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Awo FA'LOKUN FATUNMBI

ÌBÀ 'SÈ ORÌSÀ


PROVÉRBIOS

LENDAS

HISTÓRIA SAGRADA

ORAÇÃO

IFÁ

Dedicatória

Em reconhecimento a todas as Mães ancestrais que trouxeram


os Òrìsà ao Mundo digo:

Ìbà'se Awon Ìyáàmi

1
ÍNDICE

Dedicatória.......................................................................................................................1
Prefácio.............................................................................................................................5
Agradecimentos..............................................................................................................6
Introdução........................................................................................................................9

I. Owe
- Provérbios Yorùbá.....................................................................................................19
A Oníwà'funfun - Os Provérbios Yorùbá e o Conceito de Verdade
B. Owe ni Òrìsà - Provérbios e Princípios Espirituais

II. Owe àti Ifà ijo-ara-eni-lòjúju


- Provérbios e o conceito Ifá do EU ...........................................................................47

A. Tikara-eni - Os Elementos do EU.


1. Ara - O EU Físico.
2. Egbè - O EU Emocional.
3. Orí - O EU Consciente.
3a. Iwájú-orí - A Fonte do Poder Espiritual na Frente.
3b. Àtàrí - A Fonte do Poder Espiritual na Coroa da Cabeça.
3c. Ipákò - A Fonte do Poder Espiritual na Base do Crânio.
4. Orí-inú - O EU Interior.
4a. Àpárí-inù - O Conceito Ifá da Consciência.
4b. Orí-àpeere - O Conceito Ifá dos Padrões de Consciência.
4c. Ìpònrí - O Conceito Ifá do EU Superior.
B. Ipín nkan tàbí ti enìkan - O Conceito Ifá de Destino.
1. Akúnlèyan - O Conceito Ifá da Opção
2. Akúnlègbà - O Conceito Ifá do Livre Arbítrio
3. Ayànmó - O Conceito Ifá da Predeterminação.
C. A-pé-ré - O Conceito Ifá da Perfeição.

2
D. Atúnwá - O Conceito Ifá do Renascimento do Caráter.

III. Alò Iràntàn Odù


– O folclore usado na adivinhação Ifá e Òrìsà..........................................................61

A. A função do folclore na adivinhação Ifá e Òrìsà


01. O Sagrado Odù Okànràn
02. O Sagrado Odù Eji Òkò
03. O Sagrado Odù Ogúndá
04. O Sagrado Odù Iròsún
05. O Sagrado OdùOsé
06. O Sagrado Odù Obàrà
07. O Sagrado Odù Odí
08. O Sagrado Odù Ejí Ogbè
09. O Sagrado Odù Osá
10. O Sagrado Odù Ofún
11. O Sagrado Odù Òwónrín
12. O Sagrado Odù Ejìlá Sèborà.
13. O Sagrado Odù Ika .
14. O Sagrado Odù Otúrúpòn.
15. O Sagrado Odù Ofún'kàrán.
16. O Sagrado Odù Irètè

IV. Alo Irantan Ati orí ire


– O folclore e o Conceito Ifá da dinâmica do crescimento espiritual....................82

A. Orí ire – O alinhamento do EU e o EU Superior.


B. Orí àtí Ayànmó-ìpín – O Conceito Ifá de Destino.
C. Igòkè – O Conceito Ifá do Crescimento Espiritual.
1. Esèntaíyé – O Conceito Ifá da Cerimônia de dar o Nome.
2. Akókò tí Okunrin tàbí Obìrin ti dàgbà tán – O Conceito Ifá dos Ritos de
Puberdade.
3. Igbódù Òrìsà – O Conceito Ifá da Iniciação nos Mistérios da Natureza.
4. Alàgbà – O Conceito Ifá de chegar a ser um Maior.
D. Irépò – O Conceito Ifá da Mistura Harmoniosa.

3
V. Òrìsà Ijárò

– A História Sagrada dos Antepassados divinizados..............................................98

A. A Função da História Sagrada no Culto Ifá e Òrìsà.


B. Ojú mèjèjí Esù - As Duas Caras do Mensageiro Divino.
C. Adé Ògún- A Coroa do Espírito do Ferro.
D. Osóòsì Ode Mata – A Medicina do Espírito do Caçador.
E. Oba Igbó, Obàtálá - O Rei do Bosque Sagrado, o Rei do Pano Branco.
F. Yemoja Awo Sánmó - A Mãe dos Peixes se Transforma em Nuvem que Produz
Chuva.
G. Sàngó Oba Kò Só - O Espírito do Relâmpago, o Rei não Está Morto.
H. Òsun Sékèké – A Deusa do Rio faz adivinhação.
I. Òsányìn Alágbo – O Espirito das folhas é o dono da panela de Medicina.
J. Òrúnmìlà Ifá Olókun asòrò-dayò - O Espírito do Destino é o Adivinho do
Mistério do Fundo do Oceano.

VI. Iwàgbáyé Ifá


- A Visão Ifá do Mundo ............................................................................................123

A. Igbàgbó Ifá – As Crenças Básicas de Ifá.


B. Imo'lórun – A Expressão Teológica da Visão Ifá do Mundo.
C. Olórun – O Conceito Ifá de Deidade.

VII. Ìbà'sè Òrìsà


– O Conceito Ifá de Louvar aos Imortais..................................................................133

A. Òríkì Òrìsà - O Conceito Ifá de Louvar as Forças na Natureza.


B. Íbà'sè - Súplica Ifá de Louvação.
C. Variações de Ìbà'se.

VIII. Ogbogba
- O Conceito Ifá do Equilíbrio ..................................................................................157

A. Òrò - O Conceito Ifá do Poder da Palavra.


B. Orò àti Ase - O Conceito Ifá da Energia Primitiva.
C. Orí Orò - ire àti Orí ibi - O Conceito Ifá da Transformação Espiritual.

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D. Olórún, Olódùmarè, Ela, Obàtálá àti Odùdúwà
O conceito Ifá dos princípios Fundamentais da criação.
E. Igòkè - O Conceito Ifá do Crescimento Espiritual.
F. O Desenvolvimento da Teologia Comparativa Ifá.

Apêndice I
- Oriki Ìbà'se Òrìsà..................................................………….....................................187

Apêndice II
– Glossário...................................................................................................................192

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Prefácio

Por mais de vinte anos tenho investigado diversas tradições esotéricas,


sempre buscando a fonte do princípio ativador entre o homem, natureza e
deidade. Minha investigação me levou a muitos e diversos sistemas, todos eles
pareciam carecer de alguma qualidade essencial (eu a chamei Força Ativa). Havia
determinado que esta força (energia) só era transmitida como parte de uma
tradição oral. Ifá é uma tradição oral. Tenho lido com interesse e aprecio, como
um devoto de Ifá do Novo Mundo, os dois livros anteriores de Fa'lokun
Fatunmbi, Ìwa-pèlé e Awo. Estes livros nos levam a uma busca pessoal aos níveis
iniciais da adivinhação, Ìbà'se Òrìsà abre as portas aos devotos de Òrìsà do novo
mundo a beleza e sofisticação de uma tradição que até pouco tempo havia sido
muito maltratada por uma mente ocidental incapaz de encarar a espiritualidade
africana em seus próprios termos. Em Ìbà'se Òrìsà, Provérbios, Lendas, Historia
Sagrada e Oração Ifá, Fa'lokun colocou a disposição, para aqueles que desejam
começar a explorar pela primeira vez no Ocidente alguns dos elementos núcleo
de um extraordinário corpus de idéias e crenças que podem levar a uma sintonia
mais profunda com a natureza e o ser essencial de nós mesmo. Todos os devotos
de Òrìsà no Novo Mundo se beneficiarão da leitura de Ìbà'se Òrìsà.
Peço para que aqueles que encontrarem seu caminho através destas
páginas sejam abençoados com o Espírito da alegria e da realização, como tenho
sido durante os últimos cinco anos.
A isso digo, Ìbà'se Awo Fa'lokun Fatunmbi.

Ìbà'se Òrúnmìlà
Awo Olusegun Ategiri Fabukola
Cleveland, Ohio

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Reconhecimentos

A dupé okuku su wi awo Ìyáàmi, agradeço a todos aqueles que saúdam os


Mistérios das Mães, pois são as Mães quem trazem os Antepassados Deificados
de Ìkòlé Òrun (O Reino dos Antepassados) ao Ìkòlé Ayé (a Terra).
Quero agradecer àqueles que me instruíram pacientemente na importância
de compreender o equilíbrio perfeito entre o poder masculino e o feminino que
serve de base a Ifá. Entre aqueles que foram mais instrutivos estão Apetebi
Òrúnmìlà Adesanya, Iyagba Omilade, Olori Yeye Aworo Timi Lade, Apetebi Òrúnmìlà
Iya l' Òrìsà Òsun Miwa (Luisah Teish), Eko'fà Iyá l' Òrìsà Omiyinka Jumoke
Oniaro, Ise Fa'lona Iya l' Òrìsà Iyá Òsun Iyá Osogbo, Iyá l'| Òrìsà Sàngó Wenwa,
Eko'fá Iyá l' Òrìsà Omifunke, Iyá l' Òrìsà Adekola, todas as mulheres de Ilé
Òrúnmìlà Òsun: Earthea Anaya Nance, Rebecca Schiros, Zena Attig, Dee Orr,
Omo Rere, Amy Gerhauser e Selana Allen, e todas as mulheres de Ilé Òsun ati
Alaketu : Isoke Hinton, Ayanna Kai Nalo, Xochipala Maes Valdez, Sauda Burch,
Samantha Robertson, Kim Greene, Rosie Quiñones e Nina Otis Haft. Um
agradecimento especial para minha irmã Irene que tem me guiado a um
conhecimento mais profundo de meus antepassados da Europa Oriental e a
Iyáláwo F.A.M. Adewale-Abayoni Fama.
O tabu me obriga a não mencionar por seus nomes, porém digo, "A dúpé o"
a meus maiores em Ogbòni e Gelede.
Meus respeito e gratidão aos maiores de Egbè Ifá Ògúnti Ode Remo, Estado
de Ogún, Nigéria, que continuam apoiando meu estudo de Ifá na África. A dúpé :
Babaláwo Adesanya Awoyade, Babaláwo Babalola Akisanya, Babaláwo Sibu
Lamiyo, Babaláwo Odujosi Awoyade, Babaláwo Olu Taylor, Babaláwo Abokede
Arabadan, Babaláwo Biodun Debona, Babaláwo Sina Kuti, Babaláwo Afolabi Kuti,
Babaláwo Babalola Adesanya, Babaláwo Wasu, Babaláwo Fagbemi Fasina,
Babaláwo Fayomi, Omoláwo Earl White, Omoláwo Olalekan Babalola, Omolawo
Jaap Verduyn e Babaláwo Fábukola.
Aos membros da irmandade de sacerdotes Ifá em Ilé Ifè que me admitiram
formalmente a Awo Fátunmise, digo, "A dúpé o", Awoni Jolofinpe Falaju Fátunmise,
Babaláwo Ganiyu Olaifa Fátunmise, Babaláwo Awoke Awofisan Lokore, Babaláwo
Ifáioye Fátunmise, Babaláwo Ifánimowu Fátunmise, Babaláwo Ifasure Fátunmise.

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Um "obrigado" muito especial ao Babaláwo Adebolu Fátunmise, que com o apoio
de sua família em Ilé Ifè está trazendo aspectos de Ifá aos Estados Unidos que não
estavam disponíveis anteriormente neste país.
Um profundo "obrigado" ao Awo Medahochi Kofi Omowale Zannu, iyá l'
Òrìsà Omilade e aos membros de Ilè Ríróntí Mímó por me guiar e apoiar no
processo de expandir minha compreensão do ritual de Ifá.
Por seu apoio e esforço digo "A dúpé o”, aos maiores de Ode Remo, Estado
de Ogun, Nigeria: Oba Sunday Olufunso Adeolu, Jefe A. Asifade, Jefe E.A.
Olubudon, Jefe E. Ajulo, Jefe V. Oduwole e Jefe Allison.
Estou extremamente agradecido a todos os membros da família Adesanya
que me têm dado um lugar cômodo para descansar em Ode Remo, enquanto
estava dedicado ao estudo de Ifá. Digo, "A dúpé o”, Ifáonlae Adesanya, Ifátoye
Adesanya, Titlayo Adesanya, Opeluwa Adesanya, Ifáloa Adesanya, Olaide
Adesanya, Omosoeke Adesanya e Ifámuyiwa Adesanya.
Obrigado, a Blackberri, Salim Abdul-Jelani, Joseph, Freddie, Rico, Peter
Omarsu, Curtis Robertson e Baba Omitoki por seu apoio firme.
Estou profundamente agradecido pela assistência cuidadosa e bem
informada que recebi de Olakekan Babalola e Adekoye Williams, que foram
muito amáveis e pacientes em seus esforços para clarear os segredos interiores da
linguagem do awo. Seu profundo insight da tradução do Yorubá litúrgico para o
inglês foi uma tremenda contribuição ao conteúdo deste livro e uma contribuição
principalmente para minha educação, que ainda continua, nos Mistérios de Ifá.
Obrigado a Maureen Pattareli e Salim Abdul Jelani por sua cuidadosa
edição do texto e seu constante esforço.
Queria reconhecer o profundo insight na erudição pioneira de Wande
Abimbola. Logo após haver completado Ìwa-pèlé descobri que o professor
Abimbola havia feito as primeiras referências escritas ao significado esotérico do
conceito de Ìwa-pèlé. Foi por seus estudantes que eu fui instruído oralmente sobre
o significado desta importante idéia de Ifá, e quero agradecer ao pai por ensinar
a seus filhos, a dúpé o.
Um obrigado final a todos aqueles que leram Ìwa-pèlé e Awo; aqueles que
travaram diálogo comigo o que me ajudou a clarear e aprofundar minha
compreensão da sabedoria de Ifá. É minha crença que só por meio de um diálogo

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firme podemos começar a apreciar a profunda visão daqueles maiores que têm
preservado os Mistérios de Ifá.
Ire-O Òrúnmìlà mó ki o abúrù ó, Òrúnmìlà mó ki o abóyé ó, Òrúnmìlà mó ki o
abósísè, Agbó atò.

Awo Shopew Fá'lókun Fatunmbi

NOTA DE TRADUÇÃO
As palavras inglesas insight e self foram conservadas no idioma original, por
carecer de um equivalente exato. Insight (etimologicamente: "na - visão") pode
significar: agudez, perspicácia, qualidade de estar consciente, compreensão,
discernimento, intuição, qualidade de ser intuitivo, juízo, observação,
penetração, percepção, entendimento, visão. Supõe reconhecer em uma
determinada estrutura, elementos conhecidos / Transcenderem essa estrutura /
Ampliar o campo de desenvolvimento / Fazer dessa aquisição algo permanente /
Estar maduro para captar e transcender essas relações / Self significa o "eu
mesmo/uma mesma", o eu (porém o termo abrange a totalidade do ser interior).

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Introdução
Em 1979 me interessei em aprender o que pudesse sobre as tradições
espirituais da África Ocidental. Este interesse esteve motivado por uma série de
poderosos e reveladores encontros com Força Espirituais que nos referimos como
Òrìsà dentro da religião nativa yoruba chamada Ifá. Estas experiências eram tão
alheias a minha orientação cultural que encontrei dificuldades de integrá-la a
algum conceito familiar de EU e mundo.
Durante vários anos fiz um bom número de intentos ineficazes de colocar
minha relação com os Òrìsà em algum tipo de marco conceitual. Olhando para
trás, suspeito que meus esforços foram ineficazes porque estavam limitados a
examinar conceitos racionais que tentavam definir o Espírito. Estava tratando de
compreender conscientemente algo que estava nos fundamentos da mesma
consciência. Meu esforço foi, creio um reflexo da arrogância da maioria dos
paradigmas ocidentais da auto compreensão. A civilização urbana moderna esta
baseada sobre a idéia de que a Natureza é a algo a ser compreendido e controlado.
Esta idéia esta em contraste com o paradigma de Ifá, que concebe a Natureza
como uma realidade vivente, que respira, consciente, que esta em um estado
constante de crescimento, evolução e transformação. Aqueles que estavam
tentando ensinar-me a sabedoria de Ifá estavam sugerindo que o esforço de
entender conscientemente os Òrìsà era como tentar pegar o vento em um cesto.
Graças aos pacientes esforços de vários sacerdotes de Ifá, fui eventualmente
capaz de apreciar a idéia de que a verdadeira sabedoria só vem por meio da
integração de pensamento e emoção. Esta integração usualmente ocorre durante
aqueles encontros na vida real que nos forçam a transformar nossa relação com o
EU e o mundo. Durante muitos anos me considerei carente de temor quando
chegava a me relacionar com Forças Espirituais. Isso foi antes que eu fosse
introduzido no Poder Espiritual real. Uma vez que essas portas haviam sido
abertas, me vi forçado a confrontar a experiência muito real do medo. Esta
confrontação confirmou também que uma compreensão da minha relação com
os Òrìsà não podia ser esclarecida somente por livros. O medo que experimentei
não foi apreensão sobre o fenômeno, era o medo que vem com a resistência ao
crescimento pessoal.

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A mensagem daqueles maiores de Ifá que me introduziram no reino dos
Espíritos foi um assalto direto sobre minhas queridas noções acerca da relação
entre EU e o Mundo. Eles me ensinaram que Ifá é um ponto de vista melhor que
uma coleção de crenças. É um processo melhor que uma doutrina, e continua
sendo uma exploração aberta daqueles Mistérios Sagrados que definem nossa
relação com o Ser. Uma vez que se diz "Os Òrìsà são...", o conceito de Espírito se
torna limitado, rígido e em última instância enraizado na ilusão. O Awo
Medahochi me disse uma vez que descrever os Òrìsà é como tratar de captar a
natureza interior de um homem ou mulher por meio de simplesmente cheirar seu
perfume ou colônia.
Meu primeiro avanço real em compreender a essência das Forças
Espirituais veio logo que me uni a uma congregação de devotos dos Òrìsà em
Oakland, Califórnia. Era uma parte da tradição lucumí que se desenvolveu em
Cuba durante os anos em que os africanos foram trazidos a ilha através da
instituição da escravatura. Inicialmente participei como um observador que
estava tentando captar uma expressão cultural de fé inteiramente não familiar.
Fique assombrado ante a extensão de minha própria ignorância intercultural e
tive o firme propósito de informar-me melhor.
Em 1980 este esforço me conduziu a um compromisso direto com lucumí
como disciplina religiosa. O passo inicial ocorreu quando me deram os elekes, que
simbolizam um compromisso com o culto aos Òrìsà. Os elekes são um conjunto de
colares religiosos que se usa para proteção. São dados a iniciados de Òrìsà
durante um ritual de transição que implica uma série de limpezas espirituais.
Esta cerimônia requer a aceitação formal da guia espiritual de uma descendência
especifica de sacerdotes e sacerdotisas dos Òrìsà. Incluída na apresentação dos
elekes há uma explicação do poder e da função dos Òrìsà mais freqüentemente
venerados.
Na época em que assumi este compromisso, eu havia tido algum contato
com a forma lucumí de culto aos Òrìsà como se pratica nos Estados Unidos, porem
nenhuma compreensão real do culto aos Òrìsà tal como existe na África. Ao
aumentar minha dedicação ao ritual dos Òrìsà, experimentei uma crescente
curiosidade sobre as fontes originais da religião. Parecia-me que algumas das
explicações sobre os Òrìsà que me haviam sido dadas estavam fortemente
influenciadas por conceitos teológicos católicos. Não me parecia claro se isto

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representava uma troca da visão do mundo africano original, ou se era
simplesmente uma questão de usar a terminologia cristã para descrever idéias
africanas.
Alguns maiores da comunidade Òrìsà na região da baia de São Francisco
também assistiam a missa católica. Muitos dos que continuavam sendo católicos
consideravam que o culto aos Òrìsà era um sistema de "magia" melhor que uma
forma de disciplina religiosa. A esta altura, estas observações não eram
simplesmente uma questão de curiosidade cultural. Durante essa época eu estava
desenvolvendo uma relação pessoal com os Òrìsà que, muitas vezes, me colocava
em oposição com a doutrina estabelecida de crenças dentro de minha família
religiosa. Eu estava dilacerado entre o desejo de ser respeitoso com meus maiores
e a necessidade de explorar a curiosidade pessoal baseada na experiência direta.
Em um esforço para resolver este conflito, fiz um estudo da história lucumí
tal como evoluiu em Cuba e se estendeu aos Estados Unidos. Este estudo me
esclareceu que o culto aos Òrìsà havia sobrevivido à escravidão tomando a
aparência nominal do catolicismo. Nos altares dos Òrìsà havia o uso de estátuas
de santos católicos que demonstravam características similares aos poderes dos
Espíritos africanos. No processo, alguma influência teológica da crença católica
tinha que ocorrer. Uma influência tal era de se esperar. Eu sentia que muitos dos
conceitos originais africanos continuavam em seu lugar, porém para alguém que
cresceu fora da cultura do Caribe e da africana, era difícil avaliar a diferença.
Depois de vários anos de participação na tradição lucumí, desenvolvi uma
experiência de compreensão sobre quais conceitos representavam uma troca da
perspectiva original da África e quais conceitos pareciam expressar idéias e
influências ocidentais. Minha razão para fazer estas distinções era a esperança de
ganhar um insight mais profundo nos princípios metafísicos que estavam nos
fundamentos de minha fé recentemente abraçada. Já que a maioria da literatura
sobre Òrìsà escrita em inglês é apresentada de um ponto de vista antropológico,
raras vezes incluem uma discussão teológica do significado da função dos Òrìsà
como fontes de transformação pessoal. Até esse dia ainda não vi um só estudo
antropológico que compare as crenças religiosas do culto dos Òrìsà na África com
o culto dos Òrìsà no exílio.
Apesar de minha confusão sobre as fontes de algumas de suas doutrinas,
eu estava convencido de que os maiores de lucumí haviam preservado os

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elementos chave dos rituais de iniciação. Em Cuba, a iniciação nos Mistérios de
Òrìsà ocorre em uma cerimônia chamada "Ocha”. Não pude encontrar uma
definição definitiva para Ocha, porem suspeito que é derivada da palavra yorùbá
Osa, que significa "lagoa". Na África, as iniciações nos Mistérios de Òrìsà
começam muitas vezes na lagoa. Isto é somente uma conjectura e um estudo
definitivo da história da palavra permanece aberto a especulação.
Durante a cerimônia de Òrìsà, as cabeças dos iniciados são temperadas
(preparadas) de tal modo que se tornam um médium para a voz profética dos
Òrìsà. Enquanto estive participando da tradição lucumí, participei de cerimônias
chamadas de "Bembe" ou "Toke”. A palavra Bembe é possivelmente uma derivação
da palavra Yorùbá "Bebe", que significa "súplica". A palavra yorùbá "Toke"
significa "tratar assuntos importantes". Ambas as cerimônias são realizadas para
louvar o espírito de Òrìsà e estão desenhadas para induzir a posseção entre os
iniciados nos Òrìsà.
Há um amplo número de diferentes Òrìsà e cada um deles tem sua própria
personalidade característica, movimentos de corpo e comportamento. Já vi
posseção de Òrìsà na região de Oakland, em Nova York e na África. As
características, temperamento e gestos de cada Òrìsà específico foram muito
similares nos três lugares. Os médiuns que foram possuídos estavam claramente
em um estado de consciência alterado e muitas das informações que vinham da
voz do Òrìsà tiveram significativo valor pessoal e comunitário.
A interação direta com os Òrìsà que ocorre quando tem lugar a posseção
cria uma apreciação dos Òrìsà que não é possível conseguir por meio de livros e
conferências. Em minha própria experiência, os encontros com os Òrìsà
aumentaram minha curiosidade sobre a compreensão dos Òrìsà que existe na
África. Cada vez mais, comecei a sentir que a teologia de lucumí não correspondia
à representação física dos Òrìsà tal como era manifestada por meio do ritual. O
exemplo mais claro desta contradição era o Òrìsà Òsun. No folclore africano, Òsun
é a deusa da fertilidade, do erotismo, da criatividade e do amor. Minha
experiência ao ver aqueles médiuns que estavam possuídos por Òsun sugeria que
ela representava a idéia da sexualidade saudável e inteiramente expressa, a
fertilidade em formas multidimensionais, a criatividade da verdadeira inspiração
artística, e uma expressão de amor que transcendia as diferenças culturais. A
descrição de Òsun que se repetia mais freqüentemente entre os maiores de lucumí

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era que Òsun era uma "rameira", que é “centrada em si mesma” e “vaidosa”. Estas
eram descrições que pareciam mais apropriadas aos pontos de vista católicos
sobre a sexualidade que uma expressão de antiga sabedoria mítica.
O conflito entre o que via e o que estavam me dizendo motivaram uma
busca dos maiores que tiveram experiência direta do Òrìsà como se expressava
na África. Eu queria saber se a interpretação destas experiências era a mesma na
cultura yorubá e na cultura Lucumí. Conheci várias pessoas do oeste da África
que me ajudaram neste aspecto. Suas explicações do papel dos Òrìsà na vida da
comunidade e do mundo eram muito mais diversas e complexas que qualquer
informação prévia que houvesse recebido. Isso tendeu a reforçar minha crença de
que os conceitos teológicos haviam sido ou bem perdidos ou bem distorcidos.
Me pareceu que a única maneira de encontrar as respostas que estava
buscando era fazer uma viagem a África e ter algum acesso aos Òrìsà em seu lugar
de origem. Baseado na adivinhação feita enquanto participa em Lucumi, onde
me foi aconselhado que a iniciação em Ifá estava em meu caminho de destino. Na
África, os cultos aos Òrìsà e a Ifá estão inter-relacionados. No lucumí que se
pratica na área da baia de São Francisco, existe uma rivalidade entre as
comunidades Òrìsà e Ifá. Por esta rivalidade, me vi forçado a decidir que caminho
iria tomar. Não foi uma decisão fácil de tomar, assim confiei no conselho que veio
por meio da adivinhação e comecei a jornada para Ifá.
Sob a orientação do Babaláwo Fagbemi Fasina, recebi instrução oral nas
versões africanas das escrituras Ifá e Òrìsà. A história da religião yoruba
tradicional, como a história de todas as religiões, está preservada na história
sagrada e no folclore. Isto significa que os feitos históricos estão apresentados de
tal modo que iluminam a verdade espiritual transcendente. Os acadêmicos
ocidentais tendem a considerar os relatos sagrados e o folclore como distorções
da história. Eu acredito que seria preciso entender a história religiosa como um
intento de expressar a essência interior de acontecimentos reais na vida de uma
cultura.
De acordo com a escritura yorùbá, a Criação do Universo foi presenciada
pelo Espírito do Destino, que é conhecido como Òrúnmìlà.
Acredita-se que o Espirito de Òrúnmìlà teve várias encarnações físicas como
mestre e profeta. Os yoruba dizem que Òrúnmìlà viveu na África Ocidental pela
primeira vez como filho de um homem e uma mulher que viviam na colina de

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Itase na cidade de Ilé Ifè. Òrúnmìlà retornou a África Ocidental reencarnado como
"Omo Ore-Otun-Moba" que significa "Filho de uma família da cidade de Otun-
Moba".
A escritura yorubá descreve a Òrúnmìlà como um jovem que viajou
extensamente por toda África aprendendo a sabedoria do que se denomina awo.
Os yorùbá consideram que Òrúnmìlà, em todas suas encarnações, é o profeta da
religião que se denomina Ifá. Ao Òrúnmìlà histórico é creditada a organização da
sociedade yorùbá, estabelecendo diversas formas de culto incluindo a veneração
da Natureza, que se denomina " Òrìsà Awo", e a veneração dos antepassados que
se denomina "Egúngún Awo".
Dentro da cultura yorùbá, Ifá é a base de um sistema muito elaborado de
treinamento espiritual que é baseado em uma ampla variedade de iniciações em
Mistérios muito específicos que têm a ver com os funcionamentos interiores da
Natureza. Apesar das concepções horrendamente equivocadas sobre a
espiritualidade africana que existem no Ocidente, é muito claro que Ifá abraça
uma profunda consciência da Natureza e da dinâmica das forças que existem no
mundo. A tradição esta baseada em milhares de anos de observação das Forças
Naturais que se manifestam de maneiras claramente definidas. É minha crença
que são estas observações que dão a base para uma compreensão metafísica dos
Òrìsà que pode ser usada como ferramenta efetiva para transformar a consciência.
Minha primeira aprendizagem em Ifá me ensinou que Ifá abarcava qualquer
sistema de sabedoria que realce a consciência pessoal do EU e o mundo. O
Bàbáláwo Fagbemi Fasina faz continuamente referência a tradições religiosas
como o Taoísmo e a espiritualidade dos índios americanos que compartem a
mesma visão do mundo que Ifá. Ele deu também uma contribuição significativa
ao processo de explicar o impacto psicológico das religiões centradas na Terra
sobre a saúde mental pessoal e comunitária como parte de sua aproximação com
a adivinhação.
O primeiro cientista social ocidental a estudar seriamente o impacto
psicológico das crenças religiosas existentes na terra foi Carl Jung. Ele foi um
psiquiatra que estudou inicialmente com Sigmund Freud, e logo rompeu com seu
mentor para desenvolver seu próprio sistema de cuidar da saúde mental. A mais
adiantada investigação de Jung foi na área dos "fenômenos ocultos", que é o
termo que ele usou para descrever a possessão dos espíritos. Em seu estudo da

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possessão, Jung notou a existência de fenômenos físicos claros. Estes fenômenos
incluíam: a capacidade do médium falar em idiomas desconhecidos pela pessoa
quando ele/ela não estava em transe; indícios de premonição, ou a capacidade de
predizer acontecimentos futuros; conhecimento de acontecimentos passados que
eram desconhecidos pelo médium enquanto estava no estado normal de
consciência; e a capacidade de descrever acontecimentos passados que eram, de
outro modo, desconhecidos para o médium. Depois de postular todas as teorias
conhecidas que poderiam possibilitar explicar estes fenômenos, Jung concluiu
que a teoria científica deixava sem explicar muitos aspectos da possessão dos
espíritos. A conseqüência não dita de sua investigação foi que a possessão de
espíritos implicava na interação humana com forças que existem fora da
consciência pessoal.
A seguinte área de interesse de Jung foi a análise dos sonhos. Fez um
registro extensivo dos sonhos contados por pacientes que estavam no meio de
crises emocionais. Suas análises indicaram que virtualmente todos seus pacientes
informaram sobre imagens e símbolos que formavam as bases da maioria da
literatura sagrada que se encontra por todo mundo. Isto era certo também para
aqueles pacientes que não haviam estado expostos a literatura sagrada em
nenhuma forma. Sua conclusão foi que estas imagens emergiam do que ele
chamou de inconsciente coletivo, e que estavam integralmente unidas com a
maneira como a mesma consciência está formada. Em outras palavras, a tradução
da percepção dos sentidos a esquemas de pensamento faz uso de um mecanismo
psíquico que traduz a recepção dos estímulos sensoriais em símbolos religiosos.
Chamou a estes símbolos "arquétipos", e postulou que eram comuns a todos os
povos em todas as culturas da Terra.
Em nenhum lugar de suas obras completas disse Jung que o inconsciente
coletivo é uma função biológica do cérebro. Em troca, sugere que os arquétipos
existem às vezes como esquemas energéticos no mundo exterior e como
paradigmas para organizar dados no Eu interior. Jung disse que quando o
esquema exterior corresponde ao processo interno, a pessoa pega nesta dimensão
inter-relacionada experimenta alguma forma de transformação. Chamou a este
fenômeno "sincronicidade” e o usou para explicar a afetividade de diversas
formas de adivinhação.

16
Em minha opinião a obra de Jung é um recurso de muito valor para se
tentar entender o impacto das formas tradicionais de espiritualidade em
questões de saúde mental, transformação emocional e iluminação. Porém, de
novo, o problema para mim era que o paradigma jungiano não havia sido
aplicado ao conteúdo da espiritualidade africana. Existe uma notável exceção a
isto e é o livro Life among the Gods ("Vida entre os deuses") de Susane Wanger.
O livro é difícil de se encontrar nos Estados Unidos, porém vale a pena procurá-
lo. Susane Wanger é uma austríaca que recebeu a iniciação Òrìsà na Nigéria e
permaneceu na África para assumir a responsabilidade por seu papel
comunitário como maior espiritual. Seu livro se refere a Jung especificamente, e
claramente utiliza conceitos jungianos ao explicar o papel transformador que
cada Òrìsà desempenha na vida tanto dos indivíduos como da comunidade.
Em grande parte, a obra de Jung é bastante ignorada ou desdenhada pela
comunidade acadêmica ocidental. Uma notável exceção é a obra de Joseph
Campbell. Em suas extensas coleções de folclore tradicional e mitos, Campbell
tem categorizado os temas recorrentes que aparecem em várias culturas e através
da história. A investigação de Campbell tende a enfocar-se no xamanismo indo
americano, o misticismo oriental e o romanticismo europeu. Incluindo a África
em algumas de suas referências, porém o material é limitado.
Foram meus estudos com o Babaláwo Fagbemi Fasina, junto com meu
estudo de Jung e Campbell, que guiaram meus esforços de captar os princípios
metafísicos que formam a fundação da teologia Ifá. Estas três influências me
conduziram a crer que se as religiões centradas na Terra geram símbolos
externalizando os esquemas que formam a consciência semelhante, os princípios
discutidos por Jung e Campbell deveriam aparecer nas formas africanas de
espiritualidade.
Minha primeira viagem a Nigéria ocorreu em 1989. Nesse momento, eu
estava preocupado principalmente com os rigores de minha própria iniciação. A
maioria de instruções que recebi nessa ocasião tinham a ver com a informação
que necessitava saber sobre o cuidado e manutenção do meu santuário pessoal.
Voltei para casa com muitas perguntas sem debater sobre a natureza e funções
dos Òrìsà tal como eram venerados na África.
Em minha segunda viagem em 1990, estava decidido a fazer aos maiores
africanos de Ifá uma série de perguntas que me ajudariam a entender e explicar

17
as qualidades esotéricas dos Òrìsà. Por meio da amável ajuda do Babaláwo
Adebolu Fátunmise pude conhecer alguns dos maiores de Ifá em Ilé Ifè. A cidade
de Ilé Ifè foi uma vez o lugar de Òrúnmìlà, o fundador e profeta de Ifá. O Babaláwo
Adebolu Fátunmise cresceu em uma ampla casa em forma quadrangular que é
um dos centros de Ifá em Ilé Ifè. Sua família tem uma larga história de serem
conselheiros espirituais do Chefe da Federação Yoruba que se denomina Oòni de
Ilé Ifè.
Enquanto estava na cidade sagrada de Ilé Ifè, o Babaláwo de maior categoria
na família Fátunmise jogou o opèlé para confirmar o propósito de minha visita.
Logo após sua adivinhação, me deram os bordados de pérolas sagrados que me
faziam membro da fraternidade Fátunmise de sacerdotes Ifá. Sua amável
aceitação de meus esforços significou que pude visitar muitos lugares sagrados
em Ilé Ifè que não estão abertos ao público. As coisas que vi e experimentei nesta
visita me deram a confirmação de que as idéias que tinha sobre o significado
esotérico dos Òrìsà eram ao menos parcialmente justas. Porém também queria a
confirmação dos meus maiores.
Três dos membros maiores da família Fátunmise concordaram em sentar-
se comigo e responder todas as minhas perguntas sobre os Òrìsà. Foi uma
experiência iluminadora para mim que tive resultados muito inesperados. Cada
pergunta que fiz foi respondida com extensas citações da Escrituras de Ifá,
folclore e história sagrada. Me contaram relatos que eu nunca havia ouvido,
apresentaram referências simbólicas que não me haviam ocorrido e citaram
Escrituras com uma capacidade de memorizar e processar a história oral dos
Òrìsà que me deixou atônito.
Em vez de receber as chaves para uma compreensão mais profunda, foi me
dado uma abundância de material novo que também necessitava de alguma
forma de interpretação para fazê-lo acessível àqueles que se aproximavam dos
Òrìsà de uma perspectiva ocidental. Também me dei conta de que a informação
que buscava era tão obvia para eles que requeria poucas formas colaterais de
explicação. Isso me tornou claro que aqueles que crescem em uma cultura
estruturada espiritualmente, vêm termos religiosos que são tanto literal quanto
eficazes. Dizer que Osun é a deusa da fertilidade evoca imagens da repressão
sexual no Ocidente. Para aqueles no Ocidente que compreendem os efeitos
negativos da repressão, existe uma necessidade de traduzir os atributos de Òsun

18
em termos de transformação pessoal e coletiva. Porém na África, ao pronunciar
o nome de Òsun carrega memórias de lendas, drama sagrado, canções, dança,
experiência direta de seus poderes curativos, e a decidida aprovação cultural da
auto expressão erótica. Em outras palavras, uma interpretação jungiana não é
necessária na África porque a verdade vivente do arquétipo está sendo expressa
continuadamente em acontecimentos culturais.
Sentado com os maiores da família Fátunmise, minhas emoções estavam
em conflito. Podia sentir a força e a alegria em sua expressão de profunda
verdade espiritual. Ao mesmo tempo não estava seguro de que o meu
vocabulário ocidental era adequado para traduzir as idéias e conceitos que eles
dividiam com tanto entusiasmo.
Antes de abandonar a África descobri que não estava só em meus esforços
de traduzir a sabedoria esotérica dos Òrìsà para termos ocidentais. A cidade de
Lagos, na costa da Nigéria, é uma grande cidade metropolitana muito parecida
com a cidade de Oakland, onde eu vivo. Dentro de Lagos há um grande numero
de devotos de Ifá que estão tentando apresentar sua visão do mundo em um
contexto que possa ser compreendido por aqueles que não cresceram na cultura
yorùbá. Eles têm estabelecido vários centros de estudos e publicam uma revista
trimestral chamada Òrúnmìlà. Este recurso tem sido uma ajuda inestimável em
meus esforços para transcender as limitações de minha própria perspectiva
cultural.
Foi no contexto deste dilema intercultural que escrevi Ìwa-pèlé. Enviei por
correio cópias do livro aos meus maiores na África e esperei nervosamente sua
reação. Em fevereiro de 1992 fiz minha terceira viagem a Nigéria. Durante essa
viajem, me ficou muito claro que os maiores de Ifá e Òrìsà tanto em Ode Remo
como em Ilé Ifè estavam entusiasmados com a oportunidade de compartilhar sua
visão do mundo com outras culturas. Um sincero esforço foi feito por eles para
prover tanto material de fonte para este livro, como para esclarecer as idéias que
eu havia tentado explicar em livros anteriores.
Cada vez que faço a viagem a Ode Remo, me sinto humilde frente a grande
profundidade de sabedoria que sustenta a vida comunitária nessa região do
mundo. As idéias expressas neste livro são uma extensão de idéias anteriores que
crescem invariavelmente em relação com a minha própria experiência direta com
os Òrìsà. Digo isto para acentuar que não existe nenhuma única interpretação

19
correta dos Òrìsà, nenhuma explicação definitiva das escrituras de Ifá e nenhuma
definição absoluta dos símbolos sagrados. Devido a Ifá ser uma maneira de olhar
o Mundo, permanece aberta e expansiva. Os Mistérios da Natureza se revelam
continuamente ao Mundo em maior profundidade, ao mesmo tempo em que
esses Mistérios se transformam a si mesmos. Nossa percepção destes profundos
Mistérios cresce, enquanto nos crescemos, e é a busca de crescimento que acende
a curiosidade daqueles que se voltam a Ifá na busca de inspiração e guia.

20
I
ÒWE
PROVÉRBIOS YORÙBÁ
A. ONÍWÀ FUNFUN
– Provérbios Yorùbá e o Conceito de Verdade

"Owe" é a palabra yoruba que significa “provérbio". Na disciplina teológica,


um provérbio se define como um dito curto que expressa uma verdade religiosa
ou cultural. Todas as culturas fazem uso dos provérbios para transmitir valores
sociais. Como uma introdução a compreensão dos Òrìsà (Espíritos que guiam as
forças da Natureza), os provérbios yorubas fornecem uma base para captar a
visão de Ifa sobre a relação entre o EU Interior e o Mundo.
Muitos dos provérbios que estão em uso corrente na cultura yoruba são
baseados nas Escrituras de Ifa. Esta Escritura é um extenso poema oral formado
de duzentos e cinqüenta e seis seções, ou livros, chamados “Odu”. Cada Odu
tem uma quantidade de versos chamados “ese”. No Odu chamado Osa’Tura os
estudantes do profeta Òrúnmìlà pedem que ele lhes diga a natureza da Verdade.
A palavra yorùbá para Verdade é "Oníwà funfun", que significa "aquele que
possui caráter é guiado pela luz".
No Odù Osá'Tùrá, Òrúnmìlà disse que a Verdade é o chefe do Reino Invisível
que guia o Destino da Terra. Continua dizendo que a Verdade é uma palavra
que nunca se pode deixar perder; é a fonte de poder que vence toda a
adversidade. Os que conhecem a Verdade podem descobrir a Vontade da
Criação. Isto implica que a Verdade é uma maneira de se conhecer melhor que
um conjunto de crenças rígidas. Também implica que a Luz, como uma Força da
Natureza (Òrìsà), possui sua própria forma de consciência que pode ter um
impacto direto no curso da evolução. Estes são dois temas centrais nas Escrituras
de Ifá, e são elementos chave para compreender a natureza e a função dos Òrìsà
desde a perspectiva da teologia de Ifá.
Dentro da estrutura do ritual de Ifá, o Odù Osa'Tùrá se usa para invocar a
Esù, que é o Mensageiro Divino e o Guardião da Verdade. Este papel duplo tem
causado alguma confusão entre aqueles que tem escrito sobre a posição de Esù
na cosmologia de Ifá. A confusão parece estar baseada em um mal entendido do

21
papel de Esù em causar transtornos. Uma das funções do transtorno natural nos
assuntos cotidianos é sacudir a consciência para solta-la de sua auto-indulgência
e pensamento rígido. Em virtude de a Terra estar em constante progresso, todas
as percepções da relação entre o EU e o Mundo estão em um estado constante de
fluxo. Aqueles que negam ou ignoram a natureza dinâmica desta relação são
periodicamente levados a um estado de confusão como resultado de algum giro
inesperado dos acontecimentos. Em termos simples, a percepção humana da
Verdade é uma dimensão constantemente trocada e uma das funções de Esù é
nos lembrar que a busca humana da Verdade nunca deve parar.
Dizer que Esù é o Guardião da Verdade é sugerir que a Verdade nunca pode
tornar-se um conjunto fixo de regras ou de dogmas. Em compensação a Verdade
é um modo de olhar o EU e o Mundo; é um estado de estar melhor que um ato
de conhecer. Este é um conceito difícil de entender para alguns ocidentais, pois
estamos condicionados pela idéia de que a Verdade se estabelece por feitos
objetivos.
A idéia de que a Verdade só pode ser descoberta se formos periodicamente
sacudidos de nossas noções preconcebidas é perturbadora para aqueles que
querem que a religião tenha a totalidade das respostas corretas sobre qualquer
coisa.
Quando os missionários cristões traduziram pela primeira vez a Bíblia para
o yoruba utilizaram a palavra Esù para representar o "Diabo". Sem duvida esta
foi uma intenção deliberada de rebaixar a crença religiosa tradicional de Ifá. O
efeito desta calunia é também evidente nos Estados Unidos onde Esù é
normalmente associado com a idéia de causar danos por meio do uso de magia
ou feitiçaria. Uma olhada mais atenta aos provérbios yorùbá, ao seu folclore e a
história sagrada sugere que o dano feito por Esù é o resultado da recusa de uma
pessoa em viver em harmonia com a Verdade como se reflete através das Leis da
Natureza.
Os provérbios incluídos neste capitulo são uma pequena mostra tomada de
uma cultura que é rica no uso poético da linguagem. Muitos desses exemplos
utilizam analogias interdimencionais e imagens da Natureza que não se usa
comumente na linguagem coloquial. Isto leva a uma situação na qual o
significado original do provérbio pode não estar claro sem alguma referência às
crenças espirituais e sociais de Ifá. Como em todos os provérbios, não há

22
nenhuma interpretação única e definitiva de seu significado. Os provérbios que
apontam a Verdade estão continuamente abertos a reinterpretação. É sua
capacidade para sacudir as noções preconcebidas até deixá-las soltas o que lhe
dará a força de uma revelação.

B. ÒWE NI ÒRÌSÀ
- Provérbios e princípios espirituais

1.DÌE DÌE LA NJÓÓRÍ ÉKÚ.


Pedaço por pedaço comemos a cabeça do rato.

Comentário: Em muitas versões das escrituras de Ifá a frase "Pedaço por


pedaço que comemos a cabeça do rato" é o primeiro verso da primeira estrofe.
Comer a cabeça do rato é um dos mistérios da iniciação nos Òrìsà e é uma parte
integrante do drama simbólico que ocorre durante os rituais de transição.
Para mim, existem duas interpretações deste provérbio, e ambas vão ao
coração da sabedoria de Ifá tal como eu a compreendo. O uso mais comum desta
frase é uma resposta a uma série de perguntas. Quando eu comecei pela primeira
vez o estudo de Ifá meus maiores me disseram: "O que estás disposto a fazer para
experimentar a transformação espiritual?" A resposta correta é: "Estou disposto
comer a cabeça do rato". Isto seria seguido pela pergunta: "Como comemos a
cabeça do rato?" A resposta que se espera é: "Pedaço por pedaço comemos a
cabeça do rato".
De uma perspectiva ocidental, este diálogo tem uma conotação claramente
diferente da reação que provocaria na cultura yoruba. Para nos que fomos
criados em um ambiente urbano, a idéia de comer um rato é altamente
repugnante. Não obstante, na selva da Nigéria existe uma ampla variedade de
roedores, que variam em tamanho desde alguns centímetros de comprimento até
a forma e aparência de um porco pequeno. Estes roedores estão incluídos na dieta
yoruba normal e é considerado um acréscimo desejável a qualquer comida.
Admito que eu tinha minhas dúvidas da primeira vez que me serviram a
sopa de roedor, porem uma vez que juntei coragem para tomar o primeiro
bocado, não tive dificuldade com o sabor. A experiência de realmente comer o
rato transformou minha compreensão do provérbio. A princípio, eu supunha que
a expressão "comer a cabeça do rato" significava que o noviço iniciado estava

23
disposto a fazer qualquer coisa, não importando o desagradável que fosse, para
conseguir a transformação espiritual. Em minha experiência esta é uma
interpretação comum desta expressão quando é usada no culto dos Òrìsà no
Ocidente.
Já que na África não há nada ofensivo em se comer roedores, me vi forçado
a reconsiderar minha interpretação do provérbio. Em termos práticos, a cabeça
do rato é muito difícil de comer, por causa dos ossos quebradiços que cortam a
boca se a pessoa não remove cuidadosamente a carne. Foi baseado nesta
observação que cheguei a suspeitar que a expressão “Pedaço por pedaço que
comemos a cabeça do rato” tinha uma interpretação muito mais literal.
Ifá se baseia na crença de que a transformação espiritual ocorre lentamente,
de um passo por vez, em uma seqüência regulada que conduz a um resultado
desejado. Se a pessoa vai comer a cabeça do rato, ela deve, muito lentamente e
com o máximo cuidado, tirar a carne de um pequeno pedaço por vez. Perde esta
verdade aqueles que apelam aos Òrìsà na vã esperança de que os Òrìsà
resolveriam todos os problemas por meio de algum processo mágico que não
requeira esforço de sua parte.
No Odù Osá'Tùrá, quando o profeta Òrúnmìlà define a natureza da Verdade,
disse que aqueles que dizem a Verdade serão guiados pelos Òrìsà. Dizer a
Verdade na cultura yoruba também significa atuar a Verdade. A guia dos Òrìsà
nunca é algo que se faz a uma pessoa: é sempre um processo que implica em
darmos as mãos com aquelas Forças que vêm a nós do Reino Espiritual. O
conhecimento sem a ação é uma verdade sem substância.

2. ÒWÓ ATÍ ÈSÈ LO SE PÀTÀKÌ FÚN ÀRÁ.


As mãos pertencem ao corpo e os pés pertencem ao corpo.
Comentário: Muito do trabalho espiritual que tem lugar no culto aos Òrìsà
envolve a limpeza do corpo e do espírito de forma que todas as porções do EU
estejam trabalhando em harmonia. Dizer que as mãos pertencem ao corpo e que
os pés pertencem ao corpo implica em que ambos devem trabalhar juntos para
dar apoio ao corpo. As mãos são usadas para assistir ao corpo no cuidado das
necessidades pessoais, enquanto que os pés nos levam ao mundo. O provérbio é
uma clara referência a necessidade de equilibrar as necessidades do EU com as

24
necessidades da comunidade, e mais além disso, com o ambiente em que
vivemos.
Variações deste provérbio falam das mãos e os pés se movendo em
diferentes direções. Por exemplo, Se as mãos são levantadas em um gesto de auto
defesa enquanto que os pés estão correndo em retirada, as mãos e os pés estão
em conflito entre si. Tal contradição implica que a mente deseja fazer frente
enquanto que ao coração falta coragem para enfrentar o desafio. Neste exemplo,
o EU sabe claramente que ação deseja tomar, porem o EU em relação com o
Mundo está bloqueado pelo medo.
A maioria das formas de artes marciais põem algum ênfase em diminuir as
emoções conflitivas que ocorrem em situações de auto defesa. Quando o EU
emocional está oprimido por medo ou raiva, é muito difícil para o EU consciente
controlar o movimento corporal. Uma pessoa que se encontra em uma situação
atemorizadora terá a tendência a distorcer a realidade objetiva. Por exemplo, ver
um valentão pode causar pânico, porém não há uma ameaça real por parte do
valentão até que o agredido esteja ao alcance dos braços do agressor em questão.
Isto parece ser uma observação muito simples e direta. Porém se o pânico se
estabelece antes que a ameaça se torne real, a faculdade de avaliar essa
informação se bloqueia. O tempo de reação requerido para se evitar ser golpeado
por um punho em movimento está comodamente dentro da faixa de atuação da
coordenação normal. É a reação emocional ante ao medo o que com mais
freqüência dificulta a capacidade de executar a reação apropriada.
A mesma analogia é certa em questões de transformação espiritual. Em
meu uso de adivinhação, os problemas mais comuns que nos trazem os Òrìsà são
o resultado do conflito entre o medo e a intenção. O desejo de trocar é claro,
porém a disposição de mover-se na direção da troca é confusa. Caminhar requer
o movimento dos pés, porém este movimento é destacado oscilando os braços no
compasso do passo em cada pisada. É muito mais difícil caminhar quando a
pessoa está segurando o peito do que quando está usando os braços como
impulso. Igualmente, é muito mais difícil inter atuar com a família e os amigos
quando nossa imagem está cheia de dúvidas, insegura e frustração.

3. OMI NÍ M'BE LÁBÉ'LÉ OMI LO MOKÚN ILE.


A água submerge para baixo da terra.

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Comentário: Todos os Òrìsà que aparecem nas Escrituras de Ifá são a
personificação de Forças Espirituais que existem na Natureza. As quatro Forças
Naturais fundamentais na cosmologia de Ifá são Terra, Ar, Fogo e Água. Segundo
Ifá, cada uma destas forças tem um impacto direto no processo de transformação
espiritual. Esta idéia está baseada na crença de que tudo o que existe na Natureza
está inter-conectado e inter relacionado.
A cosmologia de Ifá não é linear; é cíclica e espiral como a concha de um
caracol. Isto significa que as Forças que guiam a evolução reaparecem através do
tempo e do espaço e existem em multidimensões de realidade. Em outras
palavras, as Forças da Terra, Ar, Fogo e Água têm dimensões análogas em todos
os domínios do Ser. Digo simplesmente, os Òrìsà são qualidades de poder que
representam padrões de manifestação originários.
No nível pessoal, a Terra representa o corpo físico, o Ar representa o
intelecto, o Fogo representa o espírito individual e a Água representa as emoções.
Em um nível planetário, estes elementos são claramente Forças materiais na
Natureza. Em um universo sub atômico, estes elementos representam a
qualidade de interação entre partículas. Todos os elementos fundamentais inter
atuam e criam novos níveis de complexidade. O Fogo da Criação se esfria para
formar as estrelas, o Fogo das estrelas se esfria para formar os planetas, o Fogo
no centro da Terra se esfria para formar a terra firme, e a terra firme faz uso do
Fogo no processo de rejuvenescimento e transformação.
Dizer que a água submerge para baixo da terra firme é expressar a verdade
óbvia de que ao mesmo tempo em que a água corre de um lado a outro do solo,
regressa a Terra. Na Nigéria, a camada de águas subterrâneas está muito
próxima a superfície e tem uma complicada cadeia de veias subterrâneas de água
que são invisíveis ao nível do solo. Superficialmente, este provérbio é uma
simples observação sobre a termodinâmica da umidade.
A água representa a emoção na maioria dos ensinamentos indo americanos
e a imagem da água é usada normalmente pelo Taoísmo para representar o Tao.
Em Ifá, a água simboliza a emoção e o poder de intuição que geram os
sentimentos fortes. O significado espiritual do provérbio se relaciona com a
influência encoberta das emoções sobre o corpo físico. Em yorùbá, a palavra para
“emoção” é "ègbè". De acordo com Ifá, o ègbè, é o centro emocional de todo o corpo
humano, tem uma tremenda influência na saúde física geral e mental do

26
indivíduo. Como a água submerge para baixo da terra para formar correntes
subterrâneas, as emoções são absorvidas pelo corpo, afetando o EU em modos
que permanecem invisíveis, e que não são completamente compreendidos.
Um elemento chave em todas as formas de transformação espiritual é a
iluminação das influências encobertas que afetam o comportamento. Ifá se refere
a estas influências como "omi l'enia" que significa "A Humanidade é água". Uma
das primeiras etapas da iniciação aos Òrìsà é conduzir um funeral pelo espírito
interior do iniciado. O propósito deste funeral é limpar todas as influências
negativas das correntes emocionais não visíveis e inconscientes que fluem através
do corpo. Ao invocar a morte sobre o iniciado, o noviço é devolvido ao estado
de inocência que acompanha um novo bebê ao mundo. Com as ferramentas e
habilidades providas pela iniciação aos Òrìsà, o renascimento do iniciado inclui a
possibilidade de ver, aprender, compreender e guiar essas correntes emocionais
que se fundem por baixo da pele.

4. ÍGÌ-NLÁ LA FÌÌ LU AGO-NLÁ.


É preciso um pau grande para tocar um sino grande.
Comentário: Ao longo das cerimônias dos Òrìsà se usa sinos junto com
atabaque e chocalhos como instrumentos de invocação. O som do sino é
considerado um método efetivo para atrair a atenção daqueles Òrìsà que moram
na água e no ar. A imagem de usar um pau grande para tocar um sino é uma
referência a necessidade de se dedicar a atenção apropriada a uma tarefa.
Se é necessário um sino grande para atrair a atenção de um Òrìsà distante,
não teria sentido fazer soar um sino com um pau pequeno que produzirá um som
fraco. De modo similar, não faz sentido ter um problema e deixar que o problema
fique sem solução devido a omissão de se pedir a ajuda apropriada. Dizer que
precisa de um pau grande para tocar um sino grande é sugerir a que é bom falar
forte e claro sobre assuntos de verdadeira importância.
Em um nível geral, a cultura yorùbá não alimenta a idéia de "sofrer em
silêncio". Existe uma forte tendência entre os membros de uma família ampla
yorùbá de cada um cuidar das necessidades dos demais, especialmente em
tempos de crises. O provérbio está reforçando a idéia de que não há necessidade
de se sofrer um problema até o final, simplesmente porque nada sei dele.

