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UMBANDA

Umbanda é uma religião afro-brasileira de raiz Bantu, isto é, uma prática religiosa
de povos Bantu que, na diáspora africana, assume uma configuração própria no território
brasileiro.
Pessoas nativas das terras habitadas majoritariamente pelos povos Kongo,
Mbundu e Ovimbundu o que hoje compreende parte do que é Angola, Rep. do Congo e
Rep. Dem. do Congo - reorganizaram no Brasil suas práticas espirituais, especialmente
o culto aos ancestrais da terra, sendo a umbanda um tipo de prática religiosa Bantu na
diáspora.
Podemos citar a Cabula, o Palo Monte e o Candomblé Angola como práticas
primas da umbanda uma vez que compartilhamos uma territorialidade afro-diaspórica
(Kongo-Angola). Isto é, são todas resultado dessa reorganização religiosa nas Américas.
Ou seja, a umbanda faz parte de um grupo de religiões afro- diaspóricas Bantu.
Não há data de fundação da umbanda, ela provavelmente surgiu no final do séc.
XIX ou pelo menos foi a partir dessa época que começou a adquirir sua estrutura ritual
contemporânea.
"Umbanda" é uma palavra Bantu antiga que aparece em idiomas como kimbundu
e umbundu cujo significado é "arte ou maneira de curar, produção de atos mágicos",
tendo sido usada ao longo da história dos povos Estuário do Kongo para designar práticas
espirituais e aparecido como nome de movimentos religiosos no Brasil em diversos
momentos desde o séc. XVII.
Umbanda aparece especialmente como auto declaração religiosa de grande parte
das makumbas cariocas noticiadas nos jornais do Rio de Janeiro no séc. XIX.
"Mbandwa", por exemplo, era o nome de uma prática de transe com espíritos territoriais
na região dos Grandes Lagos, no leste da África, há 2 mil anos atrás.
A prática de umbanda é o culto a diversos espíritos ancestrais da terra que inclui
os povos indígenas, que são os pioneiros dos pioneiros da terra, que chamamos de
cabokos/as e também os vários povos que se assentaram nessa terra ao longo dos últimos
522 anos. Mas não é qualquer espírito que é cultuado, as entidades são espíritos ilustres
pertencentes comunidades a tradicionais, camponesas e proletárias. Ou seja, que tem
vínculos com a terra e com o trabalho que não combinam com a organização social
colonial.
Assim, cabokos/as são indígenas. Pretos/as velhos/as são pessoas pretas.
Baianos/as, que é um nome a ser repensado, parece abranger pessoas ilustres da Bahia,
das baías, e diversos lugares do Nordeste. Boiadeiros/as são pessoas de diversas partes
do Brasil que foram trabalhadores de manejo de gado. Ciganos/as, que poderíamos
começar a chamar de povos Rom, são pessoas pertencentes a esses povos "ciganos" em
diáspora que se assentaram no Brasil.
Exus e pombo giras tem origem muito nebulosa, mas muitos/as deles/as
provavelmente foram pessoas que trabalharam em vários tipos de ocupações urbanas e
noturnas. Marujos são pessoas que viveram junto do mar e dos rios como pescadores,
trabalhadores portuários, operários, ribeirinhos e praças da Marinha. Erês são crianças,
seres complexos que adquirem diferentes posições dependendo da tradição.
Perceba que a maioria das entidades de umbanda são pessoas com gostos,
vontades e personalidades.
A umbanda também cultua divindades sem forma humana, cujo corpo é o próprio
cosmos. Por exemplo, a divindade da Justiça que rege também os raios é Ele mesmo o
próprio raio. São chamados de Orixá, mas esse é o nome das divindades de origem
Yorubá que são muitos diferentes dessas cultuadas na umbanda. Por diversos motivos
ao longo da história esse foi o nome que ficou, mas o conceito é muito mais parecido com
as divindades Bantu que se chamam Nkisi. Outras tradições Bantu também chamam de
Mahamba.
Muitas tradições de umbanda fazem iniciações tanto para os espíritos quanto
para as divindades e o modo de viver dessa religião é sobre manter relações íntimas
(algumas mais, outras menos) com a terra e seus entes, pois de acordo com uma ética
Bantu é assim que se vive com qualidade.
Viver com qualidade, nesse sentindo, significa chamar, se relacionar e prestar
respeito aos ancestrais da terra que habitamos porque esses já viveram e se
transmutaram (desencarnaram, retornaram à Mpemba [mundo espiritual]) e por isso
detém sabedoria sobre como viver no mundo.
Chamamos esses ancestrais porque já pisaram na mesma terra que pisamos hoje
e pedimos que nos ajudem em nossa caminhada.
Umbanda é, essencialmente, um tipo de relação com entes da terra (esses
espíritos e divindades).
O culto umbandista é realizado em templos, terreiros ou Centros apropriados
para o encontro dos praticantes onde entoam cânticos e usam instrumentos musicais
como o atabaque. Apesar disso, quando o Umbanda foi criada, não existiam
manifestações musicais, como cânticos e utilização de instrumentos. O culto é presidido
por um chefe masculino ou feminino. Durante as sessões são realizadas consultas de
apoio e orientação a quem recorre ao terreiro, práticas mediúnicas com incorporações de
entidades espirituais e outros rituais. O culto se assemelha ao candomblé, no entanto,
são religiões que possuem práticas distintas.

