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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANTROPOLOGIA
Por
BELÉM
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANTROPOLOGIA
Belém
2010
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
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“TEM BRANCO NA GUMA”:
A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira
Por
TAISSA TAVERNARD DE LUCA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Orientadora: Profª. Dra. Marilu Márcia Campelo
Universidade Federal do Pará – UFPA
______________________________________________
Co-orientador: Profº Dr. Aldrin Moura de Figueiredo
Universidade Federal do Pará - UFPA
____________________________________________________
Examinador Externo: Profº Dr. José Flávio Pessoa de Barros
Universidade Cândido Mendes – UCAM
_________________________________________________
Examinadora Externa: Profª Dra. Mundicarmo Ferretti
Universidade Federal do Maranhão – UFMA
___________________________________________________
Examinador Interno: Profº Dr. Raymundo Heraldo Maués
Universidade Federal do Pará – UFPA
______________________________________________________
Examinadora Interna: Profª Dra. Maria Angélica Motta Maués
Universidade Federal do Pará – UFPA
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Ao Professor Arthur Napoleão
Figueiredo (in memorian), pai
fundador de minha linhagem
acadêmica, que neste dia 26 de março
completaria 87 anos de vida.
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AGRADECIMENTOS
Este é, sem dúvida, o momento mais gostoso de ser escrito: o de agradecer aos
outros atores da difícil tarefa que é produzir uma monografia. A primeira coisa a ser dita
é que absolutamente ninguém consegue esse feito sozinho. Sempre existe uma equipe
enorme que guia, abre clareiras no caminho, constrói atalhos, joga pedaços de pão para
que o andarilho não perca o rumo, atira as pedras, escuta as lamúrias, ensina a limpar a
estrada, incentiva a retomada e aplaude a missão cumprida. Comigo não foi diferente.
Por isso faço uso deste espaço para literalmente “dar a Cézar o que é de Cézar e a Deus
o que é de Deus”.
Feito este agradecimento, devo dizer que sou uma pessoa de muitos “Cézares”
portanto não posso, de forma alguma me esquecer de nenhum deles. Iniciarei pela
família que é sempre o esteio de tudo.
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A minha mãedrinha Inha Io (para os outros Ilze), meu esteio, meu alento, meu
porto. Entrego-lhe aqui o resultado final de minha trajetória acadêmica materializado
nesta brochura. É uma forma de dizer muito obrigada por ter segurado as mãos daquela
criança pequena e a trazido até aqui, mesmo com todas as minhas ausências. Entrego
também a minha gratidão pelo amor incondicional com que me afagou por todos os
momentos, pela atenção e o companheirismo do cotidiano e pelos silêncios de
reprovação. Entrego, principalmente, tudo o que me tornei. Perdão se não pude retribuir
a altura seu esmero em zelar por mim, mas este é o resultado do que pude construir
olhando para senhora e dizendo: - Um dia quero ser assim!!!! Eu lhe amo com todo meu
coração.
Aos meus pais Beto e Vera e à minha irmã Tainá pela certeza de pouso certo,
não importa quão longe eu esteja do ninho.
A minha irmã Gabi, meu cunhado Marco e meus sobrinhos Pedro e Aimê que
apesar de tão distantes, em função dos afazeres cotidianos, tiveram um papel fenomenal
em minha vida: o de resgatar “aquele tempo em que toda modinha só falava de amor”.
Ao meu avô Mário (in memorian), meu exemplo de integridade. Agradeço por
ter sido mais do que duplamente pai, como são todos os avôs. Obrigada pela riqueza do
afeto que me destes e que ainda dás nos devaneios que faço “a aurora de minha vida”.
Agora sei que “minha infância foi muito mais querida” por causa de ti. Que pena que os
anos não te tragam mais para plantarmos juntos novas árvores no velho quintal! Que
pena que nem o quintal com as árvores eu tenha mais! Que pena que sequer possa
regressar a gravioleira onde dissestes que estarias sempre que eu precisasse de ti!
Preciso de ti para pedir perdão por não ter tido noção da amplitude de tua importância a
tempo. Por não ter tido mais tempo para simplesmente te escutar, ou maturidade para
me jogar com mais leveza em teu abraço. Olha vô, já olhei debaixo dessa mesa quando
cá cheguei e não tem ninguém que vá me fazer mal. Pode dormir sossegado, que meu
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“caminho ainda está ladrilhado com as pedrinhas de brilhante que jogastes na minha
vida”, lá atrás, ao balançar a minha rede.
Aos meus tios Marises, Yeda e Pedro; as minhas joias; por terem aguentado
todos os trancos e ainda estarem sempre a disposição para me escutar, cada um do seu
jeito. Uma com a sua natureza maternal tipo avental, “só um pouquinho sujo de ovo”.
Outra, toda modernosa, “estilo rock in roll, meio no sense”. O último...
O terceiro é meu ícone, meu exemplo, meu amor. Aquele que nunca é bandido.
A gente cresce e continua sendo herói, mesmo se errado. É no seu colo que eu posso,
literalmente despejar toda a minha insegurança e a segurança também.
A prima Kamilla que mesmo de outras plagas, sempre volta a pasárgada com
carinho de quem foi embora ontem a noite.
A minha querida Dane, pela credibilidade no potencial desta tese e pela ajuda no
árduo processo de correção e entrega da versão final.
Aos queridos João Simões Cardoso e Mário Lima Brasil que me aceitaram em
suas pesquisas quando a única contribuição que eu lhes tinha a dar era a minha vontade
de aprender.
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Aos professores do PPGCS, Raymundo Heraldo Maués, Maria Angélica Motta
Maués, Carmem Izabel Rodrigues, Wilma Leitão, Denise Cardoso, Kátia Mendonça e
tantos outros pelos preciosos ensinamentos e pela atenção com que têm recebido meus
trabalhos em ocasião de congressos e apresentações.
Aos amigos Leo, Daniel, Gonçalves, Mônica, Luzanira, Gabi, Célia, Ana
Cláudia, Regina, Ilka, Ângelo, Andréia, Marisinha, Tatiane, Joana – e tantos outros -
pelo carinho, a preocupação e a companhia.
A minha turma de doutorado formada por pessoas especiais que vão ficar
sempre no meu coração Daniel, Angélica, Renata e Renilda pelas discussões aquecidas
sobre teoria e política.
Especialmente:
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Muito Especialmente
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RESUMO
Branquidade.
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ABSTRACT
This text aims to present the pantheon of the mina religion– the most
traditional african-matrix religion in Belém, capital of Para State, in northern Brazil. It
essentially analyzes a category of entities called senhores de toalha (gentlemen in
Towel) or nobres gentis nagô (noble gentle nagô), european kings and aristocrats
connected to the process of christianization in Europe, its naval expansion and the
colonization of Brazil. Therefore, it discusses parts of the characters history, in an
attempt to understand the mythic construction and the internal logic of their process of
divinization. Finally, this work indicates the values that are correlated to all of these
narratives, in which the symbolism of witeness is highlighted.
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LISTA DE QUADROS
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SUMÁRIO
Resumo XI
Abstract XII
Lista de Imagens XIII
Lista de Tabelas XIV
Sumário XV
INTRODUÇÃO: UM PROJETO METAMÓRFICO 16
CAPÍTULO 1: O PESQUISADOR RECEBENDO O DEKÁ 25
1.1. Formas de Interpelar um Campo Eclético 33
CAPÍTULO 2: VERSÕES SOBRE A MINA DO PARÁ 41
2.1. Do Olhar Por Sobre os Ombros ao Estabelecimento do 41
Campo de Estudo
2.2. Das Primeiras Pesquisas até os Dias de Hoje 45
CAPÍTULO 3: UMA MINA DE DIFERENTES VERTENTES 56
CAPÍTULO 4: A NOBREZA PORTUGUESA MONTOU CORTE NA 80
ENCANTARIA
4.1. Dom Manuel: o Rei do Mundo 93
4.2. Rei Sebastião: Ele é Pai de Terreiro 100
4.3. Dom José o Rei Posto por Marquês de Pombal 122
4.4. O Navio de Dom João Vem Ocupar o Brasil 136
CAPÍTULO 5: AS DINASTIAS ESTRANGEIRAS: UMA AMEAÇA 145
EMINENTE Á SOBERANIA NACIONAL PORTUGUESA
5.1. As Várias Faces de um Rei Francês que Migrou para o 147
Maranhão
5.2. Dom Miguel da Gama: o Tubarão Espanhol da 157
Soberania Nacional Portuguesa
CAPÍTULO 6: O MITO E O SÍMBOLO: A CONSTRUÇÃO DE 167
UMA IMAGEM DE BRANQUIDADE
6.1. A Imagem da Branquidade 175
15
6.2.O Simbolismo da Pedra 188
6.3.O Simbolismo da Água 194
6.4.O Simbolismo Animal 200
CAPÍTULO 7: POR UMA SOCIEDADE DE CORTE NOS TERREIROS 205
DE BELÉM
CONSIDERAÇÕES FINAIS 225
GLOSSÁRIO 229
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 248
16
INTRODUÇÃO: Um Projeto Metamórfico
A ideia de fazer um trabalho que discutisse essa tradição religiosa no Pará, não é
recente. Surgiu em meio a minha monografia de conclusão de curso de História na
UFPA, (Luca, 1999). Com esse projeto de pesquisa fui aprovada no Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco em nível de
mestrado mas não cheguei a desenvolvê-lo, em função do tempo exíguo fornecido para
a confecção de uma dissertação.
Sendo assim, a proposta foi devidamente engavetada por mais ou menos cinco
anos. Passou por atualização no que tange às informações de campo e reforço dos
marcos teóricos para ser usada na seleção para o curso de doutorado, prestada junto ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará em
2005.
1
Todas as palavras nativas serão grafadas em itálico. O significado das mesmas encontra-se no glossário,
ao final da tese.
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quais os elementos que contribuem para manutenção dessa identidade (mineira) nos
dias atuais?
Acabei por me deter tanto na análise do panteão que o objetivo primeiro, acima
exposto, se tornou uma preocupação menor. Encantei-me com uma categoria de
entidade específica, denominada de senhores de toalha, formada basicamente pela
nobreza portuguesa e de outros países, em sua maioria, católicos, que de certa forma
tiveram vínculo com o processo de colonização do Brasil. Todos os reis que havia
estudado em meio ao meu curso de graduação em História, “montaram sua corte na
encantaria mineira”.
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Claude Lévi-Strauss com sua teoria estruturalista dos mitemas (1970). Cheguei a
esboçar um artigo analisando a trajetória de Rei Sebastião, o mais conhecido desses
nobres. Partindo dos dados de sua história de vida, incursionei pela bibliografia acerca
do sebastianismo em Portugal e no Brasil e finalmente desenvolvi um estudo sobre o
culto a esse nobre em alguns terreiros paraenses destacando os elementos invariáveis
das narrativas. Considerando a história como mais uma das versões plausíveis de
análise.
Logo percebi que permanecer nessa linha de abordagem seria muito difícil, uma
vez que o culto aos senhores de toalha se torna cada dia mais rarefeito. Poucos são os
que ainda baixam nos terreiros. Procurei o terreiro centenário - o Terreiro Dois
Irmãos3 - mas sua liderança religiosa não fala muito sobre estas entidades em função da
estrutura de segredo que possui a religião.
Foi a partir dessa constatação que o projeto se direcionou para a sua terceira
abordagem. Parti do pressuposto de que há um imaginário influenciado pelas teorias
sociais sobre o negro no Brasil que se reproduz na hierarquia do panteão. Sendo assim
projetei entender a organização de negros, brancos, índios e mestiços pelas categorias de
entidades partindo do princípio de que essa arrumação segue o modelo instituído pela
sociedade brasileira.
3
Grafei em negrito todos os nomes de terreiros mencionados.
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Não tinha mais a pretensão de construir genealogias uma vez que, como já foi
dito, os arranjos sofrem muitas variações, escolher uma versão seria subjugar a
pluralidade do campo religioso. Consideraria todas as variantes partindo do princípio de
que as discrepâncias, por maiores que sejam, sempre estão pautadas no modelo da
sociedade.
Esta foi a proposta apresentada para a qualificação. No entanto após aquele mês
de novembro de 2007, minha trajetória profissional e pessoal sofreu algumas alterações.
Passei em um concurso público para professor AD 4 de nível médio da Secretaria de
Estado e Educação do Estado do Pará, o que me conferiu uma carga horária de trabalho
de doze horas por dia. Em adição a isso, em junho de 2008 me tornei mãe pela primeira
vez. Todas essas mudanças acabaram por restringir minha disponibilidade de tempo
para pesquisa o que me obrigou a fazer recortes.
Neste sentido escolherei estas entidades para, a partir delas, tentar analisar o
panteão mineiro. Minha proposta é estabelecer uma relação entre história e mito,
explicando de que forma o imaginário sobre o deus4 foi construído a partir dos
personagens históricos e de elementos da sociedade de corte ocidental. Para isso farei
uso dos conceitos de mito, branquitude, símbolo e sociedade de corte.
A tese está dividida em dois volumes. O primeiro volume é composto por sete
capítulos. No primeiro, que se denomina “O Pesquisador Recebendo o Deká”, faço um
passeio nostálgico em torno da trajetória por mim percorrida ao longo desses anos de
contato com o campo afro-brasileiro local. Procuro destacar que o amadurecimento de
minha pesquisa bem como a minha ligação com a linhagem antropológica que
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Convencionei grafar com inicial minúscula a palavra deus quando referida a uma denominação genérica
ou a uma divindade que possui nome e com maiúscula ao Deus cristão, uma vez que, neste caso, o
substantivo simples vira nome próprio.
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inaugurou a linha de pesquisa sobre religião de matriz africana no Pará e acabou por
influenciar o reconhecimento de meu trabalho.
