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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Faculdade de Formação de Professores


Programa de Pós-Graduação em História Social
Disciplina: Tópicos Especiais em História Social do Território II e III (2021-2o)
História e historiografia da Justiça no Brasil (sécs. XVI-XX): conflitos, criminalidade e
controle social
Docente: Claudia C. Azeredo Atallah
Discente: Pedro Vitor Rebelo Martins

Raízes da criminalização da Religião de Matriz Africana

São Gonçalo 2021


 Introdução

A proposta deste ensaio é tratar acerca das raízes da intolerância religiosa no Brasil a partir de
um breve panorama histórico da criminalização da prática do culto de matriz africana como
um subproduto da escravidão. Deste modo, será feita uma breve abordagem sobre a adaptação
da fé africana trazia em diáspora ao Brasil. Chamo o conjunto de crenças trazidas de África de
Religiões de Matrizes Africanas, fazendo uso também, ao longo do texto, do termo
candomblé, umbanda, terreiros, mas sempre tendo este termo como norte, por entender que
esta concepção possui melhor compreensão da diversidade religiosa trazida e adaptada ao
Brasil sob diferentes tradições. Este termo tem sido constantemente adotado por
pesquisadores da área e tem como base o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável de
Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana promulgado pelo Governo Brasileiro
em 2013. Nele se concebe:

Povos e comunidades tradicionais de matriz africana são definidos como


grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão
trazidos para o país por africanos para cá transladados durante o sistema
escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano no Brasil,
constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária,
pelo acolhimento e pela prestação de serviços à comunidade (p.18)

Podemos dizer que o candomblé é uma das principais manifestações de culto de Matriz
Africana, sendo evidenciado na sociedade e em diversos estudos. Contudo, partilham também
destas raízes a Umbanda, o Batuque, o Tambor de Mina, o Catimbó… Tradições estas que
também agregam elementos da espiritualidade indígena.

 Breve panorama sobre o estabelecimento do Candomblé no Brasil

O período compreendido entre os Séculos XVI e XIX o qual trouxe ao Brasil homens e
mulheres oriundos do continente africanos, arrancados à força de sua terra, chamamos aqui de
Diáspora Africana. É neste período que africanos dos atuais territórios de Angola, Congo,
Benin, Nigéria, Moçambique e Senegal trouxeram consigo suas práticas rituais de fé,
renegadas pelos senhores e pela Igreja. Identificamos nos povos africanos para cá trazidos três
principais matrizes culturais as quais sua cosmovisão e saberes se condensam em novos
sistemas religiosos, tratam-se dos povos Bantu, Fon e Iorubá.

Um dos estudos pioneiros sobre a origem do candomblé no Brasil foi publicado pelo etnólogo
Pierre Verger que, ao ter contato com o candomblé, adquire verdadeiro fascínio que o leva a
pesquisar as raízes do culto em África e por isso viaja ao Daomé (atual Benin) e à Nigéria a
fim de compreender melhor o sistema de crenças que dá origem ao candomblé no Brasil. Sua
primeira publicação se dá em 1954 com a obra “Dieux d’Afrique. Culte des Orishas et
Vodouns à l’ancienne Côte des Esclaves en Afrique et à Bahia, la Baie de Tous les Saints au
Brésil.” e em 1968 publica “Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a
Baía de Todos os Santos, dos séculos XVII a XIX.”

Verger divide em quatro fases o fluxo da diáspora africana para o Brasil entre os séculos XVI
e XIX, sendo esta divisão uma das principais referências de temporalidade na maioria dos
estudos posteriormente desenvolvidos. São eles: Ciclo da Guiné, Angola e Congo, entre os
séculos XVI – XVII, responsável pelo tráfico do Povo Bantu; o Ciclo Costa da Mina e Benin,
compreendido entre os séculos XVII e XVIII, o qual para cá trouxe o Povo Fon; e por fim o
Ciclo da Baía do Benin, entre os séculos XVIII – XIX, tendo como povo traficado o Povo
Iorubá. Estes ciclos são fundamentais na compreensão da formação do candomblé, pois é da
interação das culturas e divindades destes povos que se forma o candomblé que concebemos
hoje.

