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ESCRAVIDÃO NEGRA NO BRASIL.

O trabalho compulsório foi bastante conhecido e praticado ao longo da


história da humanidade . Entretanto foi na antigüidade, em especial, entre os gregos e
os romanos que esta forma de trabalho foi sistematicamente organizada e transformada
em um modo de produção predominante nas respectivas sociedades, presentes nos mais
variados segmentos sociais. Na antigüidade a utilização do trabalho resultou do
desenvolvimento das instituições destas sociedades , relacionando-se a um passado de
tradições e de costumes e por isso mesmo legitimada do ponto de vista moral, material
e social. O trabalho escravo na antigüidade foi assim definido por Aristóteles:
“ Propriedade é uma palavra que deve ser entendida como se entende a palavra
parte: A parte não se inclui apenas no todo, mas pertence ainda, de maneira
absoluta, a uma coisa outra que ela mesma. Assim a propriedade: O senhor de
escravo, porém não pertence a este essencialmente.: O escravo, ao contrário não é
só escravo do senhor como ainda lhe pertence de uma modo absoluto” .
(Aristóteles. Política. Ed.Unb).
Com relação ao escravismo colonial é importante compreendermos que a
condição de escravo encontrava-se também associada a sujeição do trabalhador ao
proprietário, caracterizando assim uma profunda relação de dependência resultando na
apropriação do excedente e da própria pessoa física do trabalhador. Assim o escravo no
Brasil colonial era visto como objeto, peça ou mercadoria e portanto destituído de
vontade própria. Esta visão de escravo coisificado, reduz o mesmo a condição de ser
inanimado ignorando-se as possibilidades de resistência deste a sociedade escravista.
O escravo qualquer que seja (negro ou índio), sente, reage, vive e interage com o
mundo ao seu redor e estas ações resultam diretamente de experiências pessoais e/ou
coletivas que variam e acontecem de acordo com as condições e circunstâncias.

O TRÁFICO NEGREIRO.
Na passagem do mundo feudal para o moderno, a mentalidade era
voltada para a acumulação de riquezas. Esta mentalidade era reforçada pelo desprezo
dado neste momento à condenação a usura. No mundo moderno a atividade comercial
era o principal instrumento utilizado para o enriquecimento e fortalecimento político do
Estado Nacional ou moderno, e isto por si só justifica e reforça o interesse no
surgimento da expansão marítima e comercial.
No caso do movimento expansionista português, ocorrido sob as bênçãos da igreja
católica, a procura por uma rota alternativa para as Índias , exigia o contorno do litoral
africano e diante das intensas disputas com os espanhóis, os lusitanos asseguraram em
1494, através do Tratado de Tordesilhas não apenas o acesso ao novo mundo, como
também o domínio do litoral africano e da porção do Atlântico localizado entre o
Brasil e a África. Com relação ao trabalho escravo os portugueses já possuíam
experiência com este tipo de trabalho, desde 1441 com a chegada dos primeiros negros
escravizados em Portugal . Estimulados pela produção açucareira nas ilhas do Atlântico
cuja mão-de-obra básica era o negro , os portugueses especializaram-se no tráfico
negreiro construindo pela África algumas feitorias fortificadas cujo principal objetivo
era viabilizar o lucrativo comércio.

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Elementos reveladores da dimensão desta atividade para Portugal, são
os números apresentados no período compreendido entre 1486 e 1493, quando sob o
patrocínio da Coroa deram entrada no país mais de 3.000 escravos negros. Já no século
XVI existiam em Lisboa aproximadamente mais de 10 % de escravos .
O negro como mercadoria para o europeu era permutado com objetivo de
garantir lucro, para o africano era escambo , com objetivos distintos dos europeus. Daí
a importância das guerras inter-tribais na região.
O tráfico negreiro pelo seu desenvolvimento tornou-se uma importante
fonte de acumulação de capitais. Assim tráfico e escravidão tornavam-se atividades
integrantes do sistema mercantil, resultando assim a estruturação do tráfico com a
construção de feitorias no litoral, local de comércio entre os envolvidos nesta atividade
lucrativa. O surgimento da figura do agente a serviço do traficante faz parte deste
contexto, os Pumbeiros saíam a procura de Pumbos ( mercados onde se faziam as trocas
com as tribos locais). É importante ressaltar que os europeus também promoviam
guerras de assaltos contra tribos africanas com o intuito de capturar escravos.
O tráfico dependia de concessão régia em troca de tributos cobrados para
a Coroa, porém isto não impedia que a própria Coroa também realizasse este lucrativo
comércio.
O predomínio português no tráfico ocorria devido a produção de açúcar
nas ilhas do atlântico. Este comércio logo atraiu ingleses, franceses e holandeses
gerando grandes disputas entre os mesmos. Exemplo disto é o comportamento de John
Hawkins , corsário inglês que durante o reinado de Elizabete I em 1562 apreendeu mais
de 300 negros que seriam comercializados com a América espanhola . O tráfico inglês
intensificou-se com a exploração da atividade açucareira nas Antilhas , aspecto
curioso neste sentido é o fato que os ingleses ignorando os preceitos do pacto colonial
passaram a fornecer negros para economias rivais ( Antilhas francesas, espanholas.)
Assim esta atividade tornava-se essencial superando o objetivo inicial de apenas
viabilizar a produção.
No Brasil a introdução do negro na produção não é imediata . A
rentabilidade do comércio negreiro direcionou – se para a América espanhola ,
abundantes em ouro e prata , nas quais existia uma grande necessidade de mão-de-obra.
Na colônia brasileira o plantio de açúcar tem início em 1530, sendo que neste momento
ainda era incerta a sua lucratividade e isto explica a utilização do trabalho compulsório
de índios.
A rentabilidade da empresa colonial que direcionou o tráfico explica a
introdução imediata do negro na América espanhola e tardiamente no Brasil, cuja
demanda pela mão-de-obra negra será assegurada em função da consolidação da
empresa açucareira.
Importantes figuras no comércio de escravos eram os pumbeiros ou
tangomaos atuando como desembaraçadamente como intermediários entre o europeu e
o africano. Os tagomaos ou lançados buscavam o enriquecimento fácil e rápido, sendo
em geral pertencentes a elementos dos mais variados grupos sociais que pelos mais
variados motivos viviam a margem da sociedade ( judeus foragidos, cristãos
degredados ou fugitivos, refugiados políticos , náufragos ou então indivíduos que
abandonavam o reino em busca de riquezas). Inicialmente os tangomaos ou lançados
surgiram a partir da violação às restrições impostas ao comércio em Cabo verde, pelas
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autoridades portuguesas , porém posteriormente o termo lançado ou tangomaos passou a
identificar os indivíduos que atuavam no comércio de negros sempre negociando com
quem lhe oferecesse melhores condições.
Por burlar o controle português sobre este comércio, mais
especificamente lesando o fisco português e atuando junto aos comerciantes franceses ,
ingleses e holandeses – tradicionais concorrentes dos portugueses neste comércio – os
tangomaos não eram bem vistos por aqueles que cumpriam suas obrigações com a
Coroa portuguesa.
Os pombeiros eram mercadores que percorriam os mercados e as feiras
para negociar a obtenção de negros. Os Pombeiros em geral poderiam ser também
escravos de comerciantes e feitores , ou ainda libertos sendo mulatos ou negros
incumbidos de percorrerem os Pombos ou Pumbus.

