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Argumentação

José Luiz Fiorin

- Argumentamos com o propósito de persuadir os nossos


interlocutores. Persuadir é levar o outro a aderir ao que se diz.

Raciocínio demonstrativo: silogismo lógico.


Todas as estrelas brilham com luz própria;
Sírio é uma estrela;
Logo, Sírio brilha com luz própria.

- A argumentação engloba a demonstração, mas não se restringe


a ela, pois trabalha não só com o que é necessariamente
verdadeiro, o que é logicamente demonstrável, mas também com
aquilo que é plausível, possível, provável. Argumentar, em
sentido lato, é fornecer razões em favor de determinada tese.
- Argumentamos para persuadir o(s) outro(s) de que nossas
teses parecem oportunas, socialmente justas, úteis, equilibradas.
Assim, a argumentação opera com o preferível, isto é, com juízos
de valor, em que uma coisa é considerada superior a outra,
melhor do que outra, etc.

Argumentos baseados em consensos: convicções partilhadas,


consideradas como naturais ou normais em um dado momento.

Ex: Nenhum país pode ser considerado civilizado, se nele não se


acatam as decisões da Justiça.

Ex: País bom é o que cuida das crianças.

Ex: A educação é a base do desenvolvimento econômico.


Cuidado com o senso comum!
Ex: Todos os políticos não prestam.
Ex: O brasileiro não gosta de trabalhar.
Ex: Os latinos, em geral, praticam crimes.
Argumentos baseados em fatos
Ex: Ele é muito cheio de si.
Ex: Ele é muito cheio de si: raramente, dirige a palavra a um
subordinado;
Ex: Esse carro é maravilhoso.
Ex: Esse carro é maravilhoso: rodou 100.000 quilômetros sem
precisar de qualquer conserto.

Ex: Se um adversário diz que X é corrupto, bastará que um


partidário negue a acusação, para contra-argumentar. No
entanto, se disser que X é corrupto, porque aceitou pagamento
da construtora Y para apresentar a emenda Z na Comissão de
Orçamento, a contra-argumentação fica mais complicada.
- Uso de cifras, estatísticas, acontecimentos históricos, dados da
experiência, etc. são potencializadores da argumentação.

Ex: O cinto evita muitas mortes, mas, segundo autoridades de


trânsito, está provocando um efeito colateral mais perigoso do
que amassar roupas. Transmite mais segurança aos motoristas,
e eles se arriscam mais. Em São Paulo, as mortes diminuíram,
mas o número de acidentes aumentou. Em dezembro de 1993,
houve 16 227 acidentes. Um ano depois, quando o cinto já era
obrigatório, dezembro registrou 17 982 colisões.
Veja, 17/5/1995, p. 73.
Argumento a pari: postula que casos semelhantes têm que ter
um tratamento semelhante, é aquele que recusa a lógica do “dois
pesos e duas medidas” (FIORIN, 2015, p. 132).

Dois pesos e duas medidas

Luiz Felipe Pondé

[...] Me pergunto uma coisa: por que alguns acham


politicamente incorreto fazer piadas com negros, índios, gays e
nordestinos (e julgam justificados processos legais contra quem
faz tal tipo de piada), mas julgam correto fazer piada com os
ícones do cristianismo?
Claro, quem pratica esse tipo de critério, com dois pesos e
duas medidas, é gente boazinha e com opiniões corretas.
Defendem a própria liberdade, mas negam imediatamente a
liberdade de quem os aborrece. O nome disso é incoerência. A
democracia só vale para quem nos irrita, mas os bonzinhos não
pensam assim. [...]
Proposta: que tal tirar sarro das pautas dos bonzinhos? Tipo
fazer piada com as "jornadas de junho". Ou da moçadinha que
quer salvar o Ártico. Ou de gente que vive falando mal da polícia,
mas treme de medo e chama a polícia logo que sente sua
propriedade privada em risco. Ou do movimento estudantil. Ou
de intelectual que glamouriza os “rolezinhos”. Ou das feministas.
Ou de ateus militantes. Ou do exército da salvação PSOL e
PSTU. Ou de quem diz que bandidos são vítimas sociais.

Argumento a contrario “é o inverso do argumento a pari, o que


significa que ele apela para o fato de que, se uma situação é
vista de determinada maneira, a situação oposta deve ser
considerada de maneira diversa” (FIORIN, 2015, p. 137).
Dois pesos e duas medidas

