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A MODALIDADE EPISTÊMICA EM ARTIGOS CIENTÍFICOS∗

Nadja Paulino PESSOA∗∗

RESUMO — Este artigo tem por objetivo analisar como a modalidade epistêmica constitui uma estratégia
textual-discursiva em artigos científicos, levando em consideração seus modos de expressão e os possíveis
efeitos de sentido comunicativos. Sendo assim, optamos por uma abordagem teórica que integra os níveis
sintáticos, semânticos e pragmáticos, o Funcionalismo. Para a análise desta categoria, constituímos um
corpus de amostras textuais pertencentes a artigos científicos da área de Humanidades, totalizando,
aproximadamente, 22500 palavras.

PALAVRAS-CHAVE - Funcionalismo, modalidade epistêmica, artigos científicos.

INTRODUÇÃO

A categoria modalidade - julgamento ou atitude do falante com relação ao que é


dito - tem sido objeto de estudo sob diversos enfoques teóricos ao longo do tempo.
Sendo, inicialmente, descrita pelos lógicos, recebeu a denominação de modalidade
alética, pois estava relacionada ao valor de verdade das proposições. Contudo, a
modalidade pode também ser descrita sob uma perspectiva lingüística, que se diferencia
daquela pelo caráter de subjetividade que esta última possui.
Diversas análises de cunho lingüístico já foram realizadas. Alguns estudiosos,
como Ross, tentaram fazer a distinção entre os verbos de valores deônticos e os
epistêmicos, em termos puramente sintáticos. Enquanto que, para os semanticistas, as
modalidades devem ser analisadas como atitudes proposicionais.
Muitas são as classificações acerca de modalidade. Entretanto, a maioria dos
lingüistas aceita que existem pelo menos dois tipos básicos de modalidade: a epistêmica,
que está relacionada ao eixo do conhecimento; e a deôntica, que está ligada ao eixo da
conduta.
Apesar dos estudos empreendidos sobre a categoria modalidade, pouco tem sido dito
sobre a categoria modalidade como uma estratégia textual-discursiva, o que prevê a
integração dos três níveis: sintático, semântico e pragmático-discursivo. Sendo assim,
optamos pelo estudo desta categoria no gênero artigos científicos1, que desempenham


O corpus foi constituído durante o período de vigência da bolsa de iniciação científica, concedida pelo
CNPq ao projeto “Processos de Constituição dos Enunciados”. Os resultados relativos à pesquisa foram
apresentados, sob forma de apresentação oral, no XXIII Encontro de Iniciação Científica, promovido pela
UFC, em 2004.
∗ ∗
Mestre em Lingüística pela Universidade Federal do Ceará. Graduada em Letras - Português/ Espanhol
pela Universidade Federal do Ceará. Este trabalho teve o apoio financeiro do CNPq. Atualmente, sou
professora do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará. E-mail:
nadjapp@yahoo.com.br.
1
Para Désirée Motta-Roth (org.), a expressão “artigos científicos” pode ser substituída por “artigos
acadêmicos” ou vice-versa.
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um papel muito importante: o informar sobre as pesquisas desenvolvidas ou o de


(re)discutir questões que interessam ao conhecimento científico.

A. Dos objetivos
Este artigo tem como objetivos primordiais:
- Analisar, sob o enfoque funcionalista, a modalidade epistêmica como estratégia
textual-discursiva no gênero artigos científicos.
- Observar e descrever os possíveis efeitos de sentido produzidos pelo uso dos
modalizadores epistêmicos, que contribuem para dar credibilidade ao escritor e
persuadir o leitor.
- Divulgar o Grupo de Estudos em Funcionalismo (GEF), coordenado pela
professora Dra. Márcia Teixeira Nogueira, na Universidade Federal do Ceará
(UFC).