CARIDADE OU PAPEL SOCIAL?


Me parece que a prática de atendimento da umbanda não é fundada na caridade,
mas em outra coisa. Os espíritos que se manifestam na umbanda são nomeados a partir
do território, é uma relação de Pioneiro-Recém-Chegado que é muito bem explicada pela
hospitalidade Bantu.

Nós cultuamos MUITOS espíritos, pois é necessidade cosmológica Bantu trocar


com quem já ocupa um território antes de sua chegada. É uma estratégia, assim se
difundiram por uma área imensa entre as Áfricas Central e Oriental.

Umbanda é sobre cultuar espíritos territoriais de forma de que nunca se esquece


que aquele que esteve aqui antes sempre saberá mais sobre o território do que alguém
que chega depois. Quem é pioneiro, seja encarnado ou desencarnado, merece respeito.
E os espíritos, em especial, merecem ser cultuados.
A hospitalidade Bantu aparece como estratégia de expansão desde onde hoje é
Camarões até Moçambique. Isso fica mais robusto quando se lembra que "umbanda" é
uma palavra do kimbundu que nomeava práticas espirituais diversas no Reino do
Kongo e que havia, desde a África Bantu, uma prática de transe com espíritos
territoriais mediante atendimento e cura de doenças que se chamava mbándwa.
Assim, veja, umbanda é fundada na prática de hospitalidade, que relaciona troca
e respeito, que tem uma necessidade como MODO DE VIVER, cultuar espíritos da
terra. O atendimento ao público para cura e aconselhamento é um papel social
tradicional desses/as nganga/kimbanda e assim é algo enraizado em nós tal como era
na mbándwa ou nos kalundu já no Brasil.
Nossa prática de atendimento não vem de caridade e explicá-la a partir disso é
perder de vista nossa cosmovisão. Nunca foi sobre "caridade" nem nunca será. Temos
nossos próprios motivos para ajudar a comunidade que não precisam ser justificados
pelo espiritismo.
Atendimento é um papel social e não um serviço para alcançar salvação. "Fora
da caridade não há salvação". Salvação de quem? Para onde?
Estou no terreiro para entender meu lugar no cosmos frente aos ancestrais da
terra. Para aprender com eles, para prestar-lhes o devido respeito e para pedir que eles
me guiem numa vida com qualidade. Sem culpa. Sem medo do inferno e do umbral.

1908

Já existiam terreiros de umbanda antes de 1908 que tinham uma estética muito
mais umbandista do que a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. Terreiros que não
disfarçavam sua africanidade, que iniciavam as pessoas para divindades e espíritos, que
praticavam corte e sabiam que sua matriz era Bantu do Estuário do Kongo.