Francisco Bosco

Na semana passada foi noticiado que a Delegacia de Crimes


Raciais e Delitos de Intolerância vai investigar o vídeo “Especial
de Natal”, do Porta dos Fundos, a partir de uma representação
feita pelo deputado Marco Feliciano. Nela, Feliciano argumenta
que o filme possui “conteúdo altamente pejorativo […] e de forma
infame atacou os dogmas cristãos e a fé de milhares de
brasileiros que comungam deles, ferindo dialeticamente o direito
fundamente [sic] à liberdade religiosa”. Por si só, a notícia é
soporífera (embora lamentável, como sempre). Mas dias depois,
sem citar diretamente esse episódio, o colunista da “Folha” Luiz
Felipe Pondé publicou uma coluna levantando questões sobre as
relações entre humor, preconceito e liberdades, entre outras. A
discussão é oportuna.
Pondé se pergunta: “por que alguns acham politicamente
incorreto fazer piadas com negros, índios, gays e nordestinos (e
julgam justificados processos legais contra quem faz tal tipo de
piada), mas julgam correto fazer piada com os ícones do
cristianismo?” O trecho entre parênteses me parece conter um
problema mais difícil, mas a pergunta é tão fácil de responder
que causa espanto sua formulação por uma pessoa inteligente.
Negros, índios, gays e nordestinos são minorias, identidades que
sofrem preconceitos, respectivamente, de “raça”, etnia,
sexualidade e região. Já os cristãos formam o maior grupo
religioso do planeta, com cerca de 33% da população mundial
(seguidos pelos muçulmanos, com 22%). No Brasil, segundo o
censo de 2000, quase 90% da população brasileira é de cristãos.
A diferença quantitativa ainda não é, entretanto, a resposta à
pergunta de Pondé, mas ajuda a chegar até ela. Minorias são
discriminadas e sofrem consequências reais por causa de
preconceitos que têm em mentalidades como as dos
monoteísmos uma fonte privilegiada de formação. Não estou
dizendo que é a única, nem que, empiricamente, todo cristão é
preconceituoso (pois há outros fatores em jogo), mas sim que há
uma relação estrutural, fulcral, entre a crença em um princípio
positivo do mundo (Deus) e os preconceitos contra tudo o que os
dogmas ligados a esse princípio condenam. Monoteísmos são
mundos fechados. Mundos fechados tendem a odiar tudo aquilo
que contraria seus dogmas, pois a diferença coloca em questão
esse dogmas. É um problema esclarecido pela psicanálise: o
centro do eu, do imaginário de um monoteísta, corre sempre
risco de desabar diante da diferença. Ora, a agressividade está
diretamente ligada aos abalos no imaginário (que sustenta o eu
dos sujeitos).
A diferença entre fazer piada com minorias e maiorias não
está portanto na diferença quantitativa entre seus grupos, mas
sim no fato de que as maiorias em questão são estruturas
mentais fechadas, que — apenas elas — atentam contra o pleno
direito à existência das minorias (que por isso, e não pela
dimensão quantitativa do grupo, são chamadas de minorias).
Fazer piadas com minorias reforça o preconceito e o atentado a
esses direitos. Fazer piadas com maiorias é uma tentativa de
esvaziar esse preconceito, ridicularizando a mentalidade fechada
que quer oprimir. Por isso os “dois pesos e duas medidas” que
Pondé denuncia são, ao contrário, justos: uma vez que o mundo
tem pesos e medidas diferentes, fazer justiça está em adequar-
se a essas diferenças, para repará-las. (...).
Ex: Argumento a contrario
Argumento por ilustração: tem o objetivo de reforçar uma tese.
Usa-se uma alegoria com a finalidade de dar concretude a uma
ideia.

O corvo e a raposa
Um corvo, empoleirado sobre uma árvore, segurava em seu
bico um queijo. Uma raposa, atraída pelo cheiro, dirigiu-lhe mais
ou menos as seguintes palavras:
— Olá, doutor corvo! Como o senhor é lindo, como o senhor me
parece belo! Sem mentira, se sua voz se assemelha a sua
plumagem, então o senhor é a fênix dos habitantes destes
bosques.
Diante dessas palavras, o corvo, não cabendo em si de
contente, para mostrar sua bela voz, abriu um grande bico e
deixou cair sua presa. A raposa apoderou-se dela e disse:
— Meu caro senhor, aprenda que todo bajulador vive ŕs custas
de quem lhe dá ouvidos. Esta lição vale, sem dúvida, um queijo.
O corvo, envergonhado e confuso, jurou, um pouco tarde é
verdade, que ele não cairia mais nessa.
LA FONTAINE. Fables. Tours. Alfred Mame et Fils, 1918.

Argumentação pelo exemplo: formulamos um princípio geral a


partir de casos particulares ou da probabilidade de repetição de
casos idênticos.
- Muitas vezes os casos particulares são apresentados como
modelos a seguir ou antimodelos a evitar.
- Estude para que você não seja como o seu primo (o tal primo
se tornou um gari).
- O Brasil deveria tentar copiar o sistema educacional finandês.
- Cuidado com a generalização a partir de um único caso.
Ex: Não gosto de argentinos. Eles são muito arrogantes! (dito
após conhecer um ou dois argentinos).

