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O TRÁFICO NEGREIRO.
Na passagem do mundo feudal para o moderno, a mentalidade era
voltada para a acumulação de riquezas. Esta mentalidade era reforçada pelo desprezo
dado neste momento à condenação a usura. No mundo moderno a atividade comercial
era o principal instrumento utilizado para o enriquecimento e fortalecimento político do
Estado Nacional ou moderno, e isto por si só justifica e reforça o interesse no
surgimento da expansão marítima e comercial.
No caso do movimento expansionista português, ocorrido sob as bênçãos da igreja
católica, a procura por uma rota alternativa para as Índias , exigia o contorno do litoral
africano e diante das intensas disputas com os espanhóis, os lusitanos asseguraram em
1494, através do Tratado de Tordesilhas não apenas o acesso ao novo mundo, como
também o domínio do litoral africano e da porção do Atlântico localizado entre o
Brasil e a África. Com relação ao trabalho escravo os portugueses já possuíam
experiência com este tipo de trabalho, desde 1441 com a chegada dos primeiros negros
escravizados em Portugal . Estimulados pela produção açucareira nas ilhas do Atlântico
cuja mão-de-obra básica era o negro , os portugueses especializaram-se no tráfico
negreiro construindo pela África algumas feitorias fortificadas cujo principal objetivo
era viabilizar o lucrativo comércio.
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Elementos reveladores da dimensão desta atividade para Portugal, são
os números apresentados no período compreendido entre 1486 e 1493, quando sob o
patrocínio da Coroa deram entrada no país mais de 3.000 escravos negros. Já no século
XVI existiam em Lisboa aproximadamente mais de 10 % de escravos .
O negro como mercadoria para o europeu era permutado com objetivo de
garantir lucro, para o africano era escambo , com objetivos distintos dos europeus. Daí
a importância das guerras inter-tribais na região.
O tráfico negreiro pelo seu desenvolvimento tornou-se uma importante
fonte de acumulação de capitais. Assim tráfico e escravidão tornavam-se atividades
integrantes do sistema mercantil, resultando assim a estruturação do tráfico com a
construção de feitorias no litoral, local de comércio entre os envolvidos nesta atividade
lucrativa. O surgimento da figura do agente a serviço do traficante faz parte deste
contexto, os Pumbeiros saíam a procura de Pumbos ( mercados onde se faziam as trocas
com as tribos locais). É importante ressaltar que os europeus também promoviam
guerras de assaltos contra tribos africanas com o intuito de capturar escravos.
O tráfico dependia de concessão régia em troca de tributos cobrados para
a Coroa, porém isto não impedia que a própria Coroa também realizasse este lucrativo
comércio.
O predomínio português no tráfico ocorria devido a produção de açúcar
nas ilhas do atlântico. Este comércio logo atraiu ingleses, franceses e holandeses
gerando grandes disputas entre os mesmos. Exemplo disto é o comportamento de John
Hawkins , corsário inglês que durante o reinado de Elizabete I em 1562 apreendeu mais
de 300 negros que seriam comercializados com a América espanhola . O tráfico inglês
intensificou-se com a exploração da atividade açucareira nas Antilhas , aspecto
curioso neste sentido é o fato que os ingleses ignorando os preceitos do pacto colonial
passaram a fornecer negros para economias rivais ( Antilhas francesas, espanholas.)
Assim esta atividade tornava-se essencial superando o objetivo inicial de apenas
viabilizar a produção.
No Brasil a introdução do negro na produção não é imediata . A
rentabilidade do comércio negreiro direcionou – se para a América espanhola ,
abundantes em ouro e prata , nas quais existia uma grande necessidade de mão-de-obra.
Na colônia brasileira o plantio de açúcar tem início em 1530, sendo que neste momento
ainda era incerta a sua lucratividade e isto explica a utilização do trabalho compulsório
de índios.
A rentabilidade da empresa colonial que direcionou o tráfico explica a
introdução imediata do negro na América espanhola e tardiamente no Brasil, cuja
demanda pela mão-de-obra negra será assegurada em função da consolidação da
empresa açucareira.