Indicarei a leitura de Spirits of the Deep (1972) do casal americano Seth e Ruth
Leacock, que esteve em Belém na década de 50 e a partir do material etnográfico
coletado elaborou o primeiro modelo da mina no Pará, que neste período foi
denominado de batuque. Posteriormente apontarei as pesquisas realizadas pelos
fundadores da linha de pesquisa sobre religião afro-brasileira na Universidade Federal
do Pará, então denominada “Batuques de Belém”. Trata-se de Napoleão Figueiredo e
Anaíza Vergolino que escreveram diversos artigos sobre assuntos variados como o culto
às plantas, os pontos de Exu, os rituais de semana santa, a história da religião, etc.
Ressalto que a produção de maior destaque é a dissertação de mestrado de Anaíza
Vergolino, intitulada O Tambor das Flores, (1976).
21
histórico “Os Reis de Mina” (1994), no qual o autor aborda a organização dos escravos
– do XVII ao XIX – em torno de irmandades religiosas católicas.
Eu, por minha vez, dediquei-me a discutir a história da mina no Pará a partir da
memória de seus adeptos, durante minha monografia de conclusão de curso de
graduação em História. Na dissertação de mestrado revisitei o trabalho de Anaíza
Vergolino entitulado O Tambor das Flores (1976), analisando a FEUCABEP, quase 30
anos após sua fundação.
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No quarto capítulo – “A Nobreza Portuguesa Montou Corte na Encantaria” -
passarei a analisar, de forma mais detida, as entidades que compõe a mitologia mineira,
detendo-me mais especificamente na parte branca do panteão. Como falar em branco é
acima de tudo referir-se aos nobres gentis nagôs ou senhores de toalha - categoria
formada por reis e outros nobres lusitanos ou ligados a países cristãos – trabalharei
especificamente com eles.
Nos tópicos seguintes procurarei analisar detidamente cada rei cultuado pelos
mineiros que traçam verdadeiras epopeias exaltando a soberania nacional portuguesa.
Reis ligados a Dinastia de Avis – Dom Manuel e Dom Sebastião – e Bragança – Dom
José, Dom João, Dom Miguel – juntam-se a nobres – como Marquês de Pombal –
compondo assim a realeza afro-brasileira. Procurarei pensar esses personagens como
elementos míticos construídos a partir da história. Não considero que a história tenha
sido totalmente reproduzida na construção do mito, mas recriada e ressignificada.
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descrita como espanhola. As entidades dessa família têm o mesmo status das
portuguesas, o que é garantido não pelo elemento nacionalismo, mas pelo catolicismo,
haja vista ser a Espanha um país cristão. Ainda assim posso dizer que estes encantados
são bem menos conhecidos em terras paraenses. Encontrei um informante que recebe
Dom Miguel da Gama, o chefe da família.
É preciso ressaltar que nenhum membro da dinastia Felipina foi elencado para
liderança da família Espanhola. Minha hipótese é que a omissão da realeza espanhola
seja uma forma clara de subjugar simbolicamente a nação responsável pela humilhação
da soberania portuguesa. Fala-se sobre eles por serem cristãos e parte integrante da
história de Portugal, mas fala-se através do silêncio.
Referirei à teoria sobre branquidade, uma discussão incipiente, mas que traz
questões fundamentais para os argumentos aqui levantados. Autores como Peter
Racheff (2004), Melissa Steyn (2004), Sarah Nuttall (2004), Ruth Frankberg (2004),
Zélia Amador de Deus (2006), Maria Aparecida Silva Bento (2002) e muitos outros nos
revelam que ser branco é ter status, poder, estar em posição social privilegiada.
5
D. Luís IX é da dinastia Capetiana e os demais – D. Luís XIII e D. Luís XIV – são da casa de Bourbon.
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No capítulo sétimo, “Tambor de Mina: Um Ritual de Corte” partirei do ritual
realizado para os reis e demais nobres com o intuito de fazer uma etnografia do
simbólico. Traçarei um modelo geral dos rituais em homenagem aos nobres gentis
nagôs ou senhores de toalha. Por fim estabelecerei uma comparação entre os mesmos e
os rituais da nobreza francesa descrita por Norbert Elias em seus livros Processo
Civilizador (1993, 1993b) e Sociedade de Corte (2001).
25
CAPÍTULO 1: A PESQUISADORA
RECEBENDO O DEKÁ6
6
Chama-se de deka o cargo conferido ao religioso após sete anos de sua iniciação e que lhe autoriza a
abrir sua própria casa-de-santo e formar sua família. Após o deká, o iniciado ascende da categoria de
filho-de-santo à de pai-de-santo.
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etnográfico. Por vezes é também traquejo e negociação, porque escrever sobre o outro é
acima de tudo uma atitude política.
Em sendo assim, ao longo desse capítulo guiarei o leitor pela minha experiência
pessoal intensa e única (Seeger, 1980), mostrando como esta pesquisadora, outrora
“uma criança no mundo” (Seeger, 1980), agora recebe o deká.. Não posso esquecer que
“a experiência etnográfica” é sempre resultado de uma atividade singular perpassada de
subjetividade.
Acreditava poder achar algum dado que levantasse pistas sobre a presença
religiosa africana no Pará colonial. Procurava nomes de religiosos, descrições de tipo
de culto, indícios de origem. No entanto isso era apenas um sonho de estudante ainda
pouco familiarizada com a documentação.
Mas porque esse súbito interesse pela religião? Por que não enfatizar
abordagens como gênero, relações de família ou tantas outras? A resposta talvez
estivesse na busca pela novidade ou era fruto de uma curiosidade antiga, advinda das
parcas e soltas lembranças dos tempos de infância quando minha mãe baiava num
terreiro de mina. Tudo o que me lembrava dessa época era das roupas muito alvas, de
um busto do caboco Zé Raimundo localizado nos fundos de minha casa7 e da “guerra
santa” travada por minha avó – uma católica ferrenha – contra essa crença.
7
Grafarei casa toda vez que esta palavra for sinônimo de terreiro, Casa quando significar dinastia e casa
quando referir à moradia.
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Devo dizer, contudo, que mesmo com os frustrados passeios pela documentação
não desisti da ideia indefinida de estudar religião afro-brasileira. Professores e colegas
de curso me aconselharam buscar auxílio no Departamento de Antropologia, o que de
fato fiz. Procurei apresentar-me à Professora Anaíza Vergolino em meio a uma palestra
realizada pela mesma no Museu do Círio, que neste período funcionava no prédio da
Basílica de Nazaré, demonstrando o interesse que tinha em estudar religião afro-
brasileira. Na época não sabia da importância que ela teria para o meu processo de
profissionalização e especialmente para meu acesso ao campo.
Por ela, fui indicada para trabalhar como auxiliar de pesquisa do, então
mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, o professor João
Simões Cardoso Filho que na época estudava o grupo de religiosos dissidentes da
Federação Espírita e Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará
(FEUCABEP), A Associação dos Amigos de Iemanjá. Esta instituição promovia o
“Festival de Iemanjá” numa praia de água doce do distrito de Outeiro (Município de
Belém). Foi nessa ocasião que comecei a frequentar os primeiros terreiros no Pará.
Ajudava a coletar dados, transcrevia fitas, tirava fotografias, gravava músicas com o
objetivo de dar os primeiros passos na pesquisa de campo de natureza antropológica.
8
Trata-se da Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará.
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Afro-Brasileiros do Pará. Este era o tema do meu TCC o qual desenvolvi com a
orientação da Professora Anaíza Vergolino.
Fui recebida pelo senhor Antônio Gomes da Cruz, presidente recém eleito
daquela instituição, porque tinha a indicação da pesquisadora que os acompanhava há
mais de 30 anos. Na secretaria da sede social, ele abriu os arquivos da instituição, bem
como sua memória e citou diversos nomes, lidos por ele num velho fichário.
Nessa época já não era mais tão leiga. Já conhecia minimamente a constituição
do campo religioso sobre o qual me debruçava. Comecei a escrever os primeiros
artigos, em co-autoria com as professoras Anaíza Vergolino e Marilu Campelo,
frequentar reuniões da Associação Brasileira de Antropologia e a dialogar com
pesquisadores conceituados nesta área.
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Fui indicada por Anaíza Vergolino, para trabalhar com diversos pesquisadores que estavam
desenvolvendo trabalhos junto à comunidade religiosa afro-paraense.
29
Conviver com os pesquisadores, participar dos diálogos, frequentar festas-de-
santo e escutar conversas, me permitiu familiaridade com os mais importantes atores
daquele cenário, definir grupos, mapear facções.
Até então jamais tinha pensado em analisar a Federação de maneira mais detida,
achava que tudo havia sido dito no Tambor das Flores (1976) e que aquela instituição
civil por si só se explicava. Foi através das críticas feitas pelos membros da Associação
dos Amigos de Iemanjá e pelos candomblecistas que percebi que a FEUCABEP ainda
era um excelente objeto de pesquisa.
Cheguei a ouvir frases do tipo: “Ontem foi a doutora que saiu para estudar,
hoje é a Taissa.” Descobri, a partir desta frase, que em se tratando de cultos afro-
brasileiros cada um exerce seu cargo: uns são religiosos, a outros, cabe a tarefa da
10
Percebi que havia uma espécie de comprometimento por parte dos afro-religiosos com meu processo
de formação. No ano de 1998, o senhor Antônio Gomes da Cruz promoveu uma excursão para São Luís
do Maranhão. Havia-se combinado, antes da partida, que esta não seria uma viagem religiosa, portanto
ninguém iria visitar nenhum terreiro. No meio do passeio, em conversa com Mãe Emília, comentei que
não conhecia a Casa das Minas nem a Casa de Nagô. Mãe Emília então mobilizou o grupo para uma
visita a essas casas, pois segundo ela, era um absurdo um pesquisador da mina, desconhecer os dois
templos.
30
pesquisa. Ter sido introduzida no campo pela “doutora”, que também estudava a mina,
foi de suprema importância no meu processo de aceitação, pois eles usaram a lógica
religiosa para me assimilar.
Essa situação foi muito desconcertante uma vez que, por muitas vezes havia
estado neste centro religioso, na categoria de aluna ou assistente de pesquisa. Entrava e
saía sem nenhum reconhecimento, como um filho não feito que não possui sinais
diacríticos de status e portanto não recebe muita reverência ou como um sujeito
invisível tal qual Geertz, em Bali (Geertz, 1989). Percebi claramente, com o olhar,
treinado para observar nas entrelinhas, que as duas seleções acima mencionadas – de
mestrado e de professor substituto – equivaliam, na simbologia afro-brasileira à feitura
e à obrigação de três anos. Neste momento, me senti como um filho feito, que começa
a acumular capital simbólico (Bourdier, 1974).
Muitas vezes chegava aos terreiros e as pessoas perguntavam: - Cadê tua mãe-
de-santo? O mais engraçado acontecia quando o ritual acabava e os grupos se reuniam
para jantar. Geralmente os donos da festa dividem os convidados por família. Cada
mesa é reservada para um pai-de-santo com seus filhos. Por vezes quando eu tentava
me juntar a uma dessas famílias, alguém me chamava atenção, informando que a minha
mesa é aquela reservada para a Universidade na qual estava sentada a minha “família”.
Definitivamente eu estava agregada.
Mais de dez anos se passaram desde 1996, quando visitei o primeiro terreiro na
qualidade de pesquisadora. A persistência de minha presença no campo reforçou ainda
mais a legitimidade de minha “feitura”. Estava na posição análoga à daquelas
11
Alguns afro-religiosos não completam meu pré-nome e acabam por me chamar de Tais.
31
lideranças que começaram seu desenvolvimento até evoluírem à conclusão de sua
carreira religiosa. Uma noite, em conversa informal com uma liderança religiosa do
bairro do Guamá, quando expunha meu projeto de doutorado a fim de solicitar uma
entrevista, ele exclamou: - Eras Taissa, tu começou de baixo!
É importante destacar o peso de uma rede de relações sociais como já havia sido
profundamente analisado por Vergolino anteriormente (1976). Certamente não eram só
os meus esforços que garantiam aceitação. Havia sido apresentada como aluna de
pessoa renomadas que tinha trabalhado “em defesa” das religiões afro-brasileiras,
levando-as às universidades e seminários católicos do Pará, divulgando-as em seus
artigos escritos, publicados ou apresentados em congressos pelo Brasil. Ser introduzida
por “amigos” também me incluía nessa categoria.
32
Um dos líderes religiosos por mim pesquisados transformava a sequência
litúrgica de sua casa toda vez que eu entrava para assistir um a um ritual. Trata-se de
um terreiro com forte influência yorubana, onde a maior parte das doutrinas é entoada
em homenagem aos orixás. Como seu representante máximo havia sido iniciado no
Maranhão e conhecia o xirê de vodum e senhor de toalha, resolvi incluí-lo em minha
lista de informantes. Ciente de meu interesse por essas entidades ele passou a introduzir
nos toques um conjunto de doutrinas, que não eram cantadas costumeiramente, de
forma que, quase nenhum filho-de-santo sabia responder.
O terreiro de Pai Bené tem sido pesquisado há mais de vinte anos pela
Professora Anaíza Vergolino e seu descendente Pai Fernando Rodrigues vem sendo
acompanhado por mim ao longo de minha trajetória acadêmica.
12
Pai Benedito Saraiva é o único religioso iniciado pelo fundador da FEUCABEP, Manoel Colaço Veras.
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Percebi que houve neste momento um entrelaçamento de linhagens. A linhagem
religiosa fez a transferência do poder religioso na Federação de Manuel Colaça Veras –
o fundador – para pai Benedito Saraiva e posteriormente para Pai Fernando Rodrigues.
E a linhagem acadêmica agregou a pesquisadora iaô aos “mitos de origem” Napoleão
Figueiredo e Anaíza Vergolino.
Conduzida pela facilidade de uma rede anterior que agora era também a minha
rede pessoal, delimitei finalmente o meu universo de pesquisa que não só incluiu os
descendentes dos primeiros mineiros oriundos do Maranhão - outrora já interpelados
pelos pesquisadores anteriores. Foi necessário incluir outros mineiros até então não
pesquisados.
13
Frase proferida por Anaíza Vergolino em meio ao ritual de recebimento de deká de Pai Fernando
Rodrigues no ano de 2003.
