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ENSAIO SOBRE MATRIZES RELIGIOSAS AFRICANAS:


“DO” BRASIL OU “NO” BRASIL ?

Rudinei Telier de Freitas – UFPel

Resumo:

Este ensaio é resultado de estudos e pesquisa desenvolvida na graduação


em Bacharelado em Antropologia Social da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), na Pesquisa de Religiosidade, Cultura Africana e Grupos Africanos no
Brasil Colonial, 1º e 2 Reinados.
O texto versa sobre a transferência da religiosidade Africana para o Brasil,
durante o período de escravidão, e sua influência nas práticas atuais.
Esse estudo e sua pesquisa tiveram como objetivo analisar o contexto das
matrizes africanas para determinar se a utilização de “Afro-Brasileira” deve ser
aplicada em relação as práticas religiosas africanas no Brasil.
Afinal, elas são “DO Brasil” ou “NO Brasil”?
A metodologia utilizada se ancora nos estudos históricos, revisão de literatura
a partir da chegada dos primeiros grupos africanos escravizados e de minhas
experiências na vivência e nas práticas das matrizes religiosas africanas.
Os resultados apontam que os cultos religiosos Africanos e seus personagens
mantiveram as estruturas originais praticadas na África. Os processos de
sincretismos sejam eles com os santos católicos ou o alimentar, não
descaraterizaram a matriz original. Muitas casas religiosas das matrizes
africanas retornaram as práticas antigas, abolindo de seus altares as imagens
católicas e retornando a “dieta” dos santos, apesar de algumas ainda manterem o
milho, a pipoca, a mandioca, a batata-inglesa e a banana como parte dos elementos
culinários em suas cozinhas.

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Abstract
Este ensayo es el resultado de estudios e investigaciones desarrollados en la
Licenciatura en Antropología Social de la Universidad Federal de Pelotas (UFPel), en
la Investigación de Religiosidad, Cultura Africana y Grupos Africanos en el Brasil
Colonial, 1° y 2° Reinados.
El texto trata sobre la transferencia de la religiosidad africana a Brasil, durante
el período de la esclavitud, y su influencia en las prácticas actuales.
Este estudio y su investigación tuvieron como objetivo analizar el contexto de
las matrices africanas para determinar si el uso de "afrobrasileño" debe aplicarse en
relación con las prácticas religiosas africanas en Brasil.
Después de todo, ¿son “DO Brasil” o “IN Brazil”?
La metodología utilizada está anclada en estudios históricos, revisión de
literatura y de la llegada de los primeros grupos africanos esclavizados y de mis
vivencias en la vivencia y prácticas de matrices religiosas africanas.
Los resultados muestran que los cultos religiosos africanos y sus personajes
mantuvieron las estructuras originales practicadas en África. Los procesos de
sincretismo, ya sea con los santos católicos o con la comida, no descaracterizaron la
matriz original. Muchas casas religiosas de matrices africanas volvieron a prácticas
antiguas, aboliendo las imágenes católicas de sus altares y volviendo a la "dieta" de
los santos, aunque algunas aún conservan el maíz, las palomitas, la mandioca, las
papas y los plátanos como parte de los elementos culinarios en sus cocinas

Palavras Chaves:
Africanismo. Religiosidade Afro. Matrizes africanas.

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INTRODUÇÃO
Um dos mais influentes antropólogos, Eduardo Viveiros de Castro, escreveu
em seu texto (2006,1) que:
[…] “Comunidade indígena” é toda comunidade fundada em relações
de parentesco ou vizinhança entre seus membros, que mantém laços
histórico-culturais com as organizações sociais indígenas pré-
colombianas. [...]