Negros da Guiné, negros Brasis; introdução ou substituição.

O objetivo deste tópico é discutir os elementos gerais que no contexto


histórico atuaram decisivamente na presença do negro da Guiné na colônia. Desta
analisaremos os interesses que motivaram o posicionamento da igreja católica, de
colonos e da própria Coroa portuguesa acerca do problema apresentado.
Os portugueses assumiram a condição de pioneiros no comércio de
negros a partir do século XV. As primeira levas de negros chegaram a Portugal a
partir de 1441 de forma cada vez mais crescentes com os comerciantes portugueses
construindo fortalezas e entrepostos no litoral africano. A atuação dos portugueses neste
comércio dependia de concessão real em troca do pagamentos de impostos , sendo
comum também a própria atuação da Coroa importando grande quantidade de negros.
O cronista Eanes Zurara na “ Crônica da Guiné” expressa a profunda
identidade entre os feitos portugueses na África , a escravidão e o caráter também
religioso da ação portuguesa descrevendo assim os negros capturados “Os seus corpos
estivessem em alguma sujeição, isto era pequena cousa em comparação de suas
almas, que eternamente haviam de possuir verdadeira soltura”.
A expansão ultramarina tanto portuguesa como espanhola possuíam
interesses comercias e religiosos. Neste último, os dois países ibéricos assumiam a
condição de propagadores da fé católica, neste sentido não foi por mero acaso que a
igreja mediou a divisão do mundo entre os dois países ibéricos. É importante ressaltar
que o Papa Clemente VII através da Bula Interarcana declarava:
“(...) as nações bárbaras venham ao conhecimento de Deus (...) pela
força e pelas armas, se for necessário, para que suas almas possam participar do
reino do céu”.
O comércio de negros proporcionava excelentes lucros para a Coroa
obtidos com a cobrança de impostos , tanto na saída da África como na chegada na
América. A pratica comum em batizar o negro antes do embarque para o cativeiro era
assegurada através do pagamento de taxas ao sacerdote e isto garantia considerável
arrecadação aos cofres dos religiosos. Assim duas poderosas instituições lucravam com
a escravidão e com o transporte de negros, e isto explica em parte o empenho da igreja
em assumir o posicionamento favorável a escravidão e consequentemente a introdução

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do negro na colônia, enquanto que caberia ao Estado através de leis restringir o
cativeiro indígena.
Além destes fatores a escravidão indígena, utilizada na implantação da
produção açucareira já havia tornado possível internamente a acumulação de capitais
em quantidade necessária à importação de negros. Ainda com relação aos índios é
importante ressaltar que estes também foram utilizados compulsoriamente na produção
de subsistência não só em São Vicente como em outras regiões da colônia.. Outro
esclarecimento, desta vez com relação a importação de negros torna-se necessário, pois
esta importação não foi uma atividade homogênea em toda a colônia, já que em regiões
como São Vicente, Maranhão e o Pará o potencial econômico não se assemelhava ao
encontrado no nordeste açucareiro, portanto estas regiões continuaram recorrendo a
mão de obra indígena.
Por outro lado a demanda externa exigia volumes cada vez maiores da
produção açucareira, aumentando a necessidade dos colonos por mais mão de obra , e
na medida em que a colonização, baseada no projeto agro-exportador desenvolvia-se
maior era o extermínio da população indígena prom,ovida pela ocupação do litoral e
pela escravização – é importante considerar também que a escravização do índio gerava
uma atividade interna, sobre a qual a Coroa não auferia lucros através da cobrança de
impostos.
O comércio negreiro interessava a Coroa, aos comerciantes e a igreja. Os
negros eram adquiridos a um custo extremamente baixo, pois eram trocados por
mercadorias européias de baixo valor e vendidos na América a preços elevados ou
trocados por fumo, açúcar e aguardente em grande quantidade . O comércio triangular
( Europa, África e América) construía fortunas e grande lucros eram alcançados. Ao
final do século XVI e início do XVII cativos negros chegavam em grande quantidade a
colônia atendendo a demanda dos colonos estabelecidos principalmente em regiões
agro-exportadoras.
Purgatório para os negros, catequese para os índios, era a retórica
utilizada pela igreja que condenava a escravidão do gentio e aprovava o cativeiro do
negro.
“Pelas presentes letras decretamos e declaramos com a nossa
autoridade apostólica, que os referidos índios e todos os demais povos que daqui
por diante venham ao conhecimento das cristãos, embora se encontrem fora da fé
de Cristo, são dotados de liberdade e não devem ser privados dela, nem do
domínio , nem devem ser reduzidos à escravidão; e que é ilícito, nulo e de nenhum
valor tudo quanto se fizer em qualquer tempo de outra forma.”
(Trecho da Bula Sublimis Deus – Papa Paulo III/1537)
Também no século XVIII, as palavras do padre jesuíta Antônio Viera
demonstravam com clareza o comportamento do clero com relação ao negro:
“Deveis dar infinitas graças a Deus, por vos haver dado
conhecimento de si e por vos haver tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós
vivíeis como gentios; e vos ter trazido a esta , onde instruídos na fé vivais como
cristãos e vos salvais”
Coube aos membros do clero o papel de justificar ideologicamente entre
os colonos o trabalho compulsório do negro. Ainda nas primeiras décadas da
colonização quando a população nativa ainda era abundante, donatários como Duarte
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Coelho (Pernambuco) e Pêro de Gois ( Paraíba do Sul) já solicitavam junto a Coroa a
licença para a importação de negros, muito embora ambos os pedidos fossem negados.
Somente a partir de 1559 a Coroa portuguesa, movida pela elevação da produção
açucareira no Brasil atenderia de forma crescente aos pedidos dos colonos.
Era comum a idéia entre os colonos de que os índios em comparação
com os negros eram menos capacitados para o trabalho pesado, resistiam menos às
doenças que dizimavam comunidade inteiras , além de fugirem freqüentemente devido
ao conhecimento sobre a região. Os Negros de Guiné , na concepção dos colonos
possuíam características opostas aos índios.
De forma inevitável a imagem do indio preguiçoso, rebelde e indolente e
do negro apto ao trabalho pesado e submisso cristalizou-se. Entretanto é preciso
esclarecer que o negro resistiu tanto quanto o índio e estava também sujeito as
epidemias, bastante comuns na colônia e descritas da seguinte forma por Ambrósio
Fernandes Brandão na sua obra “Diálogos das Grandezas do Brasil” :
“(...) grandíssima matança , assim no gentio como no natural da
terra como no de guiné, e no ano de 1616 e 1617 ficaram muitos homens neste
estado do Brasil de ricos , pobres pela grande mortandade que tiveram de
escravos”
Já no inicio do século XVII, o número de africanos no Brasil já era
significativo e cada vez mais elevado. Esta afirmação tem como ponto de partida a obra
acima citada:
“ Neste Brasil sé há criado um novo Guiné com a grande multidão de
escravos vindo dela que nele se acham ; em tanto que em algumas capitanias, há
mais deles que dos naturais da terra, e todos os homens que nele vivem tem metida
quase toda sua fazenda em semelhante mercadoria”
(op.cit).