27
Quando visitei a Nigéria pela primeira vez, me chamou a atenção a maneira
muito formal e elaborada como os membros da comunidade se dirigiam uns aos
outros. Todas as manhãs, quando eu saía da casa onde estava hospedado, era
saudado com o seguinte discurso: “Bom dia. Como se sente? Dormiu bem? Fez
um bom desjejum? Sua família está bem de saúde?”. A princípio pensei que tudo
isso era mera conversa amável. Levei algum tempo para dar conta que estas
perguntas ritualizadas eram feitas com séria preocupação e intenção. Se qualquer
destas perguntas fosse respondida negativamente, seriam feitos esforços para se
encontrar uma solução. As saudações são usadas como um método real de se
estabelecer uma rede de comunicações dentro da cidade. O sistema funcionava
porque se esperava que as perguntas fossem respondidas aberta e honestamente,
como um modo de se expressar alguma necessidade real que pudesse aparecer.
Um dia, quando estava caminhando em Ode Rémo, tive um transtorno
estomacal e comecei a tossir. Quando cheguei ao lugar onde estava hospedado,
algum vizinho havia deixado uma caixa de bicarbonato de sódio na casa. A
mensagem sobre meu estado havia literalmente chegado a casa antes de mim.
Há também aqui uma indicação da importância do poder da palavra.
Como um aspecto do uso real do ritual, Ifá ensina que os Òrìsà respondem ao
poder da palavra. Tenho notado que o uso de preces nas cerimônias ocidentais
de Òrìsà é as vezes tímido e carece de intenção clara. Às vezes ouço devotos
ocidentais dos Òrìsà recitar orações tradicionais sem uma compreensão de seu
conteúdo. Na África, as preces aos Òrìsà são ditas em voz alta, normalmente são
ditas enfaticamente, com intenção clara e a voz nitidamente projetada. Isto
significa que tanto a mente quanto as emoções estão dirigidas para a
manifestação do efeito da prece.
Uma vez presenciei uma cerimônia Òrìsà feita dentro de uma tenda de
campanha. Era um dia que ventava extremamente e o vento estava sacudindo a
lona, tornando muito difícil ouvir o que era dito. O Babaláwo que dirigia o ritual
colocou a cabeça para fora e começou a gritar para o céu. Logo que terminou, o
vento se deteve e não começou de novo até depois que havíamos terminado. Eu
perguntei ao Babaláwo o que havia feito para que o vento deixasse de soprar.
Disse-me que se a pessoa fala com intenção apropriada, os Òrìsà respondem.
Estava usando um pau grande para fazer soar um sino muito grande.
5. W'Ò TÚN W'ÒSÌ L'OWÓ FI M'MÓ SÁKÁ.

28
Não se pode lavar a mão direita sem a ajuda da mão esquerda.

Comentário: Esta é uma expressão popular yorùbá que vem diretamente da


escritura Ifá. É uma clara referência ao apoio espiritual em todos os aspectos do
crescimento e transformação espiritual. Uma variação deste mesmo tema é a
expressão, "Uma só árvore não pode fazer um bosque".
No culto aos Òrìsà está enraizado na idéia de que cada pessoa tem um
destino predeterminado e que no processo de viver em harmonia com os Òrìsà, o
conteúdo deste destino se revela. De acordo com Ifá, o processo de descobrir o
destino individual está ligado ao processo de descobrir o destino da comunidade,
que está ligado ao processo de descobrir o destino nacional, que é um aspecto de
descobrir o destino global. Esta é uma verdade tão óbvia entre os maiores de Ifá
com os quais falei, que na mente deles requeria muito poucas explicações.
No dia em que minha iniciação em Ifá se completou, houve uma grande
festa na comunidade. Haviam muitos visitantes que vieram expressar sua alegria
e agradecimentos por meu esforço para descobrir meu próprio destino. Fiquei
profundamente comovido pela sinceridade de suas felicitações, e ficou muito
claro que eles acreditavam que meus esforços tinham um impacto direto na
qualidade de suas próprias vidas.
Em algumas comunidades Òrìsà ocidentais, tenho notado um sentimento
coletivo de inveja dirigido para aqueles que experimentam qualquer tipo de êxito
em suas vidas. A inveja como emoção é contraria ao conceito de Ifá de
desenvolver um bom caráter. Dizer que a mão direita lava a mão esquerda é
dizer que cada vez que alguém experimenta o crescimento, o potencial para o
crescimento de todos cresce. Quando qualquer membro de uma família ampla
melhora a qualidade de sua vida, a qualidade de vida em toda a comunidade
melhora.
Compreender completamente este provérbio requer uma apreciação da
crença de Ifá de que melhorar a qualidade de sua vida as custas de outros não é
nenhuma melhora em absoluto.

6. AWÒN TÍ WÓN SÈGÙN OTÀ, KÒ SÒHÙN TÍ YIÓ FÁ IBÈRÙ OTÀ.


Quem vence o inimigo de dentro de si não tem nada a temer do inimigo de fora.

29
Comentário: Aqueles que veneram aos Òrìsà estão comprometidos na busca
de uma consciência junta do EU e do Mundo. Ifá ensina que este processo está
enraizado no processo de vencer o medo. Aqueles que vivem com medo
perpetuam esse medo ao em vez de descobrir o destino. Ifá, como a maioria das
tradições espirituais, ensina que o medo é vencido por meio da coragem. Não há
nenhuma maneira fácil de aceder a coragem e a cada confronto com o medo
implica ação apesar do medo.
Ifá reconhece que uma das maneiras mais fáceis de evitar o medo é sufocá-
lo. Por exemplo, se alguém tem medo do fracasso quando procura um trabalho,
pode negar esse medo alegando que não há empregos disponíveis. Os psicólogos
chamam esse mecanismo “deslocamento”. Um elemento chave no viver em
harmonia com os Òrìsà é a capacidade de identificar, admitir e transformar
aqueles medos interiores que impedem a ação. Este provérbio é muito claro em
afirmar que uma vez que os medos interiores são vencidos, aqueles medos que
acontecem no mundo exterior se tornam insignificantes.
Um dos rituais usados para se enfrentar o medo é a invocação do Espirito
Guerreiro de Ogún. A invocação é seguida por um pedido de que Ògún retire
aqueles obstáculos que estão no caminho para garantia do destino pessoal. Os
maiores que conheci que reverenciavam Ògún na África, foram muito claros em
que muitas pessoas que fazem esse pedido a Ògún se surpreendem ao descobrir
que os obstáculos que encontram são internos muito mais que externos. Em
termos literais a obstrução é imaginária e não real. De acordo com as escrituras
de Ifá, os obstáculos imaginários criam demônios auto-invocados chamados
elénìní. Os demônios imaginários são difíceis de se consumir devido a
permanecerem evasivos, sempre trocando de forma antes que uma
transformação real possa ocorrer.
Tenho adivinhado para muita gente que dizia que queria ter êxito em suas
carreiras, porém pareciam nunca ter um progresso sério. Freqüentemente tinham
inúmeras desculpas para sua situação, que usualmente se centravam em
exemplos reais de tratamento injusto. Quando a adivinhação indica que a questão
primaria é o medo do êxito, a mensagem pode ser muito difícil de ser aceita. Em
minha experiência, aqueles que aceitam progridem e aqueles que não, fracassam.

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7. IBÈRÙ IÈ FÁ IKÚ ÁRÀ TÁBÌ TÍ ÈMI.
É o medo que produz a morte prematura.
Comentário: Dizer que o medo é quem produz a morte prematura expressa
o efeito debilitante que o medo pode ter tanto sobre a saúde mental como sobre
a física. Este provérbio também aponta para um principio metafísico mais
profundo que é central a compreensão Ifá dos Òrìsà. Ifá ensina que uma parte do
destino individual de cada pessoa é a hora e o dia de morrer para o corpo físico.
Este acontecimento é estabelecido irrevogavelmente no momento do nascimento.
Desse ponto em diante nada se pode fazer para estender os dias de uma vida
individual. Contudo, pode-se fazer coisas que reduzam o tempo de vida
predeterminado de um individuo.
Ifá considera o não viver a própria vida até seu completo limite, como o
resultado da resistência ao processo de viver em harmonia como os Òrìsà.
Acredita-se que essa resistência está enraizada no medo da autocompreenção, da
auto-transformação e do auto descobrimento. Aqueles que vivem com medo
criam uma condição chamada "orí ibi", ou em português, os efeitos negativos do
medo e da dúvida de si mesmo.
Tenho ouvido várias histórias sobre adivinhos dotados que sabem a hora
exata e o dia do fim de sua existência física. O famoso Babálawo Gedegbe, que foi
o adivinho principal para os últimos quatro reis do Dahomey, viveu até ter cento
e vinte anos. No dia de sua morte, reuniu a sua família e seus estudantes e lhes
disse o que esperava deles após passar para a próxima vida. Quando terminou
de falar, se sentou em sua cadeira e morreu. Existe em Ifá uma tradição de que
quando chega o dia da passagem, o maior anuncia o rito de transição a sua
família. Não é um tempo de tristeza, mas é um tempo de orgulho e
reconhecimento, o mesmo que um tempo em que se faz louvação por uma vida
bem vivida.

8. GBÒNGBÒ-IGI KÌÍ DÁ'JÌJÍ.


A raiz da árvore nunca projeta sombra.
Comentário: Os ensinamentos esotéricos de Ifá usam a palmeira como seu
símbolo sagrado de árvore da vida. Quase todas as religiões existentes na Terra
utilizam a imagem da árvore para representar os ciclos de nascimento, vida,
morte e renascimento tal como existe em toda a Natureza. Estes ciclos criam o

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paradigma fundamental da dinâmica e da forma tal qual elas existem em toda a
Natureza.
Dizer que a raiz da árvore nunca projeta sombra, é dizer que a base daquele
que cresce permanece invisível. Em um nível pessoal isto é uma referência
àquelas influências familiares que constroem o bom caráter desde uma infância.
A maior parte do condicionamento que gera bom caráter em um adulto ocorre
durante os primeiros anos de aprendizado em casa.
Em outro sentido, este provérbio é uma descrição de como se desenvolve o
caráter, porém também é uma advertência contra se ser demasiado aberto sobre
a base do crescimento pessoal. Muitas famílias na África veneram a um só Òrìsà
como uma unidade familiar. A obediência dessa prática espiritual chega a ser
integrada aos valores sociais que são cultivados pela família no sentido mais
amplo. Enquanto estive na África achei que os devotos de Ifá e dos Òrìsà eram
relutantes em falar sobre sua relação pessoal com as Forças Espirituais. Isto não
parecia ser causado por nenhum sentido de impedimento ou vergonha. Em
compensação, parecia estar baseado no tabu cultural contra se discutir questões
espirituais com qualquer um que não fosse um maior. O segredo neste sentido é
uma forma de proteção. Qualquer um que tenha acesso as raízes de uma árvore
está em situação de derrubar seus alicerces.
Depois de haver sido iniciado e ter ganho algum nível de confiança em Ode
Rémo, houve muito mais abertura nas discussões sobre a crença pessoal. Um tabu
continuou em seu lugar, e foi o tabu contra revelar o Odù que guia as diversas
etapas da vida de uma pessoa. Essa informação só se discute com um maior e
permanece sendo uma das raízes que estão ocultas abaixo do solo.

9. TÍ ÍBÌ TÍ AFÈ LÓ KÓ BÀSE PÀTÁKÍ, GBÓGBÓ ONA NÍ PÀTÁKÍ.


Se não se importar para onde se vai, qualquer caminho dá no mesmo.

Comentário: O culto aos Òrìsà está baseado na crença profundamente


apoiada de que cada pessoa que nasce no mundo escolhe um destino pessoal.
Esta crença é uma extensão da crença em "àtúnwá", a palavra yorùbá para a
reencarnação. A tradução literal de àtúnwá seria "o caráter nasce de novo". Entre
as reencarnações, o èmí espera no Òrun. A palavra èmí significa "alento vivente";
é a palavra utilizada em Ifá para descrever a essência interior de uma pessoa, o
que se conhece como alma. A palavra "Òrun" se refere ao reino invisível dos

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antepassados. Quando Ifá fala de antepassados não está meramente se referindo
aos humanos que já faleceram; os antepassados incluem todos aqueles escalões
que conduzem a existência humana.
Durante este período de espera, o èmí escolhe o destino que quer
experimentar durante a próxima vida. Ifá ensina que os detalhes desta eleição são
esquecidos durante a viagem pelo conduto uterino. Quando alguém se dirige aos
Òrìsà para ser assistido, é sempre baseado no suposto de que os Òrìsà o guiarão
a seu destino escolhido. Ifá se baseia na crença de que viver em harmonia com o
destino escolhido traz as bênçãos de abundância, longa vida e filho.
Dizer que não importa onde a pessoa vá, sugere que não há nenhuma fé no
destino, nenhuma fé no poder dos Òrìsà e nenhuma preocupação para o
desenvolvimento de um bom caráter. Na cultura yorùbá tradicional, a falta de fé
no destino, nos Òrìsà e no bom caráter é quase impensável. Ifá ensina que
qualquer um que se encontre em tal estado de ser vagará sem rumo pela vida sem
chegar jamais a nenhum lugar.

10.TÓÓRÓ L'ÒMA ILÉ IFÈ.


É um caminho reto que leva a Ilé Ifè.
Comentário: Este provérbio é similar ao exemplo anterior. Aqueles que
acreditam no destino, aqueles que acreditam no poder dos Òrìsà, e aqueles que
acreditam no processo de construir o bom caráter, sabem que o caminho para
descobrir o destino pessoal é reto, estreito e inequívoco.
Ilé Ifè é a capital espiritual da Federação Yorùbá e está localizada no estado
de Òsun, Nigéria (anteriormente estado de Oyó). Porém existe outra Ilé Ifè, no
Òrun. Esta Ilé Ifè é considerada como o lugar da Criação. É o lugar de descanso
para aqueles antepassados que cumpriram seu destino dentro do Reino da Terra.
O caminho para Ilé Ifè de Òrun é o compromisso inalterado de construir bom
caráter por meio da guia dos Òrìsà.
A maioria da literatura ocidental sobre os Òrìsà associam Òrun com o céu e
o identifica como um lugar no firmamento. No entanto, a cosmologia de Ifá
localiza Ilé Ifè por analogia, como um lugar abaixo da terra. É um lugar de oculta
influência de onde a sabedoria dos antepassados evoluídos continua tendo
influência sobre o processo de Criação e Evolução. Esta crença em alguns sentidos
é similar a crença religiosa oriental na Cidade Sagrada, onde os Mestres Ocultos

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influenciam a transformação espiritual na Terra. Devido a migração
historicamente registrada da África para a Índia, é possível que ambos os
conceitos possam ter uma fonte comum.

11. ÈNÌ TÍ KÓNDÀKÈ ORÒ SÍSÒ, DÍ ALÁHÌFÓHÙN NÍGBÀTÍ ONRÌNÀNRÌ


EGÙN.
Aquele que nunca para de falar cala quando caminha através de espinhos.
Comentário: O culto aos Òrìsà está baseado na crença no poder da palavra.
Por esta razão, aqueles que veneram aos Òrìsà na África são cuidadosos sobre o
que dizem e como o dizem. Na cultura yorùbá não existe a conversação ociosa.
Todas as palavras e afirmações são vistas como invocações e expressões de
vontade. A afirmações de caráter negativo são consideradas malefícios no sentido
literal da palavra.
Qualquer um que fala indiscretamente é considerado irresponsável e existe
uma crença que uma tendência a isso pode trazer problemas. A conversa ociosa
é considerada uma forma de auto-malefício que atrai experiências negativas para
a pessoa que utiliza essa prática. O sentido do provérbio é que tem um tempo
para falar e um tempo para contemplação. Quando se está viajando através de
espinhos, é claramente um tempo para contemplação baseada na observação.
Isto é certo estejam esses espinhos no bosque ou naquelas situações "espinhosas"
que requerem introspecção antes da ação.
12. ÒFÀ TÓ KÉRÉ JÙ MBÙ LÓRÒ IGÍ ÒPÉ.
Os brotos menores estão sempre na copa da palmeira.

13. ÀWÀ NÍ ÌBÍ TÍ ÀWÀ LÒNÌ, NÍTÒRÍPÈ À DÚRÒ LÉJÌKÀ, AWÒN TÍ WÒN
WA SÍWÀJÚ WÀ.
Estamos hoje onde estamos porque estamos parados nos ombros dos que
vieram antes de nós.
Comentário: Estes dois provérbios estão agrupados juntos porque
essencialmente estão dizendo o mesmo. A cultura yorùbá atribui um alto valor
tanto ao reconhecer quanto ao assimilar a sabedoria dos antepassados. Dizer que
os brotos mais novos estão sempre na copa da palmeira é uma expressão poética
da crença de que os antepassados são a base de todo crescimento. O processo de
evolução e transformação espiritual requer literalmente nos ampararmos nos

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ombros dos que vieram antes de nós. Se fôssemos forçados a reinventar todas as
ferramentas necessárias para a sobrevivência em cada nova geração, não haveria
tempo para um movimento em busca de uma compreenção mais profunda do
EU e do mundo.
Quando me hospedei em lugares yorùbás na África, todas as comidas
incluiam uma oferenda aos antepassados, e cada vez que havia bebidas alguém
as servia e jogava um pouco ao chão em memória daqueles que haviam falecido.
Esta constante louvação é um reconhecimento de que a sabedoria acumulada
daqueles que vieram antes de nós aliviou a carga de nossa viagem para a
iluminação.
Além de ter um valor poético, a referência aos brotos de uma palmeira é
um comentário direto sobre um dos ingredientes que é considerado um
componente essêncial das cerimônias que se realizam para proteger a
comunidade de doenças infecciosas. É a vitalidade espiritual das folhas jovens
que forma a melhor linha de defesa contra as epidemias, como os jovens são
considerados os futuros guardiões da cultura e da sabedoria.
14. OLÓGBÓN Á D'ÒMÙGÒ L'ÀÍ L'OGBÓN-INÚ.
A pessoa que deixa de usar sua sabedoria se torna tonta.
Comentário: A palavra yorùbá para sabedoria é "orí ire", que se traduz
literalmente como "consciência guiada pela boa sorte". A sabedoria, a partir da
perspectiva de Ifá, não é uma coleção de feitos, é um processo de integração entre
a vida e o que está a nossa volta, nossas emoções, conhecimento e guia do
Espírito. A maioria dos rituais executados em louvor aos Òrìsà estão desenhados
para criar certo nível de sabedoria, integrando as diversas forças que criam orí ire.
Qualquer pessoa que deixe de fazer uso destes recursos não é considerado "mal";
simplesmente é considerado tonto. A palavra yorùbá para "resistir a sabedoria" é
orí ibi, que se traduz literalmente como "consciência guiada pelo que deveria ser
descartado".
A palavra yorùbá para "tonto" é alàigbón. Uma tradução literal de alàigbón
seria: "Aquele que é ignorante da luz". Ifá ensina que tanto a luz como a cor são
portadores da consciência. Resistir a luz é resistir a consciência em sua forma
originária. Dentro do contexto da cultura e do idioma yorùbá, a idéia de atuar
tontamente traz o significado implícito de invocar deliberadamente a má sorte.

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15. ÒRÌSÌRÌSÌ ÈDÀ LÓWÓ LÉ LÀLÉ, YÀTÒ FÙN ÈDÀ TÓJÀDÉ, LÓWÙRÈ.
Ao entardecer entra na casa uma pessoa diferente da que saiu de manhã.

Comentário: Viver em harmonia com os Òrìsà é considerado um processo,


não simplesmente uma crença em uma doutrina. Cada dia, cada experiência,
cada encontro com o EU e o mundo leva dentro de si o potencial para a
transformação e para a apreciação mais profunda dos Mistérios ocultos dentro
de acontecimentos naturais.
Ifá marca as trocas significativas no crescimento e desenvolvimento pessoal
por meio do uso ritual de ritos de transição. Estes ritos ocorrem usualmente no
nascimento, puberdade, matrimônio, velhice, e no momento da morte. Na cultura
yorùbá, a idade traz com ela uma troca na responsabilidade pessoal e
comunitária. Estas trocas se apresentam durante os rituais de transição de uma
forma simbólica e dramática, como um método de instrução e de motivação. No
processo de viver em harmonia com os Òrìsà não há momentos ociosos. Aqueles
que não aprendem e crescem cada dia estão tornando-se deliberadamente alheios
ao destino pessoal e ao alinhamento com os Òrìsà.
Ifá também ensina que a integração da consciência não está limitada às
horas de vigília. Uma das funções do sono é processar a informação que já foi
absorvida consciente e inconscientemente no curso de um dia. A interação entre
imagens simbólicas e míticas que ocorre durante o estado de sono atua como uma
ferramenta inspiradora para expandir os perímetros de nossa percepção do EU e
do mundo.

16.TÍ ÀBÀ NJÈ OHÙN ÀLÀDÍDÙN LAÍ JÈ ÒRÓGBÓ, ÓNJÈ YIO PÀDÁNÙ
ÀDÙN RÉ.
Se comermos doces e evitarmos as nozes de cola amargas, todos os alimentos
perderão seu sabor.

17. ÈNÌ TÍ KÒ BÁ JÌYÀ, KÓ LÈ JÈ IGBADÚN.


Aqueles que não conhecem o sofrimento não podem experimentar o prazer.

Comentário: Aqui novamente dois provérbios apresentam a mesma idéia,


um de forma poética e o outro como instrução direta. A forma poética encontrou
seu caminho na sabedoria popular na expressão "Tomar o amargo com o doce".

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Ifá ensina que toda a vida chega a existir por meio da integração de forças opostas.
O dia emerge na noite e a noite emerge do dia. A morte emerge da vida e a vida
emerge da morte. O processo de experimentar a vida em todas suas dimensões
é que permite que se façam distinções claras. Uma jornada inalterada de doçura
e prazer leva ao aborrecimento e a ignorância.
Em termos muito diretos, é a dor que vem por meio da perda que nos
permite apreciar a alegria que chega por meio da abundância. De acordo com as
Escrituras de Ifá, a idéia de abundância não está limitada aos recursos financeiros
e físicos. É considerado abundância as bênçãos de filhos, longa vida, honra, tanto
quanto a idéia de boa sorte econômica.
O incômodo causado por ignorar a questão do desenvolvimento do bom
caráter é o que empurra a consciência para o amadurecimento e o crescimento.
Dentro da cosmologia de Ifá, a desgraça não é considerada como um castigo por
"má" conduta. Por outro lado é vista como uma lembrança de Esù, o Mensageiro
Divino. É uma lembrança de que a vida tem um propósito e de que tem
conseqüências para aqueles que ignoram as responsabilidades de seu destino
coletivo e individual. Esta lembrança é a base do que Ifá denomina "èrí-okán", que
significa "consciência". Uma tradução literal de èrí-okán é "testemunho do
coração". Associar a consciência com o testemunho do coração sugere que o
caráter está relacionado com os verdadeiros sentimentos e que a natureza
humana é essencialmente benevolente.

18. BÍ OKÒ BABÈRÈ, ÓKÒ NÍ RÍ IDÁHÙN.


Se nunca se faz a pergunta, nunca se recebe a resposta.
Comentário: Por alto, este provérbio é muito direto e evidente. Contudo,
menciona uma pergunta muito específica ao alicerce do culto dos Òrìsà. A
pergunta é: Estou no caminho do meu destino? Se esta pergunta não é feita
constantemente, não há transformação e não há bênçãos dos Òrìsà.
Ifá coloca muito valor no sentido comum. Aqueles que não buscam soluções
efetivas para os problemas reais são olhados com suspeita na cultura tradicional
yorùbá. A idéia de "sofrer em silêncio" é literalmente contrária a doutrina de Ifá
sobre o EU e o mundo. Os maiores que conheci na África dizem sempre que todo
problema tem uma solução. Pode ser que a solução não nos agrade, e às vezes

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podemos ter medo da resolução de algum dilema. Porém nenhuma destas
possibilidades é considerada como uma desculpa válida para evitar a pergunta.

19. ÌKÒKÒ TÍ Ó M`BÓ EBÍ, KÒ LÈ BÓ`RA RÈ


A panela que alimenta a família não pode alimentar a si mesma.

Comentário: Este provérbio é uma clara expressão da idéia de que nada está
isolado. Ifá ensina que um elemento essencial do destino pessoal de cada pessoa
é seu papel na comunidade, tanto quanto membros de uma família no sentido
amplo como pilares de estabilidade social e crescimento. Nas comunidades
tradicionais Yorùbá, os Òrìsà apóiam todas as funções comunitárias. Por
exemplo, os fazendeiros veneram a Òrìsà-oko, os ferreiros veneram a Ògún, os
curandeiros veneram Òsányìn, as mulheres do mercado veneram a Oya, as
parteiras veneram a Osún, e assim sucessivamente. Cada um destes Òrìsà
preserva Mistérios da Natureza, incluindo a tecnologia para interpretar a
sabedoria espiritual para habilidades que sustentam a vida cotidiana de toda a
comunidade. Todos estes Mistérios se percebe simbolicamente como uma esteira
tecida, interdependente e inter-relacionada. Tal como com uma só folha de palma
não se pode fazer toda uma esteira, nenhuma função comunitária única pode
manter-se completamente só.
Dizer que a panela não pode se alimentar sozinha, é sugerir também que
quando estamos em completa harmonia com nosso destino pessoal, temos
necessidades além de nós mesmos. Quando a panela transborda, a pessoa que a
usa para cozinhar é quem limpa a sujeira. A panela é incapaz de limpar a si
mesma. O crescimento espiritual está sempre unido ao crescimento comunitário,
e ambos permanecem sempre interdependentes.

20. TÍ ÒMÍ BÀ HÓ LÀTÍ INÙ IKÓKÒ YIO DÍWÒ INÁ JÍJÒ LÓLÈ.
Quando a água ferve sobre o costado da panela sufoca a chama.

Comentário: Os maiores de Ifá na África dizem geralmente que a melhor


maneira de se viver em harmonia com os Òrìsà é tornar-se "orí tútù". Uma
tradução literal de orí tútù é "cabeça fresca". Ser de cabeça fresca significa evitar
os extremos de emoção nos assuntos cotidianos. A expressão americana "be cool"
("ser fresco", literalmente) é muito provavelmente uma derivação deste provérbio

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yorùbá. Ambas expressões têm o mesmo significado, que é permanecer calmo
frente à adversidade ou a hostilidade. O contrario de orí tútù é orí gbonná, que
significa "cabeça quente, impulsivo".
As Escrituras de Ifá estão cheias de histórias sobre pessoas que cometem
erros porque se permitem tornar-se orí gbonná, o que é uma maneira de dizer
sumamente desgostado. Dependendo do contexto, orí gbonná pode também
referir-se ao calor gerado por estar próximo aos Òrìsà, o que sugere estar no
estado que conduz a possessão pelos Espíritos. Nesse contexto, o calor não é
considerado como sendo intrinsecamente negativo. Como em todos os assuntos
vistos da perspectiva de Ifa, é uma questão de perspectiva e circunstância.
Este provérbio em particular está fazendo uma menção poética aos perigos
de se aborrecer em demasia com o curso dos assuntos cotidianos. A panela que
esquenta demais derrama, apaga a chama, sufoca o fogo e arruina a comida.

21. ENI TÍ Ó BÁ TÉ IBÙSÙN RÈ, NÍ YIO SÙN NÌBÈ.


Quem faz sua própria cama dorme nela.
Comentário: Este provérbio foi preservado na sabedoria popular do
ocidente em uma forma apenas alterada: "fizeste tua cama, agora deite-se nela."
A referência aqui é claramente uma advertência sobre o fato de que o estado da
nossa vida é uma conseqüência do que fazemos nela. A pessoa que não faz sua
cama a encontrará incômoda e suja. Isso por sua vez tornará difícil dormir. Se
esse problema surge, não tem nada a quem culpar além de a si mesmo.
Ter responsabilidade pelo próprio estado de ser é um conceito fundamental
no paradigma de Ifá de desenvolvimento do caráter. É sempre verdade que
encontramos acontecimentos e circunstâncias que estão muito além do nosso
controle. Ifá ensina que o modo como manejamos o inesperado está enraizado no
modo como manejamos o que podemos controlar. Os hábitos negligentes nos
assuntos cotidianos conduzirão a uma ineficiência em tempos de crises.
22. ÌKÀ TÍ ÌKÀ KÀ, KÒ LÈ YANJÚ ÒRÒ.
Quem prejudica os outros, quando é prejudicado é incapaz de distribuir justiça
em uma disputa.
Comentário: Os meios populares de comunicação associam o culto aos
Òrìsà com fazer malefícios e ao uso de feitiçaria para causar danos aos outros. Na

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realidade, aqueles que veneram aos Òrìsà na África consideram imoral usar o
poder dos Òrìsà para prejudicar os outros. O poder dos Òrìsà é às vezes invocado
para questões de proteção e justiça, porem nunca de vingança. Este provérbio é
uma lembrança de que a capacidade de perdoar é um elemento essencial no
processo de viver em harmonia com os Òrìsà.
Aqueles que associam o uso do mal com o poder pessoal não entenderam
o verdadeiro significado do caráter como é definido por Ifá.

23. ENÍ GB'ÈRÈ ÌKÀ, Á HÙ'KÀ DÍPÒ IRUN.


Naquele que se planta feitos malvados cresce maldade em vez de pêlos.
Comentário: De acordo com o provérbio anterior, este exemplo sugere que
as ações negativas terão um impacto negativo na pessoa que as cometer. Os que
veneram aos Òrìsà na África geralmente penteiam o cabelo de certas maneiras
como um signo de devoção a um Òrìsà em particular. O tipo de penteado pode
indicar o nível social, o compromisso religioso e a responsabilidade política.
Qualquer pessoa com cabelos branco é considerado como abençoado por Obàtálá
e o cabelo branco é respeitado como um símbolo de idade, maturidade e
sabedoria.
Assim, sugerir que os feitos malvados farão brotar maldade em vez de
cabelo, indica que a debilidade de caráter é claramente visível para aqueles que
sabem onde olhar. O conceito Ifá de bom caráter está baseado na idéia de que o
bom caráter não pode ser escondido. O desenvolvimento de traços positivos do
caráter resulta no reconhecimento da comunidade e ganhos pessoais no campo
espiritual.

24. ÈNÌ TÍ Ò MÓ IROÒRÀ KÒ LÈ JÈ ÒJÒ.


Aquele que conhece a prudência pode não ser um covarde.
25. ÈNÌ TÍ KÒ MÓ ISÀSÉHÌN YIÓ MÒ ISÈGÚN.
O guerreiro que não sabe retirar-se conhecerá a derrota.
Comentário: Associada com a idéia de orí tútù ou uma cabeça fresca, está a
idéia de que nem todas as ações requerem necessariamente uma reação imediata.
Viver em harmonia com os Òrìsà traz consigo a advertência de que cada ação tem
um tempo e lugar apropriado. Estes provérbios estão dando a entender que a

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prudência e a retirada podem facilmente ser signos de sabedoria e entendimento
melhor do que o medo e a covardia.
Para aqueles que são iniciados nos mistérios de Ifá e dos Òrìsà na África são
dados proibições restritas quanto a exibição pública de raiva e de violência. Isto
não quer dizer que os assuntos de injustiça e de conflito fiquem sem resposta.
Isso dá a entender que o pensamento claro, a preparação e a paciência podem ser
mais efetivos que a ação impulsiva.
Na cultura tradicional yoruba, a maioria dos conflitos sérios são resolvidos
sob a orientação de um conselho de maiores chamados Ogbóni. As reuniões dos
Ogbóni são feitas em arvoredos retirados e as deliberações são confidenciais.
Parte dos trabalhos internos dos Ogbóni incluem os procedimentos para resolver
disputas com o mínimo de hostilidade geral.

26. ÌMÚ ERIN LÓ FUN ERIN NÍ ÈNÙ NLÁ.


É o nariz do elefante que dá a ele uma boca tão grande.
Comentário: As escrituras de Ifá ensinam que tudo o que chega a existir
dentro do Ser tem um propósito e em destino. O elefante tem uma boca grande
porque tem um nariz grande. A razão para que tenha um nariz grande é porque
usa seu nariz para alcançar as folhas da copa das árvores. Por analogia, todos
nascem com um tamanho e forma de corpo que é apropriado a seu propósito e
destino. Isto é certo para todos, inclusive para àqueles que possam estar física ou
mentalmente reduzidos.
Na teologia de Ifá não existe "estar amaldiçoado pelos deuses". O potencial
mental e físico que cada pessoa traz a cada vida é resultado de uma escolha
pessoal que é feita entre os estados de encarnação e reencarnação. Por esta razão,
Ifá ensina que é inapropriado criticar qualquer forma de incapacidade ou
limitação. A mesma advertência se aplica a se lamentar e a insegurança.
Cada pessoa veio a essa vida com as ferramentas necessárias para aprender
as lições de um período de reencarnação. É por isso que o nariz de um elefante
nunca é grande demais, é sempre do tamanho certo para a tarefa a fazer.
27. NÍGÀTÍ ATÍ YAN MÍ, MÓ YAN ARÁ MÍ.
Depois que fui iniciado, iniciei a mim mesmo.

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Comentário: Alguns veneradores dos Òrìsà têm a noção errônea de que a
iniciação nos Mistérios dos Òrìsà eliminará todos os problemas de sua vida, lhes
dará o poder de transcender as dificuldades e os fará imunes às tragédias. Todas
estas noções são inexatas. O propósito da iniciação é dar ao devoto uma
consciência mais profunda do EU e do Mundo. Esta consciência se torna um
conhecimento para um processo de solução de problemas baseado em uma visão
completizadora da interação pessoal e ambiental. A iniciação estabelece uma
maneira de ver, uma maneira de ouvir, uma maneira de ser. Não remove
“magicamente” as dificuldades da vida do iniciado.
O único modo em que o poder da iniciação é apoiado é que o iniciado
reafirme os princípios dos Òrìsà tal como são experimentados durante o ritual de
passagem que dá nascimento aos sacerdotes e sacerdotisas dos Òrìsà. Este é e
sempre será um processo de transcender limitações. Cada nova revelação, cada
nova compreensão, cada nova experiência leva consigo potencial para a
iluminação. Cada vez que expandimos nossa consciência, o velho EU deve
morrer e voltar a nascer em uma nova e profunda sabedoria. Deixar ir o velho
EU, deixar ir as velhas idéias, deixar ir as velhas maneiras de ver, pode ser uma
tarefa difícil e dolorosa. A experiência de deixar ir, no contexto da iniciação, dá
ao iniciado uma experiência simbólica das trocas internas e externas que ocorrem
cada vez que expandimos nossa consciência.
Os que estão buscando um fim as dificuldades, ao conflito e aos desafios estão
buscando um fim da vida, não as bênçãos da vida. Na cosmologia de Ifá, todas
as formas de abundância chegam como conseqüência da transformação.

28. ONÍNÚ-IRE TÓ KÚ S'ÓRI IKOKO.


Os de bom coração morrem em uma panela de jóias.
Comentário: A morte na cultura tradicional yorùbá não é recebida como
um acontecimento negativo. Devido a crença em àtúnwá (reencarnação), o falecer
do corpo físico é considerado como uma transição dentro das dimensões eternas
de morte e renascimento. Cada novo nascimento traz consigo um destino
específico e aqueles que vivem em alinhamento com seu destino desenvolvem
um bom caráter e recebem as bênçãos dos Òrìsà. Uma das pedras angulares para
desenvolver um bom caráter é um bom coração.

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Dizer que os de bom coração morrem em uma panela de jóias é dizer que a
pessoa que desenvolve bom caráter passa a próxima vida conhecendo as bênçãos
dos Òrìsà. Nas escrituras de Ifá, as bênçãos dos Òrìsà são descritas como formas
de abundância, porém não se entende ser somente formas materiais de riqueza.
As bênçãos de longa vida, boa saúde e filhos são consideradas panelas de jóias
entre aqueles que louvam aos Òrìsà.

29. ÌBÌNÙ KÓ SÈ OHÚNKÓHÙN ÌWÀ SÙSÙ NÌ OHÙ GBÒGBÒ.


A raiva não leva a nada; a paciência coroa o êxito. Os que possuem paciência
possuem tudo.

30. ÒRÚNMÌLÀ SÒ WÍPÈ AWÓN ÒMÒ EHÌN WÚN KÒ GBÓDÒ FÍ ÀGBÁRÀ


PÀDÈ ÀGBÁRÀ, TÍ WÒN BA SÉ WÒN, KÍ WÒN JÒKÒ JÉ.
Òrúnmìlà disse que seus discípulos nunca enfrentam a força com a força.
Quando são ofendidos se sentam serenamente.

Comentário: A advertência contra a ira é um elemento standard da


iniciação aos Òrìsà tal como se pratica na África. Isso é porque os Mistérios dos
Òrìsà incluem um forte sentido da Justiça Divina e dão os procedimentos para
criar a justa resolução do conflito. Se alguém foi ofendido, tratado injustamente
ou abusado deliberadamente, isso é considerado uma ofensa contra a Ordem
Natural da vida na Terra. Quando essa Ordem é destruída, os mesmos Òrìsà
reagem fazendo atuar as Forças da Justiça Divina.
As escrituras de Ifá são claras em que os humanos nem sempre podem
perceber com precisão os contornos da Justiça Divina. Por esta razão as disputas
se resolvem geralmente por meio da decisão calma, a consulta a diversas formas
de adivinhação e o diálogo direto com os Òrìsà por meio da possessão. Tem uma
diferença muito real entre o diálogo espiritual feito para revelar a Justiça Divina
e aquelas invocações que estão presas a um sentido de vingança pessoal. A
advertência contra a ira é um aviso contra se confundir a vingança com a justiça.
Quando ocorrem disputas entre sacerdotes e sacerdotisas, normalmente
são resolvidas no contexto de Ogbóni. O Conselho de Ogbóni é composto dos
maiores que veneram a Onílè. A palavra "Onílè" se traduz significando "Dono da
Terra". No contexto dos Ogbóni, as disputas entre os discípulos de Òrúnmìlà
seriam resolvidas claramente com calma e serenidade.

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31. TÌ ÀBÀ YÓ NÍNÙ EWÙ LÀTÍ ÒWÒ ÀRÀWÀ, ÀKÒ NÍ RÓNÙ OLÈ JÍJÀ.
Quando sobrevivemos com nossa própria mão, nunca estamos preocupados
pelo roubo.
Comentário: A cultura tradicional yorùbá coloca um forte ênfase em
desenvolver aquelas capacidades que são essenciais para a sobrevivência. A
capacidade de plantar a colheita, fazer ferramentas, caçar, tecer panos, costurar
vestidos e construir um refúgio são todos ofícios especializados. Cada uma dessas
habilidades é considerada uma arte sagrada e a posição do artista é entendida
como uma forma de serviço sacerdotal. Quase todos, nas áreas rurais, têm algum
conhecimento dessas habilidades. Se não têm, alguém da família num sentido
amplo está ali para guiar e instruir.
Este provérbio é uma advertência para ganhar a auto-suficiência como uma
maneira de superar o medo de perder suas posses. A auto-suficiência traz consigo
um tipo de liberdade que permite florescer a inspiração.
32. ÒMÒ ÈBÍ ELÒMÍRÀN LÓ MÀ NDÌ ÒMÒ MÌ.
O filho pequeno de outra família se tornara um dos meus.
Comentário: O idioma yoruba não tem palavras para primo, tia, tio. Todas
as relações são feitas em termos irmão (Arákùnrin), irmã (Arábìrin), pai (Baba), mãe
(Iyá), avô (Bàba'gbà), avó (Iyà'gbà o Yèyé). Estes termos se aplicam a qualquer um
que viva na mesma família num sentido amplo ou também na mesma aldeia.
As famílias rurais yorubas tendem a viver juntas em grupos de casas que
dividem um pátio comum. Estes grupos são chamados adàlú, agbolé, o àgbàlá.
Todos estes termos se traduzem sem muito rigor como "recinto". Cada recinto é
composto de parentes como avôs comuns e em muitos casos dividem terras de
fazendas comunitárias fora da cidade.
Quando estive na Nigéria, freqüentemente vi crianças jogadas na casa
vizinha. Onde for que estiver na hora de comer será o lugar onde provavelmente
a irão alimentar. Na família yoruba num sentido amplo, existe um certo número
de adultos que assumem o papel de pais, e as crianças tratam a maioria dos
adultos como se fossem parentes diretos.
O resultado mais direto desse tipo de estrutura familiar é que as crianças
recebem instruções de diversos adultos. Esta instrução inclui o cultural, o social,
o espiritual e o prático.

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33. MÁ SÈ WÓ TÒBÌ ÀRÀKÚNRÍN RÉ.
Não uses o avental de outro homem.
Comentário: Em algumas formas de culto aos Òrìsà os homens levam
pequenos aventais ao redor de sua cintura sobre sua calça. Isto é mais usual entre
os devotos de Sàngó, o Espirito do Relâmpago. Usando as calças e um avental, os
homens estão vestidos para simbolizar a polaridade masculino-femenina que
existe entre a maioria dos Òrìsà. Acredita se que esta polaridade está refletida na
relação entre marido e mulher. Uma mulher vestindo uma calça e uma saia e um
homem usando calças e um avental representam a união dos opostos que é um
tema central nas escrituras de Ifá.
Este provérbio em particular é na realidade uma advertência cifrada. A
referência a levar o avental de outro homem é uma referência velada a ter uma
relação sexual com a esposa de outro homem. Dentro da maioria de
comunidades de Ifá e Òrìsà tal ação seria considerada como um sério delito.
34. OLÓKUN MÁ NPÉSÈ ONJÈ FÚN AWÒN ÒMÒ ÒKÚN.
O oceano sempre dá comida para os filhos do mar.
Comentário: Ifá ensina que o mundo é inerentemente abundante e que se as
pessoas da terra vivessem em harmonia com a Lei Natural não haveria pobreza,
violência ou enfermidade. Como prova de que esta premissa é verdadeira, as
escrituras de Ifá usam o oceano como um exemplo, dizendo:
"O Oceano sempre dá comida para os filhos do mar". Tristemente, isto
poderia já não ser certo, já que os efeitos das violações da Lei Natural têm
claramente afetado o equilíbrio de forças que existem no mar.
No entanto, o ponto segue sendo válido. A poluição constante do ar, da
água e da terra é um caminho seguro da fome, da enfermidade, da destruição dos
recursos naturais. É uma simples verdade que todos os recursos naturais têm
sistemas inerentes de auto-geração e rejuvenescimento. Permitindo que estes
ciclos floresçam em seu próprio tempo e de seu próprio modo, a abundância é o
inevitável resultado.
A comida provida pelo oceano não é sempre comida física. Às vezes o
oceano pode prover nutrição em forma de cura espiritual. Em tempos de
depressão, tristeza e aflição é possível sentar-se na orla do oceano e experimentar

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uma transformação interna que poderia ser descrita como um nutriente para a
alma.
35. ÈSÈ ADÁNÌLÓRÒ KÓ YÀTÒ SI ÈSÈ OLÓGBÓN.
As pegadas dos pés do malicioso não são diferentes das pegadas dos pés do
sábio.
Comentário: A prudência é um tema recorrente nos provérbios e histórias
Yorùbá. Aqui a advertência é contra o engano. As pegadas dos pés do malicioso
não são diferentes das pegadas dos pés do sábio. Isto sugere que alguém que não
é de confiança pode ter uma aparência exterior de alguém cujo caráter está acima
de todas as provas. Também um rastro deixado por suas ações pode não ser
suficiente para determinar verdadeira natureza de uma pessoa.
Em outras palavras, e possível fazer se como se fosse honesto, humanitário
e generoso. É possível atuar mecanicamente, comportando-se com estes atributos
positivos sem abraçá-los internamente. Também é possível fazer-se como se fosse
uma pessoa preocupada pelo desenvolvimento espiritual, sem estar realmente
motivado por preocupações espirituais. Alguém que faz como se fosse de bom
caráter pode ter coisas boas que dizer, pode comportar-se de uma maneira correta
e pode assistir regularmente a funções religiosas. Só pode ser isto enquanto a
verdadeira questão da transformação interna fica sem ser atendida. A
advertência neste provérbio é olhar para além das aparências externas em
questões de confiança..

36. AWÒN TÍ WÓN FÌ OMÍ SÈ ETÚTÙ YIÓ RÀYÈ ISÌ MÌ.


Aqueles que sacrificam com água terão um tempo de descanso.
Comentário: O culto aos Òrìsà tem rituais muito formais e elaborados que
estão desenhados para colocar uma pessoa em alinhamento com seu destino.
Estes rituais freqüentemente requerem importantes oferendas aos Òrìsà. Às vezes
estas oferendas podem representar um gasto importante. Se alguém está
passando um período difícil, pode não ter os recursos para fazer as oferendas
tradicionais prescritas pela adivinhação.
O provérbio está sugerindo que quando alguém tem recursos limitados,
deve fazer uma oferenda de água, que se consegue facilmente. Se essa oferenda

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é feita com sinceridade e humildade, os Òrìsà responderão providenciando um
descanso da adversidade.
37. OLÓGBÓN TÓJÒKÒ LÓRÒ, DABÍ PÉ ÒDÚRÒNÍ.
O sábio que se senta direito parece estar parado.
Comentário: A referência a "sentar-se direito" é uma expressão poética de
"levar uma vida honesta e ética". Isto é considerado um elemento essencial no
processo de construir o bom caráter. Aqueles que desenvolvem bom caráter
também aumentam seu poder interior, que se chama "àse". Posso dizer por
experiência direta que os maiores de Òrìsà que desenvolveram seu àse na
realidade parecem ser maiores que seu tamanho físico real.
Em 1990 me apresentaram aos Emèsè em Ilé Ifè. Os Emèsè são um grupo de
dezesseis Babaláwo que rezam todos os dias do ano pelo bem estar na nação
yorùbá. Quando os conheci, recordo haver pensado que todos pareciam
extremamente altos, não eram. Quando cheguei em casa e olhei as fotografias me
dei conta que todos eram mais baixo que eu. O efeito de seu àse havia literalmente
alterado sua aparência em minha mente.

38. TÍ ÌGÍ OPÈ BÁ KÚ, ÒMÒ RÈ MÁ NPÀRÚN NÌ.


Quando a palmeira morre, as folhas jovens morrem com ela.
Comentário: Este provérbio é uma advertência para se cuidar daqueles que estão
envelhecidos. Na cultura yoruba aos anciões é sempre dado um lugar de respeito
e distinção, sem levar em conta sua posição social. O culto aos Òrìsà nos Estados
Unidos tende a basear o respeito e a relativa superioridade de classe sobre o
número de anos transcorridos desde que uma pessoa foi iniciada. Quando
retornei a África no ano seguinte a minha iniciação me surpreendi ao descobrir
que muitos dos meus irmãos de Ifá tocavam o solo quando me saudavam. Este
era um sinal de que eles me consideravam seu maior. Todos eles haviam sido
iniciados muitos anos antes de mim, eu não podia compreender porque me
tratavam dessa maneira. Quando finalmente perguntei a um deles a respeito, ele
mostrou minha cabeça. Meu cabelo é prematuramente cinza, quase branco. Na
cultura yorùbá, qualquer um com cabelos branco é automaticamente tratado
como um maior.
39. ÁDIÈ TÍ KÒ NÌ I YÈ PÚPÒ YIO YIN IWÒNBÀÈYIN.

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A galinha com poucas penas põe menos ovos.
Comentário: Muitos provérbios yorubas estão baseados nas ações dos
animais. Qualquer um que criou galinha sabe que a galinha mãe usa suas penas
para cobrir os pintos. Quando a galinha começa a perder suas penas, diminui o
número de ovos que põe, porque é incapaz de proteger uma ninhada completa.
As famílias tradicionais yoruba valorizam ter um grande numero de filhos. Aqui
o provérbio está dizendo: não tenha mais filhos do que pode cuidar.
Este conselho se aplica também a outras questões que não são o tamanho
da família. Em termos simples, sugere que não deveríamos assumir mais
responsabilidades que as que podemos cumprir.
40. TÍ ÍGBÁ BÁFÓ AKÓKÒ TÓ FÚN AFÓKÙ ÍGBÁ LÁTÌ MÚ ONÁ RÈ.
Quando a cabaça rompe é tempo de cada segmento tomar seu próprio caminho.

Comentário: O culto aos Òrìsà na África está centrado em volta de um


conselho de maiores chamado "Ogbóni". A palavra Ogbóni significa "Sabedoria da
Terra". É o conselho dos maiores de Ogbóni que é chamado para supervisionar a
conduta ética dos devotos dos Òrìsà e para resolver disputas entre membros da
comunidade Òrìsà. Um dos princípios da justiça espiritual que é mantido pelos
Ogbóni é a idéia de que todo problema tem uma solução. Às vezes esta solução
pode implicar no fim permanente de uma relação, quer dizer, o mútuo acordo de
que uma separação é o melhor caminho para todos os implicados. Quando uma
cabaça se rompe, já não funciona com um propósito único, e as coisas individuais
encontram uso em outro lugar.

41. AWÒN TÓ SÒ OTÍTÒ YIO RÍ IBÚKÙN ÒRÌSÀ GBÀ.


Os que dizem a verdade recebem as bênçãos dos Òrìsà.
Comentário: A honestidade é considerada um elemento chave no processo
de construir um bom caráter. Quando os membros da comunidade Òrìsà chegam
a algum acordo sob a orientação dos maiores do conselho Ogbóni, os termos desse
acordo são jurados sobre um pedaço de ferro consagrado a Ogún. De acordo com
a idéia de que todo problema tem uma solução, está a crença de que nenhum
problema pode ser resolvido até que esteja claramente identificado. A
identificação de um problema depende absolutamente da verdade e da

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honestidade. É no contexto desse processo que a verdade traz as bênçãos dos
Òrìsà.
Um aspecto da honestidade que às vezes é desconsiderado é a boa vontade
de manter a palavra dada. Em minha experiência na África, romper uma
promessa é considerado um reflexo de um caráter muito pobre. É muito melhor
se evitar fazer um acordo do que romper um.
42. AWÒN TÓ MÒ IYÁNÙ ÒRÌSÀ YÍO FÓRÒ SÁBÈ AHÁN SÒ.
Os que conhecem o Mistério dos Òrìsà falam com língua pesada.

Comentário: A idéia de falar com uma língua pesada significa que a pessoa
nem sempre diz tudo que sabe. Quando uma pessoa começa a captar os segredos
interiores de uma relação entre o EU e o Mundo, fica claro que nem todos
compreenderão esta interação simplesmente por ouvir palavras. Muitas vezes a
verdadeira sabedoria vem por meio da experiência. Quando os maiores retêm a
palavra falada estão dando a seus descendentes a oportunidade de aprender por
meio da experiência.

Referências: Os provérbios deste capítulo foram extraídos de Odù Ifá tal


como está preservado na escritura oral de Lagos, Ode Remo e Ilé Ifè. A
interpretação dos provérbios foi baseada na instrução oral do Araba Adesanya,
Babaláwo Medahochi, Babaláwo Adelobu Fatunmise, Babaláwo Fagbemi Fasina,
Iyagba Omilade, e Olorí Yeye Aworo Timi Lade, Apetebi Òrúnmìlà Iyal' Òrìsà
Òsun Miwa. Estou agradecido pela contribuição de Olalekan Babalola e Adekoye
Williams, que providenciaram as traduções para yorùbá dos provérbios que eu
reuni originalmente em inglês.

49
II
ÒWE ÀTI IFÁ
ÌJO - ARA - ENI - LÓJÚ

Provérbios e o conceito de Ifá do Eu

A.TÌKARA- ENI

– O elemento do Eu

O fundamento de qualquer sistema de metafísica é o conceito do Eu. Dentro


de muitas formas do cristianismo o Eu é geralmente considerado como “mau” ou
indigno. É somente por meio do processo de aceitar um conjunto especifico de
crenças que o indivíduo pode encontrar a “salvação”. Em minha experiência, esta
visão do mundo, não é consistente com as formas africanas de Ifá, havendo uma
sutil influência no culto a eles no Ocidente. Os maiores de Lucumí e Santería
tendem a ver o indivíduo como alguém que está sempre em perigo de “aborrecer"
aos Òrìsà. Como resultado, o processo para evitar a cólera dos Òrìsà é fazer-lhes
oferendas periódicas num esforço para tê-los "contentes".
Devido aos Òrìsà representarem poderosas Forças na Natureza, para mim
é difícil imaginar o Oceano, o Fogo, o Ar ou a Terra aborrecendo-se pelas ações
específicas de qualquer indivíduo. A idéia de que os Òrìsà estão determinados a
castigar aqueles que os desobedecem, parece estar pesadamente influenciada
pelas noções católicas de morte, purgatório e pecado original. Em contraste com
este conjunto de crenças, Ifá ensina que o mundo é um sistema equilibrado que
funciona com seu próprio sistema de guia interno, que mantêm a harmonia e o
crescimento. É tarefa de cada individuo captar esta ‘ ordem interna, para
em seguida viver de acordo com seus princípios inseparáveis.
Em contraste com o cristianismo, Ifá não crê que os humanos estejam
carregados com a "maldição de Eva". Ifá ensina que todos têm um direito de
nascimento de receber as bênçãos da abundância, da boa saúde e da família. A
forma como estas coisas se manifestam está baseada na idéia de integrar todos os
elementos do Eu.

