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Não foi Zélio quem fundou a Umbanda!

Toda vez que eu escrevo ou digo que Zelio Fernandino de Moraes NÃO FUNDOU A UMBANDA, vem
dezenas de pessoas me perguntarem: Quem a fundou então?
Por isso eu tentarei ser o mais didático nesse texto e por isso ele vai ficar grande. Mas LEIAM:
Durante o período das grandes navegações, os portugueses queriam achar outro caminho para chegar até as
Índias, onde se fazia comércio. Como o mediterrâneo estava fechado para eles, eles decidiram contornar o
continente africano pelo Atlântico. Foi através desse novo caminho que Portugal chegou no Brasil e também
teve contato com diversos territórios da África Ocidental, que antes eram desconhecidos por eles.
Um desses territórios africanos pertencia ao reino do Kongo (atual Congo, R.D do Congo, Angola e um
pouco do Gabão).
Portugal, então invadiu, matou e roubou milhares de africanos deste território, para trazer para o Brasil, ao
longo de mais de 300 anos foram esses povos (que pelo traço linguístico é chamado de povos bantu) que
foram escravizados no Brasil.
É por isso que Angola, por exemplo, até hoje se fala Português. E é por isso que a maioria das palavras
usadas no Brasil, de origem africana, vieram da língua Bantu, dos Kongo-Angola e não dos Yorubás.
(bunda, quitanda, cafuné, dengo, bamba, etc)
Antes da chegada dos europeus, os Kongo-Angola cultuavam Nkisi (energias da natureza divinizadas) e os
ancestrais (pessoas que viveram em terra, morreram e continuavam em espírito ajudando aquela terra,
comunidade e/ou família). O contato com ancestral se dava por um fenômeno conhecido como
Xinguilamento (veja o documentário do mesmo nome no YouTube).
Quando os povos Bantu chegaram no Brasil, logo se interessaram em saber quem eram os ancestrais dessa
terra. Sabendo que eram os indígenas começou-se a cultuar caboclos de pena e couro junto com os Nkissi e
espíritos de antepassados africanos.
Foi assim que se formou um culto brasileiro o qual mantinha contato com os caboclos (donos da terra),
pretos velhos, ngangas (exus), marinheiros, etc.
Esses cultos foram organizados de forma natural e diferente em cada região brasileira como Terecô, Tambor
de Mina, Batuke, Catimbó, Umbanda... Mas, generica e popularmente, eram todos chamados de macumba.
Ao longo do tempo esses cultos sofreram mudanças de nomes e de algumas práticas, para se ajustarem à
época. Temos exemplos de incorporação do ancestral no Calundu (MG), [Leia sobre Luzia Pinta]. Na
Cabula (ES) , e logo depois, na Macumba Carioca que era muito parecida com a Umbanda atual.
Na Macumba Carioca o culto já estava muito unido com alguns conceitos, cosmovisões indígenas e com
traços de catolicismo-popular (diferente do catolicismo apostólico romano).
Zelio Fernandino de Moraes era carioca e contemporâneo do culto Macumba. No mito fundador da
Umbanda, diz-se que Zelio ficou doente e foi se consultar com um médico da família, esse médico informou
que o problema do garoto era espiritual.
Então, segundo o mito, zelio foi ao padre e depois foi no centro espírita kardecista. No centro espírita Zelio
teria incorporado um caboclo que fundou uma nova religião do zero chamada Umbanda.
Porém, Esse mito OMITE que Zelio foi tentar se curar nas sessões de Mbanda da Macumba Carioca e lá ele
se consultava principalmente com uma Preta Velha (a filha dele admite isso em vídeo).
Na Macumba Carioca tinha um ritual específico para cura, chamado de Mbanda (palavra Bantu e significa
"Arte de Curar"). Mas haviam outros rituais: para descarrego, para a conquista do que se desejava, entre
outros.
Sugiro fortemente que pesquisem especificamente sobre cabula e macumba carioca e veja as semelhanças
com a Umbanda que Zelio disse fundar, do nada.
Então podemos dizer que Zelio tentou tirar da macumba Carioca apenas o ritual de Mbanda e higienizar o
resto, a partir das próprias necessidades tirando os atabaques, as incorporações intensas, os braços
espontâneos, o suor, as bebidas, tirou da Macumba Carioca tudo que ele considerava "Incivilizado" e
embranqueceu esse culto batizando-o de Umbanda.
A Umbanda de Zelio, junto com sua trupe de amigos de classe média-alta fizeram de tudo para apagar a sua
origem preta, tentaram até dizer que o nome Umbanda vinha até mesmo de Lemúria. (Lemúria seria um
antigo continente, que segundo as teorias ocultistas europeias, abrigaria seres mitológicos)
Mesmo com esse constante apagamento, ainda hoje a maioria das palavras usadas na Umbanda são bantu
(pemba, zambi, calunga, Gira, pomba gira, conga, cambone, tata, marafo [malavo], Saravá [influência]
Aruanda, Kiumba, etc).
A partir do momento em que Zelio institucionaliza os cultos ancestrais (como uma igreja) a Umbanda vem
passando por um processo de apagamento histórico, de retirada do protagonismo negro, de teorias
mirabolantes para explicar as origens dos guias, dos fundamentos, dos pontos, etc.
Colocam até cavaleiro templário no meio, dizem que para entender Umbanda você precisa ler e seguir os
livros de Alan Kardec e que os guias só trabalham com a gente pra evoluir e pagar seus pecados. Dizem que
um exu evolui e ganha a roupagem de um caboclo ou de um preto velho... Isso é absolutamente contrário à
ideia inicial Bantu que diz que o ancestral continua aqui para ajudar sua etnia e sua terra. Para os bantus o
caboclo é caboclo porque foi indígena em terra e o preto velho foi realmente preto em terra, não é
"roupagem".
Já os orixás foram inseridos na Umbanda só depois, quando os Yorubás vieram, também escravizados.
Os portugueses chegaram na Nigéria (que fica mais ou norte do que Congo e Angola) só anos mais tarde e
os povos cultuadores de Òrìṣà chegaram na região da Bahia um pouco antes do fim da escravatura e
conseguiram conservar sua cultura de forma mais firme do que os Bantu, e por um processo cultural, os
Orixás do Candomblé ficaram "famosos" e adentraram em outros cultos, como da Umbanda.
Mas precisamos enfatizar que a Umbanda é um culto aos ANCESTRAIS e não aos Orixás. O verdadeiro
culto de Orixá acontece no Candomblé.
O embranquecimento acabou colocando os guias como se fossem "mandados" dos orixás, como se os
ultimos fossem maiores do que os ancestrais, comandantes dos guias.
Isso é um processo atual e veio com essas teorias mirabolantes escritas por umbandistas de classe média-alta
com base nas estruturas hierárquicas do Espiritismo. Não que hoje devamos abandonar os Òrìṣà, mas
lembrem-se que o louvamos na Umbanda mas eles não deveriam ser os protagonistas pelo fundamento. Para
se aprofundar nessa cultura de Òrìṣà e Yorùbá, acesse algum Candomblé Ketu, Efon, etc.

Texto Felipe Omorum

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