Os povos indígenas no Brasil, deram contribuições significativas para a


sociedade mundial, como a domesticação da mandioca e o aproveitamento de
várias plantas nativas, como o milho, a batata-doce, a pimenta, o caju, o abacaxi, o
amendoim, o mamão, a abóbora e o feijão. Suas culturas diversificadas compunham
originalmente um rico mosaico de tradições, línguas e visões de mundo que, depois
de serem longamente desprezadas como típicas de sociedades bárbaras, ingênuas
e atrasadas, ou no máximo apreciadas como exotismos e curiosidades, hoje já
começam a ser vistas em larga escala como culturas complexas, sofisticadas em
muitos aspectos, interessantes por si mesmas e portadoras de valores importantes
para o mundo moderno, como o respeito pela natureza e um modo de vida
sustentável.
Mas, pense: se substituirmos na citação de Viveiro de Castro, as expressões
“comunidade indígena” por “comunidade Africana” e “indígenas pré-colombianas” por
“negros escravizados pós-cabralinas”, estaríamos longe da definição proposta pelo
antropólogo?
Não estou propondo algum debate sobre as questões dos Afro-brasileiros no
contexto social, mas sim falando sobre religiosidade. Uma reflexão sobre o racismo
científico e o preconceito que ainda permeia o debate sobre religiosidade Afro no
Brasil.
O antropólogo João Pacheco de Oliveira em seu texto(1998, pg.64), “UMA
ETNOLOGIA DOS ÍNDIOS MISTURADOS”, aponta três obstáculos, para as
pesquisas empíricas:
01) “vício do presentismo”, que descreve os fatos e as ideias do passado com
os olhos do presente. O pesquisador precisa resgatar a historicidade dos sujeitos
históricos, como eles estão imersos e como se constituem.

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02) apresentar as evidências históricas sobre a antiguidade. A base está no
enraizamento político, identidades e culturas.
03) os Antropólogos e Historiadores, para verdadeiramente conhecer uma
cultura indígena- e também Afro- é preciso perseguir os elementos de sua cultura
originária / nativa, isentos da mancha deixada pelas instituições coloniais.
Oliveira(1988,p. 65) escreve:
[…] Enquanto o percurso dos antropólogos foi o de desmistificar a
noção de “raça” e desconstruir a de “etnia”, os membros de um grupo
étnico encaminham-se, frequentemente, na direção oposta,
reafirmando a sua unidade e situando as conexões com a origem em
planos que não podem ser atravessados ou arbitrados pelos de fora.
[...]

João Pacheco de Oliveira fala em seu texto sobre o encontro entre a


antropologia e a história, enquanto estudava os povos indígenas do Nordeste.
Neste ponto, faço uso das observações do antropólogo Pacheco de Oliveira,
para incluir nos estudos das Matrizes Religiosas Africanas no Brasil ou do Brasil.

A ISLAMIZAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO


Há excelentes trabalhos históricos sobre o processo de escravização do
continente africano. Apenas citarei alguns tópicos importantes, para esse estudo,
sobre a ocupação da África e da “exportação forçada” de pessoas escravizadas,
para as Américas, Europa e Ásia.
Antes mesmo da chegada de Europeus via o Atlântico, no continente africano,
árabes muçulmanos e beduínos do deserto, no século VII atravessaram o deserto do
Saara iniciando não somente um rico comércio, mas também um processo de
escravidão para os povos que não se convertiam ao islã.
Segundo o historiador José Carlos Viera Ruivo, em seu livro História Afro
Brasileira, 2006, foram os mercadores árabes quem promoveram o tráfico de
escravos e a escravidão como forma de comércio. O historiador também comenta
que inicialmente os conquistadores estavam em busca de tributos e não de
conversão.
Em 640 D.C. registou-se a conquista do Norte de África, desde o Egito até
Marrocos. No Norte de África desenrolaram-se dois processos distintos:
islamização e arabização.

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Por islamização pretende-se referir o processo pelo qual os povos do Norte
de África se converteram à religião islâmica.
Por arabização refere-se o processo de aculturação através do qual estes
povos absorveram numerosos aspectos da cultura árabe, nomeadamente a língua.
Assim, nos reinos invadidos, quando o rei se convertia, considerava-se todo o
povo convertido. Como a lei do Islã proibi a escravidão de um muçulmano por outro
muçulmano, esses reis eram obrigados a pagar tributo e entre eles, entregar um
certo número de escravos para o trabalho braçal como também mulheres para a
composição dos haréns.
As guerras tribais na antiga África, nunca foram guerras de genocídio, mas de
ocupação e dominação quando o grupo vencedor acabava assimilando o grupo
perdedor.
Porém, quando a expansão muçulmana começa ao norte e noroeste da
África, os reis convertido passam a conquistarem outros pequenos reinos, a fim de
cobrir sua dívida com seu senhor, que lhe fornecia apoio nas guerras, bem como na
defesa de seu território e estabeleciam um rico comércio para ambos.