O que aconteceu? Como viramos uma religião que acha que é um espiritismo
popular? Em função de um Brasil da década de 30 que tentava tanto disfarçar
cientificamente que não tinha racismo quanto colocava a Europa em seu horizonte
filosófico, a umbanda foi sequestrada e tomada, usando o conceito de Lélia Gonzalez,
como objeto parcial e coberta por um véu kardecista que esconde aquilo que a umbanda
realmente é.

A história de Zélio é reflexo do Brasil da democracia racial e do luso-tropicalismo


de Freyre, que disfarça o racismo e que quer ser Europa a todo momento. No final do
livro de Leal de Souza, filho-de-santo de Zélio, lá em 1933 ele diz que seu desejo para o
futuro era que caboclos e pretos-velhos viessem somente de vez em quando somente para
não esquecer que uma vez eles vieram nos terreiros algum dia. As determinações finais
do 1º Congresso de Umbanda em 1941 dizem que os espíritos são "guias evoluídos" que
vem "sob a forma de caboclos e pretos-velhos" (ou seja, não seriam caboclos e pretos-
velhos de verdade). No limite, para eles, a espíritos nunca podem ser pretos ou indígenas.

ENTÃO, E A DATA DE 1908?

Acompanhando algumas conversas na internet sobre a umbanda ser anterior à


Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade (TENSP) uma pessoa, defendendo o
protagonismo de Zélio de Morais, perguntou, de maneira irônica, que ele não conhecia a
história problemática do qual falam porque a que ele conhecia contava a história de um
homem que saiu de uma casa espírita para dar voz à espíritos indígenas e africanos.
Apesar da pessoa ter falado de uma maneira debochada, é verdade que é honesto
entender Zélio como um "revolucionário". É totalmente normal e compreensível que a
história do 15 de nov. Seja vista como libertadora. Mas essa é a grande armadilha.
Vamos recapitular: Zélio de Moraes teria chegado numa casa espírita em função
de problemas de saúde e lá incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas que foi
convidado a se retirar por ser indígena sendo argumentado pelos kardecistas que por isso
ele não seria evoluído. Seu Sete diz então que no dia seguinte começaria na casa de Zélio
de Moraes um novo culto que daria voz aos espíritos que não falavam no kardecismo.

À primeira vista pode sim parecer que Zélio foi um grande antirracista a "criar",
sob ordens de Seu 7E, uma nova religião que daria voz a espíritos que não são brancos.
Mas olhando com detalhes, percebemos as armadilhas da história.

É dito que eram vistos no corpo de seu 7 Encruzilhadas "restos de vestes


angelicais" e questionado sobre isso ele teria respondido que aquilo eram vestígios de
uma encarnação anterior onde ele teria sido um padre, Gabriel Malagrida. Por que isso
é enfatizado na narrativa? Por que seu 7 Encruzilhadas precisaria ser outra coisa além de
indígena? Leonardo Cunha, bisneto de Zélio de Moraes, disse em vídeo que até certa
época esse espírito nunca apareceu como um indígena e não tinha se apresentado até
1919. Ele diz que esse espírito seria "um padre que se assumiu como um [indígena]". Diz
ainda que nunca se "portou" como caboclo seja lá o que isso de verdade - signifique - mas
podemos entender que a manifestação corpórea desse espírito Gabriel Malagrida, não
era como a de um caboclo.

Pai Antônio, outro espírito que teria trabalhado com Zélio de Moraes, quando
incorporou pela 1a vez, segundo contam os zelistas, teria saído da mesa que os médiuns
sentam na TENSP e pedido um banquinho para sentar no canto do terreiro. Teria feito
isso porque ele não sentava junto a mesa dos "senhores". Gente, como assim?! Eu
confesso que não sei nem por onde começar a explicar porque essa parte é problemática,
desde quando um preto-velho tem que se sentar no canto na sua própria casa? Por que
um "arquétipo espiritual" (para pensar nos termos deles) reproduziria uma lógica
escravocrata dentro de terreiro?

