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Candomblé de Angola

 Publicado por Francisco em 8 maio 2013 às 19:52 em Candomblé de Angola


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As identidades linguísticas no Candomblé de Angola

Os Candomblés de Angola, de origem bantu, especialmente de povos oriundos de


Angola e Congo que formaram suas raízes em terras brasileiras a partir da
chegada do primeiro escravizado, embarcado nos portos de Cambinda (próximo à
foz do rio Congo) e Luanda — regiões da atual Angola (embora se saiba que a
sede de embarque não definia, necessariamente, a etnia do escravizado) —
passam pela questão da variedade étnica, com suas diferentes línguas e dialetos
e, consequentemente, com suas composições de crenças e mostras de fé. Nessa
diversidade está, também, presente a língua e a religião dos portugueses que
chegaram àquelas paragens entre 1482 e 1486 para evangelizar e, depois,
explorar as riquezas e o comércio. Mesmo com o bom relacionamento
estabelecido com o rei do congo, ou Senhor da Região do Zaire (como seria mais
tarde chamado) o comércio e a exploração tornaram-se pouco lucrativos, o que
redirecionou os interesses para a exploração do tráfico de escravizados, levando
os portugueses mais para o Sul, chegando ao reino de Ngola. Essa penetração
portuguesa era seguida pela língua conferida, por vezes, pela força e pelo
cristianismo imposto, infelizmente, com violência. Foram os escravizados, nessa
zona africana, que alimentaram o crescente comércio escravocrata de africanos
até 1842, embora tenha sido uma realidade contínua até 1869 com o
desembarque de negros escravizados (no lugar de negros escravos, prefiro
escravizados mesmo, devido o peso histórico) no Brasil.
O Candomblé como religião (re)criada, no Brasil, nasceu da diversidade de vários
povos africanos com estruturas religiosas semelhantes ou diferentes, porém, o que
conseguimos visualizar que mesmo cultuando vários Deuses ( o que não é
demérito nenhum) tinham a base de culto comum: uma divindade suprema que
atuaria somente como consciência, por isso, estaria longe dos dilemas existenciais
e não teria um culto específico, já que estaria acima de qualquer bem e qualquer
mal e muito além de ser ofendida ou agradada pelo humano; as manifestações
daquela divindade, em formas intermediárias ligadas tanto à natureza como aos
arquétipos humanos, podem ser tão divinas quanto à divindade suprema e tão
humanas quanto aos humanos que lhe cultuam — assim respeitavam as forças
naturais do planeta, incluindo aí outras formas de vida animal e vegetal e mineral e
a elas atribuíam caráter divino —; o culto aos antepassados e a ancestrais
divinizados que não seria a própria divindade primordial, mas, o ancestral mais
antigo daquela linhagem que revelou a natureza de uma divindade.
O Candomblé de Angola (nação angola, angola-congo ou muxicongo) subdivide-se
em famílias religiosas a partir de um ancestral brasileiro/brasileira ou
africano/africana já vivente em terras brasileiras com suas diversidades e
características próprias. As diversidades dentro do Candomblé de Angola são
dadas pela extensão maior ou menor de um determinado povo bantu, pela
dimensão da língua portuguesa na sua formação e pela proximidade e vivência
com outros cultos originários de povos nativos do Brasil ou de origem africana
como, por exemplo, as tradições religiosas oriundas da yorubalandia ou dos povos
do antigo Dahomé. É fato que muitas famílias de Candomblé de Angola cantavam,
rezavam e realizavam ritos e liturgias em língua portuguesa (muitos já vinham
aportuguesados e cristianizados), mesclando com línguas africanas. Nesse caso,
de predominância bantu, ocorreu a criação de uma língua própria ou um dialeto
crioulo dentro dos espaços rituais.
A partir do final do século XVI a meados do século XIX, com a formação de grupos
com identidades mais definidas que formariam as futuras casas de candomblé, e ai
aparecem as diferenças étnicas de cada tradição e, então, inicia-se a história das
“Nações de Candomblé” ligadas à predominância étnica e geográfica de um grupo.
Assim, surgiu o Candomblé de Angola ainda mesclado cultural, mitológica,
religiosa e linguisticamente, pois agregou valores de outros povos e contribuiu com
seus valores e lembranças do continente distante para outras tradições religiosas
de outros povos que se formavam no Brasil. Diz, por isso, que o Candomblé, como
religião institucionalizada, é o resultado de uma construção coletiva histórica de
vários povos. Porém, quando houve a separação das “Nações de Candomblé” já
se vislumbrava as diferenças étnicas e de origens geográficas que predominavam
em cada tradição e foi preciso usar denominações. Logo, gerou-se espaço para
agregar africanos, descendentes ou brasileiros que mais se afinizavam com esta
