteraram substancialmente o juízo dos Portugueses a res-
peito dos Africanos que, tendo organizado os movimentos de libertação, pre-
tendiam alcançar a independência. As respostas africanas passaram primei-
ro pela multiplicação dos movimentos de libertação, antecedidos por alguns
acontecimentos trágicos, como a chamada “guerra do Batepá” em São Tomé,
em Fevereiro de 1953, o massacre de Pidjiguiti no porto de Bissau em 1959, a
revolta dos trabalhadores da Baixa de Cassanje, em Janeiro de 1961 e a tentati-
va angolana, em 4 de Fevereiro de 1961, de libertar os presos políticos detidos
na prisão de S. Paulo, em Luanda. Este último acontecimento, a que se segui-
ram os ataques aos Europeus e aos seus bens – habitações, armazéns, plan-
tações – , marcou o início da guerra colonial ou luta de libertação nacional.
Os Portugueses procederam quase imediatamente à invenção de um termo
– os “turras”, abreviação de “terroristas” (note-se a brutalidade do termo que,
envolvendo também a imagem do antropófago, antecede os “terroristas” dos
dias de hoje) – para descaracterizar e caricaturar os combatentes africanos.
Por sua vez os Africanos replicaram, criando os “tugas”– os “portugas” – para
designar os combatentes portugueses, expressão depois generalizada a todos
os Portugueses.
Neste quadro de guerra e de destruição assistiu-se ao reforço de velhos
mitos de enselvajamento dos Africanos: as últimas operações ligadas à bana-
lização da antropofagia foram certamente as que nasceram após os actos de
violência física dos Africanos da UPA (União Popular de Angola) a partir de
Março de 1961, na zona cafeeira do Norte de Angola, amplamente divulgadas
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30 Ambas as histórias foram contadas pelos próprios a Alfredo Margarido, por volta de 1962.
31 Ver Pires 1999, Gusmão 2004, bem como os estudos citados.
32 Ver os textos e as diversas perspectivas sobre a CEI, no cinquentenário da sua fundação (Mensagem 1997).
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34 Sobre a questão do conhecimento português relativo à África e aos Africanos, ver Henriques 1997, pp.40-56.
35 Miguel, 1981,p.423.
36 “Evolução da população estrangeira em situação regular, segundo a origem, 1960-1997”, Estatísticas Demográficas, estatísticas e
Relatórios Anuais, Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, 1997.
37 Pires, 1999, pp.198-199.
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Gráfico
Ásia
América
do Norte
e do Sul
África
Europa
“Os dados para 1969, 1973, 1996, e 1997 foram estimados, nos dois pri-
meiros casos para colmatar lacunas de informação, nos dois últimos para inte-
grar os resultados provisórios do processo extraordinário de regularização de
estrangeiros; a variação negativa entre 1984 e 1985 corresponde a uma ac-
tualização de ficheiros dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras”. Pires, 1999,
p. 197.
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Conclusão
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MNE - Museu Nacional de Etnologia (Lisboa)
MNEA – Museu Nacional da Escravatura de Angola
NMAACH – National Museum of African and American History and Culture (Washington)
OUP - Oxford University Press
PUF - Presses Universitaires de France
PUV - Presses Universitaires de Vincennes
RHES – Revista de História Económica e Social
RIEA - Revista Internacional de Estudos Africanos (Lisboa)
SEM - Sociedade de Estudos de Moçambique
SGL - Sociedade de Geografia de Lisboa
SNI - Secretariado Nacional de Informação
UCP – University of California Press
UL – Universidade de Lisboa
UNL – Universidade Nova de Lisboa
USP – Universidade de São Paulo (Brasil)
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DE ESCRAVOS A INDÍGENAS
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Isabel Castro Henriques
*in Isabel Castro Henriques, Os Pilares da Diferença. Relações Portugal-África (séculos XV-XX),Lisboa, Caleidoscópio, 2004, “Ins-
trumentalização dos Africanos”, pp. 223-318.
** in Isabel Castro Henriques, Os Pilares da Diferença. Relações Portugal-África (séculos XV-XX), Lisboa, Caleidoscópio, 2004,
“Africanização dos conhecimentos: ideias e técnicas”, pp. 321-462.
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