Mas a armadilha da história de 15 de nov. é que ela é fortemente atravessada por


uma falsa consciência racial das relações no Brasil, é fortemente ligada ao mito da
democracia racial que simula, ou seja, finge, que as ditas "3 raças" ocupariam posições
simétricas no projeto de nação brasileira, ou seja, que, a partir da abolição, não haveria
racismo no Brasil.

O "mito" fundador da umbanda atualiza a ideia de uma república livre da


escravidão institucional, onde pessoas brancas, negras e indígenas supostamente
passariam a ocupar o mesmo espaço e ter acesso as mesmas coisas. Como num passe de
mágica, não haveria racismo no Brasil. E da mesma forma que dizer isso sobre o Brasil,
enquanto nação e extensão territorial, é uma grande mentira é também mentira dizer
isso sobre o Espiritismo de Linha de Zélio de Moraes (era assim que eles se chamavam).
Por que um caboclo precisa ser padre? Por que um preto-velho precisa sair da mesa e
sentar no canto? Percebem a armadilha? A armadilha da simulação de igualdade. Só
parece libertador, não é de verdade.

E essa crítica ganha um corpo muito mais robusto quando vem à tona que a
umbanda na sua forma contemporânea já existe antes de Zélio de Moraes, desde o final
do séc. XIX. Uma umbanda que cultua divindades, que faz iniciação, que faz sacralização
animal e que entende as entidades como ancestrais.

O culto que Zélio de Moraes quis criar era um culto espírita. Ele nunca quis
abandonar a doutrina espírita, ele rompe com kardecismo enquanto movimento e não
como horizonte. O nome "espiritismo de linha" é muito autoexplicativo quanto a isso.
Inclusive, sobre os nomes, Leonardo Cunha diz que o espiritismo de linha era sem nome
até depois de 1913, ano em que Orixá Mallet teria se manifestado em Zélio. Segundo
contam, esse espírito era um malásio muçulmano sendo Alláh o seu Deus. Teria então,
em certa altura da história, nomeado a religião como "Alabanda" pois haveria o desejo
de homenagear uma das 3 entidades de Zélio de Moraes.

Percebam que se resolve homenagear uma coisa que não é indígena ou africana,
mas algo que está num oriente distante e que esses espíritas ali do séc. XX se apropriaram
de maneira irresponsável esvaziando de sentido os modos de viver orientais. O bisneto
de Zélio de Moraes diz que esse nome não pegou e que mudaram para "Aumbandha",
fazendo referência ao mantra. E daí viraria umbanda.

Esse movimento não só apaga as populações tradicionais no Brasil como também


se apropria irresponsavelmente de termos orientais. Alabanda ou Aumbandhã,
significaria, para eles, "Deus ao lado". E quando sabemos que umbanda é palavra antiga
do kimbundu e do umbundu que significa "arte ou maneira de curar, produção de atos
mágicos" fica também evidente que essas histórias dos nomes são igualmente fabricadas.
Dizer ainda que "umbanda" vem de outra coisa é também esvaziar de sentido essa
palavra que é completa em si mesma e que expressa tão bem a nossa prática de terreiro.

A história de Zélio de Moraes é, então, fazer parecer que há uma liberdade que não existe.
Assim como o mito da democracia racial abraçada pela república após a abolição
institucional de 1888, o 15 de nov. de 1908 finge que há uma luta antirracista quando
efetivamente não há.

TODO MUNDO É MÉDIUM DE INCORPORAÇÃO?

A umbanda pós segunda metade do séc. XX, após ser forçosamente aproximada
do espiritismo de e um esoterismo diverso, convencionou a chamar de "linha de
trabalho" os vários grupos/povos de espíritos que se manifestam nos terreiros. Daí temos
a constituição de duas questões fortes nas umbandas contemporâneas: as ideias de (1)
arquétipo e (2) trabalho "edificante".

