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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENT RO DE CIÊNCIAS HUMANAS LET RAS E ART ES DEPA…
Carla Almeida
Concepções e rit os de mort e na Jurema paraibana 1 Concept ions and deat h of rit es in Jurema paraib…
Dilaine Sampaio
DEST REZA E SENSIBILIDADE: os vários sujeit os da Jurema (As Prát icas Rit uais e os Diversos Usos de …
Marcos Alexandre Albuquerque
CCHLA – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – UFPB
VIII Conhecimento em Debate – 03 a 07 de novembro de 2008
Podemos observar no Brasil, a aproximação do uso de plantas, além da saúde, com os mais diferentes
sistemas de crenças. Entre as formas adotadas para a realização das curas, estão os procedimentos de
caráter religioso. Porém, estão nas religiões de origem e influência africana como o candomblé, xangô-
umbandizado e o catimbó-jurema, a maior incidência quanto ao uso de plantas, tanto nas cerimônias
religiosas como nos rituais de cura. Desse modo buscamos através desse projeto direcionar nossos
estudos às plantas utilizadas em rituais religiosos, especificamente à jurema. Nesse sentido destaca-se,
principalmente, o valor simbólico atribuído às plantas do universo mágico-religioso dos sistemas de
crenças de origem e influência africana. Além disso, pretendemos discutir as modificações que sofreu o
ritual do catimbó-jurema ao longo dos anos, tendo em vista o processo de “umbandização” nos cultos de
Jurema da cidade de Alhandra/PB, dessa forma, busca traçar um roteiro para compreender as implicações
da jurema na configuração dos atuais cultos afro-brasileiros. Nosso trabalho sinaliza para a singularidade
das religiões afro-brasileiras praticadas na região que reside, sobretudo, na importância para os seus
adeptos de um legado mítico e simbólico, advindo da tradição local dos mestres juremeiros, tradição
baseada na oralidade. Em nossa metodologia tomamos a responsabilidade de identificar nosso sujeito de
estudo como diversificado, portanto, não podemos nos prender a único método. Por isso, admitimos a
complexidade que é termos como sujeito de estudo a religião, principalmente o catimbó-jurema e a
jurema, que é uma expressão polissêmica nesse contexto.
Corpo do trabalho
O Brasil recebeu 37% de todos os escravizados africanos que foram trazidos para as
Américas, totalizando mais de três milhões de pessoas. O tráfico de seres humanos
como objeto mercantil no continente africano tem seu início por volta do século XV. O
crescimento da entrada de escravizados africanos como mão de obra intensifica-se a
partir do século XVI. Embora a maioria dos escravizados trazidos da África tenha sido
convertida ao Catolicismo, pelo menos oficialmente, a religiosidade trazida consigo
permaneceu viva, pois segundo o IBGE, 0,3% dos brasileiros declaram seguir religiões
de origem africana, embora saibamos que um número maior de pessoas sigam essas
religiões de forma reservada e não declarada, coisa que os dados estatísticos não
conseguem medir. Nesse contexto, sabemos que desde tempos remotos, as plantas
psicoativas vêm desempenhando o papel de veículo para se alcançar o sobrenatural, as
chamadas plantas sagradas, sendo a jurema uma das muitas plantas utilizadas em rituais
religiosos particularmente os afro-brasileiros. Pode-se, mesmo, admitir que a
espiritualidade e os sistemas de crenças foram fortalecidos a partir do momento em que
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Graduando em Ciências Sociais da UFPB; Graduado em Psicologia pela UNIPE.
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Graduada em Licenciatura em Ciências com Habilitação em Biologia pela UFPB; Especialista em
Psicopedagogia pela FIP.
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VIII Conhecimento em Debate – 03 a 07 de novembro de 2008
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VIII Conhecimento em Debate – 03 a 07 de novembro de 2008
Com a chegada ao Brasil dos primeiros africanos de origem banto, oriundos de regiões
localizadas abaixo do Equador (como Angola e Congo), começaram os contatos destes
com os indígenas, que foram passando seus conhecimentos sobre as plantas nativas e os
papéis que as mesmas desempenhavam em seus rituais religiosos e de cura. A partir daí
os negros incorporaram em suas reuniões religiosas o saber dos nativos brasileiros. A
jurema sagrada como tradição “mágica” religiosa, ainda é um assunto pouco estudado.