50
"Tìkara-eni" é a palavra yorùbá para EU. A palavra tìkara é uma combinação
de ti, que significa "de", ika, que significa "envolver" "mundo", e ara, que significa
"corpo físico". A palavra eni, é "quem" em yorùbá. Então, o conceito de tìkara-eni
se refere a todos os elementos que compõem a pessoa total. No Ocidente, o
conceito de Eu está freqüentemente limitado ao ser físico e emocional. Em Ifá o
conceito de ser inclui o ser físico, o ser emocional, o ser espiritual e a influência
daquelas Forças Espirituais que dirigem o destino individual.
Em Ifá, o corpo é considerado a casa da inteligência tanto como das
emoções. Ifá ensina que ambas, mente e emoção, devem estar em alinhamento
para que a vida prospere. Uma vez que este alinhamento ocorre, o EU tem acesso
ao poder espiritual chamado àse. Quando o EU tem acesso ao àse, pode ser usado
em um contexto ritual para criar o alinhamento com os Òrìsà. Em termos simples,
viver em alinhamento com os Òrìsà significa viver a vida em harmonia com
aquelas Leis da Natureza que sustentam a Evolução.
Ifá ensina que quando o EU experimenta um alinhamento com os Òrìsà,
ocorre a conexão equilibrada entre o ser espiritual, físico e emocional. Esta
experiência é descrita como um acontecimento alegre, que motiva o corpo inteiro
a celebrar por meio do movimento. Isto está em flagrante contraste com a
percepção ocidental habitual da interação com o Espirito, que usualmente está
baseada no medo, na suspeita e o desejo de manter o "autocontrole".
Durante a maioria das cerimônias dedicadas ao Òrìsà o movimento alegre
vira uma dança coletiva que acontece em frente a uma esteira. No culto de Ifá, a
esteira é considerada um espaço sagrado. É o lugar onde inter atuam o reino do
Espírito e o reino da Terra. Quando um venerador dos Òrìsà dança em frente a
uma esteira, está se rendendo a possibilidade da possessão por um Espirito. A
experiência de possessão por um Espirito não é a intromissão de alguma entidade
estranha. Na perspectiva de Ifá, a possessão por um Espirito é um elemento chave
na integração do EU total. Este ponto de vista sugere que a esteira é um portal
que permite o acesso humano a dimensão invisível da influência Espiritual.
Num ponto de vista simbólico, a esteira representa a inter-relação entre
todas as coisas que existem no universo. Dançar em frente de uma esteira é um
reconhecimento cerimonial da crença que dentro da matriz da Criação, todos e
todo estão conectados. Os fios de todas as formas de vida estão representados
pelas fibras entre tecidas que compõem todo o tecido da esteira. O conceito da

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vida, tal como a expressa Ifá, não está limitado a vida animal. Acredita-se que
todas as coisas que existem no mundo têm orí, que significa "consciência".
Para compreender plenamente a dinâmica da transformação espiritual se
requer uma explicação dos elementos que integram o tìkara-eni. De acordo com
Ifá, todo o EU é uma integração de influências de ara, ègbè, orì, orì-inú, ìpònrí, e
òjíjì.

1. ARA – O eu físico.
O ara é o corpo físico e todos os órgãos internos. De acordo com as
escrituras de Ifá, formar o corpo físico é um esforço conjunto entre as Forças
Espirituais conhecidas como Obàtálá, Ajàlá-Mòpín y Ogún.
“Obàtálá” significa "Rei do Pano Branco". O símbolo do Pano Branco
representa o poder da luz em transformar-se em matéria. Devido a luz ser a Força
Originária no Universo, tudo o que existe é descrito tanto por Ifá como pela
ciência ocidental como uma expressão da manifestação da luz.
A cosmologia de Ifá está baseada na crença em um universo teológico.
Teleologia é a teoria metafísica na qual a evolução é guiada por desígnios
conscientes. As escrituras de Ifá ensinam que tudo o que existe tem sua própria
forma única de consciência. A consciência, em seu estado originário, é descrita
por Ifá como a semente do àse (poder) de Obàtálá. Isto sugere que a luz em si
mesma é a manifestação originária da consciência no Universo.
No domínio pessoal, Ifá ensina que o àse guia a transferência da informação
genética de uma geração à seguinte. Isto se faz tanto biológica como fisicamente
por meio da luz que está assentada no núcleo da consciência humana. È a centelha
de luz no ponto central da consciência que cria a possibilidade da auto
consciência. Uma vez que contém a luz para todos os projetos da Criação, o
homem tem a possibilidade de ascender a esses projetos e recuperar todas as
informações necessárias para sustentar a vida.

Obàtálá é assistido na tarefa de criar a consciência por "Ajàlá-Mòpín", que


significa "O poder da luz para criarmos". De acordo com as escrituras de Ifá, Ajàlá-
Mòpín modela cada cabeça enquanto está se formando no útero. Isto não quer
dizer a formação da estrutura física do crânio. A tarefa de Ajàlá-Mòpín sugere,
que cada cabeça se forma de tal modo que estejam previstas todas as

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possibilidades do que é chamado "ire" e "ibi". Ire é a palavra yorùbá para "boa
sorte", e ibi é a palavra yorùbá para "infortúnio". Esta tradução é de alguma
maneira desorientadora no contexto da teologia de Ifá. Dizer que a cabeça foi
moldada para boa sorte sugere que a pessoa em questão tem o potencial para
fazer completo uso daqueles diversos elementos que sustentam a vida na terra.
Dizer que a cabeça foi moldada para infortúnio sugere que a pessoa em questão
não tem o potencial para fazer uso total de seus recursos internos.
Em termos psicológicos, a cabeça que foi formada para ibi seria similar a de
um sóciopata, que se define como uma pessoa desprovida de qualquer forma de
consciência. A ciência ocidental não tem uma explicação para a conduta
sociopática. Ifá marca a origem da conduta sociopática como um dos
componentes da opção individual que ocorre durante a criação da consciência
individual entre os estados de reencarnação.
O papel de Ògún está em moldar o corpo físico, particularmente os
membros. Não há tradução direta para a palavra Ògún, o que se traduz
usualmente como "Espírito do Ferro". Poderia parecer difícil associar o ferro com
a evolução física. No entanto, tanto os mitos de Ifá quanto a ciência ocidental estão
de acordo em que a vida na Terra começou no fundo do oceano. As primeiras
formas de vida foram bactérias unicelulares que se alimentavam de ferrugem.
Quando a rocha fervente do núcleo da Terra irrompeu através do piso do oceano,
esfriou e solidificou. Foi o ferrugem destes depósitos que proporcionou a
nutrição para as primeiras formas de vida que apareceram no planeta. A ciência
ocidental chama a isto evolução biológica. Ifá chama de virilidade de Ogún
unindo-se com a fertilidade de Olòkún, que é o Espírito do Oceano. De acordo
com Ifá, a mesma Força Espiritual que transformou os minerais em animais tem
um papel ativo na formação do corpo físico.
O processo de moldar a forma humana ganha assistência adicional das
Forças Espirituais chamadas Aláàánú, Olóore, Súngbèmí, Mágbèmitì, Saaragaa e
Ejufiri, que significam respectivamente O Misericordioso, O Dono da Bondade,
Seja mais perto de mim, O Lugar de Reserva da Unidade. Ejufiri não tem tradução
literal, porém sugere que é o fundamento da força interior. Cada um desses Òrìsà
é a fonte de características genéticas que são preservadas dentro de uma
linhagem particular de família. Como grupo, estas Forças na Natureza preservam

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tanto as formas internas como as externas de potencial que aparecem como sendo
transmitidas a através de gerações de descendentes.
2. ÈGBÈ – O EU emocional.
Egbè é uma palavra que é freqüentemente traduzida como “coração”.
Contudo, muitos conceitos de Ifá estão baseados na idéia de que o que aparece
no domínio físico é sustentado por seu homologo no domínio invisível. Uma
chave para entender a linguagem de Ifá é o uso de duas palavras diferentes para
descrever o que no Ocidente poderia ser considerado um fenômeno único. Por
exemplo, o órgão físico que bombeia sangue pelo corpo é chamado "okàn" .
Dentro do okàn existe um centro de poder que regula o fluxo da emoção, o qual é
chamado "ègbè". Devido a língua portuguesa não ter palavras para fazer esta
distinção, ambas as palavras são geralmente traduzidas como "coração".
A palavra ègbè é também usada para descrever uma coletividade religiosa.
Quando se usa neste contexto, o significado é similar a expressão "O coração do
grupo". O duplo uso da palavra ègbè reflete a crença Ifá de que as Forças que
existem na natureza reaparecem em diferentes domínios do Ser. Em outras
palavras, a Força Espiritual invisível que sustenta o coração de um indivíduo
também sustenta os corações de uma comunidade.
O conceito de ègbè está também baseado na crença de que o poder espiritual
é atraído para dentro do corpo por meio de vários centros de poder que regulam
o fluxo de forças vitais entre o Eu e o Mundo. Estes centros de poder são
chamados coletivamente de Awùjè. São similares ao conceito de chakras do yoga.
No yoga, os centros de poder se alimentam de uma forma de energia chamada
prana. Em Ifá, os centros de poder se alimentam de uma forma de energia
chamada àse. A palavra àse não tem uma tradução literal, porém sugere o bem,
uma ordem, ou um comando uma sanção. Do ponto de vista cosmológico, àse é
o princípio dinâmico que leva a Criação a Ser.
Os ensinamentos esotéricos de Ifá descrevem o àse como entrando no corpo
através da cabeça, boca, garganta, ombros, mãos, peito, os costados das costelas,
as genitálias, a parte inferior da coxa e os pés. O tipo de àse que é atraído a cada
lugar é afetado pelo Odù que controla uma parte especifica do corpo. Odù é a
palavra usada para descrever os versos sagrados das Escrituras de Ifá, e cada Odù
representa uma forma originária de energia com suas próprias caractericas

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únicas. Para aqueles que estão familiarizados com os Odù, as correlações são com
segue:
1. Cabeça - Obàrà Méjì
2. Boca - Otúrá Méjì
3. Garganta - Iká Méjì
4. Ombro direito - Irètè Méjì
5. Ombro esquerdo - Otúrá Méjì
6. Peito - Odí Méjì
7. Caixa torácica direita - Iwòrí Méjì
8. Caixa torácica esquerda - Oyèkú Méjì
9. Estómago - Ogbè Mèjí
10. Mão direita - Osé Méjì
11. Mão esquerda - Ogúndá Mèjì
12. Genitais (masculinos) - Ogúndá Méjì
13. Genitais (femininos) - Osà Méjì
14. Cocha direita - Irosùn Méjì
15. Cocha esquerda - Owórín Méjì
16. Pé direito - Osà Méjì
17. Pé esquerdo - Ogúndá Méjì

3. ORÍ
– O EU consciente
Existem numerosas traduções para orí, algumas das quais são muito mais
apropriadas que outras segundo o contexto. No uso comum orí significa "cabeça".
No entanto a tradução literal é mais próxima do significado espiritual da palavra.
Orí é composto do prefixo o, que é o pronome pessoal ele ou ela, o sufixo rí, que
significa "percebi". De modo que melhor que significar somente a cabeça física,
seria mais preciso entender a palavra orí como significando a sede da percepção.
Na terminologia ocidental, isso também poderia significar a sede da consciência.
O conceito de sede da percepção é conhecido no Taoísmo como o "EU"
irreconhecível que existe em um ponto central da consciência de si. A disciplina
espiritual de Ifá sugere que o "EU" irreconhecível descrito no Taoísmo se pode
ascender por meio de estados alterados associados com a possessão em transe.

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Em Ifá, o orí é também considerado o altar sagrado pessoal que aloja a
comunicação com as Forças Espirituais que existem no mundo. Esta conexão
ocorre através de três centros de àse situados na cabeça. Estes centros se chamam
iwájù-orí, àtàrí e ipákó.
a)IWÁJÙ-ORÍ
– A fonte de poder espiritual na frente
A palavra iwájù-orí se traduz geralmente como "frente". Contudo, na
linguagem de Ifá tem um significado esotérico mais profundo. Iwájù é composto
do prefixo Ìwa que significa "caráter", e o sufixo jù que significa "superior". Isto
sugere que o centro de àse colocado na frente é a fonte de inspiração divina sobre
os assuntos de desenvolvimento do caráter. Isto sugere que iwájù-orí é similar ao
conceito místico oriental do "Terceiro Olho”.
Nas diversas formas de budismo, o Terceiro Olho é a fonte da visão
clarividente. A clarividência se define geralmente como a capacidade de
vislumbrar acontecimentos futuros. Em yoruba as palavras para "clarividência"
são íran ou àlá . A palabra íran é usada para descrever tanto a visão normal como
a visão mistica. A teologia define a visão mística como a capacidade de perceber
as dimensões invisíveis que sustentam a unidade no mundo. A palavra álà , que
também significa "luz", se referiria a visões clarividentes que chegam por meio
dos sonhos. Ifá descreve estas visões como chegando através do orí, onde são
recebidas pelo ojú-inù ou "Olho Interior".
Em Ifá, o iwájù-orí é considerado o lugar de conexão entre o iniciado de Ifá
e o Espírito Elà. De acordo com a cosmologia de Ifá, Elà é a primeira reencarnação
do Profeta Òrúnmìlà. Elà usualmente se traduz como "Pureza", e Òrúnmílà
usualmente se traduz como "O Céu é minha Salvação". Contudo , Òrúnmílà é
também conhecido com o nome de louvação Elèrí Ipìn, que significa "Testemunha
do Destino". O nome Elèrí Ipìn sugere por sua vez uma conexão com a
clarividência e uma associação com aquelas tradições baseadas em um "Olho
Místico". Em termos simples o Iwájù-orí é o ponto de acesso entre a consciência
do mundo exterior e a consciência individual. Quando esta conexão ocorre existe
a possibilidade de experimentar aquelas visões místicas que geram um guia
profético para os empreendimentos humanos.

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b) ÀTÀRÍ
– A fonte do poder espiritual na parte superior da cabeça.
Àtàrí significa "parte superior da cabeça". Também se refere ao centro de àse
na extremidade superior da cabeça, ou na parte superior do crânio. Nas formas
ocidentais de yoga, esta área é geralmente mencionada com o chakra da coroa. É
neste ponto que o indivíduo conecta seu espírito interior com a dimensão
transcendental chamada Nirvana. Em Ifá esta dimensão é chamada Làí-làí.
Quando um indivíduo conecta sua própria consciência com o domínio de
Làí-làí, tem uma experiência da Fonte da Criação que é usualmente descrita como
estando muito além tanto do tempo quanto do espaço. Isto é uma idéia difícil de
explicar, em virtude de não se traduzir facilmente em palavras. No entanto, o
conceito de Làí-làí, sugere que há uma diferença entre a compreensão intelectual
da unidade do Ser e a experiência emocional da unidade do Ser.
Historicamente, sempre que os místicos têm tentado descrever o conteúdo
de sua experiência visionaria, tem se expressado em linguagem poética ou
simbólica. O propósito do uso deste tipo de linguagem é a esperança de que
conduzirá outros além do intelecto para uma experiência direta do domínio
místico.

c) IPÁKÒ
– A fonte de poder espiritual na base do crânio.
O Ipákò está localizado na base do crânio, onde o crânio se une com a nuca.
E neste lugar onde as Forças individuais da Natureza (Òrìsà) se unem com a
consciência individual. O iwájù-orí permite a visão mística, e o Ipákò permite a
possessão. Isto pode parecer uma distinção sutil, porém tais distinções são um
aspecto importante do treinamento Ifá. Quando um iniciado está realizando
adivinhação, a comunicação com o Espírito é dirigida por meio do iwájù-orí. A
qualquer momento em que um iniciado nos Òrìsà é possuído por seu Òrìsà
específico, o àse do Òrìsà entra no orí do médium através do Ipákò.
A capacidade do orí para receber o àse dos Òrìsà é uma função da
ressonância interna do mesmo orí. Em outras palavras, o àse de um Òrìsà em
particular que existe na consciência de um indivíduo em particular, tem a
capacidade de atrair o àse desse mesmo Òrìsà tal como existe no mundo. Isto pode
ocorrer tanto em uma experiência visionária, como no transe em uma experiência

57
de possessão. Uma não é considerada melhor que a outra, simplesmente têm
diferentes funções rituais.

4. ORÍ-INÙ
– O EU interior.
Num livro anterior defini orí-inù como "EU interior". Esta definição é
correta, porém limitada. Se o orí é a sede da consciência, então o orí-inù é como
um mistério dentro de um mistério. É o Eu invisível dentro do EU invisível, ou,
para usar a frase yorùbá, o Eu que dança em frente ao Eu. Ifá ensina que ainda
depois de termos acordado nesse ponto central de nosso ser, a fonte da
consciência, existe um mistério interior mais profundo que continua iludindo-
nos. É tarefa de todas as diversas formas de iniciação aos Òrìsà e em Ifá revelar o
orì-inù ao orí.
Os antigos sábios de Ifá têm feito um estudo muito consciente dos
elementos que formam os fundamentos do EU. Inclusive tem distinguido os
diversos elementos que se unem para formar o orí-inù, o EU interior que está no
fundamento da percepção de si mesmo. Os componentes do orí-inù são àpárí-inú
e Orí Àpeere.
a) ÀPARÍ-INÙ
– A Fonte da Consciência
Apárí-inù é composta da palavra apá, que significa "marca" ou "sinal", a
palavra orí que significa "consciência", e da palavra inù que significa "interior". A
mais clara tradução seria "sinal do Ser interior". Isto é uma referência a disposição
interna com relação ao processo de construir o caráter. Ifá ensina que alguns orí
chegam ao mundo com uma disposição para o desenvolvimento do bom caráter
e que alguns orí vêem ao mundo incapazes de captar facilmente a importância do
desenvolvimento do bom caráter.
Aqueles que podem abrir a fonte da necessidade de construir bom caráter
por meio de seus próprios recursos internos desenvolvem o que se chama "èrí-
okàn", que significa "testemunhar o coração". Em linguagem de Ifá testemunhar
o coração é ter uma boa consciência. Os que têm dificuldade em desenvolver

58
èrí-okàn recebem tanto orientação como limpezas rituais para desenvolver esta
consciência.
Ambas tendências emergem do àpárí-inù que está no mesmo núcleo da
consciência de cada pessoa.

b) ORÍ ÀPEERE
– Os padrões da consciência.
A palavra "orí-àpeerè" se traduz bem como o padrão, o exemplo, o signo da
consciência. Ifá ensina que todas as coisas são criadas por padrões de energia
chamados Odù. Os padrões dos Odù reaparecem através de toda a Criação. Isto
sugere que padrões similares de energia em diferentes dimensões da Evolução
têm afinidades. Por exemplo, o fogo no centro do sol, o fogo no centro da Terra,
e o fogo no fundo do forno do ferreiro, todos representam padrões de energia
similares em diferentes domínios da Criação. Ifá diria que o mesmo Espirito
renasceu em diferentes lugares.
Quando o indivíduo elege um destino, está na realidade elegendo um
padrão específico de energia, ou Força Espiritual para guiar sua consciência
através de uma reencarnação em particular. A Força Espiritual que encarna a
consciência de um indivíduo se torna logo o Òrìsà principal que é venerado em
uma vida em particular. Ao longo de reencarnações sucessivas o Òrìsà que forma
o orí àpeerè de um espírito humano em particular trocará, somando camadas de
profundidade, a consciência em evolução de cada alma que se reencarna.

c) ÌPÒNRÍ
- O EU Superior.
O Iponrí se associa com o conceito Ifá de EU Superior. É uma referencia ao
que Ifá descreve como o duplo perfeito de cada alma tal como existe no Òrun, ou
na dimensão invisível. Este é um conceito esotérico que sugere que todas as
formas de consciência evoluem a partir de uma Fonte Originária que existe pura
sem dissolver. Em Ifá o propósito de todo crescimento espiritual é mover o orí da
consciência humana viva para um alinhamento perfeito com a consciência eterna
transcendente da qual evolui toda a vida.
A função da maioria de formas de transe usadas em Ifá é elevar a
consciência individual para o outro mundo do EU da experiência humana, para

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o EU que gera todos os ciclos de reencarnação. Este é um conceito difícil de se
expressar em termos objetivos, porém é um conceito que cresce claramente na
medida em que o indivíduo desenvolve a capacidade de funcionar como um
médium para os Òrìsà.
Quando um iniciado começa a captar completamente o significado do
Ìpònrí, agrega uma dimensão a crença Ifá de que quando a vida de uma pessoa
melhora, a vida de todos melhora. O fundamento metafísico para esta crença é
que o Ìpònrí está enraizado aos Odù, e os Odù estão enraizados na Fonte da
Criação, o que faz todas as coisas uma extensão do Primeiro.

B. ÌPÍN NKAN TÀBÍ TI ENÍKAN


– O conceito IFÁ de destino

Ipín nkan tàbí ti enìkan é a frase yoruba usada para expressar a idéia de
destino. É difícil de traduzir literalmente, porem sugere a idéia de que as
fronteiras do EU estão determinadas pelo coração. Usa-se uma frase para
descrever o conceito de destino, porque o destino é uma idéia multidimensional.
O conceito Ifá de destino é uma integração de três componentes conhecidos como
àkúnlèyàn, àkúnlegbá e àyànmó.
1. ÀKÚNLÈYAN
– O conceito Ifá de opção
Akúnlèyàn é aquela parte do destino individual que é criada pela escolha
individual. Isto seria comparável com o que se conhece na filosofia ocidental
como "livre arbítrio". Na metafísica Ifá , o livre arbítrio inclui tanto aquelas opções
tomadas durante uma vida como aquelas opções feitas entre as sucessivas
reencarnações.
Enquanto a vida se desenvolve, o orí é afetado por elementos do destino
que estão pré determinados e elementos do destino que resultam do livre arbítrio.
Em outras palavras, podemos escolher um destino e podemos escolher ignorá-lo.
Quanto mais um indivíduo ignora seu destino escolhido, mais difícil se faz
realizar esse destino escolhido.

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2. ÀKÚNLÈGBÁ
– O conceito Ifá de livre arbítrio
Akúnlègbá são aqueles elementos do destino pessoal que se trocam como
resultado de opções feitas por meio do livre arbítrio. Este conceito sugere que
algumas opções que se faz no transcurso de uma vida podem limitar ou expandir
as opções que ficam disponíveis a partir desse momento em diante. Por exemplo,
a decisão de não aprender a ler limitara o fluxo futuro de informações disponíveis
para um dado indivíduo. Se essa pessoa havia escolhido um destino como
escritor, a decisão de não aprender a ler elimina a possibilidade de tornar real seu
potencial inerente como autor.

3. ÀYÀNMÓ
– O conceito Ifá de predeterminação
Àyànmó são aqueles aspectos do destino que não podem ser alterados.
Dentro da metafísica Ifá seria o momento predeterminado da morte. Ifá ensina
que esta data não pode ser estendida, porém por meio de escolhas inadequadas
este dia pode chegar prematuramente. Em termos muito simples, o conceito de
àyànmó sugere que cada pessoa tem uma área de atuação possível em certas áreas
que não pode ser estendida para além de um certo ponto.
Dada a natureza do destino como se descreve em Ifá, é possível ter um
destino positivo que se vê perturbado por uma escolha inadequada do caráter.
Ifá ensina que impedir o desenvolvimento de bom caráter pode levar a uma
diminuição do potencial pessoal. Por isso as escrituras de Ifá dizem "iwá- pèlé ni
àyànmó" , que significa "caráter é destino". A crença de que caráter é destino coloca
um alto valor espiritual na elevação espiritual do orí , porque o orí é o centro de
controle que guia o desenvolvimento do bom caráter.

C. A-PÉ-RÉ
– O conceito Ifá de perfeição
As escrituras de Ifá descrevem o potencial humano dizendo "Orí ló kó won
l'A-pé-ré", que significa "somente o EU alcança o estado de perfeição". A sugestão
aqui é que o orí continua desenvolvendo-se até que alcança "A-pé-ré", que é a
palavra yorùbá tanto para "lucro" como "perfeição". De acordo com as escrituras

61
de Ifá , aqueles que alcançam A-pé-ré vivem na cidade sagrada chamada Ilé Ifè
que existe no reino invisível chamado Òrun .
Os que buscam A-pé-ré (transformação espiritual) são guiados pelos
conceitos Ifá de bom caráter. A escrituras de Ifá são claras quanto ao caráter não
ser uma questão de riqueza ou posição social. O bom caráter é considerado um
processo interno que valoriza a honestidade, a limpeza e a preocupação pelo bem
estar da família num sentido amplo. Questões tais como a posição social e a
riqueza são considerados aspectos de àyànmó , que é o aspecto fixo do destino.
Questões tais como honestidade, humildade, e generosidade são aspectos de
àkúnlèyàn que é o destino que pode ser levado a cabo pelo livre arbítrio.
Estas idéias podem parecer obscuras e sem importância para aqueles que
foram criados com os conceitos filosóficos ocidentais de destino. No entanto são
levados muito a sério por aqueles que praticam adivinhação e conduzem rituais
na cultura tradicional yorùbá. Três dias depois que uma criança nasce em uma
família africana devota de Ifá- Òrìsà , os maiores da comunidade levam a cabo
uma cerimônia chamada iklò èdayè. Durante esta cerimônia, se faz uma
adivinhação que revela os elementos fixos do destino da criança. Se a adivinhação
indica pouca coisa no sentido da boa sorte, se adverte aos pais que prestem
especial atenção ao desenvolvimento do caráter. Isto é devido a crença de que o
desenvolvimento do bom caráter pode literalmente trocar o destino de uma
pessoa para melhor. Reciprocamente, o mal caráter pode trocar o destino de uma
pessoa para pior. É devido a esta dinâmica dentro do desenvolvimento do
potencial humano que a maioria dos adivinhos de Ifá examinam questões de
caráter quando uma pessoa que veio a uma consulta se queixa de infortúnio.
D. ÀTÚNWÁ
– O conceito Ifá do renascimento do caráter
A palavra àtúnwá é uma contração de àtúnbí, que significa "regeneração" e
ìwá que significa "caráter". Em Ifá a palavra àtúnwá é usada para descrever o que
o misticismo oriental chama "reencarnação". Em muitas tradições religiosas
orientais, a reencarnação é definida como o renascer contínuo da alma. O conceito
Ifá de àtúnwá é uma crença similar que inclui uma complexa explicação das Forças
Espirituais que estão implicadas no renascer da alma.
É significativo que a palavra yorùbá para reencarnação use a palavra ìwá.
Isto é devido a Ifá ensinar que por meio do processo de construir o caráter, tanto

62
o indivíduo como a família evoluem. Isto significa que o conceito Ifá de caráter
está relacionado com questões de responsabilidade comunitária. De acordo com
Ifá , não pode haver crescimento pessoal as custas de outros, e quando qualquer
um na família num sentido amplo deixa de mostrar bom caráter, toda família
sofre.
Quando alguém de uma comunidade yorùbá mostra mal caráter, um maior
pedirá invariavelmente que identifique seus pais. Isto se deve a que o fracasso
em viver a altura das expectativas comunitárias é considerado um fracasso
coletivo. Quando se identifica um tal fracasso, há um considerável esforço dentro
da família estendida no sentido amplo para solucionar o problema.
Em termos metafísicos, o conceito de àtúnwá está no fundamento do
conceito Ifá de EU. Isto é devido a que o princípio organizador que cria a
consciência humana (orí) está unido com o princípio organizador que cria todas
as formas de consciência. Quando se capta esta união por meio da visão mística,
o orí se faz consciente de sua relação com o ìpònrí (EU superior). O conteúdo desta
visão é a consciência de que o ser eterno permanece sem troca ao longo de todas
as manifestações de àtúnwá (reencarnação).

Referências: As definições dos três elementos do destino são de: Òrúnmìlà,


junho de l987, número 3, "A vida, seu propósito e mais alem", de S. Solagbade
Popoola.
O material sobre os elementos do orí foi baseado em instrução oral do
Babaláwo Fagbemi Fasina, e o artigo "Orí" de Gbolahan Okemuyiwa e o Awo
Ademola Fabunmi, Òrúnmìlà, junho de l987 número 3.
Correções das traduções sobre os diversos aspectos do orí foram
proporcionadas por Olalekan Babalola e Adekoye Williams.
A correspondência entre os Odù e as áreas do corpo foi proporcionada pelo
Babaláwo Medahochi.

63
III
ÀLÒÌRÀNTÀN ODÙ
Folclore usado na adivinhação Ifá e Òrìsà
A FUNÇÃO DO FOLCLORE EM IFÁ E A ADIVINHAÇÃO ÒRÌSÀ
Os antropólogos tendem a referir-se as histórias associadas com a
adivinhação Ifá e Òrìsà como folclore. A palavra folclore é geralmente definida
como a preservação oral das crenças tradicionais, costumes e aspirações de um
grupo de pessoas. As palavras àlò ìràntàn dão um melhor sentido a função da
literatura que forma a base dos sistemas yoruba de adivinhação. A palavra àló
significa "enigma (adivinhação)". A palavra ìràn significa "gerações de
descendentes". O sufixo tàn foi tomado de itàn, que significa "história". Isto sugere
que os àlò ìràntàn são enigmas passados de geração a geração em forma de uma
história. A função destes enigmas é clarear os elementos transcendentes da
relação entre o Eu e o mundo.
Dentro da religião de Ifá existe uma certa quantidade de métodos usados
para adivinhar. A palavra adivinhação se define como a prática de predizer o
futuro por meios ocultos. Também se define como uma suposição hesitosa ou
uma hipótese hábil. Ambas definições refletem o pré julgamento ocidental contra
a validade da adivinhação como fonte de inspiração.
Em yorùbá, a palavra para "adivinhação" é awo, que significa "Mistério". O
Mistério do que se fala é a influência invisível de Forças Espirituais que existem
no Reino Invisível que se chama Òrun.
A ciência ocidental trata de influências invisíveis, porém as chama "leis da
física". A metodologia utilizada pela ciência em seus intentos de compreender
influências não visíveis é a de postular teorias, e chegam a criar experiências que
ponham a prova a validade da teoria. Se a teoria pode ser usada para predizer o
resultado em um conjunto de circunstâncias, então a teoria é geralmente
considerada como válida. Este processo é baseado na crença de que o universo
funciona de uma maneira mecânica e que todas as expressões da Lei Natural
estão sujeitas a análises quantitativas.
Ifá trata com as influências não visíveis por meio do uso de imagens
simbólicas que estão desenhadas para estimular as associações intuitivas que

64
ocorrem durante os estados alterados de consciência. Devido a Ifá estar baseada
na crença de que todas as Forças na Natureza têm alguma forma de consciência
(orí), o suposto é que a própria consciência é a chave para captar aquela influência
no mundo a partir do reino do invisível.
Um princípio fundamental de Ifá é que a Natureza chega a existência por
meio da interação que ocorre entre forças de expansão e de contração. As forças
de expansão estão simbolizadas em Ifá por meio de uma só linha vertical (I). As
forças de contração estão simbolizadas em Ifá por um conjunto duplo de linhas
verticais (II). Estas forças são vista como existindo em oito dimensões que
formam duas esferas, uma dentro da outra. Na adivinhação Ifá, esta esfera é
simbolizada por meio do uso de duas colunas verticais. Cada coluna é constituída
por quatro conjuntos de linhas verticais simples ou duplas.
Este sistema gera duzentos e cinqüenta e seis conjuntos diferentes de
tetragramas. Acredita-se que cada tetragrama é a representação simbólica de
padrões fundamentais de energia que geram toda a Criação. Eles são os
princípios estruturadores universais da dinâmica e da forma. Devido a que estes
padrões representam awo, os Mistérios do Ser, é impossível traduzi-los para a
linguagem objetiva. Isto quer dizer que requer algum tipo de experiência direta
do Mistério para captar sua essência interior.
Nem todos podem ter acesso ao componente da experiência do awo. Por
esta razão, Ifá registra os insights daqueles maiores que têm tentado comunicar
sua experiência do awo. Isto é feito por meio do uso de uma coleção de àlò ìràntàn
que estão associados com os padrões simbólicos que são usados para a
adivinhação. Cada um destes padrões se chama Odù. Cada Odù é constituído de
uma série de estrofes chamadas esè. À medida que um adivinho ganha um maior
insight no significado dos Odù, pode juntar comentários aos Odù em forma de
histórias adicionais.
As seguintes seleções são um mostruário do Esè Odù utilizado em
Mérìndínlógún, que é um dos sistemas de awo baseados em Ifá. Mérìndínlógún
significa "vinte menos quatro", que é a maneira yoruba de dizer "dezesseis". Este
sistema de adivinhação é baseado nos primeiros dezesseis padrões que se
encontram no sistema completo de Ifá. Acredita-se que estes dezesseis padrões
são as Forças Espirituais fundamentais que se combinam para criar os restantes
duzentos de quarenta Odù.

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l. O Sagrado Odù Òkànràn

A filha maior da esposa maior do Oòni de Ilé Ifè foi a ìgbàlè (cemitério) no
dia em que sua mãe fez a viagem de Ìkòlé Ayé (Mundo) a Ìkòlé Òrun (Reino
invisível dos antepassados). Na noite desse mesmo dia se desenvolveu uma
disputa entre a filha maior do Oòni de Ilé Ifè e suas irmãs. As irmãs que
começaram a discussão eram filhas das esposas menores do Oòni.
Ao por do sol quando o ìsìkú (funeral) havia terminado, as irmãs mais
jovens do Oòní de Ilé Ifè acusaram a filha maior de ser uma impostora. Disseram
que não acreditavam que ela era a filha da esposa maior do Oòní. A discussão
começou justo antes que os maiores da família começassem a distribuir a herança
da antepassada que partiu recentemente.
O objeto mais apreciado pela mãe era um jogo de contas azuis que ela havia
levado consigo para sua proteção. Todos recordavam que as contas haviam sido
prometidas a filha maior. Ninguém da família podia negar haver ouvido a
promessa. As que cobiçavam as contas somente podiam questionar se a mulher
era ou não verdadeiramente a filha maior.
Os maiores escutaram os argumentos das menores e logo rechaçaram as
acusações considerando-as infundadas. Vendo que haviam sido derrotadas, as
irmãs menores colocaram as contas em uma panela que havia sido preparada
com ògèdè (feitiços).
Devido a filha maior não estar inteirada do ògèdè, enfiou a mão dentro da
panela e recuperou as contas. Na viagem para casa, as pernas da mulher caíram
e não pôde caminhar. Enquanto estava no chão agarrando as contas, seus braços
caíram. Sozinha de noite no bosque a mulher estava decidida a ter o que lhe
pertencia por direito. Rezou às Ìyáàmi (Espírito das Mães) e foi transformada em
uma árvore.
No dia seguinte as irmãs passaram pelo lugar onde a mulher havia deixado
cair as contas. E ao estender as mãos para recolhê-las, notaram a árvore que havia
crescido durante a noite. Também sentiram a presença das ìyáàmi, que haviam
feito da árvore sua morada.
Como as irmãs não tinham nada para oferecer aos pés do santuário,
deixaram as contas na base da árvore. Desde esse dia as irmãs menores deixaram
que as contas permacessem com sua legítima dona.

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Comentário: As famílias tradicionais Yorùbá dão considerável ênfase no
que se refere a categoria superior dentro da família. As razões para isto estão
relacionadas com questões tanto de etiqueta social como de responsabilidade
familiar. Em ocasiões formais, as famílias Yorùbá saem em público vestindo
roupa feita com o mesmo padrão de tecido, entre as mulheres a mãe maior levará
a mais alta envoltura na cabeça como indicação de categoria. É o costume saudar
primeiro o pai ou mãe mais velha. O estilo do ornamento na cabeça indicará
aqueles que são os maiores em uma família para aqueles que podem não sabê-lo.
À esposa maior em uma relação polígama fica o encargo de todas as
finanças para toda a família. Esta é uma posição de considerável poder e prestígio
dentro da cultura yorùbá, e seria impensável questionar a autoridade de uma
mulher que tenha assumido esse papel. No conto, as acusações se dirigem contra
a filha maior e não contra a esposa morta.
Uma vez que a questão havia sido resolvida, a inveja das irmãs menores as
motiva a recorrer ao uso de ògèdè num esforço para satisfazer sua cobiça. Neste
ponto a narração se torna uma afirmação simbólica sobre a dinâmica da Justiça
como uma Força da Natureza no mundo. O ògèdè usado pelas irmãs fez com que
a filha maior perdesse suas mãos e suas pernas. A perda dos braços sugere que
ela não sabia como resolver o problema, e a perda das pernas sugere que ela não
sabia a onde levar o problema.
Em seu desespero ela reza as Ìyáàmi pedindo orientação. As Ìyáàmi são os
poderes coletivos da Maternidade. Segundo as escrituras de Ifá, tanto os
antepassados como os Òrìsà nascem através do útero da Mãe. Isto significa que a
filha maior está rezando diretamente a fonte de todas manifestações no panteón
Ifá de Forças Espirituais.
A resposta às rezas é transformar a filha maior em uma árvore. A árvore se
tornou um santuário e as irmãs oferecem as contas motivadas pelo respeito ao àse
(poder espiritual) das ìyàámi. Vendo por uma perspectiva ocidental pareceria
que a narração sugere que a Justiça Divina ocorre, e também que a pessoa tem
que esperar até chegar mais além para receberem sua compensação. Esta
interpretação está baseada no conceito linear de tempo que não é consistente com
o conceito circular de tempo que está na base de muitos símbolos de Ifá.
Na África, as árvores são usadas freqüentemente como santuário para
diversos Espíritos dos antepassados. Quando a narração diz que a mulher se

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torna uma árvore, sugere que ela foi possuída pela sabedoria e a força daquelas
Forças Espirituais as quais havia apelado em busca de ajuda. É o efeito do
alinhamento entre a filha maior e os espíritos dos antepassados o que motiva as
irmãs menores a abandonar sua cobiça.
Se um awo lê essa história no curso de uma adivinhação a mensagem não é
a de esperar pela justiça mais além. A mensagem seria apelar diretamente as
Ìyáàmi, que intervieram no interesse da Mãe Justiça.
2. O sagrado Odù Eji Òkò
O forasteiro errante parou na aldeia de Òkò no dia em que decidiu
estabelecer-se em um lugar e tornar-se fazendeiro. Fez sua fazenda num bosque
perto do caminho que conduzia a cidade. Logo a fazenda prosperou assim que o
forasteiro errante decidiu fazer desse lugar sua morada. Num esforço em
conhecer seus vizinhos decidiu dar presentes aos que passavam por seu campo.
Saudaria tanto aos homens como as mulheres e lhes ofereceria milho e
batata doce. O forasteiro errante nunca pediu nada em troca. Ao passar dos anos
sua fazenda continuou prosperando e pode vender comida no mercado. Em
lugar de gastar seu dinheiro, o distribuía entre os pobres.
No dia em que o Olórí Òkò (Chefe de Òkò) faleceu, as pessoas da aldeia
estavam de luto. Havia tristeza na aldeia pois só aos maiores era permitido
assumir a posição de Olórí. Uma epidemia recente havia levado todos os
maiores do Ìkòlé Ayé (Mundo) ao Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados). Aqueles
que sobreviveram a praga eram considerados demasiado jovens para chegar a
ser Olórí Òkò.
Alguém sugeriu que a pessoa mais justa e boa da aldeia deveria ser feita
Olórí Okò. Todos estavam de acordo que era o forasteiro errante que deveria ser
escolhido. Após anos de generosidade, foi o forasteiro errante quem foi instalado
como o Olórí Òkò. A partir desse dia foi ele quem recebeu presentes das pessoas
de Òkò.
Comentário: Este conto fala da boa sorte que vem através da generosidade.
Neste caso é uma forma muito específica de generosidade que aponta ao coração
da economia tradicional yoruba. A aldeia da história é chamada Òkò, que é a
palavra yorúbà para "fazenda". Portanto a mensagem aqui fala diretamente da
questão das normas morais para aqueles que trabalham na fazenda.

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Quase todas as famílias num sentido amplo nas áreas rurais yoruba têm
acesso a uma fazenda comunitária. Estas fazendas são o fundamento para as
necessidades básicas de sobrevivência. Os que dirigem as fazendas fazem um
esforço para assegurar que todas em suas famílias num sentido amplo tenham o
suficiente para comer. A interpretação deste relato é que a generosidade traz
consigo bênçãos. Neste caso as bênçãos são de honra e respeito.
Tem outro significado que pode ser fixado a este. Este conto aparece no Odù
chamado Eji Òkò, que significa "segunda fazenda”. O significado esotérico de
segunda fazenda é uma referencia a uma fazenda invisível no Reino dos
Antepassados. É uma referência àqueles principios metafísicos que previnem a
morte. A generosidade que vem por meio do cuidado apropriado da primeira
fazenda na Terra, é a generosidade que flui do bom caráter, a honestidade e o
compromisso com o crescimento espiritual. Estas são qualidades humanas que
foram plantadas e desenvolvidas a primeira vez na Segunda Fazenda no Reino
dos Antepassados. Aqueles que praticam este nível de generosidade serão
sempre recordados como honrados antepassados. É essa benção que tem um
papel chave no principio Ifá de prevenir a morte.
Ifá ensina que cada pessoa tem um tempo que marca o fim pré-determinado
de seu lapso de vida. Esta marca não pode ser prolongada, porém é possível
cortar uma vida por meio de atos estúpidos e conduta imoderada. A chave para
prevenir a morte, que se faz referencia neste conto, é a morte prematura que pode
visitar aqueles que ignoram a questão de desenvolver um bom caráter.

3. O sagrado Odù Ògúndá


Ògún (Espírito do Ferro) viajou para o santuário de Ògún com seu irmão
mais velho. O santuário estava situado na aldeia onde seu pai era o Olórí (chefe).
Quando chegaram, o Olórí disse a seus filhos que deviam castigar qualquer
pessoa que cometesse um crime.
Ògún perguntou: "Qual deveria ser o castigo?"
O Olórí disse : "Aquele que cometesse um crime deveria ter a cabeça cortada
na altura do pescoço".
Ògún pensou que um castigo assim era muito drástico, porém por respeito
a seu pai não disse nada. No dia seguinte Ògún acordou antes da aurora e se

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dirigiu a maior fazenda fora da aldeia. Quando chegou na fazenda viu um àgbò-
funfun (carneiro branco) completamente desenvolvido e que ninguém cuidava.
Ògún afiou seu àdá (sabre), logo o usou para cortar a cabeça do àgbò-funfun
. Deixou o cadáver na fazenda e levou o orí àgbò-funfun (cabeça do carneiro
branco) para a casa de seu irmão. Ainda estava escuro quando chegou na casa e
seu irmão ainda estava dormindo. Colocou a orí àgbò-funfun na cabeça de seu
irmão, e retornou rapidamente para a fazenda.
Havia uma grande multidão rodeando o cadáver do animal que estava no
chão. Os homens da aldeia queriam saber quem poderia ter feito tal coisa. Ògún
se ofereceu de trazer seu irmão para ficar entre os que podiam pegar o ladrão. A
multidão seguiu Ògún até a casa de seu irmão. Quando chegaram, orí àgbò-funfun
estava justo onde Ògún a havia deixado.
O homem que era proprietário do àgbò pediu que o irmão mais velho de
Ògún fosse levado para a casa do alunipa (carrasco). Nada foi feito até que o Olórí
chegou na casa do alunipa para presenciar o ìpakú (execução).
Foi o Olórí quem ordenou ao alunipa que segurasse sem soltar seu filho mais
velho. Foi o Olórí quem ordenou a Ògún cortar a cabeça da pessoa que havia
cometido o crime.
Ògún desembainhou seu àdá e decapitou o alunipa, que estava amparando
seu irmão.
O Olórí se horrorizou. "Por que fez isso?", perguntou. Ògún disse: "O alunipa
havia cometido um crime. Havia feito ajustes para executar alguém que era
inocente da acusação. Já que meu irmão é inocente porque fui eu quem cortou a
cabeça".
Comentário: Muitos livros sobre Òrìsà descrevem Ògún como sedento de
sangue e impulsivo. Esta caracterização não é consistente com os Babal' Òrìsà e
Iyàl' Òrìsà que conheci na África e que eram iniciados nos mistérios de Ogún.
Entre as maiores tradições nas comunidades yoruba, a maioria das disputas
são resolvidas na presença de Ogún. Se precisar que alguém jure dizer a verdade
para resolver um desacordo, os maiores farão que essa pessoa jure sobre uma das
relíquias sagradas de Ogún. Isto sugere que parte da essência de Ògún é um
compromisso sem concessões com a verdade. Este compromisso com a verdade
é o que está no coração deste relato.

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A verdade pode ser um conceito difícil de definir, e às vezes a verdade
parece mudar e tornar-se ilusória. A verdade que caracteriza Ogún é a verdade
que surge de uma evolução acertada dos princípios fundamentais da Natureza.
A verdade de Ògún nunca é uma visão idealizada de como deveriam ser as coisas.
Sempre é uma expressão afiada como uma navalha de como são as coisas.
Neste relato a verdade aparente não era a verdade real, e esta distinção está
no coração do Mistério de Ogún.

4. O sagrado Odù Ìròsún


O Olórí Epé (Chefe de Epé) foi aos awo (adivinhos) no dia em que sua aldeia
estava sendo fustigada por um ekùn (leopardo). O ekùn estava matando as
crianças e nenhum dos caçadores havia tido êxito em seus esforços para capturar
o animal. A adivinhação foi feita e os Òrìsà disseram que o Olórí devia ser
bondoso com um forasteiro.
Mais tarde nesse mesmo dia o Okùrin wèrè Ijèbú (Homem louco de Ijèbú) se
aproximou da aldeia de Epé. O chamavam de Okùrin wèrè Ijèbú porque havia sido
criado na floresta, e não tinha familiaridade com as maneiras do mundo. Sua
loucura nascia de ìwá-mímó (inocência).
Foi o Olórí que ofereceu a Okùrin wèrè Ijèbú sopa de batata doce quando ele
sentou para descansar perto da entrada da aldeia. Quando terminou sua comida
Okùrin wèrè Ijèbú agradeceu ao Olórí e recomeçou sua viagem. Enquanto se
preparava notou que as pessoas da aldeia estavam de luto. Okúrin wèrè Ijèbú
nunca havia visto tal tristeza e dor.
"Porque ninguém está cantando nem dançando?" perguntou.
O Olórí olhou para Okùrin wèrè Ijèbú e não pensou nem por um minuto que
fosse ele a pessoa que salvaria sua aldeia. "Temos sido aterrorizados por um ekún
que está atacando nossas crianças" disse enquanto olhava para o caminho na
esperança de ver outro forasteiro.
"Já que você foi tão bondoso comigo, salvarei as pessoas de Epé desta
terrível ameaça". Okùrin wèrè Ijèbú bateu palmas como se o assunto já houvesse
sido resolvido.
"És um Ode (caçador)?" perguntou o Olórí.
Não sabendo o que era um Ode, Okùrin wèrè Ijèbu disse "Sim".
"Porém não tens armas". O Olórí não estava convencido.

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Como havia sido criado na pobreza, Okùrin wèrè Ijèbú estava acostumado a
enfrentá-las. Pegou uma mão de pilão que estava ao lado do pilão usado para
amassar batata doce. "Agora estou pronto para caçar este ekùn que tem causado
tanta infelicidade”.
O Olórí sacudiu a cabeça e rezou aos Òrìsà, pedindo que enviassem um
verdadeiro Ode a aldeia de Epé.
Enquanto o Okùrin wèrè Ijèbú se dirigia a floresta, ouviu as pessoas de Epè
gritar que vinha o ekùn. Rapidamente subiu numa árvore e esperou que passasse
o ekùn. O ekùn passou diretamente em baixo de Okùrin wèrè Ijèbú, que caiu da
árvore quando viu os malígnos dentes do animal selvagem. Antes de tocar no
chão, soltou a mão de pilão que caiu diretamente sobre a cabeça do ekùn. O animal
foi morto de um só golpe.
Imediatamente as pessoas de Epé começaram a dançar e a cantar. Estavam
louvando a Okùrin wèrè Ijèbú. Foi nessa ocasião que as pessoas de Epé decidiu dar
a Okùrin wèrè Ijèbú um nome justo. Desde esse dia ficou conhecido como Sàngó
(Espírito do Relâmpago).
Comentário: Sàngó é uma das figuras centrais nos relatos Òrìsà que falam
da transformação espiritual. Ifá é uma religião que é baseada no princípio de
desenvolvimento do poder pessoal. De um ponto de vista psicológico, o poder
pessoal cresce por meio do processo de superar o medo. Este relato é um exemplo
daquelas forças psicológicas que se colocam em jogo cada vez que enfrentamos
um medo.
O Okùrín wèrè Ijèbú (Homem Louco de Ijèbú) é caracterizado como inocente
e ingênuo. A inocência e a ingenuidade são regra para todos que começam uma
busca espiritual. Nas tradições místicas européias o papel do louco é descrito
geralmente como "tonto". Esta caracterização não pretende rebaixar a figura
central no relato. Em troca aponta uma verdade fundamental que ocorre em
qualquer momento em que um medo é confrontado por meio da ação direta.
Quando somos crianças muito jovens não temos medo de atravessar a rua.
È somente quando uma criança começa a relacionar-se com outros que
desenvolve um temor ou medo. A fonte do medo é a reação dos adultos que vêm
a criança tentando atravessar a rua sozinha. Muitas ruas de movimento merecem
precaução, porém para uma criança pequena não existem bases para uma
avaliação.

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No relato, Sàngó está disposto a caçar o leopardo porque não tem idéia de
quão maligno pode ser o animal. Cada vez que se confronta um novo medo a
mesma carência de informação é um fator. A única maneira de se confrontar com
um medo é por meio da coragem, e a única maneira de se ter a coragem é atuar
apesar do medo. A alternativa é continuar mantendo o medo.
A disposição de Sàngó para enfrentar um desafio desconhecido foi bem
sucedida mesmo se os meios parecem acidentais. Uma vez que Sàngó na realidade
matou o leopardo, tem em primeira mão informações sobre os perigos da vida
real que estão envolvidos. É este conhecimento que permite Sango se tornar um
guerreiro realizado. Em relatos sobre a vida posterior de Sàngó sua habilidade na
batalha o eleva a posição de tornar-se o protótipo heróico para a fonte da coragem
tal qual existe como uma Força na Natureza. Em termos simples Sàngó se torna a
personificação da coragem, este relato é o alicerce de sua busca para descobrir o
awo o Mistério da ação valente.

5. O sagrado Odù Òsé


Todos os Imortais se reuniram no Òrun no dia em que eles estavam
travando uma batalha contra a Aldeia das Mulheres. Foi uma batalha que os
Imortais sabiam que nunca poderiam ganhar. Obà Òrun (Chefe dos Céu) pediu
aos Òrìsà que fizessem a viagem do Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados) a Ìkòlé
Ayé (Mundo) num esforço para finalizar a guerra.
Sàngó (Espírito do Relâmpago), Ògún (Espírito do Ferro), Omolú (Espírito
das Enfermidades Infecciosas) e o Ibora Egún (Espírito de todos os Guerreiros
Antepassados que já faleceram), concordaram em unir forças na luta contra a
Aldeia das Mulheres. Lutaram com coragem e convicção, mas encontraram uma
amarga derrota. Yemoja (Mãe dos Peixes), Oya (Espírito do Vento) e Iyàámi
(Espírito das Mães) concordaram em unir forças na luta contra a Aldeia das
Mulheres. Elas lutaram com valentia e convicção, porém encontraram uma
amarga derrota.
Quando todos os Òrìsà e Egún de Ikòle Òrun (Reino dos Antepassados)
retornaram de suas batalhas contra a Aldeia das Mulheres, se recusaram a
participar de mais combates. Nesse momento, foi Òsun (Espírito da Água) que
disse que ela poria fim a batalha contra a Aldeia das Mulheres. Òsun colocou uma

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cabaça de água em sua cabeça e dançou do Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados)
ao Ìkòlé Ayé (Mundo).
Quando Òsun abordou a Aldeia das Mulheres continuou dançando e
cantando, utilizando a cabaça como um tambor. Quando ela chegou ao centro da
aldeia, as mulheres aderiram Osun. Cantavam e dançavam ao som do seu
tambor. As mulheres da aldeia seguiram Òsun ao santuário de Òsun, onde
cantam e dançam para ela até hoje.
Comentário: Alguns relatos acerca de Òsun que são populares no Ocidente
tendem a caracterizá-la como "superficial" e "narcisista". Neste relato, Òsun é
apresentada como uma guerreira poderosa que está capacitada para resolver um
conflito que já havia derrotado todas as Forças Espirituais do Reino do Invisível.
De acordo com Ifá, cada um dos Òrìsà têm um aspecto guerreiro que é usado
para proteger os Òrìsà da extinção. Esta história esclarece que nem todas as
formas de proteção envolvem guerra, ou o que é tradicionalmente identificado
como conduta "agressiva".
Esta história também envolve dois aspectos do poder feminino que se
repetem ao longo da literatura Ifá. Não é comum em mitos ocidental encontrar
histórias sobre um grupo de mulheres que têm a força coletiva para derrotar
todas as Forças Espirituais da Natureza. Na cultura tradicional yorùbá, as
sociedades secretas de mulheres estão centradas ao redor de Mistérios que
envolvem o sangue menstrual. Esta tradição tem sido denegrida por escritores
ocidentais, quem tendem a tratar essas sociedades como formas de "bruxaria".
Na realidade, as sociedades secretas femininas são uma parte integral da
vida política e religiosa tradicional yorùbá. São as mulheres que colocam o adé
(coroa) no Obà (Rei). Este poder é dado as mulheres devido a que o adé contém o
àse (poder espiritual) de proteção que somente vem por meio do poder feminino.
Quando este poder é invocado como meio de proteção, é extremadamente efetivo
e extremamente volátil. Os propósitos rituais para ativar este poder, uma vez que
tenha sido desencadeado, são parte do awo dos Mistérios de Òsun. É por isso que
as iniciadas de Òsun geralmente tem posições de alta categoria dentro das
sociedades secretas femininas.
Este relato é uma apresentação metafórica de um aspecto do Poder
Espiritual Feminino que continua sendo tabu para os não iniciados.

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6. O sagrado Odù Òbàrà
Omo Obàrà estava cuidando da oko (fazenda) no dia em que Ode (caçador)
veio a floresta procurando caça. Ode viajou durante dias, incapaz de encontrar
nada o que caçar. Desesperado, chamou Olúwo Igbó (Sacerdote Principal da
Floresta), pedindo-lhe ajuda. Quando Olúwo Igbó emergiu da espessura da
floresta, perguntou a Ode por que ele o havia chamado.
Ode disse: "Tenho necessidade de riqueza, tenho necessidade de
abundancia, guia-me para as riquezas da floresta."
Olúwo Igbó deu a Ode seis sementes de abóbora e desapareceu de novo
dentro da floresta.
Pensando que as sementes eram algum tipo de magia, Ode as colocou em
um saco e foi apressado para casa esperando que as sementes fossem
transformadas em jóias e contas preciosas. Quando alcançou sua aldeia, abriu seu
saco e ficou decepcionado ao descobrir que as sementes não haviam se
transformado. Desgostoso, ele deu as sementes a Omo Obàrà, que estava
trabalhando em sua fazenda. Omo Obàrà plantou as sementes, que se tornaram
abóboras, e as abóboras produziram mais sementes, e Omo Obàrà se tornou um
homem rico vendendo estes bens no mercado.
Ode voltou a floresta para buscar o Olúwo Igbó, para lhe dizer que sua magia
não havia funcionado, e que ele era um homem pobre. Ode procurou e procurou,
porém nunca mais encontrou novamente o homem a quem havia dado usas
sementes.
Comentário: Do ponto de vista cultural, este relato é um comentário do
ponto de vista de Ifá de que a agricultura é superior a caça como método de
adquirir abundância.
A nível pessoal, esta história é, de novo, uma advertência sobre as
conseqüências autodestrutivas do egocentrismo e as expectativas narcisistas. O
caçador perguntou ao Chefe da Floresta pelo segredo da riqueza, e foram dadas
sementes de abóbora. Porém o caçador tinha expectativas mais estreitas da forma
na qual queria que a abundância se manifestasse. Em conseqüência, gastou o
resto de sua vida procurando algo que realmente lhe havia sido dado.