O arquétipo nas umbandas está fortemente relacionado a ideia de "plasmagem


espiritual" que seria baseado na doutrina espírita, a capacidade de um espírito em se
"plasmar" (se transformar) em qualquer forma desejada. Assim a sua aparência é
somente isso: uma aparência. Os corpos dos diversos espíritos seriam simplesmente a
aparência de sua "classe espiritual" de forma que cada linha de trabalho assumiria um
arquétipo clássico de si mesma. Ou seja, espíritos-x tem aparência-x, se manifestam de
forma-x, fumam fumo-x e bebem bebida-x.

Complementar aos "arquétipos espirituais" vem sempre a ideia de trabalho


edificante como motor da prática da caridade que é, para o espiritismo, o veículo da
salvação dos seres. Assim, a prática dessa umbanda espírita-esotérica, uma umbanda-
objeto parcial (ler textos anteriores sobre Lélia Gonzales), se funda na afinidade
universal entre espíritos encarnados e desencarnados onde os "mortos" se manifestam
com certas aparências e costumes especificamente para executar um trabalho caritativo
a fim de evoluir moralmente. Daí Linha de Trabalho: uma classe de trabalhadores que
veste uma roupa de acordo com uma função.

Sabemos hoje, porém, que o ritual e a cosmovisão de umbanda se fundam não no


espiritismo e num esoterismo universalista, mas nas cosmologia e filosofia Bantu do
Estuário do Kongo. Sendo assim, no lugar de afinidade universal e caridade temos
hospitalidade e ancestralidade.
Herdeira das mbándwa e dos kalundu - práticas Bantu de culto e transe de
espíritos (a primeira desde África há 2 mil anos e a segunda na diáspora há 300 anos) -
a umbanda, cujo nome vem do idioma kimbundu (significando "arte ou maneira de
curar, produção de atos mágicos"), é uma prática centrada principalmente em duas
coisas: (1) produção e (2) resgate de ancestralidade.

A partir da Hospitalidade Bantu sabemos que a ética Bantu é baseada na boa


convivência, na troca e no acolhimento. Estabelecendo sempre uma dicotomia
complementar Pioneiro/Recém-Chegado [Bantu-Batwa] entende-se que aquele que
ocupa um território deve sempre respeito aos povos que ali já ocupavam e culto aos
espíritos que ali já viviam (que, para ficar bem claro, são sempre espíritos de pessoas dos
povos pioneiros). Ao longo da expansão Bantu ao encontrarem povos pioneiros nos
territórios que chegavam eles se estabeleciam como pioneiros frente aos que
eventualmente chegassem depois, mas sempre como recém-chegados em relação aos que
ali já estavam.

"[...] os Bantu [...] já haviam aceitado, há muito tempo, a autoridade dos Batwa
[estrangeiros] como fontes de conhecimento vital. [...] até que uma comunidade Bantu
se estabelecesse em uma área por várias gerações e seus anciões tivessem morrido e sido
enterrados ali, os únicos espíritos ancestrais teriam sido os pioneiros".

Num continuum de relações entre pioneiros e recém-chegados se estabelece o


culto a diversos espíritos territoriais entendendo que o pioneiro é sempre fonte de
energia vital porque estes sempre terão mais conhecimento sobre um território do que
um recém-chegado. Então, veja, os grupos de espíritos na umbanda não são "arquétipos"
ou "linhas de trabalho", eles são populações. Ancestrais da terra que adquirem certos
nomes (cabokos/as, pretos/as-velhos/as, marujos/as etc.) de acordo com sua identidade
que compreende questões étnicas e pessoais. Inclusive, vamos aceitar isso, um espírito
pode beber e fumar o que bem entender e pode chegar de qualquer jeito. Tiremos os
manuais da cabeça.

Nesse contexto um kavalu provavelmente entrará em transe com dois tipos de


espíritos: aqueles que estão no território onde o terreiro está assentado e aqueles que são
ancestrais de parentesco (família, comunidade, de axé, amigos etc.) corriqueiramente
chamados de "carrego".