TEXTO COMPLEMENTAR.

Os negros arrancados da África pertenciam aos mais variados grupos


étnicos ( Guinéus, angolanos, bantus, sudaneses, minas...), estima-se que até 1850 o
número de africanos transportados para o Brasil foi de 3,6 milhões.

O embarque maldito.

Os cativos eram levados para acosta pelos escravizadores ou por


comerciantes especializados no comércio com o litoral. Africanos eram negociados
diversas vezes nos sertões, antes de chegarem às feitorias. Mercadores viajavam por
meses, pelo interior comerciando nas aldeias, produtos europeus por cativos e gêneros
da região, ao completarem a “ carga”, tomavam a direção do mar.
Durante as longas marchas, os cativos eram vigiados pelos comerciantes
e capangas, armados com chicotes e fuzis. Eles viajavam, em fila indiana, atados ao
pescoço. Em Angola, a corrente , corda, madeira ou bambu que sujeitava os cativos
chamava-se libambo(...).
Nas caminhadas pelos sertões, que podiam durar meses, os cativos
carregavam pesadas cargas sobre a cabeça (...). Se não houvesse nada para carregar,
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transportavam pedras e sacos de areia de uns vinte quilos. Os comerciantes sabiam que
cansados e mal alimentados os prisioneiros podiam ser mais facilmente controlados.
Os cativos avançavam aterrorizados, com pernas e pés feridos, quase sem
força para andar. Os comerciantes abusavam do chicote (...). Se fossem incapazes de
andar , eram deixados , à beira das trilhas com as gargantas abertas.
Feitores adiantavam mercadorias para que comerciantes africanos
negociassem cativos no interior durante essas longas expedições . Como muitos
mercadores jamais voltavam ao litoral , com o tempo os feitores europeus enviavam
seus filhos mestiços para negociar nos sertões. Em muitas regiões da África, os
mulatos erram identificados como tratantes de cativos .
Comerciantes e feitores trapaceavam sem pejo. Os africanos
descansavam e alimentavam os prisioneiros , antes de apresenta-los nas feitorias.
Rapavam e pintavam o cabelo e a barba dos prisioneiros idosos. Esfregavam a pele dos
cativos enfermos com pólvora, suco de limão, óleo de palma, pedra – ume e outros
produtos, para melhorar a aparência da “ mercadoria”.
Os feitores lambiam a pele dos cativos para descobrir essas fraudes.
(Maestri, Mário. Escravismo no Brasil atual. P. 44/5 ed. contexto ).

SOCIEDADE MINERADORA

Portugueses e espanhóis, pioneiros na expansão marítima e comercial


européia lançaram-se ao Atlântico diante de um conjunto de necessidades que lhes
impunham a perspectiva de encontrar ouro e prata. Os fundamentos econômicos
daquele período baseavam-se na crença de que o poderio econômico de uma nação
mensurava-se pela quantidade de metais preciosos acumulados internamente. Entretanto
forma os espanhóis que encontraram grandes quantidades de ouro e prata logo nos
primeiros momentos da colonização da América.
Aos portugueses que não encontraram a mesma sorte que os espanhóis,
restava apenas a crença na possibilidade de encontrar os metais preciosos no brasil
devido a sua proximidade geográfica com a América espanhola. Por isso mesmo no
século XVII, os colonos lançariam-se a procura do ouro e da prata, encontrando-os
somente no século seguinte.

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No século XVII, a economia açucareira nordestina dava sinais de crise ,
sobretudo devido a concorrência no mercado europeu com as colônias francesas,
inglesas e holandesas. Diante deste quadro o Estado português passou a estimular a
procura por metais preciosos na colônia.
Coube aos paulistas o papel fundamental neste período, penetrando no
sertão atrás de riquezas. A capitania de São Vicente encontrava-se à margem da
principal atividade econômica colonial – produção açucareira nordestina – e por isso
mesmo inserida em um quadro de miséria e pobreza que atingia violentamente a
população vicentina :
“(...) situada em lugar baixo manencolisado e soturno, em uma ilha
de duas léguas de comprido. Esta foi a primeira vila e povoação de portugueses
que houve no Brasil; foi rica, agora é pobre por se lhe fechar o portão do mar e
barra antiga por onde entrou com sua frota Martin Afonso de Souza; e também
por estarem as terras gastas...”
(CARDIM,Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Belo horizonte/SP. Edusp)

Neste contexto descrito acima, os vicentinos sobreviveriam às custas do


trabalho compulsório indígena largamente utilizado na produção interna e
posteriormente comercializado com o Nordeste açucareiro, sobretudo após a ocupação

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holandesa em Pernambuco. Além do apresamento de índios , os paulistas penetravam no
sertão procurando por ouro e prata.