Importantes figuras no comércio de escravos eram os pumbeiros ou
tangomaos atuando como desembaraçadamente como intermediários entre o europeu e
o africano. Os tagomaos ou lançados buscavam o enriquecimento fácil e rápido, sendo
em geral pertencentes a elementos dos mais variados grupos sociais que pelos mais
variados motivos viviam a margem da sociedade ( judeus foragidos, cristãos
degredados ou fugitivos, refugiados políticos , náufragos ou então indivíduos que
abandonavam o reino em busca de riquezas). Inicialmente os tangomaos ou lançados
surgiram a partir da violação às restrições impostas ao comércio em Cabo verde, pelas
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autoridades portuguesas , porém posteriormente o termo lançado ou tangomaos passou a
identificar os indivíduos que atuavam no comércio de negros sempre negociando com
quem lhe oferecesse melhores condições.
Por burlar o controle português sobre este comércio, mais
especificamente lesando o fisco português e atuando junto aos comerciantes franceses ,
ingleses e holandeses – tradicionais concorrentes dos portugueses neste comércio – os
tangomaos não eram bem vistos por aqueles que cumpriam suas obrigações com a
Coroa portuguesa.
Os pombeiros eram mercadores que percorriam os mercados e as feiras
para negociar a obtenção de negros. Os Pombeiros em geral poderiam ser também
escravos de comerciantes e feitores , ou ainda libertos sendo mulatos ou negros
incumbidos de percorrerem os Pombos ou Pumbus.
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do negro na colônia, enquanto que caberia ao Estado através de leis restringir o
cativeiro indígena.
Além destes fatores a escravidão indígena, utilizada na implantação da
produção açucareira já havia tornado possível internamente a acumulação de capitais
em quantidade necessária à importação de negros. Ainda com relação aos índios é
importante ressaltar que estes também foram utilizados compulsoriamente na produção
de subsistência não só em São Vicente como em outras regiões da colônia.. Outro
esclarecimento, desta vez com relação a importação de negros torna-se necessário, pois
esta importação não foi uma atividade homogênea em toda a colônia, já que em regiões
como São Vicente, Maranhão e o Pará o potencial econômico não se assemelhava ao
encontrado no nordeste açucareiro, portanto estas regiões continuaram recorrendo a
mão de obra indígena.
Por outro lado a demanda externa exigia volumes cada vez maiores da
produção açucareira, aumentando a necessidade dos colonos por mais mão de obra , e
na medida em que a colonização, baseada no projeto agro-exportador desenvolvia-se
maior era o extermínio da população indígena prom,ovida pela ocupação do litoral e
pela escravização – é importante considerar também que a escravização do índio gerava
uma atividade interna, sobre a qual a Coroa não auferia lucros através da cobrança de
impostos.
O comércio negreiro interessava a Coroa, aos comerciantes e a igreja. Os
negros eram adquiridos a um custo extremamente baixo, pois eram trocados por
mercadorias européias de baixo valor e vendidos na América a preços elevados ou
trocados por fumo, açúcar e aguardente em grande quantidade . O comércio triangular
( Europa, África e América) construía fortunas e grande lucros eram alcançados. Ao
final do século XVI e início do XVII cativos negros chegavam em grande quantidade a
colônia atendendo a demanda dos colonos estabelecidos principalmente em regiões
agro-exportadoras.
Purgatório para os negros, catequese para os índios, era a retórica
utilizada pela igreja que condenava a escravidão do gentio e aprovava o cativeiro do
negro.
“Pelas presentes letras decretamos e declaramos com a nossa
autoridade apostólica, que os referidos índios e todos os demais povos que daqui
por diante venham ao conhecimento das cristãos, embora se encontrem fora da fé
de Cristo, são dotados de liberdade e não devem ser privados dela, nem do
domínio , nem devem ser reduzidos à escravidão; e que é ilícito, nulo e de nenhum
valor tudo quanto se fizer em qualquer tempo de outra forma.”
(Trecho da Bula Sublimis Deus – Papa Paulo III/1537)
Também no século XVIII, as palavras do padre jesuíta Antônio Viera
demonstravam com clareza o comportamento do clero com relação ao negro:
“Deveis dar infinitas graças a Deus, por vos haver dado
conhecimento de si e por vos haver tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós
vivíeis como gentios; e vos ter trazido a esta , onde instruídos na fé vivais como
cristãos e vos salvais”
Coube aos membros do clero o papel de justificar ideologicamente entre
os colonos o trabalho compulsório do negro. Ainda nas primeiras décadas da
colonização quando a população nativa ainda era abundante, donatários como Duarte
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Coelho (Pernambuco) e Pêro de Gois ( Paraíba do Sul) já solicitavam junto a Coroa a
licença para a importação de negros, muito embora ambos os pedidos fossem negados.
