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TATA KISABA, KIMBANDA, NGANGA, MBUKI

(Senhor das ervas litúrgicas, medicinais - o curandeiro naturalista)

Diferentemente do que muitos pensam, a pessoa detentora desse caminho é


um predestinado, um escolhido que cresce e vive espiritual e materialmente
em contínua interação com o Universo Natural. Esse Ser, mesmo diante das
limitações do mundo contemporâneo, está sempre buscando conhecer,
compreender e aprender toda essência do mundo vegetal, bem como de tudo
que nele existe. A Ele (Kisaba) interessa não apenas algumas espécies da
flora, mas todas, e também os demais integrantes (habitantes da fauna). A
vida espiritual desse predestinado começa com o amor e com o respeito por
cada um dos seres vegetais e animais. Vale ressaltar que para os bantos os
Seres do Mundo não se limitam aos racionais (homens e mulheres), mas a cada
ocupante deste espaço - material e/ou espiritual. As plantas, os animais, as
nascentes, as pedras, os corais, enfim, tudo e todos têm vida e, portanto, no
conjunto existencial são considerados irmãos, nascidos do “ventre-criador”,
cujo sopro vital é objeto do Grande Criador (Nzambi Mpungu, Kalunga).

Seguindo essa lógica, o Kisaba deveria ser visto não apenas como um catador
de folhas, mas como um curador, um benzedor, um escolhido por Nzambi
para manter diálogos introspectivos (por sonhos, intuição, cânticos e rezas)
com os Espíritos Ancestrais, a fim de obter a magia necessária à preparação
do medicamento, do banho, do ndoki, da pemba todos destinados ao
apaziguamento da matéria, da alma e do espírito daqueles que o procuram.
Se distanciarmos um pouco do contexto “brasilis”, veremos que o Kisaba
(enquanto sacerdote) não pode e nem deve ser manipulado. Ele é um
raizeiro, um mateiro, que retira da terra, da mata, da natureza aquilo que
cura, mas que também pode matar.

Essa característica, devido a choques sacerdotais incontestáveis, e também


pela disposição estrutural candomblecista, segundo muitos dos nossos mais
velhos, tornou-se a grande responsável pela restrinção das ações do Kisaba,
chegando até mesmo a interromper a iniciação de pessoas para esse cargo.
Esse fato, embora argumentem não ser objeção e nem causar problemas às
práticas ritualísticas e litúrgicas das jinzo, por vezes, tem deixado os menos
afortunados a mercê dos retirantes, aqueles que possuem o saber, mas não
são iniciados e, portanto, nem deveriam ser utilizado. Por isso, tem sido
comum a destinação de qualquer pessoa das jinzo para colher, macerar e até
preparar decisas de jinsaba. Pessoalmente, por mais triste e decepcionante
que seja, já presenciei mulheres, homens desrespeitosamente bebendo e
batendo papos, não iniciados cercados de todo tipo de gente, separando e
preparando jinsaba e maiunga. Lamentável situação!

O aprendizado do Kisaba, se considerada a sua predestinação, é envolvido por


intensa magia. As revelações lhe são feitas por Espíritos Ancestrais, parentes
falecidos, sonhos com animais, lugarejos, lapsos (viagens), intuições e saídas
assustadoras. Portanto, apesar dos ensinamentos dos iniciadores, dos mais
velhos e de outros cargos, o Kisaba não escolhe aquele (Nganga, Kimbanda)
que irá lhe repassar os ensinamentos. A sua Mente, tanto quanto os seus
Olhos e Ouvidos devem estar atentos para apreensão dos aprendizados.
Ressalte-se, o Kisaba precisa estar com o corpo, alma e espírito sempre
limpos e imunizados, pois nem tudo e nem todos os que dele se aproximam
são bons.

A mata é o ambiente natural do Kisaba. É na floresta, entre seus cânticos e


falas, que este sacerdote encontra as condições necessárias para distanciar-se
da existência comum e, introspectivamente, se comunicar com o mundo
invisível e com todos os seus mentores. Ali estão presentes os espíritos dos
ancestrais e de todos os irmãos de criação. Por isso, diz-se: não se arranca
uma única planta sem que se peça permissão aos seus parentes.

Restringindo-me à prática do candomblé, instituição brasileira, gostaria de


enfatizar – sem detalhar fundamentos e preceitos – que a iniciação de um
Kisaba é revestida de ritos e liturgias envolvendo jinsaba, makezu, favas e
menha cujo objetivo é a vinculação do iniciando com o Nkisi que o escolheu
(desconheço o apontamento de pessoas deste cargo por caboclo). Igualmente,
desconheço interdições por relação ao Nkisi diá mútue. Na iniciação, reitero,
são indispensáveis as jinsaba, a sua liturgia, pemba, ndoki, mbinda, entre
outros. Deve-se atentar para a forração e, na medida do possível, contar com
a presença de alguns sacerdotes mais velhos, entre estes, um Kisaba ou um
sacerdote filho de Katendê e um Tata pokó/Kivonda.

Por fim, destaco, na minha iniciação fui submetido a diversos ritos, por
exemplo: no tempo, na mata, nas águas, entre outros. Tive a minha mútue
raspada, pintada, kutunda (adoxu) e cumpri preceitos de 3 (três) meses de
migi sem jamais contestar, pois, tudo tem a sua razão de ser.

Claro que poderia alongar em muito este meu relato, mas, por enquanto, fico
por aqui.

Abraços a todos

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