Pelas chamadas rotas orientais e transaariana, que duraram de 650 a 1600,


foram retirados milhões de pessoas escravizadas para a Arábia Saudita, Emirados
Árabes, Índia, China e Sri Lasnka;

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Antes dos europeus iniciarem sua expansão marítima, diversos grupos
humanos africanos, cada qual com seu modo de vida, chegando a desenvolverem
formas complexas de organização social ao ponto de criarem grandes impérios,
sofriam com o processo desumano da escravidão pelos muçulmanos.

A EVANGELIZAÇÃO DA ESCRAVIDÃO
É a partir do século XV que ocorre um grande processo dinâmico do comércio
escravagista no continente africano. Os europeus, no intuito de expandir suas
atividades comerciais, exploraram a costa africana.
Com a colonização da América, necessitavam de mão de obra para trabalhar
nas terras conquistadas no “Novo Mundo”. Diante dessa nova realidade, os
europeus passaram a praticar o lucrativo tráfico negreiro, que aconteceu durante
quatro séculos entre o continente africano e o continente americano. O tráfico
negreiro ocasionou transformações na sociedade africana, pois o aumento ou a
diminuição da escravidão na África estava relacionado com a maior ou a menor
demanda externa (América, Europa). Portanto, quanto maior a necessidade de
escravos na América, maior era o número de pessoas escravizadas na África.
Assim, o tráfico negreiro se tornou um negócio rentável. As rotas comerciais no
Atlântico e a ligação comercial do continente africano com a Europa e a América
transformou o escravo em um dos principais produtos de exportação.

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Quero salientar, que o processo de colonização escravagista para a América
do Norte e Central tomam perfis diferentes. Enquanto ao norte uma única etnia
prevaleceu, para a América do sul ela foi diversificada.
A bula “Romanus Pontifex” de 1455 legitimou o comércio de escravos e sua
introdução na Europa cristã, justificando-o através da conversão e evangelização
dos gentios africanos, escravizados por povos rivais ou capturados através da
guerra justa.
Este comércio foi incrementado na medida em que os portugueses chegaram
à costa ocidental africana e estabeleceram contatos e negócios com os povos locais.
A bula papal “Dum diversas” emitida a 18 de junho de 1452 pelo Papa
Nicolau V e dirigida ao rei Afonso V de Portugal. Por aquela bula os portugueses
eram autorizados a conquistar territórios não cristianizados e consignar a
escravatura perpétua os sarracenos e pagãos que capturassem, tomando posse das
suas terras e bens e é considerada por alguns como o " advento do comércio de
escravos da África Ocidental. O termo “sarracenos” é uma das formas que os
cristãos medievais designavam os árabes e os muçulmanos.
A bula papal “Sublimis Deus” emitida em 29 de maio de 1537, pelo Papa
Paulo III, em que afirma que os índios são homens, capazes de compreender a fé