Somente a partir de 1559 a Coroa portuguesa, movida pela elevação da produção
açucareira no Brasil atenderia de forma crescente aos pedidos dos colonos.
Era comum a idéia entre os colonos de que os índios em comparação
com os negros eram menos capacitados para o trabalho pesado, resistiam menos às
doenças que dizimavam comunidade inteiras , além de fugirem freqüentemente devido
ao conhecimento sobre a região. Os Negros de Guiné , na concepção dos colonos
possuíam características opostas aos índios.
De forma inevitável a imagem do indio preguiçoso, rebelde e indolente e
do negro apto ao trabalho pesado e submisso cristalizou-se. Entretanto é preciso
esclarecer que o negro resistiu tanto quanto o índio e estava também sujeito as
epidemias, bastante comuns na colônia e descritas da seguinte forma por Ambrósio
Fernandes Brandão na sua obra “Diálogos das Grandezas do Brasil” :
“(...) grandíssima matança , assim no gentio como no natural da
terra como no de guiné, e no ano de 1616 e 1617 ficaram muitos homens neste
estado do Brasil de ricos , pobres pela grande mortandade que tiveram de
escravos”
Já no inicio do século XVII, o número de africanos no Brasil já era
significativo e cada vez mais elevado. Esta afirmação tem como ponto de partida a obra
acima citada:
“ Neste Brasil sé há criado um novo Guiné com a grande multidão de
escravos vindo dela que nele se acham ; em tanto que em algumas capitanias, há
mais deles que dos naturais da terra, e todos os homens que nele vivem tem metida
quase toda sua fazenda em semelhante mercadoria”
(op.cit).
TEXTO COMPLEMENTAR.
O embarque maldito.
SOCIEDADE MINERADORA
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No século XVII, a economia açucareira nordestina dava sinais de crise ,
sobretudo devido a concorrência no mercado europeu com as colônias francesas,
inglesas e holandesas. Diante deste quadro o Estado português passou a estimular a
procura por metais preciosos na colônia.
Coube aos paulistas o papel fundamental neste período, penetrando no
sertão atrás de riquezas. A capitania de São Vicente encontrava-se à margem da
principal atividade econômica colonial – produção açucareira nordestina – e por isso
mesmo inserida em um quadro de miséria e pobreza que atingia violentamente a
população vicentina :
“(...) situada em lugar baixo manencolisado e soturno, em uma ilha
de duas léguas de comprido. Esta foi a primeira vila e povoação de portugueses
que houve no Brasil; foi rica, agora é pobre por se lhe fechar o portão do mar e
barra antiga por onde entrou com sua frota Martin Afonso de Souza; e também
por estarem as terras gastas...”
(CARDIM,Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Belo horizonte/SP. Edusp)
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holandesa em Pernambuco. Além do apresamento de índios , os paulistas penetravam no
sertão procurando por ouro e prata.
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desembarcadas nos principais portos da colônia responsáveis pelo abastecimento da
região mineradora.
Na medida em que a exploração do ouro exigiam investimentos maiores
( aquisição de equipamentos hidráulicos usados para esmagar as rochas) aumentava a
necessidade por braços escravos. A elevação no preço do negro tornava-se inevitável ,
atingindo negativamente o já combalido nordeste açucareiro, assim o desenvolvimento
da mineração acentuava a decadência econômica do nordeste açucareiro, pois um
expressivo contingente deslocava-se para as minas na perspectiva de enriquecer,
incluindo-se alguns senhores de engenho e fazendeiros de gado que vendiam seus
escravos para a região das minas ou mudavam-se com eles para a mesma.
De um modo geral a produção agro-exportadora de açúcar sentia
negativamente os efeitos da mineração, e não por acaso a Coroa proibiria por algum
tempo a transferência de escravos de outras capitanias para as minas com o objetivo de
impedir a escassez de escravos em outras regiões , principalmente no nordeste. Foi
somente a partir de 1710 que a Coroa portuguesa liberou a venda de escravos de outras
regiões para as minas, mediante a comprovação de que os escravos a serem vendidos
não haviam sido retirados das plantações ou se o fossem que haviam sido substituídos
por igual número.
O cativo era submetido a uma extenuante carga de trabalho em locais de
grande insalubridade, como galerias subterrâneas, nas quais os desmoronamentos eram
constantes. O negro passava a maior parte do seus dia trabalhando dentro d’água,
durante o período de inverno. Assim podemos perceber que a taxa de mortalidade nas
minas não era das menores, com um grande número de cativos morrendo devido a
doenças no aparelho respiratório, como a pneumonia, e sobretudo por afogamento e
soterramento.