“(...)os paulistas constituíam um tipo físico mestiço de português e de


índios. Afeitos à vida itinerante de seus antepassados e conhecedores profundos do
sertão, entravam mato adentro em “busca de remédios para a sua pobreza”,
conforme dizem os documentos de época. Primeiro preavam índios para suas
lavouras de mantimentos; quando a guerra com os holandeses (...) provocou um
colapso no comércio de escravos, passaram a revender o gentio para o nordeste
açucareiro. A seguir, fizeram buscas de metais nobres e pedras preciosas a sua
atividade dominante (...)”
(VERGUEIRO, Laura. Opulência e miséria das Minas Gerais. Ed. Brasiliense)

Em 1695 ocorreriam as primeiras descobertas mais significativas de ouro


no Brasil, causando um verdadeiro alvoroço entre os paulistas, daí para a frente
passaram a ser comuns os relatos sobre a descoberta de novas regiões e em pouco tempo
colonos de outras regiões juntamente com portugueses chegavam em grande número à
região das minas buscando o enriquecimento fácil .
Inicialmente os mamelucos paulistas possuíam uma grande vantagem,
pois conheciam – melhor do que os outros – os caminhos na região das minas, tendo
facilidades para sobreviver no mato, ao contrários dos demais – principalmente os
portugueses- que ávidos pelo ouro lançavam-se sertão adentro sem provisionarem de
forma eficiente suas expedições, acabavam por morrer de fome antes mesmo de
chegarem ao seus destino.
Os paulistas, foram também responsáveis logo no inicio pela
administração da região das minas, pois esta fazia parte da capitania de São Paulo.
Devido ao elevado fluxo populacional crimes e conflitos de toda espécie passaram a
fazer parte do quadro social da região.
Muito embora a escravidão indígena fosse proibida pela metrópole, os
paulistas praticavam constantemente o apresamento de índios, utilizando-os também
como escravos na mineração. Os negros da terra só foram superados pelos negros da
Guiné nesta atividade , após a guerra dos Emboabas (1708/1709). Esta guerra refletiu
exatamente o antagonismo existente entre paulistas que utilizavam os índios e os
“emboabas” ( termo que varia entre forasteiro e aves de pés cobertos), portugueses e
colonos de outras regiões, sobretudo baianos. Foi a partir da derrota dos paulistas que o
negro da Guiné tornou-se predominante nas minas. Em 1709 a Coroa criou a Capitania
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Real da Minas Gerais, posteriormente seria aberta uma estrada ligando a região ao Rio
de Janeiro.
A atividade mineradora do século XVIII, utilizou como fonte de trabalho
predominante o negro. Inicialmente ocorria a garimpagem do ouro de aluvião
encontrado nos leitos e margens dos rios, devido a ação erosiva das águas que
provocavam o esfarelamento das rochas auríferas . Estes locais passaram a ser
denominados de faisqueiras pelos mineradores.
A abundância do ouro aluvional, encontrado nos rios e pequenos
córregos atraiu multidões de indivíduos que movidos pelo desejo de enriquecimento ,
eram desprovidos de conhecimentos técnicos sobre a atividade. Para procurar pelo ouro
bastava disposição e vontade para trabalhar duro e tendo sorte enriquecer, além de
possuir instrumentos simples como o almocafre, tipo de enxada pequena e a batéia de
madeira ou metal característicos dos faiscadores. Na medida em que o ouro esgotava-
se , os faiscadores rapidamente se deslocavam procurando novos veios.
A ação, bem como os instrumentos utilizados pelos faiscadores foi descrita pelo barão
de Eschwege assim:
“Como os grãos de ouro não fossem geralmente grandes de modo a
facilitar o trabalho de agarra-los com os dedos, recorreram primeiramente aos
pratos de estanho, indispensáveis a todo aventureiro (...) assim o prato de estanho
foi sendo substituído paulatinamente por uma vasilha de madeira semelhante a um
prato grande que, a princípio possuía forma de gamela, nome pelo qual era
conhecida. Finalmente apareceram as batéias ligeiramente afuniladas, usadas
ainda hoje (...)”
(ESCHWEGE. Pluto brasiliensis. Belo Horizonte . Itatiaia SP. Edusp).

O trabalho escravo na sociedade mineradora.

Vimos anteriormente que os paulistas utilizaram a mão-de-obra indígena


nos momentos iniciais da mineração e que esta posteriormente após a guerra dos
emboabas daria lugar ao negro. A maioria dos escravos africanos utilizados na
mineração eram oriundos da África Ocidental, mais precisamente da Baía de Benin –
Costa da Mina – e de Angola. A preferência pelos escravos da África Ocidental devia-se
aos seus conhecimentos sobre metalurgia e mineração. Desta forma os negros teriam
sido responsáveis pela introdução de uma série de técnicas e de instrumentos :
“ No inicio da mineração, peneirava-se simplesmente a areia aurífera
numa bacia de estanho. Mais tarde, porém , os escravos africanos recém-
chegados, que tinham aprendido em sua pátria a procurar ouro, introduziram
métodos mais seguros: a utilização de peles de animais e, principalmente , a
batéia, espécie de gamela redonda de pau , pouco profunda que é sacudida num
rápido movimento de rotação e que permite separar com maior facilidade o ouro
da areia”
(BASTIDE, Roger. Brasil, terra de contrastes. . 1967 ed. Difel).

O trabalho escravo do negro era utilizado não apenas na extração , mas


também no transporte de cargas das mais variadas procedências e que eram

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desembarcadas nos principais portos da colônia responsáveis pelo abastecimento da
região mineradora.
Na medida em que a exploração do ouro exigiam investimentos maiores
( aquisição de equipamentos hidráulicos usados para esmagar as rochas) aumentava a
necessidade por braços escravos. A elevação no preço do negro tornava-se inevitável ,
atingindo negativamente o já combalido nordeste açucareiro, assim o desenvolvimento
da mineração acentuava a decadência econômica do nordeste açucareiro, pois um
expressivo contingente deslocava-se para as minas na perspectiva de enriquecer,
incluindo-se alguns senhores de engenho e fazendeiros de gado que vendiam seus
escravos para a região das minas ou mudavam-se com eles para a mesma.
De um modo geral a produção agro-exportadora de açúcar sentia
negativamente os efeitos da mineração, e não por acaso a Coroa proibiria por algum
tempo a transferência de escravos de outras capitanias para as minas com o objetivo de
impedir a escassez de escravos em outras regiões , principalmente no nordeste. Foi
somente a partir de 1710 que a Coroa portuguesa liberou a venda de escravos de outras
regiões para as minas, mediante a comprovação de que os escravos a serem vendidos
não haviam sido retirados das plantações ou se o fossem que haviam sido substituídos
por igual número.
O cativo era submetido a uma extenuante carga de trabalho em locais de
grande insalubridade, como galerias subterrâneas, nas quais os desmoronamentos eram
constantes. O negro passava a maior parte do seus dia trabalhando dentro d’água,
durante o período de inverno. Assim podemos perceber que a taxa de mortalidade nas
minas não era das menores, com um grande número de cativos morrendo devido a
doenças no aparelho respiratório, como a pneumonia, e sobretudo por afogamento e
soterramento.