ou aquela tradição, com estas ou aquelas divindades e com esta(s) ou aquela(s)
língua(s) ou dialeto(s). Como a influência portuguesa já vinha desde a África, os
grupos que mantinham a gênesis que formaria o Candomblé de Angola nasceram
ou se mesclaram facilmente, gerando o Candomblé de Caboclo praticado por
mestiços africanos, portugueses, com influência do cristianismo, línguas e crenças
nativas do Brasil.
Não se pode esquecer que existem registros, desde 1703, por exemplo, quando os
Yorubás ainda nem tinham sido trazidos para cá, de cultos chamados Calundús,
onde divindades e manifestações ancestrais são descritas (claro que com o olhar
interpretativo e contaminado do colonizador), nitidamente como manifestações
bantu, inclusive divindades ainda cultuadas até os dias de hoje, como o caso de
Kaiango, descrita num processo policial/iquisitório da escrava branca nas regiões
de Ilhéus - BA, e posteriormente em Sabará – MG, como Luzia Pinta, que também
mantinha um calundu onde atendia as pessoas com suas práticas de culto
claramente de origem bantu, conforme descreve o Professor Renato da Silveira no
Livro Candomblé da Barroquinha.
Também não podemos esquecer que a união dos Calundus com os cultos nativos
gerou os chamados Candomblés de Caboclos, que são anteriores aos
Candomblés africanos organizados posteriormente, sendo estas umas das razões
porque, por exemplo, os ancestrais nativos e mestiços são abraçados pelos
candomblés de Angola que reservam para eles ritos próprios, como é o caso do
Caboclos tão presentes nestes candomblés até hoje em dia.
É claro que com a criação de espaços que destacavam uma identidade étnica
diferenciada, como o Candomblé de Angola (com origem nos povos bantu); o
Candomblé de Ketu (com origem nos povos yorubanos) e o Candomblé Djeje (com
origem nos povos dahomeanos) exacerbaram-se as questões das identidades
africanas e a busca de cada uma delas para se aproximar das suas origens
étnicas, do resgate da lembrança de seus ancestrais e do culto de suas divindades
e até mesmo das questões linguísticas. Então, a partir dos anos 70(século XX),
com a aproximação de vários artistas, autoridades e acadêmicos ao Candomblé,
especialmente do candomblé de ketu, houve uma grande divulgação da cultura,
língua, cultos, liturgias e ritos yorubanos e a palavra Candomblé, como religião
instituída, passou quase a ser sinônimo, principalmente entre leigos e no senso
comum, do próprio continente africano, como se toda a África falasse yorubá e
cultuasse somente Orixà. Considerava-se que o Candomblé de ketu formasse
todas as casas de candomblé, falando e rezando somente em yorubá e cultuando
somente Orixá. Olvidou-se da diversidade africana presente nas diversas tradições
do candomblé. Esse esquecimento era patrocinado por acadêmicos com
pesquisas rasas e direcionadas ao fascínio do exótico que as tradições africanas
exercem sem considerarem o significado real e valoroso de questões como
identidades, crenças, legitimidades de fé, cosmogonias e variedade cultural e
religiosa.
A divulgação da cultura religiosa e linguística yorubana revelou o dilema de outras
tradições e serviu como chamamento à busca ou afirmação de identidades
inclusive de espaços onde estas diversas identidades pudessem conviver
harmoniosamente e legitimamente, como foi o caso dos Omolocôs, que mesmo
que predominem uma cultura, as outras convivem harmoniosamente, e a
Umbanda, que mesmo tendo uma base teológica diferente da do candomblé,
encontramos referencia a Nzambi como Deus Supremo, aos Pretos Velhos de
Angola, aos Caboclos brasileiros e mestiços e às linhas dos Orixás, além, é claro à
tradições cristãs.
Tudo isto é a dinâmica das construções das relações humanas e dos referencias
de fé e aqui não vai nenhum critica a nenhum sistema religioso mestiçado, afinal,
nós brasileiros somos um povo mestiço.
O Candomblé de Angola, por sua vez, passou por um período de (re)africanização
ou (re)avivamento africano com a afirmação do nome de suas divindades
conhecidas por Nkisi/Mukisi/Kalundu; das suas diversidades linguísticas nas quais
se sobressaem o Kimbundu, o Kikongo, e o Umbundu e várias outras línguas e
dialetos, alguns nem catalogados que aprecem em rezas, cantigas e expressões
culturais dessa tradição específica de candomblé. As casas tradicionais de
Candomblé de Angola protagonizam a afirmação de identidades próprias,
mostrando que conseguem fazer o seu culto sem ou, pelo menos, com a presença
mínima de palavras portuguesas ou de outros povos africanos. Quando as
palavras “estrangeiras” aparecem são usadas conscientemente como uma
herança digna de ser conservada já que foram herdadas legitimamente por seus
antepassados e inseridas em um momento histórico específico. Por isso, aqui, não