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Sobre o estafante e insalubre trabalho escravo nas minas Eschwege
escreveu:
“Não se poderia deixar de considerar (...) a saúde dos negros
seriamente abalada pelo grande esforço a dispender no levantar a carga e correr
em seguida até os lavadouros. Basta lembrar que esse esforço é causa de hérnias e
pneumonias, tão freqüentes entre eles, que por esse motivo raramente atingem
idade avançada.”
(op.cit)
A Inconfidência mineira.
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O entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com
a chegada a Minas do governador Luís da Cunha Meneses, em 1782. Cunha Meneses
marginalizou os membros mais significativos da elite, favorecendo seu grupo de
amigos. Embora não pertencesse a elite, o próprio Tiradentes se viu prejudicado , ao
perder o comando do destacamento dos Dragões que patrulhava a estratégica estrada
da Serra da Mantiqueira.
A situação agravou-se em toda a região mineira com a nomeação do
Visconde de Barbacena para substituir Cunha Meneses. Brabacena recebeu do ministro
português Melo e castro instruções no sentido de garantir o recebimento do tributo
anual de cem arrobas. Para completar essa cota, o governador poderia se apropriar de
todo o ouro existente e, se isso não fosse suficiente, poderia decretar a derrama, um
imposto a ser pago por cada habitante da capitania. recebeu ainda instruções no sentido
de investigar os devedores da Coroa e os contratos realizados entre a administração
pública e os particulares. As instruções faziam pairar uma ameaça geral sobre a
capitania e mais diretamente sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores
devedores da Coroa.
Aqui, abrindo um parênteses, é preciso explicar a origem dessas dívidas.
Elas se originavam, muitas vezes, de contratos feitos com o governo português para
arrecadar impostos. Na época colonial , era comum conceder essa função pública a
particulares com boas relações na administração. Eles pagavam uma quantia ´`a Coroa
pelo direito de cobrara os impostos, ganhando a diferença entre esse pagamento e o
que conseguiam arrecadar. Mas, freqüentemente , os contratadores nem sequer
chegavam, a completar o pagamento à Coroa, daí resultando dívidas que iam se
acumulando.
Os inconfidentes começaram a preparar o movimento de rebeldia nos
últimos meses de 1788, incentivados pela expectativa do lançamento da derrama. Não
chegaram, porém , a por em prática seus planos. Em março de 1789, Barbacena
decretou a suspensão da derrama, enquanto os conspiradores eram denunciados por
Silvério dos reis. Devedor da Coroa como vários dos inconfidentes, Silvério dos Reis
estivera próximo destes, mas optara por livrar-se de seus problemas denunciando o
movimento . Seguiram-se as prisões em Minas e a de Tiradentes no Rio de Janeiro. O
longo processo realizado na Capital da Colônia só terminou a 18 de Abril de 1792.
A partir daí , começou uma grande encenação da Coroa, buscando
mostrar sua força e desencorajar futuras rebelais . Só a leitura da setença durou dezoito
horas! Tiradentes e vários outros réus foram condenados à forca. Algumas horas depois
uma carta de clemência da Rainha Dona Maria transformava todas as penas em
banimento , ou seja, expulsão do Brasil, com exceção do caso de Tiradentes. Na manhã
de 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado num cenário das execuções do Antigo
Regime. Entre os ingredientes desse cenário se incluíam a presença da tropa, discursos
e aclamações à Rainha . Seguiram-se a retalhação do corpo e a exibição de sua cabeça.
Na praça principal de Ouro Preto.
Que pretendiam os inconfidentes?
A resposta não é simples, , pois a maioria das fontes à nossa disposição é
constituída do que disseram os réus e as testemunhas no processo aberto pela Coroa,
no qual se decidia, literalmente, uma questão de vida ou de morte. Aparentemente, a
intenção da maioria era a de proclamar uma República , tomando como modelo a
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constituição dos estados Unidos. O poeta e ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga
governaria durante os primeiros três anos e depois disso haveria eleições anuais. O
Distrito Diamantino seria liberado das restrições que pesavam sobre ele; os devedores
da Coroa, perdoados; a instalação de manufaturas incentivada. Não haveria exercito
permanente. m vez disso cidadãos deveriam usar armas e servir , quando necessário,
na milícia nacional.