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7. O sagrado Odù Òdí
Omo-òdò (servente) pediu a seu orí (espírito interior) por uma vida melhor,
no dia em que o àgba'lè (cabeça da família), necessitava fazer um sacrifício. O
Àgba'lè (cabeça de família) cortou um Irokó (árvore) e fez-lhe dar forma de pósi
(caixão). Omo-òdò foi colocado no pósi e enviado a deriva pelas águas.
O pósi chegou a margem no dia em que a Cidade de Benin necessitava de
um novo Oba (rei). As pessoas da cidade abriram o pósi e não sabiam se Omo-òdò
estava vivo ou morto. Quando se asseguraram que estava vivo, as pessoas
decidiram fazer uma brincadeira e fingiram fazê-lo Oba (rei). Logo descobriram
que ele era um awo (adivinho) e foi através de seu dáfá (adivinhação) que trouxe
prosperidade as pessoas do Benin. Foi então que às pessoas de Benin decidiram
que Omo-òdò se tornaria de fato no Oba (Rei).
Quando o Ágba'lè escutou que a Cidade de Benin tinha um novo Oba, viajou
a Cidade para oferecer-lhe seus respeitos. Tão logo começou a prostar-se, Omo-
òdò pediu que parasse e que se colocasse de pé. O antigo servente, que havia se
tornado Oba, agradeceu ao Àgba'lè por fazer sua vida tão miserável que ele sentiu
a necessidade de rezar a seu orí.
Comentário: Esta história é usada para descrever as origens de Osun,
guardião do espírito interior. Osun é o Òrìsà que é invocado por um awo
(adivinho) para proteção quando está fazendo uma adivinhação. Em Ifá e nos
santuários Òrìsà na África, Osun é representado por um cajado largo com uma
taça no extremo superior. O Osun é personificado nesta história como o Àgba'lè.
Ifá awó kókó é o recipiente usado pelos Babaláwo para guardar os sagrados
ìkín (nozes de palma) usados para a adivinhação. O Ifá awó kókó está
representado neste relato pelo pósi (caixão).
Omo-òdò, que é descrito nesta história como o servente, é o Profeta
Òrúnmìlà, a quem se dá um lugar de honra e respeito como o Oba de Benin.
Não há evidência histórica de que Òrúnmìlà tenha sido Oba de Benin, assim
a história faz referências alegóricas a alguns princípios fundamentais de Ifá. Se a
historia é vista como um paradigma para a transformação da consciência, os
elementos individuais do relato são chaves para o crescimento espiritual.
No começo do relato, Omo-òdò é um servente de Àgba'lè. A casa é uma
representação simbólica da consciência individual em sua totalidade. Agba'lè é

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aquele aspecto da consciência que protege a cabeça provendo o que é essencial
para a sobrevivência. Porém tal como temos visto em relatos anteriores acerca de
Sàngó, não há crescimento espiritual sem risco.
O risco vem quando Omo-òdò decide que já não está mais satisfeito com sua
vida. Essa decisão é realmente o rito de transição que toda criança passa na
viagem para chegar a ser um adulto. As crianças devem desprender-se da
segurança da casa familiar em busca de um destino individual. Isso requer
ganhar experiência no mundo real, que ameaça a segurança e estabilidade
representadas por Àgba'lè o bastão de Osun.
Para efetuar a ruptura o indivíduo deve sacrificar o velho Eu à
possibilidade do renascimento. Este processo é simbolizado pelo pósi (ataúde).
Devido a morte do velho Eu ser um processo contínuo na vida daqueles que estão
buscando um crescimento espiritual, o Ifá awó kókó é guardado perto da esteira
usada para adivinhação como uma lembrança do ciclo de morte e renascimento.
Ao final da história, Omo-òdò agradece a Àgba'lè por força-lo a transformar
sua consciência. É um princípio fundamental de Ifá que cada pessoa se prepare
para cada estado de atúnwa (reencarnação) escolhendo um destino em particular.
Em virtude do destino ser uma função de escolha pessoal, é somente o orí
(consciência) individual que pode trocar o destino. Na cosmología Ifá, orí é
considerado um Òrìsà e somente o Òrìsà conhecido como Orí tem o poder para
alterar o destino. Quando uma pessoa está experimentando uma série de
tragédias, é ao Orí que se apela para trocar a má sorte em boa sorte.

8. O sagrado Odù Èjì Ogbè


Òrúnmìlà convidou seus oito filhos para o festival anual de Ifá no dia em
que ele estava se preparando para honrar a Orí ire Egún (a sabedoria dos
Antepassados).Os oito filhos chegaram a casa de Òrúnmìlà vestindo agbádá (togas
brancas que tradicionalmente sacerdotes de Ifá usam ). Quando os filhos entraram
na casa tocaram o solo como um sinal de respeito. Olówó, que era o filho mais
jovem, entrou na casa e permaneceu de pé.
Olówó disse: "Sou um Babaláwo, fui iniciado nos Mistérios de Ifá, estou
vestindo o mesmo agbádá que meu pai. Não tenho necessidade de inclinar-me
ante ninguém”.

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Òrúnmìlà não disse nada. Ao invés disso abandonou sua casa e fêz a viagem
de Ìkòlé Ayé (Mundo) a Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados). Quando Òrúnmìlà
partiu, o país foi açoitado pela seca e a fome. As doenças se estenderam pelo país
e as mulheres se tornaram estéreis.
Desesperados, os filhos de Òrúnmìlà fizeram a viagem de Ìkòlé Ayé a Ìkòlé
Òrun para rogar a seu pai que regressasse. Quando chegaram a Ìkòlé Òrun , viram
Òrúnmìlà sentado embaixo de uma palmeira. Lhe contaram sobre a terrível
situação em Ìkòlé Ayé. Ele escutou enquanto eles lhe suplicavam que voltasse para
casa. Em vez disso lhes deu dezesseis ikin (nozes de palma) da árvore que lhe
dava sombra.
Òrúnmìlà disse: "Em qualquer momento que desejem falar comigo, joguem
os ikin e lhes aconselharei sobre o que é necessário fazer”
Lentamente, pouco a pouco, o país se tornou fértil, a fome diminuiu e as
crianças nasceram com boa saúde. Cada vez que aparecía um problema, o filhos
de Òrúnmìlà falavam diretamente com seu pai jogando Dáfá (O sistema de
adivinhação baseado no uso dos ikin).
Comentário: Este relato é a fonte mítica do sistema de adivinhação em que
está a base tanto de Ifá como do culto aos Òrìsà. Enquanto Òrúnmìlà esteve na
Terra, usou sua sabedoria para manter a paz, a harmonia e a abundância em toda
a Federação Yorùbá. Num esforço para preservar o equilíbrio e a boa sorte,
dividiu sua sabedoria com seus filhos.
Um de seus filhos aprendeu as lições e logo supõe que sabe tanto quanto
seu pai. O nome desse filho é Olówó, que significa "possuidor de dinheiro”. Este
nome sugere que o filho estava motivado pelo desejo de abundancia financeira.
Dentro do sistema ético de Ifá, não há nada inerentemente mal no dinheiro, ou no
desejo de riqueza. É só quando esse desejo cria cobiça, arrogância e falta de
respeito, que surgem problemas.
As dificuldades que se desenvolvem como resultado dessas características
negativas de caráter, têm um impacto devastador em toda a comunidade.
Quando os filhos fazem a viagem ao Reino dos Antepassados, o relato da a
entender que estão voltando-se para a sabedoria de seus maiores em busca de
uma solução dos problemas causados pela cobiça, a arrogância e a falta de
respeito. A solução chega em forma do sistema Ifá de adivinhação que é a
escritura oral de Ifá e do culto Òrìsà.

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A implicação do relato é que o desejo de abundância deve ser satisfeito em
conjunto com o respeito àqueles princípios espirituais que sustentam a vida na
terra.

9. O sagrado Odù Òsá


Foi Oya (Espírito do Vento) quem aconselhou Òrúnmìlà (Espírito do
Destino) que jogasse Ifá no dia em que Ikù (Espírito da Morte) planejava passar
perto de sua casa. Òrúnmìlà atendeu a advertência e colocou um prato de batata
doce, uma tigela de sopa e um frango cozido em um monte de lixo perto de sua
casa.
Ao aproximar-se da casa Iku viu a comida em um monte de lixo e se sentou
para comer. Quando havia terminado sua comida seus olhos captaram Òrúnmìlà
e o perseguiu. A comida o tornou lento e Ikú foi incapaz de pegar sua presa.
Falando de longe, Òrúnmìlà perguntou a Ikú porque havia vindo a Ikòlè Ayé
(Mundo). Ikú disse: "Eu vim para levar alguém que fosse imprudente. Devia levá-
lo comigo ao país dos antepassados. Porém não posso ser grosseiro com alguém
que me ofereceu uma comida".
Comentário: O conceito Ifá de Destino inclui a crença de que cada pessoa
tem um tempo predeterminado de falecer. Este tempo não pode ser estendido,
porém pode ser diminuído. Aqueles que não vivem sua vida até completar o
tempo permitido, são considerados descuidados em seus esforços por viver em
harmonia com o EU e o Mundo.
Òrúnmìlà pode evitar sua morte prematura fazendo as oferendas
apropriadas a Ikú no momento em que a morte se encontrava perto. No relato foi
Oya quem advertiu Òrúnmìlà da presença da morte. A cosmologia Ifá associa Oya
com uma Força Espiritual chamada Ajàláyé. Os Ajàláyé são ventos cálidos que
sopram em torno da Terra, criando redemoinhos. Estes ventos têm um papel
positivo no processo de restaurar o solo espalhando as sementes. Também têm
um papel negativo espalhando os tipos de germens que causam epidemias na
África Ocidental.
Òrúnmìlà pôde evitar Ikú porque foi sensível a mensagem do Espírito do
Vento.

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10. O Sagrado Odù Òfùn
Ikú (Espírito da Morte) fez a viagem de Ìkòlé Òrun (Reino dos antepassados)
a Ìkòlé Ayé (Mundo) repetidas vezes. Suas viagens ameaçavam destruir toda vida
na Terra. Todos os Imolè (Imortais) que viviam no Ìkòlé Ayé queriam continuar
vivendo ali, assim consultaram a Òrúnmìlà (Espírito do Destino) para perguntar
o que devia ser feito.
Òrúnmìlà preparou uma comida para todos os Imolè e lhes disse que deviam
viajar a Ìkòlé Òrun com Ikú como um grupo, de tal forma que Olódùmarè (O
Criador) não pudesse manter a todos no Ìkòlé Òrun ao mesmo tempo.
Quando os Imolè chegaram a Ìkòlé Òrun disseram a Olódùmarè que era
Òrúnmìlà quem estava causando todos os problemas em Ìkòlé Ayé. Olódùmarè
perguntou a Esù (Mensageiro Divino) se o que diziam era certo. Esù disse que as
acusações eram falsas.
Olódùmarè enviou Esù de novo a Ìkòlé Ayé e disse que Esù e Òrúnmìlà seriam
os que salvariam Ìkòlé Ayé da destruição.

Comentário: Superficialmente este relato parece tratar dos assuntos da


morte. No entanto, é na realidade um relato sobre a dinâmica da inveja. No relato
toda a comunidade dos Imolè se vê frente a frente com a ameaça da morte. Isto é
uma referência simbólica a qualquer tipo de perturbação que ameace a
estabilidade e segurança de grande número de pessoas.
Enfrentando estas dificuldades, os Imolè foram a Òrúnmìlà buscando ajuda.
Ele ofereceu sua assistência e lhes mostrou o caminho para a resolução de seu
problema. Os Imolè seguiram seu conselho até que chegaram ao Reino dos
Antepassados, no momento que se voltaram contra Òrúnmìlà por medo que seus
ensinamentos não enfrentassem o desafio. Qualquer mestre espiritual que
aconselha um ato de valentia, corre o risco de ser culpado pelo problema se a
pessoa aconselhada não está a altura do desafio. Em termos psicológicos, esta má
direção da culpa se chama transferência.

11. O Sagrado Odù Òwónrín


O amigo de Òwónrín queria plantar uma palmeira para poder ter tanto
sombra como nozes de cola. O amigo tentou e tentou, porém não pôde conseguir
que a árvore crescesse em sua fazenda. Òwónrín deu a seu amigo um opón

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(alguidar) e disse que plantasse a semente de cola no opón. Logo após plantar as
sementes no opón, brotaram os brotos e a palmeira cresceu.
Antes que a árvore estivesse para dar frutos, Òwónrín pediu que lhe
devolvessem seu opón. O amigo pediu a Òwónrín que esperasse até que a fruta
estivesse madura. Òwónrín insistiu na devolução de seu alguidar tal como estava
no dia em que o havia emprestado. O amigo cortou a arvore e devolveu o
alguidar.
No mesmo dia o filho de Òwónrín tinha sua cerimônia de nomeamento. Òwónrín
queria um jogo de contas para colocar em volta do pescoço de seu filho. O amigo
que havia pedido emprestado o alguidar, ofereceu a Òwónrín um jogo de contas
para colocar em volta do pescoço de seu filho.
Um ano depois o bebê havia crescido e as contas já não podiam ser retiradas
por cima da cabeça da criança. Foi nesse mesmo dia que o amigo pediu a
devolução de suas contas.
Òwónrín disse que tinha que cortar as contas antes de devolvê-las. O amigo
disse que queria que devolvesse as contas no mesmo estado em que as havia
dado.
Comentário: Esta é uma das muitas versões do que se conhece no Ocidente
como a Regra Dourada. A maioria dos relatos Ifá que se ocupam da questão de se
tratar a própria família e amigos da mesma maneira que desejaria ser tratado, dão
exemplos das conseqüências do comportamento negativo. Se supõe que uma vez
que se dá uma desculpa por uma conduta grosseira e desconsiderada, essa
mesma desculpa deve ser aceita por quem a ofereceu inicialmente. Este relato e
outros como ele, reforçam a idéia de que existem conseqüências por ignorar o
desenvolvimento do bom caráter.

12. O Sagrado Odù Èjìlá Sèborà


Sàngó ( Espírito do Relâmpago) estava vivendo entre seus inimigos e queria
ser livre. Era seu desejo ser saudado corretamente por aqueles que encontrava,
Sàngó fez oferendas aos Òrìsà para ser saudado corretamente.
Então ele pegou um machado de fio duplo em cada mão e colocou azeite
em sua boca. Ao chegar perto de seus inimigos, Sàngó colocou fogo no azeite em
sua boca e expeliu chamas de sua boca.

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A visão de Sàngó expelindo fogo de sua boca fez com que seus inimigos se
prostrassem ante ele. Desde esse dia Sàngó foi saudado com respeito.
Comentário: Na África a tradição de culto a Sàngó está associada com uma
prática espiritual africana chamada pidán. A palavra pidán significa "praticar
magia". Os tipos de magia expressas por meio de pidán é usada para demonstrar
a força e a valentia de Sàngó. Os iniciados de Sàngó que praticam a arte de pidán
caminham sobre vidro quebrado, comem fogo, colocam espinhos através de suas
bochechas e outras exibições similares de poder espiritual. Usualmente cada
família de iniciados tem uma forma de pidán em que se especializa e os segredos
familiares do pidán são transmitidos como parte do mistério da iniciação.
A capacidade de executar pidán com efetividade está baseada na capacidade
de entrar em estados alterados de consciência. A demonstração desta capacidade
é por sua vez o testemunho do poder do Òrìsà e confirmação de que o médium
alcançou um nível de alinhamento com seu Espírito Guardião.

13. O Sagrado Odù Ika


Quando Omolú (Espírito das Enfermidades Infecciosas) chegou a idade de
àkóko ti òkúnrin (puberdade), foi levado a selva para Ilànà Isìn òkúnrin (Ritual de
Transição). Nesse dia os maiores esqueceram de levar o òbe (faca). Quando
chegou o momento de cortar as marcas tribais de Omolú, os maiores usaram uma
faca sem fio. Omolú ficou com cicatrizes em sua cara, grandes e feias.
Em sua raiva Omolú fez oferendas aos Òrìsà que se apiedaram dele. Lhe
deram àpò onísègùn (bolsa de Medicinas). Sempre que ele sacudisse seu chocalho,
a varíola invadiria a aldeia e os que estivessem em volta dela também sofreriam
de cicatrizes.
Comentário: Ifá ensina que a negatividade no mundo é criada pelos
humanos que deixam de aspirar o desenvolvimento do bom caráter. Dentro de
Ifá não existem forças que sejam consideradas inteiramente "más". A
conseqüência do desenvolvimento do mau caráter pode ser uma perturbação do
equilíbrio natural e da harmonia. Esta perturbação pode tomar dimensões tão
amplas que toma a aparência de um espírito demoníaco originário.
Neste relato, a varíola é atribuída a ações irresponsáveis para com Omolú
por parte dos maiores. A implicação aqui é que a enfermidade infecciosa se
desenvolveu como resultado da indiferença humana para com os princípios

82
fundamentais de respeito e higiene. Tradicionalmente, as cicatrizes tribais são
feitas com cuidado e consideração. É impensável usar uma faca sem corte (cega).
Como o impensável ocorreu, se desenvolveram conseqüências negativas.
Para usar a mesma analogia, se a água se contamina consistentemente com
despejos químicos, eventualmente se tornara impotável.

14. O Sagrado Odù Òtúrúpòn


Òsányìn (Espírito das Folhas) desafiou Òrúnmìlà (Espírito do Destino) para
uma competição no dia em que as pessoas perguntaram quem era o mais forte,
èwé (ervas) ou ebo (Oferendas aos Espíritos).
Òsányìn disse "Sejamos ambos sepultados embaixo da terra por um ano
para ver quem sobrevive".
Òrúnmìlà ficou de acordo.
Òsányìn reuniu todo sua ogùn (Medicina) e èwé (ervas) e escalou o interior
de um profundo buraco que estava coberto por terra.
Òrúnmìlà consultou Ifá e foi aconselhado a levar um caranguejo e um rato
como oferenda a seus instrumentos de adivinhação.
No primeiro dia Òrúnmìlà ofereceu a rata e o caranguejo como havia sido
aconselhado. O caranguejo cavou a terra até alcançar a água. A rata cavou até a
superfície e voltou todos os dias com comida. Òrúnmìlà bebeu a água e comeu a
comida todos os dias durante o ano.
Quando Òrúnmìlà saiu do buraco, foi ao lugar onde Òsányìn havia sido
enterrado e encontrou o que restava de seus ossos.
Comentário: Esta é uma de várias histórias que falam da rivalidade entre
Òrúnmìlà e Òsányìn. O ponto central de cada uma destas histórias é que fazer
oferendas aos Espíritos é muito mais poderoso que confiar somente na medicina.
Ifá ensina que todas as enfermidades têm causas espirituais e que a única forma
de se curar um mal é eliminar a fonte. O uso de ervas medicinais é um aspecto
importante da disciplina Ifá, porém é também considerada uma disciplina que
apóia a questão mais importante do alinhamento com os Òrìsà e o
desenvolvimento do bom caráter.

83
15. O Sagrado Odù Òfún'kànrán
Aqueles que têm uma vida arruinada devem sempre honrar a avó maior
pelo lado materno da família e o avô maior pelo lado paterno da família. Somente
depois disto ser feito que as coisas começarão a melhorar.
Comentário: Isto é mais uma ilustração que uma história. Expressa a crença
Ifá de que aqueles que sofrem algum tipo de desastre têm invocado esse desastre
por meio do fracasso em viver em harmonia com a sabedoria dos antepassados.
O primeiro passo para corrigir esta situação é honrar aqueles antepassados que
ainda vivem.

16. O Sagrado Odù Ìrètè


Aqueles que acreditam que seu sofrimento nunca terminará podem
oferecer búzios aos Òrìsà. Se não podem permitir-se o gasto de oferecer búzios,
podem oferecer terra. Sua oferenda será aceita se for dada com bom coração e em
profunda humildade.
Comentário: Os relatos associados com a adivinhação são parte de uma
complexa coleção de escrituras orais que tem outros elementos além do folclore.
Um dos elementos que está tradicionalmente associado com estas histórias é a
arte de fazer oferendas apropriadas aos Òrìsà num esforço para invocar a boa
sorte que vem para aqueles que abraçam o desenvolvimento do bom caráter.
Algumas das oferendas sugeridas pela adivinhação representam um gasto
significativo para a pessoa que busca orientação. Esta relação folclórica sugere
que fazer uma oferenda com convicção e bom coração é mais efetivo que não
fazer oferendas.

84
Referências:
O Folclore utilizado neste capítulo provêm dos versos do Mérìndínlógún
(Sistema de adivinhação baseado em Ifá que utiliza dezesseis búzios) tal como
está preservado na tradição oral de Òrìsà Awo como se pratica na região de Oyo
na Nigéria. Esta versão de Mérìndínlógún está disponível em "Dezesseis búzios,
adivinhação Yorùbá desde África até o Novo Mundo" (Sixteen cowries, Yorùbá
divination from Africa to the New World) de William Bascom, Indiana
University Press, 1980, y "Poesía Adivinatoria de Ifá " (Ifá Divination Poetry) de
Wande Abimbola, Nok Publishers Ltd., New York, London, Lagos, 1977.
Assistência tanto na tradução como na correção do conteúdo do folclore
para este capítulo, foi revista por Olalekan Babalola e Adekoye Williams.
A metodologia para a interpretação do simbolismo religioso no folclore está
baseada no estudo das obras de Paul Tillich, Joseph Campbell e Carl Jung.
Sugestões para a melhora de minha interpretação do folclore foram dadas
pelo Babaláwo Medahochi.

85
IV
ALOIRANTAN ATI ORI IRE

Folclore e conceito Ifá da dinâmica


do crescimento espiritual
ORÍ IRE – O conceito Ifa do alinhamento do Eu e do EU Superior
As amostras do folclore no capítulo anterior são parte das escrituras usadas
nos sistemas de adivinhação Ifá e Òrìsà.Quando estas histórias são usadas como
parte do processo de adivinhação, estão amparadas por procedimentos rituais
específicos que estão desenhados para resolver o problema discutido no conto.
Muitas dessas histórias sobreviveram dentro das tradições ocidentais Lucumí e
Santeria, onde continuam proporcionando insight moral e guia espiritual. As
histórias que sobreviveram foram preservadas sob condições de escravidão, num
tempo em que a prática das formas africanas de religião eram um delito sério.
Sob estas condições não é difícil imaginar porque parte das histórias e dos
procedimentos rituais foram perdidos. Tão pouco é difícil entender como estas
histórias puderam ter sido trocadas e distorcidas para refletir influências não
africanas.
O foco de meu próprio estudo deste material foi na intenção de encontrar a
fonte da perspectiva teológica africana original tal como está expressa nas
escrituras originais Ifá. O primerio passo neste proceso foi uma tradução original
da linguagem de awo . Minha razão para fazer esta aproximação é baseada na
minha percepção de que o culto aos Òrìsà no Ocidente sofre de uma falta de
compreensão comúm de muitas palavras usadas no ritual e nas orações. Uma vez
que a tarefa de criar um vocabulário entendido coletivamente tenha uma base
firme, a comunidade de devotos dos Òrìsà poderá travar um tipo de diálogo que
aprofundará nossa percepção coletiva dos Òrìsà. Em minha experiência, muitas
das falhas de comunicação que ocorrem no Ocidente entre as comunidades Òrìsà,
têm como raíz uma carência de um vocabulário comum para discutir conceitos
metafísicos. Ifá ensina que as pala-vras são portadoras de poder, e quanto mais
próximos cheguemos de uma compreensão clara das palavras litúrgicas de Ifá,

86
mais efetivos nos tornaremos no uso do poder espiritual necessário para a
transformação pessoal.
Segundo Ifá, tudo o que expressa dinâmica e forma no Universo, é guiado
pela consciência que nos referimos como orí. Existem várias definições de orí que
variam segundo o contexto. Uma tradução direta seria o pronome pessoal “ele”
ou “ela” do prefixo O, e “percepção”, do sufixo ri. Em termos literiais, orí significa
"Sua Percepção".
Na nossa linguagem, orí seria sinônimo de consciência. Infelizmente a
palavra consciência não tráz as associações espirituais que são expressas no
significado yorùbá do têrmo. Por exemplo, acredita-se que o princípio animado
do orí é uma Força Espiritual na Natureza. Em Ifá, todas as Forças na Natureza
se chamam Òrìsà. Isto significa que orí se refere tanto ao principio organizado da
percepção humana, como ao Espírito Orí que anima este princípio. Segundo Ifá,
todos os Òrìsà estão dotados com o Espírito de Orí, e todo Orí vem de uma Fonte
comum que se chama Obàtálá (Rei do Pano Branco). Este conceito está
constrastando com a visão ocidental do mundo em que a consciência está
limitada às memórias da autopercepção humana.
A palavra Òrìsà, como muitas outras palavras yorùbás usadas num contexto
religioso, tem diversas definições segundo seu uso. Òrìsà é um apocope do
prefixo O usado em yorubá para converter adjetivos em nomes; ri significa
"ocultar algo da vista, ou enterrá-lo"; sa significa reunir, o escolher várias coisas.
Baseando me nesta análise da palavra Òrìsà, que me foi fornecida por
Adekoye Williams, o significado original sugere o reunir ou recolher Forças
escondidas engajadas em, e formando a Natureza de todas as coisas em geral e
da identidade humana em particular. Sugere também que a Energía Creativa
Universal, que é intrínseca em todas as coisas na Criação está fragmentada ou
não estruturada até que Orí (Espírito do Eu interior), Ìpònrí (Espírito do Eu
superior) e àse (Força Vital) estejam em completo alinhamento e união
harmoniosa.
O sufixo xa, que é a maneira ocidental comum de escrever a palavra, vem da
palavra yorùbá sa que significa "recolher um por um". Em termos simples, a
paravra Òrìsà se refere a um princípio organizador para definir todas as formas
de consciência que existem na Criação. Segundo Ifá, os Òrìsà são manifestações

87
de diferentes qualidades do poder dentro do Universo, e cada qualidade de
poder tem um elemento de autoconsciência que se chama orí.
Cada qualidade de Òrìsà que está identificada por Ifá está representada por
uma estrofe das escrituras de Ifá chamada Odù. Existem 256 Odù e cada Odù tem
ao menos 12 orientações ou qualidades modificadoras. Isto sugere que tem ao
menos 3072 Òrìsà dentro do contexto da cosmología Ifá. No entranto este não é
um número definitivo, em virtude de alguns Òrìsà serem identificados como
grupamentos de Odù, o que significa que as combinações possíveis de Odù são
potencialmente ilimitadas. Nas escrituras de Ifá o número de Òrìsà é geralmente
identificado como 201 ou 401. Parece que ambos os números são mais simbólicos
que literais, e que se referem a princípios esotéricos dentro da doutrina de
numerología Ifá.
Para resumir, Orí é a essência da consciência em todas suas manifesta-ções.
Òrìsà são as qualidades de Orí tal como encontram expressão ao longo do
espectro de fenômenos naturais. Para usar una analogía, Orí sería como a luz que
passa através de uma janela de vidro. Òrìsà seria o efeito da luz que passou
através da janela de vidro manchada de diferentes cores. A luz que brilha através
de um vidro vermelho tem qualidades físicas e emocionais diferentes da luz que
brilha através de um vidro azul.
Em termos humanos, Ifá ensina que todos recebem o poder da percepção do
Òrìsà chamado Orí. A maneira como é moldada a percepção fica sob a influência
de um de uma ampla gama de Òrìsà. Nas tradições ocidentais de culto aos Òrìsà,
o Òrìsà que modela o orí de um indivíduo é chamado de " Òrìsà guardião" ou
"Santo". Na lingua de Lucumí e Santería cubanos, o Òrìsà guardião é chamado
também como Ocha do indivíduo. O som ch na pronúncia cubana de palavras
yorùbás é feito usualmente em referência ao som s no alfabeto yorùbá normal.
Isto sugere que a palavra ocha é uma possível varia-ção da palavra Osà. Em
yorùbá, a palavra Osà significa "lagoa". Como uma Força da Natureza, a lagoa
representa a água quieta. Como símbolo de Ifá a Lagoa representa as Águas
Originárias da Criação.
Dentro do Lucumí e Santería cubanos, a ceremônia de iniciação nos awo Òrìsà
(Mistérios das Forças na Natureza) se chama Kari Ocha. A palavra Kárí em
idioma yorùbá significa rodear algo ou evitar. Uma tradução literal de Kari Ocha
o Kari Osà sería "dar toda a volta ao redor de uma Lagoa". Em um contexto ritual

88
isto sugere uma viagem simbólica em volta das Águas Originárias. Dar a volta
em volta das Águas Primárias da criação sugere também que algum tipo de busca
está tendo lugar. Baseado nos ensinamentos orais de Ifá, parece que o que se está
buscando é a essência original da consciência.
Algumas formas de culto ocidental aos Òrìsà têm associado os Òrìsà com
santos católicos. Isto foi feito originalmente como uma maneira de ocultar o
verdadeiro significado atrás das cerimônias coletivas num momento em que a
religião africana era reprimida. Em minha experiência, parece que este
mecanismo de sobrevivência tendeu a identificar demasiadamente os Òrìsà com
sua manifestação antropomórfica. Quer dizer, tem uma ênfase aumentando a
maneira com que os Òrìsà realizam a personalidade humana, e um ênfase menor
na relação inter dimensional expressa pelos Òrìsà. Em outras palavras, os Òrìsà
existem tanto como um princípio organizador dentro da consciência humana,
como um princípio organizador dentro da Natureza.
Em yorùbá, a essência originária da consciencia se chama Ipòrí. O prefixo ìpé
significa "chamar", e orí significa "sua consciência". A tradução literal de Ipòrí
seria "chamar os poderes da consciência". Isto sugere que os poderes da
percepção que organizam a consciência normal carecem de algum ingrediente
essencial que precisa ser chamado a existência.
Esta é uma palavra difícil de se definir por meio da análise da linguagem,
em virtude da palavra Ipòrí aparecer em alguma literatura Ifá como Ìpònrí. Aquí
o prefixo ìpó é uma referência ao dedo gordo do pé.
No contexto da veneração aos antepassados de Ifá, o dedo gordo do pé é o
laço entre a consciência individual e a consciência dos antepassados. A maneira
como isso ocorre durante um ritual é considerado tabu se discutir, embora se
dirija a atenção para o laço entre a consciência individual e a sabedoria dos
antepassados. Segundo as escrituras Ifá, Ìpònrí vive em Ìkòlé Òrun (Reino dos
Antepassados) como o duplo espiritual do orí que vive em Ìkòlé Ayé (Mundo).
Tanto Ipòrí como Ìpònrí é usado para se referir ao que chamamos o "Eu Superior"
nas formas ocidentais de teología. O conceito Ifá de crescimento espiritual é
baseado na idéia de que inerente a estrutura de orí, está o desejo de orí de
expressar sua natureza essencial. Isto sugere que o orí é motivado pelo desejo de
alinhar-se com o Ìpònrí. O processo de criar uma união entre orí e Ìpònrí ocorre
por meio do desenvolvimento do bom caráter. O caráter gerado por este reunir-

89
se do Eu com o Eu Superior se chama ìwà-pèlé, que significa "bom caráter", ou
mais exatamente "caráter gentil".
Ifá ensina que o Ìpònrí existe desde o começo dos tempos e serve como uma
âncora para a consciência individual enquanto ela avança ao longo das diversas
etapas de àtúnwá (Reencarnação). Isto sugere que o processo de construir ìwà-pèlé
é uma viagem contínua que trascende as limitações temporais de uma etapa
particular de àtúnwá. Os rituais Ifá que são feitos para ali-nhar o orí e o Ìpònrí se
chamam Aborí, que significa elevar a cabeça. O ritual de Aborí é o procedimento
para colocar o orí e o Ìpònrí em perfeito alinhamento.
As histórias dos capítulo anterior são todas exemplos de esfôrços pessoais
para desenvolver bom caráter no curso de lutas da vida real. Quando alguém vai
a algum awo (Adivinho) com um problema, a experiencia de uma pessoa em
particular pode ser juntada ao texto do Odù como um exemplo do modo em que
uma questão em particular caminha para a resolução. As experiências pessoais
que são somadas ao corpo da literatura sagrada, fazem das escrituras Ifá um
corpo de sabedoria vivente, em crescimento, que está preso a idéia da
transformação espiritual.

ORI ATI AYANMO IPIN- O conceito Ifa de destino


No núcleo da prática espiritual Ifá está a crença de que cada pessoa escolhe
seu destino como preparação para vir ao mundo. Usualmente a palavra àyànmó-
ìpín se traduz como "destino". Esta tradução perde as implicações esotéricas mais
profundas do conceito. Em yorùbá a palavra àyànmó significa "escolhido"; a
palavra ìpín significa "distribuição" ou "divisão". A palavra ìpín as vezes é usada
para referirse a uma substancia espiritual que flui dos olhos. Quando um iniciado
de Òrìsà entra no estado de possessão, há uma transformação nítida que ocorre
nos olhos. Olhar diretamente nos olhos do médium possuido por um Òrìsà é tabu,
porque os olhos tem o poder de causar possessão no iniciado. Em virtude da
palavra yorùbá para "destino" estar associada com este fenômeno, existe uma
clara sugestão de que o destino inclui algum nível de alienação direta com o Òrìsà
que se encarna no orí de um indivíduo em particular.
Ifá ensina que quando uma criança nasce, a viagem pelo canal uterino faz
com que o orí esqueça os detalhes do destino escolhido. O propósito da iniciação
é colocar o iniciado em perfeito alinhamento com os seu Eu Superior num esfôrço

90
para voltar a despertar a memória do acôrdo original entre o Eu e a Criação. Cada
etapa do processo de iniciação é análoga às etapas do nascimento físico e a
própria iniciação e uma forma de túndé que significa "renascimento".
O renascimento que ocorre durante a iniciação está desenhado para dar uma
visão clara do destino pessoal. Ipín é a substância espiritual que causa a
transformação da vista. Quando esta transformação acontece, o iniciado
experimenta ojù àse que se traduz como "poder nos olhos". No entanto, a
conotação de ojù àse é que os olhos são o ponto focal do poder espiritual.
Durante os estados alterados associados com os Òrìsà, os olhos aumentam e
parecem desfocados. Para inibir a troca de Ipín entre o iniciado e o noviço, tem
momentos nos quais um médium usa um véu ou uma máscara para proteger do
ojù àse. O poder do oju àse pode potencialmente elevar a consciência do médium
a um ponto conhecido como Iwèjú que em termos ocidentais se chama de Visão
Mística.
Acredita-se que aqueles que experimentam Iwèjú são guiados a uma
apreciação mais profunda do Eu e do Mundo. Iwèjú é diferente do que geralmente
se define como possessão. Iwèjú é para o benefício do médium e não para aqueles
que buscam orientação dos Òrìsà que normalmente falam através do médium.
Como Ifá é baseado na idéia de que a Criação é inerentemente benévola,
aqueles que experimentam Iwèjú recebem inspiração para desenvolver ìwà-pèlé
(bom e gentil caráter). Esta inspiração se torna a base para o tipo de auto
motivação que guia o processo diário de tomar decisões. Enquanto esta base se
solidifica, o orí continua movendo-se para um alinhamento mais próximo com o
Ìpònrí.
O propósito da iniciação Ifá e Òrìsà é dar ao noviço alguma experiência do
Iwèjú. Quando o iniciado tiver experimentado o alinhamento entre o Eu e o EU
Superior, esta experiência se torna a base para um desenvolvimento posterior
com a disciplina espiritual da tradição.
Uma vez que o orí e o Ìpònrí estejam conectados, o indivíduo pode ascender
a um estado alterado de consciência chamado ìní. A palavra Yorùbá ìní
usualmente é traduzida como "possessão". No entanto a tradução literal de ìní é
"Eu sou". Isto sugere que a possessão, ao invés de ser a intrusão de um espírito
extranho, é descrita mais exatamente como um realizar do Eu interior. Porem esta
sugestão pode induzir a uma confusão, em virtude da instrução oral de Ifá indicar

91
que uma vez que um indivíduo tenha experimentado completamente seu Eu
interior, forma um vínculo com expressões similares de consciêcia com
comprimento e largura da Creação. É este laço que dá a experiência de ìní, a
dimensão de ser tocado por Forças que residem fora da consciência pessoal.
Na tradição mística da Índia existe um conceito conhecido como"Registro
Akáshico". Isto é a crença de que toda a história, passada e futura, está registrada
no Reino Espiritual e que vislumbres deste registro podem chegar por meio da
meditação e da prática ascética. Em termos filosóficos o registro Akáshico é
conhecido como o selo do destino. Tradicionalmente existem dois pontos de vista
dominantes sobre a natureza do destino. Um é que o destino é totalmente pre
ordenado e inalterável. O outro é que é indeterminado e completamene regulado
por leis de causa e efeito.
Ifá tem um ponto de vista intermediário. O destino na cosmología Ifá é
baseado no acôrdo entre Orí e Olórun (O Criador). Em termos simples isto
significa que cada indivíduo escolhe sua gama de potencial genético no tempo
entre encarnações. Ifá ensina que estas opções são esquecidas no momento do
nascimento e que o processo de alinhamento pessoal com o destino implica em
recordar o conteúdo desse acôrdo. Este acôrdo é guiado pelas forças de Olórun,
Olódùmarè, Elà e Obàtálá ao descer o àse (poder espiritual) da cria-ção do Reino
Invisível dos Antepassados para a Terra.
Segundo as escrituras Ifá o conteúdo de cada acôrdo é registrado por
Òrúnmìlà que as vêzes é chamado de o Espírito do Destino. Uma tradução literal
de Òrúnmìlà seria "O Reino dos Antepassados conhece minha Salva-ção". O
conceito Ifá de salvação não sugere a redenção do "pecado". A palavra yorùbá
usada para salvação é ìgbàlà, que parece ser uma contração de igbódú, que quer
dizer "iniciação", e àlà, que significa "Luz Branca". A descrição Ifá de salvação é
ìgbàlà kurò ínú ese atí Ikú anìpekún, que aproximadamente se traduz como "A
Iniciação nos Mistérios da Luz Branca põe o pé onde a morte deixa de existir". O
lugar onde a morte deixa de existir é o centro eterno do Òrun, um lugar chamado
Láí-láí. A palavra Láí-láí se refere ao estado pre existência onde tudo o que chega
a Ser existe em seu Estado Ideal como uma Única e Completa Unidade.
Em Ifá o conceito de destino não é uma realidade fixa e inalterável. A
possibilidade de relembrar o acôrdo com Olórun é uma questão de escolha
individual, vontade pessoal e a capacidade de desenvolver bom caráter. Segundo

92
Ifá este acôrdo estabelece linhas de destino dentro das fronteiras do potencial
pessoal de um indivíduo. Estas linhas de destino podem ser captadas ou
ignoradas, usadas ou descartadas, baseando-se nos elementos de livre arbítrio e
livre escolha. No entanto uma vez que o destino em particular foi abraçado, os
princípios orientadores dos Odù terão um impacto claro e inalterável no
desenvolvimento dessa escolha.

C. IGOKE – O conceito Ifá de crescimento espiritual


O espirito responsável por registrar a interação entre a vontade (o conteúdo
da escolha pessoal), a sina (consequência de seus atos) e o destino (as fronteiras
do potencial) é Òrúnmìlà. Como uma Força Espiritual Universal na Natureza,
Òrúnmìlà é um aspecto de Elà. Isto sugere que a Fonte da dinâmica no Universo
leva dentro de si um registro do que aconteceu e o que acontecerá. A mesma idéia
é expressa pela ciência ocidental no paradigma holográfico da Criação. A teoria
holográfica está baseada na idéia de que cada fragmento do Universo contém os
projetos para toda a Criação.
Além de ser uma Força Espiritual, Òrúnmìlà foi uma figura histórica. Os
maiores de Ifá dizem que o Espirito do Destino se encarnou em forma humana
em sete ocasiões diferentes ao longo da história do Mundo. Ao menos duas destas
encarnações se manifestaram como homens yorùbá que viveram perto da cidade
de Ilé Ifè. Acredita-se que o Òrúnmìlà histórico ensinou o sistema Ifá de
adivinhação a dois estudantes chamados Akódá e Asèdá . Sempre que os
sacerdotes de Ifá se reúnem para louvar a linhagem daqueles sacerdotes que
vieram antes deles, a linha de descendência sempre se move através de Akódá e
Asèdá a Òrúnmìlà.
Os antropólogos que escrevem sobre Òrúnmìlà usam freqüentemente a
palavra Òrúnmìlà indistintamente com a palavra Ifá. Òrúnmìlà é por sua vez uma
Força na Natureza e um antepassado venerado que é considerado o Profeta da
religião yorùbá tradicional. A palavra Ifá se refere a sabedoria existente na mesma
Natureza. A compreensão humana da sabedoria da Natureza está preservada no
sistema Ifá de adivinhação que se chama dáfá. Quando uma pessoa é iniciada em
Ifá recebe o àse do Espirito Elà tal como vem por meio da essência espiritual dos
Odù. Este àse dá ao iniciado de Ifá o ofò àse (poder da palavra) para invocar todos
os 256 Odù usados em Dàfà.

93
A multiplicidade de iniciações baseadas em Dáfá são calçadas geralmente
sobre um ou dois Odù. Como Ifá cobre todo o aspecto da iniciação, aqueles que
recebem o àse de Elà são chamados Babaláwo, que significa "Pai dos Mistérios". O
aspecto feminino do culto Ifá implica a iniciação nos Odù, o que se considera "a
Matriz da Criação". Dentro da cultura yorùbá, Òrúnmìlà é considerado o primeiro
Babaláwo. Aqueles que aspiram aprender a sabedoria de Ifá se referem geralmente
a si mesmo como awo, deixando o título de Babaláwo para aqueles maiores que
têm demonstrado verdadeira inspiração na arte da adivinhação.
A tarefa do Babaláwo é guiar os membros de sua família num sentido amplo
e a comunidade em seu conjunto pelo caminho de Igòké, que é a palavra em Ifá
para a palavra "ascensão". A palavra Igòké vem do modismo Igòké re Orún, que
significa literalmente "subir ao Reino dos Antepassados". Essencialmente a
viagem ao Reino dos Antepassados implica no processo contínuo de transformar
o orí ibi em orí ire. Esta viagem não está limitada ao tempo que segue a morte. É
considerada como um processo contínuo que começa no nascimento e continua
ao longo da vida e mais além.
Orí ibi se refere a condição da consciência que pode ser descrita como uma
carência de alinhamento entre orí e Ìpònrí. A experiência inicial de orí ibi ocorre
no nascimento quando o acordo entre orí e Orún é esquecido. Orí ibi continua
voltando a ocorrer como um resultado do processo de envelhecimento. Cada
estado do crescimento - desde a infância até a juventude, desde a juventude até a
idade adulta, e desde a idade adulta até a velhice - requer alinhamento com as
demandas das responsabilidades sociais sempre mutantes. Geralmente esses
estados são marcados por um ritual de transição, o qual implica uma recriação
ritual e mística da sabedoria necessária para assumir o amadurecimento.
Se essa transição ocorre livre de tropeços, o indivíduo se mantém firmemente
no caminho de ìwà-pélè, o que significa que ele está desenvolvendo um bom e
gentil caráter. Raras vezes este caminho está livre de tropeços, existem constantes
distrações e perturbações que levam o orí a ficar fora de alinhamento com seu
destino. Devido ao orí somente poder experimentar a transformação quando o àse
que se estende desde Elà e Olódùmarè está em perfeito equilíbrio tanto na cabeça
como no coração, a integração desta polaridade é o fundamento do Igòkè
(ascensão). Toda experiência de alinhamento que cria orí ire (sabedoria) implica
na tarefa de equilibrar o aumento resultante do àse (poder pessoal). Quando isto

94
ocorre, o laço entre Ìkòlé Òrun (o Reino Invisível dos Antepassados) e Ìkòlé Ayé é
fortalecido. Ifá ensina que o fortalecimento deste laço é a fonte da boa sorte para
todos aqueles que vivem na Terra.

1. ESENTAIYE – O conceito Ifá da cerimônia do nome


O caminho de Igòkè (ascensão) é diferente para cada indivíduo, e isto implica
na assimilação diária das lições da vida. Existe um marco geral para guiar este
processo, que é usado pelo awo num intento de assegurar uma transição livre de
tropeços através de cada um dos estados da vida. Na cultura tradicional yoruba,
a primeira vez que uma pessoa consulta a Dáfá é em sua cerimônia de dar o nome,
e que é chamada èsèntáiyé. A palavra èsèntáiyé significa "o pé viaja ao Mundo". O
sufixo áiyé é uma referência ao lugar na Terra onde inter atuam o Reino Invisível
e o Reino Visível.
Essencialmente, a função da meninice é a de criar um corpo forte, saudável
e aprender as habilidades que facilitarão a transição para ser um adulto. No
momento do èsèntáiyé, o Babaláwo introduz na criança a omi (água), epo (azeite de
palma), oyin (mel), atare (pimenta da costa), obi (noz de cola) e orógbó (noz). Cada
um destes alimentos é considerado um ingrediente básico da cozinha yorùbá.
Além disso, cada um destes alimentos tem uma função religiosa relacionada com
o se fazer oferenda aos Òrìsà. O Babaláwo abençoa cada um deles, põe uma
pequena quantidade em seu dedo, e logo põe seu dedo na boca da criança. Isto é
feito para assegurar que criança tenha uma introdução positiva daquelas fontes
de nutrição que sustentam a boa saúde.
Durante a mesma cerimônia, ocorrerá a adivinhação que será usada para
determinar o nome da menina ou menino. A maioria dos nomes tradicionais
yorubá tem um significado espiritual, de maneira que se ter um nome específico
é reconhecer publicamente as responsabilidades sociais sugeridas pelo nome.
Dáfá será também usada para determinar o destino pessoal do menino ou menina
em relação a carreira e as obrigações espirituais. Usando esta informação, os pais
estão capacitados a prover uma educação que seja compatível com o potencial da
criança.
Enquanto a menina ou menino estão crescendo, têm a oportunidade de
participar nos diversos tipos de Egúngún (sociedade ancestral), celebrações que
acontecem ao longo do ano. A veneração aos ancestrais ocorre normalmente

95
dentro de uma família específica no sentido amplo que honra anualmente a
memória de parentes importantes. Estas celebrações implicam freqüentemente
na dramatização de acontecimentos históricos que ensina uma lição em
particular, considerada essencial para construir bom caráter. É através do uso do
mito vivente que as crianças começam a internalizar os princípios de Ifá que são
indicados para guiar a cada pessoa até a iluminação. As escrituras de Ifá indicam
claramente que o que somos está construído sobre os ombros daqueles que
vieram antes de nós.
2. AKOKO TI OKUNRIN TABI OBINRIN TI DAGBA TAN – O conceito Ifá dos
ritos de puberdade.
Quando os homens e mulheres jovens alcançam a idade da puberdade, nas
famílias tradicionais Yorùbá, passam por um rito de puberdade. A idade da
puberdade se chama akókò tí okùnrin tapí obìnrin ti dàgbà tán, que significa "a
estação na qual homens e mulheres alcançam a maturidade". É neste ponto,
quando o corpo está completamente desenvolvido que o orí troca a dependência
dos pais pela independência.
O conteúdo dos ritos de puberdade Ifá está envolto num tabu para que nada
que ocorre através deles seja capaz de antecipar os conteúdos da experiência. No
entanto, é possível discutir a transformação psicológica que ocorre durante este
processo. Tanto para os jovens como para as jovens, a primeira etapa do ritual
implica em enlaçar-se com a mãe e com o pai, e logo separar-se deles. Após a
separação há uma prova de valentia, seguida por instruções por parte dos
maiores.
Homens maiores acima de 60 anos ou mais, dão instrução espiritual aos
iniciados jovens, enquanto mulheres maiores de idade iguais dão instruções
espirituais as iniciadas jovens. A maioria das culturas existentes na terra
acreditam que os pais podem instruir seus filhos sobre os valores sociais, porem
que os aspectos mais profundos da sabedoria espiritual devem vir de adultos
mais velhos. Parte da razão para isto é que existem questões emocionais entre
pais e menina ou menino que podem inibir o processo de treinamento. As
culturas tradicionais também têm a crença de que somente aqueles que estão com
idade avançada têm a sabedoria para transmitir corretamente o significado dos
mistérios do envelhecimento.

96
IGBODU ÒRISÀ – O conceito Ifá de iniciação nos Mistérios da Natureza
Quando um adulto jovem faz planos para entrar num trabalho ou começar
uma família, é comum comprometer-se com alguma forma de iniciação
espiritual, que assistirá e apoiará o papel social do indivíduo. Por exemplo, os
entalhadores de madeira e os ferreiros se voltam para Ògún em busca de
inspiração espiritual; os líderes políticos buscam serem guiados por Sàngó; os
curandeiros aprendem o awo de Òsányìn; as mulheres do mercado veneram a Oya;
os artistas que trabalham com pano veneram a Òsun; e todos os fazendeiros têm
alguma relação com Òrìsà Oko. Freqüentemente, tanto a iniciação como as
habilidades associadas com profissão são passadas de geração em geração dentro
de uma mesma família. Não existe nenhum tempo estabelecido para que ocorra
a iniciação no Igbódù Òrìsà. Segundo as instruções da adivinhação, este ritual de
transição pode ser levado a cabo em qualquer idade.
A profissão de um indivíduo não é o único fator que é usado quando se toma
a decisão de comprometer-se com um caminho espiritual em particular. O fator
determinante final é sempre o Odù que encarna o orí inú (EU interior). A religião
tradicional yorùbá tem uma ampla categoria de sociedades que se baseiam na
preservação dos Mistérios de quaisquer das Forças Espirituais que falam por
meio do Dáfá. É comum a pessoa pertencer a mais de uma sociedade ou
participar em cerimônias para numerosos Òrìsà (Forças Espirituais da Natureza),
segundo sua necessidade ou inclinação.
Os antropólogos têm tendência a simplificar o conceito de Òrìsà, o que tem
criado alguma confusão quanto a relação entre as várias Forças Espirituais que
são honradas por meio de Ifá. De acordo com a cosmologia de Ifá, toda a Criação
se manifesta através do àse (Poder Espiritual) dos Odù (Padrões de energia da
Criação). O descenso do àse do Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados) ao Ìkòlé Ayé
(Mundo) se move desde os Imolè, que são expressões invisíveis dos Odù, a
Irúnmolè, que são expressões visíveis dos Odù que criam as condições que
sustentam a vida na Terra.
Os Irúnmolè tomam forma física por meio daquelas Forças da Natureza que
estabelecem nosso meio ambiente ecológico. Nas escrituras de Ifá aos Irúnmolè
são dados nomes e características humanas que são idênticas as de muitos Òrìsà.
Ifá ensina que os Irúnmolè existem como Seres conscientes, que não existem
necessariamente na forma humana. Os Irúnmolè fundamentais incluem Obàtálá

97
(o Espírito do Ar e Luz que se manifesta por meio do céu); Onílè (o Espírito da
Terra); Sàngó (o Espírito do Fogo que se manifesta por meio do relâmpago); Ògún
(o Espírito do Ferro como existe em depósitos minerais naturais); Oya (o Espírito
do Vento, o Vento que gera o Trovão); Olókun (o Espírito do Oceano); Òsun (o
Espírito da Água Doce e Fertilidade) e Òrúnmìlà (o Espírito que testemunha e
registra as interações entre os Irúnmolè). Quando os Mistérios associados com
estes Irúnmolè são descritos nas escrituras de Ifá, sua natureza essencial é
expressa em termos de personalidades humanas. Estas personalidades
representam a consciência de diferentes Forças Espirituais coletivas, e cada
agrupamento é distinguido como um aspecto em particular dos Òrìsà. Ifá
identifica Òrìsà Orílè como o Espírito encarnado de qualquer nação; Òrìsà Idilé é
o Espírito encarnado de qualquer família num sentido amplo; Òrìsà Ilú é o
Espírito encarnado de qualquer cidade; e Òrìsà Orí é o Espírito encarnado de
qualquer indivíduo.
Os processos de Igòkè começam quando um orí individual chega a ser
elevado ao ponto onde o orí inú (EU interior) do indivíduo forma um laço místico
com o Ìpònrí (EU Superior). Quando isto ocorre, um indivíduo pode formar um
laço místico com os diversos níveis dos Òrìsà. Ifá ensina que aqueles que estão
unidos com os Òrìsà falam com a voz de àlásotélè. A palavra àlásotélé se traduz
literalmente como "Luz branca que vem depois da criação". É a palavra usada
para significar "Profeta" ou "O que fala com a voz profética". Aqueles que chegam
a ser àlásotélè agregam sua visão mística a sabedoria de Ifá e, depois da morte,
ficam conhecidos como os Òrìsà Idílé. O termo Òrìsà Idílè sugere que o Òrìsà está
expressando uma forma de consciência que evoluiu da consciência humana a um
nível mais alto de inspiração.
Dentro de Ifá , as diversas sociedades que veneram a um Òrìsà em particular
são conhecidas como Òrìsà Ilù (Espírito da Cidade). Os mistérios preservados
dentro das Òrìsà Ilù implicam reverência tanto pelos Òrìsà Orílè (Espíritos da
Nação) como pelos Òrìsà Idílé (Espírito da Família num sentido amplo).
Estes Mistérios incluem o conhecimento de combinar aqueles elementos
naturais (àse Òrìsà) que ecoam com um Òrìsà em particular em todas suas formas.
A ressonância dos elementos naturais, combinado com a invocação, é o
fundamento de todo alinhamento pessoal com o destino que ocorre durante o
ritual. Por exemplo, os elementos naturais utilizados para atrair a Sàngó incluem

98
o Osè Sàngó (o machado de duas cabeças), que está localizado no bosque sagrado
para o Espírito do Fogo. A localização deste bosque sagrado está baseado no
princípio de Gèdé , que é o sistema Ifá de Astrología. Sàngó é usado para
determinar onde os elementos associados com determinado aspecto de Òrìsà
Orílé são suficientemente fortes para fornecer um vórtice natural de ressonância
espiritual.
Reunir os àse dos Òrìsà num lugar que contenha o àse dos Òrìsà Orílè (Forças
Naturais tal como existem na Natureza) é o processo de consagrar um espaço
sagrado (Igbódù). Ifá ensina que o poder de um espaço sagrado é aumentado por
meio do uso de oríkì , as preces que louvam aos Òrìsà; ofò àse, as palavras de poder
associadas com a iniciação e a invocação da possessão Òrìsà; ilù, os tambores
sagrados usados para invocar os padrões de energia dos Òrìsà; òrin, as canções
sagradas usadas para sustentar os padrões de energia expressos pelos Òrìsà, e ijó,
as danças sagradas que fazem receptivo o corpo para o alinhamento com os Òrìsà.
O efeito combinado destas técnicas é induzir a um estado alterado de consciência
que pode levar à visão mística.
Em yorùbá a palavra para "possessão" é ìní, e a palavra para "médium" é gun
ou elègùn. Devido as descaradas distorções da possessão que fazem desgraças
nos meios de comunicação, o propósito e a função de Elégùn é freqüentemente
mal compreendida. Quando uma comunidade se reúne para louvar um Òrìsà
específico, usualmente um dos membros maiores da sociedade é designado como
médium. A pessoa que é escolhida está se colocando em alinhamento com os
Òrìsà, de forma que ele ou ela possa falar com a voz profética desse Espírito. Este
nível de transe se chama geralmente ojúran , que significa "abrir os olhos da
linhagem ancestral". A referência a linhagem ancestral inclui a família humana e
a todas aquelas Forças na Natureza que dão continuidade evolutiva a vida
humana. O propósito de ojúran é o de assegurar que a comunidade esteja em
harmonia com a vontade dos Òrìsà, e receber informação que assegurará
abundância e paz. Alguns médiuns têm memória do que ocorre durante a
possessão, enquanto que outros não têm lembranças conscientes da experiência.
Em qualquer caso, quando um Òrìsà está falando à comunidade o nível do transe
se chama ojú-ìran, que significa "enfrenta a teus antepassados". O propósito de
ojú-ìran é receber informação que apoiará a abundância da comunidade e a
harmonia.