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Sobre o estafante e insalubre trabalho escravo nas minas Eschwege
escreveu:
“Não se poderia deixar de considerar (...) a saúde dos negros
seriamente abalada pelo grande esforço a dispender no levantar a carga e correr
em seguida até os lavadouros. Basta lembrar que esse esforço é causa de hérnias e
pneumonias, tão freqüentes entre eles, que por esse motivo raramente atingem
idade avançada.”
(op.cit)

O porta Alvarenga Peixoto, também, registrou a exploração do negro em


versos.:
Estes homens de vários acidentes,
Pardos e pretos, tintos e tostados
São os escravos duros e valentes,
Aos penosos trabalhos acostumados:
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Eles mudam os rios, as correntes,
Rasgam as serras, tendo sempre armados
Da pesada alavanca e duro malho
Os fortes braços feito ao trabalho.

O tratamento dispensado aos negros culminava com as estratégias de


resistências à sociedade mineradora e escravista através de fugas, assassinatos de
brancos, formação de quilombos e de bandos. Por contas destas ações a Coroa já em
1719 estimulava a concessão, na região das minas de carta patente de Capitão - de -
mato, incentivando também a organização de expedições de combate e destruição aos
quilombos.

As formas de combate à resistência do negro, não encontravam limites ao


serem propostas pelas autoridades, variando desde a amputação da perna direita do
negro fugido até ao corte do tendão de Aquiles de um dos pés do fugitivo recapturado.
Entretanto tais propostas, pelo menos oficialmente não foram colocadas em prática,
sendo refutadas pela autoridade colonial competente da seguinte forma :
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“Digo que isto é uma barbaridade indigna de homens que tem o nome de cristãos
e vivem ao menos com a exterioridade de tais e mereciam ser asperamente
repreendidos pela ousadia de assim o requererem , supondo que Vossa Majestade
era rei e senhor capaz de lhes facultar semelhante tirania, quando a maior parte
destes cativos fogem porque seus donos os não sustentam e os não vestem e os não
tratam com o amor e caridade devida, tanto na saúde como na enfermidade que
são obrigados , e , além de os tratarem mal pelo que respeita ao sustento e vestido,
fazem-lhes mil sevícias de rigorosos e inauditos castigos.”
(BOXER, C.R – A idade do ouro no Brasil ). SP. Cia ed. Nacional.)

A Inconfidência mineira.

A Inconfidência Mineira teve relação direta com as características da


sociedade regional e com o agravamento de sues problemas, nos dois últimos decênios
do século XVIII. Isso não significa que seus integrantes não fossem influenciados
pelas novas idéias que surgiam na Europa e na América do norte,. Muitos membros da
elite mineira circulavam pelo mundo e estudavam na Europa. Em 1787, entre os
dezenove estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra , dez eram
de Minas. Coimbra era um centro conservador mas ficava na Europa, o que facilitava o
conhecimento das novas idéias e a aproximação com as personalidades da época.
Por exemplo , um ex-estudante de Coimbra, José Joaquim da Maia, ingressou na
Faculdade de Medicina de Montepellier , na França, em 1786. Naquele ano e no ano
seguinte teve contatos com Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos
na França, solicitando apoio para um a revolução que, segundo ele, estava sendo
tramada no Brasil. Um participante da Inco0nfidência , José Alvares Maciel, formou-se
em Coimbra e viveu na Inglaterra por um ano e meio. Aí aprendeu técnicas fabris e
discutiu com negociantes ingleses as possibilidades de apoio a um movimento de
Independência do Brasil.
Ao lado disso, nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrara em
fase de declínio, marcada pela queda continua da produção de ouro e pelas medidas da
Coroa no sentido de garantir a arrecadação do quinto. Se examinarmos um pouco a
história pessoal dos inconfidentes, , veremos que tinham razões específicas de
descontentamento. Em sua grande maioria, eles constituíam um grupo da elite colonial,
formado por mineradores, fazendeiros, padres envolvidos em negocios,funcionários,
advogados de prestigio e uma alta patente militar, o comandante dos Dragões, Francisco
de Paula Freire de Andrade. Todos eles tinham vínculos com as autoridade coloniais na
capitania, em alguns casos ( Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga), ocupavam
cargos na magistratura.
José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte , uma exceção. Desfavorecido pela
morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos perdera suas propriedades por
dívidas e tentara sem êxito o comércio. Em 1775, entrou na carreira militar, no posto de
alferes, o grau inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas, exercia o ofício de
dentista, de onde veio o apelido algo depreciativo de Tiradentes.