34
que me foram caramente ensinadas por Roberto Cardoso de Oliveira: olhar, ouvir e
escrever. (Oliveira, 2006)
Não tardou muito para eu perceber que essa escolha limitava as narrativas. O
principal problema é que nenhuma liderança sabia falar com riqueza de detalhes, sobre
todas as entidades do panteão. É mais comum ouvir de cada religioso narrativas sobre
os próprios encantados. Alguns mineiros possuíam narrativas lacônicas o que me deu a
impressão de que pouco teorizavam sobre o ritual praticado. Outros religiosos sequer
contavam sobre a entidade que recebem em função da estrutura de segredo em que está
envolta a religião. Os mais intelectualizados, quando eram interpelados e não tinham
dados a fornecer diziam-nos que iriam pesquisar com a própria entidade, melhores
informações.
35
Todavia, o ato de esgarçar as fronteiras, se me permitiu conhecer a mitologia
mineira, trouxe alguns empecilhos. O maior deles foi a impossibilidade de acompanhar
aprofundadamente o cotidiano de todas as casas. Sendo assim, decidi construir essa
tese em cima das narrativas coletadas e das festas etnografadas. Um documento
importante foi o xirê, sequência de doutrinas cantadas em todo e qualquer ritual,
geralmente organizada de forma hierárquica, definindo os personagens mais
significativos de cada família.
36
Quanto ao ouvir, utilizei a técnica da entrevista com a maioria dos informantes.
Sempre que possível fazia uso de gravador e máquina fotográfica, com a devida
autorização dos religiosos. Ao todo abordei sessenta pessoas, algumas delas
interpeladas uma única vez, outras entrevistadas continuamente. Neste sentido consegui
cerca cem horas de entrevistas gravadas.
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Caboca da família da Turquia muito cultuada em Belém do Pará.
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Um dos informantes, incorporado com seu caboco disse que só daria entrevista
se eu pagasse duas grades de cerveja e três maços de cigarros para ele. No primeiro
momento isso não me pareceu problema, todavia ele pediu o “pagamento” na frente de
seu pai-de-santo, que também era meu informante e ficou indignado com a atitude haja
vista que ele, sendo mais experiente, nunca havia feito cobrança.
Essa atitude se repetiu uma única vez. Um sacerdote, quando abordado, falou
que iria pedir permissão ao seu encantado para dar informação, sugerindo que para isso
deveria fazer uma oferenda. Repeti a atitude anteriormente mencionada e pedi que ele
explicasse para a entidade a situação na qual me encontrava, o que – segundo consta –
foi feito. Telefonei para saber o resultado e ele me informara que sua caboca permitira
o contato.
38
pesquisadores que os visitam desde a década de trinta e por vezes servem como
elemento legitimador diante de um campo em disputa constante.
Assim foi feito, mandei fazer uma feijoada, comprei cerveja e chamei o pai-de-
santo, que compareceu com a filha, conversou a tarde inteira sobre sua vida e a história
da religião, mas acabou por não falar nada sobre as entidades. Uma noite, em meio a
uma conversa informal, antes de uma sessão, o mesmo religioso me informou que viu o
casal Ferretti passar semanas a fio adulando sua mãe-de-santo maranhense para dar
entrevista. Contou que eles chegavam no início da tarde e passavam horas esperando.
Percebi que ele estava reproduzindo o modelo comigo, no entanto, partindo da
metodologia que eu havia escolhido, permanecer insistindo significava perder muito
tempo. Em função disso precisei preterir essas informações.
39
principalmente através distribuição de fotos. Meu namorado na época, o fotógrafo
Geraldo Ramos16, acompanhou todo o trabalho de campo, sempre fazendo o registro
visual dos rituais, o que acabou por render um acervo considerável.
Sempre que possível também contribuía nas festas públicas, geralmente doando
uma grade de cerveja. Como, ninguém sai ileso de um trabalho de campo, participei, de
diversos rituais na condição de cliente. Certa vez ao chegar – acompanhada do
fotógrafo - em um terreiro para etnografar um ritual de desenvolvimento, o carro caiu
num buraco. Ao tentar empurrar para retirá-lo, a roda esguichou lama em cima de mim.
Quando o pai-de-santo me viu naquele estado, julgou que era mau presságio e
deu um banho de descarrego no casal. Após um episódio de assalto, o vodum
Verequete mandou me chamar e aconselhou fazer alguma obrigação para afastar
infortúnios. Como o fato ocorreu às vésperas do dia de Exu, no momento do sacrifício
eu compareci com uma galinha que foi devidamente ofertada a esta divindade.
Submeti-me também ao jogo de búzios para definir meus protetores, mas resisti
à tentação de assentá-los, uma vez que seria difícil escolher um terreiro para
estabelecer vínculo, diante de um universo de pesquisa tão plural. Ganhei de presente
de um religioso uma pedra sagrada da qual cuido com carinho de acordo com as regras
que me foram repassadas e uma guia de Xangô, meu orixá. Sempre que possível a uso
como proteção.
16
Geraldo Ramos foi diretor do Museu da Imagem e do Som (SECULT-Pa), freelance da revista Veja e
principal fotógrafo da revista Ver-o-Pará” de 1980 a 2007. Dedica-se desde o início da sua carreira ao
registro de cultura e religiosidade popular. Possui vasto arquivo que contém manifestações folclóricas de
diversos municípios da Amazônia. Também desenvolveu trabalho em comunidades remanescentes de
quilombo da região do Tocantins, Marajó e Médio Amazonas. É o autor das fotografias do livro “Terra de
Negro 4” (no prelo) financiado pelo Instituto de Artes do Pará.
40
Resumidamente posso afirmar que todas as facilidades me foram garantidas pela
subjetividade da relação de campo. Como a etnografia é acima de tudo uma atitude
intersubjetiva (Geertz, 1989) eu, como etnógrafa também fui submetida a avaliação dos
afro-religiosos e o elemento fundamental nesse processo de aceitação foi a minha
filiação à linhagem acadêmica que inicia com Napoleão Figueiredo e Anaíza
Vergolino.
41
CAPÍTULO 2: VERSÕES SOBRE A MINA
DO PARÁ
Não posso ter a pretensão de afirmar que o presente trabalho é pioneiro no que
tange as religiões de matriz africana no Pará, ou tão pouco ao tipo de culto específico
aqui abordado: a mina. Desde a década de trinta do século XX, pesquisadores de
diversas áreas se debruçam sobre a temática com perspectivas variadas. São folcloristas,
historiadores, músicos e principalmente antropólogos. Pessoas que por vezes
observaram o campo de longe ou, mais frequentemente, percorreram as periferias da
capital paraense, guiados pela sonoridade dos atabaques. Neste sentido o presente
capítulo faz um breve levantamento das monografias que se dedicam a estudar as
religiões afro-paraenses dividindo-as de acordo com a historicidade e com os objetivos
das mesmas.
17
Babassuê : Nome derivado da entidade Bárbara Sueira, correspondente local de Iansã e festejada no dia
de Santa Bárbara
42
A partir da observação, definiu-se o culto afro-paraense como uma fusão de
tradições religiosas nagô e jejes, com a pajelança amazônica que teria resultado no
chamado candomblé de caboclo e outras formas de sincretismo18.
Apesar de todos os problemas, não se pode negar o valor desses dados que
forneceram para os pesquisadores da atualidade pistas importantes de um terreiro que
não possui descendentes. O breve histórico elaborado sobre a vida dos participantes das
gravações deixou como legado, informações sobre pessoas de renome para a história
das religiões afro-paraenses, como mãe Apolônia.
18
A Missão Folclórica ainda registra outras denominações como candomblé e batuque de mina.
43
Cerca de vinte anos após a passagem da Missão de Pesquisa Folclórica por
Belém do Pará, Edson Carneiro e Roger Bastide, pesquisadores africanistas de renome
nacional, sem realizar trabalho de campo efetivo na Amazônia, voltaram seus olhos para
a região.
19
Segundo Edson Carneiro essa zona de influência se subdivide em A1 (faixa litorânea que vai da Bahia
ao Maranhão) caracterizada pelo candomblé (Leste Setentrional), xangô (Nordeste Oriental) e tambor de
mina (Nordeste Ocidental) e A2 que corresponde ao Rio Grande do Sul onde se realiza o batuque e os
parás.
20
Carneiro diz que nas áreas de culto B é forte a incidência da macumba.
21
Segundo Anaíza Vergolino, Seth e Ruth Leacock visitaram pela primeira vez em Belém no ano de
1956. Eles estavam de passagem por Belém, seguiriam para o interior para estudar comunidades
indígenas quando foram levados a uma casa de culto afro-brasileira por Mr. George Colman, cônsul
americano no Pará.
44
do acompanhamento minucioso de diversas casas de culto, que perdurou sete meses -
estendidos durante os anos de 1962 e 1963 e dois meses de retorno no ano de 1965.
Atrevo-me a afirmar que essa pesquisa deixou como legado a comunidade afro-
descendente um possível nome fundador: Mãe Doca. O casal de americanos não só
visitou o terreiro dessa religiosa, como escreveu sobre suas origens, afirmando que a
mesma havia introduzido no Pará, um culto sincrético derivado do yorubá. Partindo de
Mãe Doca e do Culto fundador - a mina nagô - os pesquisadores trouxeram ao leitor
informações sobre as diversas mudanças, a que o campo afro-paraense foi submetido.
Destaca-se como a mais significativa delas, a introdução da umbanda, na década de
trinta, por Maria Aguiar.
22
Até a década de setenta a mina no Pará era conhecida pelo nome de batuque, em diferença a linha de
cura, que não faz uso de instrumentos musicais que não sejam o maracá.
45
toda organização de uma casa-de-santo, seu sistema de crenças, mapearam seus
espaços, indicaram o uso de todos os instrumentos musicais, analisaram as diversas
matizes de possessão, constataram a existência do ritual de cura etc.
Este trabalho, além de magnífico pela densidade etnográfica, prima pelo rigor
metodológico que permite o diálogo com os pesquisadores da atualidade.
23
O casal Leacock (1972) denominou de senhores as entidades de maior status dentro do panteão da
mina. Formam a categoria dos senhores os voduns, orixás e senhores de toalha, comumente definido
como os brancos.
46
livros, dentre os quais cito: “Todas as Divindades se Encontram nas Encantarias de
Belém” (1982); “Os caminhos de Exu” (1972); “Religiões Mediúnicas na Amazônia: O
Batuque” (1975); “Alguns Elementos Novos para o Estudo dos Batuques de Belém”
(1967); este último em co-autoria com a, então aluna, Anaíza Vergolino.
24
No período em que Napoleão Figueiredo estava escrevendo os terreiros precisavam de permissão ou de
alvará para garantir o funcionamento. Esta permissão, até agosto de 1964 era dada pela polícia, após essa
data, com a criação da FEUCABEP, este órgão passou a ceder o alvará de funcionamento substituindo
assim àquela autorização policial.
47
Se nos trabalhos acima descritos, Figueiredo faz uma descrição panorâmica por
sobre os subúrbios batuqueiros da cidade de Belém, meio que como um flaneur, os dois
seguintes tratam de elementos específicos na ritualística afro-brasileira: o culto a Exu e
a fitolatria.
“Os Caminhos de Exu” (1972) é uma etnografia dessa categoria de entidade, não
cultuada pelas matrizes maranhenses. Nela obtêm-se informações acerca das suas
diferentes representações – ferros, metais, pedras, pontos riscados –, dos ritos praticados
em sua homenagem a estas entidades, de suas doutrinas e dos desenhos que lhe são
devotados.
48
massa. Fazendo uma observação êmica, a autora também constatou que os religiosos
referiam-se ao seu universo como “lugar de nhigrinhagem”25.
Além disso, Vergolino, ao perceber que um dos pontos passíveis de fofoca era a
feitura, se propôs a discutir as possíveis trajetórias dos religiosos afro-brasileiros.
Encontrou dois caminhos possíveis: o de um religioso iniciado no candomblé baiano -
portanto inegavelmente feito - e o percurso de um mineiro paraense, que não passou
pela iniciação, não foi filho-de-santo de ninguém e aprendeu tudo com seus guias. Por
fim os classificou a partir do que chamou de competência espiritual e competência
material.
Muitos outros artigos foram escritos por Anaíza Vergolino, dentre os quais
destaco “História Comum, Tempos Diferentes”(1994), “A Semana Santa nos Terreiros”
(1987), “Os Cultos Afros do Pará” (2003) e “Religiões Africanas no Pará: Uma
Tentativa de Reconstrução Histórica” (2003).
25
Nhigrinhagem é um termo êmico usado como sinônimo de fofoca.
26
Antônio Gomes da Cruz participou do grupo de fundadores da FEUCABEP, ajudou a eleger todos os
presidentes até que finalmente, em 1998, galgou o referido cargo.
49
partir, não da mera analogia entre santos e orixás, mas da incorporação dos rituais
pascoais. Considera que “a incorporação vai indicar que a relação entre os dois sistemas
de crença, também se dá no plano do tempo, um plano que é mais interno, mais
conceitual, ou se preferirmos, um plano que é da essência e não da aparência”
(Vergolino, 1987: 59).
Os dois últimos artigos, que serão mais bem abordados no tópico subsequente,
se dedicam a traçar a história dos cultos afro-brasileiros no Pará considerando a
inexistência de rastro de um terreiro de raiz nos documentos históricos, apesar das
muitas evidências da presença escrava no Pará colonial.
50
esconde uma vez que a função do pajé é basicamente a cura. Ele entra em transe para
libertar o indivíduo de um malefício. Citou como características da pajelança: a
individualização, o uso de pena de arara, tauari e maracá. Segundo esse autor, as
religiões de matriz africana trocam o tauari pelo cachimbo (usado pelos pretos velhos)
usam bacia, fogareiro, cuité, além de se desenvolverem em cultos públicos.
27
Denominação dada por Yoshiaki Furuya à migração religiosa dos adeptos da mina para o candomblé
Ketu modelo baiano.