99
Na África, a transição da consciência normal para ojúran tende a ser muito
mais suave e fácil que o movimento para ojúran que ocorre no Ocidente. Isto não
quer dizer um juízo negativo, simplesmente sugere que a estrutura do culto aos
Òrìsà na África tem suficiente apoio da comunidade para temperar o processo.
Também tem sido minha experiência que, durante a iniciação, a maioria, se não
todos os iniciados que estão presentes, entram em alguma forma de consciência
alterada. O fato disso ocorrer tem um poderoso impacto no ritual e ajuda a
assegurar a efetividade da transferência do àse.
Mais além de ojúran, existe um nível de possessão que se chama geralmente
Láí-láí. O estado alterado de consciência que ocorre durante Láí-láí é
primeiramente para o benefício da pessoa que está experimentando o
acontecimento. Láí-láí é uma experiência da Fonte Espiritual da Criação. É similar
ao conceito indo-oriental de Nirvana. Acredita-se que aqueles que experimentam
Láí-láí têm um vislumbre do alinhamento entre EU e Mundo que ocorre depois
da morte.
Enquanto o estado de transe se move para Láí-láí, é possível ter uma visão
do conteúdo do acordo original entre orí e Olórun. Quando isto ocorre, porções
da vida de um indivíduo emergem em volta de seu campo visual em círculos
concêntricos. A visão é geralmente descrita como sendo tão vivida que parece
tridimensional. Aqueles que experimentam este estado místico retornam a
consciência normal com uma maior apreciação do verdadeiro significado de ìwà-
pélè (caráter bom e gentil).

4. ALAGBA – O conceito Ifá de tornar-se um maior


O papel dos maiores é extremamente importante dentro da estrutura geral
da cultura yorùbá. São os membros mais velhos da comunidade tradicional
yorùbá que servem como vínculo entre os jovens maduros e os Mistérios do
Espírito. O procedimento cerimonial para tornar-se um maior é muito elaborado
e envolve uma ampla classe de funções dentro das diversas comunidades Ifá e
Òrìsà. Em nosso idioma estas funções geralmente ficam sob o título de "Chefe".
Tanto para homens como para mulheres, a transição de adulto a maior
freqüentemente implica na troca na responsabilidade comunitária. Nas
comunidades tradicionais yorùbá os homens adultos tem a responsabilidade de
proteger e defender a família estendida num sentido amplo. Esta

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responsabilidade inclui prover alimento e refúgio e ao mesmo tempo que
desenvolve habilidades nas artes marciais. Em geral é a responsabilidade das
mulheres adultas ocupar-se da economia da família entendida num sentido
amplo. Esta responsabilidade inclui a tarefa de processar os alimentos cultivados
na fazenda e vender os bens produzidos pela família no mercado.
Quando um homem envelhece e começa a experimentar uma perda de força
física, toma o papel de Babágbà . A palavra Babágbà significa "pai mais velho ou
pai maior" porém tolera também a conotação cultural de "pai que nutre". É o
Babágbà quem forma o laço entre os jovens da família entendida num sentido
amplo e os profundos Mistérios dos Òrìsà.
Quando uma mulher envelhece e começa a experimentar uma diminuição
de suas responsabilidades para criar crianças, toma o papel de Iyáàgbà. A palavra
Iyáàgbà significa "mãe mais velha" porém tolera também a conotação cultural de
"mãe guerreira". É a Iyáàgbà quem preserva os segredos da auto defesa psíquica
e tem um papel fundamental na proteção espiritual tanto da família entendida
num sentido amplo como da comunidade em seu conjunto. Isto é levado a cabo
freqüentemente através da sociedade secreta das mulheres que se chama Ìyáàmi.
A palavra Ìyáàmi se traduz geralmente como "bruxas" e leva freqüentemente uma
associação negativa. A tradução literal da palavra Ìyáàmi é "Nossa Mãe". É uma
referência a sociedade das mulheres maiores. Esta sociedade é de importância
fundamental para o culto Ifá. Sem os rituais de Ìyáàmi, a expressão completa de
Ifá não seria possível. Entre outras coisas Ìyáàmi ajuda a manter o equilíbrio do
poder político e espiritual entre homens e mulheres. O papel de Ìyáàmi em grande
parte foi perdido nas comunidades Ifá e Òrìsà no exílio. No presente está se
fazendo um sério esforço no Ocidente para trazer este elemento essencial do culto
Ifá da África.
É comum nas formas ocidentais do culto Òrìsà supor que Ifá é uma religião
patriarcal que descansa somente no poder e influência dos homens. Esta não é
minha experiência de Ifá tal como se pratica na África. Todos os aspectos do
cerimonial Ifá representam a mistura das Forças da Natureza tanto masculinas
como femininas, o mesmo que a participação de membros femininos e
masculinos do sacerdócio. A confusão neste terreno pode estar baseada no fato
de que o papel feminino em rituais predominantemente masculinos está
normalmente oculto e secreto o mesmo acontecendo com o papel masculino em

101
rituais femininos. Os detalhes destas interações são tabu para os não iniciados,
porém é minha esperança que esta integração de Forças Espirituais continue
evoluindo no Ocidente enquanto que os elementos que faltam de nossa tradição
são restaurados neste continente.

D. ÌRÉPÒ – O conceito Ifá da mistura harmoniosa


A palavra ìrépò significa "o misturar junto". É uma crença fundamental de Ifá
que aqueles que vivem em harmonia com o EU e o mundo recebem as bênçãos
da Natureza. Na língua yorùbá este processo usualmente se denomina misturar
o ìrépò. O ritual de iniciação está desenhado para ajudar no processo de criar ìrépò
dando ao noviço uma visão de seu papel e responsabilidade na família,
comunidade e Natureza. Esta visão não assegura a harmonia, simplesmente
forma a base para criar harmonia.
Em Ifá, o símbolo do círculo inscrito com uma cruz de braços iguais, é usado
para representar o orí. A parte superior do círculo representa as influências
espirituais, a parte inferior do círculo representa a influência das necessidades de
sobrevivência, o lado esquerdo do circulo representa a influência dos
antepassados, e o lado direito do círculo representa o movimento para o futuro.
Usando esta imagem, equilibrar todas estas influências coloca o orí no centro do
círculo, o qual é a ligação direta entre Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados) e Ìkòlé
Aye (Terra).
Quando o orí inú está situado no centro do círculo de influências,
experimenta orí ire (boa sorte). Quando o orí inú está descentrado, experimenta
orí ibi (má sorte). Estar descentrado significa que os diversos aspectos do EU
descritos por Ifá não estão misturados juntos em um equilíbrio harmonioso. Por
exemplo, a consciência individual que se encontra presa a problemas que
ocorreram no passado estaria descentrada na direção dos antepassados. A
consciência individual que está muito preocupada com a honra pessoal e os
ganhos estaria descentrada em direção ao futuro. A consciência individual que
persegue aspirações religiosas descuidando das necessidades de sobrevivência
estaria descentrada na direção da espiritualidade. A consciência individual que
se encontra presa a preocupações sobre as necessidades físicas estaria
descentrada na direção da sobrevivência..

102
Esta é uma explicação simplificada de um processo complexo que inclui
distinções sutis que ocorrem ao longo de cada grau do círculo. O símbolo circular
do orí se desenha em uma esteira ou em uma bandeja usadas para a adivinhação.
Os padrões criados pelos implementos usados para a adivinhação dão uma
indicação dos lugares dentro do círculo onde influências divergentes teriam
puxado a consciência fora da harmonia com seu EU superior. Este processo
funciona de uma maneira bastante parecida a que um astrólogo utiliza para ler
um horóscopo.
Quando o orí inú está situado em alinhamento com Ìpònrí, a harmonia que é
constantemente criada cai abaixo da influência do processo de envelhecimento.
Ifá ensina que existem trocas nos papéis e responsabilidades que ocorrem em
diversos pontos na vida de uma pessoa. Estas trocas são marcadas por rituais de
transição que estão desenhados para levar o alinhamento entre orí inú e Iponrí a
novas regiões de auto consciência.
Referências:
O material deste capítulo é baseado na instrução oral do Babaláwo Fagbemi
Fasina, o Babaláwo Medahochi e na minha própria tradução de palavras yorùbá
que são elementos chaves nas escrituras Ifá. Estas palavras são conhecidas como
"Awo Yorùbá" e freqüentemente são mal traduzidas na maioria dos dicionários
ou bem completamente omitidas. Devido ao fato de que muitas palavras usadas
em awo yorùbá são contrações de frases das Ifá Oriki (invocações), a tarefa de
tradução esta aberta a um aspecto de variações. As opções que tenho tomado têm
sido um esforço em pôr os conceitos religiosos numa linguagem clara. Estou
agradecido pela assistência de Olalekan Babalola e Adekoye Williams por sua
paciente orientação ao assistir-me no processo de tradução. A tradução original
da palavra ìwà-pélè foi prevista pelo professor Abimbola Wande, que tem feito
um trabalho pioneiro para tornar a linguagem de Awo acessível a leitores de
outras línguas.

103
V
ÒRÌSÀ IJARO
História sagrada dos ancestrais divinizados

A. A FUNÇÃO DA HISTÓRIA SAGRADA NO CULTO IFÁ E ÒRÌSÀ


Os folcloristas fazem normalmente uma distinção entre contos populares (aló
ìràntàn) e historia sagrada (ìjárò). Geralmente um conto popular é um relato que
é preservado dentro de uma cultura, que define algum aspecto de valores
comuns. A história sagrada é normalmente uma narração épica que utiliza uma
linguagem simbólica para registrar um acontecimento histórico. A função da
linguagem simbólica na história sagrada é a de revelar algum aspecto do
elemento místico nos assuntos humanos. A dificuldade com estas definições é
que o folclore normalmente inclui elementos da história sagrada, e a história
sagrada pode ser expressa através de meios que são reminiscentes do folclore.
O ìjárò, ou historia sagrada de Ifá, é usada para expressar os mistérios
sagrados associados com aquelas Forças da Natureza que são conhecidas como
Òrìsà. A história sagrada, ou seja o fundamento de qualquer cultura, é baseada
naqueles relatos lendários que definem a percepção da comunidade de EU e
Mundo. Dentro da cultura yorùbá as lendas de Ifá são a base de dramas
representados em festivais anuais que honram os antepassados.
Para todas as culturas, a história sagrada serve a função de revelar aquelas
dimensões invisíveis que dão apoio aos ideais transcendentes. Sem história
sagrada, o EU não tem relação com a família, a família não tem relação com a
comunidade, a comunidade não tem relação com o Mundo, e o Mundo não tem
relação com a Criação. A substância que conecta entre si cada um destes reinos
do Ser, não tem nenhuma realidade física que possa ser medida em termos
objetivos. No entanto, estes domínios têm contornos subjetivos que podem ser
medidos em termos humanos pelas emoções que invocam e a conduta que
inspiram.
Historicamente, as culturas têm usado a história sagrada para preservar sua
compreensão daquelas relações que conduzem a maior alegria. Em termos

104
espirituais, isto é o que Joseph Campbell denominava "seguir a bênção de cada
um". Em Ifá, o conceito de seguir a própria bênção conduz a consciência do Ìpònrí
(EU Superior). Isto sugere que a história sagrada de Ifá é um mapa que pode ser
usado para guiar a consciência para níveis mais profundos de descobrimentos do
Eu e do Mundo.

B. OJO MEJEJI ESÙ


– As duas caras do mensageiro divino
Faz muito tempo havia dois olóko (fazendeiros) que cresceram juntos em uma
aldeia localizada perto de igbó (floresta). Quando eram pequenos viviam no
mesmo recinto dividindo as comidas, jogando e aprendendo a sabedoria de seus
maiores. Cada um chamava o outro Arákùnrin (irmão).
Quando os Arákùnrin alcançaram a idade de àkòkò ti okùnrin (puberdade),
foram levado diante de Ògún (Espírito do Ferro) para ìkoláabé (circuncisão) e
diante de Ifá para adivinhação. Ifá disse que viveriam toda a suas vidas em
fazendas adjacentes. Ifá disse que em virtude de serem tão unidos, sua
abundancia dependería da cooperação mútua. Ifá disse aos Arákùnrin, que sería
Esù (Mensageiro Divino) quem lhe ensinaria awo àjosepò (o mistério da
cooperação), awo igbó (o mistério da floresta), awo oko (o mistério da agricultura)
e awo ofò- àse (o mistério da capacidade de se comunicar com os Òrìsà).
Ifá os advertiu que se não fizessem regularmente ebo (oferendas a Esù )
chegaria o dia em que Esù os separaria. Se esse dia chegasse, viveriam suas vidas
como inimigos e sofreriam a velhice na pobreza.
Os dois jovens não podiam imaginar ficarem separado, não podiam
imaginar serem inimigos, não podiam imaginar viver sua velhice na pobreza.
Ambos pensaram que Ifá havia se equivocado sobre seu destino. Não viram
nenhuma razão para fazer oferendas a Esù. Descuidaram do altar de Esù, que
ficava na entrada de sua aldeia. Supuseram que sua vida de felicidade nunca
acabaria.
Alguns anos mais tarde os dois jovens se casaram e começaram a criar suas
famílias. Juntos havia ido a igbó (floresta) e limpado um terreno para oko (granja).
Ambos oko eram do mesmo tamanho, em ambos oko cresciam as mesmas plantas,
e os homens continuaram sua amizade enquanto trabalhavam juntos arando a
Terra. Um dos jovens havia aprendido com seu pai as técnicas de arrancar as

105
ervas daninhas e de limpeza. O outro homem havia aprendido de seu pai as
técnicas de secar as semente e a mecánica de irriga-ção. Dependiam um do outro
para assegurar que as coisas de cada um dessem alimento suficiente para manter
suas familias e que sobrasse o suficiente para comercializar no ojà (mercado).
Ambas oko estavam separadas por um estreito caminho que ia do rio até a
aldeia. O caminho era usado muito pouco porque não havia outros campos na
vizinhança. Normalmente os dois homens trabalhavam semanas e até meses sem
ver ninguém passar pelo caminho que dividia seus campos.
No dia em que Esù decidiu viajar pelo caminho que atravessava o meio das
duas oko, Esù lembrou das palavras de Ifá. Esù reconheceu os dois olóko
(fazendeiro) como os homens que sempre passavam pelo seu altar na entrada da
aldeia sem fazer ebo (oferendas). Ambos jovens continuavam acreditando que
eram hábeis em awo oko (o mistério da agricultura). Os dois pensavam que tinha
todo o ire (boa sorte) que precisavam para manter a abundância. A vida parecía
muito boa para ambos.
Esù se escondeu entre as árvores e viu os dois homens trabalhando. Quando
estavam inclinados sobre a terra, Esù retirou de sua àpò-gùn (saco ou bolsa) efun
(giz branco) e osùn (pó de madeira vermelha). Pegou ewe (folha larga) e misturou
o efun (giz branco) com omi-tútù (água fresca), fazendo òdà'fun (fazendo pintura
branca). Pegou outra ewe (folha larga) e misturou ao osùn (pó de madeira
vermelha) com omi-tútù (água fresca,) fazendo òdà pupa (pintura vermelha).
Usando seus dedos Esù pintou do lado direito de sua cara pupa (vermelho) e do
lado esquerdo de sua cara fun (branco).
Depois de colocar a òdà (pintura) que sobrou de novo em sua àpò'gùn (saco
ou bolsa), Esù seguiu pelo caminho cantando Orò Esù tó tó tó akoni, que significa
"a palavra do mensageiro divino sempre é verdadeira".
Ao Esù aproximar se dos homens que estavam trabalhando em suas fazenda,
ambos levantaram a cabeça para ver quem estava cantando. Esù estava
diretamente entre eles quando levantaram suas cabeças. Usando o mesmo gesto
com cada mão, Esù chamou de novo a atenção para a terra. Cada olóko
(fazendeiro) só o viu por um instante.
Logo que Esù se perdeu de vista, o arákùnrin (irmão) do lado direito do
caminho disse "Quem era ese homem estranho com ojú'fun (cara branca)?".

106
Arákùnrin (irmão) do lado Esquerdo do caminho respondeu, "Queres dizer
o homem estranho com ojú pupa (cara vermelha)?".
Ambas perguntas foram feitas inocentemente, porém a pergunta conduziu a
um desacordo, o desacordo levou a uma discusão e a discusão levou a uma briga.
Antes que o assunto pudesse ser resolvido, os olóko (fazendeiros) estavam
rodando pelo chão arrancando suas plantas e destruindo as batatas doces
maduras.
O dano feito a fazenda causou escassez de comida, não ficaram batatas doces
suficientes para alimenta suas famílias; não havia nenhuma sobra para levar ao
ojà (mercado). Cada um dos jovens ficaram tão chateados pelo que havia
acontecido que nunca mais se falaram.
Desde esse día, quando se louva a Esù sempre se diz: "Esù ma se mi o" que
significa "Mensageiro Divino não me confundas".
Comentário: O papel de Esù no culto Òrìsà é multidimensional . Neste relato
dois amigos foram aconselhados pela adivinhação para fazer oferendas a Esù
como uma base para sua boa sorte. Foi lhes dito que Esù os ensinaria as destrezas
necessárias para serem fazendeiros eficazes, e fazer uso dos elementos naturais
na floresta e aprender as lições necessárias para a abundancia. Nesse momento,
Esù é apresentado em seu papel de Mensageiro Divino. Em todos os rituais Ifá,
Esù é o elo entre a linguagem dos humanos e a linguagem dos Òrìsà. O ritual Ifá
começa com uma invocação a Esù para que Esù possa dirigir o poder da oração
ao destinatário desejado. O ritual Ifá também termina com uma invocação a Esù
para que aqueles que estejam participando da cerimônia possam voltar a
consciencia normal.
Na maioria de formas de ritual existente na terra, a capacidade de
comunicar-se entre humanos, Espíritos e Forças da Natureza estão relacionados
normalmente com os poderes de intuição que são gerados pelo "Terceiro Olho".
Esta idéia é encontrada na tradição yogui, que identifica diversos centros de
poder no corpo humano que se chamam chakras. Ifá também utiliza um sistema
de chakras que às vezes se denominam àwùjè. Em termos literais o àwùjè é o
centro da parte superior da cabeça. Ifá ensina que é através desse portal que o àse
(poder) dos Òrìsà passa antes de ser processado através do resto do corpo.
O àwùjè o chakra que conecta diretamente a consciência humana com a
consciência dos Òrìsà se chama ìwùjè. Segundo Ifá o ìwùjè está localizado na região

107
média central da frente. Isto é um pouco mais alto que a posição associada com o
terceiro olho na tradição yogui.
Quando este centro de poder é corretamente ativado os impulsos que entram
no corpo a partir do mundo exterior podem ser traduzidos em impressões
intuitivas. O modo como isto acontece varia em cada pessoa. A intuição pode
tomar a forma de sentimentos fortes, visões, sons e estados alterados complexos
nos quais a pessoa experimenta dimensões extraordinárias do Ser. Durante os
rituais de iniciação no awo Òrìsà, o ìwùjè é aberto por meio do uso de remédios
herbolísticos que são aplicados diretamente na frente.
Neste relato, a advertência de fazer oferendas a Esù é uma instrução para os
dois amigos desenvolverem seus poderes de intuição para que possam
comunicar-se com os Espíritos da Floresta. Ifá ensina que existe uma ampla
variedade de espiritos elementares que mantêm o equilíbrio e a ordem na floresta
e embaixo da terra. Estes Espíritos estão sob um agrupamento natural de Forças
Naturais chamadas Ogbóni. A palavra Ogbóni se traduz como "Sabedoria da
Terra". Os espíritos elementares associados com Ogbóni guiam a consciência dos
animais e das plantas. Usualmente não entram na classificação de Espíritos
conhecidos como Òrìsà em virtude de não se manifestarem em forma
personificada.
O conselho de Ifá aos dois fazendeiros foi de manter uma relação respeitosa
com Esù para que pudessem realçar sua capacidade de comunicar-se com aqueles
espíritos elementares que teriam um impacto direto sobre a produtividade de
suas fazendas.
Além do conselho de Ifá, tem uma advertência. Aos dois amigos foi dito que
se não fizessem oferendas regulares a Esù chegaria o dia em que Esù os separaria.
Esta é uma advertência comum em muitas histórias associadas com Esù.
Frequentemente isto é mal interpretado como uma indicação que Esù é mau ou
daninho. Seria mais exato dizer que Esù está funcionando em seu papel de
Executor Divino. Aqueles que ignoram as questões de crescimento espiritual
eventualmente sofrem a consequências de seu descuido.
Os dois amigos acreditavam que nada podia separá-los. Pensaram que tudo
o que precisavam era a amizade do outro para sobreviver no mundo. O relato
está fazendo uma afirmação muito clara que aqueles que vivem na Natureza
devem respeitar os modos da Natureza para poder aproveitar as bênçãos da

108
Natureza. Ignorado sua relação com Esù, os dois homens estão resistindo a
qualquer comunicação com os Espíritos Elementares que mantêm o equilibrio
ecológico na floresta e na fazenda. É possível faltar temporariamente o respeito
às Leis da Natureza, porém tal desconsideração implica sempre em se pagar um
preço.
Se contaminamos a água do rio, a água eventualmente se tornará impotável.
Se esgotamos o solo na fazenda, eventualmente as plantas não crescerão. Se
destruirmos grandes segmentos da selva, os efeitos sobre o clima e a densidade
do ar podem perturbar a fertilidade de grandes partes da terra. Quando
desconsideramos a Lei Natural por um período grande de tempo, a Natureza se
prepara para reagir no interesse da autopreservação. Reações como seca e fome
podem parecer ásperas e perturbadoras. No entanto, a partir de uma perspectiva
metafísica, as catástrofes naturais podem ser entendidas como tentativas por
parte das forças da Natureza de mandar informação fundamental sobre a
dinámica do Ser. A Terra é um sistema autoregulatório que fará o que seja
necessário para sobreviver. Em virtude da Terra ter esta capacidade, a questão
fundamental ecológica não é a de como salvar o planeta, a questão real é: o que
os humanos podem fazer para continuar vivendo na Terra?
Nas escrituras de Ifá, geralmente é Esù quem leva advertências ecológicas da
Natureza aos humanos. Quando Esù está levando uma advertência do Espírito,
Esù assume o papel de trapaceiro. Não há nada de demoníaco ou sinistro no papel
Espiritual de trapaceiro em nenhuma religião existente na Terra. A função do
trapaceiro sempre é a de forçar a consciência humana para uma compreensão
mais profunda do Eu e do Mundo. Isto é feito geralmente sacudindo até aflorar
as formas rígidas de pensar que limitam o pensamento humano.
Neste caso Esù pinta um lado de sua cara de branco e o outro lado de sua
cara de vermelho. A discusão entre os dois ex-amigos está enraizada nas
limitações de sua própria perspectiva relativa. Cada um dos homens considera
ter razão e que o outro é quem está equivocado. No coração dessa disputa está a
incapacidade de considerar a possibilidade de que ambos possam ter razão. O
mundo descrito por Ifá raras vezes é um mundo de "o isto ou aquilo". Na maioria
dos casos é um mundo de "isto e aquilo". Isto sugere que a consciência é uma
realidade em constante mudança. Uma informação que pode ser verdadeira para
uma pessoa num determinado dia, pode não ter valor algum em outra

109
circunstância diferente. O valor relativo da informação subjetiva só pode ser
avaliado a partir de uma perspectiva ampla, e é Esù quem desempenha um papel
fundamental no fornecimento desta perspectiva.
Quando os humanos se tornam demasiadamente fixos em suas maneiras,
demasiado rígidos em seu pensamento e demasiado dogmáticos em suas
respostas a outros pontos de vista, é Esù quem agita a mistura e força um de
reavaliação que pode conduzir a iluminação.
Neste relato a perturbação causada por Esù não conduz a iluminação, mas
leva a uma discusão, a uma perda de amizade e a pobreza. O ponto aqui é que a
Natureza sempre responderá àqueles que estejam necessitados de transformação
espiritual, porém nem todos que se vêem abençoados com uma instrução de Esù
captam o significado da lição a aprender. Dentro do contexto de Ifá cada
perturbação é considerada uma oportunidade para a aprendizagem e o
crescimento.
A transformação espiritual sempre contém um elemento de opção, um
elemento de livre arbítrio e um elemento de responsabilidade. Aqueles que não
estão dispostos a abraçar estas qualidades projetam sua debilidade no mundo e
sustentam que Esù é elénìní (demoníaco). A escritura de Ifá é muito clara quanto
aos demônios não serem Forças Espirituais geradas pela Cria-ção. Os demônios
são invenções humanas criadas e invocadas pelos que resistem a mudanças.

C. ADE ÒGÚN
- A coroa do espírito do ferro
Há muito tempo, Ororinna se casou com Tabutu. Juntos tiveram um filho que
ficou conhecido como Tobi Ode (hábil caçador). Foi Tobi Ode quem, primeiro entre
os Òrìsà (Imortais), fez a Viagem do Ìkòlé Òrun (Reino dos Antepassados) ao Ìkòlé
Ayé (Mundo). Os Òrìsà que seguiram, descobriram que Ìkòlé Ayé estava coberto
com igbó (bosque denso) o que tornava impossível viajar pela terra.
Obàtálá (Rei do Paño Branco) decidiu que faria um caminho através do
bosque. Pegou sua àdá fàdákà (sabre de prata) abriu a picada no mato. A àdá fàdákà
se dobrou e ficou retorcida se tornou inútil para a tarefa que era para ser feita.
Tobi Ode descobriu o awo irin (Mistério do Ferro) e fez um àdá irín (sabre de
ferro). O àdá irín abriu um caminho através do bosque e os Órìsà puderam fazer

110
a viagem através do aiyé (país). Foi nesse día que Tobi Ode se tornou conhecido
como Ògún (Espírito do Ferro).
Os Òrìsà ficaram tão impressionados com a força de àdá irín (sabre de ferro)
que deram a Ògún o título de Osín Imolè que significa "Primeiro entre os Antigos".
A Ògún não chamou sua atenção ao seu título de Olórí Òrìsà (Cheefe dos Imortais)
de Ilè Ifè (Terra expandida) porque preferia viver sozinho no en igbo (bosque).
Usando seu àdá irín, Ògún cortou um caminho que conduzia muito longe até oké
gígà (Montanha). Vivendo nas terras altas, Ògún podia caçar, pescar e levar uma
vida de satisfação.
No dia em que Ògún decidiu visitar seus amigos em Ilè Ifè, caminhou pelo
longo caminho que leva de oké gígà (montanha) a àfonífojì (vale). Enquanto vivia
no igbó (bosque), Ògún se vestia de màrìwò (folhas de palmeira), que lhe dava uma
aparência de selvagem. Quando chegou ao fim do caminho, estava cansado da
dificultosa viagem e tinha a testa franzida em seu rosto.
A primeira cidade em que chegou se chamava Írè perto de Ekiti. Enquanto
descansava em Irè, Ògún ajudou as pessoas da aldeia a derrotar seus inimigos.
Desde esse dia ficou conhecido como Onírè que significa "O Chefe da Cidade de
Írè ".
Ògún decidiu continuar sua viagem para Ilè Ifè ainda coberto com o sangue
da batalha. Quando chegou a cidade sagrada, as pessoas de Ilè Ifè se assustaram
diante da visão do selvagem vestido de màrìwò (folhas de palmeira) que tinha as
cicatrizes da guerra. Pediram que ele fosse embora. Ao contrário, Ògún se lavou
e apareceu no centro da cidade como Osín Imolè (Primeiro entre os Antigos).
Quando as pessoas de Ilè Ifè se deram conta de que o selvagem a quem haviam
depreciado era seu chefe, rogaram pelo seu perdão e lhe pediram que ficasse.
Ògún recusou o pedido dizendo que não quería ser o primeiro entre os Òrìsà.
Nesse dia, Ògún voltou ao igbó (bosque) onde vive até hoje dançando entre as
árvores. E é por isso que aqueles que reverenciam a Ògún dizem: "A dáa fún Ogún
awo ní'jó tí ó ma lànà láti òde-Òrun wá sí isálú-ayé, fún ire èdá" o que significa "se
jogou Ifá para O Espírito do Ferro no dia em que ele ia abrir o caminho do Reino
Invisível dos Antepassados até a Cúpula do Mundo para o benefício de toda a
Criação".
Comentário: Em muitos livros escritos sobre os Òrìsà, Ògún é descrito como
um "guerreiro sedento de sangue" que invoca constantemente a destruição e a

111
violencia. Essa descrição se deve mais as imagens estereotipadas do caçador
africano do que aos profundos princípios metafísicos representados pelo Espírito
de Ogún.
Para muitas pessoas que vivem em um ambiente urbano o conceito de caça
está limitado a idéia de matar animais por esporte. Esta não é uma ideia que
encontré expressão na cultura yorùbá, na qual a caça continua sendo um
componente importante das necessidades de sobrevivência da comunidade. A
sociedade yorùbá baseia-se principalmente na agricultura. É papel do caçador
rural prover fontes de alimentos que não venham de plantações ou de animais
domesticados. Em virtude disso os caçadores devem circular e trabalhar no
cerrado e na densa floresta da selva, a comunidade depende dos caçadores para
localizar ervas medicinais, para avisar dos perigos potenciais para a aldeia e a
prover daquelas fontes de alimentação que dão variedade e equilíbrio a dieta
geral. Devido a esta grande responsabilidade o papel do caçador continua sendo
uma tarefa honorável, respeitada e espiritualmente elevada dentro da sociedade
tradicional yorùbá.
A história de Ògún apresenta informação metafísica e um reencontró
histórico da mudança do papel do caçador na sociedade yorùbá. Em todas as
partes do mundo, as primeiras manifestações de cultura estiveram centradas em
volta de famílias extendidas num sentido amplo que se estabeleceram como clãs
de caçadores e colecionadores. Os primeiros caçadores foram os técnicos
especializados de sua época. A tecnología da caça era considerada um mistério
sagrado que dava a maioria dos caçadores o duplo papel de rastreador e shamán.
Foi a melhora das ferramentas usadas na caça que trouxe o desenvolvimento
daquelas ferramentas que criaram cidade e a civilização moderna como hoje
conhecemos.
Na história de Ogún, o sabre de prata de Obàtálá não tem efeito para os
rigores de abrir um caminho através da floresta. O sabre de prata é uma imagem
simbólica para o poder do pensamento e contemplação. Construir a civilização
como processo histórico requer algo mais que o uso de soluções racionais
aplicadas para melhorar os níveis de vida. Um desenvolvimento real na área da
cultura e da tecnología requer uma experiência concreta, prova e erro, exploração
do desconhecido e incansável busca de soluções reais para problemas que

112
ameaçavam a vida. Em Ifá a imagem usada para descrever o lento processo de
transformação cultural é a tempera do ferro.
Quando o uso do ferro foi desenvolvido pela primeira vez para melhorar a
qualidade das ferramentas, a tecnología de forjar o metal era considerada uma
arte esotérica altamente secreta que só era compartilhada por aqueles que
mostravam signos de bom caráter, perseverança e inteligência. Como na história
de Ogún, aqueles que possuíam o conhecimento do mistério do ferro eram
colocados em posições de responsabilidade como sacerdotes e chefes. Com o
crescimento da civilização, foi necessário explorar novos panoramas de
realização tais como a arquitetura , a medicina, e a agricultura. Esta troca de
ênfases causou uma dininuição do respeito dado àqueles que mantinham as
habilidades de caçador e de ferreiro.
A história sagrada de Ògún reflete esta troca histórica mostrando Ògún
descendo a montanha vestido como um selvagem. As demandas da vida urbana
levaram as comunidades cada vez mais longe da necessidade de depender da
caça e da colheita, e em consequência as habilidades e coragem necessárias para
caçar foram deixadas de lado. No relato, as pessoas de Ilè Ifè se assustam com
Ògún quando ele regressa da batalha em Irè. O medo do povo provoca em Ògún
tanta repulsa que ele regressa ao bosque, onde ele afirma sua reputação inicial de
hábil caçador.
Na cultura tradicional yorùbá, são os iniciados de Ògún que mantêm os awo
(segredos) de fazer ferramentas, que caçam para a alimentação e que têm um
papel chave em manter a segurança da aldeia. Nenhuma dessas tarefas é vista
na sociedade yorùbá como "sedenta de sangue" ou "selvagem". São, no entanto,
um elemento essencial no equilíbrio geral e na harmonia da comunidade em seu
conjunto. Como esses papéis são visto como importantes e necessários, lhes é
dada sanção religiosa por meio da iniciação e da responsabilidade sacerdotal.
São os iniciados de Ògún quem conduzem os ritos de puberdade masculinos,
que executam os ritos de circuncisão e que têm um papel ativo na preparação
cerimonial da comida, seja com os animais domesticados ou com o produto da
caça na floresta. A pesar das imagens negativas do "sacrifício animal" que
aparecem frequentemente no cinema e na televisão, acredita-se que aqueles que
preparam a carne para o consumo humano estão executando um rito sagrado.
Cada vez que um animal é sacrificado como comida se faz uma oferenda aos

113
Òrìsà. Esta oferenda é considerada um acôrdo entre os humanos e os Òrìsà. O
acôrdo é por sua vez uma louvação de agradecimento pelas bençãos da nutrição,
e uma reza de respeito por aquelas Forças da Natureza que continuam provendo
alimento para a saúde e bem estar da comunidade.
A idéia de que tal acôrdo represente alguma forma de conduta "sedenta de
sangue" e "destrutiva" não é parte da cosmología Ifá. Ògún é visto mais
acertadamente como o grande provedor, o guardião da verdade sobre a dinâmica
do equilíbrio na Natureza e o guia para aqueles que devem transformar sua
consciência das realidades da infância para as responsabilidades de tornar-se um
adulto.
Existe um elemento de conduta agressiva nos papeis de Ògún como
guerreiro ou guardião da família, aldeia e nação. Nesta história, Ògún recusa o
título de Chefe e volta para o bosque, onde pode polir suas habilidades como
guerreiro. Este abandono do trono representa a troca histórica na cultura yorùbá
entre aqueles líderes políticos que eram primariamente estrategistas militares e
aqueles líderes políticos que aspiravam manter os níveis éticos de Ifá tal como
foram expressos por meio dos ensinamentos éticos do profeta Òrúnmìlà. Isto não
sugere em absoluto que o papel de Ògún seja menos sagrado. Simplemente
aponta a troca nas habilidades necessárias para governar efetivamente a nação à
medida que a cultura evolui.
Em termos metafísicos Ògún representa o poder do Espírito da Evolução
para moldar novas formas de vida e novas estruturas dentro do desenvolvimento
geral da Criação. É nesse papel, como uma Força da Lei Natural fundamental,
que Ògún é usado para a Verdade. Todos os juramentos tomados dentro do
contexto dos cultos Ifá e Òrìsà é feito sobre objetos religiosos sagrados onde está
depositado o àse (poder espiritual) de Ògún.
D. ÒSÓÒSÌ ODE MATA
- A medicina do espírito do rastreador
Foi Òsóòsì (Espírito do Rastreador) quem explorou igbó (bosque) para que
um caminho fosse aberto por Ògún (Espírito do Ferro). Òsóòsì é conhecido entre
os Òrìsà (Imortais) como o maior dos Ode (caçadores) porque tornou-se Osó-igbo
(Mágico do Bosque).

114
Òsóòsì foi quem forneceu alimento para sua família. Òsóòsì foi quem forneceu
alimento para sua família entendida num sentido amplo. Òsóòsì foi que forneceu
alimento para sua aldeia. Òsóòsì foi quem ensinou awo'de (O mistério da caça)
àqueles cujo destino era rastrear caça no bosque.
O asé (poder espiritual) para fazer de Òsóòsì um caçador de verdade era
guardado por seu Òsóòsì (papagaio). O pássaro manchado se chamava odideé ló
kó'gbó ògú, que significa "O papagaio que junta a medicina usada para caçar".
Antes de ir a caça, Òsóòsì sempre falava com seu mascote dizendo-lhe
"papagaio, guia-me para além do medo". Òsóòsì era sempre o primeiro a ser
alimentado, quando Òsóòsì regressava da caça. No dia em que os animais
desapareceram do bosque, Òsóòsì deixou seu odideé aos cuidados de Iyáàgbà
(velha). Em todo mundo ninguém era mais amado por Òsóòsì que Iyáàgbà e sabía
que odideé estaria seguro enquanto ele não estava.
Dirigindo-se ao igbó (bosque), Òsóòsì começou a procurar caça. No primeiro
dia não encontrou nada. No segundo dia não encontrou nada. Uma semana
passou sem resultados. Um mês passou sem sorte alguma. Eventualmente, ele
perdeu a noção do tempo. Antes de voltar para sua casa com as mãos vazias,
Òsóòsì continuou viajando mais e mais profundamente dentro de igbó (bosque).
Enquanto caçava sua atenção estava concentrada em encontrar algum rastro para
encontrar comida para alimentar sua família, comida para alimentar sua família
no sentido amplo e comida para alimentar sua aldeia.
No dia em que avistou ekútè (rato do mato), colocou odideé mata ògun
(medicina do papagaio) em sua flecha. Quando odideé mata ògun estava em seu
lugar, ele usou òfò àse (o poder da invocação) para pedir que sua pontaria fosse
certeira. Òsóòsì matou ekútè (rato do mato) com um só disparo. Levando o aninal
pelo rabo, correu para casa para alimentar aqueles que estavam esperando sua
volta. .
Quando chegou a sua casa foi diretamente a jaula de odideé para oferecer algo
de comida a seu mascote. Odideé não estava em sua jaula. Tudo o que restava de
seu mascote eram umas poucas penas espalhadas. Sofrendo e angustiado, Òsóòsì
correu para fora pedindo vingança aos gritos. Colocou odideé mata ògun
(medicina do papagaio) na ponta de sua flecha. Quando a medicina estava fixada,

115
usou òfò àse (o poder da invocação) para pedir que sua flecha lhe desse a pessoa
que havia comido odideé. Òsóòsì esticou a corda do seu arco e disparou a flecha
para o alto, para o céu.
Òsóòsì foi dentro de sua casa e viu que sua flecha havia atravessado o coração
de Iyáàgbà (a velha). Desde esse día aqueles que veneram Osóòsi o louvam
dizendo: " Íbà'sè Ode atà màtásè" que significa "Louvo o caçador que nunca erra
seu alvo".
Comentário: Em Ifá tem um provérbio que diz "se não importa para onde se
vai qualquer caminho dá no mesmo". Isto se refere a todos aqueles que recusam
tomar seriamente a questão de encontrar o seu destino pessoal. A função de
Òsóòsì dentro do contexto do ritual Ifá e Òrìsà é a de nos conduzir para o caminho
mais curto que nos ponha em perfeito alinhamento com nosso destino.
Este relato sugere que aqueles que buscam seu caminho mais elevado de
destino podem ser sabotados por aqueles que estão por perto. Na história sagrada
de Òsóòsì, a velha come o papagaio em virtude de sua necessidade pessoal de
alimento. Ela ignora completamente a importância da relação entre Òsóòsì e seu
pássaro. Em Ifá o papagaio as vezes é treinado para dizer certas palavras chaves
que são essenciais ao awo òfò àse (Mistério da arte da invocação). Usando um
animal como instrumento de invocação, não há risco que a intenção por trás das
palavras ditas seja obstruida por pensamentos inapropriados. Neste relato, o
papagaio é a fonte do àse (poder espiritual) de Òsóòsì, o que sugere que Òsóòsì usa
o odideé para preparar a medicina que coloca em sua flecha. Se a velha come o
papagaio em virtude de sua necessidade imediata este ato tem um efeito negativo
sobre a capacidade de Òsóòsì de preparar a medicina no futuro.
A ira de Òsóòsì por essa indiscrição o deixa cego e o faz usar seu poder contra
a fonte desconhecida de sua ira. Enquanto diz a invocação, se sente justificado
por sua ação. Quando vê quem era responsável pela morte do papagaio
experimenta uma profunda pena. Isto sugere que o desejo de justiça nem sempre
trás o resultado desejado. Como Òsóòsì é o elemento chave em colocar os
indivíduos em seu caminho de destino, tem um papel central em fazer valer a
justiça contra aquelas Forças que bloqueiam o processo de transformação
espiritual. É Òsóòsì quem nos tráz a verdade a respeito de quem nos apoia no

116
nosso crescimento espiritual e quem atrapalha o nosso crescimento. Òsóòsì nos
tráz esta verdade sem se importar quanto dolorosa pode ser.
Por ser um hábil caçador, é papel de Òsóòsì saber, compreender e invocar os
espíritos do bosque como um fator preliminar no processo de viver em harmonia
com o mundo. Quando os Òrìsà foram trazidos da África ao hemisfério ocidental,
foi a invocação de Òsóòsì que permitiu aos devotos Òrìsà começar o processo de
alinhamento espiritual com aquelas Forças que estavam presentes no novo meio
ambiente. Isto incluiu respeitar aqueles antepassados que viveram originalmente
no país. Por esta razão Òsóòsì chegou a ser associado com aqueles espíritos
nativos americanos que servem como guardiões de seu país.

E.OBA IGBO OBATALA


– Rei da árvore sagrada, Rei do pano branco
Olódùmarè (Criador/a) chamou Obàtálá (Rei do pano branco) ao Ìkòlé Òrun
(Reino dos Antepassados), no dia em que Olódùmarè queria que Obàtálá criasse
terra seca nas águas do Ìkòlé Ayé (Mundo). Obàtálá se ajoelhou diante de
Olódùmarè e disse que não conhecia o awo (mistério) de criar terra em Ìkòlé Ayé.
Olódùmarè disse a Obàtálá que lhe daria o àse (poder espiritual) para fazer terra ao
Ìkòlé Ayé (mundo).
No dia em que Obàtálá ia começar sua viagem do Ìkòlé Òrun (Reino dos
Antepassados) ao Ìkòlé Ayé (Mundo), Olódùmarè lhe deu um ìgbín (caracol), uma
concha cheia de terra, uma etu de cinco dedos (galhinha d’angola), ìkín (nozes de
palma) e agemo (camaleão). Obàtálá levou o àse (poder espiritual), e logo
perguntou a Olódùmarè como ia fazer para viajar do Ìkòlé Òrun ao Ìkòlé Aye.
Olódùmarè lhe disse que devia reunir todo o iwúrà (ouro) de Ìkòlé Òrun e levá-lo a
Ògún (Espírito do Ferro) que forjaria uma èwòn (corrente) que uniria a Ìkòlé Òrun
ao Ìkòlé Ayé.
Ògún pegou todo o iwúrà (ouro) e forjou uma longa èwòn (corrente) que
lançou para o Ìkòlé Ayé. Obàtálá pôs seu àse (poder) em uma bolsa, e começou a
descer pela èwòn (corrente). Quando chegou ao último degrau pode ver que ainda
estava a uma certa distância das águas originárias.
Obàtálá pegou a concha de sua bolsa e espalhou a terra sobre as águas
originárias. Logo pegou a etu de cinco dedos (galhinha d’angola) e a deixou cair
na terra. Quando a etu chegou a terra começou a raspar a chão espalhando a terra

117
sobre a superfície das águas originárias. Vendo que o solo estava firme, Obàtálá
pegou um ìkín (noz de palma) e a jogou na terra. O ìkín brotou e se tornou uma
palmeira. Quando a palmeira cresceu até sua altura completa, alcancou o último
degrau da iwúrà èwòn (corrente de ouro). Obàtálá pode descer da iwúrà èwòn para
a palmeira.
Antes de descer da árvore, Obàtálá decidiu beber vinho de palma e descansar
de sua longa viagem. Enquanto Obàtálá dormia, Olódùmarè deu a tarefa de
terminar a Criação a Odùduwà (Possuidor do Mistério Invisível do Bom Caráter).
Olódùmarè esperou que Obàtálá despertasse de seu sono bebado e lhe disse que
seria tabú para sempre Obàtálá beber do vinho de palma. Quando Obàtálá viu o
que havia se passado concordou em proteger todos seus filhos por todas as
gerações futuras.
Até hoje aqueles que reverênciam Obàtálá dizem " Obàtálá sùn nínú àlà,
Obàtálá ji nínú àlà, Obàtálá tinú àlà dìde, Ibà Obàtálá ", o que significa "O Rei do Pano
Branco dorme de branco, o Rei do Pano Branco desperta de branco, o Rei do Pano
Branco se levanta de branco. Louvamos o Rei do Pano Branco".
Comentário: A palavra Obàtálá se traduz como "Rei do Pano Branco". Em
termos metafísicos o Pano Branco é a fonte originária do universo físico. Ifá ensina
que a luz chega a ser transformada em escuridão e que a escuridão chega a ser
transformada em luz. Dentro do desdobramento desta transformação, a Evolução
cria níveis cada vez mais superiores de complexidade. A explosão original que
criou o Universo produziu quantidades maciças de luz em forma de partículas
subatômicas. Quando o universo se esfriou estas partículas se combinaram para
formar elementos simples. Estes elementos voltaram a se combinar e juntos
formaram estrelas. Com o tempo certas estrelas colapsaram formando buracos
negros que implodiram em si mesmo até que produziram uma explosão de fision,
enviando enormes nuvens de elementos complexos através do universo. Foi uma
nuvem de elementos complexos que esfriou para formar o sistema solar, e dentro
do sistema solar evoluiram os ecossistemas que existem na Terra.
A história sagrada de Obàtálá é a versão Ifá desta sequência de eventos. Esta
versão usa linguagem simbólica para descrever uma série de eventos evolutivos
que são encontrados em estreita colaboração com as teorias da Criação que têm
sido propostas pela ciência moderna Ocidental. No começo do relato, Olódùmarè
dá a Obàtálá instrução para criar a terra no Mundo. Olódùmarè representa toda

118
forma potencial que existe no universo que permanece latente antes de
manifestar-se . O Pano Branco são as partículas de luz de Obàtálá que levam a
forma potencial para a existência real. A ciência ocidental ensina que toda a
Criação evoluiu a partir da luz produzida durante a explosão originária no
começo do tempo.
A corrente usada por Obàtálá para viajar do Reino dos Antepassados para a
Terra, parece ser uma representação simbólica das estruturas genéticas, por meio
das quais a forma se recria a si mesma no processo da evolução. A proteina DNA,
que transfere a informação genética, aparece como uma corrente quando é vista
por um microscópio. Nas escrituras Ifá a referência ao Reino dos Antepassados
inclui todas aquelas Forças Naturais que conduzem ao desenvolvimento da vida
humana, e não está limitada aos espíritos humanos.
Quando Obàtálá desce pela corrente para a terra pega a terra de uma concha
de caracol. A forma da concha de caracol é um padrão que se repete ao longo da
natureza. Os antigos gregos chamaram este padrão de a "seção dourada". É uma
série de círculos em expansão que tornam progressivamente mais amplos numa
taxa fixa. Este esquema de crescimento ocorre em árvores, plantas, vida marinha
e é o mesmo padrão que regula a distância dos planetas ao sol. A concha do
caracol marinho, como um objeto sagrado associado com Obàtálá simboliza a
qualidade expansiva da evolução.
Quando Obàtálá põe a galinha na Terra, a Terra se torna um lugar que pode
sustentar sistemas de vida. A galinha é sagrada para Òsun, e tem cinco dedos
que é o número sagrado de Òsun. Òsun é o espírito do erotismo, da fertilidade e
da abundância. Neste momento da história, Obàtálá está introduzindo a
sexualidade, a reprodução e o atrativo do erótico no desenvolvimento da Criação.
Para alcançar a Terra, Obàtálá planta sementes que crescem até se tornar uma
palmeira. Na religião Ifá a palmeira é considerada como a árvore sagrada da vida.
A maioria das religiões existentes na terra, designam uma árvore em particular
para simbolizar a transformação de todas as coisas em seu progresso através dos
ciclos de nascimento, vida, morte e renascimento.
Obàtálá alcança a árvore e logo para para descansar. Muitas das versões
desta história que são populares no Ocidente sugerem que enquanto Obàtálá
estava descansando se embebedou com vinho de palma. Os maiores de Obàtálá

119
com quem falei na África não estavam familiarizados com a idéia que Obàtálá
estava bebado antes de chegar a Terra. Esta adaptação da história parece ser uma
variação ocidental cuja fonte é difícil de localizar seja histórica ou
espiritualmente.

F. YEMOJA AWO SANMO


- A mãe dos peixes se torna a núvem que produz chuva
Yemoja (a Mãe do Peixe) vivia sozinha no Ojú Òrun (o Céu) no dia em que
Olódùmarè decidiu que Yemoja precisava de uma família. Ojú Òrun (céu) se tornou
Omi Òrun (Águas Celestiais) o que deu a Yemoja todo o ire (boa sorte) que
precisava para viver e àlá (sonhar). Omi Òrun (Águas Celestiais) foi onde ela
viveu e comeu, viveu e comeu, viveu e comeu até que seu estômago rebentou
criando ìràwò (as Estrelas) Oòrun (Sol) e ìràwò tí nyí òrùn ká (Planetas).
Nesse día Yemoja veio viver em omi aiyé (Águas Terrestres) onde ela viveu e
comeu, viveu e comeu, viveu e comeu até que seu estômago rebentou criando os
Òrìsà. Foi nesse dia que Sàngó, Oya, Ogún, Òsányìn, Babalúaiyé e Ìbejì vieram ao
Mundo.
Até hoje os que reverenciam Yemoja dizem "Omo at'Orún gbe gba ajé ka'ri
w'waiyé, ma ja kiki won ajé", que significa "são os filhos que levam a cabaça da
riqueza em sua cabeça do Reino dos Antepassados até ao Mundo".
Comentário: Na África, Yemoja normalmente está relacionada com o río
Ògún. O culto Òrìsà no Ocidente tende a associar Yemoja com o oceano, no entanto
a deidade associada com o oceano na África é Olókun. Isto tem causado alguma
confusão sobre o papel de Yemoja no processo da Criação. Nesta história, Yemoja
encarna o poder da fertilidade dentro de todas as águas do Céu e da Terra. Como
um princípio de fertilidade, o conceito africano de Yemoja está associado com
água doce, água salada e água celestial.
A idéia de água celestial pode parecer altamente simbólica, porém tem um
elemento de verdade real. Em todo o universo a substância encontrada mais
comunmente e o hidrogêneo. Forma grandes nuvens de gás na maioria dos
espaços entre as estrelas. O hidrogêneo é por sua vez o elemento mais abundante
no universo e o mais simples em termos de estrutura atômica. A água é
simplesmente a adição de oxigênio ao hidrogeneo o H2O. Em termos literais, a

120
abundância de hidrogêneo nas "Águas Celestiais" se combinou para formar as
estrelas e os planetas.
O desenvolvimento da vida neste planeta foi uma consequência da presença
da água na terra. Tanto Ifá quanto a ciência estão de acordo que todas as formas
de vida na terra evoluiram do oceano. Yemoja, como Deusa da Água Doce e da
Água Salgada, representa a mãe originária que deu nascimento a todas as coisas
viventes.
G.SÀNGÓ, OBA KO SO
– O Espírito do Relâmpago, O rei não está morto
Sàngó (Espírito do Relâmpago) foi o quarto Aláàfin (Chefe Regional) de Oyó.
Foi uma época em que a nação yorùbá foi flagelada pela guerra e pelo conflito
interno. Num esforço para trazer estabilidade a nação, Sàngó uniu o Reino de
Oyó. Quando os dias de batalha e luta chegaram ao fim, Sàngó se sentou em seu
palacio e sofreu aborrecimentos. Num esforço para recriar a emoção de sua
juventude, ordenou a seus irmãos Tìmì e Gbònkáà que travassem um duelo.
Tìmì e Gbònkáà chegaram ao recinto dos Aláàfin e tocaram seus bàtá (tambores
sagrados) até que Tìmì caiu adormecido e Gbònkáà se declarou vencedor. Sàngó
não ficou satisfeito e ordenou que voltassem a duelar novamente.
Tìmì e Gbònkáà chegaram no recinto dos Aláàfin no dia seguinte e falaram os
encantamentos de seus ògun (medicinas de proteção) até que Tìmì adormeceu.
Sàngó não ficou satisfeito e ordenou que voltassem a lutar até a morte.
Tìmì e Gbònkáà chegaram no recinto dos Aláàfin no dia seguinte preparados
para a batalha. Tìmì puxou a corda de seu arco e começou a atirar flechas em
Gbònkáà. Nenhuma das setas atingiu o alvo porque Gbonkàa estava usando sua
ògun (medicina de proteção). Gbonkàa repetiu os encantamentos que faziam Tìmì
dormir, em seguida se deteve sobre seu corpo e cortou sua cabeça.
Quando o povo de Oyó viu Tìmì morto no recinto dos Aláàfin ficou com raiva
de Sàngó e o atirou para fora da cidade.
Esmagado pela dor, Sàngó vagou pelo bosque e se enforcou na árvore de
àyàn. A primeira pessoa que encontrou seu corpo foi sua esposa Oya (Espírito do
Vento) que disse "Oba kò só" o que significa "O Rei não está morto".
Comentário: Esta história sobre Sàngó é muito popular no Brasil, Cuba e nos
Estados Unidos. É conhecida em algumas cidades da Nigéria, porém parece não

121
ter base na escritura Ifá ou na história sagrada dos Òrìsà. De acordo com
investigações de Akinwumi Isola em Religiões tradicionais africanas na
sociedade contemporânea, editada por Jacok K. Olupona, o professor Isola afirma
que a história foi criada por um evangélico cristão chamado Hethersett. O
professor Isola acredita que foi criada pelo evangélico num intento de
desacreditar tanto Sàngó como a religião Ifá.
A evidência apresentada pelo professor Isola é convincente, e apresenta un
dilema real para aqueles que gostam da história. A versão original de Hethersett
de Oba kó só é muito menos lisonjeira do que a história que se tornou popular no
Ocidente. Suspeito que a história foi alterada para colocá-la em alinhamento com
os conceitos Ifá e em sua forma atual é notavelmente consistente com os
princípios metafísicos associados com Sàngó. O fato da história ter um apelo
generalizado sugere que fala de preocupações humanas muito reais. Por esta
razão acredito que possa ser usada como base para se considerar o significado de
idéias trascendentes.
Como sobreviveu no Ocidente, esta história tem diversas variações que dão
uma ênfase levemente diferente ao papel de Sàngó em sua relação com os irmãos
Tìmì e Gbònkáà. Em algumas versões Tìmì e Gbònkáà estão implicados em intrigas
políticas. Sàngó se encoleriza diante de suas ações e desencadeia sua
agressividade de forma excessiva causando a morte de muita gente inocente na
cidade de Oyó. A versão mais comum do mito faz com que Sàngó faça os irmãos
se enfentarem para sua própria diversão e por inveja da popularidade deles entre
o povo de Oyó.
Em ambas versões, Sàngó é acusado de cometer uma ofensa que o torna
indígno de servir como Aláàfin. A cultura yorùbá é baseada na monarquia
hereditária patriarcal. A conduta de um chefe político é supervisionada por um
conselho de homens e mulheres maiores. Se o conselho de maiores acredita que
o Rei abusou flagrantemente do poder de sua posição, eles podem insistir para
que seja removido do seu cargo. Em tempos precoloniais, o Rei não podía
simplesmente renunciar a sua posição. Se fosse removido de seu cargo era de se
esperar que cometesse suicídio. Isto era feito normalmente pela ingestão de
veneno que o Rei bebia como parte de um ritual de transição que o prepararia
para a entrada no Reino dos Antepassados.