2. A MODALIDADE SOB UMA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA

Para a Gramática Funcional, a língua é concebida como instrumento de interação


social, que constitui uma atividade cooperativa entre usuários da língua, cuja principal
função é o estabelecimento da comunicação (NEVES, 2001). O interesse do
Funcionalismo está na competência comunicativa do falante, ou seja, na capacidade de
adequar-se às diversas situações, segundo as convenções da interação verbal da
comunidade na qual o falante está inserido. Desse ponto de vista, a expressão lingüística
é o meio responsável pela mediação entre a intenção do falante, que antecipa da
informação pragmática do ouvinte, e a interpretação do ouvinte, que reconstrói a
informação dada pelo falante, bem como sua intenção (DIK, 1989).
Segundo a perspectiva funcionalista, uma única forma pode desempenhar várias
funções, dependendo do contexto em que aparece. A preocupação central deste
paradigma está na relação entre forma e função; já que a seleção de dada forma depende
do contexto sociointeracional, da intenção do falante, etc. É, pois, no discurso, que
velhas formas podem ser atualizadas, bem como novas formas podem emergir dele, a
fim de desempenhar determinadas funções. Portanto, considera-se o sistema como
sensível às pressões externas e a língua como “motivada” iconicamente, o que significa
dizer que há uma relação não-arbitrária entre a instrumentalidade do uso da língua (a
função) e a sistematicidade de sua estrutura (a gramática).
Por isso, a investigação da língua se dá por meio de ocorrências reais de uso, isto
é, por meio dos gêneros textuais (orais ou escritos), tidos como práticas discursivas dos
falantes em diferentes esferas de suas atividades. Com isso, busca-se integrar os
diferentes níveis de análise: o sintático, o semântico e o pragmático, cujo predomínio se
dá sobre os demais. Sendo assim, o nível sintático é responsável pela organização, em
estruturas, do conteúdo semântico, conforme os aspectos pragmáticos, o que permite
analisar a frase “não apenas nos níveis fonológico, morfológico e sintático, mas também
no nível comunicativo” (NEVES, 2001).
Segundo essa concepção, os enunciados são organizados conforme o propósito
comunicativo de cada falante e, por isso, conforme Neves (2001, p.17), “as frases são
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vistas como unidades comunicativas que veiculam informações, ao mesmo tempo, que
estabelecem ligação com a situação de fala e com o próprio texto lingüístico”, ou seja, o
enunciado é, a um só tempo, mensagem e evento de interação.
A partir desse ponto de vista, Hengeveld (1988;1989) e Dik (1989) propuseram
uma representação da estrutura frasal em camadas, que correspondem aos níveis
representacional e interpessoal, como podemos observa no quadro 1:

Quadro 1: As camadas da estrutura frasal2

Função Nível Unidade Estrutural Referência


Interpessoal 4 Cláusula ato de fala
3 Proposição fato possível
Representacional 2 Predicação estado de coisas
1 Predicado propriedade/
relação

Primeiramente, no nível representacional, temos um predicado, que designa


propriedades ou relações, ao qual se atribuem os termos, que designam entidades,
originando uma predicação, que representa um estado-de-coisas, doravante EC, algo que
pode ocorrer em algum mundo, seja real ou imaginário.
Na função interpessoal, temos os níveis 3 e 4, que correspondem, respectivamente,
a proposição (predicação que designa um “conteúdo proposicional” ou um “fato
possível’), que pode ser negada, questionada, mencionada, etc; e a cláusula (proposição
revestida de força ilocucionária), que corresponde a um ato de fala, tais como asserção,
pergunta, ordem, etc.
O nível de atuação do modalizador faz com que se distinga três tipos de
modalidades, a saber: a inerente, a objetiva e a epistemológica (HENGEVELD,
1988;1989).
A modalidade inerente refere-se à relação entre um participante e a realização do
EC, no qual ele está inserido. Configura-se, portanto, no nível interno à predicação,
indicando, geralmente, capacidade, habilidade e volição.
A modalidade objetiva está subdividida em deôntica e epistêmica. Na modalidade
dita objetiva deôntica, o falante avalia o estatuto de realidade de um EC, segundo
convenções morais, sociais ou legais, como obrigatório> aceitável> permissível>
inaceitável> proibido (escala de permissividade). Na modalidade objetiva epistêmica, o
falante avalia o estatuto de um EC como
certo>provável>possível>improvável>impossível (escala de possibilidade), segundo o
seu conhecimento (NEVES, 1996, p.177). Nesses dois subtipos de modalidade, o falante
está isento de responsabilidade, pois não existem marcas lingüísticas que revelem sua
relação pessoal com o que é dito.
A modalidade epistemológica diz respeito ao (des)comprometimento do falante
em relação ao conteúdo da proposição. Tal modalidade pode ser subdividida em
subjetiva epistêmica ou boulomaica, na qual o falante se assume como fonte da