Então, retornando à pergunta do título, só se manifestarão naquele terreiro os


ancestrais territoriais e os ancestrais dos membros da casa. Se não há e nem havia no
passado uma comunidade de pesca ou ribeirinha em certo território, a não ser que os
membros daquela casa carreguem em sua ancestralidade marujos/as, provavelmente
não haverá manifestação desses espíritos nesse terreiro. É claro que em quase todo os
lugares dessa terra que hoje chamamos de Brasil haviam ou há populações ribeirinhas,
então dificilmente haverá terreiro onde não há marujo/as. Mas o meu ponto aqui é que
esses grupos não vêm do espaço e nem de colônia flutuantes para se "terem disponíveis"
em todo lugar como uma caixa de ferramentas que se usa para diversos fins.

Umbanda é sobre culto a ancestrais vários. Se há cabokos/as num terreiro é


porque ali antes haviam aldeias. Se há pretos/as-velhos/as é porque ali antes haviam
quilombos. Se há espíritos Roma é porque ali antes haviam assentamentos Roma. E
assim por diante. Os espíritos "vem" das comunidades pioneiras de um território e/ou
do carrego dos membros daquela casa.

Não é porque a umbanda cultua sei lá quantos grupos de espíritos que todos os
terreiros precisam ter todos eles ali. Isso é, antes de tudo, empobrecedor, pois tem como
pano de fundo a homogeneização dos terreiros (fundada nos manuais, na codificação e
na padronização). Apaga nossas diferenças e também a lógica da Hospitalidade.
E percebam...cabokos/as e pretos/as-velhos/as estão em todos os terreiros, né?
Pois é! Se os espíritos indígenas são pioneiros em relação a todo mundo, os espíritos de
africanos Bantu só são recém-chegados em relação aos indígenas!

E se nem sempre tem "todos" os espíritos sendo cultuados numa casa de


umbanda, nem todo/a kavalu precisa incorporar todas as "possibilidades" de espíritos
que tem ali.

Se você nunca incorporou um marujo/a. talvez você não tenha um corpo que
entra em transe com esses espíritos. Talvez você não tenha tido contato com um/a
marujo/a que tenha escolhido o seu Mutuê a ponto de querer pegar a sua cabeça. Talvez
você tenha um/a marujo/a, mas não dá transe. São muitos talvez...nisso tudo o que
realmente importa é que NENHUMA PADRONIZAÇÃO/CODIFICAÇÃO JAMAIS
SERVIRÁ A UMBANDA.

Terreiros, territórios, espíritos e encarnados são múltiplos. A umbanda não pode


ser encarada por meio de uma janela universalista e generalista. Terreiros de umbanda
são casas de culto à ancestralidade do território onde está inserida e de seus/suas
membros/as.

Forçar a necessidade de incorporação de "todos" os espíritos traz muitos


malefícios. Tanto os que eu já falei aqui e também o risco das mistificações.

Quantas vezes você já sentiu enviesado em tentar incorporar "tipos" de espíritos que viu
os irmãos de santo incorporando. Como pessoas que desejam se tornar nganga
[especialistas] devemos ter a clareza em relação às coisas que o nosso corpo responde e
não sobre o corpo de outro. Isso torna nossa prática mecânica e propensa a problemas
no transe.

Em muitas casas o/a sacerdote bate o martelo e diz que "todo mundo tem x
espíritos de cada uma das linhas". Isso pode trazer graves problemas. Cada Mutuê é um
Mutuê...não se deve bater o martelo de nada, não se pode falar de maneira genérica sobre
a ancestralidade de ninguém. Querendo se adequar a um manual perdemos toda
organicidade que é inerente a nossa prática.

Eu não incorporo todos os "tipos" de espíritos que já tive contato...e tudo bem. E
se você incorpora, tudo bem também. Temos corpos diferentes, vivemos em lugares
diferentes e estamos em casas de umbanda diferentes.

Espíritos são pessoas que vivem em suas comunidades na contraparte espiritual


do cosmos (Ku Mpemba) e eles vem dessas comunidades que estão próximas dos
terreiros ou vem da ancestralidade das pessoas de uma casa.