Argumentação por analogia


Ex: Tito Lívio, em sua História romana (II, 32, 3-12), conta que,
numa revolta da plebe, Menênio procurava pacificar os
revoltosos, mostrando que a sociedade precisa ser solitária como
os órgãos do corpo humano, pois o estômago precisa das mãos,
da boca e dos dentes como estes precisam daquele. Dizia o
tribuno da plebe que, um dia, as mãos e a boca se rebelaram e
resolveram não mais alimentar o estômago e, assim, todo o
corpo ficou doente. Concluía afirmando que os órgãos devem ser
solidários, cada um deles deve executar a função que a natureza
lhe reservou, senão todo o corpo fica arruinado.
Argumento por comparação: aproxima-se ideias, objetos,
eventos, pessoas etc. com finalidades persuasivas.
- Pode-se argumentar também, mostrando a superioridade
daquilo que é incomparável, porque é único. Por exemplo: temos
grandes escritores na literatura brasileira, Alencar, Aluísio, Mário,
etc., mas Machado é Machado.

Uma argumentação baseia-se na sucessão, quando se


procura determinar as causas ou os efeitos de um fato, quando
um evento é apreciado em função de suas consequências
favoráveis ou desfavoráveis, quando busca os motivos que
levaram à realização de alguma ação, etc.

Ex: Quando um promotor pretende provar que uma determinada


pessoa cometeu um crime, alegando que seria ela beneficiada
por ele, está utilizando a argumentação baseada na sucessão.
Ex: Todos os argumentos políticos que mostram a importância de
ocupar certos postos no aparelho do estado, com vistas a agir
para atingir determinadas metas.

Ex: Aquele que desvaloriza certo ato, mostrando que ele não
influi no desenrolar dos acontecimentos.

Ex: “Depois que foi instituído o programa bolsa-família pelo


governo, vinte milhões de brasileiros saíram da zona de miséria e
atingiram a classe C, transformando-se em consumidores, o que
fez o PIB do país crescer além das expectativas, com afluxo de
dinheiro para a indústria e o comércio”.

- Muitas vezes, toma-se aquilo que veio antes como causa do


que veio depois. No entanto, o que vem depois não é
necessariamente efeito do que o antecede. Por exemplo, se
alguém quebra a perna depois de ter visto um gato preto e
conclui que o encontro com o gato preto é a causa de ter
quebrado a perna, está usando uma falsa causalidade.

Argumentos de coexistência: quando se estabelece relações


entre duas realidades de nível distinto, sendo uma considerada
mais importante que outra.

Ex: quando um advogado defende um réu, acusado de matar a


mulher, dizendo que ele é bom pai, bom amigo, etc., está
considerando essas qualidades mais importantes que o ato em
si, está querendo estabelecer atenuantes para o crime, etc.

Argumento de autoridade: citação dos pontos de vista de um


autor reconhecido num dado domínio da experiência como meio
de prova em favor de uma tese.
Argumento de transitividade: estabelecem relações entre
propriedade de uma relação tal. Se existe uma relação entre A e
B e entre B e C, existe entre A e C: se A é maior que B e B é
maior que C, então A é maior que C.

- Na transitividade, um tipo de argumentação quase lógica, a


verdade é possível, mas não necessária.

Ex: “Os amigos de meus amigos são meus amigos”.

Ex: “No futebol, o Brasil é melhor que a Espanha, porque ganhou


dela na Copa das Confederações de 2013; a Espanha é melhor
do que todas as demais seleções da Europa, porque ganhou a
última Eurocopa; portanto, o Brasil é melhor do que qualquer
seleção europeia e vai ganhar a Copa do Mundo de 2014”
(FIORIN, 2015, p. 126).
1. Lugar da quantidade é aquele que mostra que alguma coisa
é superior a outra por ser proveitosa a um número maior de
pessoas, por ser mais durável, por ser útil em situações mais
variadas, por ser mais antiga, etc.

Ex: Bombril tem mil e uma utilidades.

Ex:
A Sul América faz parte da sua vida desde o tempo em que
anúncio se chamava reclame. Desde sua fundação em 5 de
dezembro de 1895, a Sul América é uma empresa em sintonia
com o seu tempo. E voltada para as necessidades de seus
clientes.
Durante toda a sua existência, a Sul América tem contado com
a dedicação dos seus funcionários. Com o apoio dos corretores e
prestadores de serviços. E com a confiança dos seus segurados.
Por isso ela chega aos 100 anos, em 1995, percebida pelo
público como a seguradora mais confiável do mercado.
Sul América Seguros
100 anos de garantia.

2. Lugar da qualidade é aquele segundo o qual é preferível o


que é único, raro, insubstituível.

Ex: “É melhor você estudar três horas por dia com bastante
concentração do que seis horas sem a atenção”.
(brasilescola.uol.com.br: dicas de estudo).

Ex: Provérbio “Antes só do que mal acompanhado”.

3. Lugar da ordem é aquele que afirma a superioridade da


causa sobre o efeito, do anterior sobre o posterior, etc.
Ex: Os índios brasileiros têm direito a todas as terras do território
nacional, porque já estavam aqui, quando os portugueses
chegaram.

4. Lugar do existente é aquele que declara a superioridade do


que existe sobre aquilo que é apenas possível.

Ex: O provérbio “Mais vale um pássaro na mão do que dois


voando”.

Argumentos baseados na competência linguística


- O modo de dizer, o nível de língua utilizado, a precisão
vocabular conferem confiabilidade ao que se diz, dão
credibilidade às informações veiculadas.

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