“A partir do século XVI até o século XIX, africanos de diversos grupos


étnicos e culturais, muitas vezes rivais, foram capturados e trazidos para o
Brasil como escravos. Como os bantos, que vieram de regiões atualmente
conhecidas como Angola, Congo, Guiné […] Os fons, provenientes do
Benin, antigo Daomé […] Os iorubás, de cidades da atual Nigéria, como
Ijexá, Oyó, Ketu. Abeojutá, Ekiti […] trouxeram com eles milênios de
diferentes culturas e de religiosidades que aqui se reorganizaram criando o
candomblé. […] Embora possuíssem divindades assemelhadas, quando os
escravos conseguiam se reunir […] para festejá-las e se irmanarem […] o
espaço tornava-se sagrado, pois nele conviviam Orixás, Inquices e
Voduns”…

MAURÍCIO, 2009 pp. 32-34


O termo “candomblé” é de origem Bantu e pode ser traduzido por algo similar a celebração. A
característica de culto, fundamentado com regras litúrgicas só se consolida a partir do Século
XIX, com o estabelecimento dos terreiros tradicionais da Bahia. Antes disto, no entanto, o
culto africano era popularmente conhecido como Calundu e não possuía uma liturgia
complexa tal qual do candomblé. Sua prática se dava nos espaços domésticos de negros
alforriados, ou mesmo nas senzalas e locais afastados da cidade. O Candomblé, tal como
conhecemos hoje, tem seu primeiro registro de existência no bairro da Barroquinha em
Salvador, sendo organizado pelas princesas africanas da região de Ketu e Oyó, na atual
Nigéria: Iyá Nassô, Iyá Adetá e Iyá Acalá., além dos sacerdotes africanos Babá Assiká e
Bamboshê Obitikô, todos trazidos para o Brasil na condição de escravizados. De acordo com
o antropólogo Renato da Silveira em sua obra “O Candomblé da Barroquinha: processo de
constituição do primeiro terreiro baiano de Ketu”, o Candomblé da Barroquinha deu origem
a três outros terreiros: o Ilê Aṣè Iyá Nassô Oká, fundado em 1830, popularmente conhecido
como Terreiro Casa Branca do Engenho Velho; o Ilê Iyá Omin Aṣè Iyá Massê, conhecido
como Axé Gantois, fundado em 1849 e o Ilê Aṣè Opô Afonjá, fundado em 1910.

Os terreiros de candomblé de tradição Jeje, com influência das culturas Fon e Ewê
encontradas no atual Benin, se organizam também a partir de meados do século XIX com a
Casa das Minas, no Maranhão, com data de fundação incerta, cuja escritura do imóvel data de
1847, e a Roça do Ventura (Kwé Sèjáhundé), localizada em Cachoeira de São Félix, Bahia,
fundada por Ludovina, africana do Daomé, trazida na condição de escravizada. Também o
candomblé de Angola tem seu primeiro terreiro fundado na Bahia em 1850, a Inzo Tumbessí,
fundada por Roberto Barros Reis (Tata Kimbanda Kinunga), angolano escravizado no Brasil
pela família Barros Reis. A tradição Efon, também de raiz iorubá, tem seu primeiro terreiro
fundado por volta de 1860 por Tio Firmo e Maria Bernarda da Paixão, a princesa Adebolú,
da região de Ekiti-Efon, Nigéria. Juntos, os dois fundam o Asé Yangba Oloroke ti Efon,
popularmente conhecido como Asé Olorokê, no bairro do Engenho Velho de Brotas em
Salvador.

 O processo de escravidão e a criminalização do culto africano:

Em que pese o fato do Império Português encontrar-se em plena expansão no Séc XV, a
conquista de terras e domínios sobre os povos africanos por meio da escravidão são
legitimados pela Igreja através de documentos como as Bulas Papais Dum Diversas e Rex
Regnun promulgadas em 1452 e 1455 respectivamente. Os documentos emitidos pela Igreja
não deixam dúvidas que o modelo escravista adotado neste processo seria diferente da
concepção de escravidão adotada na Antiguidade:

“[…] Nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa
Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e
subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de
Cristo, onde quer que estejam […] e reduzir suas pessoas à perpétua
escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus
sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo […]

Bula Dum Diversas, 1452 apud Oliveira, 2018 p. 83

Deste modo, o africano escravizado era submetido à fé cristã, ainda em África na maioria dos
casos, era batizado e ganhava um nome cristão. No entanto, os valores e crenças vindos de
além-mar perpetuaram-se no Brasil, adaptados è realidade das senzalas, de modo que não é
incomum que em diversos momentos houvesse certa permissividade dos senhores em relação
às festas e batuques empreendidos por negros, em homenagem às suas divindades; desde que
o catolicismo fosse a profissão de fé oficial destes.1

É importante ressaltar que o elemento central da escravidão no Brasil baseia-se nas exigências
do sistema capitalista emergente, a fim de sua consolidação. Conforme nos indica Caio Prado
Jr em sua obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, o Brasil se forma a partir da lógica do
capitalismo mercantil e este processo propicia o acúmulo de Capital necessário para o
desenvolvimento deste novo modelo político e econômico em seu processo embrionário.
Deste modo, a escravidão é legitimada pelas vias econômicas.