28
Denominação dada por Yoshiaki Furuya ao sincretismo estabelecido entre mina e umbanda, sendo este
último um modelo de culto brasileiro e por si só extremamente sincrético uma vez que mistura elementos
do catolicismo popular, kardecismo etc.
51
religiosos afro-paraenses vêm buscando a fim de se afirmarem diante de um campo
religioso mutante.
Muitos pajés eram figuras frequentes nos periódicos entre os quais pontuo um
certo Jary - preto pernambucano, morador do Marco da Légua, descrito quase como um
macaco – Mestre Zeferino – negro e quilombola – e Satiro, o mesmo cidadão que havia
sido recebido por Oneyda Alvarenga em 1938. A partir desse elemento coincidente,
Aldrin se debruça sobre o Babassuê com a hipótese de que, depois de Mário de
Andrade, o Pará se africanizou.
52
Nessas irmandades os negros reproduziam práticas rituais de coroação de reis
negros. A mais famosa delas era Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Sua festa
merecia notícias nos principais jornais. A igreja, construída pelos próprios escravos,
após a rotina estafante do cotidiano, recebeu verba do governo e capitão general do
Estado, Manoel Bernardo de Melo Castro.
53
Entre os trabalhos que compõem o segundo bloco destaco a dissertação de
mestrado intitulada Uma Rosa a Iemanjá (1999) de autoria de João Simões Cardoso
Filho. Seu objetivo básico foi fazer uma análise antropológica da Associação dos
Amigos de Iemanjá (AAI) - uma das diversas instituições civis existentes em Belém – e
do Festival de Iemanjá – um ritual com ares de espetáculo realizado na Praia Grande,
distrito do Outeiro – em Belém. A AAI foi criada em 1971, lideranças emergentes que
se juntaram à profissionais da área da comunicação para realizar uma homenagem a
rainha do mar.
Por último menciono o meu próprio trabalho. No ano de 1996, eu, como uma
jovem estudante do curso de história, procurei o Departamento de Antropologia, então
coordenado pela Professora Anaíza Vergolino, com intuito de pedir ajuda para iniciar
pesquisa na área das religiões afro-brasileiras. Fui agregada a linha de pesquisa, então
coordenada pela referida professora, me tornando assim sua orientanda.
54
documentos no ensejo de continuar a caminhada em busca das origens da mina no Pará.
Trabalhei basicamente com a memória dos mineiros afro-paraenses. Utilizando técnicas
da história oral, indo a campo e constatando que o discurso dos religiosos africanistas
não é homogêneo.
Dividi estes religiosos em dois grupos que denominei: “intelectuais” e “leigos do
santo”. A partir dos mesmos tracei a história dessa religião. Considero que a
profundidade temporal desta memória remonta apenas ao período da economia
gomífera, sequer referindo a presença africana na Amazônia colonial. Delimito também
as fronteiras do que chamei de “cidade do santo”, ou seja, o universo urbano dos cultos
afro reconstruídos pela memória dos narradores.
55
Na condição de entidade religiosa esta instituição precisou definir uma liturgia e
criar um calendário e para tal lançou mão de uma modalidade religiosa específica, a
referida mina, o que por si só a legitimava.
Nesta breve revisão da bibliografia foi possível ter acesso às diversas alterações
sofridas pelo campo religioso afro-paraense. Percebi, em meio a conversas informais
com diversos religiosos praticantes da mina, umbanda e candomblé um consenso
quanto à religião de matriz africana tida como tradicional no Pará: trata-se da mina.
56
CAPÍTULO 3: UMA MINA DE DIFERENTES
VERTENTES31
No Estado do Maranhão estes negros fundaram duas casas mater: a Casa das
Minas – de tradição jeje – e a Casa de Nagô – com influência da tradição Nagô, em
meados do século XIX. Além destes dois centros de culto, considerados pela
bibliografia específica, como pioneiros. Posso citar, também outros terreiros, de
fundação um pouco mais tardia que tiveram importância fundamental em se tratando
desta matriz religiosa. Refiro-me do Terreiro da Turquia - fundado por mãe Anastácia
- e o Terreiro do Egito - criado por Massinokô-Alapong. Outro grande centro
exportador de tradição é a cidade de Codó, situada no sudoeste do Estado do Maranhão,
cuja ênfase era dada ao culto dos encantados (Vergolino, 2003).
31
Parte deste capítulo, qualificado em 2007, foi cedido para publicação em um artigo entitulado “As
Duas Africanidades Estabelecidas no Pará (2007). O referido artigo foi publicado em parceria com a
Professora Marilu Márcia Campelo. No mesmo me dediquei a falar sobre a história e as características da
mina no Pará e a Professora Marilu dissertou sobre a trajetória do candomblé no Estado.
57
Posso dizer, no entanto, que a história paraense não é tão clara quanto à
maranhense, nem as pedras da memória dos religiosos estão tão bem conservadas. A
única certeza que se tem é que, “nas águas do Pará”, não existe um terreiro de raiz
fundado por africanas.
Se, em São Luís, têm-se notícias das características étnicas das fundadoras,
descrevendo inclusive as suas marcas tribais. Em Belém, até bem pouco tempo atrás, os
religiosos sequer faziam referência às linhagens. Atrevo-me a afirmar que essa tradição
de reconhecimento da origem africana, em se tratando do grupo oriundo da primeira
migração, fez o caminho inverso ao habitual, veio da academia para os terreiros.
Dizer “sou feito por maranhense” era pleitear para si, a legitimidade dada pelo
critério antiguidade. Diziam-se tradicionais por estarem ligados aos “fundadores”, que
eram os migrantes do estado vizinho, mas as respostas se calavam na medida em que
aprofundava meus questionamentos acerca da origem mais específica dessas pessoas.
Era então impossível cruzar as fronteiras de forma mais precisa e definir modelos
esquemáticos do tipo matriz-filial. Todos os terreiros estabelecidos em Belém pareciam
filiais acéfalas de uma tradição confirmadamente maranhense.
32
Após o enfraquecimento da Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado
do Pará por problemas políticos ocorridos no início do século XXI, o Terreiro Dois Irmãos tem sido um
dos grandes centros de referência que sedia acontecimentos de destaque para o campo afro-paraense a
exemplo de eventos que tenham por objetivo estabelecer o diálogo inter-religioso. Como exemplo posso
citar o encontro da comunidade afro local com o representante do Vaticano, Dom Michael Fitgerald,
acontecido no ano de 2006.
58
Bárbara, aberto pela maranhense Josina, oriunda ninguém sabe de que centro litúrgico.
Hoje esta casa-de-santo encontra-se sob a guarda da terceira liderança. Depois da morte
de Mãe Josina, o barracão fechou suas portas por alguns anos durante os quais se
realizavam apenas ladainhas para São Benedito, reverenciando assim o vodum da
fundadora que era Verequete.
Tempos depois, uma das filhas-de-santo de mãe Josina, conhecida como mãe
Amelinha34, retornou a casa e pediu à prima Benedita – irmã de mãe Josina – a
autorização para realização de um toque, em homenagem a Dom José Rei Floriano seu
chefe de crôa. A autorização foi dada de imediato, haja vista que, o próprio Verequete –
vodum dono da casa – teria aparecido à prima Benedita e ordenado que a mesma
permitisse a reabertura do terreiro, caso uma das descendentes de mãe Josina, viesse
requerer a realização de uma festividade. Desde então o referido templo religioso não
mais se fechou.
33
No ano de 2008 o Terreiro Dois Irmãos sofria problemas estruturais, correndo risco de desabamento.
Nesta ocasião, Anaíza Vergolino e eu organizamos uma comitiva a fim de procurar a Secretaria de
Cultura do estado do Pará com a finalidade de interceder junto às autoridades constituídas para solicitar a
reforma desse patrimônio histórico afro-paraense. Fomos atendidos e a reforma no terreiro foi finalizada
no término do ano de 2009 e atualmente encontra-se em processo de tombamento.
34
Carmelina Amâncio Neto.
35
Luíza Ninfa de Oliveira.
36
O Terreiro Dois Irmãos assemelha-se à Casa das Minas uma vez que trata-se de um terreiro sem
filiais. Os filhos-de-santo iniciados na casa permanecem atrelados a ela sem criar ramificações.
59
atabaques, ou filhos-de-santo, ou cuidam da cozinha, etc... Já presenciei também a
preocupação da religiosa em deixar sucessor.
Além desta referência a uma única casa centenária, a maioria dos mineiros
paraenses contou uma história dividida em período (Luca, 1999), sendo assim têm-se:
1 - Período da pajelança: fase que remete aos pajés, referidos como de origem
indígena.
60
ao período da economia gomífera? O que aconteceu com os negros trazidos diretamente
ao Pará em meados do século XVII e XVIII?
E conclui dizendo:
“Isto leva a pensar que a dispersão espacial
da população negra no mundo rural tenha dificultado
as trocas econômicas e simbólicas e,
consequentemente, a tomada de consciência dos
interesses coletivos (...)” (Vergolino, 2003: 38).
Neste trabalho ela mostra que apesar dos poucos dados coletados pela narrativa
oral, foi possível, depois de um processo de garimpagem documental e bibliográfica,
construir duas genealogias. A primeira delas liga Manoel Teu Santo à Benedito Saraiva
– Pai Bené - e a segunda estabelece um elo entre a africana Massinokô-Alapong, do
Terreiro do Egito e Orlando Machado da Silva – Pai Bassu.
61
em Deus ou Terreiro da Turquia37”. (Santos, 1986
e Ferreira, 2000 apud Vergolino, 2003: pp. 18).
Cabe ressaltar que depois do discurso proferido por Vergolino seguiu-se uma
sequência de homenagens feitas a pai Bené, respectivamente, pelos descendentes
37
Grifo meu.
38
O bairro da Pedreira é conhecido pela titulação “bairro do samba e do amor”, vale dizer que em seu
território foi grande a concentração de terreiros.
39
Alguns religiosos afro-paraenses chamam Anaíza Vergolino de “Dotora”.
40
Grifo meu.
62
consanguíneos, pelos seus filhos-de-santo - inclusos na quinta geração a contar de
Manuel Teu Santo - e principalmente por grandes personalidades do universo afro-
paraense. Dentre eles pontuo: Pai Walmir da Luz Fernandes41, Pai Serginho de
Oxossi42, Mãe Lulu43, Pai Augusto44, pai Tayandô45 e mãe Emília46. Além destas
pessoas também fez uso da palavra Nilma Bentes, o CEDENPA47, entidade fundante do
movimento negro no Pará.
Para quem lia o evento nas entrelinhas, simbolicamente estava dito que os
diversos grupos reconheciam a tradição de pai Bené. Ali se faziam presentes tanto
grupos completamente aliados como a FEUCABEP, – do qual Bené era um dos
representantes máximos – quanto, outros grupos como os candomblecistas - que
historicamente travaram com os mineiros, uma disputa surda por legitimidade. Também
estavam na assistência pessoas pertencentes à outra genealogia revelada por Vergolino e
membros da segunda leva de migrantes do Maranhão.
Certamente essa dupla descoberta feita por Anaíza Vergolino veio revolucionar
o campo afro-brasileiro local. Primeiro por instituir um sistema de contagem sucessória
que não era peculiar aos mineiros descendentes da primeira migração, depois por fazer
calar um dos fortes argumentos lançados aos mineiros no eterno jogo por poder
simbólico (Bourdier, 1987) que era a falta de ancestralidade africana e finalmente, por
incluir na lista dos tradicionais aquele que era reconhecido pela comunidade religiosa
local como inovador.
Pai Orlando Bassu certas vezes foi descriminado por seu jeito irreverente, pelas
vestimentas ecléticas que ora refletem um ethos candomblecista - através dos
paramentos de orixás – ora remetem aos centros de umbanda – com seus cabocos que,
por vezes usam penas – ora simplesmente inovam os adereços – somando à vestimenta
do encantado um sombreiro mexicano ou introduzindo o francês crioulo no repertório
41
Candomblecista e então presidente do INTECAB-Seção Pará.
42
Mineiro da segunda migração e radialista da Rádio Clube.
43
Mineira descendente da primeira migração e dona do único terreiro centenário do Pará.
44
Candomblecista iniciado por Astianax Gomes Barreiro, o introdutor do candomblé no Pará.
45
Hoje uma das lideranças religiosas politicamente mais engajadas, na época já descendente de Orlando
Bassu.
46
Mineira que estava representando a FEUCABEP, órgão fundado por Manoel Colaço como burocracia e
terreiro, cujos espaços sagrados eram zelados por Pai Bené.
47
Centro de Defesa do Negro no Pará
63
de Exu. Este religioso passou então, a compor, com pai Bené, a lista daqueles que
conseguiram romper as fronteiras do Atlântico.
Todas essas informações poderiam enveredar os rumos desta tese para uma vasta
discussão sobre a invenção da tradição (Hobsbawn & Ranger, 1984), o que não é meu
objetivo. Também poderia divagar longamente sobre a intersubjetividade do trabalho
científico, ideia devidamente registrada por Clifford Geertz na década de 70 (Geertz,
1989) quando contestava a visão de laboratório etnográfico malinowskiana
(Malinowski, 1978).
Se até aqui segui os rastros deixados pela literatura antropológica acerca da mina
no Pará. É necessário olhar para um outro grupo de mineiros que esteve ausente desta
bibliografia. Chamarei de mineiros da segunda migração ao conjunto de religiosos que
fez o percurso inverso. Os primeiros migrantes vieram do Maranhão, se estabeleceram
no Pará para aqui iniciar seus descendentes. O segundo grupo é formado por um
conjunto de paraenses que saíram de Belém “para beber em águas maranhenses”.
64
O contexto histórico no qual isso ocorreu era bem outro. Tratava-se da década de
setenta e oitenta, a mina dos antigos já estava estabelecida e havia sofrido algumas
modificações, acontecidas por diversos motivos. Se, conforme já foi dito, até bem
pouco tempo atrás, esses religiosos pouco sabiam sobre o terreiro de origem de seus
progenitores rituais, não foi difícil constatar que o contato com o Maranhão se rompera,
embora o discurso legitimador ainda referisse a este Estado.