122
A maioria das versões da história de Sàngó fazem-no aparecer tomando sua
própria vida suspenso numa árvore àyàn. Esta árvore é consagrada aos
antepassados e é usada como um santuário comunitário nas cercanias da cidade
onde a árvore está situada. Este ato de suicídio sugere que Sàngó se dá conta de
seu erro antes de ser julgado pelos maiores e tenta expiá-lo por si mesmo.
A aparição de Oya no momento do enforcamento assegura que o espírito de
Sàngó será transformado ao passar para o Reino dos Antepassados. Esta
transformação é uma expressão da dinâmica da morte e da ressurreição. Por
causa da crença na reencarnação, a ressurreição não é a o reaparecimento físico
de Sàngó na forma humana. É a elevação do èmí ou alma de Sàngó a um lugar
onde retorna a fonte e se funde com o poder do relâmpago.
Esta identificação pode parecer para aqueles que estão acostumados ao
conceito ocidental de tempo linear. Segundo Ifá, o processo de transformação
espiritual é por sua vez uma preparação para ciclos futuros de reencarnação e um
retorno a fonte originária da consciência. Dando-se conta de seu erro Sàngó se
prepara para sua próxima vida por meio da união com o Espírito do Fogo no
início do Tempo. A presença de Oya serve para abrir as passagens que permitem
que esta transformação multidimensional tenha lugar.

H. ÒSUN SEKEKE
– A Deusa do Rio faz a adivinhação
Foi Obàtálá (Rei do Pano Branco) entre os Òrìsà (Imortais) que viviam en Ìkòlé
Òrun (Reino dos Antepassados) quem aprendeu awo Mérìndínlógún (Mistério da
adivinhação com búzios). No dia em que Obàtálá veio viver no Ìkòlé Ayé (Mundo),
era só ele quem conhecia awo Odù (Mistério da sagrada escritura), era só ele quem
conhecia awo ètùtù (Mistério de fazer oferendas aos antepassados), era só ele que
conhecia awo ebo (Mistério de fazer oferendas aos imortais) e era só ele quem
conhecia awo Igbódù (Mistério da iniciação).
As pessoas de Ìkòlé Ayé (Mundo) procuravam Obàtálá sempre que
necessitavam da orientação do Mérìndínlógún (adivinhação com búzios). Porém
era costume de Obàtálá andar pelas ruas, bosques , e viajar de uma cidade para
outra. Normalmente as pessoas de Ìkòlé Ayé (Mundo) vinham a casa de Obàtálá
buscando orientação do Mérìndínlógún (Adivinhação com búzios) e descobriam
que Obàtálá não estava em casa.

123
Foi Òsun (Deusa do Río) quem pediu a Obàtálá que lhe ensinasse os segredos
do Mérìndínlógún, porém ele sempre recusava. Foi Òsun quem seguiu Obàtálá no
dia em que os Òrìsà quiseram que o Mérìndínlógún fosse conhecido por todos seus
devotos. Òsun seguiu Obàtálá ao río, onde ele tirou suas roupas brancas e entrou
na água. Enquanto Obàtálá se lavava, Òsun pediu a Esù (Mensageiro Divino) que
convencesse Obàtálá de que ele ensinasse a ela awo Mérìndínlógún (Mistério da
adivinhação com búzios).
Esù disse a Òsun que voltasse para sua casa e se banhasse com oyin (mel).
Logo Esù caminhou entre o mato e recolheu as roupas de Obàtálá. Levou a roupa
a casa de Òsun e as colocou em seu Ojúbo Òrìsà (altar sagrado). Quando Obàtálá
saiu do río, viu que suas roupas não estavam no local então seguiu os passos de
Esù até a casa de Òsun.
Obàtálá bateu na porta de Òsun e pediu suas roupas. Òsun abriu a porta
pingando oyin (mel) de seu banho. Foi nesse dia que Obàtálá se convenceu a
ensinar a Òsun awo Mérìndínlógún (Mistério da adivinhação com búzios). Foi
Òsun quem ensinou awo Mérìndínlógún aos outros Òrìsà.
Até hoje aqueles que reverenciam Òsun dizem "Ibà Òsun Olómi, Òsun sékèké"
que significa "Louvamos a Deusa do Rio, possuidora da água doce que lava os
búzios para a adivinhação".
Comentário: Na Natureza o rio é a fonte de água doce e a água doce é o
fundamento para a fertilidade que cria a vida na terra. É a água que nutre a
vegetação que produz o oxigênio, que permite a precipitação que mantém o
equilíbrio ecológico que sustenta a vida na Terra. É a água que nutre o embrião
no útero. Òsun é a personificação desta fertilidade tal como existe em toda a
natureza. O rio em todas suas manifestações junta a vida em um estado de
equilíbrio mútuo e interdependência. É esta interação que forma a base para o
conceito Ifá de ìfé, que significa "amor".
Òsun, como encarnação da fertilidade e do amor, representa o impulso de
manter o equilíbrio e a harmonia dentro do ambiente natural. Quando este
impulso é transladado para um ambiente comunitário representa o fator
motivante para a justiça social. Na história de Òsun, o mistério da adivinhação
com búzios pertence a Obàtálà. Usando sua atração e seu encanto Òsun faz com
que a adivinhação com búzios esteja disponível para todos os Imortais. O
resultado foi o acesso comunitário ao poder que vem do conhecimento. Se este

124
poder está limitado a um segmento em particular da sociedade, o equilíbrio e a
harmonía ordenados pela Lei Natural se vêem perturbados.
Na estrutura política tradicional yorùbá são as sacerdotisas de Òsun quem
tem um papel chave em manter os níveis comunitários de justiça e igualdade.

I. ÒSÁNYÌN ALÁGBO
– O Espírito das folhas é o dono da panela de medicina
Havia um Babaláwo (adivinho), que vivia na mesma aldeia que um onísègùn
(médico herborístico) chamado Òsányìn (Espírito da Medicina). Era Òsányìn
quem possuia awo ewé (Mistério da vegetação) e era o Babaláwo quem possuia awo
Odù (Mistério da sagrada escritura).
As pessoas da aldeia estavam assoladas por àrùn (doença). Se dirigiram a
Òsányìn para curar suas doenças. Sua ògun (medicina) era efetiva, porém
ninguém parou para perguntar o que estavam fazendo que àrùn (doença) se
propagou.
Foi no dia em que as pessoas da aldeia pararam de ir ao Babalàwo para dáfá
(adivinhação) que o Babaláwo visitou a casa de Òsányìn. O Babaláwo pediu a
Òsányìn para dividir o trabalho de curar aqueles que estavam doentes. Foi o
Babaláwo quem sugeriu que juntos eles podiam curar àrùn (doença) e descobrir
sua causa.
Òsányìn não tinha nenhum desejo de dividir seu trabalho com o Babaláwo
porque sua ògun (medicina) estava fazendo-o um homem rico.
O Babaláwo fez uma oferenda a Esù (Mensageiro Divino), e lhe pediu que
interviesse. Foi Esù quem caminhou em frente a casa de Òsányìn no dia em que
ela entrou em colapso.
Òsányìn surgiu dos escombros com um olho, um braço e uma perna. Desde
então o Babaláwo e Òsányìn trabalham juntos para eliminar àrùn (doença) da
aldeia.
Comentário: A disciplina Ifá tal como é praticada na África trabalha em
estreita associação com a disciplina de Òsányìn, o medicina tradicional
herbolística. Nem todos os sacerdotes Ifá são hábeis na disciplina de Òsányìn,
porém na maioria das famílias Ifá têm algum tipo de associação com os sacerdotes
que se especializam na preparação da medicina.

125
A história de Osànyìn sugere que a maioria das doenças têm uma causa
espiritual. Esta é uma extensão da crença Ifá de que o viver em alinhamento com
o destino tráz bençãos de longa vida, abundância e filhos. A doença é vista
geralmente como um síntoma de falta de alinhamento com o destino pessoal.
Curar o sintoma sem curar a causa é visto como sem sentido.
Este relato também aponta as consequências negativas que vêm quando um
trabalho espiritual é feito só com o propósito de ganancia pessoal. É a arrogancia
de Òsányìn que o conduz ao acidente e tem a desfiguração como resultado. A
sugestão aqui é que alguém que trabalhe apenas por motivos de ganho material
não é uma pessoa completa.

J.ÒRÚNMÌLÀ IFÁ OLÓKUN ASÒRO DAYÒ


– O Espírito do Destino é o adivinho do mistério da abundância que se encontra no
fundo do oceano.
Òrúnmìlà (Espírito do Destino) disse adeus a sua família em Ilé Ifè no dia em
que começou sua busca de awo 'lówó (Mistério da abundância). Depois de uma
longa e difícil procura descobriu 'lówó (Mistério da abundância) no país
governado por Olókun (Espírito do Oceano). Foi Olókun quem passou sete anos
instruindo Òrúnmìlà no awo ire (Mistério da boa sorte).
Òrúnmìlà disse adeus a Olókun no dia em que ele estava se preparando para
regressar para sua família em Ilé Ifè. Antes de ir, Òrúnmìlà perguntou a Olókun se
ele tinha algumas últimas palavras de sabedoria para ensinar. Olókun disse que
haviam três coisas que nunca deveria fazer enquanto viajava para Ilé Ifè: Nunca
devería sair do caminho, nunca deveria oferecer comida a um estranho e nunca
deveria levantar sua faca com raiva.
Enquanto Òrúnmìlà abria o caminho através de igbó (bosque), ouviu uma
discussão no meio dos arbustos perto da estrada. Quando se aproximava da
discussão pode ouvir alguém chamando pedindo ajuda. Òrúnmìlà levantou sua
perna para sair do caminho, e nesse momento lembrou das palavras de Olókun.
E em vez de ajudar continuou rápidamente seu caminho.
Na entrada próxima a aldeia, ele contou ao sentinela a discussão que havia
visto próxima ao caminho. Òrúnmìlà sugeriu então que alguém da aldeia fosse
enviado para oferecer ajuda. O sentinela disse a Òrúnmìlà que os bandidos da

126
região usavam um grito de ajuda no meio dos arbustos como uma armadilha para
atrair os inocentes viajantes para o perigo.
Òrúnmìlà encontrou uma pousada perto do centro da aldeia e entrou para
comer. Quando se sentou para que o servissem, viu um velho sentado no meio
da sala. O velho tinha uma corrente em volta do seu pescoço que estava presa a
parede. Todos na sala pareciam ignorá-lo enquanto ele mendigava comida.
Quando um prato de sopa foi colocado em frente a Òrúnmìla, ele se dispos a
oferecer ao velho uma porção de sua comida. Lembrou-se então das palavras de
Olókun e decidiu não dividir sua comida.
Voltando para o caminho, Òrúnmìlà parou e perguntou ao sentinela sobre o
velho que estava acorrentado na parede da pousada. O sentinela disse a
Òrúnmìlà que o velho era Ikú (Espírito da Morte). Também disse a Òrúnmìlà que
aqueles que oferecem comida a Ikú estão invocando sua própria morte.
Òrúnmìlà atravessou as portas de Ilè Ifè e se dirigiu diretamente para sua
casa. Ao aproximar-se de sua casa viu sua esposa sentada num banco. Ela estava
falando com um jovem bem moço, que se inclinou e a beijou na face. Òrúnmìlà
pegou sua faca na bolsa e se lançou sobre o jovem. No momento em que estava
levantando a faca para atacar ouviu sua esposa dizer: A dúpé omò mi o que quer
dizer "obrigada meu filho".
Desde esse dia Òrúnmìlà sempre tem louvado o nome de Olókun. Aqueles
que louvam Òrúnmìlà dizem Òrúnmìlà Ifà Olókun a-sòrò-dàyò, o que significa "O
Espírito do destino tem a Sabedoria do Espírito do Oceano que sempre dá
abundância".
Comentário: Esta história é uma expressão do próprio coração da crença e
da disciplina Ifá. È uma suposição básica e fundamental de Ifá que a orientação
dos Òrìsà tal como chega por meio da adivinhação proverá as chaves para a
saúde, riqueza e sabedoria. Para ganhar todo o valor desta sabedoria é
importante seguir esta orientação mesmo quando parecer ir contra a inclinação
de uma resposta humana normal.
Isto não implica que Ifá seja sem piedade. Mas sugere que a sabedoria dos
Òrìsà vêm de uma perspectiva que não é facilmente perceptivel pelo olho
humano por si só.

127
Referências : O material deste capítulo é baseado nos aspectos mais
populares da história sagrada Ifá que encontram expressão em Ode Rémo,
Nigéria. Estou contando estas histórias com minhas próprias palavras para
enfatizar os elementos metafísicos que nem sempre estão claros em algumas
expressões das histórias que foram publicadas. Em virtude de Ifá se basear na
tradição oral, existe um amplo campo de variações dentro do ponto central de
muitas histórias que estão fundamentadas na história sagrada Ifá. A tradução de
palavras e frases yorùbás feitas por Olalekan Babaloa e Adekoye Williams foi
extremamente iluminadora para mim no processo de identificar os princípios
metafísicos que são expressos na história sagrada de Ifá.

128
VI
IWA GBAYE IFA
A visão Ifá doMundo

A. ÌGBÀGBÓ IFÁ
– As crenças básicas de IFÁ

Ifá é primordialmente um ponto de vista, mais que um conjunto de doutrinas


especificas. No entanto, dentro desse ponto de vista certas crenças fundamentais
caracterizam a perspectiva Ifá. Predominante entre estas crenças está o suposto
que o mundo e tudo o que há nele é intrinsicamente sagrado. Isto significa que o
universo é sentido como uma fonte de benevolência dentro da qual todas as
coisas existem com um propósito. Dentro da cosmología Ifá não existe nenhum
"diabo" e nenhuma identificação do "mal primordial".
Em virtude do Mundo ser considerado Sagrado, existe em Ifá um sentimento
de respeito por todas as coisas viventes, um respeito por todos os pontos de vista
e uma profunda reverência para a inspiração que vem por meio da contemplação
e da observação. Tudo o que se encontra no bosque e na selva é visto como
vivente e consciênte. Não existe nenhum sentido em que os humanos sejam
melhores que o mundo no qual vivem, só o sentido que os humanos são uma
parte do meio ambiente que dividimos com tudo o que existe. Por esta razão, a
Natureza é vista como uma possível fonte de sabedoria.
Vendo desse ponto de vista, Ifá não expressa nenhum desejo de controlar a
Natureza, nenhum desejo de explorar os recursos naturais e nenhum desejo de
dominar os animais do bosque. A cultura yorùbá floresce nas regiões centro-
oriental e ocidental da selva africana, onde viver em harmonia com a terra
continua sendo um elemento essencial da sobrevivencia cotidiana.
A expressão completa da Natureza é vista por Ifá como a manifestação
vivente do Espírito. Tudo o que existe na Criação é uma extensão da Fonte da
Criação. Até naqueles lugares onde a interrelação de todas as coisas permanece
oculta para a percepção humana, há uma suposição de unidade.
Dentro do contexto desta visão do mundo, a tarefa da vida humana é a de
sustentar a harmonia e o equilíbrio que existem no Mundo. Esta tarefa é

129
considerada uma responsabilidade sagrada que forma a base para orientar o
crescimento e o desenvolvimento tanto do indivíduo como da comunidade. Uma
parte desta responsabilidade é a necessidade permanente de agradecer ao
Universo pela abundância e os sistemas de apoio à vida que ele dá. Isto é feito
por meio da louvação diária, da rigorosa disciplina religiosa, das celebrações das
estações e da lembrança daqueles venerados antepassados que ajudaram a
clarear a profundidade destas sagradas obrigações.
A nivel pessoal, Ifá ensina que todo aquele que vive carrega consigo uma
semente de divindade. Esta semente pode ser nutrida e desenvolvida como o
amadurecimento de uma árvore que cresce, ou pode ser deixada de lado e
destruída ao tornar-se abandonada. É esta semente que une todos nós a uma
Fonte comum, que por sua vez estabelece as bases para nos tratarmos com
respeito. Ifá se baseia na crença de que se a vida de uma pessoa melhora, a vida
de todos melhora. Se uma pessoa sofre, todos sofrem. Segundo Ifá, a melhor
maneira de se evitar o sofrimento é descobrir o próprio destino pessoal e viver
uma vida que reflita o conteúdo desse descobrimento.

B.ÌMO'LÓRUN
– A expressão teológica da visão Ifá do mundo
A teología tem duas funções: afirmar a mensagem de uma tradição religiosa
em particular, e interpretar essa mensagem em relação a um tempo e
cirscuntância devida. Esta dupla função cria uma polaridade entre a natureza
transcendente da mensagem e a necessidade transitória de aplicar a mensagem
nas questões sociais e pessoais do dia.
A teologia não é uma ciência empírica-dedutiva ou metafísica-dedutiva.
Qualquer sistema de crenças religiosas está fundamentado na experiência
pessoal, valores culturais e uma compreensão subjetiva dos princípios universais.
A única prova de uma teologia efetiva é se ilumina ou não os símbolos religiosos
de forma que melhore a qualidade de nossa consciência do Eu e do Mundo.
Em virtude de Ifá ser uma tradição espiritual que está enraizada na
percepção mística da Criação, está baseado no suposto de que o Universo é
sustentado por uma Força Transcendente, que determina a Natureza essencial do
Ser. Os maiores de Ifá não tentam provar essa premissa por meio do discurso
lógico. Em seu lugar, eles proporcionam um meio ambiente que conduz a uma

130
experiência direta da Fonte. Este ambiente é chamado Igbódù, que é a palavra
yorùbá para "árvore sagrada" o "lugar de iniciação".
Dizer que o Igbódù é o fundamento teológico de Ifá sugere que a doutrina
religiosa Ifá é a intenção de interpretar a experiência mística. Muitos aspectos da
cultura na sociedade tradicional yorùbá estão desenhados para reforçar as
doutrinas de Ifá. A consequência deste tipo de condicionamento é que os
princípios metafísicos são por sua vez entendidos com a mente e experimentados
com o coração. Para aqueles que vivem em tal ambiente, a necessidade de uma
explicação teológica é muitas vezes mínima.
Muitos ocidentais, incluindo eu mesmo, têm sido criados num meio
ambiente que separa a mente das emoções. A tradições espirituais dominantes no
Ocidente tendem a denegrir o corpo humano, a diminuir o valor da intuição e
destruir o conteúdo da percepção mística. Qualquer um que tenha sido criado
numa cultura ocidental, e que deseje abraçar o misticismo de Ifá, se depara com
a difícil tarefa de superar formas contraproducentes de condicionamiento social.
Na teología de Ifá que é apresentada neste livro é minha intenção traduzir a
experiência do Igbódù em termos que sejam familiares para os leitores que foram
criados na sociedade industrial ocidental. É muito difícil determinar até que
ponto esta interpretação reflete corretamente o ponto de vista africano de Ifá. O
material apresentado aqui é baseado em minha experiência pessoal do
simbolismo de Ifá, juntamente com minha experiência em traduzir essa sabedoria
para aqueles que vêm a mim para adivinhação. Quer dizer, é meu intento
interpretar símbolos transcendentes tal como eles se aplicam nas preocupações
pessoais e sociais da comunidade a quem eu sirvo. A minha esperança é que
apresente um determinado ponto de vista que incentive o debate teológico dentro
da comunidade Ifá Òrìsà. Existe, e deve haver uma ampla gama de abordagens
teológicas usadas para resolver problemas dentro de um amplo aspécto da
experiência pessoal e social que existe entre aqueles que abraçam Ifá.
A necessidade do debate teológico é baseada no fato de que muito material
escrito sobre Ifá tem vindo por meio de antropólogos. A antropología é uma
disciplina que não se interessa pela teología. Isto significa que os antropólogos
não têm se preocupado sobre a avaliação da eficácia dos símbolos religiosos como
uma fonte de inspiração para resolver questões tanto pessoais como sociais.

131
No Ocidente, aqueles que têm se baseado em material antropológico para
reconstruir os elementos perdidos de Ifá estão trabalhando com fontes limitadas.
Certos elementos chaves da interpretação religiosa são dados somente depois da
iniciação. Em virtude da maioria dos antropólogos não terem dado este passo,
eles estão tratando de explicar uma cosmologia complexa sem ter acesso ao seu
verdadeiro significado. A consequência desta limitação tem sido normalmente a
grosseira má interpretação tanto de Ifá como de outros sistemas africanos nativos
de metafísica. Minha opinião pessoal sobre esta matéria é que a profunda
sabedoria mística que está preservadá pelos maiores de Ifá tem muito que
oferecer àquelas culturas ocidentais que têm alienado a si mesmas tanto dos
Mistérios da Natureza como dos Mistérios do corpo físico. Mas essa sabedoria só
pode vir de quem entende Ifá a partir da perspectiva do uso da Ifa como fonte de
inspiração
C. ÒLORUN
– O conceito IFÁ de deidade
Deidade é o conceito religioso no qual uma força espiritual é responsável
pela Criação. Históricamente, tem havido dois conceitos filosóficos dominantes
de Deidade: "monoteísmo" , que é a crença em uma única deidade, e "politeísmo",
que é a crença em muitas deidades. Originalmente, o conceito de politeísmo foi
criado por teólogos cristãos com o intento de desacreditar as formas de crenças
religiosas pré-cristãns. Todas as doutrinas que tenho visto etiquetadas como
"politeístas" estão em última instância enraizadas na crença de que a Criação
emerge de uma única Fonte. O que os teólogos ocidentais tendem a chamar de
politeísmo pode ser descrito com mais precisão como uma crença de que a Fonte
se manifesta a Sí Mesma aos humanos em uma multiplicidade de formas. O
monoteísmo de muitas das expressões do cristianismo é descrito com mais
precisão como o "dual-teísmo", no qual as forças do "Bem" e do "Mal" coexistem
em uma luta eterna pelo domínio.
Em Ifá, a única Fonte de Criação é chamada Olórún, que se traduz
normalmente como "Dono do Céu", a partir do prefixo olóhun, que significa
"dono" e do sufixo Òrun, que significa "céu". A palavra "céu" é uma pobre
tradução, em virtude da palavra Òrun sugerir um reino invisível do qual as
Forças Espirituais exercem influências invisíveis no mundo físico. A ciência
ensina que o olho humano pode ver somente uma pequena porção do espectro

132
electromagnético de partículas que geram o espectro completo da luz. A
descrição Ifá de Òrun é mais consistente com a qualidade invisível da maioria
das forças dentro do Universo que a noção ocidental comum de "Céu".
Alguns livros usam a palavra Olórún indistintamente com a palavra
Olódùmaré. A mim parece, Olórún se refere a Fonte da Criação, a qual está muito
além do conhecer. Olódùmaré é a Fonte de Vida, que é o Mistério que emerge da
Criação. Os conceitos teológicos ocidentais que melhor descrevem Olódùmaré
poderia ser: "O Fundamento do Ser" (o ponto de partida da existência). Para os
conceitos teológicos ocidentais, Olórún poderia ser "A Fonte Suprema" (aquele
que não tem Criador), e "A Principal Causa" (a inspiração que dá começo a
Criação).
Mesmo estes conceitos têm suas limitações, em virtude de Ifá ensinar que
Olódùmaré é uma Fonte que é essencialmente inerente a largura e ao comprimento
da Criação. O conceito de deidades politeístas deveria ser entendido mais
corretamente como expressões de Olódùmaré tal como se manifestam no Mundo
físico. Quando Ifá fala de uma multiplicidade de Forças Espirituais o faz sobre o
suposto que a vastidão de Olódùmaré está muito além da percepção humana.
Descrever Olódùmaré em linguagem normal poderia ser limitante, e uma
distorção do mais profundo mistério da Criação. Ao contrário, Ifá tenta captar
Olódùmaré passando de uma compreensão objetiva do reino visível a uma
apreciação intuitiva do reino invisível.
Para expressar este ponto, as escrituras de Ifá descrevem a Olódùmarè como
estando muito além do Arco Iris, o que sugere que está muito além do espectro
da luz. Novamente, usando os conceitos teológicos ocidentais, Olódùmarè é
infinito/a; qualquer oração que descreva Olódùmarè ou que dê limites a fonte da
vida, faz Olódùmarè finito/a. Por exemplo, esfregar um pedaço de metal contra
uma pedra causará uma faísca que pode ser usada para iniciar o fogo. De acordo
com Ifá, o fogo devería ser um aspecto visível de Olódùmarè, que é chamado àse
Sàngó (Poder do Espírito do Trovão). A razão pela qual o fogo existe como uma
Força na Natureza é um Mistério que está muito além da compreensão humana.
Tentar determinar de onde veio originalmente o fogo é impossivel. No entanto,

133
o laço místico entre a chama e a Criação do Fogo como um princípio cósmico é o
laço invisível entre Sàngó e Olódùmarè.
Uma das preocupações fundamentais de Ifá é o processo permanente de
ganhar um insight mais profundo dentro dos Mistérios de Olódùmarè que têm um
impacto direto na vida humana. Segundo Ifá, o que podemos ver, escutar,
entender e experimentar são as diversas manifestações das divindades que
descendem muito além de Osùmàrè (Espírito do Arco Iris) dentro do reino de
Ikòlè Ayé (Mundo). Todos os Egún (Espíritos Ancestrais), Ibora (Espíritos da
Proteção). Òrìsà (Espíritos de Luz), Irúnmolé (Espíritos que Criarão a Terra),
Igbamolè (Espíritos que trazem o Futuro) e Imolé (Espíritos Invisíveis que
sustentam a Criação) que aparecem nas escrituras de Ifá, são manifestações
conhecidas de Olódùmarè. As Forças Espirituais que são normalmente descritas
como "politeístas" representam aqueles aspéctos de Olódùmaré que podem ser
captados pela consciência humana. Elas parecem seres separados em virtude de
Olódùmarè ser demasiado vasto/a para ser percebido/a em sua totalidade. É como
se Olódùmarè fosse uma mão gigante, e tudo o que nós pudéssemos ver fossem os
dedos. A partir do ponto de vista Ifá, é o entendimento dos dedos que nos daría
um sentido da forma da mão.
A religião tradicional tem uma das duas abordagens em suas tentativas de
entender o desconhecido. A abordagem dogmática é descrever a Deidade
baseando-se em uma doutrina religiosa estabelecida. Entender a Fonte, usando
esta aproximação dogmática é descrever a Deidade baseando-se em uma
doutrina religiosa estabelecida. Entender a Fonte, usando esta aproximação, é
um processo de aceitar ou acreditar em artigos de fé específicos. A aproximação
mística e experimentar a Deidade por meio das práticas ascéticas (disciplinas
espirituais desenhadas para alterar a consciência). Entender a Fonte por meio do
uso da aproximação ascética é um processo de expandir a consciência a um ponto
além das limitações normais da percepção humana. Historicamente, a
aproximação mística tem sido a fonte para a maioria das doutrinas dogmáticas.
O dogma é um intento de interpretar a visão mística para aqueles que ainda estão
por experimentá-la.
Muitas tradições religiosas descansam sobre as visões misticas de uns pouco
mestres inspirados e desencorajam qualquer intento de prática ascética. Ifá
encoraja o uso da aproximação mística para qualquer um que esteja interessado

134
no crescimento espiritual. A disciplina ascética Ifá é um processo de abrir as
portas que revelam níveis cada vez mais profundos da visão espiritual. Esta
disciplina inclui a iniciação, o tabu, a dança em transe, a meditação, o canto, a
recitação de orações, as celebrações das estações, os rituais de passagem e o fazer
oferenda aso Espíritos que guiam o destino pessoal. As chaves de todas estas
disciplinas estão preservadas dentro dos versos da escritura chamada Odù, que
formam o texto básico da adivinhação Ifá.
Por meio do uso de cada uma destas disciplinas ascéticas, o iniciado começa
a ter uma experiência da unidade que sustenta toda a Criação. Acredita-se que
aqueles que estão capacitados a descrever claramente esta experiência falam com
uma voz profética. A permanente mensagem profética de cada geração é somada
ao texto das escrituras de Ifá, tornando-o um corpo de sabedoria vivente e que
respira. É por meio desse processo que as mensagens eternas chegam a ser
relevantes para a circunstância contemporánea.
A implicações filosóficas da disciplina ascética Ifá são baseadas nas tentativas
dogmáticas de explicar a experiência mística. As palavras, a História Sagrada, o
folclore e o simbolismo religioso não podem jamais substituir a experiência;
quando muito, podem apontar para ela. Mas a palavra e as imagens são o que
forma o conteúdo de todo dogma. Minha compreensão do dogma Ifá é que é
baseado na crença de que Olórún sustenta uma estrutura dinâmica longa e larga
da Criação que se baseia em princípios universais que podem ser captados pela
consciência humana. Estes princípios são chamados Odù, e a compreensão dos
Odù é revelada progressivamente àqueles que mantêm a disciplina ascética de
expandir sua consciência. Em outras palavras, não existe nenhuma interpretação
correta dos Odù. Nossa compreensão dos Odù muda a medida em que nossa
sabedoria aumenta e os Odù expandem seu conteúdo para promover a evolução.
Orí, ou consciência, é também uma Força Espiritual em crescimento. Porém
em virtude da consciência estar restrita pelas limitações de tempo e espaço,
Olórún permanece além do alcance da percepção humana. Por esta razão Olórún
não tem gênero e não existem símbolos de Olórún. Os sacerdotes e as sacerdotisas
de Ifá Òrìsà não chegam a ser possuidos/as por Olórún e não fazem oferendas de
sangue para Olórún.
Podem ser feitas rezas a Olórún.Isto é feito normalmente quando todos os
outros esfôrços religiosos falharam em produzir a transformação espiritual

135
desejada. As rezas a Olórún têm tradicionalmente a forma de um pedido para a
solução de um problema e um reconhecimento de que a vontade de Olórún
sempre se manifesta. O significado teológico desta reza é a crença de que a
vontade de Olórún poderia aparecer como tragédia, porém o infortúnio pode ter
um significado mais profundo que poderia não estar claro para a consciência
humana. Este elemento de fé é baseado na crença Ifá de que o destino universal é
em última instância benevolente.
Dentro da estrutura do destino universal, Ifá ensina que todo espírito
humano fez um acordo com a Criação para receber um destino e propósito
especificos dentro de todos os processos de Evolução. Por esta razão, a disciplina
da transformação espiritual implica o ato de recordar elementos do acordo
original entre o Orí (espírito individual) e Olórún (Fonte da Criação). Aquilo que
é lembrado torna-se o conteúdo de cada consciência mística individual do Eu e
do Mundo. Porém em virtude desta memória ser condicionada pela vida no
Mundo, permanece fragmentada e incompleta.
No dogma Ifá, este acordo inclui o elemento de àtúnwá (reencarnação), que é
entendida como o renascimento de um Orí previamente existente em um novo
ara (corpo físico). A doutrina Ifá de àtúnwá sugere que muita gente reencarna
dentro de sua própria linhagem familiar. Ifá também ensina que não tem
associações negativas com o regressar a Terra em um corpo físico. Não encontro
nenhuma referência nos Odù do conceito místico oriental de tentar romper o ciclo
de reencarnação. È a glorificação do regresso a Terra em forma humana que está
no fundamento de ìségún (reverência aos antepassados). O caminho Ifá para a
visão mística sempre começa pelo respeito por aqueles que já faleceram.
Por reconhecer primeiro a sabedoria daqueles que vieram antes de nós, o
indivíduo é capaz de começar o processo de descobrir e expressar o destino
pessoal. Os rituais Ifá feitos para uma limpeza pessoal de influências negativas
(orí tútù), ritos de passagem (Igbódù) e oferendas de expiação (ebo), são todos com
o propósito de criar um entendimento místico do que pode ser conhecido sobre
o destino de um indivíduo. Estes rituais não têm o propósito de realizar
arbitrariamente desejos de criar poderes e abundância sem sentido. É a tarefa de
Ifá orientar tanto o indivíduo como a família num sentido amplo ao longo do
caminho que leva aos portais (limpezas rituais) que revelam porções do acordo
primordial com a Criação. Uma vez depois de ter acessado um limiar o sacerdote

136
golpeia a porta , e então dá um passo para o lado. A transformação somente terá
lugar se a pessoa que está sendo orientada caminha através da abertura por si
mesma. Se é dado esse passo, algum nível de iluminação acontecerá. Se não se
dá esse passo, a consciência expandida se torna inibida pelo medo. Qualquer
limpeza pessoal que seja levada a cabo como resultado de uma adivinhação cria
uma escolha entre o bem aceitar valentemente o desafio do crescimento ou
permanecer limitado pelo medo. Aqueles que escolhem a coragem são descritos
como acrescentando seu orí-ire (sabedoria).
O processo vitalício de acrescentar o orí-ire constroi ìwà-pèlé (bom caráter).
Orí-ire significa viver de acordo com os princípios divinos. Aqueles que
desenvolvem bom caráter se tornam os maiores na comunidade, dividindo sua
sabedoria com os membros mais jovens de sua família num sentido amplo, que
buscam orientações neles. Quando aqueles que desenvolveram ìwà-pèlé passam
para o Òrun (Reino Invisivel dos Antepassados), se tornam venerados ancestrais
que são louvados como Egún.
Em termos práticos, o que isto sugere é que o significado mais profundo das
escrituras de Ifá não pode ser completamente captado só pela inteligência. O
significado religioso deve ser tanto entendido como experimentado para ser
captado totalmente. No Ocidente, a integração do conhecimento e da experiência
é chamado de "sabedoria". Em Ifá, esta integração é chamada Orí-ire. Em virtude
de Ifá ensinar que o mundo é basicamente benevolente, acredita-se que aqueles
que desenvolvem sabedoria criam boa sorte por virtude de sua própria força
interior. Isto não quer dizer que eles não tenham nunca problemas e dificuldades.
Significa que o processo de crescimento espiritual lhes dá as ferramentas
necessárias para superar as adversidades. A implicação fundamental da doutrina
de Olórún para Ifá é que a unidade subjacente da Criação tráz uma solução para
todos os problemas. Também sugere que as chaves da salvação se encontram
dentro da mesma estrutura de nosso próprio espírito individual. Todos e cada
um de nós temos o potencial para sermos lembrados como um ancestral
reverenciado, que contribuiu para a expansão de nossa visão mística coletiva.

137
Referências: Os conceitos teológicos usados neste capítulo foram baseados
nos estudos académicos na Universidad de California em Santa Bárbara, em l965,
onde estudei teología ensinada pelo falecido professor Tillich. A terminología
que ele desenvolveu através de seus escritos e conferências, se tornou a
terminología estabelecida para definir conceitos religiosos entre aqueles teólogos
acadêmicos que fazem estudos comparativos das crenças religiosas que se
encontram em várias tradições espirituais. As traduções do awo yorùbá foram
fornecidas por Olakekan Babalola e Adekoye Williams.

138
VII
IBA'SE ÒRÌSÀ
O conceito Ifá de louvar aos Imortais

A.ORIKI ÒRÌSÀ
– O conceito IFÁ de louvar as Forças da Natureza
A palavra òríkì significa "consciência em louvor" ou "oração da cabeça". Em
virtude de Ifá estár baseado na crença de que todas as coisas da existência têm
alguma forma de consciência, òríkì é uma referencia àquelas orações que são
dirigidas para qualquer ou todas as Forças na Natureza que sustentam a Criação.
No cerimonial Ifá e Òrìsà, os òríkì são usados como ìgbàdúrà, o que significa
"invocações". Igbàdúrà inclui elementos de àfò'se, que são palavras específicas
usadas para chamar os Òrìsà para um espaço cerimonial. È o uso hábil dos òríkí
que permite a invocação da possessão dos Òrìsà, e o uso hábil de òríkì é o que
permite o retorno a consciência normal ao final de um ritual.
Em minha experiência, o exame e estudo dos òríkì é uma das melhores fontes
para estudar os princípios metafícos que formam a fundamentação da
cosmología Ifá. Isto deve-se a que o conteúdo dos òríkì inclui referências
simbólicas e poéticas a doutrina fundamental Ifá.
Existem duas categorías gerais de òríkì; uma é usada para louvar um grande
número de Òrìsà, e a outra é usada para louvar um Òrìsà específico. Aquelas
louvações que são usadas para reconhecer um grande número de Òrìsà são
usualmente ditas no começo de uma cerimônia. Aqueles òríkì que são usados
para reconhecer um único Òrìsà são ditos em frente ao santuário desse Òrìsà ou
dirigidas a um médium de um Òrìsà específico.
O òríkì usado neste capítulo é uma versão de uma louvação de abertura que
é utilizada pelo maiores de Ifá em Odè Remo. A maioria dos òríkì, quando são
ditos, incluem recitações formais de textos tradicionaiss, junto com elementos
espontâneos que se dirigem a preocupações do momento.

139
B. IBA'SE
– A oração IFÁ de louvação
Opé ni fún Olórun.
Agradeço ao Dono do Reino dos Antepassados.
Comentário: De acôrdo com Ifá, todas as coisas emergem de Olórun, esse
lugar que nunca pode ser visto, o que nunca pode ser visto, o que nunca pode ser
conhecido. É Olórun quem provem as bençãos de longa vida, abundância e filhos.
É Olórun quem preserva o Mistério que veio ao Mundo com o Sopro de Vida.
Mais além disso, nada mais é conhecido.
Ifá ensina que toda a Criação é uma emanação de uma única Fonte
incognoscível. Nos referimos a esta Fonte como Olórun. A doutrina esotérica de
Ifá ensina que Olórun está e sempre estará muito além da compreensão humana.
Ao invés de tentar explicar algo que não pode ser captado, Ifá olha para o
Universo invisível e assume que o que pode ser visto e entendido é um fragmento
de um Mistério maior. Isto significa que Ifá é monoteísta e é baseado na crença
de uma única Fonte. No sistema complexo dos Espíritos que estão identificados
na escritura Ifá, todos eles se entendem como sendo aspectos múltiplos das Forças
interligadas que tecem o tecido da Criação. Todas estas Forças são as muitas
facetas de uma única Deidade.
Ìbà Olódùmarè, Oba àjíkí.
Homenagem ao Criador, o Rei a quem primeiro louvamos.
Mó jí lòní.
Desperto hoje.
Mo wo'gun mérin ayé.
Contemplo as quatro esquinas do Mundo.

Comentário: A cosmología Ifá é baseada na crença de que antes que houvesse


um dia, antes que houvesse uma noite, antes que houvesse terra e antes que
houvesse céu, todas as coisas viviam em harmonia no reino de Ìkòlé Òrun (Reino
Invisível). Era um ovo gigante que permanecia sempre quieto. Na casca deste ovo
haviam quatro linhas horizontais e junto as linhas haviam doze pontos em duas
filas de seis. Estas marcas eram os sinais daqueles Imortais que viviam no Òrun.

140
A escritura Ifá diz que os awo (adivinhos) de Ìkòlé Òrun jogaram Ifá para os
Imortais no dia em que decidiram viajar para além do seu lugar. Foram
informados que deveriam despertar àquele que é "O Dono da Cabaça da Serpente
do Arco Iris". É a Serpente do Arco Iris que mantem junto o Ovo da Criação
abraçando-o fortemente com sua cauda. Se existe um Mundo além de Ìkòlé Òrun,
também deve ser sustentado por uma Serpente do Arco Iris.
Os filhos da Serpente do Arco Iris aceitaram se aventurar longe de casa e
construir novas casas no céu. Desde esse dia ficaram conhecidos como os Odù.
Como eles fizeram seu camino pelo mundo, Olódùmarè continuou crescendo,
mantendo ao mesmo tempo um abraço forte com sua cauda.
Cada dia que chega ao Ser é uma benção de Olódùmarè. Cada manhã é um
testemunho do poder de Olódùmarè, quem deu nascimento as Forças da Criação,
e quem continua mantendo-as dentro da Cabaça do Universo.
Os Imortais dizem que um dia a Serpente do Arco Iris se cansará do esforço.
Nesse dia a Serpente do Arco Iris necessitará de alimento e começará a devorar
sua própria cauda. Quando a comida terminar ela chegará a ser Okítì-bìrì bìrì, Oba
tí np'ojó ikú dà, que significa "O Espírito do Final dos Días, o Rei que decide o
tempo da Morte".
A cosmologia Ifá é baseada na idéia de que toda a Criação emerge de um
único ponto chamado Oyígíyigyì. É descrito como uma pedra irremovivel
embaixo das águas cósmicas, o que é uma referência simbólica a semente que
gerou toda a força vital. A escritura Ifá sugere que em alguma data futura
distante, todas as coisas retornarão ao ponto central. Esta idéia é consistente com
a astrofísica da ciência ocidental moderna, que tem postulado que o Universo foi
formado a partir de um único ponto, que era infinitamente pequeno e
infinitamente denso. Em outras palavras toda a matéria e energía que agora existe
no Universo esteve uma vez toda junta em um único ponto que explodiu no
começo do tempo e que pôs em movimento o processo de evolução. Alguns,
porem nem todos os cosmólogos ocidentais, crêem que quando o Universo tiver
alcançado seu último estado de expansão, começara a colapsar-se em si mesmo,
retornando ao ponto único do qual veio.
Na história sagrada da maioria das religiões existentes na Terra, o ponto
único que gera a Criação é também simbolizado como um ovo e uma pedra. Se
toda a matéria do Universo estivesse concentrada em um só espaço, seria exato

141
descrever o ponto como uma pedra ou um ovo, em termos literais. Os santuários
usados no culto Ifá Òrìsà usam pedras como um ponto focal para a oração. É a
função da pedra servir como representação simbólica da Fonte da Criação.
Ifá ensina que a Criação evolui guiada pelos Odù. Em Ifá existem duzentos e
cinquenta e seis Odù, e cada Odù representa um padrão de energía baseado na
imagem simbólica de uma esfera. Cada esfera é composta de quatro quadrantes
que são sustentados em seu lugar por forças de contração e expansão. As trocas
nesta polaridades são a base da diversidade no mundo.

Ìbà Èlàwòrì,
Homenagem ao Espirito da Pureza,
Agbégí lèré, là'fín ewu l'àdò,
Que esculpe o tecido em Ado em forma de uma escultura
Ènítì Olódùmarè kó pà'jó ikú è dà,
Aquele cuja data da Morte não foi trocada por ele
Omò Olúwòríogbò.
Filho do Sacerdote Principal que fez todas as Cabeças que existem na
Criação.
Comentário: As escrituras de Ifá dizem que no dia em que o Ovo Primitivo
abriu a porta que conduz do Ìkòlé Òrun a Ìkòlé Ayé, Olúwòríogbò, o que significa
"o Chefe que faz todas as Cabeças da Criação", disse a todos os que viviam em
Ìkòlé Òrun que virassem as cabeças para que nada conhecessem do Mistério da
Criação. Porém Olúwòríogbò necessitou de uma testemunha para a Criação, por
essa razão nada disse quando Elà se virou de novo para ver o que estava sendo
feito. Desde esse dia os Imortais se referiram a Elà como A-sòrò-dayò, Elérì-ìpín,
Ibìkejì Olódùmarè, Enì-mòó-álà, o que significa "O que faz prosperar os negócios,
Testemunha da Criação, Segundo do Criador, Aquele que quando se conhece se
é salvo".
Foi nesse dia que Elà se tornou o Adivinho Chefe de Ikòlé Òrun, onde é
conhecido pelo nome de Òrúnmìlà, o que significa "O Reino Invisível dos
Antepassados conhece minha Salvação".
A cosmologia de Ifá é baseada na crença de que todas as Forças da Natureza
são guiadas por sua própria forma inata de consciência. A Força Espiritual
chamada Olúwòríogbò é uma contração da palavra Olúwò, que significa "Sacerdote

142
em Chefe", a palavra orí, que significa "cabeça" ou "consciência", e a palavra ogbò,
que significa "o antigo".
Experimentos em física quântica sugerem que as partículas subatômicas se
relacionam umas com as outras em uma forma que poderia se descrever como a
comunicação consciente entre partículas. Alguns experimentos indicam que as
partículas existentes em um segmento do Universo podem ter efeito nas
partículas em regiões remotas do Cosmos. Devido a aparente capacidade das
partículas subatômicas de se comunicarem, os físicos quânticos não podem
estabelecer um paradigma mecanicista (causa e efeito) da estrutura atômica. Em
vez disso, descrevem a interação subatômica em termos de probabilidade. É o
mesmo tipo de probabilidade que os psicólogos usam para descrever a variação
da resposta humana para um determinado conjunto de circunstâncias.
A física quântica ocidental se baseia na idéia de que a compreensão dos
contornos de probabilidade que existem nas estruturas subatômicas é a base para
compreender a forma em que a evolução tem se desenvolvido através do tempo.
Ifá tem um ponto de vista similar que descreve como Elà. Na cosmologia Ifá, Elà
conhece os princípios que criam o destino, e esses princípios são os fundamentos
para o sistema de adivinhação que se chama Dáfá.
Ìbà'se ilà Oòrùn .
Homenagem ao poder do Leste.
Comentário: A escritura Ifá diz que quando Olódùmarè abriu a porta de
Olórun uma esteira foi colocada através de todo o céu para que os Imortais
tivessem um lugar onde sentar-se.
Ilà Oòrùn viajou ao Este levando o Mistério de Ejì Ogbé. Dentro do Mistério
de Ejì Ogbè existe o espectro completo da luz. Todas as cores da Criação estavam
ocultas na cabaça de Òrìsà Fúnfún, que significa "A Luz Branca que abraça todos
as Cores do Arco Iris". Segundo Ifá a Luz dá nascimento a todas as coisas. Os
imortais chamam esta cabaça de Gbé-mi, o que significa "apóia-me". Ejì Ogbé, que
é a primeira estrofe da escritura Ifá, ilumina o Mistério do Nascimento.
Antes de fazer a viagem ao Este, Ejì Ogbé vivia com os Imortais em Ikòlé Òrun
entre os dezesseis grandes Chefes que foram instruidos a sairem do Òrun e que
viajassem a Erùpè, Ejì Ogbé era o mais jovem e o menos experiente. Como
nenhum dos outros sabiam o que os esperava ao fazerem o caminho para seu
novo lugar, instruiram Ejì Ogbé que fosse primeiro para que pudessem

143
determinar se o mundo era ou não um lugar seguro para se viver. Desde esse dia
Ejì Ogbé é conhecido como o Maior dos Imortais porque foi o primeiro a chegar a
Erùpè (poeira da superfície da Terra).
Ifà e a ciência ocidental ensinam que a primeira Força na Natureza gerada
pelo ato da Criação foi a Luz. Esta Luz tomou a forma de uma enorme bola de
fogo que era mais quente que qualquer coisa conhecida no Universo atual.
Em Ifá o Mistério da Luz se chama Ejì Ogbé. Na ciência ocidental o Mistério
da Luz se chama fóton. A palavra fóton é um termo científico utilizado para
categorizar a teoria científica sobre a natureza da Luz. Existe uma concepção
errónea comum na cultura ocidental de que uma vez que a ciência dá um nome
a um fenômeno, esse fonômeno é completamente compreendido. A física
quântica tem feito um tremendo progresso para compreender a dinámica e a
forma que criam o campo eletromagnético que chamamos Luz. No entanto, existe
muito sobre o funcionamento interior de um fóton que continua sendo um
mistério.
Ìbà'se Iwò Oòrùn.
Homenagem ao poder do Oeste.
Comentário: A escritura Ifá diz que Iwò Oòrùn viajou ao Oeste levando o
Mistério de Oyèkú Méjì. Dentro do Mistério de Oyèkú Méjì a Luz se torna
Escuridão e o Día se torna Noite. Antes que Oyèkú Méjì viajasse para a Terra
gbogbo Edá (Toda a Criação) era Imortal. Porém a Escuridão transformou a Luz.
Os Imortais chamaram o poder transformador da Escuridão Ikú (Espírito da
Morte). Oyèkú Méjì é a segunda estrofe da escritura Ifá e ilumina o Mistério da
Morte.
Tanto Ifá como a ciência Ocidental ensinam que a Luz inicial da Criação foi
seguida pela Escuridão. Na escritura Ifá, a Escuridão chega ao Ser por meio de
Oyèkú Méjì, que é a segunda estrofe da escritura usada para a adivinhação Ifá. A
teoria científica da criação sugere que dentro da primeira fração de segundo logo
no momento da Criação toda a Luz do Universo foi absorvida pela Escuridão. A
física quântica teoriza que a força inicial da Criação gerou porções iguais de
matéria e antimatéria que literalmente se anularam uma a outra repetidamente
até que o Universo começou a esfriar-se. As estimativas científicas são que este
processo se repetiu muitas vêzes em um instante, até que o calor do universo se

144
esfriou até ao ponto em que o as leis da física pudessem existir. As leis que
governaram a interação inicial entre matéria e antimatéria permanecem muito
além da compreensão científica, continuam sendo um Mistério.
Ifá descreve esta interação simbólicamente, dizendo que Oyèkú Méjì viajou
do Ikòlé Òrun a Ikòlé Ayé e trouxe o poder da escuridão e da morte. Ifá ensina
também que a Escuridão e a Morte carregam as sementes da Luz e do
Renascimento. Esta é uma fórmula muito antiga e mítica da teoría Lavosier
(sec.XVIII) da conservação da matéria, que diz que a matéria não é criada e nem
destruida, somente se transforma.
Ìbà'se Àríwá.
Homenagem ao poder do Norte.

Comentário: A escritura Ifá diz que Àríwá viajou ao Norte levando o Mistério
de Iwòrì Méjì. No Mistério de Iwòrì Méjì a Luz sustenta a si mesma contra o poder
da Escuridão. Iwòrì Méjì é a terceira estrofe das escrituras Ifá que iluminam o
Mistério da Vida.
A representação simbólica de Iwòrì Méjì é uma esfera de Luz rodeada pela
Escuridão. Os termos metafísicos de Luz e Escuridão também se referem a forças
de expansão e contração. Se a contração se associa com a gravidade e a expansão
com a radiação, a imagen de Iwòrì Méjì pode ser usada como um símbolo dos
pares de energía que ocorrem em uma estrela. A ciencia chama esta formação de
energia "fusão nuclear". Este mesmo padrão forma a base para a formação de
átomos. A radiação que emana do núcleo de um átomo é mantida em seu lugar
por uma atração dos campos de energía na circunferência exterior do átomo.
A escritura Ifá diz que Iwòrì Méjì era o terceiro na hierarquia atrás de Oyèkú
Méjì e de Ejì Ogbè, porem Iwòrì Méjì ultrapassou seu irmão e irmã em sua
capacidade de acumular as bençãos da abundância. É a luz das estrelas, e em
particular a luz do sol, o que põe em movimento a cadeia evolucionária de
acontecimentos que faz possível o desenvolvimento da vida na Terra. As
escrituras Ifá se referem ao desenvolvimento desta bênção com o nome de Iwòrì
Méjì.
Ìbà'se Gúúsù.
Homenagem ao poder do Sul.

145
Comentário: A escritura Ifá diz que Gúsúsù viajou para o Sul levando o
Mistério de Odí Méjì. Dentro do Mistério de Odí Méjì as Águas Celestiais
transformaram o poder de Ikú em àtúnbi (renascimento). Odí Méjì é a quarta
estrofe da escritura Ifá, que ilumina o Mistério do Renascimento.
Com a aparição de Odí Méjì no Mundo, os Imortais tiveram todos os
elementos para a criação de um novo lugar. Esta nova morada foi chamada Ilé
Ifè, o que significa "terra espalhada". Dentro da cabaça de Ilé Ifè os poderes de Ejì
Ogbé, Oyèkú Méjì, Iwòrì Méjì e Odí Méjì se misturaram nas encruzilhadas da
Criação. A partir desta união surgiram doze filhos, a quem os Imortais
chamaram Irósún Owòrín Méjì, Obárà Méjì, Okánràn Méjì, Ogúnda Méjì, Osàn Méjì,
Ikà Méjì, Otúrùpón Méjì, Otùrá Méjì, Irétè Méjì, Osé Méjì e Ofún Méjì.
A escritura Ifá faz repetidas referências ao processo de esfriamento como
uma forma de moderar e fortalecer as Forças na Natureza. É o esfriamento dos
gases provenientes do Sol que leva a transformação da Terra. Existe uma bola de
fogo no centro da Terra, porém a bola de fogo está indo em direção ao colapso. É
a força de contração do centro da Terra que está atraindo sobre si mesma a bola
de fogo.
A mesma coisa ocorre quando o combustível de uma estrêla alcança um certo
nível de esgotamento. Em alguma fase na vida de qualquer estrela, o combustível
diminui até ao ponto em que a força do calor que escapou da força da gravidade
é pego pela força de gravidade. O calor se volta sobre si mesmo, causando um
fenômeno chamado fusão nuclear. Isto significa que as partículas subatômicas
perdem sua estrutura individual e começam a fundir-se em um único ponto de
extrema densidade. A ciência chama a esse processo "a morte de uma estrela".
Ifá ensina que todas as Mortes levam dentro de si as sementes de
renascimento. Quando toda a matéria que está contida em um núcleo de uma
estrela em colapso alcança um certo ponto de densidade, a estrela explode. A
explosão de uma estrela forma uma supernova, a qual é uma nuvem de gás que
envia um manto de luz e restos galácticos derramando-se em todas as direções.
Os átomos que se formam neste processo são mais complexos que os da estrela
original. Ifá se refere a esta nuvem como àlà, o que significa "pano branco". Na
escritura Ifá, o pano branco é o tecido da Criação. Na ciência ocidental, os átomos
formados por uma supernova são os tijolos de construção para a cadeia de
elementos que dão sustentação ao mundo material.