Do ponto de vista religioso já havia legitimidade, uma vez que a Igreja manifestara sua
posição em favor do domínio e escravidão de povos africanos. Somado a este argumento,
forjou-se o argumento pseudocientífico com ideia de diferenciação a partir de padrões
fenótipos e biológicos que conferiram aos povos africanos e indígenas o status de inferior ao
europeu. Deste modo, a negação e criminalização do negro e sua cultura se apresentam como
raiz do racismo e da discriminação racial na sociedade brasileira que se estendem aos dias
atuais.

1 FERNANDES, 2017. p.119


O historiador Boris Fausto na obra “Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-
1924)” nos mostra a influência da frenologia entre médicos, delegados e peritos,
influenciados pela tradição positivista no Brasil. O historiador Marcos Luiz Bretas também
aborda esta questão:

Médicos e juristas produziram diversos livros e teses sobre os problemas


sociais urbanos que, por sua vez, têm atraído a atenção dos historiadores
interessados em observar como os grupos capitalistas emergentes fundaram
seu poder sobre os pobres urbanos

ENGEL, 1989; Esteves, 1989 apud BRETAS, 1991 p. 53

Tais ideias ganham dimensão teórica entre a segunda metade do Século XIX e início do
Século XX, de modo que podemos destacar Cesare Lombroso, Arthur de Gobineau e Thomas
Buckle. Estes teóricos que servem de base para que Nina Rodrigues desenvolva o primeiro
estudo sobre a religiosidade africana no Brasil sob o título “O animismo fetichista do negro
baiano”, originalmente publicado em 1896, que teoriza o processo sincrético entre a fé
africana e a fé católica no Brasil. Em sua concepção, os africanos limitavam-se a justapor os
santos católicos aos Orixás africanos, considerando-os paralelos, mas distintos, enquanto que
para os descendentes dos negros africanos a mitologia africana perdera a sua pureza inicial e a
adoração “fetichista” transportara-se para os santos católicos.

Outro teórico, discípulo de Nina Rodrigues, o médico Arthur Ramos classificava a fé de


matriz africana uma patologia. Em sua concepção, o negro africano era detentor de uma
mentalidade primitiva, portanto psicologicamente incapaz de compreender e assimilar o
cristianismo.2 Deste modo as ideias cientificistas acerca da inferioridade do negro explicam a
consequente criminalização dos cultos de matriz africana.

No que se refere à criminalização do negro e sua cultura, tomamos como reflexão a


consagrada obra “Vigiar e Punir” de Michel Focault em que se concebe a ação do sujeito
como fundamental no processo de exercício do poder, de modo que se faz necessária uma
forma de dominação como mecanismo disciplinar baseada na vigilância. Este modelo é
classificado por Focault como panoptismo. Ao analisar a evolução do mundo jurídico no
2 RAMOS, 1951 p.114
Brasil podemos perceber o quanto a população negra foi historicamente marginalizada e
criminalizada pelo simples fato de existir.

 Breve panorama sobre Sistema Penal no Brasil

Durante o período de colonização pouco se aplicou no Brasil do sistema penal adotado na


metrópole portuguesa, de modo que as concepções de crime e suas respectivas punições
ficavam a cargo das elites que aqui iam se estabelecendo. Entre 1500 e 1830 vigoraram três
modelos penais, as chamadas Ordenações do Reino. No contexto da chegada dos portugueses
em 1500 estavam em vigor as Ordenações Afonsinas, um conjunto de leis baseadas nos
decretos do Papa Gregório IX3, vigentes desde o Século XIII. No entanto, não houve nenhuma
aplicabilidade, afinal a ocupação da terra ainda não estava estabelecida, senão ações
comerciais por meio do escambo, com a população nativa.

A partir de 1534, quando o projeto de colonização começava a ser empreendido, as


Ordenações Manuelinas vigoravam na metrópole, sendo estas uma revisão das Ordenações
Afonsinas, sem nenhuma mudança substancial, a não ser na disposição das normas, passando
a adotar um texto mais imperativo. No entanto, sua aplicabilidade fora nula, uma vez que a
coroa portuguesa delegava aos donatários das capitanias estabelecidas a jurisdição criminal
através das Cartas de Doação.