48
Provavelmente os mineiros de segunda diáspora não procuraram a Casa das Minas nem a Casa de
Nagô porque essas casas há muitos anos não iniciam ninguém.
49
Existem outros religiosos iniciados por pai Euclides como pai Alberto e pai Lauro, mas em outra nação
e não na mina. Em 1976, pai Euclides foi para Recife onde se submeteu a nova feitura na nação nagô-
egbá e jeje-mahi em 1976, no Recife, pelas mãos da mãe Maria das Dores da Silva (Ferreira, 2004).
50
Pai Francelino de Shapanã é um paraense estabelecido em São Paulo. Conta-se que no Pará Pai
Francelino convivia com Crioulo, um mineiro muito famoso.
65
É preciso dizer que, uma vez iniciados, esses religiosos nunca mais perderam o
contato com a casa de origem, estabelecendo um vínculo completamente diferente
daquele acima referido. A maior parte dessas pessoas viaja constantemente para o
Maranhão em momentos litúrgicos importantes como cerimônias fúnebres, sacrifícios
ou grandes festas públicas. O contato se dá também, pela vinda frequente da família-de-
santo maranhense ao Pará, auxiliar em feituras, acompanhar obrigações ou
simplesmente passear.
Primeiramente não existe um xirê comum, e isso vale para mineiros dos dois
grupos. A sequência de doutrinas varia de casa para casa. As variações continuam no
que se refere à ênfase dada a cada entidade cultuada, os instrumentos musicais, os
paramentos dos deuses e principalmente, ao ritual iniciático.
66
Se existe um elemento comum a todas as casas, posso dizer que é a presença das
mesmas categorias de entidades. O panteão cultuado é construído a partir de um
imaginário comum perpassado por um elemento chave que é a mestiçagem.
DIVINDADES:
Voduns
Orixás
ENCANTADOS:
67
figura do negro, na sociedade brasileira. São eles as entidades máximas no que tange a
hierarquia do panteão. Por isso são comumente referidos pela expressão: os brancos,
sugerindo que este elemento tenha sido submetido a um processo de branqueamento.
Essas entidades pertencem à categorias de “senhores”, estabelecida pelo casal Leacock
no livro Spirits of the Deep” (1972)
Por vezes orixás e voduns são descritos como categorias sinônimas, outras vezes
são diferenciadas, embora toda vez que se pergunte quem é um vodum – a exemplo de
Dan – eles sempre explicam a partir da mitologia yorubana – no caso Oxumaré. No
Pará a mitologia jeje é lembrada por poucos. Neste sentido ela se recria a partir do
referencial dos orixás. Estes deuses são organizados em famílias africanas, geralmente
festejadas no dia do santo católico (Ferretti, M, 2000, 2003; Leacock, 1972; Vergolino,
1976).
Os encantados são, por sua vez, personagens não africanos (Ferretti, M, 2000)
que pertencem a diversas nacionalidades, são europeus, turcos, índios, brasileiros, etc.
Sua característica maior é a não morte (Ferretti, M 2000; Vergolino, 2003; Prandi &
Souza, 2001; Shapanan, 2001). A maioria dos encantados é descrita como seres
(pessoas, bichos) que tiveram vida, mas que não passaram pela experiência da morte.
Saíram desse mundo de forma fantástica (Todorov, 2003) e passaram a habitar as
encantarias que se localizam em lugares geográficos específicos, como matas, rios,
praias, formações rochosas etc...
68
out are mistery that human cannot
understand” (Leacock, 1972).
Essa categoria pode ainda ser subdividida em encantados que se aproximam dos
voduns e encantados cabocos. Os primeiros são chamados nobres gentis nagôs ou
senhores de toalha, e correspondem à nobreza europeia de países católicos. Os mais
comuns são os nobres portugueses que, de alguma forma, tiveram relação com o
processo de expansão marítima e colonização do Brasil. Geralmente são apenas
equiparados aos voduns e orixás, por vezes até classificados desta forma ou
incorporados às famílias. Todos os nobres gentis nagôs são descritos como brancos51 e
formam, junto com os voduns e orixás o patamar mais alto da hierarquia mineira.
Organizados em famílias52, eles tematizam, cada um ao seu modo, valores como o
cristianismo, lusitanismo, absolutismo, poder centralizado, etc...
51
Heraldo Maués (1995) ao analisar a presença de Rei Sebastião na pajelança o caracteriza como um rei
(categoria social) e branco (categoria racial). Madian Pereira (2008), por sua vez, alude à ambigüidade
racial de Rei Sebastião ao retomar as narrativas de duas informantes. Dona Neusa o descreve como um
homem branco “bem alto, barbudão, de cabelo crescido (...) preto”. Telma diz que ele se apresentou em
sonho com “penhacho, caquete de pena e sainha” (Pereira, 2008:167). Esta ambiguidade da imagem de
Rei Sebastião não existe na mina paraense onde ele se apresenta invariavelmente como branco.
52
Seth e Ruth Leacok (1972) informam a existência de certos encantados que “vivem sozinhos sem
parentes” (tradução nossa). Eles denominaram essas entidades de “solitary spirits”.
53
Há quem descreva os turcos como brancos, no entanto são os brancos não católicos.
69
2003; Prandi & Souza, 2001) que possuem status bem inferior do que os encantados
descritos acima54.
70
deixar esse status e se agregar aos cabocos - a exemplo de seu Zé Raimundo – todavia
parece ser impossível um caboco em ascender à categoria de nobre55.
Outro elemento que merece destaque é que, além de mestiços, esses nobres são
descritos como não cristãos ou cristãos convertidos. A título de exemplo cito os turcos,
por alguns definidos como mulçumanos e por outros como neocristãos. O próprio João
da Mata, chefe da família de bandeira me foi descrito, em uma das narrativas – muito
contestada e polêmica – como cristão novo.
71
zoomórficos muito peludos. O fato é que todos concordam com os hábitos selvagens
que os surrupiras têm, de se embrenhar no meio do mato, se abraçar com as árvores de
tucumã, ou até dormir em cama de espinhos58.
58
O casal Leacock reitera que os encantados são diferentes dos santos, uma vez que, dentre outras coisas
estão mais próximo ao homem e moram no fundo enquanto os santos moram no alto – céu.
59
Vale ressaltar que este campo religioso afro-paraense possui essa outra matriz religiosa: a umbanda.
Seu culto, também foi importado do Rio de Janeiro na década de 30, por Mãe Maria Aguiar (também
mineira). A umbanda é uma religião de muitas matizes, uma vez que ora se aproxima do modelo carioca
– embora os religiosos não realizem viagens em busca de “atualização” da tradição, nem possuam tal
discurso – ora se aproxima da linha de cura – também conhecida como linha de pena e maracá - ora se
fundamenta no espiritismo kardecista – com as famosas sessões de mesa branca - ou se espelham nos
rituais de mina, o que é bem mais frequente.
60
Alguns terreiros realizam essas sessões na primeira segunda-feira do mês. Em outros elas ocorrem
todas as segundas-feira.
61
Certa vez questionei a um de meus informantes porque a família de bandeira era tão inclusiva e o
religiosos me respondeu que os bandeirantes, no processo de Entradas e Bandeiras iam congregando
quem encontravam pela frente, como os índios, por exemplo.
72
Se, em linhas gerais, existe, entre os mineiros de Belém, um imaginário comum
entre que condensa as mesmas categorias de encantados e divindades, as semelhanças
param por ai. A forma como os religiosos as descrevem, classificam sua hierarquia e as
distribuem dentro das famílias varia. Varia também a ênfase dada a cada uma delas
durante o culto.
Existem casas que em seus toques, enfatizam mais os voduns, aquelas que
cantam para vodum e orixás com acento neste último, as que cantam em língua africana,
completamente para orixá. Nos terreiros oriundos da segunda migração é dada maior
importância à figura do vodum. Vale ressaltar que o caboco se faz presente em todas as
casas independente da migração.
A metáfora usada por pai Brasil para me fazer entender essa organização é a do
quartel, o que demonstra a extrema hierarquização do panteão. Neste sentido afirma que
o vodum corresponde ao general, os nobres seriam os coronéis e “assim sucessivamente
até chegar no soldado” .
73
Quadro 3: Hierarquia do Panteão de Acordo com os Descendentes dos Mineiros de
Primeira Migração.
ALTO
Senhores (Brancos)
Orixás +Voduns+Senhores de Toalha62
Cabocos
Turcos + Bandeirantes + Codoenses
+Juremeiros+Surrupiras
Exus
BAIXO
62
Apenas a nomenclatura senhores de toalha é utilizada pelos descendentes dos mineiros de primeira
migração e nobres gentis nagôs, pelos mineiros de segunda migração, embora ambas se refiram às
mesmas entidades.
74
Quadro 4: Hierarquia do Panteão de Acordo com os Mineiros de Segunda
Migração.
ALTO
Senhores
Voduns e Orixás
Gentilheiros63:
Nobres Turcos e Bandeirantes
Cabocos
Turcos + Bandeirantes
Juremeiros
Codoenses + Surrupiras
Exus
BAIXO
63
Nomenclatura retirada do livro Desceu na Guma da professora Mundicarmo Ferretti.
75
Quanto aos instrumentos musicais, entre os membros do primeiro grupo existem
casas que possuem três tambores verticais sustentados por cavaletes (rum, rumpi, e lê)
acompanhados pelo agogô, cheque e cabaça. Existem os que, além dos três tambores
possuem batás (tambores horizontais de duas bocas), tocados raramente. Há ainda
aqueles que tocam também os batás, os que usam a sineta na mão do religioso para
introduzir a doutrina e aqueles que a substituíram pelo adjá.
76
paterna para abrir seus próprios templos. Sabe-se, no entanto, que esse número varia e
muito de casa para casa.
Outra possibilidade arriscada foi partir para o cadastro das principais associações
de religiosos de matriz africana. Destas destaco três: a Federação Espírita e Umbandista
dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP), o Instituto Nacional da
Tradição e Cultura Afro-Brasileira (INTECAB) e a União Religiosa dos Cultos
Umbandistas e Afro-Brasileiros do Estado do Pará (URCABEP).
64
Encontrei este termo nas atas das reuniões do Superior Conselho do Ritual da FEUCABEP.
77
A terceira, bem mais recente, surgiu no ano de 2003, fundada pelo Coronel Itacy
Domingues65, outrora presidente vitalício da Associação dos Amigos de Iemanjá,
instituição estudada por Cardoso (1999), criada com a única finalidade de realizar um
festival em homenagem a Iemanjá que, todos os anos, acontece no distrito de Outeiro,
município de Belém.
65
Coronel Itacy Domingues não é uma liderança religiosa e sim um coronel da Polícia Militar que se
auto-define como umbandista e tornou-se responsável pelo Festival de Iemanjá.
66
Desses 178 sócios da FEUCABEP, apenas 57 estão em dias com as suas mensalidades.
78
Mediante a todos os dados constato que é impossível saber ao certo a quantidade
de terreiros de mina, abertos em Belém do Pará. Afirmo apenas que este número é
superior ao de candomblecistas e umbandistas.
79
Com o crescimento da capital paraense alguns, permaneceram no mesmo
espaço, hoje completamente inseridos à metrópole, na categoria de bairros populares. É
possível perceber também uma expansão da/na área metropolitana de Belém. Muitos se
mudaram para os municípios adjacentes como Ananindeua, Marituba, Benfica, etc...
Territórios de ocupação mais recente, onde existem terrenos com grandes quintais o que
possibilita cercar-se pela natureza cultivando plantas sagradas haja vista que uma
religião de integração (Piazza, 1977) não sobreviveria em meio à aridez da ilha de
asfalto.
80
CAPÍTULO 4: A NOBREZA PORTUGUESA
MONTOU CORTE NA ENCANTARIA
Não há como negar que a mina é uma religião de panteão plural, formado por
entidades das mais diversas origens e cores que se organizam respeitando uma
hierarquia semelhante aquela que caracteriza a sociedade brasileira. Isso sugeriria, uma
tese que analisasse o panteão à luz das teorias sobre a mestiçagem (branquitude,
branqueamento, mestiçagem, negritude) já que brancos, negros e índios demarcam
espaços, constroem hierarquia, se misturam neste imaginário religioso.
Todavia, esta pesquisa de fôlego não será possível nos limites desta tese. Desta
aquarela de cores distinguirei uma categoria de encantados para realizar a análise. Meu
interesse é avaliar o ser branco no tambor de mina. Neste sentido trabalharei com o
grupo que é formado especificamente pelos nobres gentis nagôs ou senhores de
Toalha67, talvez os personagens mais intrigantes do panteão.
Entre eles destacam-se os reis (nobres) portugueses Dom Manuel, Rei Sebastião,
Dom José, Marquês de Pombal, Dom João e outros. Donos do poder que cruzaram os
limites da vida e passaram a ser adorados. Perceber todas essas peculiaridades me
encheu de questionamentos e me fez refletir.
67
Essas entidades recebem esse nome de senhores de toalha, pois, uma vez em guma elas usam toalha de
Richelieu bordada como sinal de status.
81
fundamental para a construção do mito? O que reis portugueses estão fazendo numa
religião negra?
Não acho que essas suposições sejam oportunas para a análise dos brancos
mineiros, mas também não posso responder todas as inquietações acima expostas.
Apenas tenho hipóteses. A principal delas é que a prática, de adorar líderes, já era
realizada na África tendo havido um rearranjo. Orixás yorubanos foram, em vida, reis.
Um exemplo é Xangô que foi um dos reis de Oyó (Verger, 2000).
Sendo assim suponho que uma vez separados do sistema político de origem,
afastados no tempo e no espaço de seus próprios personagens reais, os negros fizeram
rearranjos e instituíram símbolos europeus em suas práticas milenares.