2
Este quadro adaptado do texto Uma análise funcional da modalidade epistêmica, de Marize Mattos
DALL’AGLIO-HATTNHER.
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informação, que, por isso, não pode ser questionada; e evidencial (inferencial, citativa
ou experiencial), na qual o falante, dependendo da sua intenção comunicativa, pode ou
não indicar a fonte de informação, como forma de (des)comprometer-se com relação a
mensagem que ele veicula.
Quanto aos meios de expressão, a modalidade, em língua portuguesa, pode por
expressa por verbos, sejam os auxiliares modais (poder, dever), sejam os de
significação plena, como indicadores de opinião, crença e etc (achar, parecer, saber...),
que formam os predicados encaixadores; por advérbios (“provavelmente”,
“possivelmente”, “certamente”, “obrigatoriamente”...); por adjetivos que atuem como
predicativo, tais como “é possível”, “é preciso”, “é necessário”, etc; e por substantivos
(certeza, convicção, possibilidade, obrigação, dever...). Podendo, ainda, ser expressa por
meios prosódicos e algumas categorias gramaticais do verbo, tais como aspecto, tempo,
modo e etc (NEVES, 1996).

2.2. UM GÊNERO ACADÊMICO: O ARTIGO CIENTÍFICO

Um artigo científico é um relato escrito, cujo objetivo central é “discutir ou


apresentar fatos referentes a um projeto de pesquisa experimental” ou “apresentar uma
revisão dos livros e artigos publicados anteriormente” (MOTTA-ROTH, 2003, p.18).
Geralmente, é publicado, mensalmente ou trimestralmente, em periódicos e revistas
acadêmicas de diversas áreas, com uma extensão aproximada entre 10 e 20 páginas.
Como qualquer outro trabalho científico está estruturado da seguinte maneira:
1. Preliminares (cabeçalho, autores, credenciais do(s) autor(es) e local das
atividades);
2. Sinopse;
3. Corpo do artigo (introdução, texto, comentários e conclusões);
4. Parte referencial (bibliografia, apêndices ou anexos, agradecimentos e data).

3. METODOLOGIA

Para análise da manifestação da modalidade dita epistêmica em enunciados


efetivos, constituímos um corpus* de amostras textuais pertencentes a artigos científicos
da área de Humanidades: Letras-Lingüística (revista DELTA), Sociologia (cedes1843 e
cedes2154) e História (RHB1734 e RHB2039), totalizando, aproximadamente, 22500
palavras. Essas amostras foram obtidas de periódicos nacionais disponíveis na internet,
e fazem parte do corpus do GEF.
Primeiramente, identificamos os enunciados modalizados epistemicamente e
classificamos cada amostra textual segundo alguns critérios: o nível de ocorrência do
modalizador, os meios de expressão da modalidade e a escala (certeza e não-certeza/
probabilidade), com a qual o falante avalia um EC e o seu (des)comprometimento com a
verdade do que é dito. Em seguida, procedemos à análise quantitativa, utilizando os
programas Makecell e Crosstab do pacote computacional Varbrul para verificação de
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freqüência das ocorrências da modalidade epistêmica. Por último buscamos relacionar


os aspectos sintáticos, semânticos e pragmático-discursivos que caracterizam o artigo
científico, atentando, também, para os efeitos de sentido desta categoria de modalidade.

4. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

4.1 A modalidade no eixo do conhecimento: a objetiva epistêmica e a


epistemológica3

Após a identificação das modalidades no eixo do conhecimento, nos artigos


científicos, temos expostos, no gráfico 1, os resultados relativos ao emprego das
diversas modalidades:

Gráfico 1: Ocorrências das modalidades no eixo do conhecimento

Obj.
Epistê mica
Citativa 20%
33%

Subj. Epist.
Infere ncia l 27%
Boulomaic
19% a
1%

Os dados do gráfico 1 mostram que, nos artigos científicos analisados, a


modalidade dita epistemológica evidencial citativa (C) é a mais utilizada. Esse tipo de
modalidade tem como escopo a proposição e produz um efeito de
(des)comprometimento do falante em relação ao conteúdo da mensagem que ele veicula.
Ao indicar a fonte do conhecimento, ou seja, ao fazer referência a outros autores, o autor
busca dar mais credibilidade ao seu trabalho, e passar ao leitor a idéia de que o seu
conhecimento é partilhado por pessoas credenciadas, qualificando-se, assim, também
como “um membro de uma determinada cultura disciplinar”. Trata-se, portanto, de uma
estratégia textual-discursiva, na qual o autor ao citar outro estudioso, primeiramente, se
descompromete, pois o reconhece como fonte da informação, e, ao mesmo tempo, se
compromete, ao aceitar como verdade a mensagem veiculada pelo outro, visando dar
crédito ao seu discurso, como em (1):

(1) Para se chegar às expressões lingüísticas, regras de colocação atribuem


posições aos constituintes da estrutura subjacente na seqüência linear em que eles
são atualizados. Segundo Dik (1989), tais regras devem ser consideradas como
parte do componente de expressão da GF, isto é, a ordem dos constituintes serve

3
Terminologia usada por Hengeveld (1988;1989).
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como um dos meios através dos quais relações e funções da estrutura subjacente
podem ser formalmente expressas. (DELTA-ga/GEF)

Observamos que, nos artigos científicos, o autor busca demonstrar a relevância de


sua pesquisa, por isso ele expõe suas idéias, avalia os resultados encontrados, faz
citações, argumenta... Portanto, o estudioso visa “legitimar seu ponto de vista”,
incorporando ao texto a voz “daqueles pertencentes a órgãos e institutos de pesquisa
renomados, cuja autoridade atribui um caráter de confiabilidade e veracidade ao
argumento defendido”. (LEIBRUDER, 1999, p.239).

Uma outra modalidade também bastante recorrente, e que tem como escopo a
proposição, é a modalidade epistemológica subjetiva epistêmica (S), na qual o falante é
tido como fonte da informação veiculada na proposição, ao mesmo tempo, que faz um
julgamento sobre essa informação, como em (2):

(2) Em nosso entender, a música é a expressão do pensar e do sentir das pessoas


de uma determinada época. Além de proporcionar prazer, ela também pode
informar e conscientizar. Portanto, para nós, esta postura de consumo significa
estar à margem da cultura como um todo. (CEDES2154-ga/GEF)

O falante, portanto, assume a responsabilidade pelo que é dito, ou seja, ele se


compromete com a informação por ele veiculada, pois “o evento é um construto
(pensamento, crença, fantasia) do próprio falante” (NEVES, 1996, p.109).

4.1.1. MEIOS DE EXPRESSÃO DA MODALIDADE EPISTÊMICA EM


ARTIGOS CIENTÍFICOS

No gráfico 1, podemos ver a ocorrência de cada modalizador nos diversos tipos de


modalidade:

Gráfico 1: Meios de expressão da modalidade epistêmica.


Meios e expressão

60

40 O (operador)
A (pred. enc.adjetival)
20
N (pred. enc. nominal)
0 V (pred. enc. verbal)
D E S B I C X Total T (satélite)
Tipos de modalidade

De acordo com o gráfico, os meios de expressão mais utilizados nos artigos


científicos utilizados foram os satélites, que ocorrem no nível da proposição, como
pudemos observar em (6), (7), (8) e (9). Os operadores (verbos auxiliares modais), que
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são utilizados no nível da predicação, também foram bastante freqüentes, como o verbo
“poder”, indicando possibilidade epistêmica.