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O entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com
a chegada a Minas do governador Luís da Cunha Meneses, em 1782. Cunha Meneses
marginalizou os membros mais significativos da elite, favorecendo seu grupo de
amigos. Embora não pertencesse a elite, o próprio Tiradentes se viu prejudicado , ao
perder o comando do destacamento dos Dragões que patrulhava a estratégica estrada
da Serra da Mantiqueira.
A situação agravou-se em toda a região mineira com a nomeação do
Visconde de Barbacena para substituir Cunha Meneses. Brabacena recebeu do ministro
português Melo e castro instruções no sentido de garantir o recebimento do tributo
anual de cem arrobas. Para completar essa cota, o governador poderia se apropriar de
todo o ouro existente e, se isso não fosse suficiente, poderia decretar a derrama, um
imposto a ser pago por cada habitante da capitania. recebeu ainda instruções no sentido
de investigar os devedores da Coroa e os contratos realizados entre a administração
pública e os particulares. As instruções faziam pairar uma ameaça geral sobre a
capitania e mais diretamente sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores
devedores da Coroa.
Aqui, abrindo um parênteses, é preciso explicar a origem dessas dívidas.
Elas se originavam, muitas vezes, de contratos feitos com o governo português para
arrecadar impostos. Na época colonial , era comum conceder essa função pública a
particulares com boas relações na administração. Eles pagavam uma quantia ´`a Coroa
pelo direito de cobrara os impostos, ganhando a diferença entre esse pagamento e o
que conseguiam arrecadar. Mas, freqüentemente , os contratadores nem sequer
chegavam, a completar o pagamento à Coroa, daí resultando dívidas que iam se
acumulando.
Os inconfidentes começaram a preparar o movimento de rebeldia nos
últimos meses de 1788, incentivados pela expectativa do lançamento da derrama. Não
chegaram, porém , a por em prática seus planos. Em março de 1789, Barbacena
decretou a suspensão da derrama, enquanto os conspiradores eram denunciados por
Silvério dos reis. Devedor da Coroa como vários dos inconfidentes, Silvério dos Reis
estivera próximo destes, mas optara por livrar-se de seus problemas denunciando o
movimento . Seguiram-se as prisões em Minas e a de Tiradentes no Rio de Janeiro. O
longo processo realizado na Capital da Colônia só terminou a 18 de Abril de 1792.
A partir daí , começou uma grande encenação da Coroa, buscando
mostrar sua força e desencorajar futuras rebelais . Só a leitura da setença durou dezoito
horas! Tiradentes e vários outros réus foram condenados à forca. Algumas horas depois
uma carta de clemência da Rainha Dona Maria transformava todas as penas em
banimento , ou seja, expulsão do Brasil, com exceção do caso de Tiradentes. Na manhã
de 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado num cenário das execuções do Antigo
Regime. Entre os ingredientes desse cenário se incluíam a presença da tropa, discursos
e aclamações à Rainha . Seguiram-se a retalhação do corpo e a exibição de sua cabeça.
Na praça principal de Ouro Preto.
Que pretendiam os inconfidentes?
A resposta não é simples, , pois a maioria das fontes à nossa disposição é
constituída do que disseram os réus e as testemunhas no processo aberto pela Coroa,
no qual se decidia, literalmente, uma questão de vida ou de morte. Aparentemente, a
intenção da maioria era a de proclamar uma República , tomando como modelo a
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constituição dos estados Unidos. O poeta e ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga
governaria durante os primeiros três anos e depois disso haveria eleições anuais. O
Distrito Diamantino seria liberado das restrições que pesavam sobre ele; os devedores
da Coroa, perdoados; a instalação de manufaturas incentivada. Não haveria exercito
permanente. m vez disso cidadãos deveriam usar armas e servir , quando necessário,
na milícia nacional.
O ponto mais interessante das muitas medidas propostas é o da
libertação dos escravos, que só excepcionalmente aparece em vários movimentos de
rebeldia não só do Brasil colônia como do Brasil independente. De um lado, no plano
ideológico, é incompreensível que um movimento pela liberdade mantivesse a
escravidão; de outro , no plano dos interesses, como é que membros da elite
colonial, dependentes do trabalho escravo, iriam liberta-los? Essa contradição surge no
processo dos inconfidentes , mas é bom ressalvar que nem sempre depoimentos
derivados de interesses pessoais predominaram nas declarações . Alvarenga Peixoto,
um dos maiores senhores de escravos entre os conjurados, defendeu a liberdade dos
cativos , na esperança de que eles assim se tornassem os maiores defensores da
República. Outros, como Alvares Maciel, achavampelo contrário, que sem escravos
não haveria que trabalhasse nas terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma
solução de compromisso, pela qual seriam libertados somente os escravos nascidos no
Brasil.
A Inconfidência Mineira é um exemplo de como acontecimentos
históricos de alcance aparentemente limitado podem ter impacto na história de um
país. Como fato material, o movimento de rebeldia não chegou a se concretizar , e suas
possibilidades de êxito, apesar do envolvimento de militares e contatos no Rio de
Janeiro eram remotas. (...)
Mas a relevância da Inconfidência Mineira deriva de sua força simbólica : Tiradentes
transformou-se em herói nacional , e as cenas de sua morte, o esquartejamento de seus
corpo, a exibição de sua cabeça passaram a ser evocadas com muita emoção e horror
nos bancos escolares. Isso não aconteceu da noite para o dia e sim através de um longo
processo de formação de um mito que tem sua própria história. Em um primeiro
momento , enquanto o Brasil não se tornou independente , prevaleceu a versão dos
colonizadores. A própria expressão “ Inconfidência Mineira”, utilizada na época e que
a tradição curiosamente manteve até hoje , mostra isso . “ Inconfidência “ é uma palavra
com sentido negativo que significa falta de fidelidade , não- observância de uma dever,
especialmente com relação ao soberano ou ao estado. Durante o império o episódio
incomodava , pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de
governo. Alem disso , os dois imperadores do Brasil eram descendentes em linha direta
da Rainha Dona Maria, responsável pela condenação dos revolucionários.
A proclamação da República favoreceu a projeção do movimento e a
transformação da figura de Tiradentes em márti9r republicano. Existia uma base real
para isso . Há índiciosde que o grande espetáculo , montado péla Coroa portuguesas
para intimidar a população da colônia , causou efeito oposto , mantendo viva a
memória do acontecimento e a simpatia pelos inconfidentes. A atitude de Tiradentes
assumindo toda a responsabilidade pela conspiração ., a partir de certo momento do
processo, e o sacrifício final facilitaram a mitificação de sua figura , logo após a
proclamação da República . O 21 de abril passou a ser feriado, e Tiradentes foi cada
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vez mais retrado com traços semelhantes às imagens mais divulgadas de Cristo. Assim
se tornou um dos poucos heróis nacionais, cultuado como mártir não só pela direita e
pela esquerda como pelo povo.
(Fausto, Borís. História do Brasil Ed. Edusp. P.114-119)

As relações de trabalho no mundo urbano

O projeto de ocupação do Brasil, priorizou inicialmente a ocupação de


parte de litoral. Tal prioridade justificava-se pela preocupação portuguesa em não
despovoar estas terras, garantindo a sua defesa no momento em que era grande o
assédio de estrangeiros.
Entretanto, foi a produção açucareira estabelecida no litoral nordestino
que garantiu de fato o inicio da ocupação da colônia e consequentemente a fixação de
colonos. A produção açucareira estimulava o surgimento de um grande número de
outras atividades e serviços. O açúcar era cultura de plantio, cultivado em grandes
fazendas e beneficiado nos engenhos que pertenciam aos grandes proprietários rurais.De
forma predominante era utilizado o trabalho compulsório, a princípio da população
indígena e mais tarde dos africanos trazidos da costa oeste da África e de Angola.
Se por um lado a zona rural da faixa litorânea caracterizava-se pela
produção açucareira, por outro dependia dos centros urbanos de maior proximidade ao
litoral, para facilitar o escoamento da produção, bem como o recebimento de escravos e
mercadorias, valiosos tanto no mundo urbano quanto no mundo rural. A distância entre
as regiões produtoras e os centros urbanos estimulava o isolamento das famílias
aristocráticas que só visitavam os centros nos momentos de grandes festas realizadas
anualmente.
Funcionários, escrivães, meirinhos, militares, negociantes, sacerdotes e
um grande número de trabalhadores dos mais variados ofícios (boticários, alfaiates,
ferreiros, marceneiros, etc) incluindo-se também os escravos, compunham a população
fixa de centros como o Rio de janeiro, Bahia, Recife. Na ótica do colonizador as
cidades no litoral assumiam papel fundamental tanto do ponto de vista estratégico
quanto do ponto de vista econômico. Porém será no decurso do terceiro século da
colonização que a vida urbana rompera com os limites do litoral, ganhando o interior da
colônia, por conta do desenvolvimento da atividade mineradora. O deslocamento
populacional expressivo para o interior obrigava o Estado a intervir com mais vigor no
processo de urbanização, estimulando o surgimento de núcleos urbanos, cuja função era
alojar o aparato burocrático e policial necessário às tentativas de controle sobre a
atividade mineradora.
Entretanto qualquer que seja o momento da ocupação (litoral/interior) e
as suas conseqüente especificidade (campo/cidade) sempre encontraremos como ponto
comum a presença do trabalho compulsório de forma predominante como parte
integrante dos seus respectivos cotidianos. Baseado em crônicas de viajantes
analisaremos o ambiente urbano dentro de suas especificidades bem como as relações
sociais travadas neste espaço entre brancos e negros.