Outra hipótese, que de certa forma ratifica a anterior, considera o culto aos reis -
principalmente àqueles que participam direta ou indiretamente do processo colonial
82
brasileiro - como uma forma de prestar reverência à ancestralidade, prática comum a
todas as religiões de matriz africana. Todavia, o ancestral divinizado aqui não é
propriamente o familiar, mas o representante da nação.
Dinastia de Borgonha
Dinastia de Avis69
68
Quadro cedido pelo Profº Flávio Nassar.
69
Destaquei em azul todas as dinastias referidas pelo imaginário.
83
1433 a 1338 05 Dom Duarte I O Eloqüente
1438 a 1481 43 Dom Afonso V O Africano
1481 a 1495 14 Dom João II O Príncipe
Perfeito
1495 a 1521 26 Dom Manuel I70 O Venturoso
1521 a 1557 36 Dom João III O Piedoso
1557 a 1578 21 Dom Sebastião I O Encoberto
1578 a 1580 02 Dom Henrique I O Castro
Dinastia Filipina
Dinastia Bragantina
70
Destaquei através da cor vermelha os reis lembrados na construção do mito.
84
1834 a 1854 20 Dona Maria II A Educadora
1854 a 1861 07 Dom Pedro V O Bem Amado
1861 a 1889 28 Dom Luiz I O Popular
1889 a 1908 19 Dom Carlos I O caçador
1908 a 1910 02 Dom Manuel II O Destronado
71
Já tive referência de D. Sebastião como “O Desejado”.
85
Segundo seus estudos, desde a antiguidade clássica, os soberanos eram
considerados como detentores de propriedades sobrenaturais e atribuições religiosas. Na
maioria das vezes, tratava-se de magos ou sacerdotes que teriam ascendido ao poder.
Frazer (1982), afirmava ser uma característica dos povos selvagens e bárbaros, conceber
o deus-homem Mágico uma vez que a distinção entre divindade e ser humano, neste
caso, era imprecisa.
Em sua maioria, os reis são personagens que dispõe de grau elevado de poder.
Todo o ser deste indivíduo está em tamanha harmonia com a natureza que um toque de
sua mão pode provocar vibração (Frazer, 1982: 47). A principal incumbência do deus –
homem é o controle da natureza e o bem estar de seus súditos.
Essa experiência pôde, segundo o autor, ser averiguada nos cinco continentes e
em várias culturas. Na África, por exemplo, entre o povo bantu wanbugwes, os
feiticeiros ganharam status de chefe por possuírem a capacidade de fazer chover. No
Egito antigo os reis sagrados eram responsáveis pela colheita. No Pacífico – Ilha de
Coral Nue – os sumos sacerdotes tinham a responsabilidade de promover a abundância
de alimentos (Frazer, 1982).
86
Segundo o autor, no reino do Congo, por exemplo, existia um sumo pontífice
denominado de chintomé considerado o deus da terra. Todos os primeiros frutos da
colheita eram oferecidos a ele. (Frazer, 1982).
Em algumas culturas africanas o rei divindade não podia passar pela experiência
natural da morte. Entre os Dinka do vale do Nilo, se uma fazedor de chuva – chefe
divinizado – morresse, a comunidade padeceria de fome, os rebanhos ficariam inférteis,
as pestes se multiplicariam. Em função disso, o próprio sacerdote, ao sentir-se
debilitado pediria ao filho para morrer. Antes da cerimônia fúnebre, o rei posto
reproduziria toda a história da comunidade para os mais novos. (Frazer, 1982)
Marc Bloch (1993), membro da primeira geração dos Analles - escola francesa
que revolucionou a historiografia mundial - escreveu o célebre “Os Reis Taumaturgos”
(Bloch, 1993). Este intelectual tinha por proposta ler a história política da França e da
Inglaterra a partir de uma nova perspectiva que envolvia a religião, a magia, o poder
simbólico – elementos que compunham a esfera de pesquisa própria da ciência
antropológica.
87
escrófulas - adenite tuberculosa, inflamações dos gânglios linfáticos provocadas pelo
bacilo da tuberculose.
88
especialidade. Na Dinamarca, por exemplo, acreditava-se que o toque real promovia a
fertilidade.
O milagre régio era, antes de tudo, uma consequência do status político supremo
que essa figura exercia. Esse poder os aproxima do sagrado, que tudo pode e tudo vê,
significando inclusive possibilidade de influir sobre o curso natural das coisas, de
manipular a natureza. “Os reis da Europa puderam se tornar médicos porque já eram,
há muito tempo personagens sagrados” (Bloch, 1993:70).
E por falar em nação, a sacralização real tinha uma forte conotação nacionalista
uma vez que os habitantes dos domínios franceses – por exemplo – procuravam o seu
soberano em busca de alívio aos seus sofrimentos.
89
nome de Deus. Por vezes proferia palavras que serviam de fórmula no processo.
Geralmente dizia-se “O rei te toca, Deus te cura” (Bloch, 1993: 93).
A literatura médica chega por vezes, a referir a essa atitude profilática, de forma
que no Tratado de Medicina (Compeêndium Medicinae) de Gilbertus Anglicus, datado
da primeira metade do século XIII, refere-se à escrófula como “escrófulas, também
chamados de mal régio porque os reis curam-na” (Anglicus apud Bloch, 1983). Por
vezes os próprios médicos estabeleciam uma espécie de parceria com o rei,
encaminhando para ele todos os casos de escrófulas cujo tratamento medicinal havia
falhado. Outras vezes eles submetiam à tratamentos naturais apenas os casos que não
haviam tido sucesso com o rei. Pode-se ler na “Práxis Médica” de Jhon of Gaddesden
que “Se os remédios são ineficazes o doente deve ir ao rei e fazer-se tocar e benzer por
este (...). Se tudo mais mostra-se insuficiente ele deve confiar-se a um
cirurgião”(Bloch, 1993:109).
90
Neste sentido, considerando que, no período histórico referido, o Brasil era
apenas colônia de Portugal, a mitologia fala de nacionalismo lusitano. Não há referência
nenhuma ao processo de independência do Brasil. Um de meus mais importantes
informantes, Pai Alfredo, sugeriu o encantamento de Dom Pedro e o descreveu como
um encantado sem status, comum na linha de cura, onde baixa, despido de nobreza.
Mais nobres ou menos nobres, todos esses reis são sacralizados, detêm
propriedades sobrenaturais, capazes de manipular a ordem natural das coisas mediante
um sistema de dádiva (Mauss, 1974), estabelecido através da doação de oferendas,
sacrifícios, etc. São tão taumaturgos quanto os reis acima referidos. Por vezes há
indícios de predestinação nas narrativas conforme pode-se ver mais abaixo.
Nos limites deste capítulo pretendo fazer uma viagem ao Imaginário da mina
através das narrativas dos religiosos paraenses no intuito de saber quem são os
brancos73 dessa religião pluriétnica que é a mina.
Não posso dizer que esta é uma proposta inédita, pois trabalho parecido já foi
realizado pela historiadora Marlyse Meyer (Meyer, 1992) que perseguiu o rastro de uma
73
Refiro-me a branco para expressar categoria nativa e a branco enquanto categoria analítica.
91
nobre espanhola chamada Maria Padilla que virou Pomba Gira nos cultos de umbanda
Brasileiros.
Maria Padilha, no entanto, não foi o único personagem que teve o privilégio de
se eternizar por meio do mito. A bibliografia especializada no estudo da mina no Pará e
Maranhão tem apontados inúmeros outros, que já foram mencionados acima. Estes
trabalhos abordaram os nobres de várias formas, quais sejam:
92
respeito. Não foi fácil encontrar quem pudesse comentar sobre essas entidades haja
vista que poucas pessoas ainda as recebiam74.
74
Os nobres só baixam muito raramente. Alguns vêm uma vez por ano, outros de três e três anos ou até
mesmo de sete em sete anos.
75
Cabe lembrar que esses personagens fazem parte da mitologia maranhense e de lá foram trazidos para o
estado do Pará. Refiro-me à mina praticada no Pará uma vez que as narrativas foram todas coletadas neste
estado e aqui reelaboradas.
93
4.1. Dom Manuel: o Rei do Mundo.
Caso nenhum outro dado tivesse sido fornecido acerca desta entidade, a
correlação entre Dom Manuel, Oxalá e Lissá já falava por si. Divindades do panteão
yorubá e jeje que correspondem ao deus supremo ligado da criação. Pierre Verger em
seu livro “Nota sobre o Culto aos Orixás e aos Voduns” (2000), informa que existem
quatro entidades com a mesma função e explica que “é difícil estabelecer uma distinção
entre Obatalá, Osala, Osalufon, Osagiyan e Osa Popo”. No Brasil, permaneceram sob
a característica fum fum, ou seja albinas.
94
África vários nomes conforme o lugar em que é
cultuado: Obatalá (em toda a Nigéria), Orixá
Ogunhã (em Ejigbo), OrixáaKô (em Okô), etc.
Orixalá (o grande orixá) é um de seus títulos. É o
rei dos orixás e dos homens; o mais querido e
respeitado dos deuses afro-brasileiros.(Cacciatore,
1988: 200 -201).
Sobre Lissá ela completa ser “a parte masculina do ser supremo, no Daomei,
(atual Benim)”. Na verdade o casal responsável pela criação para, os fon é Mawu e
Lissá. Verger (2000) ainda faz outra referência, diz que Mawu, é considerado um deus
monoteísta em toda área do baixo e médio Daomé e na região do Togo.
Um dos mitos de Oxalá diz que no início dos tempos, o universo era um todo
pantanoso. De bom só existia o céu onde morava Olorum e todos os orixás. Olorum
confiou a Orixalá a tarefa de criar a terra firme e para isso deu-lhe uma concha marinha
com terra. Orixalá então desceu ao pântano e nele depositou a terra da concha. Para
facilitar o seu serviço colocou uma pomba77 e uma galinha para ciscar e assim espalhar
a terra por toda a parte. Mas afinal o que tudo isso tem haver com Dom Manuel?
Para entender essa correlação primeiramente é preciso saber quem foi em vida
esse personagem. A história portuguesa afirma que este rei, da dinastia de Avis,
assumiu o trono em 1495. O Duque de Beja, como era conhecido, vinha a ser filho do
infante Dom Fernando, irmão de D. João III. Seu reinado teve fundamental importância
para história uma vez que alargou as fronteiras do mundo conhecido chegando até o
Brasil, salvaguardadas todas as críticas advindas com os quinhentos anos de seu
aniversário.
A referência a Dom Manuel como rei de Roma, embora, a primeira vista, tenha
perturbado minhas hipóteses, faz sentido. Talvez essa analogia seja uma forma
77
Interessante mencionar que uma das oferendas desta entidade é um pombo todo branco.
95
metafórica de falar sobre o apreço exacerbado ao catolicismo, que acompanhou suas
conquistas imperialistas.
Na luta contra os infiéis ele decretou o exílio dos judeus que, caso não saíssem
de Portugal em quatro meses, perderiam seus bens e seriam condenados a morte.
Posteriormente, percebendo o prejuízo que isso representaria para Coroa Portuguesa,
concedeu a permanência dos mesmos desde que se convertessem ao cristianismo.
Ordenou o batismo obrigatório e extinguiu sinagogas. Ainda assim pôde-se registrar
perseguição aos chamados cristão-novos através de motins e do envio dos mesmos para
o recém descoberto Brasil (Saraiva, 2001).
Outra referência à ligação deste soberano com Roma antecede a sua subida ao
trono português. Dom João II, seu antecessor, tentando evitar que a sucessão recaísse
sobre seu sobrinho, solicitou a Roma a legitimação de um filho bastardo. Tentativa
frustrada pela negação papal, a historiografia registra que Dom Manuel, numa
demonstração de reverência ao papa deu-lhe de presente um elefante albino e um
leopardo trazidos de seus impérios (Saraiva, 2001).
96
A legislação passou por diversas reformas legislativas que fundamentaram as
atribuições do Estado. As Ordenações Manuelinas foram responsáveis pelo
desaparecimento do direito foral e pelo estreitamento da atuação municipal (Saraiva,
2001).
Não há como negar que o feito mais importante do reinado de Dom Manuel foi a
“descoberta” do Brasil. Pedro Álvares Cabral partiu do Tejo em 8 de março de 1500,
com uma frota de 13 navios e 200 homens. O destino era, pelo menos oficialmente,
encontrar um novo caminho marítimo para as Índias haja vista que as rotas
mediterrâneas estavam dominadas pelos mulçumanos do norte da África.
78
Há anos os Portugueses tinham acesso à China por intermédio da “Estrada da Seda” que atravessava a
Ásia central e chegava aos portos orientais até o Mar Negro ou Constantinopla. Dom Manuel queria
estabelecer uma rota marítima que substituísse a terrestre. Para tal tentou negociar a fundação de um
estabelecimento comercial Português em Málaca que serviria de entreposto entre os portos chineses.
Todavia os governantes locais não se mostraram interessados na negociação. Em função disso, em 1511,
os portugueses conquistaram a cidade, estabelecendo ali o comando de expansão para o extremo oriente.
Apesar de todas as tentativas de chegar à China, isso só foi possível em 1557, quando portugueses se
estabeleceram numa ilhota ligada a este país, por um ístmo: a península de Macau. Portugal transformou
esta comunidade de pescadores numa cidade comercial que até 1645 foi o único entreposto chinês para o
comércio exterior (Saraiva, 2001).
79
Cidade conquistada por Afonso de Albuquerque em 1510 e serviu de base para a expansão do
catolicismo na Ásia.
97
pela exploração da madeira que aparentemente representava a sua maior riqueza e por
isso acabou por lhe dar nome: o pau-brasil.
Existe uma doutrina que comumente se canta nos terreiros em louvação a Dom
Manuel cuja letra é a seguinte:
“Andei, andei
Eu passeei pelo fundo
Senhores me dêem notícias80
De Dom Manuel Rei do Mundo”
Ela nos dá pistas de que, também nas religiões de matriz africana Dom Manuel é
considerado o rei do mundo. Aquele que conseguiu dominar o globo, ampliar suas
fronteiras, levar a bandeira portuguesa para os quatro continentes, de forma que um
pedaço de terra encurralado entre o Mediterrâneo e a Espanha, tenha ganhado
proporções mundiais.