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cristã e que pela qual condena explicitamente a escravidão desses povos e de todos
os outros, mesmo que alheios á fé cristã.
O comércio transatlântico de escravos é o caso mais infame de tráfico
humano na história da humanidade. Quando olhamos para os números, torna-se
óbvio porque recebe tanta atenção.
Os dados são constantemente questionados, mas historiadores,
principalmente africanos, estimam que entre 1500 DC e 1890 DC, mais de vinte e
dois milhões (22.000.000) de africanos foram vendidos como escravos. Sete milhões
(6.856.000) foram vendidos para o leste: com 3.956.000 foram vendidos no Saara e
2.900.000 no Mar Vermelho e no Oceano Índico. Quinze milhões (15.000.000) foram
traficados através do Atlântico. 70% de todos os africanos vendidos como escravos
nas Américas foram transportados por Portugal e Grã-Bretanha.
A organização internacional “SLAVEVOYAGES” -Tráfico Transatlântico de
Escravos- estima que a distribuição do Novo Mundo incluiu escravos africanos
enviados para: Brasil (4 milhões ou 35%), Império Espanhol (2,5 milhões, 22%),
Índias Ocidentais Britânicas (2 milhões, 18%), Índias Ocidentais Francesas (1,6
milhão, 14%), América do Norte britânica e Estados Unidos (500.000, 4,4%), Índias
Ocidentais Holandesas (500.000, 4,4%), Europa e outras ilhas (200.000, 2%) e
Índias Ocidentais Dinamarquesas (28.000, 0,2%).

Considerações:
O Islã não proibia a posse de escravos, mas proibia escravizar muçulmanos
ou negociar muçulmanos. Aqueles que possuíam escravos eram encorajados a
alforrá-los como ato de justiça ou a libertar escravos para receber a absolvição por
transgressões. Por outro lado, isso resultou nos ricos acumulando escravos
para sempre ter um ou mais escravos à mão para presentes, tempos de jejum ou
para libertar escravos para atos de propiciação. Quando um governante islâmico
tinha um projeto para realizar, era possível violar a lei islâmica para atingir os
objetivos do projeto.
Quando o comércio de escravo transatlântico começou, já havia uma prática
estabelecida de cristãos não escravizar cristãos, galvanizado pelas ameaças
externas dos impérios islâmicos expansionistas. No entanto, por razões financeiras,

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e com o fanatismo fornecendo uma justificativa para a hipocrisia, os cristãos brancos
ignorariam por dois séculos e meio o costume de não escravizar os cristãos quando
se tratava de escravos negros se convertendo ao cristianismo.

A AFRICA NO BRASIL
Com a chegada em 22 de Abril de 1500 ao Brasil pelos portugueses, a
situação de colonização era agravada pelo fato de o país não possuir excedente
populacional suficiente que pudesse suprir a colônia.
Inicialmente os Portugueses almejaram utilizar da força de trabalho dos
nativos (indígenas) para que a exploração fosse concretizada, no entanto, a mão de
obra indígena foi refutada mediante a dificuldade de controle sobre populações que
ofereciam maior resistência e também por despertar o interesse da Igreja Católica
em utiliza – los como novos convertidos ao Cristianismo Católico.
A escravização torna-se o grande sustentáculo do processo de colonização
do continente.
Ao contrário dos indígenas os negros africanos já estavam habituados ao
trabalho agrícola, ao pastoreio e á utilização de metais. Tal opção tornava–se viável
por dois motivos essenciais: o domínio que Portugal já possuía em regiões da África
e as possibilidades de lucro que a venda desses escravizados poderiam trazer aos
cofres da Coroa Portuguesa.

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Além disso, havia o apoio da própria Igreja Católica que associava os
africanos à prática do islamismo. Com os escravizados residentes na colônia, eram
encarregados de funções distintas nas quais desenvolviam seus trabalhos.
Ainda assim, as regiões mais pobres, em que a força de trabalho era mais
escassa, os índios ainda foram utilizados como escravos. Para contornar a
crescente demanda por força de trabalho, Portugal resolveu então investir no tráfico
de escravizados vindos diretamente da Costa Africana, assim, os Lusitanos que já
exploravam o mercado Africano de escravizados, precisaram apenas ampliar o
negócio, organizando a transferência dessa mão de obra para o Brasil.
Outro fator, é que havia o fato de enquanto os portugueses utilizaram a mão
de obra indígena, puderam acumular os recursos necessários para comprar os
africanos. Essa aquisição era considerada investimento bastante lucrativo, pois os
escravizados negros tinham um excelente rendimento no trabalho
Uma boa leitura no maravilhoso livro do historiador luiz Felipe de Alencastro,
“O TRATO DOS VIVENTES” - 2000 da Companhia das Letras, irá elucidar suas
dúvidas sobre a transferência de escravos e sua associação aos engenhos no
Brasil.