O ponto mais interessante das muitas medidas propostas é o da
libertação dos escravos, que só excepcionalmente aparece em vários movimentos de
rebeldia não só do Brasil colônia como do Brasil independente. De um lado, no plano
ideológico, é incompreensível que um movimento pela liberdade mantivesse a
escravidão; de outro , no plano dos interesses, como é que membros da elite
colonial, dependentes do trabalho escravo, iriam liberta-los? Essa contradição surge no
processo dos inconfidentes , mas é bom ressalvar que nem sempre depoimentos
derivados de interesses pessoais predominaram nas declarações . Alvarenga Peixoto,
um dos maiores senhores de escravos entre os conjurados, defendeu a liberdade dos
cativos , na esperança de que eles assim se tornassem os maiores defensores da
República. Outros, como Alvares Maciel, achavampelo contrário, que sem escravos
não haveria que trabalhasse nas terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma
solução de compromisso, pela qual seriam libertados somente os escravos nascidos no
Brasil.
A Inconfidência Mineira é um exemplo de como acontecimentos
históricos de alcance aparentemente limitado podem ter impacto na história de um
país. Como fato material, o movimento de rebeldia não chegou a se concretizar , e suas
possibilidades de êxito, apesar do envolvimento de militares e contatos no Rio de
Janeiro eram remotas. (...)
Mas a relevância da Inconfidência Mineira deriva de sua força simbólica : Tiradentes
transformou-se em herói nacional , e as cenas de sua morte, o esquartejamento de seus
corpo, a exibição de sua cabeça passaram a ser evocadas com muita emoção e horror
nos bancos escolares. Isso não aconteceu da noite para o dia e sim através de um longo
processo de formação de um mito que tem sua própria história. Em um primeiro
momento , enquanto o Brasil não se tornou independente , prevaleceu a versão dos
colonizadores. A própria expressão “ Inconfidência Mineira”, utilizada na época e que
a tradição curiosamente manteve até hoje , mostra isso . “ Inconfidência “ é uma palavra
com sentido negativo que significa falta de fidelidade , não- observância de uma dever,
especialmente com relação ao soberano ou ao estado. Durante o império o episódio
incomodava , pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de
governo. Alem disso , os dois imperadores do Brasil eram descendentes em linha direta
da Rainha Dona Maria, responsável pela condenação dos revolucionários.
A proclamação da República favoreceu a projeção do movimento e a
transformação da figura de Tiradentes em márti9r republicano. Existia uma base real
para isso . Há índiciosde que o grande espetáculo , montado péla Coroa portuguesas
para intimidar a população da colônia , causou efeito oposto , mantendo viva a
memória do acontecimento e a simpatia pelos inconfidentes. A atitude de Tiradentes
assumindo toda a responsabilidade pela conspiração ., a partir de certo momento do
processo, e o sacrifício final facilitaram a mitificação de sua figura , logo após a
proclamação da República . O 21 de abril passou a ser feriado, e Tiradentes foi cada
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vez mais retrado com traços semelhantes às imagens mais divulgadas de Cristo. Assim
se tornou um dos poucos heróis nacionais, cultuado como mártir não só pela direita e
pela esquerda como pelo povo.
(Fausto, Borís. História do Brasil Ed. Edusp. P.114-119)
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As crônicas dos viajantes, olhares estrangeiros sobre as relações sociais no Brasil
colonial;
Durante o período colonial algumas vilas na região das minas, bem como
algumas cidades que apresentavam os principais portos da colônia concentravam, um
grande contingente de trabalhadores escravos exercendo as mais variadas atividades.
Assim cidade e campo tornavam-se dependentes com relação ao trabalho compulsório.
Sobre o trabalho escravo nos núcleos urbanos na colônia, ficaram os
relatos de viajantes estrangeiros e consequentemente suas respectivas impressões
acerca do que viam e por isso mesmo tornaram-se valiosa fonte de estudo sobre a
escravidão urbana.
O viajante francês Louis Tollenare descreveu as relações sociais entre
homens livres e cativos no recife, na qual percebemos aspectos significativos do
ambiente urbano e do trabalho compulsório presente nos mais variados ofícios.:
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O comportamento moral e ético do homem livre acerca do trabalho
compulsório nesta sociedade, também foi percebido nesta pelos olhares atentos do
viajante estrangeiro.:
“Um jovem de boa família, de 18 anos, foi convencido a honrar um
importante estabelecimento comercial com seus serviços no escritório da firma.