se encontra crítica alguma a quem mantém os seus ritos com cantigas e rezas em
português, yorubá ou qualquer outra língua, mesmo afirmando a identidade como
praticante do Candomblé de Angola. Angoleiro algum não pode esquecer-se,
porém, que adotar as tradições de outros povos em detrimento das próprias é
patrocinar o próprio desaparecimento, com perda de identidade, da história dos
seus antepassados e do próprio presente. Isto porque, não saberá a que tronco
está ligado e não se conectará às raízes que calam no fundo da terra mãe
ancestral.
Não é o fato de usar somente línguas e dialetos de origem bantu que faz uma
pessoa ser mais autêntica em sua fé ou em sua identidade angoleiras se o que
herdou, inclusive diretamente de um antepassado de origem bantu, já foi
aportuguesado e unido ao antepassado yorubano ou dahomeano ou nativo do
Brasil. O que importa é a manutenção da identidade e de como cada um a si
mesmo se reconhece no universo social religioso. Não há como separar cem por
cento as identidades das diferentes tradições do Candomblé, das línguas rituais e
litúrgicas e isto deve ser entendido na construção histórica dessa religião a partir
das origens geográficas e étnicas de cada povo e da sua interação com o meio no
novo mundo para onde foi raptado. O africano, mesmo escravizado, conseguiu
manter suas lembranças, fé, cantos, rezas, danças, ritmos em sintonia com os
seus antepassados que remontam ao tempo fora do tempo: chega mesmo aos
tempos míticos sem deixar de abraçar os novos conhecimentos e possibilidades
que os novos desafios lhe trouxeram e trazem.
Se o Candomblé não pode refazer sua história e raiz ancestral pelas vias
genéticas já que seus antepassados foram vilipendiados e não deixaram uma
história sequencial de suas famílias, pode fazê-la pela via linguística preservada
nos ritos, nas rezas, nos cantos, nos mitos, nas lendas, nas históricas contadas e
recontadas por séculos e pela (re)criação de toda uma realidade espiritual a cada
roda de candomblé. Identidade alguma se firma (nem se afirma) sem que a língua
esteja no centro das discussões ou preocupações. Falar ou rezar na língua dos
meus ancestrais ou dos ancestrais da religião que abraço faz-me sentir com um
galho ligado diretamente ao tronco fixado em uma raiz forte e profunda no seio da
terra. É a identidade do que eu era, do que eu sou e do que serei.
Por outro lado o movimento tradicionalista (que aconteceu em todas as matrizes
do candomblé), busca em livros e registros da época colonial, e pelas descrições
dos colonizadores cristãos que endemonizavam toda a estrutura religiosa africana,
para fazer algumas afirmações em detrimento do Candomblé tradicional (seja de
que nação for). Pois, para o candomblé, o que interessa era o que acontecia e qual
a visão de mundo e estrutura de fé da época em que os ancestrais para cá vieram,
sem esquecer que lá, nos países e povos de origem, a colonização também
continuou e muitos cultos e tradições que ainda estão vivas no Brasil e no
Candomblés, não existem mais na sua gênesis étnica.
É louvável o papel dos tradicionailistas e defensores dos cultos africanos originais,
para gerar afirmação de que os nossos antepassados sabiam o que faziam e o
que diziam e que a transmissão oral de verdades universais e cultos e tradições
preservadas pelo candomblé é um meio legítimo e verdadeiro e de que, como
religião de base ancestral, todas as pesquisas devem ser colocadas no crivo das
verdades transmitidas pelos antepassados e na sua visão avançada em reconstruir
uma fé em terra estranha, como valores estranhos e onde tudo que eles tinham
eram considerados negativo pela própria origem e pela condição social que viviam.
Se fôssemos prezar por uma religião tradicionalista bantu, aos moldes de 500 anos
atrás, já que agora, mesmo existindo remanescentes na África, também estão
contaminadas pelas diversas colonizações sofridas por aquele continente, desde
os árabes/islamitas, até os cristãos e teríamos, por exemplo, que, quando em uma
disputa entre outros povos, sacrificar humanos para nossas divindades, que era
uma prática comum em quase toda a África (e aqui não vai nenhuma crítica nem
juízo de valor, pois todos os povos naquela época sacrificavam humanos em nome
de suas tradições religiosas, inclusive os cristãos, que não exitavam em matar em
nome de Cristo para realizar suas conquistas).
Também quando da morte de um líder, seja um rei ou o sacerdote mor morria,
eram sepultados com ele o seu séquito e as suas esposas preferidas, lembrando
que o candomblé reproduz as cubatas africanas em organização e estrutura de fé,
já que casa casa é independente e onde o sacerdote e sacerdotisa são
considerados líderes máximos.
Os homens também eram circuncidados.
As mulheres que cuidavam da agricultura e não se sentavam nem se alimentavam
juntamente com os homens.