É uma tradição nordestina que se iniciou com o uso desta planta pelos indígenas da
região norte e nordeste do Brasil, mas que, atualmente possui influências as mais
variadas. No contexto do sincretismo brasileiro afro-ameríndio, a presença ou não da
jurema como elemento sagrado do culto vem estabelecer a diferença principal entre as
práticas de umbanda e do catimbó. Jurema é, hoje, não só designativa de uma espécie
botânica, como, também, de uma divindade e de sua morada sagrada, a região celeste
(jurema), de onde chegam os encantados quando invocados a comparecerem no espaço
ritual, como diz Albuquerque (1997). É tal a importância das plantas nesses sistemas de
crenças afro-brasileiras, que sem elas, certamente tais religiões não existiriam. Para os
povos de origem iorubá, cuja influência se faz presente e é formadora das tradições
afro-brasileiras, as folhas, cujo domínio pertence a Ossain, são de fundamental
importância, como nos apresenta Pierre Verger:
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VIII Conhecimento em Debate – 03 a 07 de novembro de 2008
Prandi (2001) confirma que Ossain é o conhecedor do poder mágico e curativo das
folhas e sem sua ciência nenhum remédio mágico funciona. A jurema sagrada é
remanescente da tradição religiosa dos índios que habitavam o litoral da Paraíba e dos
seus pajés, grandes conhecedores dos mistérios do além, plantas e dos animais. Depois
da chegada dos africanos no Brasil, quando estes fugiam dos engenhos onde estavam
escravizados, encontravam abrigo nas aldeias indígenas, e através desse contato, os
africanos trocavam o que tinham de conhecimento religioso em comum com os índios.
Os africanos contribuíram com o seu conhecimento sobre o culto dos mortos e das
divindades da natureza, os Orixás. Os índios, estes contribuíram com o conhecimento de
invocações dos espíritos de antigos pajés e dos trabalhos realizados com os encantados
das matas e dos rios. Daí a jurema se compor de duas grandes linhas de trabalho: a linha
dos mestres de jurema e a linha dos encantados. Com relação aos rituais afro-brasileiros
que assistimos hoje, é possível verificar que, além de plantas exóticas, muitas plantas
nativas brasileiras fazem parte de seus rituais, deixando evidenciar um razoável
distanciamento com relação à mãe África, sendo que este fato pode ser verificado ao
consultarmos a obra de Verger (1995), Ewe, quando o autor divulga grande número de
receitas para as mais variadas finalidades, ditadas por religiosos na África, quando nelas
predominam plantas africanas, não usadas no Brasil em receitas para fins semelhantes.
De acordo com José Maria Tavares de Andrade, no artigo Jurema: da Festa à Guerra,
de Ontem e de Hoje3, diante do componente negro, a jurema garante seu
reconhecimento, como entidade (espírito, divindade, cabocla) autóctone, “dona da
terra”. A jurema é absorvida pelos cultos afro-brasileiros, tendo surgido inclusive os
“candomblés de caboclos” também chamados candomblé de Angola. Nas últimas
décadas, é no contexto da umbanda, religião nascente e em pleno processo de
sistematização e de expansão nacional, que a jurema é integrada na cosmologia sagrada.
Segundo Rosane Volpatto, em seu artigo A Cerimônia do Ajucá ou Jurema4, dentre os
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http://www.ufrn.br/sites/evi/metapesquisa/velhos/jurema.html
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http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendacerimoniaajuca.html
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Toda religião, com efeito, tem um lado pelo qual vai além do
círculo das idéias propriamente religiosas e, sendo assim, o
estudo dos fenômenos religiosos fornece um meio de renovar
problemas que até agora só foram debatidos entre filósofos
(DURKHEIM: 2003, pXV).
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VIII Conhecimento em Debate – 03 a 07 de novembro de 2008
ANDRADE, José Maria Tavares de. Jurema: da festa à guerra, de ontem e de hoje. In: http://
www.ufrn.br/sites/evi/metapesquisa/velhos/jurema.html. Acesso em: 20 de Abril de 2008
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo – SP: Martins Fontes,
2003.
MACIEL, Márcia & NETO, Germano Guarim. Um olhar sobre as benzedeiras de Juruena
(Mato Grosso, Brasil) e as plantas usadas para benzer e curar. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi,
Ciências Humanas, Belém, v. 2, n. 3, p. 61-77, set-dez. 2006.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
SALLES, Sandro Guimarães de. “À sombra da jurema: a tradição dos mestres juremeiros na
umbanda de Alhandra” IN: Revista Anthropológicas, ano 8, volume 15(1): 99-122 (2004).
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewe: uso das plantas na sociedade iorubá. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.