“Dom Manuel
Levante a sua bandeira
Dom Manuel
Levante a sua bandeira
Da outra banda de cá
Da outra banda de lá
Da outra banda de cá
Da outra banda de lá”
80
Durante o trabalho de campo também pude coletar a seguinte versão da referida doutrina:
“Andei, andei
Eu passeei pelo fundo
Senhores me dêem as novas
De Dom Manuel Rei do Mundo”
98
portugueses chegaram a comparar Goa à Roma, considerando que esta cidade serviu de
polo de expansão católica para a Ásia. A ligação com Roma novamente é mencionada.
Outras apenas falam da posição hierárquica assumida por esta entidade que
chega a se confundir com um vodum.
Inquietei-me com uma letra que aparentemente parece não ter lógica nenhuma a
não ser quando associada ao fato de Dom Manuel esperar encontrar ouro no Brasil, da
mesma forma que os espanhóis o haviam feito nas colônias da América Central.
“Dom Manuel
Pisa no ouro,
Pisa no ouro
Pra Dom Manuel81.”
81
Anaíza Vergolino no encarte do CD “Ponto de Santo” (2003) refere-se a esta doutrina como sendo
entoada especificamente quando ele se encontra na influência de outro vodum que é senhora Nave.
99
Quando os tambores entoam esse ponto, as pessoas dançam mais lentamente e
fazem um movimento com o pé como se estivessem pisando em algo, talvez no mundo
que estava sob os pés de Dom Manuel.
A comida que seu filho Tayandô diz servir a esta entidade é ovo nevado que, de
acordo com o informante, teria surgido dentro dos conventos, das gemas que sobravam
quando as freiras iam fazer a hóstia. Na festa em sua homenagem, Dom Manuel
apresenta-se todo vestido de branco, apoiado em uma bengala que, para mina do
Maranhão configura status. Sai do quarto sagrado acompanhado por um filho-de-santo
de status elevado que carrega na mão um enorme guarda-sol branco, símbolo de realeza
usado por grupos folclóricos de origem negra – como por exemplo o Maracatu. Percorre
o salão de ritual por três vezes segurando na mão um cajado que o faz semelhante a
figura bíblica do pastor de ovelhas.
82
É importante deixar claro que essa inclusão de elementos portugueses nos assentamentos dos nobres
não é um ponto de consenso, a maioria dos religiosos serve para essas entidades as oferendas dos orixás e
voduns correspondentes. Alguns informantes dizem que nobres gentis, não possuem assentamento porque
não são divindades.
100
Ao lado do referido trono havia uma pequena banqueta, também coberta por
tecidos finos e sobre a mesma via-se um bule e uma xícara de porcelana branca
contendo chá de maçã que segundo os membros do terreiro serve para destacar sua
nobreza.
Não ouvi narrativa que confirme o transe estático de Dom Manuel em forma
zoomórfica. Os nobres ou senhores de toalha dificilmente tomam cerveja ou falam
ascreologia como alguns cabocos, também não são personagens brincalhões.
Geralmente apresentam-se com o semblante sério, o corpo curvo e os passos muito
lentos.
Falar sobre a história de Rei Sebastião é sem dúvida, uma atividade trabalhosa
devido à vasta bibliografia que se debruça sobre a vida desse rei cristão. Desde a sua
morte - no século XVI - até a atualidade, textos oriundos da academia ou do cancioneiro
popular cruzaram fatos históricos com o imaginário fantástico em versões que ora se
aproximam, ora se distanciam do real (Hermann, 2003). Por vezes davam a rei
Sebastião ares de herói ou o descreviam como um personagem fraco e doente, motivo
pelo qual não teria despertado interesse de casamento. Há também aqueles que o
classificam como um louco, desequilibrado, estourado.
101
povo português, temeroso em perder sua soberania para Castela, após a morte de Dom
João. Sob sua responsabilidade foi depositada a tarefa de retomar o ímpeto desbravador
desta nação ibérica. Alguns se referiam a ele como “O Encoberto” numa alusão ao
episódio de Alcácer Quibir.
Por ser a esperança do reino português de garantir a nacionalidade, foi feito rei
com 3 anos e sua regência disputada entre sua avó, Dona Catarina e seu tio avô o
Cardeal Henrique, ligado a Companhia de Jesus. Acabou ficando com Dona Catarina,
uma vez que a mesma forjara um testamento, supostamente deixado por Dom João,
concedendo-lhe a tutela do neto.
Em função disso, Dom Catarina da Áustria, que era tia de Felipe II da Espanha,
permaneceu na regência de 1557 a 1562 mas é preciso que se diga, de acordo com
informações apresentadas também por Hermann (2003), que a influência de Dona
Catarina sobre o rei menino foi vista com desconfiança por grande parte da corte
portuguesa que a considerava uma legítima representante dos interesses castelhanos
junto ao trono português. Hermann (2003) aponta uma forte divisão da nobreza entre
aqueles que apoiavam Dona Catarina e os que preferiam que a regência tivesse ficado a
cargo do cardeal Dom Henrique, que disputou com a tutora a influência sobre a
educação de Dom Sebastião, bem como a escolha de seus aios.
Como foi dito, mediante a influência Dom Henrique, o rei foi educado por
jesuítas. Além da influência cristã, Dom Sebastião recebeu forte treinamento militar.
Aos 14 anos foi declarado maior e assumiu definitivamente o trono português. Fez-se
um rei de características bélicas. Retomou as expedições para o norte da África que
haviam sido abandonadas pelo seu pai e antecessor. Dividia o seu tempo entre a caça, o
exercício religioso e a leitura, principalmente referente à história portuguesa.
Há autores que descreveram o rei como uma criança doente83. Aos onze anos
contraíra uma doença crônica que nenhum médico do reino português conseguiu
identificar, mas que logo fora atribuída as condições de frio intenso a que era submetido
durante os treinamentos de caça e militares, recheados com violentas atividades
esportivas para fins de guerra. Os sintomas eram: purgação, febres e eventuais
83
Ver levantamento bibliográfico realizado por Jacqueline Hermann (2003).
102
desmaios. Doença que foi apontada por vários historiadores como responsável pelo
fracasso das diversas tentativas de negociação de matrimônio.
Outro motivo suscitado em explicação para esse fato seria a moral ilibada
introjetada pelos jesuítas no jovem rei que o fazia exaltar o ideal de castidade ascética.
Consta que ele fugia do amor por achá-lo um sentimento afeminado, mas por insistência
da corte, tentou por duas vezes estabelecer contrato de casamento. Negociou com
Margarida de Valois, irmã de Carlos IX, entretanto a Espanha opôs-se e lhe ofereceu
por cônjugue, Isabel I. Todavia, como acontecera uma mudança política, os reis da
Espanha desfizeram o contrato dando-a em matrimônio para Carlos IX.
A segunda vez aconteceu quando Rei Sebastião almejava conquistar apoio para
dar início à última cruzada. Voltou a procurar Carlos IX propondo que se ele o apoiasse
a luta contra os turcos, aceitaria Margarida de Valois como esposa e abriria mão do
dote. Sua proposta foi recusada pois Margarida já era noiva de Henrique de Navarra.
Tudo indica que era um rei de hábitos estranhos. Durante as viagens que fazia
pelas províncias mandava abrir o túmulo de seus antepassados e extasiava-se diante
daqueles que haviam sido guerreiros. Decidiu organizar a última cruzada quando soube
da vitória de Dom João da Áustria na Batalha de Lepanto, o que lhe causou muito
reconhecimento entre os reinos cristãos. Pretendeu lutar na Índia. Propôs ajuda a Carlos
IX na sangrenta luta contra os huguenotes que resultou no massacre de São
Bartolomeu84. Pensou em organizar uma expedição para o oriente, mas foi dissuadido
em virtude de uma tempestade que caíra sobre o Tejo. Finalmente partiu para África às
escondidas em agosto de 1574. Lá chegou a desaparecer o que deixou o reino em
pânico. As pessoas mais autorizadas lhe enviaram súplicas para que retornasse o que
aconteceu. Dom Sebastião voltou, pois não encontrou ocasião de batalha nem em Ceuta,
nem em Tanger.
84
Algumas matrizes afro-religiosas do Pará festejam Exu no dia do Massacre de São Bartolomeu (24 de
agosto).
103
O Bispo de Algarve fez o rei esperar o melhor momento para o empreendimento:
um possível conflito político no Marrocos. Dom Sebastião reuniu um numeroso e
problemático exército. Recrutou 9.000 soldados mercenários - que não possuíam
comprometimento com a nação - e um vasto corpo de nobres voluntários
indisciplinados. Com a finalidade de arrumar dinheiro para a expedição, massacrou o
povo com impostos. Levantou grandes somas de dinheiro no exterior, providenciou a
espada de Dom Afonso Henrique e uma coroa de ouro a ser colocada na cabeça quando
se declarasse imperador do Marrocos e partiu a 25 de junho com uma armada de 800
velas e um exército de 18,000 homens.
Como não deixara descendentes, sua morte deu início a um período difícil para
seu país, um verdadeiro rito de passagem, por isso permaneceu tão marcado na memória
coletiva deste povo. Sem rei, Portugal passou a ser governado pela Espanha, dando
início a um período que a historiografia denominou União Ibérica.
O maravilhoso prevaleceu ao longo das narrativas, uma vez que os fatos feriam,
humilhavam o brio da nação. Questionava-se a vitória dos marroquinos, afirmava-se
que ela era efêmera, pois o rei ainda estava vivo e apareceria para tirar seu povo do
julgo espanhol e exterminar os infiéis (Todorov, 2003).
104
Pessoas começaram a ter visões envolvendo Alcácer Quibir, visões estas que ora
anunciavam a tragédia, ora tornavam a história mais tolerável. Santa Tereza D’ Ávila,
conhecida pelos inúmeros êxtases religiosos, teria recebido de seu esposo Jesus Cristo a
revelação sobre o destino dos combatentes.
105
conduzido a morte pela fé e o segundo era culpado pela falta de herdeiros e consequente
perda de autonomia.
85
Data da batalha de Alcácer Quibir e da consequente morte de rei Sebastião.
106
Em alguns momentos históricos a crenças messiânicas se fortaleciam. Como
exemplo pode-se citar: a União Ibérica e a invasão francesa pelas tropas de Napoleão
Bonaparte. O povo associou Bonaparte à besta do apocalipse a que rei Sebastião viria
destruir.
86
Os judeus procuravam Bandarra com frequência para saber o significado de suas trovas, que
frequentemente faziam referências às escrituras sagradas desse povo.
107
esquerda, o braço esquerdo mais curvo que o direito, sem contar o sinal secreto que só
seria revelado no devido momento” (pp. 243).
Mas a meu ver o texto profético mais importante e que melhor anuncia o
processo de transformação desse personagem em entidade é aquele que afirma que rei
Sebastião vive retirado numa ilha encoberta que não figura em nenhum mapa,
impossível de se localização. Lá ele viveria de maneira humilde, usando roupas
maltrapilhas. Segundo relatos o rei sempre saía dessa encantaria para salvar os navios
portugueses de naufrágios (Valensi, 1992)..
Valensi (1992) resgata inscrições do século XVIII que localizam esse lugar às
proximidades da Ilha da Madeira, só visível em certas condições atmosféricas.
Membros da Igreja portuguesa a chamavam de Ilha das Sete Cidades. Sua população
seria cristã e viveria cercada de riquezas abundantes, de ouro e prata.
Um depoimento detalha:
108
momento algum a identidade do rei é revelada,
sabe-se apenas que ele tem dois filhos de pronome
Afonso e Antônio (...)” (Valensi, 1992: 184 a 186).
Ou
“Visita nos vem fazer/ nosso rei Sebastião /
Coitado daquele pobre/ que vive na lei do cão.”
(Cunha, 1936, pp 172 e 207)
109
miseráveis que conheciam a lenda do rei e apegavam-se a ela em suas aspirações para
mudança de vida. O primeiro desses grupos de que se tem notícia, teria se formado no
ano de 1817 em Pernambuco, um líder messiânico profetizava que rei Sebastião e seus
exércitos sairiam de dentro de uma pedra para resolver os problemas sociais da região,
transformando pobres em ricos. Este líder e seus seguidores foram trucidados em 1820
(Queiroz, 1994).
Em 1910, apareceu um novo pregador, desta vez num estado sulista: Santa
Catarina. Segundo ele, o rei viria, acompanhado das hostes celestes para auxiliar os fiéis
na luta contra a república (Queiroz, 1994).
110
“Em verdade vos digo, quando as nações
brigam com as nações, o Brasil com o Brasil, a
Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a
Prússia, das ondas do mar Dom Sebastião sairá
com todo seu exército. Desde o princípio do mundo
se encantou com todo o seu exército e resistiu em
guerra. E quando encantou-se afincou a espada na
pedra, ela foi até os copos e ele disse: Adeus
mundo! Até mil e tantos, a dois mil não chegarás!
Neste dia, quando sair com seus exércitos, tira
todos no fio da espada deste papel da República. O
fim desta guerra acabará na Santa Casa de Roma e
o sangue há de ir até a Junta Grossa” (Cunha,
1936: 141).
Além de sua longa viagem pelo imaginário brasileiro, cruzando Estados do sul –
como Santa Catarina – e nordeste – como Pernambuco e Bahia – Rei Sebastião também
aparece no imaginário do norte do país, tanto na pajelança quanto nas casas de culto de
uma religião de matriz africana.
111
Em Maiandeua, Rei Sebastião ganhou uma filha. Maués (1995) relata que seus
informantes referem-se a um episódio vivenciado por pescadores da região que foram
até a praia de Maiandeua em busca de água potável. Um desses homens foi
surpreendido por uma mulher loura e linda que apresentou-se como princesa, filha de
Rei Sebastião.