Povos africanos
tão distintos foram lançados no mesmo campo comum da escravização – em suas
tradições seculares falavam línguas diferentes, tinham costumes distintos e
adotavam posições políticas, ideológicas e fé diferentes. Porém essas gentes de

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diferentes nações foram traficadas para dentro das terras brasileiras e ali igualadas
no mesmo infortúnio, embora cada qual com sua cultura, ideologia política, fé, credo
e crença.
Ao chegarem, recebiam batismo forçado e ganham um nome de santo
católico seguido como sobrenome o porto de onde foram embargados. E assim,
vários “Josés”, “Migueis”, “Antônios” , de Angola, de Luanda, de Moçambique, etc,
foram jogados no mesmo infortúnio.
Ao ser escravizado o africano tinham todos os seus laços sociais rompidos, e
depois da longa travessia entre a terra natal em algum lugar do Brasil, voltava a
buscar pontos de referência que orientasse seu comportamento.
Passado o impacto da mudança de condição social de livre para escravo, da
mudança de continente deixando para trás uma cultura, para ter que mergulhar em
outra, talvez, o primeiro passo na construção de uma nova identidade fosse aceitar a
designação que os traficantes e administradores lhe dera.
Essas designações de procedência que fora incorporada na construção de
sua nova identidade era chamada de “nações”, servindo como afirmação do
pertencimento a um grupo, mesmo sendo uma generalização.
Ao longo dos 300 anos em que foram comercializados vindos de diversos
lugares, foram levados a diferentes condições e a medida que as décadas e séculos
passavam se consolidou sua cultura afro, sempre revigorada pelos elementos
africanos trazidos como escravos que chegavam ininterruptamente até 1850 quanto
o tráfico Atlântico foi extinto.
Em “grupos estranhos” dentro das senzalas, com línguas e costumes
diferentes, pois os escravagistas cuidavam para não colocarem grupos grandes de
mesma etnia ou povo por medo de revoltas e levantes, encontrou na organização de
sua religiosidade mais um caminho de resistência.
Vários autores informam que os africanos que aportaram no Brasil eram
originários das seguintes regiões:
1) África Ocidental – povos sudaneses e/ou iorubas (nagôs, ketus, egbá);
gegês (ewês, fons); fanti-ashanti (genericamente conhecidos como mina);
povos islamizados (mandigas, haussas, peuls);

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2) África Central: povos bantos, bakonogs, mbundo, ovimbundos, bawoyo,
wili (isto é, congos, angolas, benguelas, cabindas e loanos);
3) África Oriental: os conhecidos como Moçambique
O escritor Oliveira Viana em seu livro “Evolução do Povo Brasileiro” (1932,
p.155) escreve:
[…] todas possuindo caracteres diferenciais específicos,
divergindo e distinguindo-se entre si por particularidades
morfológicas e atributos psicológicos inconfundíveis.[...]

A diversidade dos povos africanos, tão distintos, foram lançados na


escravização – tradições seculares, línguas diferentes, costumes distintos e
adotavam ideologias e fés diferentes.
Porém, essas pessoas de diferentes nações foram traficadas para terras
brasileiras organizaram-se por suas etnias, onde o grupo maior absorveu o menor
observando suas raízes originais, Mantiveram suas culturas, suas religiosidades,
seus idiomas, impondo uma forma de resistência quando não física, mental e
emocional. .
Os “Josés” de Angola ou de Cabo Verde, os “Antônios” de Luanda ou de
Moçambique mantiveram suas identidades. E assim renascidos na terra nova,
voltaram a ser o “Fatumbi”, o “Emiolá”, o “Odekole”, etc...