Umbanda é produção de ancestralidade por meio da hospitalidade e resgate da


mesma por meio da manifestação espiritual do nosso carrego. É culto a espíritos da terra
fundado num espectro de pioneiros e recém-chegados. Espíritos que são gente, que tem
gostos. Eles não vêm de uma "fonte" que os "distribui" igualmente para todos os lugares.
Então, cuidado com os para-raios de Aruanda.

A umbanda hoje tem sérios problemas no que diz respeito ao transe. Se distanciando de
seu seio afrodiaspórico e se aproximando de um esoterismo universalista, se perdeu de
vista que, antes de tudo, corpos respondem à Mpemba (mundo dos ancestrais) de
maneiras diversas. Existem pessoas que entram em transe e existem pessoas que não
entram em transe, a organização de um terreiro deve partir antes disso.
Forçar a lógica da incorporação como a única possibilidade de fazer umbanda
empobrece nossa prática e frustra pessoas ao mesmo tempo que poda e bloqueia todas
as outras possibilidades que um corpo de alguém que é, por exemplo, ogã ou ekeji.

E dentro do espectro do transe convencionou-se ainda dizer quantas entidades


de cada "tipo" de espíritos todas as pessoas do mundo "tem". Gente? Umbanda é uma
prática super localizada no Brasil. Espíritos estão conosco em função da ancestralidade
que carregamos e do parentesco que produzimos. Os espíritos que se manifestam por
meio do Mutuê de alguém são os de sua ancestralidade e da ancestralidade da terra em
que se vive.

Não é um manual que vai ditar como uma makumba será tocada e sim a própria
prática dessa makumba. Sobre umbanda não se pode generalizar nada. Os antigos dizem
que umbanda é magia porque cada gira é uma gira, não importa seu tempo de terreiro.
E eles afirmam que toda gira é uma surpresa, toda vez a entidade faz alguma coisinha
que está fora do script.

Tentar imitar manuais empobrece nossa prática e nos deixa propensos a mentir
para nós mesmos. Não é porque no terreiro de fulano há 50 "tipos" diferentes de espíritos
que no meu precisa ter também. Não é porque está escrito num livro que todo mundo
incorpora tantos espíritos que isso seja verdade.

Primeiro porque espírito não tem "tipo" de nada, pois as linhas de umbanda são
os povos de espíritos de um território (sendo os nomes das linhas coisas que remetem a
identidade). Segundo porque todos os corpos que existem nesse planeta são diferentes,
assim como são os territórios.

Sejamos honestos e orgânicos em nossas práticas. Aprendi que cautela é o que faz
um bom makumbeiro e que certezas demais só nos afundam em erros.

COMO SÃO OS CULTOS DA UMBANDA

A “gira”, nome que se dá ao culto da umbanda é constituída por orações, cânticos


e pela invocação de entidades, que “descem” nos médiuns (também chamados de
“cavalos”). As entidades incorporadas dão passes, discursam e orientam os participantes
do ritual. Nos rituais, geralmente se usam vestimentas da cor branca.

O culto é o momento em que se estabelece um vínculo mais próximo entre os


planos físico e espiritual. Dentre as finalidades do culto da umbanda, estão o
aconselhamento, a orientação, a reafirmação da doutrina, o auxílio espiritual e a
desobsessão (tratamento que procura afastar a interferência prejudicial de espíritos).

HINO DA UMBANDA
O Hino da Umbanda foi composto em 1960 por Dalmo da Trindade Reis e José
Manoel Alves. No mesmo ano, a canção foi apresentada ao Caboclo das Sete
Encruzilhadas, que a aprovou. Em 1961, durante o Segundo Congresso Brasileiro de
Umbanda, a canção foi adotada como hino oficial da religião. Segue abaixo a letra do
hino.
Refletiu a Luz Divina
Com todo seu esplendor
É do reino de Oxalá Onde há paz e amor
Luz que refletiu na terra
Luz que refletiu no mar
Luz que veio de Aruanda
Para tudo iluminar
A Umbanda é paz e amor
É um mundo cheio de Luz
É a força que nos dá vida
E a grandeza que nos conduz
Avante, filhos de fé
Como a nossa lei não há
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá

ORIXÁS DA UMBANDA
Os umbandistas acreditam que os orixás e as entidades ancestrais habitam outro
plano de existência. Os orixás são antigas divindades iorubás cujo culto foi trazido ao
Brasil pelos negros escravizados. Dentre os orixás, os mais cultuados nos terreiros de
umbanda são:

 Oxalá: o orixá mais importante, é o criador da humanidade. Seu símbolo


é o branco e sua qualidade é a sabedoria. No sincretismo, é Jesus Cristo.
 Oxóssi: orixá da caça, identificado com as matas, os animais e as plantas.
Seu símbolo é o arco e flecha. No sincretismo, é São Sebastião.
 Xangô: orixá da justiça e do trovão. O símbolo de Xangô é o machado e,
no sincretismo, é identificado com São Jerônimo, São João, São Judas e
outros apóstolos de Cristo.
 Iemanjá: orixá feminina das águas salgadas, Iemanjá é a Rainha do Mar.
Sua cor é o azul claro e o branco. É identificada com Nossa Senhora dos
Navegantes e entre outras.
 Ogum: orixá guerreiro, associado à metalurgia, à luta e ao trabalho. Seu
símbolo é a espada. No sincretismo, é o São Jorge.
 Oxum: orixá feminina das águas doces, associada à maternidade, à
fertilidade, à beleza e ao amor. Seu símbolo é o ouro. É identificada com
Nossa Sra. Da Conceição e Nossa Senhora da Aparecida.
 Iansã: orixá feminina dos raios, tempestades, trovões e vendavais. Seu
símbolo é o raio. No sincretismo, é Santa Bárbara.
 Exu: orixá mensageiro, dono das encruzilhadas e guardião das entradas.
Seus símbolos são o tridente ou o ogó (bastão de madeira). No
sincretismo, é Santo Antônio, embora também seja equivocadamente
associado ao diabo. Muito mais associado a entidade do que o próprio
Orixá.

ENTIDADES DA UMBANDA

Já as entidades são espíritos desencarnados de ancestrais que podem ser


incorporados por médiuns durante os cultos nos terreiros de umbanda. Essas entidades,
que cumprem funções ligadas à cura e ao aconselhamento, podem ser descritas como
tipos populares pertencentes à realidade social brasileira. Vejamos algumas das
entidades mais cultuadas nos terreiros de umbanda:

 Pretos-velhos: espíritos de negros escravizados, os pretos-velhos são


possuidores de vasta sabedoria.
 Caboclos: espíritos de antepassados indígenas, os caboclos possuem forte
vínculo com a natureza e são grandes conselheiros.
 Baianos: espíritos descontraídos, dotados de grande energia positiva, os
baianos são conhecidos por serem bons de prosa e bem sinceros.
 Boiadeiros: diferentemente dos baianos, os boiadeiros não são de falar
muito, porém são bondosos, justos e muito corajosos.
 Malandragem: Conhecidos como os boêmios, os zé-pelintras são os
espíritos dos marginalizados pela sociedade. É o patrono dos bares e da
vida noturna.
 Cigano: conhecido como o Povo do Oriente, trabalham com as cartas e
tarôs, cristais e magias oriundas dos ciganos.
 Ibeijada: conhecidos como erês, são as crianças arteiras e que trabalham
para ajudar os consultes. Há um ditado: “Prometa para Exú, mas não
prometa para criança sem cumprir.
 Marinheiros: também chamados de marujos, os marinheiros são
associados às águas e são responsáveis pela limpeza e descarrego.
 Pombagiras: associadas à sedução, à força feminina e à liberdade, as
pombagiras são entidades protetoras das mulheres e representam a não
submissão ao masculino.
 Exus: são os doutores, advogados e guardiões. Erroneamente associados
ao diabo cristão e suas imagens o retratam essa semelhança física. São
brincalhões e sua maioria, tendo alguns bem sérios. Descarregam e fazem
trabalhos de todos os tipos para ajudar o consulente.

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