146
Ìbà Oba Ìgbàláyé.
Homenagem ao Rei das Estações da Terra.
Comentário: Ifá fala do Mistério de Oba Ìgbàláyé devido ao fato de cada ano
que passa estarmos recordando como foi o primeiro dia da Criação.
Ifá ensina que cada parte da Criação é um reflexo de toda a Criação. Existe
na disciplina de Ifá um sistema de astrologia topográfica chamado Gédé. É a
função de Gédé marcar o efeito das influências solares e planetárias sobre a troca
das estações da Terra. Esta informação é usada para marcar as celebrações das
estações, as que dão boas vindas, invocam e apaziguam aquelas Forças
Espirituais que influênciam a troca ao longo do ano. A integração das quatro
estações é a integração dos quatro primeiro Poderes Cardiais chamados Odù, os
que chegaram a Ser no primeiro dia da Criação.
Ìbà Òrun Òkè.
Homenagem ao Reino Invisível das Montanhas.
Comentário: Ifá ensina que todas as coisas que existem na Terra foram
criadas primeiro no Ikòlé Òrun (Reino Invisível dos Antepassados). O que existe
no Ikòlé Ayé (Mundo) leva consigo o Espírito de Orí (Consciência). O que existe
no Ikòlé Òrun leva consigo o Espírito de Ìpònrí (Consciência Superior). O Espírito
das Montanhas é o Dono do Mistério que enlaça Orí e Ìpònrí.
Segundo Ifá, todas as coisas que existem no Universo contem alguma forma
de Orí. A palavra orí é usualmente traduzida como “cabeça”. Tem esse
significado, porem a conotação na cultura yoruba é que todas as cabeças tem
consciência e que a consciência está diretamente enlaçada com aquelas Forças
Espirituais que existem no Ikòlé Òrun, ou a quarta dimensão invisível. O Orí da
Montanha nos guia até uma sabedoria do Ìpònrí, que é o nosso EU Superior.
Ìbà Atíwò Òrun.
Homenagem a todas as coisas que vivem no Reino Invisivel.
Comentário: A tradição oral Ifá diz que Ilé Ifè (a Cidade Sagrada) apareceu
primeiro no Ikòlé Òrun (Reino Invisivel dos Antepassados). Os dezesseis Imortais
viviam no Ikòlé Òrun, onde eram conhecidos como Awon Wúnrìn Wúnrìn Awó, o
que significa "Aqueles que Tecem os Antigos Mistérios da Abundância".
Os dezesseis Imortais, que são o fundamento do Mito Ifá da Criação,
representam os padrões de energia fundamentais que guiam a Evolução.

147
Segundo Ifá, estes padrões de energia reaparecem em todos os níveis da Criação
em uma nova forma. Quando se fala dos imortais como vivendo em Ikòlé Òrun, é
uma referência ao arquétipo de cada um dos padrões tal como existiu em sua
forma originária. Cada padrão é simbolizado por um Odù, o qual por sua vez e
um padrão gráfico e uma estrofe da escritura Ifá.
Enquanto estes padrões fazem a viagem mítica do Ikòlé Orún ao Ikòlé Ayé
(Mundo), se manifestam como diferentes tipos de Forças Espirituais. Em sua
forma original, se chamam Imolè. Quando os Odù vêm ao mundo para formar o
futuro, são chamados Igbamolè. Os Odù que criaram a Terra são chamados
Irúnmolè. Estas Forças Espirituais são responsáveis pela descida do àse (poder
espiritual) do Reino Invisível ao Reino Visível da existência.
Quando os Odù alcançam a Terra se dispersam entre formas variadas da
consciência humana e começam a viagem de retorno da Terra em direção ao
Reino Invisível. Essa viajem é chamada de subida do àse. O primeiro nível de
subida ocorre durante Igbódù (iniciação), ao mesmo tempo em que o orí é
colocado em alinhamento com o Ìpònrí. Se este alinhamento permanece seguro
através da vida do iniciado, o orí é transformado em Òrìsà Idìlé. A frase Òrìsà Idìlé
significa "Consciência seca pela luz que emerge de uma única família". Uma
tradução mais direta seria "Ancestrais divinizados". Enquanto que o Espírito
Ancestral continua a viagem para o Ikòlé Òrun, chega a ser Òrìsà Orílé. A frase
Òrìsà Orílé significa "Consciência seca pelo Sol que leva em si a consciência da
Nação".
A absorção de Òrìsà Idìlé em Òrìsà Orílé significa que a consciência humana
pode fundir-se com a consciência de um número cada vez maior de famílias. Em
outras palavras, os ancestrais se unem com a Força Transcendental na Natureza
e somam ao conteúdo de seu próprio Orí o Orí dos Imortais. É por meio deste
processo que os humanos ganham a capacidade de comunicar-se com a Natureza
e a Natureza ganha a capacidade para comunicar-se com os humanos.
Ìbà Olókun à-sòrò-dayò.
Homenagem ao Espirito do Oceano, o que faz as coisas prosperarem.
Comentário: A escritura Ifá diz que quando os Imortais estavam sentados
tecendo em Ikòlé Òrun, nunca olharam para baixo do céu para ver o esplendor de
Olókun (Espírito do Oceano). Dentro da cabaça de Omi Ayé (águas terrestres),

148
existía o Mistério da Abundância, Longa Vida e Muitos Filhos. Este mistério
estava escondido sob as águas turbulentas e zonas úmidas, que eram incapazes
de suportar a vida. Não havia ninguém em Omi Ayé para chamar os imortais e
nenhuma razão para os imortais viajarem para longe de casa.
Neste ponto do Relato Ifá da Criação, os humanos não haviam desenvolvido
ainda sua consciência do Eu até ao ponto em que o aumento do àse pode começar.
Refere-se aos anos crepusculares na aurora da consciência humana. Olókun é
descrito como o que faz prosperar as coisas, em virtude de ser a presença da água
na Terra que conduz as formas de vida a existência e ao florescimento.
Ìbà aféfé légélégé awo ìsálú-ayé.
Homenagem ao Poder do Vento, o Mistério do Misterioso Mundo.
Comentário: Ifá atribui grande valor em ver a verdade como ela é, e não como
nos gostaríamos que fosse. A capacidade de ver as coisas tal como são requer a
capacidade de admitir quando algo está além da compreensão humana. Muito
desta sabedoria de Ifá está baseada na observação das Forças Naturais, tal como
se manifestam na densa selva africana. Algumas destas Forças podem ser
compreendidas até ao ponto onde certos fenômenos dentro do meio ambiente
podem ser parecidos, avaliados e usados para apoiar a sobrevivência, enquanto
que outros fenômenos continuam iludindo a compreensão, são difíceis de captar
e estão além da previsibilidade. Tais Forças estão associadas com o Mistério
eterno do Vento, e são aceitas em seus próprios termos.
Ìbà Ògégé, Oba tí ngb'áiyé gún.
Homenagem a Mãe Terra, que sustenta o alinhamento Universal de todas as
coisas na Natureza.
Comentário: A palavra yorùbá Ògégé é uma variação abreviada de Ilé Ògégé,
que significa "Mãe Terra". A cosmología Ifá se basea na crença de que a Terra é
um Espírito consciênte que regula seu sistema ecológico de uma maneira bastante
parecida de como o corpo humano regula seus sistemas internos de apoio a vida.
O conceito Ifá de justiça social está estreitamente alinhado com a idéia de viver
em harmonia com o fluxo natural dos sistemas ecológicos que sustentam
qualquer meio ambiente conhecido. Ifá ensina que, em seu estado natural, a Terra
provem abundância para todos aqueles que vivem em sua superficie, tal como o
Oceano prove para todos aqueles que vivem no mar. É apenas quando os

149
humanos vivem em oposição ao estado natural que se desenvolvem problemas
tais como a pobreza, a fome e os desatres naturais.
Ìbà títí àiyé ló gbèré.
Homenagem a perpetuidade do Mundo na eternidade.
Comentário: O conceito Ifá da eternidade está baseado na percepção mística
africana do tempo como um fenômeno circular, muito mais do que como um
fenômeno linear. Isto significa que em qualquer momento em que uma pessoa,
uma família, uma comunidade ou um Espírito experimenta sua própria essência,
esse instante chega a ser eterno. Isto não quer dizer que permaneça igual para
sempre no futuro. O conceito linear ocidental de um futuro sem final é diferente
do conceito Ifá de gbèré (eternidade), que sugere um ciclo sem fim de nascimento,
vida, morte e renascimento.
Ìbà Oba àwón Oba.
Homenagem ao Rei de todos os Reis.
Comentário: A cultura tradicional yorùbá é baseada em uma monarquia
patrilinear. A posição de Oba é o titulo usado em algumas regiões de Nigéria
para aqueles líderes da comunidade que são descendentes diretos do povo
original que fundou a nação yorùbá. Existem na Nigéria aproximadamente vinte
e um Reis, que têm o direito de usar o título Oba. A posição de Oba compreende
uma longa e difícil iniciação, que transforma o iniciado em um laço direto entre
o povo do Mundo e os Ancestrais que vivem no Reino Invisível. Louvar a Oba
àwón Oba é respeitar aos mais sábios dos sábios entre aqueles Oba que chegaram
a ser Ancestrais.
Ìbà Òkítí bírí, Oba tí np'òjó ikú dà.
Homenagem ao que evita do final dos dias, o Rei que pode trocar o tempo
da Morte.
Comentário: Ifá ensina que a Luz vem da Escuridão e que a Escuridão vem
da Luz. Elas juntas formam a cabaça de Ikú (Morte) e àtúnbí (renascimento). Ifá
louva o Criador do final dos dias, que abre o caminho para um novo começo.
Ifá ensina que essa parte do destino de cada pessoa é òjó ikú, o que significa "
Dia da Morte". Viver em harmonia com o Eu e o Mundo assegurará que cada
pessoa viva até o dia final. É a negligência de se viver em harmonia com o Eu e o

150
Mundo o que cria a possibilidade de uma morte prematura, e esta é uma
preocupação séria para aqueles que vivem segundo a sabedoria de Ifá. Se alguém
invocar a Morte por meio de suas ações bobas, é a Oba Okítí-Bírí a quem se apela
num esforço para se evitar um falecimento prematuro.
Ìbà àte-ìká ení Olódùmarè.
Homenagem a esteira que não pode ser enrolada depois de estendida.

Comentário: Ifá ensina que tudo o que é se torna a base do que será. Cada
dia tecemos a esteira com o que realizamos, ou lamentamos o que poderíamos
tecer. O símbolo da esteira é usado em Ifá tanto para representar o inter-
relacionamento de todas as coisas como a criação de um espaço sagrado. Esta
imagem é usada de forma a refletir a idéia de que todas as coisas vêm de uma
Fonte, e que todas as coisas são uma expressão da Fonte. Nada na existência
permanece fora do reino do sagrado. A qualidade do espaço sagrado dependerá
da atenção e reverência que lhe sejam dadas.

Ìbà Òdému dému kété a lénu má fohùn.


Homenagem ao poder que extrai a Bondade do Reino do Invisivel.
Comentário: De acordo com a metafísica Ifá, o destino é o caráter, e a Força
Espiritual que compele os humanos a desenvolver bom caráter é ela mesma um
Òrìsà (Força na Natureza). Ifá se baseia na crença de que o Universo é
benevolente, e que construir bom caráter é um resultado direto de viver em
harmonia com a bondade essencial da Criação.
Ìbà'se àwón Ikú emesè Òrun.
Homenagem aos mortos, os mensageiros do Reino Invisível.
Comentário: O respeito pelos ancestrais não é um apoio incondicional a tudo
o que ocorreu no passado. A referência a respeitar aqueles ancestrais que já
faleceram tem a intenção de identificar aqueles antepassados que viveram sua
vida em concordância com as crenças éticas de Ifá. Um princípio fundamental da
veneração Ifá ao antepassados é que chegamos a ser o que somos amparados nos
ombros daqueles que vieram antes de nós. (Neste momento da louvação seria
tradicional chamar os nomes da linhagem pessoal dos antepassados do indivíduo

151
que está dizendo a louvação, incluindo aqueles antepassados que pertenceram a
sua família religiosa num sentido amplo.
Ìbà Orí,
Homenagem ao Espirito da Consciência,
Ìbà Orí inù,
Homenagem ao Espirito do EU Interior,
Ìbà Ìpònrí tí ó wà l' Òrun,
Homenagem ao Espirito do EU Superior, que vive no Reino Invisivel dos
Antepassados
Ìbà Kórì,
Homenagem ao Criador da Cabaça que contem o EU interior,
Ìbà Àjàlá-Mòpín,
Homenagem ao Espirito do Guardião de todos os Espíritos Interiores
que são escolhidos no Reino Invisível dos Antepassados,
Ìbà Alúdùndún- Òrun,
Homenagem ao Espírito que anuncia o Destino que é criado no Reino
Invisível dos Antepassados,
Ìbà Odò-Aró, atí Odò-Ejé,
Homenagem ao Rio Azul e ao Rio de Sangue, (esse lugar que faz com que o
Destino seja esquecido).
Òrun Orí nìlé, e òó jíyìn, e óò jábò oun tí e rí.
O Reino Invisível dos Antepassados é a morada permanente do EU Interior,
é ali que o EU Interior presta contas pelo que fez durante a viagem a Terra.
Comentário: A escritura Ifá diz que no dia que o Orí decidiu fazer a viagem
do Ikòlé Òrun (Reino Invisível dos Antepassados) ao Ikòlé Ayé (Mundo), Orí levou
com ele Orí ínù e disse a Ìpònrí que esperasse em Ikòlé Òrun por seu retorno. Então
Orí viajou ao lugar de Kórì e lhe pediu que fizesse um recipiente apropriado para
que Orí fizesse a viagem. Orí viajou da morada de Kórì até a morada de Ajálà-
Mòpin e lhe pediu o nome do Òrìsà que protegeria a Orí na viagem. Orí se deu
conta que o propósito da viagem era desconhecido. Orí viajou a morada de
Aludùndùn Òrun, que anunciou o destino de Orí no tambor falante.
No dia em que Orí chegou a Ikòlé Ayé, foi necessário passar através do país
de Odò-aró e Odò-èjè (referência simbólica ao conduto uterino). Enquanto passava

152
através desse país, Orí ouviu o nome do Òrìsà que havia sido invocado para sua
proteção, e ouviu o destino que lhe foi anunciado por Aludùndùn Òrun. Num
esforço para recordar essas coisas, Orí viajou até a morada dos Òrìsà, que viviam
em Ikòlé Ayé.
Antes de tudo, Orí chegou a casa de Sàngó (Espírito do Fogo) e lhe pediu que
viajasse com ele todas as jornadas de Orí através da vida. Sàngó disse que o faria,
porém também disse que o fogo não podia viver na água. Orí foi a morada de
Yemoja (Espírito da Mãe dos Peixes) e lhe pediu que viajasse com ele em todas as
jornadas de Orí através da vida. Yemoja disse que o faria, porém também disse
que a água não podia viver na montanha alta, porque sempre viajava para o solo
mais baixo. Orí foi a morada de Obàtálá (Rei do Pano Branco) e lhe pediu que
viajasse com ele em todas as jornadas de Orí. Obàtálá disse que o faria, porém lhe
disse que o ar não podia viver debaixo da terra. Orí então foi a morada de Onìlé
(Espírito da Terra) e lhe pediu que viajasse com Orí em todas as jornadas de Orí
através da vida. Onìlé disse que o faria, porém também disse que não podia viajar
através do ar. Finalmente, Orí foi a Òrúnmìlà para perguntar qual Òrìsà viajaria
com Orí através de todas as jornadas da vida. Òrúnmìlà aconselhou a Orí que era
o Òrìsà chamado Orí que viajaria com Orí em todas as jornadas de Orí através da
vida.
A partir desse dia, Orí consultou a Òrúnmìlà para buscar as respostas a outras
perguntas que haviam sido esquecidas na viagem de Ikòlé Òrun a Ikòlé Ayé.
Dentro do ensinamento oral Ifá, existe uma complexa compreensão
metafísica da estrutura e função da consciência tal como existe em todas as
dimensões do Ser. Esta perspectiva metafísica é o fundamento para o que poderia
ser chamado psicologia Ifá, a qual é a base para avaliar o progresso do
crescimento espiritual individual.
Ìbà Èsù Òdàrà, Òkúnrìn orí ità, árà Òké Ìtáse, ao fí idà re lálè.
Homenagem ao Divino Mensageiro da Transformação, o Homem das
Encruzilhadas, da Colina da Criação, usaremos tua espada para tocar a
Terra.
Comentário: A escritura de Ifá diz que no dia em que todos os dezesseis
Imortais chegaram a Ikòlé Ayé, havia incerteza quanto suas intenções no novo
país. Enquanto os Imortais estavam analisando a questão, acordaram a chegada

153
de Osè 'Tùrá (Princípio Divino), que veio ao Ikòlé Ayé na forma de Esù Odàrà
(Divino Mensageiro da Transformação), que era o décimo sétimo Odù (Princípio
Divino) a chegar do Ikòlé Òrun. Foi Esù Odàrà quem disse que ele conhecia o
propósito da vida no Ikòlé Ayé, porém os Imortais o consideraram demasiado
jovem e insignificante para consultá-lo em assunto tão importante.
Em resposta, Esù Odàrà fez com que os Imortais se misturassem, o que
aumentou seu número dezesseis para duzentos e cinqüenta e seis. Foi a maior
confusão dos Imortais sobre os objetivos no novo país e a confusão os levou a
males e doenças. Quando os Imortais viram o que Esù Odàrà havia feito, lhe
perguntaram sobre os objetivos no novo país. Nesse momento, Esù Odàrà disse
que não responderia a menos que eles fizessem uma oferenda. A oferenda foi
feita. Esù Odàrà disse: "As pessoas da Terra foram destinadas a ter uma boa vida
e por meio de oferendas aos Espíritos, eles serão guiados a boa vida".
Neste papel como Divino Mensageiro, Esù é a primeira Força Espiritual a
que se dirige durante o ritual e a cerimônia. Isto se faz em virtude de Esù ser o
Proprietário do Mistério que traduz a linguagem humana em linguagem da
Natureza, e que traduz a linguagem da Natureza em linguagem humana. A
chave para este Mistério é o conceito Ifá da Verdade. Ifá ensina que a Verdade é
aquilo que existe tal como é, não como acreditamos que deveria ser. A cabaça da
Verdade está no Útero da Criação, que esta localizada no Mistério de Olódùmarè
(Fonte da Criação). É o caráter interior de Olódùmarè o que reflete a Verdade. O
caráter interno de Olódùmarè se chama Oníwà funfun, o que significa "o Dono do
Mistério do Bom Caráter e da Luz". A referência a Luz se relaciona com a essência
luminosa do próprio Ser.
Neste papel como o Divino Pícaro, Esù tem o papel de perturbar os que se
tornam complacentes, e em conseqüência disso se descuidam da
responsabilidade de encontrar seu propósito no mundo. No Ocidente existe a
noção comum de que essa perturbação, caos e desastres naturais são
acontecimentos fortuitos, não regulados pela Lei Natural. Os físicos modernos
tem estudado este fenômeno em uma linha da ciência chamada Teoria do Caos.
De acordo com esta teoria, os acontecimentos que parecem fortuitos e caóticos
seguem um padrão estabelecido que aparece quando são vistos por longos
períodos de tempo. Esta teoria é consistente com a cosmologia Ifá, que ensina que
o que parece ser o caos é uma forma da Natureza manter-se estável.

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Ìbà Òsòósí Ode màtá.
Homenagem ao Espirito do Rastreador, Dono do Mistério da Medicina
Ponteada.
Comentário: O ensinamento de Ifá diz que no dia em que os Imortais
descobriram seu propósito em sua nova morada, consideraram a necessidade de
sobreviver. Era Òsóòsì que conhecia o Mistério da Medicina Ponteada. Era Òsóòsì
que tinha habilidade de encontrar seu caminho através da floresta em busca de
comida e caça.
O ensinamento de Ifá inclui a sabedoria usada pelos rastreadores quando
entram na floresta em busca de comida e caça. Uma parte desta sabedoria inclui
o conhecimento de ervas medicinais que é usado para proteção. Esta medicina é
pintada no corpo em pontos, que são absorvidos através da pele. As vezes esta
medicina é absorvida através de pequenas incisões feitas na pele. Os espíritos que
compartilham o Mistério desta Medicina são louvados dizendo, Mó júbà títí aiyé
lo gbére o, o que significa "Louvo para sempre os Eternos Poderes da Terra".
Ìbà Ògún awo,
Homenagem ao Mistério do Espirito do Ferro,
Onìlé kángu kàngu Òrun,
O dono de inumeráveis moradas no Reino dos Antepassados.

Comentário: O ensinamento Ifá diz que no dia em que os Imortais desejaram


fazer a viagem do Ikòlé Òrun ao Ikòlé Ayé, foi Ògún (o Espírito do Ferro) quem
forjou a corrente que tornou possível a viagem. Desde esse dia, é a Ògún que os
Imortais chamam para limpar o caminho. No dia em que os Imortais desejaram
plantar na fazenda, foi Ògún quem lhes mostrou o Mistério das Ferramentas. Este
Mistério se encontra no fogo, que é utilizado para temperar o ferro e fazê-lo forte.
Desde esse dia é Ògún a quem os Imortais chamam para trabalhar a enxada.
No dia em que os Imortais desejaram ir caçar, foi Ògún quem lhes mostrou
como usar a faca. O Mistério da faca se encontra na compaixão que traz o espírito
do animal. Desde esse dia, é a Ògún que os imortais chamam para fornecer carne
para a panela.
No dia em que os Imortais desejaram se assegurar que os humanos falavam
a verdade, foi Ògún quem forneceu o Mistério do Edan. O Mistério do Edan é o
conhecimento da justiça, que se encontra dentro do útero de Onìlé, que significa

155
"Proprietária da Terra". Desde esse dia, é a Ògún que os Imortais chamam para
prestar um juramento.
Ifá ensina que a sobrevivência depende da força interior que é nutrida por
uma vontade forte. Foi a vontade firme de Ògún que forjou a corrente que une o
Reino Invisivel dos Antepassados e a Terra. Isto sugere que a força atrás da
evolução é guiada por uma resolução implacável de manifestar o que está
destinado a chegar a ser. Esta força se apresenta em todas as pessoas que estão
vivas, em virtude da paixão instintiva de sobrevivência. A vontade de viver pode
ser sufocada e reprimida, porem não pode nunca ser apagada do potencial
existente em todas as crianças recém nascidas.
De acordo com a história sagrada Ifá, é esta vontade de viver que conduziu
a descobrir a tecnologia de forjar o ferro. Este mesmo poder de determinação é a
raiz de todo avanço tecnológico que ocorre dentro de determinada cultura.
No ponto da história humana no qual as famílias num sentido amplo
trocaram seu foco de recolher comida dos restos dos animais mortos, para ir
ativamente a caça, incluíram a dimensão espiritual como um elemento da caça.
Esse processo espiritual foi agradecer ao espírito do animal caçado por fornecer
a alimentação necessária a sobrevivência. Em virtude de Ifá acreditar que todas
as formas de vida têm consciência, e em virtude de que todas as consciências
escolhem seu destino, fornecer alimento é visto como uma oferenda do espírito
do animal ao espírito da família do caçador. Em resposta a esta oferenda, o
caçador eleva o espírito do animal de maneira que retorne a Terra do Reino
Invisível dos Ancestrais, e uma vez mais forneça comida. Na cultura ocidental,
esta cerimônia é normalmente considerada bárbara. Ignorar o espírito do animal
somente ocorre em culturas nas quais os humanos se colocam a parte do restante
da Criação.
Dentro de cada comunidade na Sociedade tradicional yorùbá existe um
conselho de maiores chamado Ogbòni, que significa "Da Terra". A sociedade
Ogbòni supervisiona a conduta dos Chefes e maiores religiosos em determinada
região geográfica. Se alguém ofendeu o código ético da comunidade, um Edan é
colocado no solo em frente a porta de sua casa. O Edán é uma estátua de um
homem e uma mulher que estão unidos na parte superior de suas cabeças por
uma corrente. Esta corrente é uma representação esotérica da corrente original
forjada pelo Espírito do Ferro para fazer um caminho do Reino Invisível dos

156
Antepassados a Terra. A figura masculina é chamada Edán, a partir da palavra
raiz Edá, que significa "Criação". A figura feminina é chamada Onìlé, que
significa "Dona da Terra". Ambas figuras representam os poderes gêmeos do
Espírito do Ferro. Dentro do Ogbòni existe um sistema de adivinhação que é
usado somente para resolver disputas.
Ìbà Obàtálá, Òrìsà Òsérè Igbó,
Homenagem ao Espírito do Chefe do Pano Branco, que é louvado na árvore
sagrada.
Oní kùtúkùtú awo òwúrò,
Dono do Mistério antigo do Pano Branco.
Òrìsà Òsérè Igbó,
O Espírito que louvado no Dia Sagrado do Bosque,
Ikú iké,
Guardião daqueles com incapacidade física,
Oba pàtà-pàtà tí nbá won gb'odé ìránjè.
Rei de todas as futuras gerações.
Comentário: A escritura Ifá diz que foi Obàtálá o primeiro entre os Imortais
que notou as águas de Olókun e ficou incomodado com o que viu. Se o Mistério
da Abundância ia ser liberado da cabaça de Omi Ayé (Águas Terrestres), alguém
precisava espalhar terra seca através dos mares. Obàtálá falou com Olúwa (nome
de louvor do Criador), que lhe deu permissão para espalhar terra ao longo e
dentro do Oceano. Aqui a História de Ifá da Criação faz referência a três aspectos
significativos da evolução. A aparição de Obàtálá na Terra sugere que a centelha
da consciência que cresce de Orí chegou a Terra em forma humana.
A ciência ocidental sugere que pode ter havido vários períodos de condições
de extremas inundações na história do planeta. Algumas teorias sugerem que a
inundação foi devido a trocas de temperaturas que derreteram as calotas polares,
e outras teorias sugerem que pode ter sido uma troca no eixo de rotação da Terra
que alterou a posição dos oceanos. A maioria dessas teorias estão limitadas a
evidência geológica, que indica que certas massas de terra estiveram alguma vez
cobertas por água do Oceano.
Muitas culturas ao longo do mundo fazem referências míticas ao tempo da
inundação. Muitos destes mitos, incluindo o ensinamento Ifá, sugerem que a

157
civilização estava altamente desenvolvida no tempo do Dilúvio. A autenticidade
destes mitos enquanto acontecimentos históricos não é geralmente aceita pelos
historiadores acadêmicos ocidentais. No entanto, sua persistência intercultural
aponta a possibilidade muito real de que a memória inconsciente pode ser mais
exata que os registros históricos.

Ìbà Yemoja Olúgbé-rere


Homenagem a Mãe dos Peixes, a Doadora de Coisas Boas
Comentário: Yemoja, o Espírito da Mãe dos Peixes, é a Grande Provedora. Na
África ela é associada com o Rio Ògún, e no Ocidente ela é associada com o
Oceano. Em ambos os casos, Yemoja é tanto as águas da Criação primitiva como
o princípio metafísico que gera formas de vida dentro de um meio ambiente
aquático. As águas de Yemoja incluem o fluído vaginal de todos os mamíferos e
ambientes e meios de subsistência, tanto da água salgada, como da água doce,
como das águas dos Cosmos, as que dão nascimento aos planetas.
Ìbà Òsun oloriya igún arewà obìrin.
Homenagem ao Espirito do Rio, dona do pente para as mulheres formosas.
Comentário: O papel de Òsun no culto aos Òrìsà no Ocidente foi
subestimado. No entanto, os maiores de Òsun na África têm um papel
protagonico dentro da estrutura social do culto Ifá. Òsun é a fonte da atração
erótica, a fonte da abundância e do tipo de criatividade que agrega alegria e
inspiração ao tecido total da cultura. Em seu papel de abutre, Òsun tem o poder
de tomar as súplicas dirigidas à Fonte da Criação.
Isto cria uma polaridade entre Òrúnmìlà e Òsun na qual Òrúnmìlà tem o
poder de interpretar a vontade dos Òrìsà e Òsun tem o poder de fazer conhecida
a condição humana aos Òrìsà.
A referência de que Òsun é a dona do pente está relacionada com o uso de
tipos de penteados como um símbolo de àse de diversos Òrìsà. Quando um
iniciado se prepara para dançar para seus Òrìsà, se toma muito cuidado para
preparar o cabelo, para que atue como um receptor da Força da Natureza que
está sendo invocada. As vezes, se coloca medicina em seu cabelo para aumentar
a capacidade receptiva do médium. O segredo deste processo é parte do
treinamento para aqueles que são iniciados nos Mistérios de Òsun.

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Ìbà Olùkóso àìrá, bámbí omo arígbà òtá ségun.
Homenagem ao Rei que não morre, o Filho da Pedra do Trovão.
Comentário: A frase Olùkóso Àìrá significa "O chefe não morre". É uma
variação da expressão Oba kó só, que significa "O chefe não está morto". Ambas
expressões são usadas para louvar a Sàngó (o Espírito do Relâmpago), a quem
também se faz referência como o Espírito do Trovão. Ifá acredita que os
fenômenos naturais podem ser interpretados como mensagens do Espírito. Em
qualquer momento em que o relâmpago golpeia a Terra, é considerado uma clara
mensagem dos Imortais para manter aqueles padrões de Justiça que sustentam o
desenvolvimento do bom caráter.
É a Pedra do Trovão lançada do Ikòlé Òrun que serve como lembrança para
aqueles com poder político, de que têm uma obrigação sagrada de permanecer a
serviço da vontade dos Òrìsà.
Ìbà Ààláiyé Àjàlórun Oya Olúwèkù.
Homenagem aos Ventos da Terra, aos Ventos do Reino Invisivel dos
Antepassados, ao Espírito do Vento, o único que guia os médiuns dos
Antepassados.
Comentário: Ifá chama ao Espírito do Vento Oya. É o Vento gera o Trovão,
ele que produz o relâmpago que simboliza a Divina Justiça. Na escritura Ifá, o
relacionamento entre o vento e o relâmpago está representado pela relação entre
Oya e Sàngó. É o vento quem conduz os Espíritos dos Antepassados da Terra para
o Reino Invisivel dos Antepassados. Na História Sagrada de Oba kò so, é Oya
quem transforma o Espírito de Sàngó.
Ìbà Ìbejì oró.
Homenagem ao Poder Transformador do Espirito do Gêmeos.
Comentário: Na cultura yorùbá, os gêmeos representam abundância e
prosperidade. Nas famílias tradicionais yorùba, os gêmeos são chamados Táíwò
e Kéhìndé. Juntos representam o princípio da polaridade. Ifá ensina que nada na
Natureza existe em isolamento; todas as coisas na Criação emergem de seu
oposto e chegam a ser transformadas em algo novo. Os nomes Táíwò e Kéhìndè
são usados como nomes para qualquer sexo. No entanto, quando os gêmeos são
representados por meio de estatuas talhadas, são feitas geralmente com a imagem

159
de uma menina e de um menino. Esta é uma expressão simbólica da polaridade
fundamental entre a expansão e a contração que sustenta toda a Força que existe
no Mundo.
Ìbà Ajé-ògúgúlùsò Olámbó yeye aiyé.
Homenagem aos Espíritos da Riqueza e Boa Sorte, a Honra vem das Mães
da Terra.
Ìbà Awòn Ìyáàmi,
Homenagem a Sociedade das Mulheres Sábias,
Alágogo èìswù á p'oní ma hagùn.
O Pássaro Branco do Poder é a Fonte de sua Medicina.
Comentário: O simbolismo Ifá é uma expressão da dinâmica e da forma que
ocorrem na Natureza. É uma tentativa de explicar as formas nas quais as Forças
Invisíveis na Natureza afetam o Universo visível. Todos os aspectos do folclore
Ifá, a história sagrada, o simbolismo e o ritual expressam a polaridade entre as
Forças de expansão e as Forças de contração, que são as expressões fundamentais
do poder na Natureza. Em termos simplificados, esta polaridade está expressa no
relacionamento entre os Òrìsà femininos e os masculinos. Dentro da estrutura
política sócio religiosa da religião Ifá, esta polaridade se expressa através de uma
classe de ordens religiosas específicas quanto ao seu gênero sexual.
Proeminente entre as ordens religiosas que honram o poder feminino está
Awo Ìyáàmi. É comum para os antropólogos descrever esta sociedade como
"bruxas". O significado original de "bruxa" na cultura européia foi "mulher sábia".
No entanto, o termo tende a ser pejorativo no uso contemporâneo.
A mulheres de Ìyáàmi preservam o awo dos mistérios associados com a
menstruação. Parece absurdo aplicar qualquer conotação negativa a esta tradição
sagrada, em virtude do mistério da menstruação ser a fonte da vida na Terra. Em
termos textuais, a Ìyáàmi louva a verdade de cada antepassado divinizado que
viveu na Terra por meio do útero de uma mulher.
Ìbà Òrúnmìlà, Elérì ìpín,
Homenagem ao Espírito do Destino, Testemunha da Criação,
Ikú dúdú àtéwó.
Aquele que evita a Morte.

160
Òró tó sí gbógbó òná.
O Poder da Palavra que abre todos os caminhos.
Ìbà Awo Akódá.
Homenagem ao Adivinho chamado Akódá, (o primeiro estudante de
Òrúnmìlà).
Ìbà Awo Àsèdá.
Homenagem ao Adivinho chamado Asèdá (o que ensinou Ifá ao Mundo.)

Comentário: Ifá se baseia nos ensinamentos do profeta Òrúnmìlà. De acordo


com a história oral Ifá, o profeta Òrúnmìlà já existiu em sete encarnações. A
primeira encarnação de Òrúnmìlà é como o Espírito de Elà. Òrúnmìlà já apareceu
duas vezes dentro da cultura yorùbá, uma vez como um homem que viveu em
Ilé Ifè, e a outra como um homem que viveu nas cercanias de Ilé Ifè. Alguns
maiores na África dizem que Òrúnmìlà também se encarnou como Melquisedec,
que foi o Mítico Governador da Mesopotamia. Há uma sugestão histórica de que
a Mesopotâmia foi em algum tempo uma colônia da África Oriental.
Na tradição mística indo-oriental existe um conceito conhecido como
"Registro Akáshico". Esta é uma crença de que toda a história, passada e futura,
está gravada no Reino Espiritual, e que as visões deste registro podem vir por
meio da meditação e a prática ascética. Em termos filosóficos, o Registro Akáshico
é conhecido como a Marca do Destino. Tradicionalmente tem havido dois pontos
de vista dominantes quanto a natureza do destino. Um é que o destino é
totalmente preordenado e é inalterável. E outro é que é indeterminado e
completamente regulado por leis de causa e efeito.
Ifá tem um ponto de vista médio. Na cosmologia Ifá, o destino está baseado
no acordo entre orí e Olórun. Em termos simples, isto significa que cada indivíduo
elege sua classe de potencial genético no tempo entre uma reencarnação e a
seguinte. Ifá ensina que estas eleições são esquecidas no momento do nascimento,
e que o processo de alinhamento espiritual envolve o recordar o conteúdo desse
acordo. Este acordo é guiado pelas forças de Olórun, Olódùmarè, Elà e Obàtálá,
enquanto o àse da Criação goteja desde o Reino Invisível de Òrun ao Reino Visível
de Ayé.
Segundo o mito Ifá, o conteúdo de cada acordo é registrado por Òrúnmìlà a
quem às vezes se faz referência como o Espirito do Destino. Uma tradução literal

161
de Òrúnmìlà seria "O Céu é minha Salvação". O conceito Ifá de salvação não
sugere a redenção do "pecado". A palavra yorùbá usada para "salvação" é ìgbàlà,
a partir do prefixo gbà, que significa "receber", e o sufixo la, que significa "tornar-
se seguro". A descrição Ifá da salvação é ìgbàlà kúrò inù ese atí Ikú ànìpèkún, que
significa aproximadamente "a Iniciação nos Mistérios da Luz Branca põe o pé
onde a morte parou de existir". O lugar onde a morte cessou de existir é o centro
eterno do Òrun o lugar chamado Láí-láí.
Em Ifá, o conceito de destino não é uma realidade fixa e inalterável. A escolha
de voltar a lembrar o acordo com Olórun é um assunto de opção individual,
vontade pessoal e a capacidade de desenvolver bom caráter. Segundo Ifá, este
acordo estabelece linhas de destino dentro das fronteiras do potencial pessoal do
indivíduo. Estas linhas de destino podem ser captadas ou ignoradas, usadas ou
descartadas, baseando-se nos elementos do livre arbítrio e da livre escolha. No
entanto, uma vez que um destino tenha sido iniciado, os princípios governantes
do Odù terão um impacto claro e inalterável no desenvolvimento dessa escolha.
Ìbà Ojúbo ònòméfà.
Homenagem ao altar das seis direções.
Comentário: As preces tradicionais de Ifá finalizam louvando aqueles
poderes que sustentam a Criação, as quatro direções que estão intersectadas pela
linha que conecta o Ikòlé Ayé e Ikòlé Òrun.

C. VARIAÇÕES DE ÌBÀ'SE
A prece considerada neste capítulo é usada como invocação de abertura de
muitas das cerimônias levada a cabo pelos maiores de Ifá em Odé Rèmò, Nigéria.
A prece está baseada no conceito de honrar Forças Espirituais que são veneradas
na cidade de Odé Rèmò. Devido a existir uma ampla classe de diferenças entre
as Forças Espirituais que são veneradas em qualquer comunidade yorùbá, existe
uma classe de variações que tem a ver com o conteúdo desta prece. Também
dentro da mesma área, os iniciados mais velhos tendem a ser mais elaborados em
seus pronunciamentos de uma prece de abertura que os iniciados mais jovens,
que também aprendem a arte da invocação.

162
Referências:
O material deste capítulo é baseado na prece de abertura das cerimônias Ifá
tal como são ditas em Egbe Ifá Ogùn tí Ode Remo. A interpretação destas preces é
baseada na instrução oral daqueles maiores de Ifá, que têm dividido tão
generosamente seu tempo e experiência. Entre eles se incluem: Araba Adasanya,
Awoni Fatunmise, Babaláwo Adebolu Fatunmise, Babaláwo Fagbemi Fasina,
Babaláwo Medahochi y Babaláwo Shina Kuti.

163
VIII
OGBOGBA
O conceito I f á d e e q u i l í b r i o

A. ÒRÒ
- O conceito IFÁ do poder da palavra
Os astrônomos modernos têm provas de que o Universo físico chegou a sua
existência como resultado de uma tremenda explosão que ocorreu nos começos
dos tempos. Radiotelescópios ultra-sensíveis tem recolhido vestígios desta
explosão em forma de uma banda constante de som que parece ser o efeito do
eco do acontecimento original que pôs o Universo em movimento. Este
acontecimento é conhecido entre os cientistas como o "Big Bang" ("A Grande
Explosão").
Em Ifá, o som da Criação se chama "Orò", que usualmente se traduz como
"palavra". Porém na linguagem de Ifá, Orò pode se referir a palavra de poder, a
palavra de invocação ritual, e a palavra de rezas efetiva. Ifá ensina que a Criação
é a manifestação do Orò de Olódùmarè. É a invocação da existência e da evolução
que foi posta em movimento pela Palavra da Fonte. O fato de a ciência poder
escutar as reverberações dessa palavra sugere que o simbolismo de Ifá sobre a
Criação pode ser expresso em termos literais.
A compreensão de Orò como a palavra de poder é fundamental para o
conceito Ifá da transformação espiritual. Em Ifá a transformação espiritual é
entendida como sendo qualquer expansão da consciência que produza uma mais
profunda conexão com a unidade da Criação. As escrituras Ifá sugerem que o
poder de Orò originário foi preservado no Universo físico em todos os níveis de
evolução. Em virtude desta permanencia, o poder de Orò pode ser acessado por
meio do uso da voz humana, com consequências em todos os níveis da Criação.
Quando a voz humana é usada para ascender ao poder de Orò, a invocação da
voz humana se denomina Ofò.
Todos os Odù (estrofes das escrituras de Ifá) são expressões de padrões de
energía. A energía no Universo é uma expressão da luz. A radiação da luz pode
ser tanto vista como ouvida e sentida. Isto sugere que cada Odù tem tanto um

164
padrão sonoro como visual associado a ele. As expressões simbólicas de padrões
visuais são as marcas usadas para identificar o Odù. Quando esas marcas são
usadas em conjunto com os padrões de sons associados com cada Odù, ocorre
uma invocação efetiva. As palavras usadas para invocar os Odù se chamam Ofò
àse, que significa "palavra de poder". A invocação se define geralmente como o
despertar ritual de Forças que estão adormecidas no Meio Ambiente Natural.
Estas Forças afetam o reino físico a partir de uma dimensão invisível, que tem
impacto direto no Mundo visível.
Em termos teológicos, o Orò macro cósmico (universal, tudo incluído) de
Olódùmarè está contido/a dentro do Ofò micro cósmico (manifestação individual
do Universo) dos awo (adivinhos) que recitam a invocação contida dentro de
vários sistemas de adivinhação baseados em Ifá. Acredita-se que as palavras
contidas dentro das estrofes do Odù (escrituras utilizadas para adivinhação) têm
a capacidade de transformar a consciência humana. Então, quando esta
transformação é exitosa, a interação do macrocosmos e o microcosmos chega a
ser revelada. É esta revelação que ativa um sentido mais profundo do acordo
original do indivíduo com Olórun.
Meu ênfase, como um estudante de Ifá, havia estado no uso efetivo da
linguagem de invocação e oração. É minha crença que, a medida que a
comunidade Ifá Òrìsà no Ocidente ganhar uma apreciação mais profunda das
palavras e imagens simbólicas que estão articuladas nos Odù, teremos acesso a
novos níveis de compreensão daquelas Forças que dão forma a nossas vidas.
Porém antes que possamos fazer uso efetivo de Orò, devemos ter claro o efeito de
uso da palavra sobre o mundo ao nosso redor.
Devido à crença neste poder da palavra, os awo (adivinhos) têm um tabu
contra falar mal ou usar palavras ruins. A boca é considerada o templo de Ofò e
nunca deveria ser rebaixada com palavras ásperas.

B. ÒRÒ ÀTI ÀSE


– O conceito IFÁ de energia originária
O momento da Criação, conhecido como Orò de Olódùmarè, criou uma forma
universal de energia. A ciência chama esta energia de "electromagnetismo", em
Ifá, esta energia se chama àse. A ciência do electromagnetismo ensina que os
impulsos electromagnéticos formam um espectro de radiação. Este espectro

165
inclui as dimensões visíveis da Luz. Quando a Luz se condensa, forma Matéria.
Segundo a ciência ocidental, toda a Criação é uma expressão de impulsos
electromagnéticos. Segundo Ifá, toda criação é uma manifestação de àse. Ifá
ensina que a evolução é a mudança que envolve a transformação do àse da fonte
para a manifestação física. A ciência ensina que a energia se condensa para
tornar-se Matéria e que a Matéria se dissipa ao produzir energia.
A física quântica ensina que as partículas de energía contidas dentro de um
campo eletromagnético se movem para fora da fonte do campo ou para dentro,
em direção ao centro do campo. Este movimento polar existe tanto nos átomos
como nas estrelas. Os impulsos eletromagnéticos que movem para fora do centro
de um átomo é chamado de energía atómica positiva. Os impulsos
eletromagnéticos que se movem para o centro de um átomo é chamado energía
atômica negativa. A energia atômica positiva gera campos de radiação que são a
fonte da luz. A energia atômica negativa gera campos de gravitação que são a
fonte da matéria. Na ciência Matéria e Luz são duas manifestações diferentes do
mesmo impulso fundamental.
Ifá ensina que o tijolo básico da construção da Criação é o àse. O àse que se
move para fora de sua fonte é chamado ire. O àse que se move para dentro, até
sua fonte, se chama ibi. O princípio cosmológico fundamental de Ifá é que o ire é
transforma em ibi e o ibi é transformado em ire. Em minha opinião, os primeiros
maiores de Ifá usaram estes símbolos para criar um paradigma para explicar a
dinámica e a forma dentro do Universo, o qual é consistente com o paradigma
expresso pela física moderna. Esta comparação não tem a intenção de validar
qualquer um dos dois pontos de vista. O que nos mostra é que grupos de pessoas
de culturas divergentes chegaram independentemente a conclusões similares
usando metodologias radicalmente diferentes.
A ciencia ocidental é baseada na premissa de que as leis que governam a
estrutura atômica se aplicam na criação das estrelas. Por exemplo, um átomo
emite radiação até que sua estrutura se dissipe. As estrelas emitem radiação em
forma de luz até que o combustível em seu centro se dissipe. Ambas formas de
radiação são causadas pela fusão nuclear ( a dispersão da luz). Quando um
átomo esgota seu combustível, se colapsa em si mesmo, criando detritos. Quando
uma estrela esgota seu combustível, colapsa sobre si mesma, gerando detritos.
Quando uma estrela esgota seu combustível, se torna eventualmente um buraco

166
negro. Ambas formas de colapso são causadas pela fusão nuclear (a contração da
luz). Dentro da polaridade entre fissão e fusão existe o ciclo de nascimento, vida,
morte e renascimento.
Ifá ensina que os princípios dos Odù se aplicam em todos os níveis da
Criação. Em Ifá, a polaridade entre fissão e fusão é descrita como a polaridade
entre ire e ibi. Ifá não descreve a estrutura atômica por si. Em vez disso, Ifá fala
dos Imolè, que são Forças Invisíveis na Natureza, e dos Òrìsà, que são Forças
Visíveis na Natureza.
Quando uma estrela colapsa sobre si mesma, se torna um buraco negro que
continua encolhendo-se até que a fusão nuclear cause uma explosão que
transforma o buraco negro em uma nebulosa. Um nebulosa é uma nuvem gasosa
enorme composta de partículas que são mais complexas que aquelas que
encontram na estrela original. Estas partículas se reunem sob a influência da
gravidade até formar novas estrelas. As novas estrelas são conhecidas como
estrelas de segunda geração, que irradiam o tipo de partículas que são
responsáveis pela formação da Terra de outros sistemas planetários.
Em Ifá este processo é descrito como a descida do àse do Ikòlé Òrun até Ikòlé
Ayé. Isto significa que a energía fundamental da Criação se move do reino do
invisível até o reino do visível. Enquanto faz essa transição, passa através de
varios estados do Ser. Assim como a ciência não consegue ver as atividade
invisíveis do átomo, Ifá não consegue ver as atividades invisíveis dos Imolè. A
ciência estuda o átomo examinando os efeitos visíveis da interação entre
diferentes tipos de átomos. Ifá estuda os Imolè examinando os efeitos visíveis da
interação entre os Òrìsà. Os Òrìsà fundamentais são as Forças da Terra, Ar, Fogo
e Água. Examinando a consequência da interação entre estes elementos, aqueles
que estudam awo começam a sentir a interação destas mesmas Forças tal como
elas existem no reino invisível.
A ciência descreve a transformação dos átomos em termos de partículas
sub atômicas. A radiação permite as partículas sub atômicas saltar fora
doperímetro do próprio átomo. Isto permite a criação de átomos com diferentes
estruturas. As variações da estrutura atómica estão codificadas na Tabela
Periódica dos Elementos. Em Ifá, as variações na estrutura do àse estão
codificadas nos símbolos usados para representar os Odù. Por exemplo, si
tomarmos a metade esquerda de Ejì Ogbè aparece como segue:

167
I
I
I
I
Ogbè

No capítulo (I) expliquei como os Odù formam um símbolo bidimensional


de uma forma esférica tridimensional. O padrão acima, então, poderia ser usado
para representar o perímetro exterior de um átomo em que todos os quatro
quadrantes estiveram gerando radiação ou luz. Se a força de radiação fizer com
que cada partícula subatômica se liberte da circunferência do círculo, o diagrama
de padrões de energia trocaria. A representação simbólica dessa troca pareceria
como segue:
I I I II
I I II II
I II II II
II II II II

Ogúndá Irosùn Obàrà Oyeku

Usando estes padrões, Ifá é capaz de fazer um mapa da mudança nos padrões de
energia que acontecem no universo físico, do mesmo modo que a ciência usa a
Tabela de elementos para fazer um mapa da mudança dos padrões de energía
que ocorre na estrutura atômica.
Quando o awo (adivinho) começa a ganhar insight sobre as maneiras com que
estes padrões se manifestam no mundo físico, esse insight pode ser traduzido
numa compreensão daqueles fatores que afetam a pergunta que é feita durante a
adivinhação.
Ifá ensina que os padrões de energía simbolizados pelas marcas dos Odù
reaparecem em todos os níveis da Criação. Os Imolè, os Irùnmolè e os Òrìsà são
todos criados pela manifestação através dos Odú. Em qualquer momento em que
se leva a cabo a adivinhação, o awo esta consciênte que os Odù se manifiestam
simultáneamente em múltiplas dimensões. O reino invisível de Ikòlé Òrun esta

168
sempre exercendo uma influência sobre o reino visível de Ikòlé Ayé. O lugar onde
estes dois reinos se juntam se encontra em uma linha mística entre o Ikòlé Òrun e
o Ikòlé Ayé chamada w'aiyé. A palavra w'aiyé significa o bem "vem ao Mundo", ou
"olha o Mundo". Isto sugere que o que vemos na realidade física é o efeito de
Forças que permanecem invisíveis em sua origem.
É através do portal o w'aiyé que as Forças Espirituais Invisíveis se fazem
manifestas em formas que podem ser identificadas pelos sentidos humanos.
Durante o processo de invocação, o awo cria um laço invisível entre todos os
reinos da Criação através dos quais os Odù encontram expressão. Participando
deste laço, o awo é capaz de gerar a visão mística necessária para captar o
envolvimento da adivinhação.
Em Ifá, o processo de evolução é descrito como o descenso do àse de Ikòlé
Òrun a Ikòlé Ayé. A função da adivinhação é identificar quais Forças estão
afetando uma pessoa em particular em um momento particular e dar-lhe
instrução sobre como viver em harmonia com aquelas forças que continuam
formando e guiando a evolução. Isto pode parecer muito simples e direto, porem
normalmente é grosseiramente mal entendido. Quando a adivinhação diz "não
viaje" quer dizer "não viaje". Seguindo as instruções diretas dos Odù , aquele que
busca a adivinhação garantirá sua boa sorte não envolvendo-se com o que está
em oposição a sua evolução. As vezes o Odù diz que uma ação específica só pode
ser tomada se foremn feitas oferendas primeiro. Isto é feito para criar um
alinhamento pessoal com a tarefa em questão. Nenhum dos duzentos e cinquenta
e seis Odù de Ifá jamais sugere que alguém possa fazer o que quer simplesmente
fazendo uma oferenda. O poder existente nos Odù consiste em encontrar o
caminho de menor resistência para aquilo que esta disponivel dentro do destino
pessoal. Cada passo ao longo desse camino nos tráz uma maior compreensão do
nosso acordo original com a Criação, e é esta compreensão que emerge da
experiência da transformação espiritual.
Poderia parecer que os problemas pessoais estão muito longe dos
parâmetros em desenvolvimento da evolução. Baseada na crença que existe
Unidade em toda a Criação, e baseado na crença de que todos tem um destino
dentro da Criação, Ifá se move sempre do específico ao universal e do individual
ao coletivo. Este movimento está sempre marcado dentro da idéia de equilíbrio
sustentado e harmonia entre o Eu e o Mundo.

169
C. ORÌ IRE ÀTI ORÍ IBI
– O conceito IFÁ de transformação espiritual
O processo de transformação espiritual pode ser descrito como colocar
juntos os poderes da experiência e do entendimento. Quando este poder é
integrado, empurra a consciência de uma pessoa além de suas limitações. Cada
vez que isto ocorre, o velho EU morre e um novo EU renasce. Este renascimento
é a mensagem do Igbódù (a iniciação) e, de acordo com Ifá, Igbódù é recriado cada
vez que alguém ganha novo insight sobre o EU e o Mundo. Em cada momento
em que estamos conscientes, o corpo inter atua com o Mundo por meio de uma
resposta emocional aos estímulos. Ao ocorrer estas respostas, a mente tenta
ajustar as reações emocionais a alguma forma de marco racional. Tanto o
pensamento como a emoção são expressões fundamentais de àse (poder) tal como
se manifesta por meio da ação humana.
Àse é o impulso essencial da Criação. Todo o àse pode expressar-se por si
mesmo ou por meio da expansão ou da contração. Ifá representa a expansão por
meio do uso de uma só linha ( I), e a contração por meio do uso de uma linha
dupla (II). Os Odù de Ifá sempre falam de estar em uma relação apropriada com
alguma destas duas forças, segundo elas se encontre expressa em determinada
situação. Alguns adivinhos se referem a expansão como ire e a contração como
ibi. Isto pode levar a alguma confusão e má interpretação se ibi é considerado
inerentemente mal, ou de qualquer maneira negativo.
É importante aqui fazer uma distinção entre ibi como uma condição da
existência e Odù que vem com uma orientação de ibi. Na vida há momentos nos
quais é apropriado nos agarrarmos a nossos sentimentos para poder evitar um
conflito desnecessário. Agarrar-se as emoções é uma forma de contrair o ibi. Em
outros momentos é apropriado soltarmos de nossos sentimentos em busca de
novas experiências. Desprender-se das emoções é uma forma de expandir o ire.
Na vida há momentos em que é apropriado nos agarrarmos as nossas estruturas
de entendimento para que possamos por a prova sua validade. Agarrar-se a
estruturas de entendimento é uma forma de ibi racional. Na vida há momentos
nos quais é apropriado soltar as velhas formas de pensar para ganhar um insight
mais profundo sobre o EU e o mundo. Desprender-se das velhas formas de
pensar é uma forma de ire racional.

170
Quando falamos da orientação dos Odù em relação à pessoa que chegou para
a adivinhação, a polaridade entre ire e ibi toma um significado ligeiramente
distinto. Um Odù jogado com uma orientação de ibi sugere que a pessoa que fez
as perguntas esta resistindo às orientações apresentadas pelo Odù. Resistir ao
crescimento é uma forma de contração; é uma oposição ao processo de
crescimento espiritual. Um Odù jogado com orientação de ire sugere que a pessoa
que fez a pergunta está disposta a abraçar as orientações apresentadas pelo Odù.
Abraçar o crescimento é uma forma de expansão; é a aceitação das orientações
proporcionadas durante o crescimento espiritual. Ibi tal como existe na Criação,
é uma ocorrência natural no ciclo de troca. Ibi como um componente dos Odù,
usados durante a adivinhação, pode representar uma resistência emocional a
troca que esta usualmente arraigada no medo do desconhecido. Parte do
processo de ganhar insight sobre o uso correto de palavras de poder é a
compreensão de que algumas palavras yorùbá trocam de sentido, dependendo
do contexto.
Devido a forte influência dos paradigmas teológicos cristãos na cultura
ocidental alguns awo que praticam a adivinhação no Ocidente têm associado ibi
com o mal. Na cosmologia Ifá não existe um "Diabo". O negativismo, a dor, o
sofrimento e a injustiça são freqüentemente o trabalho de forças espirituais
chamadas elénìní. Os elénìní chegam a existência como resultado da resistência
pessoal a transformação espiritual, a falta de disposição em considerar a Unidade
essencial do Ser e o ignorar a influência do destino pessoal. A tarefa do awo é
transformar esta resistência, não a de julgá-la.
A aceitação da guia espiritual como é expressa por meio dos Odù conduz a
níveis mais profundos de integração entre as polaridades da experiência, e ao
entender esta integração cria um estado chamado orí ire. A tradução literal de orí
ire é "cabeça de boa sorte"; uma melhor tradução seria "sabedoria". O repelir a
guia espiritual tal como é expressa por meio dos Odù pode levar a níveis
aumentados de desintegração entre as polaridades da experiência e do
entendimento. Essa desintegração cria um estado chamado orí ibi. A tradução
literal de orí ibi é "cabeça de má sorte". Em termos ocidentais, esta expressão
poderia ser entendida como desequilíbrio psíquico. De acordo com Ifá, o rechaçar
a guia espiritual é a causa da enfermidade tanto física como mental. Ifá tem o
ponto de vista totalizador de que todas as formas de desgraça, incluído a

171
enfermidade mental, a física, a perda de riquezas materiais, os acidentes e
inclusive os desastres naturais são o resultado do àse mal dirigido.
Uma vez mais, orí ibi não deve ser confundido com o conceito ocidental do
mal. O propósito dos rituais que se encontram dentro dos Odù é transformar orí
ibi em orí ire. É certo que Ifá fala de um estado chamado orí burúkú, que traduzido
significa "má cabeça". Este estado é similar a conduta psicótica, que descreve
alguém que não tem consciência ou nenhum sentido do certo ou errado. Dizer as
palavras orí burúkú no lugar sagrado é tabu, e culturalmente, essa expressão é
considerada um malefício. Os Odù incluem prescrições para se lidar com esse
estado. Teologicamente, isto sugere que nada é considerado como estando muito
além da esperança da salvação.