4.1.1.1. NO NÍVEL DA PREDICAÇÃO

a) A avaliação epistêmica da realidade de um EC pode ser expressa por meios


gramaticais, denominados operadores de predicação, que, geralmente, são verbos
auxiliares modais, como em (3):

(3) A pergunta que fiz, menos do que apontar para qualquer intenção "oculta",
poderia ser recolocada nos seguintes termos: na perspectiva de polemizar,
seguindo minha leitura e interpretação dos objetivos desse seminário, a discussão
deve centrar-se não nos aspectos que nos unem, mas naquilo que, talvez, possa
nos separar. (cedes1843-ga/GEF)

b)A avaliação epistêmica da realidade de um EC pode ser expressa por meios lexicais,
chamados de predicados encaixadores, como em (5):

(5) É apenas possível estudar a especificidade e a singularidade dos fenômenos e,


por isso, podem-se descrevê-los de forma fragmentada e isolada, perdendo-se a
explicação e a compreensão do real em sua globalidade. (cedes1843-ga/GEF)

4.1.1.2. NO NÍVEL DA PROPOSIÇÃO

a) O (des)comprometimento do falante em relação à verdade da proposição pode ser


expressa por satélites, como em (6), (7), (8) e (9):

(6) Na verdade, tem faltado o esforço intelectual para a produção de conhecimento


sobre aquilo que aparece como novo. (cedes1843-ga/GEF)

(7) Colocados os termos de minha argumentação de que a crítica pós-moderna não


apresenta novidade uma vez que não é a primeira e, creio, nem será a última vez
que se anuncia "o fim da história", quero dizer que a chamada crise dos
paradigmas, tal como está sendo colocada, para mim, é uma falsa questão. (PST:
cedes1843-ga/GEF)

(8) Para Adorno, "as pessoas aceitam com maior ou menor resistência aquilo que
a existência dominante apresenta à sua vista e ainda por cima lhes inculca à força,
como se aquilo que existe precisasse existir dessa forma" (idem, p. 178). (PCT:
cedes2154-ga/GEF)

(9) Efetivamente, não há como ou por que negar as mudanças na realidade que se
apresenta como "nova". Trata-se de uma realidade tão complexa que deve ser
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conhecida. Mas deve-se, antes de tudo, indagar: Estamos falando de outra


realidade que não seja aquela do capitalismo, mesmo que em sua "forma
contemporânea"? (PIT: cedes1843-ga/GEF)

b)O (des)comprometimento do falante em relação à verdade da proposição pode ser


expressa por meios lexicais (predicados encaixadores adjetivais, verbais e nominais),
como em (10) e (11):

(10) Penso que, paradoxalmente, o imaginário passou a desempenhar um papel


cada vez maior na vida delas, na medida em que Raimunda, Sinhá Vitória e/ou
muitos outros trabalhadores rurais mudavam incessantemente de um lugar para
outro, tornando seu sonho cada vez menos real. (PSV: RHB1734-ga/GEF)

(11) Forçados que somos a admitir que quadros teóricos alternativos produzem
análises alternativas, muitas vezes incompatíveis, temos consciência de que, por
qualquer critério de avaliação, a validade de qualquer interpretação é fato
indiscutível, se for coerente com os pressupostos que a norteiam. (PSN: DELTA-
ga/GEF)

O uso da terceira pessoa, no singular ou no plural, indica um forte


descomprometimento do autor com relação à mensagem veiculada por ele. Entretanto
em (11), ao empregar a primeira pessoa do plural (nós), o falante busca dividir a
responsabilidade pelo que é dito, assim, sua certeza e o seu conhecimento são
compartilhados. Em (10), ao utilizar a primeira pessoa do singular (eu), o falante se
compromete fortemente com o conteúdo do enunciado, pois a fonte de conhecimento é o
próprio autor. Portanto, o grau de comprometimento pode ser expresso em continuum,
que vai do descomprometimento ao máximo comprometimento:

Descomprometimento comprometimento
(3ª. Pessoa) (1ª. Pessoa/plural) (1ª. Pessoa/singular)

4.1.2. A MODALIDADE DO CERTO

Podemos observar, no gráfico 2, que a modalidade que tem como escopo a


proposição, caracteriza-se pela expressão da certeza do enunciador:

Gráfico 2: Nível de ocorrência do modalizador X Escala de possibilidade


370

100
80
Predicação
60
Proposição
40
Total
20
0
Certeza Não-certeza Possível Impossível Total

Correlacionado o nível de ocorrência do modalizador com a escala de


possibilidade, verificamos que o falante avalia como verdadeira a mensagem veiculada
por ele, o que corresponde a 53% do total de ocorrências, como na ocorrência (12):

(12) Fala-se muito em crise mas, afinal, não se diz de que crise se fala, o que ela
implica, quais os possíveis desdobramentos. Sem dúvida, uma crise está posta, sobre a
qual não tenho qualquer dúvida: uma crise sem precedentes da sociedade capitalista, da
realidade social. (cedes1843-ga/GEF)

Em (6) e (12), observamos que os modalizadores “Na verdade” e “não tenho


qualquer dúvida”, utilizados pelos autores expressam a certeza que o falante possui com
relação ao enunciado produzido por ele.

Como já dissemos, ao utilizar os modalizadores do possível, o falante tenta


diminuir sua responsabilidade pelo que é dito. Em (3) e (4), podemos notar que o verbo
modal “poder” é indicativo de possibilidade.
Há casos em que a categoria gramatical de tempo apresenta, também, um valor
modal, o que é visto como uma estratégia discursiva. Sendo assim, ao utilizar o futuro
do presente, o falante concebe a realidade do EC como possível. Vejamos em (13):

(13) Para Giraud, a crise de legitimidade e de identidade nacional poderá ser


enfrentada na invenção de novas modalidades de regulação social e política, de
novas formas de exercício da democracia. (cedes1843-ga/GEF)

O tempo presente é utilizado quando o falante avalia o EC como altamente


provável, enquanto que o futuro do pretérito é usado quando ele avalia a ocorrência do
EC como provável.

5. CONCLUSÕES

Tendo como base enunciados efetivos da língua em uso, tentamos mostrar como
a categoria modalidade epistêmica serve como uma estratégia textual-discursiva em
artigos científicos.
371

A partir da modalidade do eixo do conhecimento, ou melhor, da modalidade dita


epistêmica, analisamos os possíveis efeitos de sentido comunicativos no gênero em
questão, já que segundo Coraccini (1991, p. 120) “as modalidades constituem
verdadeiras estratégias discursivas, não podendo ser isoladas do ato de fala em que estão
inseridas”. Para isso, partimos do pressuposto de que a estrutura frasal está organizada
em camadas, como pressupõem alguns estudiosos, segundo uma perspectiva
funcionalista, que concebe que os enunciados estão organizados conforme o propósito
comunicativo de cada falante e são, a um só tempo, mensagem e evento de interação.
Verificamos, conforme já se esperava, uma maior freqüência da modalidade
epistemológica evidencial citativa, já que ela diz respeito à indicação da fonte da
informação contida nos enunciados, expressa por meio de satélites. Vimos também que,
na maioria dos casos, o falante qualifica o enunciado como certo, o que é próprio deste
gênero textual, uma vez que ele tenta persuadir o leitor acerca do seu ponto de vista.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PALMER, F. R. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

Abstract — The present paper aims to analyze how the epistemic modality constitute a discursive strategy
in scientific papers, looking upon your way of expression and the possible communicative purpose effects
that contribute for to give credibility the writer and to persuade the reader. Thus we choose a theoretical
approach that integrates the syntactic, semantic and pragmatic levels, the Functionalism. To analyzer this
category, we make use to the corpus of scientific papers in area of Humanity, approximately adding up
22500 words.

Key -words — Epistemic modality, Functionalism and Scientific papers.

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