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As crônicas dos viajantes, olhares estrangeiros sobre as relações sociais no Brasil
colonial;

Durante o período colonial algumas vilas na região das minas, bem como
algumas cidades que apresentavam os principais portos da colônia concentravam, um
grande contingente de trabalhadores escravos exercendo as mais variadas atividades.
Assim cidade e campo tornavam-se dependentes com relação ao trabalho compulsório.
Sobre o trabalho escravo nos núcleos urbanos na colônia, ficaram os
relatos de viajantes estrangeiros e consequentemente suas respectivas impressões
acerca do que viam e por isso mesmo tornaram-se valiosa fonte de estudo sobre a
escravidão urbana.
O viajante francês Louis Tollenare descreveu as relações sociais entre
homens livres e cativos no recife, na qual percebemos aspectos significativos do
ambiente urbano e do trabalho compulsório presente nos mais variados ofícios.:

“Um mestre de obras, um marceneiro, uma carpinteiro, um ferreiro,


um chefe, enfim de qualquer destas profissões, em lugar de assalariar operários
livres, compra negros e os instrui”.

As impressões acerca das relações sociais nos núcleos urbanos, pelos


viajantes descrevem também o comportamento existente no interior da sociedade
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escravista na qual o trabalho era visto de forma pejorativa e desqualificada,
evidenciando a necessidade do homem livre possuir escravos para o exercício das
mais variadas atividades.

“ A primeira coisa que seduz um operário em tejuco, quando ele


consegue economizar algum dinheiro, é arranjar um escravo; e tal é o sentido de
vergonha dado a certos trabalhos que, para pintar a pobreza de um homem livre,
diz-se que ele não dispõe de ninguém para ir buscar-lhe um balde de água ou um
feixe de lenha.”
(DEBRET, Jean Baptista. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. SP. Ed.
Martins).

Aos olhos de Debret, percebemos a dimensão social, econômica e


cultural da escravidão urbana, pois: “Embora pareça estranho que nesse século de
luzes se depare ainda no Rio de Janeiro com o costume de transportar enormes
fardos à cabeça dos carregadores negros, é indiscutível que a totalidade da
população brasileira da cidade, acostumada a esse sistema, que assegura a
remuneração diária dos escravos empregados nos serviços de rua, se opõe a
introdução de qualquer outro meio de transporte, como seja, por exemplo, o dos
carros atrelados. Com efeito, a inovação comprometeria dentro de pouco tempo
não somente os interesses de numerosos proprietários de escravos, mas ainda a
própria existência da maior parte da população, a do pequeno capitalista e das
viúvas indigentes, cujos negros todas as noites trazem para casa os vinténs
necessários muitas vezes à compra das provisões do dia seguinte.”
(Op.cit).

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O comportamento moral e ético do homem livre acerca do trabalho
compulsório nesta sociedade, também foi percebido nesta pelos olhares atentos do
viajante estrangeiro.:
“Um jovem de boa família, de 18 anos, foi convencido a honrar um
importante estabelecimento comercial com seus serviços no escritório da firma.
Certa vez, um dos sócios entregou-lhe um pacote não duas vezes menor do que
uma carta e pediu-lhe que o levasse a outra firma da vizinhança. O Jovem olhou o
pacotinho, olhou o comerciante; segurou o pacote entre o polegar e o indicador,
tornou a olhar novamente para o comerciante e o pacote, meditou um momento,
saiu porta afora e, depois de dar alguns passos, chamou um negro que atrás dele,
levou o pacote ao destinatário.”
(Ewbank, Thomas. A vida no Brasil. RJ. Ed. Conquista).

Na maioria dos registros feito pôr estrangeiros percebe-se que a presença


maciça dos negros em diversas atividades impressionava-os de forma marcante. Os
negros de ganho, eram figuras associadas ao transporte de mercadorias, passageiros e
carregadores de água e que necessariamente para o desempenho das tarefas não
precisava passar pôr um processo de aprendizagem. Os escravos de ganho, passavam
o dia alugando seus serviços, sendo obrigados pelos seus senhores a entregar-lhes uma
renda semanal ou diária previamente estipulada ficando consigo apenas o excedente
desta renda.

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Nas cidades o negro era utilizado como fonte de renda, inclusive por
famílias pobres que com a posse de pelo menos um negro de ganho garantiam uma
valiosa fonte de renda diária.
Os escravos de aluguel, eram em geral possuidores de conhecimentos
que lhes permitiam o exercício de determinados ofícios (marceneiros, sapateiros,
ferreiros, etc.,), tornando esta mão-de-obra valorizada, contribuindo para que o aluguel
deste escravo fosse uma promissora fonte de renda para os seus proprietários.
John Luccock, outro viajante (inglês) também deixou suas impressões
sobre as relações sociais, estabelecidas no ambiente urbano, destacando
consequentemente a importância e o valor econômico do trabalho escravo urbano, pois
o aluguel deste variava no seu preço conforme a habilidade e a qualidade praticada pelo
cativo em determinado ofício.:
“..uma nova classe social, composta de pessoas que compravam
escravos para o fim especial de instruí-los nalguma arte ou ofício, vendendo-os em
seguida por preço elevado , ou alugando seus talentos e trabalhos .”
(LUCOCCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil.
1808-1818 SP. Martins).

Nesta sociedade dependente do trabalho escravo, o valor da mão-de-obra,


variava conforme a especialização do ofício .:

“No Rio de Janeiro, por exemplo, em meu tempo, pagava-se de


aluguel a um escravo comum 300 réis diários (...), aos piores aprendizes de um
ofício qualquer, 600 réis, aos mestres, 900 a 1.200 réis e mais ainda”
(Eschwege, W.L.Von. Pluto Brasiliensis. SP. Ed. Nacional).