D. OLÓRUN, OLÓDÙMARÈ, ÈLÀ, OBÀTÁLÁ ÀTI ODÙDÚWÀ


- O conceito IFÁ dos princípios fundamentais da criação

Dentro da instrução oral de Ifá, se expressa a idéia de que Olórun, Olódùmarè


e Elà são as três "Deidades Celestiais" que guíam a interação entre todo o que
existe. Em termos religiosos ocidentais elas representam a Fonte Ifá da
Manifestação Divina. A astrología descreve estes três princípios como cardinal,
fixo e mutavel.
Ifá representa o conceito religioso de Deidade Fixa por meio do símbolo de
Olórun. Ifá ensina que Olórun é a Divina Fonte de tudo o que existe, em sua
concepção originária. Ifá representa o conceito religioso de Deidade Cardinal por
meio do símbolo de Olódùmarè. Ifá ensina que Olódùmarè é a Divina Fonte daquilo
que chega a ser manifesto no Universo. Ifá representa o conceito religioso de
Deidade Mutável por meio do símbolo de Elà. Ifá ensina que Elà é a Divina Fonte
do poder de manifestar.
Segundo a cosmología de Ifá, as Deidades Celestiais existíam em Ikòlé Òrun
antes da Criação. No momento da Criação, Olódùmarè e Elà começaram o
processo de dar forma ao universo. Juntos, controlaram o àse de expansão e
contração. Acredita se que a interação entre expansão e contração ocorre em
padrões firmemente consolidados que são representados pelas marcas símbólicas
dos Odù. O àse da Criação chegou pela primeira vez a se manifestar sob a forma
de Imolè, que são os padrões dos Odù em sua forma originária. Estes padrões ao
tomar forma e substância, se tornaram Igbamolè, as Forças invisíveis da Natureza

172
que guíam a formação da futura troca evolucionária. Com a Criação da Terra, os
Odù chamaram a si mesmo como Irúnmolè, que são as Forças visíveis da Natureza
que criam a estabilidade ecológica do planeta. Usando o meio ambiente criado
pelos Irúnmolè, os Odù começaram a expressar-se nos animais que povoaram a
Terra. Este processo é descrito por Ifá como a descida do àse de Ikòlé Òrun a Ikòlé
Ayé.
Na cosmología Ifá, a descida do àse é descrita como tendo lugar em uma
corrente. Interpreto esta cadeia como os códigos genéticos que guiam a evolução
de todas as coisas viventes. Os códigos genéticos estão agrupados em cordas de
proteínas que formam um padrão de hélice. Quando a hélice portadora dos genes
é vista por meio de um microscópio eletrônico, se parece muito com uma
corrente. A cosmología Ifá parece sugerir que esta hélice existe além do reino das
plantas e dos animais, e que guiam o desenvolvimento de todas as coisas.
Usando os símbolos de Ifá, é possivel interpretar a evolução de um modo
que parece paralelo a alguns dos atuais conceitos ocidentais de cosmología. O
Orò de Olódùmarè é a palavra de poder que colocou a Criação em movimento. Em
astrofísica esta palavra de poder se descreve como o Big Bang, que foi a explosão
originária que gerou toda a energia e a matéria que existem no universo. Ifá
chama a substância desta explosão àse, enquanto que na ciência se chama
electromagnetismo. A primeira Força Espiritual a chegar a manifestação física foi
Elà. A palavra Elà se traduz geralmente como "Espírito de Pureza"; no entanto a
palavra também sugere "partir em pedaços".
Ao fragmentar-se o Mundo, desenvolveu forças de expansão ou radiação, e
de contração ou gravidade. Usando um sistema interno de guía, as forças de
gravidade e radiação geraram os primeiros átomos de hidrogênio, que são as
estruturas atômicas mais simples dentro da escala dos elementos. Alguns físicos
chamaram este sistema interno de guía da consciência material das partículas
subatómicas. Em Ifá, este sistema interno de guia se chama orí. Segundo a teología
Ifá, a estrutura do átomo cobre o acordo entre Olórun e os mesmos atómos. A
manifestação deste acordo, ou potencial, é limitado pela estrutura da gravidade
e da radiação. A estrutura do átomo é a primeira manifestação dos Odù que pode
ser descrita pela observação e análise.
Depois da formação dos átomos de hidrogênio, a força de Olódùmarè juntou
massas maiores de átomos de hidrogêneo. Isto causou uma reação chamada de

173
fusão nuclear, que foi criada por átomos de hidrogêneo em explosão, no núcleo
das estrelas de primeira geração que estão espalhadas por todo o Universo. Em
Ifá este processo está simbolizado pelo Odù Iwòrì Méjì. A banda da radiação
emitida pelas estrelas cria o espectro completo da Luz, que é uma expressão da
expansão de Elà.
Ao diminuir o combustivel no centro das estrelas da primeira geração,
algumas delas colapsaram sobre si mesmas, criando a fusão nuclear. O efeito da
fusão cuclear é absorver a luz, convertendo uma estrela em um buraco negro. Em
Ifá, a ausência de luz está simbolizada pelo Odù Oyèkú Méjì. Quando a matéria no
centro de um buraco negro alcança uma certa densidade, a fusão cria uma
explosão, enviando uma grande nuvem de gás ao espaço. En Ifá, este processo
está simbolizado pelo Odù Odí Méjì. A nuvem de gás criada pela fusão é composta
de elementos que são mais complexos que os átomos que existiam na estrela
original. Em Ifá, a nuvem de Luz é simbolizada pelo Odù Ogbé Méjì.
As nuvens de gás que são compostas de átomos complexos passam pelo
mesmo precesso de nascimento, vida, norte e renascimento que caracterizava o
ciclo vital de uma estrela de primeira geração. Este é um ciclo vital básico que
está simbolizado pela bandeja ou esteira de adivinhação. Cada estrela que passa
por este ciclo está expresando o acordo básico entre a estrela e Olórun . Neste
momento na Criação a natureza expressa variação e diversidade. A idéia de
variação e diversidade está no centro de qualquer compreensão esotérica dos
Odù. O gás criado por uma estrela de primeira geração forma uma estrela de
segunda geração, sob a influência da gravidade e contração de Olódùmarè. A
radiação emitida por uma estrela de segunda geração tem a capacidade de criar
nuvens de gás que formam corpos solares chamados planetas. Ifá chama a estrela
de segunda geração em nosso sistema solar de Olofín. Dentro de Ifá existe um
sistema de astrología chamado Gede. A função de Gede é a de correlacionar a
influência dos planetas com Odù específicos, e traçar a influência desses Odù na
topografía da paisagem.
Na Terra, a força de contração mantém a forma do planeta. Ao mesmo
tempo, a força de expansão gera impulsos magnéticos a partir das regiões
polares. Em formas que só estão começando a ser compreendidas por meio da
ciência de Gaia, (N.de Trad.: a ecologia) os impulsos magnéticos das regiões
polares ajudam a regular a evolução da vida na Terra. É a polaridade contida e

174
auto regulada entre as forças de expansão (ire) e contração (ibi) que sustentam o
tipo de meio ambiente que permite que a vida floreça. Dentro desta polaridade
existe um amplo intervalo de expressões do acordo entre as coisas viventes e
Olórun. Os Odù que antes haviam se expressado em reações atômicas
simplesmente evoluiram para se expressar em inumeravel variações, em todos os
sistemas ecológicos ao longo de todo o mundo.
Segundo a cosmología Ifá, a descida do àse ao reino físico inclui a descida do
àse a consciência humana (orí). Ifá ensina também que dentro de cada alma
humana existe um registro de toda a história da evolução. Parte dessa história
inclui a manifestação dos Odù tal como existem em nossa vida e destino
individuais. Devido a importância desse registro Ifá considera que todas e cada
uma das cabeças humanas são altares sagrados. Cada cabeça é sagrada porque é
uma parte da matriz infinita que leva em si mesma a unidade base da Criação. É
nossa capacidade de acesso a esse registro que serve como fundamento de awo.
Do templo de Orí surge a possibilidade de crescimento e transformação. A
estrutura deste templo é claramente descrita no ensinamento esotérico de Ifá.
Dentro do orí existe a possibilidade de integrar a relação originária entre Olórun,
Olódùmarè e Elà. Ifá ensina que o sopro de vida é o dom de Olódùmarè. Em yorùbá,
a palavar para "respiração" é èmí, e èmí é também a palavra usada para "espírito".
O èmí é aquela parte do ser que permanece eterna. O èmí também leva em si
mesmo o acordo original entre um indivíduo e o orí. Para ter acesso ao conteúdo
deste acordo é necessário equilibrar as forças opostas de contração e expansão
que surge do àse. A força de contração está assentada dentro do corpo físico, que
em yorùbá se chama ara. Tanto o ocultismo ocidental como Ifá ensinam que o
corpo físico é controlado pelo centro de poder localizado no coração. A força de
expansão é controlada pelo centro de poder localizado entre os olhos. No
ocultismo ocidental este centro de poder se chama "Terceiro olho". Em Ifá este
centro de poder se chama Elédáà, que significa "O Criador".
A chave para equilibrar as forças de expansão e contração é colocar a cabeça
e o coração em alinhamento. Porém antes que esse alinhamento possa ter lugar
cada polaridade deve ser isolada e completamente apreciada antes que qualquer
intento de integração possa começar. Em Ifá o poder de expansão é concedido por
meio do Orí Inú. Ele Orí Inú é o Eu interior, que é a base de todo conhecimento.
O processo de alinhamento com Orí Inú implica em jogar as camadas de

175
autoengano e egoismo que desviam da responsabilidade pelo crescimento
espiritual para fora do EU. O processo de alinhamento com as forças de expansão
implica uma estimativa honesta da relação emocional com o EU e o mundo.
Todos os corpos humanos são mantidos com vida pelo coração físico, que em
yorùbá se chama okan. Dentro do okan tem um coração interior que é o assento
das emoções. Este coração interior se chama ègbè. O acesso ao ègbè requer a
capacidade de identificar e expressar aquelas emoções que afetam nossas
percepções do EU e o mundo. Quando se faz isto, o orí inú pode ser usado para
determinar se as emoções são apropriadas a circunstância.
Egbè e orí inú estão unidos no pescoço por meio de um centro de poder que
se conhece como Esù ni'pàkó, que significa "o Mensageiro Divino na nuca".
Quando alguém começa o processo de alinhamento entre as forças de contração
e expansão, deve ser capaz de fazer a distinção entre a visão mística e a projeção
da fantasia. A visão mística ocorre quando o coração e a cabeça estão em
equilíbrio, e a consciência se torna receptiva à voz da Natureza. A projeção da
fantasia ocorre quando a cabeça e o coração estão em oposição, e a mente busca
sua própria limitada resolução do conflito. Todas as limpezas da nuca prescritas
pela adivinhação Ifá estão desenhadas para realçar o alinhamento que conduz a
visão Mística.
O próximo passo no alinhamento implica em identificar o Odù que encarna
o orí inú do indivíduo. Quando este Odù é identificado, é possível determinar
qual Òrìsà está associado com o orí inú da pessoa. Entende-se que a iniciação nos
mistérios desse Òrìsà é um esforço para se criar uma maior profundidade de
autocompreensão, formando um laço entre o Odù tal como existe no EU e o Odù
tal como existe no mundo.

E. ÌGÒKÈ
– O conceito IFÁ do crescimento espiritual
O Espírito responsável por registrar a interação entre a vontade (o conteúdo
da opção pessoal), a sorte (a conseqüência da ação) e o destino (os limites do
potencial), é Òrúnmìlà. Como uma Força Espiritual na Natureza, Òrúnmìlà é um
aspecto de Elà. Isto sugere que a Fonte da dinâmica no Universo leva dentro de
si mesma um registro do que aconteceu e acontecerá. A mesma idéia é expressa
pela ciência ocidental no paradigma holográfico da criação. A teoria holográfica

176
é baseada na idéia de que cada fragmento do Universo contém o projeto para
toda a Criação.
Além de ser uma Força Espiritual na Natureza, Òrúnmìlà foi também o nome
de uma figura histórica. Os maiores de Ifá dizem que Òrúnmìlà se encarnou em
forma humana em sete diferentes ocasiões ao longo da Historia. Ao menos duas
destas encarnações se manifestaram como homens Yorùbá que viveram em ou
perto da cidade de Ilé Ifè. Se acredita que o Òrúnmìlà histórico ensinou o sistema
de adivinhação Ifá a dois estudantes chamados Akódá e Asèdá . Sempre que os
sacerdotes Ifá se reúnem para louvar a linhagem daqueles sacerdotes que vieram
antes deles, a linha de descendência sempre passa através de Akódá e Asèdá até
Òrúnmìlà.
Os antropólogos que escrevem sobre Òrúnmìlà usam freqüentemente a
palavra Òrúnmìlà indistintamente com a palavra Ifá. Isto não reflete corretamente
o significado destas duas palavras. Òrúnmìlà é uma Força na Natureza e um
antepassado venerado que é considerado o profeta da religião tradicional yoruba.
A palavra Ifá se refere a sabedoria existente na Natureza e a tradição religiosa que
se baseia nos ensinamentos do Profeta Òrúnmìlà. Estes ensinamentos estão
preservados no sistema Ifá de adivinhação que se chama Dáfá.
Quando alguém é iniciado em Ifá, recebe o àse do Espírito Elà tal como chega
através da essência Espiritual dos Odù. Este àse dá ao iniciado em Ifá o Ofò àse
(poder da palavra) para invocar todos os duzentos e cinqüenta e seis Odù usados
no Dáfá . A multiplicidade de iniciações com base em Dáfá estão geralmente
baseadas sobre um ou dois Odù. Devido ao fato de que Ifá cobre todo o espectro
da iniciação, aqueles que recebem o àse de Elà são chamados "Babaláwo ", que
significa "Pai dos Mistérios". Em algumas regiões da Nigéria tem adivinhas Ifá
chamadas "Iyáláwo" , que significa "Mãe dos Mistérios". Dentro da cultura yorúbà,
Òrúnmìlà é considerado o primeiro Babaláwo. Aqueles que desejam a aprender a
sabedoria de Ifá geralmente se referem a si mesmo como Awo o Aláwo, deixando
o título de Babaláwo ou Iyáláwo para aqueles maiores que tem demonstrado
verdadeira inspiração na arte da adivinhação.
É tarefa do awo guiar os membros de sua família no sentido amplo e da
comunidade entendida como um conjunto pelo caminho de Igòkè, que é a palavra
yorùbá para "Ascensão". A palavra Igòkè vem da expressão Igòkè re Òrun, que
literalmente significa "subindo para o Reino Invisível dos Ancestrais".

177
Essencialmente, a viagem a Ikólè Òrun envolve os processos contínuos de
transformação de orí ibi em orí ire. A experiência inicial de orí ibi ocorre no
nascimento, quando o acordo entre orí e Olórun é esquecido. Orí ibi continua
tornando a ocorrer como resultado do processo de envelhecimento. Cada estado
do crescimento desde a infância até a puberdade, desde a puberdade até a idade
adulta, e desde a idade adulta até a velhice requer alinhamento com as demandas
das responsabilidades sociais que sempre mudam. Geralmente esses estados
estão marcados por um ritual de transição, o qual implica uma recriação ritual e
dramática da sabedoria necessária para assumir o amadurecimento.
Se essa transição ocorre livre de tropeços, o indivíduo se mantém firmemente
no caminho de ìwà-pèlé, o que significa que o indivíduo está desenvolvendo um
caráter bom e gentil. Raras vezes este caminho está livre de tropeços, e tem
constantes distrações e perturbações que levam o orí a ficar fora de alinhamento
com seu destino. Devido ao orí somente poder experimentar a transformação
quando o àse que se estende desde Elà e Olódùmarè está em perfeito equilíbrio
tanto com a cabeça como com o coração, a integração desta polaridade é o
fundamento do Igòkè (ascensão). Toda experiência de alinhamento que cria orí ire
(sabedoria) implica a tarefa de equilibrar o aumento resultante do àse (poder
pessoal). Quando isto ocorre, o laço entre Ikòlé Òrun e Ikòlé Ayé é fortalecido. Ifá
ensina que o fortalecimento deste laço é a fonte de boa sorte para todos aqueles
que vivem na Terra.
O caminho de Igòkè é diferente para cada indivíduo, e isto implica na
assimilação cotidiana das lições da vida. Existe um marco geral para guiar esse
processo, que é usado por Ifá num intento de assegurar uma transição livre de
tropeços através de cada um dos estados da vida. Na cultura tradicional yorùbá,
a primeira vez que uma pessoa consulta a Dáfá é em sua cerimônia de
nomeamento, que é chamada èsèntáiyé (primeira introdução no Mundo).
Essencialmente, a função da infância é a de criar um corpo forte e saudável e
aprender as habilidades que facilitarão a transição a um ser adulto. No momento
da èsèntáiyé, o awo introduz na criança os elementos essenciais da dieta yorùbá.
Isto é feito para assegurar que a menina ou menino tenha uma introdução
positiva daquelas fontes de nutrição que sustentarão a boa saúde. Ao mesmo
tempo, existem rituais introdutórios as qualidades espirituais da comida que é
oferendada. Por exemplo , Ifá diz que a água não tem inimigos. Quando o menino

178
ou menina é introduzido na água, o sacerdote dirá uma oração pedindo que a
vida do menino ou menina seja livre de conflitos.
Durante a mesma cerimônia, ocorrerá a adivinhação que se usa para
determinar o nome da criança. A maioria dos nomes tradicionais yorùbá têm um
significado espiritual, de maneira que levar um nome específico reconhece
públicamente as responsabilidades sociais sugeridas pelo nome. Dáfá será
também usada para determinar o destino pessoal da criança no que se refere a
carreira e as obrigações espirituais. Usando esta informação, os país estão
capacitados a prover uma educação que seja compatível com o potencial da
criança.
Enquanto a menina ou menino estão crescendo, têm oportunidade de
participar em diversos tipos de Egúngún (sociedade ancestral), celebrações que
ocorrem ao longo do ano. A veneração aos ancestrais (orò-Ilè) ocorre usualmente
dentro de uma família específica no sentido amplo que honra anualmente a
memória de parentes importantes. Estas celebrações implicam frequentemente
na dramatização de acontecimentos históricos que ensinam uma lição em
particular, considerada essencial para construir o bom carater. É através do uso
de histórias vividas que as crianças começam a internalizar os principios de Ifá
que estão designados a guiar cada pessoa para a iluminação. A escritura de Ifá
diz claramente que o que somos está construido sobre os ombros daqueles que
vieram antes de nós.
Na idade da puberdade, a maioria dos meninos e meninas passam por um
rito de passagem que marca a transição para tornar-se adulto. Esta cerimônia foi
perdida entre os devotos de Òrìsà no Ocidente, e acredito ser uma perda trágica.
Os ritos de puberdade cumprem uma importante função psicológica, rompendo
o laço entre os país e a menina ou menino. Isto não significa que já não se
preocupem um com o outro. Mas quer dizer que o menino ou menina que se
torna adulto não está mais enlaçado emocionalmente aos efeitos internalizalos do
juízo dos pais. Essa separação é crucial para fazer a transição saindo da fase de
criança, porque o adulto que continua a acreditar que ele ou ela está sendo tratado
como uma criança reprimirá o ressentimento, que pode levar a uma conduta
violenta e ou auto destrutiva. O conteúdo dos rituais de puberdade geralmente
não é discutido, para que contenha elementos de surpresa para aqueles que o
atravessam.

179
Quando um adulto jovem faz planos para entrar num trabalho ou começar
uma familia, é comum comprometer-se em alguma forma de iniciação espiritual,
que asistirá e apoiará o papel social do indivíduo. Por exemplo, os escultores de
madeira poderiam venerar Sàngó, os ferreiros poderiam venerar Ogún, as
mulheres que trabalham no mercado poderiam venerar Oya, e os fazendeiros
poderia venerar Òrìsà Oko.
A profissão de um indivíduo não é o único fator que é usado quando se toma
a decisão de comprometer-se num caminho espiritual em particular. O fator
determinante final é sempre o Odù que incorpora o orí inú. A religião tradicional
yorùbá tem e uma ampla gama de sociedades que baseam na preservação dos
Mistérios de qualquer uma das Forças Espirituais que falam por meio dos Odù. É
comum as pessoas pertencerem a mais de uma sociedade ou participar em
cerimônias para numerosos Òrìsà, segundo sua necessidade ou inclinação.
Os antropólogos tendem a simplificar o conceito de Òrìsà, o que tem criado
alguma confusão quanto a relação entre as várias Forças Espirituais que são
honradas por meio de Ifá. De acordo com a cosmología de Ifá, toda a Criação vem
na manifestação através do àse dos Odù. A descida do àse desde Ikòlé Òrun ao Ikòlé
Ayé se move desde Imolè, que são expressões invisíveis dos Odù, a Irúnmolè, que
são expressões visíveis dos Odù. Os Irúnmolè criaram as condições que sustentam
a vida na Terra. Eles tomam a forma física por meio daquelas Forças da Natureza
que estabelecem nosso meio ambiente ecológico.
Nas escrituras de Ifá aos Irúnmolè são dados nomes e características humanas
que são idênticas a de muitos Òrìsà. Ifá ensina que os Irúnmolè existem como Seres
consciêntes, que não existem necessariamente em forma humana. Os Irúnmolè
fundamentais incluem Obàtálá (o Espírito do Ar e Luz que se manifesta por meio
do céu); Onílè (o Espírito da Terra); Sàngó (o Espírito do Fogo que se manifesta
por meio do relâmpago); Ògún (o Espírito do Ferro que existe em depósitos
minerais naturais); Oya (o Espírito do Vento que gera o clima); Olókun (o Espírito
do Oceano); Òsun (o Espírito da Água Doce e Fertilidade) e Òrúnmìlà (o Espírito
que testemunha e registra as interações entre os Irúnmolè). Quando os Mistérios
associados a estes Irúnmolè são descritos nas escrituras de Ifá, são representados
na forma de pessoas humanas. Quando os Irúnmolè são personificados, são
chamados Òrìsà Orílè, o que sugere que são a fonte de uma forma particular de
consciência.

180
Os processos de Igòkè começam quando um orí individual chega a ser
elevado ao ponto onde o orí inú do indivíduo forma um laço místico com o orí inú
do Irúnmolè. Quando isto ocorre, ese indivíduo fala com a voz de àlásotélè
(profeta). Aqueles que chegam a ser àlásotélè juntam sua visão mística a sabedoria
de Ifá e, depois da morte, ficam conhecidos como os Òrìsà Idílé. O termo Òrìsà Idílè
sugere que o Òrìsà está expressando uma forma de consciência que evoluiu uma
fonte maior. Aqueles que se tornam Òrìsà Idílé serão ancestrais divinizados.
Dentro da cultura yorùbá, as diversas sociedades que veneram um Òrìsà em
particular são conhecidas como Òrìsà Ilù. Os mistérios preservados dentro das
Òrìsà Ilù implicam reverência tanto pelos Òrìsà Orílè como pelos Òrìsà Idílé. Estes
Mistérios incluem o conhecimento de combinar aqueles elementos naturais (àse
Òrìsà) que ressoam com um Òrìsà em particular em todas suas formas. A
ressonancia dos elementos naturais, combinada com a invocação, é o fundamento
de todo o alinhamento entre o Eu e o Mundo que ocorre durante o ritual Òrìsà.
Por exemplo, os elementos naturais usados para invocar Sàngó incluem o
Ose Sàngó (o machado de duas cabeças), Edán Ara (pedra do trovão/raio) e epo
(azeite de palma). Estes elementos são reunidos no Igbódu Sàngó, que é a árvore
sagrada para o Espírito do Relâmpago. A localização deste bosque sagrado é
baseado nos princípios de Gede (astrología), que é usada para localizar um lugar
natural de ressonância espiritual.
Reunir os àse dos Òrìsà em um lugar que contenha o àse dos Òrìsà Orílè
(Forças Naturais tal como existem na Natureza) é o processo de consagrar um
espaço sagrado (Igbódù). Ifá ensina que o poder de um espaço sagrado é
acrescentado por meio do uso do oríkì (invocação), e Òrìsà 'gùn (possessão em
transe).
Em yorùbá a palavra para "possessão" é ìní, e a palavra para "médium" é
Elègùn ou àrín. Em virtude das descaradas distorsões sobre a possessão como
falam os meios massivos de comunicação, o propósito e a função de Elégùn é
frequentemente mal comprendida. Quando uma Òrìsà Ilù (sociedade sagrada) se
reúne para louvar a um Òrìsà específico, normalmente um dos membros maiores
da sociedade é designado como médium. A pessoa que é escolhida está
colocando-se em alinhamento com os Òrìsà representando a comunidade. Isto é
feito para que a voz profética do Òrìsà possa falar diretamente aos devotos.
Alguns médiums têm a lembrança do que ocorre durante a possessão, enquanto

181
que outros não têm lembranças conscientes da experiência. Em qualquer caso,
quando um Òrìsà está falando a comunidade, o nivel de transe se chama ojú-ìran,
que significa "enfrenta a teus antepassados". O propósito de ojú-ìran é receber
informação que apoiará a abundância comunal, e a harmonia.
Na África, a transição da consciência normal para ojú-ìran tende a ser muito
mais suave e fácil que o movimento a ojú-ìran que ocorre no Ocidente. Em minha
experiência, isto sugere que a estrutura do culto aos Òrìsà na África tem suficiente
apoio comunal para moderar o processo. Também tem sido minha experiência
que, durante a iniciação, a maioria dos iniciados que estão presentes entram em
alguma forma de consciência alterada para executar o ritual. O fato de que isso
terá um poderoso impacto no ritual ajuda a assegurar a efetividade da
transferência de àse do iniciador ao iniciando.
Além de ojú-ìran, tem um nível de posseção que é chamado geralmente Láí-
láí. O estado alterado de conscência que ocorre durante Láí-láí é primeiramente
para o benefício da pessoa que está experimentando o acontecimento. Láí-láí é a
experiência da Fonte Espiritual da Creação. É similar ao conceito indo-oriental
de Nirvana. Acredita-se que aqueles que experimentam Láí-láí têm um vislumbre
do alinhamento entre o Eu e o Mundo que ocorre depois da morte.
Enquanto o estado de transe se move para Láí-láí, é possível ter uma visão
do conteúdo do acordo original entre orí e Olórun. Quando isto ocorre, porções
da vida do indivíduo surgem ao redor de seu campo visual em círculos
concentricos. Este tipo de visão é normalmente descrita como tão vivida que
parece tridimensional. Os que experimentam este estado místico retornam a
consciência normal com uma maior apreciação do verdadeiro significado de ìwà-
pèlé (carater bom e gentil).

F. O DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA COMPARATIVA IFÁ


Nenhuma religião no mundo tem uma única interpretação teológica das
crenças esseciais que seja aceita por todos os membro. Qualquer tentativa de
fazer uma comparação entre as perspectivas teológicas de Ifá africana e as
diversas formas de culto aos Òrìsà que se desenvolveram no Ocidente seria
fragmentada e limitada no melhor dos casos. Porém em virtude de haver tão
pouco material teológico sobre a Espiritualidade Africana, um exame preliminar

182
desta questão poderia servir como base para diálogo entre as diversas formas de
culto aos Òrìsà que surgiram de Ifá.
Santeria e Lucumí são duas formas de culto aos Òrìsà que se desenvolveram
em Cuba durante a era da escravidão forçada. Santeria é uma mistura de
Catolicismo e Espiritualidade Africana de diversas culturas. A maioria das
congregações dentro de Santeria fazem uso das imagens de Santos Católicos para
representar os Òrìsà e é comum dentro dos ritos de antepassados de Santeria
fazer uso de rezas cristãs. Lucumí é similar a Santería no uso do procedimento
ritual, porem tende a fazer uso de imagens africanas para representar os Òrìsà e
até pouco ou nenhum uso de rezas cristãs.
Um estudo definitivo das crenças teológicas de Santería e Lucumí está por
ser escrito. No entanto, o enfase dentro de ambas tradições tem estado
concentrado no culto aos Òrìsà, a reverência aos antepassados e a adivinhação. O
papel de Ifá tanto na Santería como no Lucumí tende a ser muito limitado. Em
mina experiencia, o papel mais comum de Ifá dentro destas duas tradições é para
a adivinhação prévia a uma iniciação, e para a adivinhação em assuntos onde o
Mérìndínlógún específicamente se refere a necessidade de consultar Ifá. Isto está
em flagrante contraste com o papel de Ifá na África, onde Ifá tem uma função
central na maioria dos acontecimentos religiosos.
Essa mudança em ênfase é sem duvida resultado de uma longa história de
opressão e supressão do culto aos Òrìsà no Ocidente. O treinamento inicial para
os sacerdotes Ifá na África leva de sete a catorze anos. Tal treinamento deve ter
sido impossível sob as condições de escravidão, e uma vez que as habilidades
foram perdidas e foi muito difícil recuperar. Desde a época da emancipação, o
cultos aos Òrìsà se tornou uma das religiões com mais rápido crescimento nos
continentes Norte e Sul Americano. Este notável crescimento ocorreu com muito
pouca contribuição por parte de iniciados de Ifá.
Quando fui iniciado em Ifá em 1989, o número de devotos dos Òrìsà dos
Estados Unidos que haviam viajado a África para reciber Ifá se estimava em dez
ou menos. Nos últimos quatro anos ese número se quadruplicou junto com um
crescente interesse em muitos aspectos do culto Ifá Òrìsà que não sobreviveram
ao tráfico de escravos. Este desenvolvimento tem gerado um intenso diálogo
sobre questões como: "Qual é a maneira correta de levar a cabo os rituais?", "Qual
tradição é mais efetiva?", "Quanto aos maiores na comunidade, têm maior

183
hierarqueia os maiores de Ifá que os maiores do culto Òrìsà?", "Podem as
mulheres ser iniciadas em Ifá?" , "Podem os sacerdotes Ifá iniciar alguém nos
Mistérios dos Òrìsà? ".
A intensidade deste diálogo tem causado alguma preocupação sobre o
estado da comunidade Ifá| Òrìsà em seu conjunto. Acredito que este diálogo é
necessário e saudável. É o proceso de esclarecer e definir nossas crenças que nos
abre as portas para uma consciência mais profunda do Eu e o Mundo.
Òrúnmìlà mo yin a buru,
Òrúnmìlà mo yin a boye,
Òrúnmìlà mo yin a bosise.

184
Direção do correio:
Awo Shopew Fá'lókun Fátunmbi
Box 28
2550 Shattuck Avenue
Berkeley, California, 94704
U. S. A.

Referências:
matéria deste capítulo representa meu esforço em expressar os conceitos
de Ifá en conjunto com minha compreensão dos conceitos científicos ocidentais.
Nem todos os que rendem culto a Ifá estarão de acordo com o conteúdo deste
esfôrço, porém é minha esperança que estimulará o diálogo e a discussão sincera
em busca do caminho para um melhor esclarecimento. Quero agradecer
especialmente a Adekoye Williams quem, no processo de ajudar-me com as
traduções deste capítulo, me deu novos insights sobre os princípios metafísicos
que estavam sendo expressos por meio da linguagem de awo.

185
APÊNDICE I

ORIKI ÌBÀ'SE ÒRÌSÀ

Oriki Ìbà'se Òrìsà é uma amostra do tipo de invocação que se faz no começo de
uma cerimônica pública. Este oriki é de Ode Remo, na região Ijebu do Estado de
Ogún, Nigéria. O conteúdo desta louvação varia de uma região para outra
dependendo dos Espítos locais que são honrados naquela área. A seção que
honra aos antepassados é específica do Egbè Ifá Ogún ti Ode Remo. Para aqueles
que estão fazendo uso deste oriki, os nomes de seus maiores religiosos falecidos
deveria ser chamados. Os diversos segmentos deste oriki que invocam Òrìsà
específicos podem ser usados como oriki separados quando se invoca a esses
Òrìsà. Dentro da tradição de Ifá/ Òrìsà só aqueles que receberam um Òrìsà têm
autoridade para invocar esse Òrìsà.
Opé ni fún Olórun.
Agradeço ao Dono do Reino dos Antepassados.
Ìbà Olódùmarè, Oba àjíkí.
Homenagem ao Criador, ao Rei que louvamos em primeiro lugar.
Mó jí lòní.
Eu desperto hoje.
Mo wo'gun mérin ayé.
Contemplo os quatro rincões do Mundo.
Ìbà Èlàwòrì.
Homenagem ao Espírito da Pureza.
Agbégí lèré, là'fín ewu l'àdò,
O que talha o pano em Ado em forma de uma escultura,
Ènítì Olódùmàrè kó pà'jó ikù è dà,
Aquele cuja data da norte não foi alterada por ele,
Omò Olúwòríogbò,
Filho do Sacerdote Principal que fez todas as Cabeças que existem na
Criação.
Ìbà'se ilà Oòrùn.
Homenagem ao poder do Este.

186
Ìbà'se ìwò Oòrùn.
Homenagem ao poder do Oeste.
Ìbà'se Aríwá.
Homenagem ao poder do Norte.
Ìbà'se Gúúsù.
Homenagem ao poder do Sul.
Ìbà Oba Ìgbàláyé.
Homenagem ao Rei das Estações da Terra.
Ìbà Òrun Okè.
Homenagem ao Reino Invisível das Montanhas.
Ìbà Atíwò Òrun.
Homenagem a todas as coisas que vivem no Reino Invisível.
Ìbà Olókun à-sòrò-dayò.
Homenagem ao Espírito do Oceano, o que faz prosperar as coisas.
Ìbà aféfé légélégé awo ìsálú-ayé.
Homenagem ao poder do vento, ao Mistério do Mundo Misterioso.
Ìbà Ògégé, Oba tí ngb'áiyé gún.
Homenagem a Mãe Terra que sustenta o alinhamento Universal de todas as
coisas na Natureza.
Ìbà títí àiyé ló gbèré.
Homenagem a perpetuidade do Mundo até a eternidade.
Ìbà Oba àwón Oba.
Homenagem ao Rei de todos os Reis.
Ìbà Òkítí bírí, Oba tí np'òjó ikú dà.
Homenagem ao Evitador dos días finais, o Rei que pode trocar o dia da
Morte.
Ìbà àte-ìká ení Olódùmarè.
Homenagem a esteira que não pode ser enrolada uma vez estendida.
Ìbà Òdému dému kété a lénu má fohùn.
Homenagem ao poder que extrai Bondade do Reino do Invisíveis.
Ìbà'se àwón Ikú emesè Òrun.
Homenagem aos mortos, os mensageiros do Reino Invisível.
Ìbà Orí,
Homenagem ao Espírito da Consciência,

187
Ìbà Orí inù,
Homenagem ao Espírito do Eu Interior,
Ìbà Ìpònrí tí ó wà l' Òrun,
Homenagem ao Espírito do Eu Superior que vive no Reino Invisível
dos Antepassados,
Ìbà Kórí,
Homenagem ao Criador da Cabaça que contém o Eu Interior,
Ìbà Àjàlá-Mòpín,
Homenagem ao Espirito do Guardião de todos os Espíritos Interiores que
são escolhidos no Reino Invisível dos Antepassados.
Ìbà Alúdùndún- Òrun,
Homenagem ao Espirito que anuncia o Destino que é criado no Reino
Invisível dos Antepassados.
Ìbà Odò-Aró, atí Odò-Ejé,
Homenagem ao Rio Azul e ao Rio de Sangue, (esse lugar que faz com que o
Destino seja esquecido)
Òrun Orí nìlé, e òó jíyìn, e óò jábò oun tí e rí.
O Reino Invisível dos Antepassados é o lugar permanente do Eu Interior, é
ali que o Eu Interior dá conta do que fez durante a viagem a Terra.
Ìbà Èsù Òdàrà, Òkúnrìn orí ità, árà Òké Ìtáse, ao fí idà re lálè.
Homenagem ao Divino Mensageiro da Transformação, o Homem das
Encruzilhadas, da Colina da Criação, usaremos tua espada para tocar a
Terra.
Ìbà Òsòósí Ode màtá.
Homenagem ao Espírito do Caçador, Dono do Mistério da Medicina com
pontos.
Ìbà Ògún awo,
Homenagem ao Mistério do Espírito do Ferro,
Onìlé kángu kàngu Òrun,
O dono de inúmeros lugares no Reino dos Antepassados.
Ìbà Obàtálá, Òrìsà Òsérè Igbó,
Homenagem ao Espírito do Chefe do Pano Branco que é louvado na Árvore
Sagrada.
Oní kùtúkùtú awo òwúrò,

188
Dono do antigo Mistério do Pano Branco,
Òrìsà Òsérè Igbó,
O Espírito que é louvado num dia sagrado no Bosque,
Ikú iké,
Guardião daqueles com incapacidades físicas,
Oba pàtà-pàtà tí nbá won gb'odé ìránjè.
Rei de todas as gerações futuras.
Ìbà Yemoja Olúgbé-rere
Homenagem a Mãe dos Peixes, a Doadora de Coisas Boas.
Ìbà Òsun oloriya igún arewà obìrin.
Homenagem ao Espírito do Rio, dona do pente para as mulheres formosas.
Ìbà Olùkóso àìrá, bámbí omo arígbà òtá ségun.
Homenagem ao Rei que não morre, o filho da Pedra do Raio.
Ìbà Ààláiyé Àjàlórun Oya Olúwèkù.
Homenagem aos Ventos da Terra, os Ventos do Reino Invisível dos
Antepassados, o Espírito do Vento é quem guia os médiuns dos
Antepassados.
Ìbà Ìbejì oró.
Homenagem ao Poder transformador do Espírito dos Gêmeos.
Ìbà Ajé-ògúgúlùsò Olámbó yeye aiyé.
Homenagem aos Espíritos da Riqueza e da Boa Sorte, Fortuna, a Honra vem
da Mãe da Terra.
Ìbà Awòn Ìyáàmi,
Homenagem a Sociedade das Mulheres Sábias,
Alágogo èìswù á p'oní ma hagùn.
O Pássaro Branco do Poder é a Fonte de sua Medicina.
Ìbà Òrúnmìlà, Elérì ìpín,
Homenagem ao Espírito do Destino, Testemunha da Criação,
Ikú dúdú àtéwó.
Aquele que evita a Morte.
Òró tó sí gbógbó òná.
O Poder da Palavra que abre todos os caminhos.
Ìbà Awo Akódá.

189
Homenagem ao adivinho chamado Akódà. (o primeiro estudante de
Òrúnmìlà).
Ìbà Awo Àsèdá.
Homenagem ao adivinho chamado Aseda (o que ensinou Ifá ao Mundo).
Ìbà Ojúbo ònòméfà.
Homenagem ao Santuário das seis direções.
Àsé.
Que assim seja.

190
APÊNDICE II
GLOSSÁRIO

A linguagem de Ifá é baseada em expressões litúrgicas de conceitos


profundamente esotéricos. Muitas palavras usadas na escritura, no ritual e
louvações Ifá não são parte do yorùbá conversacional. Além disso o próprio
idioma yorùbá tem uma variedade de dialetos, o que significa que palavras que
expressam conceitos similares podem ter ortografías e inflexões ligeiramente
diferentes. Até hoje, os únicos dicionários disponíveis de yorùbá foram
preparados por sociedade missionárias cristãs. Estes dicionários ou bem omitem
muitas palavras chave usadas em Ifá ou lhes dão uma interpretação cristã. Todos
esses fatores aumentam a dificuldade de estudar o idioma de Ifá. Em meus livros
anteriores fiz uso de ortografías que são usadas comumente no Ocidente com o
propósito de clarear e simplificar. Neste livro tomei a decisão de utilizar a
ortografía yorùbá tal como se usa na África. Quero expressar meu profundo
apreço a Olalekan Babalola e Adekoye Williams, que me deram valiosa
assistência em meus esfôrços para traduzir a linguagem de Ifá.
Àdá —Sabre com um gancho curvado no fim da lamina, consagrado ao
Espírito do Ferro.
Adé —Coroa usada pelos Reis yorùbá. A coroa simboliza a transformação
espiritual que ocorre quando os Reis são instalados no cargo.
Àfonífojì — Vale.
Àfòse —Encantamentos mágicos.
Agbádá — Toga sacerdotal.
Àgbàla — Jardím em volta de uma casa, fechado por uma parede ou cerca
Ágbálé — Cabeça de família.
Agbára —Maior, pessoa com autoridade.
Agberi leri —Entalhador de madeira.
Àgbò — Carneiro.
Agbolé — Casa ou coleção de casas formando um recinto usado geralmente
por uma única família no sentido amplo.
Agemo — Camaleão, é sagrado para o Espirito do Rei do Pano Branco.

191
Áiyé — A fonte da Terra, na escritura Ifá é o lugar onde o Reino dos
Antepassados se encontra com o Reino dos Humanos.
Àjé — O espírito de um pássaro usado pelas mulheres para invocar os
poderes usados para abundância e justiça. Este mesmo poder é usado para
consagrar a corôa dos reis yorùbás.
Àjàláiyé — Os Ventos da Terra, são um aspecto do Espírito do Vento.
Àjàlórun — Os Ventos do Reino dos Antepassados, aspecto do Espírito do
Vento.
Ààlá-mòpín — Um dos espiritos que formam a cabeça e consciência de cada
um dos filhos recem nascidos.
Ajiki — O que é louvado primeiro.
Akódá — Um dos primeiros estudantes do Profeta Òrúnmìlà.
Akókò ti obinrin — Rito de puberdade feminino.
Akókò ti okunrin — Rito de puberdade masculino.
Akoni —Guerreiro Valente, uma pessoa forte que poderia ser lembrada como
um ancestral divinizado.
Àkúnlègbà — O destino alterado pelo livre arbítrio.
Àkúnlèyàn — Opção, libre arbítrio.
Álá — Luz no sentido espiritual que carrega consigo a iluminação e o
entendimento.
Àlà — Sonhador eficaz, aquele que tem visões enquanto dorme.
Aláánú — Espírito que ajuda a formar a consciência, "O Misericordioso".
Alàgba — Sacerdote principal da Sociedade dos Ancestrais Reverenciados.
Alágbò — Pote de medicina.
Alásotele — Profeta. Aquele que está capacitado para ver o futuro.
Àlawo — Palavra usada em Ifá para identificar um iniciado que está sendo
treinado como adivinho.
Àlò-ìràntàn —História sagrada.
Alunipa —Verdugo.
Apàrá-inù —Conciência.(Tambem eri-okan ).
Àpeere —Perfeição ou realização total.
Àpo —Saco ou bolsa, muitas vezes usada para transportar medicamentos e
ferramentas associadas com o trabalho ritual.

192
Araba —Um sacerdote maior de Ifá iniciado nos Mistérios associados com a
proteção do Espírito da Doença Infecciosa.
Arábìrin - Irmã.
Arákùnrin - Irmão.
Àríwa — Norte e Espírito do Norte.
Àsèdá —Um dos dois primeiros estudantes do Profeta Òrúnmìlà.
Àse — Poder Espiritual que tem a força dinámica do Ser dentro do Universo,
a palavra também é usada para finalizar as rezas. Significa "assím seja". A
reza é entendida como uma invocação, mais do que como um pedido.
A-sòrò-dayò —O que faz as coisas prosperar; nome de louvor para o Espírito
do Destino.
Atare — Pimenta picante, usada na comida e na medicina; em Ifá é comida
para preparar a boca para certos tipos de louvações.
Àtàrí — Coroa.
Àte — Esteira.
Ate — Espalhar.
Àte-ika — Esteira de ráfia, usada como espaço sagrado durante a
adivinhação.
Àtúnbi — Nascer novamente; a palavra Ifá usada para a reencarnação física.
Àtúnwa — Renascimento do caráter; a palavra usada para a reencarnação da
alma.
Ayan — Árvore sagrada para o Espírito do Relámpago.
Àyànmó — Destino, a crença Ifá de que cada pessoa vem ao mundo tendo
feito um acordo com a Criação.
Baálé — Chefe.
Bàbá — Pai, palavra usada para descrever qualquer homem de idade
suficiente para ter filhos.
Babaláwo — Pai dos Segredos; homem iniciado nos Mistérios de Ifá.
Bàbágbà — Homem maior, usualmente um avô.
Babál'òrìsà — Pai das Forças da Natureza, homem iniciado nos Mistérios da
Natureza.

193
Babaluáiyé — Pai da Fonte da Terra. Este é o Espírito associado com as
doenças infecciosas que são levadas pelo vento ao longo da superficie da
Terra durante as estações seca e quente do ano.
Bàtá — Tambor sagrado do Espírito do Relâmpago.
Bàta - Comida.
Bembe — Palavra lucumí usada para descrever uma cerimônia que usa
canção, dança e rezas para honrar aos Espíritos.
Dáfá — Adivinhação Ifá.
Ebo — Oferenda feita aos Espíritos.
Ègbè - Coração, emoções, também usada para definir uma grupo de pessoas
devotas da mesma busca espiritual.
Egún — Espírito de um Ancestral.
Egúngun — Médium para o Espírito de um Ancestral.
Ejufiri — Espírito que sustenta a força interior.
Ekùn - Leopardo.
Èla — O Espírito da Pureza, a primeira encarnação do Espírito do Destino; o
significado literal é "partir em pedaços".
Elekes — Colar para indicar a qualidade de membro de uma comunidade
religiosa yorùbá.
Elénìní — Espíritos criados pelo medo e a raiva.
Elérì-ìpín — Testemunha da Criação, um dos nomes de louvor usado para o
Espírito do Destino.
Emesè — Sacerdotes principais de Ifá que vivem no lugar de Oni em Ilé Ifè;
recitam louvações cotidianas representando a nação yorùbá.
Èmí — O significado literal é respiração, também usado para fazer referência
a alma humana.
Èmí gbe — Ser possuido por um espírito.
Eni - Esse, aquele.
èrí-okàn — Consciência.
Ese — Verso da escritura Ifá.
Esèntáiyé — Cerimônia Ifá de dar o nome, significa literalmente "a comida se
encontra com a Terra".
Esù — Espírito do Divino Mensageiro.
Esù Òdàrà — Espírito do Divino Mensageiro de Transformação.

194
Èwòn — Corrente; na escritura Ifá é a corrente que liga o Reino dos
Antepassados a Terra.
Fàdákà — Prata; sagrada para o Espírito do Destino.
Fífó — Cego.
Gede — Sistema Ifá de astrología topográfica; o estudo da influência
espiritual dos planetas na paisagem.
Gúúsù — Sul e Espíritos do Sul.
Ìbà — Homenagem a, eu respeito, eu louvo; dito em honra aos Espíritos e
Ancestrais reverenciados.
Ìbejì — Gêmeos, e Espírito dos Gêmeos, que são considerados uma fonte de
abundância.
Ibora — Espírito dos Guerreiros, usado para a proteção.
Ifá — O corpo da sabedoria encontrado na Natureza, a religião tradicional
da cultura yorùbá, e a mensagem profética do Òrúnmìlà histórico.
Ìfáiyabale — Mente quieta, a experiencia da trascendencia.
Igbadura — Invocação dos Espíritos.
Ìgbàlà — Liberação.
Igbalayé — Estações da Terra.
Igbagbo — Crença.
Igbamolè — Tipo de espírito invisivel que gera o futuro.
Ìgbín — Caracol.
Igbódù —Bosque sagrado; lugar usado para iniciação e culto.
Igbó —Bosque.
Ìgòkè — Ascensão, uma volta espiritual a Fonte.
Ìjálá —Salmodia usada para louvar os Espíritos Guerreiros.
Ijó — Dança.
Ikin — Noz de palma sagrada usada para a adivinhaçãon Ifá.
Ìkòlé Ayé —Terra.
Ìkòlé Òrun — O Reino Invisivel dos Antepassados.
Ikú — O Espírito da Morte, palavra usada em yorùbá para significar a
Morte.
Ilà Oòrún — Espíritos do Este.
Ilè — Casa ou grupo; também pode ser uma referência a Terra.

195
Ilé Ifè — Cidade sagrada de Ifá; uma das casas do Profeta Òrúnmìlà, cidade
sagrada no Reino Invisível dos Antepassados; qualquer lugar onde a terra se
espalhou através da água durante o tempo em que a terra se formou pela
primeira vez no planeta.
Ìmò — Crença religiosa, expressão teológica de idéias.
Imolè — Espíritos Invisíveis da Criação.
Ìpàkó — Centro de poder localizado na base do crânio.
Ipakù — Execução.
Ìpe — Chamar.
Ìpín — Distribução.
Ipòrí — O Eu Superior (também Ìpònrí).
Ìpònrí — O Eu Superior (também Ìpòrí).
Ìran — Visão, forma de ver tanto mística como física.
Ìrépò — Harmonía.
Iroko — Árvore usada como santuário dos Espíritos dos Antepassados.
Irúnmolè — Espíritos que formaran a Terra.
Isegún — Ação de reverenciar aos Antepassados.
Ìwà — Carácter.
Ìwàgbayé — Visão do Mundo, perspectiva.
Iwájù — Frente.
Ìwa-pèlé — Pessoa gentil.
Ìwà-rere — Bom carácter.
Ìwaro — Trabalho em metal, coisas feitas a partir do metal.
Ìwò Oòrùn — Espíritos do Oeste.
Ìyá — Mãe, qualquer mulher com idade suficiente para ter filhos.
ÌIyágbà — Mulher maior, usualmente uma avó.
Ìyálawo — Adivinha de Ifá.
Ìyá l'òrìsà — Iniciadas nas Forças da Natureza (nos Mistérios da Natureza).
Ìyáàmi — Minha Mãe. Sociedade secreta femenina.
Júbá — Respeito.
Kárí — Ir em volta de algo,
Láí-láí — Visão mística da Fonte.
Lójú-kojú — Cara a cara.
Mágbèmitì — Espírito que ajuda a partir da consciência.

196
Màrìwò — Flhas de palma, sagradas para Ifá e para o Espírito do Ferro.
Mérìndínlógún — O número dezesseis, usado para referir-se a adivinhação
por meio do uso de dezesseis búzioss.
Oba — Um dos dezesseis Chefes principais na cultura yorùbá.
Oba Òrun — Rei do Reino Invisível dos Antepassados.
Obàtálá— Espírito da Luz, Chefe do Pano Branco.
Ocha — Palavra para "iniciação".
Òdà — Pintura.
Ode — Caçador.
Ode -Ayé — O Mundo em geral.
Ode-Òrun — Todos os lugares onde os Imortais e os Antepassados residem.
Odide — Papagaio.
Odùdúwà — O Espírito Femenino da Luz, ou o Primeiro Chefe yorùbá
segundo o uso regional.
Ofò — Palavra.
Ofò 'se — Palavra usada para a invocação de Espíritos.
Ògbóni — Sabedoría da Terra, conselho de Maiores que mantem as formas
tradicionais de Justiça.
Ogede — Conjuro mágico.
Ogege — Mãe Terra.
Ògún— Espírito do Ferro.
Ògùn — Medicina.
Ojà —Mercado.
Ojú — Cara, rosto.
Ojú- àse — Poder nos olhos que aparece durante estados alterados de
consciência.
Ojúbo — Santuário Religioso.
Ojú-inù — Olho Místico ou Terceiro Olho, fonte da intuição.
Ojúràn — Uma forma de possessão em que o Espírito fala através de um
médium (tambem ojúlà ).
Ojúlà — Uma forma de possessão na qual o Espírito fala através de um
médium.
Óke — Montanha.
Oko — Fazenda ou enxada.

197
Olóde — Dono da caça, caçador.
Ológbón — Sábio.
Olódùmarè — O Espìrito do Útero da Criação.
Olóko — Dono da fazenda, fazendeiro.
Olókun — Espírito do Oceano.
Olóore — Espírito que forma a consciência, "O Dono da Bondade".
Olorí — Chefe.
Olórun — Criador do Ser.
Olówó — Dono do Dinheiro, aquele que sabe como tornar-se próspero.
Olu-Agbale — Cabeça de família.
Olúwa — Nome de louvação para o Criador.
Olúwo — Sacerdote principal.
Olúwo-Igbó — Chefe do Bosque, nome de louvação do Rei do Pano Branco.
Olúwóriogbe — Espírito do Fazedor de todas as cabeças que existem na
criação.
Omi — Água.
Oomira — Sangue Menstrual.
Omi Òrun — Águas cósmicas.
Òmò — Filha, filho.
Omolú — Nome de louvação para o Espírito das Doenças Infecciosas.
Ooní - Dono.
Onílè — Espírito da Terra.
Onísègùn — Medicina tradicional.
Oníwa funfun — Verdade, literalmente o dono do caráter guiado pela pureza.
Oòní — Rei de Ile Ifè.
Oòrùn — O Sol, o Espírito do Sol.
Opé — Bençãos.
Opèlé — Corrente usada para a adivinhação Ifá.
Opón — Bandeja usada para a adivinhação Ifá.
Òrìsà — Forças na Natureza que tomam forma de Espírito.
Òrìsà Ìdílé — Espírito da Familia num sentido amplo.
Òrìsà Ìlú — Espírito da Cidade.
Òrìsà Oko — Espírito da Fazenda.

198
Òrìsà Òrìsà Orí — Espíritos que guardam e formam a consciência de uma
pessoa.
Òrìsà Orílè — Espírito de uma nação.
Orí — Cabeça ou consciência.
Orí apeere — Padrões de consciência, as estruturas que organizam a
consciência.
Orí buruku — Pessoa que carece de consciência.
Orí ibi — Má sorte.
Oriki — Louvação usada para invocar os Espíritos.
Orin — Canção.
Orí inú — Eu Interior.
Orí ire — Boa Sorte.
Orí'osise — O lugar onde o poder espiritual entra na coroa da cabeça.
Òrò — Palavra de poder.
Oru — Sol, e o Espírito do Sol. (também Oòrun ).
Òrun — Reino Invisível dos Antepassados.
Òrúnmìlà — Espírito do Destino e Profeta de Ifá.
Òsa — Lagoa e Espírito da Lagoa.
Òsányìn — Espírito da Medicina e das plantas.
Òsun — Espírito do Río, o erótico e a fertilidade.
Osun — Bastão usado para indicar a casa de um adivinho.
Òsóòsì — O Espírito do Rastreador.
Òwe — Provérbio.
Oya — Espírito do Vento.
Oyigiyigi — A primeira Rocha de toda a Criação.
Pidán — Magia usada nos rituais para o Espírito do Relâmpago.
Saaragaa — Espírito que ajuda a formar a consciência "O Lugar de Depósito
da Unicidade".
Sàngó — O Espírito do Relâmpago.
Sékèké — Viajar pelo oráculo.
Sùngbèmí — Espírito que ajuda a formar a consciência, "Eu sei mais sobre
mim".
Tìkara-eni — O Eu.
Wère — Locura, insania.

199
Yan — Iniciar.
Yemoja — Espírito da Mãe dos Peixes.

200

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