Certa vez, um dos sócios entregou-lhe um pacote não duas vezes menor do que
uma carta e pediu-lhe que o levasse a outra firma da vizinhança. O Jovem olhou o
pacotinho, olhou o comerciante; segurou o pacote entre o polegar e o indicador,
tornou a olhar novamente para o comerciante e o pacote, meditou um momento,
saiu porta afora e, depois de dar alguns passos, chamou um negro que atrás dele,
levou o pacote ao destinatário.”
(Ewbank, Thomas. A vida no Brasil. RJ. Ed. Conquista).
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Nas cidades o negro era utilizado como fonte de renda, inclusive por
famílias pobres que com a posse de pelo menos um negro de ganho garantiam uma
valiosa fonte de renda diária.
Os escravos de aluguel, eram em geral possuidores de conhecimentos
que lhes permitiam o exercício de determinados ofícios (marceneiros, sapateiros,
ferreiros, etc.,), tornando esta mão-de-obra valorizada, contribuindo para que o aluguel
deste escravo fosse uma promissora fonte de renda para os seus proprietários.
John Luccock, outro viajante (inglês) também deixou suas impressões
sobre as relações sociais, estabelecidas no ambiente urbano, destacando
consequentemente a importância e o valor econômico do trabalho escravo urbano, pois
o aluguel deste variava no seu preço conforme a habilidade e a qualidade praticada pelo
cativo em determinado ofício.:
“..uma nova classe social, composta de pessoas que compravam
escravos para o fim especial de instruí-los nalguma arte ou ofício, vendendo-os em
seguida por preço elevado , ou alugando seus talentos e trabalhos .”
(LUCOCCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil.
1808-1818 SP. Martins).
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No ambiente urbano a escravidão apresentava especificidade, que em
certos aspectos diferiam da escravidão rural. Pois conforme os relatos dos cronistas até
aqui citados as circunstâncias existentes nas cidades contribuíam para que pelo menos
de forma provisória o escravo dispusesse de sua força de trabalho, apresentando ao fim
da jornada uma renda estabelecida pelo seus proprietário, no caso dos escravos de
ganho.
Entretanto estas especificidade, interpretadas de forma equivocada,
permitiram o surgimento de afirmações acerca da brandura ou da suavidade da
escravidão nas cidades, em comparação com a escravidão rural, criando o mito de que
nas cidades o escravo poderia facilmente obter a alforria, bastando para tal contar com
a benevolência do seus senhor e com a sua vontade de trabalhar. Estas afirmações
construíram-se devido a percepção de que o escravo de ganho ao reter parte da renda
diária obtida com o seu esforço, poderia no futuro adquirir a tão sonhada liberdade.
Não se trata de ignorar ou até mesmo anular a possibilidade de obtenção
da alforria Ter sido bem maior nas cidades do que na zona rural, trata-se sim de
questionar as possíveis facilidades para obtenção da liberdade, como característica
definidora do mundo urbano isto porque ;”Com todos os pequenos subterfúgios de
que era capaz, dificilmente, porém , conseguia o escravo juntar dinheiro suficiente
para a compra da alforria. Na realidade, o senhor taxava o escravo a tanto por dia
ou semana, segundo sua força, atividade e inteligência.
Os criados domésticos ou alugados tinham pior sorte. Maiores
eram as possibilidades de conquistar a liberdade para os que tinham um ofício;
marceneiros, sapateiros, alfaiates, barqueiros ou carregadores”
(Viotti, Emília. Da Senzala a colônia. P. 280. Ed. Unesp).
“A escrava que ganhasse jornal de 200 réis por dia receberia 1.$400
por semana, devendo 800 réis à proprietária, que recebia por ano da escrava
40$000. Esta sendo só , gastaria no mínimo 70 réis por semana. Restariam 110 réis
líquidos pôr semana, com os quais poderia aos pouquinhos acumular um pecúlio
para si. Fato pouco provável, que somente tornava viável nos casos excepcionais de
escravos de ganho, com jornal de mais de 400 réis (...). O pecúlio acenava
remotamente com a possibilidade de uma alforria e nesse sentido era usado pelos
proprietários, como uma forma de disciplina de trabalho na impossibilidade de
vigilância mais distinta”
(Dias, M.ª Leite da Silva. Quotidiano e poder em SP no sec. XIX . SP. Braziliense p.
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