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No ambiente urbano a escravidão apresentava especificidade, que em
certos aspectos diferiam da escravidão rural. Pois conforme os relatos dos cronistas até
aqui citados as circunstâncias existentes nas cidades contribuíam para que pelo menos
de forma provisória o escravo dispusesse de sua força de trabalho, apresentando ao fim
da jornada uma renda estabelecida pelo seus proprietário, no caso dos escravos de
ganho.
Entretanto estas especificidade, interpretadas de forma equivocada,
permitiram o surgimento de afirmações acerca da brandura ou da suavidade da
escravidão nas cidades, em comparação com a escravidão rural, criando o mito de que
nas cidades o escravo poderia facilmente obter a alforria, bastando para tal contar com
a benevolência do seus senhor e com a sua vontade de trabalhar. Estas afirmações
construíram-se devido a percepção de que o escravo de ganho ao reter parte da renda
diária obtida com o seu esforço, poderia no futuro adquirir a tão sonhada liberdade.
Não se trata de ignorar ou até mesmo anular a possibilidade de obtenção
da alforria Ter sido bem maior nas cidades do que na zona rural, trata-se sim de
questionar as possíveis facilidades para obtenção da liberdade, como característica
definidora do mundo urbano isto porque ;”Com todos os pequenos subterfúgios de
que era capaz, dificilmente, porém , conseguia o escravo juntar dinheiro suficiente
para a compra da alforria. Na realidade, o senhor taxava o escravo a tanto por dia
ou semana, segundo sua força, atividade e inteligência.
Os criados domésticos ou alugados tinham pior sorte. Maiores
eram as possibilidades de conquistar a liberdade para os que tinham um ofício;
marceneiros, sapateiros, alfaiates, barqueiros ou carregadores”
(Viotti, Emília. Da Senzala a colônia. P. 280. Ed. Unesp).

De forma mais consistente Maria Odila detalhou a realidade das negras


de ganho ou ganhadeiras (cozinheiras, lavadeiras, costureiras, etc.) na província de São
Paulo no século XIX, demonstrando as dificuldades destas obterem a renda necessária
para a sua alforria:

“A escrava que ganhasse jornal de 200 réis por dia receberia 1.$400
por semana, devendo 800 réis à proprietária, que recebia por ano da escrava
40$000. Esta sendo só , gastaria no mínimo 70 réis por semana. Restariam 110 réis
líquidos pôr semana, com os quais poderia aos pouquinhos acumular um pecúlio
para si. Fato pouco provável, que somente tornava viável nos casos excepcionais de
escravos de ganho, com jornal de mais de 400 réis (...). O pecúlio acenava
remotamente com a possibilidade de uma alforria e nesse sentido era usado pelos
proprietários, como uma forma de disciplina de trabalho na impossibilidade de
vigilância mais distinta”
(Dias, M.ª Leite da Silva. Quotidiano e poder em SP no sec. XIX . SP. Braziliense p.
96).

A exploração do trabalho escravo não possuía limites, sendo comum a


presença de negros envelhecidos ou mutilados atuando como mendigos com a obrigação
de entregarem parte das esmolas obtidas ao seu proprietário. Outra prática comum, era
a obtenção de rendas através da prostituição de negras, que aos 15,16 anos tornavam-se
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objetos sexuais, o que não que dizer que estas mulheres se aceitassem como enquanto
objetos. A visão de objeto da mulher negra foi expressa da seguinte forma em quadrinha
popular:

Tira vergonha da gente


Mulata é doce de coco,
Não se come sem canela.
Camarada de bom gosto,
Não pode passar sem ela.
(Goulart, José Alípio. Da Palmatória ao patíbulo. RJ. Ed. Conquista).

Na perspectiva de deveriam obter um boa renda através da prostituição, a


aparência era fundamental e por isso mesmo os proprietários ornamentavam as negras
prostitutas com roupas, jóias, etc. A prostituição, o abuso e a violência sexual
constituía-se como parte integrante no cotidiano da mulher negra, muito embora esta
criasse as mais variadas estratégias de sobrevivência e resistência no interior da
sociedade escravista.
Sobre a violência sexual com os negros de um modo geral, Gilberto
Freire assim definiu: “O negro se sifilizou no Brasil. Um ou outro viria já
contaminado. A contaminação em massa se verificou nas senzalas coloniais. (...).
Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram de lues as negras das
senzalas. Negras tantas vezes entregues virgens, ainda mulecas de doze, treze anos,
a rapazes brancos já podres de sífilis das cidades”.
Freire, Gilberto. Casa Grande e Senzala).
Muito embora a obra do autor citado seja direcionada para a realidade do
nordeste agrário, fica evidente a situação de exploração sexual sobre a figura do negro.
Novamente reiteramos que nem toda mulher por ser negra aceitou
passivamente a imposição de seus proprietários (as) em tornar-se prostituta, recorrendo
inclusive a justiça para mover ações contra seus proprietários com o objetivo de
conseguir a sua liberdade.
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“Josefa, parda, por seu curador, entrou com uma ação de liberdade
contra Caetana Rosa, Manuel Alvim e Matilde nascimento em outubro de 1871.
Segundo as alegações da negra, Caetana Rosa a havia comprado “dizendo-lhe que
a destinava a serviço doméstico”, na realidade a senhora a obrigara à vida de
prostituta, Caetana havia vendido a parda a Manoel Alvim, que por sua vez já
havia tentado negocia-la com Matilde nascimento, quando do inicio da ação cível
em questão”
(Chaloub, Sidney. Visões da liberdade p.73 Ed. Cia das Letras.)

. Com relação ainda a exploração sexual, é importante ressaltar que nas


cidades a prostituição não se limitava apenas às mulheres negras, pois para muitas
famílias brancas era um recurso utilizado para superar a pobreza e a miséria na colônia;

“Muito comum no quadro da pobreza da colônia eram mães, pais e


maridos consentirem na prostituição de suas filhas e esposas, assim o faziam
Francisca Carijó, em Itú, ou Joana Ribeira, em Atibaia, em 1758 que exploravam
suas filhas. A primeira “vivendo do que elas ganham por suas torpezas,
acompanhando a sua filha que vai fora de casa a seu trato’’. A Segunda “não só
desonesta com uns e outros pública e escandalosamente, mas também serve de
alcoviteira à sua filha solteira por nome Ana.... entregando-a a todos que com ela
se querem desonestar”
(Priore, Mary Del. Mulheres no Brasil colonial. P.43/4 ed. Contexto).

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