Somente com a dissolução das capitanias e o estabelecimento do Governo Geral a legislação


da metrópole passa a incindir sobre a colônia com o poder centralizado. Na ocasião
vigoravam as Ordenações Filipinas, resultantes da reforma empreendida pelo Rei Felipe II de
Espanha (Felipe I de Portugal) no período de União Ibérica. Acerca das Ordenações Filipinas
podemos destacar seu caráter cruel visando o controle social na colônia e na metrópole. O
Livro V previa uma série de crimes e punições severas. A prática de feitiços, benzimentos e
adivinhações era considerada crime, em geral, como supunha a Lei, a punição mais recorrente
era o açoite e pequenas torturas, no entanto, entre as penas permitidas para este e outros
crimes de cunho moral estavam:

3 Decretales d. Gregorii papae IX (Liber Extra). Decretais de Gregório IX. Tradução com notas e introdução/
Cassiano Malacarne; orientação de Prof. Dr. Alfredo Storck e Prof. Dr. José Rivair Macedo. – Porto Alegre,
2016
“… morte natural com crueldade, morte pelo fogo até ser feito o condenado
em pó para que não tivesse sepultura ou memória, açoites, com ou sem
baraço, pregão pela cidade e vila, degredo […] mutilações ou cortes das
mãos, da língua, queimadura com tenazes ardentes […]”

ESTEFAM, 2010, p. 65.

Consolidada a Independência foi promulgado o Código Criminal de 1830, representando certa


modernização para o país pois valia-se de valores liberais e rompia com os princípios do
Direito Colonial. A prisão e determinadas garantias ao preso até que fosse julgado eram a
grande novidade deste modelo penal. Entretanto, no que se refere à população escravizada
ainda previa punições tais como o açoite e a pena de morte para escravizados desobedientes
ou fugidos. No entanto, neste novo Código sequer é mencionada a prática de feitiços. Não há
configuração de crime ou punição, mas há de se destacar a reforma conservadora imposta ao
Código Criminal de 1830, nos idos de 1841, que outorgava aos chefes de polícia total poder
nas investigações e imputações de penas.

Com o fim o tráfico negreiro em 1850, era comum que as punições aos negros escravizados
fossem limitadas para que se preservasse a capacidade produtiva do indivíduo, de modo que
não gerasse prejuízo aos senhores, uma vez que houve significativo encarecimento no
mercado. Deste modo, Marcos Luiz Bretas demonstra em seu estudo “O Crime na
Historiografia Brasileira: Uma Revisão na Pesquisa Recente”:

Com o fim do tráfico negreiro em 1850, o preço do escravo aumentou e a


perda de um deles passou a custar cada vez mais para seus proprietários,
tornando desinteressante para estes a prisão de seus escravos. Sempre que
possível, os senhores evitavam a ação policial contra os mesmos, inclusive
nos casos em que eles próprios eram as vítimas

Chalhoub, 1990 apud BRETAS 1991 p. 51

Um estudo realizado pela antropóloga Yvonne Maggie nos anos 1990 revela que a prática
religiosa de matriz africana era constantemente associada à concepção de malefícios, de modo
que a figura do “feiticeiro” e “curandeiro” alçou o patamar pejorativo e criminoso. Podemos
tomar como base para isto o reestabelecimento do feitiço na categoria de crime quando se
promulga, sob a República, o Código Penal de 1890. O artigo 157 não deixava dúvida sobre o
teor da criminalização:

Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs


e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura
de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a
credulidade pública4

No Estado Novo foi criada a Inspetoria de Entorpecentes e Mistificação, com a finalidade de


reprimir o uso de tóxicos e a prática de sortilégios.5 Neste período os terreiros de umbanda e
candomblé tinham por obrigação registrarem-se previamente em uma delegacia para proceder
com seus rituais. É neste período também que se estabelece o Código Penal de 1942 que,
diferentemente do Código Penal de 1890, não criminaliza diretamente a prática de
curandeirismo e magia, mas aqueles que o fazem para o mal. Essa diferenciação, em que o
mal ficara associado às práticas de matriz africana, se deu em função do estabelecimento do
espiritismo de Kardec, de origem francesa que, devido seu teor cristão e positivista se
enraizou em parcelas da elite branca do país, ainda que a Igreja condenasse sua doutrina.

Neste processo, a Umbanda buscou aproximar-se mais do espiritismo de Kardec, afastando-se


de suas raízes africanas e do candomblé, de modo que em 1941 foi organizado o I Congresso
de Espiritismo de Umbanda no Rio de Janeiro e em suas resoluções preconizavam:

“[…] Daí o ritual semi-bárbaro sob o qual foi a Umbanda conhecida entre
nós, e por muitos considerada magia negra ou candomblé. É preciso
considerar, porém, o fenômeno mesológico peculiar às nações africanas
donde procederam os negros escravos, a ausência completa de qualquer
forma rudimentar de cultura entre eles, para chegarmos à evidência de que a
Umbanda não pode ter sido originada no Continente Negro, mas ali existente
e praticada sob um ritual que pode ser tido como a degradação de suas
velhas formas iniciáticas.