Os exemplos acima, mostram como o tradicionalismo atual não pode


simplesmente achar que colocar uma máscara numa divindade (já que as
manifestações sagradas bantu eram mascaradas, e algumas com aparências que
poderiam ser consideradas muito feias pela estética ocidental), ou cultuar a nkisis
que não foram trazidos ou não sobreviveram à escravização já seria suficiente.
Também não poderiam ter as mulheres dançando na roda de maneira desnuda,
numa terra onde a mulher que mais se aproximaria da divindade era virgem e
coberta de véus.
Então a (re)construção se fez a partir do referencial mitológico, com os elementos
disponíveis e com os traços culturais que poderiam, sem mais facilmente aceitos
(mesmo assim, as perseguições aconteceram e acontecem até hoje).
Se acreditamos na transcendência das nossas divindades (e elas precisam ser
transcendente, mesmo que também sejam imanentes, senão não poderiam
manifestar-se em várias pessoas ao mesmo tempo), temos que entendê-las
também como inteligentes e co-autora da estrutura de fé que temos agora, assim a
lembrança e o esforço e o culto trazido por nossos antepassados sobrevivem até
agora, com as devidas adaptações.

Então, com este texto, pretendo seguir publicando, daqui pra frente textos sobre o
candomblé de angola, inclusive com registro histórico de instrumentos,
vestimentas, rítimos, divindades e tradições que ainda hoje permanecem nas
casas tradicionais de candomblé de Angola, que pelo simples fato de ser
semelhante à outras tradições, não significam que não sejam legítimas e
autênticas.

Peço a benção aos mais velhos e mais novos e a todos as divindades do panteão
bantu, especialmente as que se mantiveram vivas nos Candomblés de Angola e
aos meus ancestrais.

Tata Ngunz’tala
Nzo Jimona de Nzambi – Ndanji Tumba Junçara.
http://associacaovidainteira.blogspot.com/
FOAFRO - DF e Entorno
francgunzo@gmail.com

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