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RELIGIOSIDADE
Nós chamamos de práticas religiosas de matrizes africanas o meio pelos
quais os indivíduos entraram em contato com suas divindades e espíritos ancestrais.
Era um aspecto central da vida de todos eles, assim como viria a ser na de seus
descendentes brasileiros.
Dessa forma, a religião foi uma das áreas em torno da qual eles
reconstruíram seus laços de solidariedade, suas identidades e novas comunidades
Não devemos confundir a prática do sincretismo como alguma coisa que foi
absorvida e que faça parte dos cultos de matrizes africanas.
O sincretismo que foi aplicado no Brasil pelos babalaôs da etnia Ioruba, onde
associaram a imagem dos santos católicos as divindades africanas dos Orixás, foi
algo utilizado pelo povo FON na África, para se protegerem dos ataques em tempo
de guerras tribais. O sincretismo alimentar que na época também foram aplicados
não descaracteriza os fundamentos Afros.
Muitas casas religiosas de matrizes africanas já retiraram de seus altares as
imagens católicas, bem como retomam as dietas alimentares dos santos, enquanto
outras casas ainda utilizam o milho, a mandioca, o coco, a banana, pipoca, etc..
E baseados na sua fé, as matrizes se mantiveram intactas fora de alcance
dos padres e dos escravocratas.
E chegam em pleno século XXI mantendo suas estruturas originais, apesar do
modismo de alguns, do preconceito e do racismo, continuam a resistir.

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MATRIZES RELIGIOSAS AFRICANAS

BANTO IORUBA FON


Povos: mabundos; quibundos, Povos: Nago, Oió, Ijexá, Keto... Povos: Asanthi, Jeje Mahin, Jeje Savalu, Kanbida...
umbundo, quigongo... (60) (Mais de 800)

Chegam ao Brasil em 1578 - Chegam ao Brasil 1700 - Últimos anos de escravidão no Brasil

Culto principal : INKISES Culto principal: Culto principal:


- culto secundário: Angoleiros
ORIXÁS VODUNS
Kiumba d’Angola

Deus supremo: Deus supremo : Deus supremo :


NZAMBI OLORUN OU OLODUMARE VODU OU MAWU-LISSÁ

- TATETU/MAMETU BABALAÔS
tornam-se amigo dos Pajés – - culto único;
similaridade com o culto dos -sincretismo com os santos
encantados indígenas ; católicos;
- sincretismo alimentar dos
santos;

Ritual Funebre : Bakulu Ritual Funebre : Asese Ritual Funebre : Atete

BANTOS, grupo mais numeroso, dividiam-se em dois subgrupos: angola-


congoleses e moçambiques. A origem desse grupo estava ligada ao que hoje
representa Angola, Zaire e Moçambique (correspondestes ao centro-sul do
continente africano) e tinha como destino Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas,
Rio de Janeiro e São Paulo.
IORUBAS OU NAGÔS, trazidos do sudoeste do continente africano do que
hoje é representado pela Nigéria, Daomei e Costa do Ouro e seu destino geralmente
era a Bahia.
FON - a maior expressão histórica, política e social do povo se expressou no
Benin através do Reino do Dahomey e na Diáspora africana através do vodun.
Todos esses, falando línguas diferentes, culturas diferentes e estruturas
sociais diferentes e cultuando suas próprias divindades.
As matrizes africanas não são “POLITEÍSTAS”, elas sempre forma
“MONOTEÍSTAS.” Não falem Deuses Africanos… Inkises, Orixás, Voduns são
divindades.

CONCLUSÕES FINAIS:

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Por que alguns ainda insistem em falar “matriz africana”, quando a
diversidade é uma característica dessas matrizes, tão diferentes em suas culturas,
em suas organizações?
Por que chamam de Afro-brasileira algo nascido na África, e que buscam
constantemente sua identidade como afro?
Falam seus idiomas originais e/ou procuram manter todos os vocábulos de
seus ancestrais; cantam as mesmas cantigas do passado histórico assim como
eram cantados na África; vestem-se como os seus ancestrais para suas festas e
rituais; casam como seus ancestrais casavam e morrem como eles recebendo os
mesmo rituais fúnebres?
Não há razões para usarmos o singular para nos referirmos as matrizes
religiosas africanas, afinal, mesmo sendo três, são diferentes, são diversas
constituídas de vários povos.
Os rituais de iniciação dessas matrizes são renascimentos, são retornos a
mãe África da qual foram separados por um Eurocentrismo desumano.
Usar o adjetivo gentílico “brasileiro” para se referir as matrizes africanas,
mesmo sendo chamado de afro, é desrespeito com a história dos povos africanos no
Brasil.
A Umbanda como religião tem sua fundamentação no Brasil, com uma forte e
importante influência do Catimbó, da Pajelança e do Xamanismo ameríndio. A
Quimbanda, mesmo tendo raízes africanas encontradas na prática Banto, nasce
como se conhece no Brasil.
Por mais humilde e simples que seja um “interlocutor” em uma casa qualquer
das matrizes Religiosas Africanista, orgulha-se de sua ancestralidade, de sua raiz,
de sua bacia, de seu barco, de sua navalha, etc. Casas sem esses elementos não
são de matriz africana, mesmo que o interlocutor afirme que seja.
Os “modismos” e as “modernidades” encontrados na internet não podem
serem referenciados. Pesquisa de campo séria se respalda em fontes sérias e
comprometidas com a verdade. Um antigo baluarte da nação de Kanbida no RS,
Henrique da Oxum, costumava me falar:
[…] A inocência é a mãe da misericórdia… Mas, um erro será sempre
um erro. Você não perde, simplesmente, deixa de ganhar [...]

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Toda a religiosidade africana é arcaica. Elas são respaldadas por suas
cosmologias cosmogonias e os rituais apenas replicam suas dimensões
cosmológicas que são chamadas de “fundamentos”. As tradições podem variar em
uma mesma etnia. Mas os fundamentos que as qualificam como sendo de uma
matriz, não mudam. Em uma casa de uma determinada matriz os elementos
cosmológico estará representada. Em outra casa da mesma etnia, esses mesmos
elementos deverão serem encontrados. Tradições mudam, fundamentos não.
Usar a expressão “Afro-Brasieira”, para referir-se a essas duas expressões
religiosas, a Afro e a Umbanda como se fossem da mesma natureza, é acima de
tudo manter um pensamento do “racismo científico” do século XIX, mantendo
“negros e indígenas” a margem de suas histórias.
Matrizes Africanas “NO” Brasil e Umbanda e Quimbanda “DO” Brasil. São
culturas diferentes com histórias diferentes.
“NÃO SÃO A MESMA COISA” , em uma linguagem popular mais clara.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Eduardo Viveiros de -


OLIVEIRA, João Pacheco de -
RUIVO, José Carlos Viera -
ALENCASTRO, luiz Felipe de – O Trato Dos Viventes - 2000
CORRÊA, Norton F. - Tambores Iorubá No Brasil - 2009
VIANA, Oliveira – A Evolução do Povo Brasileiro - 1932

SOBRE O AUTOR
Rudinei Telier de Freitas, nasceu na cidade de Pelotas, RS, em 28 de
dezembro de 1960, em uma família de 3 irmãos e 2 primos. Filho de uma família
praticante do culto da Kiuma (Angola), sendo o seu pai natural da cidade de São

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José do Norte, RS, funcionário público estadual e sua mãe da cidade de Lavras do
Sul, também no RS.
Iniciou seus estudos doutrinários de umbanda cruzada e Kiumbanda, aos sete
anos, tendo como professores e iniciadores os seguintes venerados:
 srª Glécia Freitas- mãe carnal;
 sr. Wladmir Esteves;
 sr. Armindo Pereira;
 sr. Ari Caetano;
Ordenou-se sacerdote africanista, babalorisá da nação de Kanbida, do
batuque no RS, pelas mãos do Babalorisá sr. João Manoel Cabral.
Ordenou-se “cacique de umbanda”, na prática familiar umbandista na qual foi
criado.
Iniciou seus estudos sobre “os Caminhos de Ifá”, na Santeria Cubana sobre a
orientação do babalaô Oswaldo de Obatala (falecido), da tradição Lukumi, da
santeria Cubana.
Autor de vários trabalhos sobre Mitologia e Religiosidade, publicados em
formato digital e atualmente frequenta o curso de Graduação em Bacharelado em
Antropologia da Universidade Federal de Pelotas.

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