FERNANDES, Diamantino Coelho 6

4 Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-


503086-publicacaooriginal-1-pe.html>

5 MONTERO, 2006 p.54


6 In: I Congresso do Espiritismo de Umbanda, 1942, p. 20. Disponível em:
<http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/C_autores/Congresso_de_Umbanda.pdf>
O caso da Umbanda merece atenção à parte e, embora a tentativa de distanciamento das
matrizes africanas tenha sido uma realidade empreendida por alguns terreiros, a tentativa não
se logrou exitosa. Até 1976 terreiros de candomblé, umbanda e tradições de matriz africana
eram obrigadas a registrarem-se em delegacias para que pudessem promover seus cultos.
Embora não haja um estudo profundo sobre, a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei
12.528, de 18 de novembro de 2011, identificou diversos casos de perseguição contra terreiros
no Regime Militar, de modo que é evidente a subnotificação de casos. No entanto, existem
diversas matérias jornalísticas do período em tom depreciativo contra as religiões de matriz
africana, assim como é conhecido o famoso caso da Mãe de Santo Cacilda de Assis que
despertou a censura do Regime Militar por ter incorporado uma entidade espiritual em rede
nacional no Programa do Chacrinha, na década de 1970.

 Democracia: A Laicidade do Estado e o Fundamentalismo Evangélico

A promulgação da Constituição Cidadã garantiu laicidade ao Estado Brasileiro e liberdade de


culto aos seus cidadãos, conforme o Artigo V, Inciso VI. Nas décadas seguintes, diversos
esforços foram tomados como o Estatuto da Igualdade Racial, o Plano Nacional de
Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, entre outras
ações. Em paralelo houve também o crescimento de grupos fundamentalistas oriundos do
meio evangélico neopentecostal e sua crescente participação na política com a bancada
evangélica, de modo que a Intolerância Religiosa no Brasil segue com níveis alarmantes,
tendo como maioria das vítimas, religiosas e religiosos de matriz africana.

 Conclusão

Como vimos neste ensaio, a Intolerância Religiosa no Brasil está diretamente ligada ao
processo de escravidão e estigmatização da cultura negra ao longo de cinco séculos, uma vez
que as religiões de matriz africanas representam a maioria ampla dos casos de intolerância no
país. Trata-se de um processo que ainda tipifica a cultura negra e a herança africana como
inferiores.
Deste modo, convém lançarmos um novo olhar sobre o conceito de Intolerância Religiosa,
tipificando-a como Racismo Religioso, posto que o racismo é a base deste fenômeno social

 Referências Bibliográficas

Bibliografia do Curso:

BRETAS, Marcos. O Crime na Historiografia Brasileira: Uma Revisão na Pesquisa Recente.


BIB, Rio de Janeiro, n. 3 2 , 2.° sem estre de 1991, pp. 49-61

FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: A criminalidade em São Paulo 1880-1924. SP:


Brasiliense, 1984. 30-61

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014. Terceira
Parte: capítulo III

Consulta Livre:

FERNANDES, Nathalia Vince Esgalha. A raiz do pensamento colonial na Intolerância


Religiosa contra as religiões de matriz africana. Revista Calundu – vol. 1, n.1, jan-jun 2017
pp. 117-136

SOUZA, Rafael Pereira de. Desvendando mistérios: repressão e resistência dos cultos afro-
brasileiros nas páginas policiais. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA
– Fortaleza, 2009

MAURÍCIO, George. O candomblé bem explicado: Nações Bantu, Iorubá e Fon. Rio de
Janeiro: Pallas, 2009

MONTERO, Paula. (2006), “Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil: Novos Estudos”
CEBRAP, n. 74: 47-65.

NINA RODRIGUES, Raimundo. Os africanos no Brasil.7.ed. Brasília: UNB, 1988.

RAMOS, Artur. O negro brasileiro: etnografia religiosa. São Paulo: Nacional, 1951.

SILVEIRA, Renato da. Candomblé da Barroquinha. Editora Maianga, 2007

VASCONCELOS, Sergio Sezino Douets; SILVA, Aerton Alexander De Carvalho. A


importância de Roger Bastide como um divisor de águas para os estudos das religiões afro-
brasileiras. Paralellus (Online), v. 10, p. 005-18, 2019

VERGER, Pierre. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo mundo. Salvador: Corrupio,
1981

VIEIRA, Antônio. Os sermões. São Paulo: Difel, 1957.

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