87
O Pescador deveria voltar a praia sozinho e esperar a meia noite Nessa “hora grande” apareceriam três
grandes ondas. Ela deveria esperar a terceira, que seria a própria filha do rei que apareceria em formato de
uma grande cobra. Então o pescador deveria retirar o couro da cobra, sem sentir medo, usando uma faca
muito afiada.O rapaz concordou com o acordo mas na hora em que o bicho se apresentou ele sentiu medo
e fugiu redobrando o encante da filha do rei (Maués, 1995: 197).
112
Dona Jarina é descrita pelos afro-religiosos como a filha de Rei Sebastião que
ficou presa a uma pedra vítima de uma praga do pai. Dona Mariana é a turca que salvou
a caboca Jarina do encante auxiliada pela esquadra da Marinha Brasileira. Iemanjá é a
rainha do oceano que banha o monumento e Zé Raimundo é um codoense, camaroeiro
de profissão, que se apresenta como “mais do mar do que da terra” (Vergolino, 2008:
146).
A Ilha dos Lençóis é reconhecida por grande parte dos mineiros (maranhenses e
paraenses) como a maior encantaria do “Encoberto”, construída sob o oceano. Seus
habitantes fazem alusão ao fato de se encontrar muitas riquezas perdidas pelo areal
como correntes de ouro dezoito quilates. Segundo informações dos afro-religiosos
paraenses, essa riqueza não pode ser retirada do recinto por ser de propriedade do
encantado
.
Entre os mineiros o culto a Rei Sebastião ganhou outros contornos. A primeira
coisa a ser dita é que no Pará e Maranhão esvaziou-se a conotação messiânica da crença
no “Encoberto”. Nenhum mineiro espera o retorno do rei, simplesmente porque nenhum
culto afro-brasileiro possui característica salvacionista. Nessa religião de integração, o
sagrado imanente se faz presente cotidianamente em meio a experiência extática
88
Consta que 3% da população da Ilha dos Leçóis maranhenses é composta por albinos (Pereira, 2008).
89
De fato, todos os habitantes da Ilha dos Lençóis são reconhecidos como filhos de Rei Sebastião não
obstante as pessoas de fora da comunidade atribuam esse status apenas aos albinos (Pereira, 2008).
113
(Piazza, 1977). O retorno do rei acontece a cada festa pública, sempre que um filho-de-
santo recebe esta entidade90.
Por ser a mina uma religião baseada na oralidade, as versões sobre Dom
Sebastião são diversas. Além das narrativas coletadas por Pereira (2008) sobre os mitos
sebastiânicos no Maranhão, tem-se ainda uma pluralidade de versões narradas pelos
afro-religiosos paraenses.
90
O retorno de Rei Sebastião chega a ser temido pois levaria ao fundo o mundo conhecido e traria à
superfície o reino encantado de D. Sebastião.
91
Pai Luís Tayandô é filho – de – santo de Orlando Bassu que por sua vez vem ser descendente do
Terreiro do Egito, tendo sido iniciado por Margarida Mota. Parte da versão do mito de D. Sebastião
apresentado aqui está contida no documentário “A Descoberta da Amazônia pelos Turcos Encantados”.
92
Pai Tayandô é o que se pode chamar de pesquisador nativo. Interage diretamente com a academia.
Percebi seu interesse em buscar informações históricas para entender as doutrinas e construir o mito, para
poder dar entrevista. Com ele realizei uma entrevista por entidade, por vezes tentava perguntar sobre
outro encantado que não fosse o escolhido como tema do dia e ele pedia para deixar para a próxima
sessão. Era comum nos transmitir recados que os nobres me mandavam por seu intermédio.
114
Canudos. De Canudos descera para as “Sete cidades” Piauí e de lá para os Lençóis
Maranhenses, onde finalmente se estabeleceu.
Dom Sebastião teria se identificado com o areal dos Lençóis que em muito se
assemelhava ao local onde teria se encantado, o deserto do Marrocos. Levantou a beira
da praia e construiu seu reino no fundo passando a anunciar em sua doutrina “Quem
desencantar Lençol põe abaixo o Maranhão” trazendo a tona o reino encantado.
Como conquistador que era não se conformou em ficar restrito a Praia dos
Lençóis, ampliou seu território ao estabelecer morada em outros lugares, como São João
de Pirabas no Estado do Pará e a praia de Fortalezinha, onde deixou um guardião e
construiu um túnel ligando à sede da encantaria.
Muita gente habitaria esta vasta encantaria. Além dos soldados que lutaram
com o monarca, algumas entidades chegaram depois como Barão de Gore e seus filhos -
Aruaninha e Gorezinho -, padres que morreram pela difusão do cristianismo e pessoas
normais que servem aos nobres como costureiras e etc... Dentre os padres, o mais
importante é Clóvis, que vinha na linha de frente da batalha de Alcácer Quibir
obrigando os mouros a beijar a cruz de Cristo em sinal de conversão. Outros habitantes
desse reino seriam os desaparecidos do mundo dos vivos.
115
A encantaria de Rei Sebastião não é a única do Brasil, embora sirva como uma
espécie de hospedagem para todos os nobres logo que passam pelo portal
tridimensional. Dentre esses nobres citarei o exemplo do rei da Turquia que – segundo a
versão particular do informante – teria fugido de uma guerra em Jerusalém juntamente
com suas três filhas: Herundina, Jarina e Mariana93. Cruzaram o estreito de Gibraltar e
se depararam com o portal tridimensional que os trouxe à Amazônia. Aqui chegando
encontraram a pororoca e pararam sua canoa num lugar onde acontecia uma grande
festa. Era a ilha de Parintins, onde tinha o Boi–Bumbá. Foram recebidos por Caboco
Velho. Ninguém chega a encantaria sem passar por ele. Foi esta entidade que informou
de sua nova condição.
Tendo sofrido forte impacto com a notícia de que não mais voltariam ao mundo
dos vivos, esses turcos se despiram de suas roupas e passaram por um processo de
ajuremamento94. As roupas do chão, por sua vez, foram vestidas pelos índios da região
que se aturcoaram95. Desolados, foram procurar um homem, com ares de nobre, que
Caboco Velho disse ter passado por lá. Voltaram pelo Rio Amazonas chegando à
encantaria do rei cristão. O turco se assustou, pois Dom Sebastião se apresentou a ele
armado com um enorme escudo e a cruz de Cristo. Reagiu tentando continuidade à
guerra contra os cristãos e foi detido pelo rei português que ordenou: - Não, acabou a
guerra, aqui é uma encantaria.
O rei da Turquia ficou hospedado por lá algum tempo, mas não se acostumou,
deu suas filhas em adoção96 ao Rei Sebastião e foi montar sua própria encantaria na ilha
de Algodoal. Outro hóspede de rei Sebastião seria o rei Camutá de Holanda, um
corsário holandês cujo navio afundou na costa do Maranhão, próximo a São Luís. Como
não conseguiu formar sua própria encantaria tornou-se um agregado.
93
É preciso informar que a referência a Dona Jarina como filha do Rei da Turquia não é uma constante
entre os mineiros paraenses.
94
Ou seja, se transformaram em índios.
95
Transformaram-se em turcos.
96
A família de Rei Sebastião segue o modelo de família extensa muito comum na região Amazônica, com
filhos de criação e agregados diversos.
116
No sincretismo associativo está ligado a Xapanã, entidade daomeana que, como
Rei Sebastião também seria um guerreiro, lutando contra as piores pragas 97. Essa
ligação é cantada na doutrina:
Um elemento que une as três entidades são as marcas corporais. Para entender é
preciso lembrar que rei Sebastião, que foi ferido em Batalha está ligado ao deus da
varíola (Xapanã) e por sua vez ao santo homônimo (São Sebastião) cuja imagem o
apresenta flechado e amarrado no galho de uma árvore. Por isso o assentamento deste
senhor de toalha, na casa de Pai Tayandô, é feito no galho de uma laranjeira.
Como oferenda, este religioso diz servir98 fatias paridas, salada de bacalhau e
frutas de origem europeias como maçã, uva, e azeitona, o que simbolicamente fala sobre
a origem do rei. O tabu de seus filhos é basicamente a carne vermelha, numa analogia a
sangrenta batalha em que o nobre desapareceu. Seu bicho de sacrifício é o galo - um
animal austero – e o porco. O arquétipo da personalidade de seus filhos seria construído
em cima de informações sobre a história de vida do rei. A autoridade, o rigor com a
religiosidade, o amor pelo cristianismo e o desapego à sexualidade.
Muitas outras narrativas sobre Rei Sebastião foram coletadas, dentre elas
destaco a de Pai Serginho de Oxossi, Radialista da Rádio Clube do Pará. Para ele Rei
97
Essa narrativa foi cedida por pai Luís Tayandô.
98
É preciso registrar que a referência a esse tipo de oferenda foi feita apenas por pai Tayandô. Nenhum
outro informante disse oferecer fatia parida ou outras iguarias lusitanas a Rei Sebastião.
117
Sebastião é um nobre de categoria da família dos gentis: o povo de toalha. Teria sido
recebido pela primeira vez no começo do século XX na Casa de Nagô, por duas negras:
Joana e Josefa.
Teria sido introduzido por Verequete, vodum que traz esse povo branco, por ser
o senhor que abre os caminhos. Embora em vida Rei Sebastião não tenha tido filhos, na
encantaria ele arregimentou uma vasta família formada por Princesa Flora, Barão de
Goré, a própria Jarina, princesa Ina. Algumas entidades possuem a sua família mas
passam pela família dos Lençóis como Príncipe de Oeiras; que as vezes vem na família
de Dom Luís; ou Barão de Goré99 que, segundo Pai Tayandô, é filho de Dom Manuel
mas vem pela família de rei Sebastião.
Além desses tem Ricardinho, Rei do Mar, nobre da família dos Lençóis que é
encantado no Ribamar, Barão Anápoles, Marquês de Pombal - que é hóspede de Rei
Sebastião - A Princesa Clara, Princesa Flora e muitos outros.
Conta que Rei Sebastião nunca aceitou a encantaria dele tentando por várias
vezes se desencantar. Segundo Pai Serginho de Oxossi, os maranhenses relatam que um
navio aportou nas “ilhargas de São Luís”. Os marujos fizeram o que tinha que fazer,
quando chegou na hora de ir embora, puxaram a âncora mas ela não subiu. Já era de
tardinha quando mandaram um mergulhador ver o que estava acontecendo. Ele avistou
um nobre sentado numa pedra com o pé em cima da âncora. O homem se apresentou: -
99
Chama-se de Gorée ou Gorea a uma ilha localizada na África Ocidental em frente a Dakar que foi um
dos maiores centros de comércio de escravos durante os séculos XV e XIX.
118
Eu sou rei Sebastião, dono dessa encantaria. Mostrando o reinado dele, formado por um
túnel de ouro.
O rapaz assim o fez. À noite ele se dirigiu para um morro que havia próximo à
baía, sem avistar que um tripulante o seguiu. Ao chegar ao destino viu o rei
transformado um touro negro “bufando com a cabeça pra vim par cima dele” (Pai
Serginho de Oxóssi, mineiro de segunda migração). Quando ele se preparou para
realizar o desencante o marinheiro que tinha seguido se agarrou a ele, os dois rolaram
morro abaixo e o touro gritou lá de cima: - Desgraçado, tu redobrastes o meu encante.
Por vezes se refere a essa entidade como Rei Sebastião, por vezes diz ser
Xapanã, numa alusão a correlação entre as entidades. E reitera “ele é um vodum, um
branco” (Mãe Yolanda, mineira). Abaixo dele, seguindo a mesma família, está àquela
100
Mãe Yolanda antiga afro-religiosa, já falecida, iniciada pelo paraense Pai Zezinho. Pai Zezinho, por
sua vez, foi a primeira pessoa a tomar conta do poder religioso da FEUCABEP.
119
que ela chama de “madrinha Jarina”, sua filha de criação, turca por nacionalidade, irmã
legítima de Dona Mariana que migrou para a praia do lençol.
Quando em guma, ele fuma charuto e toma café amargo. Incorpora em Mãe
Yolanda uma vez por ano no dia de sua festa - quando a religiosa lhe oferece comida
seca (sem sangue) - o milho branco, o arroz branco com mel e coco.
101
Essa indicação de Rei Sebastião como um touro não é uma peculiaridade afro-paraense. Entre os
mineiros maranhenses ela também se faz presente. Os moradores da Ilha dos Lençóis (MA) classificam
esse encantado como pertencente a “linha de touro”(Pereira, 2008: 169). Algumas explicações de
membros da Casa de Nagô mencionam que ele se transformava em touro, num transe valente que tinha
por objetivo desafiar alguém que tivesse coragem de desencanta-lo. Como ninguém de coragem se
apresentava, o encante era redobrado(pp. 169).
102
Algumas casas de mina no Pará abrem o ritual cantando para Verequete uma vez que o mesmo é
considerado o mensageiro.
120
“Ele é o comandante, ele é o general
Ele é o chefe de linha
Na sua barquinha imperial”
121
A Mesa de Rei Sebastião, realizada na casa de pai Tayandô é um ritual mais
fechado, do qual participam os membros da casa e alguns convidados. Os pratos
servidos eram o agralá de banana103, o arroz de Lissá104, e o amió105, e, talvez o mais
importante, o abobo106, servido aos voduns da família de Dambirá, da qual Xapanã faz
parte. Não observei os pratos portugueses sugeridos na entrevista.
103
Comida feita com mel que segundo Pai Tayandô, é servida para os voduns femininos.
104
Arroz de coco que, segundo Pai Tayandô, é servido para a entidade Lissá, na mina é sincretizado com
Oxalá.
105
Bolo feito de farinha com caldo de galinha servido para todos os voduns.
106
Comida feita de feijão fradinho, camarão e azeite que, segundo Pai Tayandô, é servido à família de
Dambira.
122
Outra comunidade religiosa, a de Pai Bejamim,107 festeja Rei Sebastião num
terreiro erguido no meio de um sítio bastante arborizado situado nas cercanias de Belém
(Benfica). Neste local monta-se uma bonita cabana de folhas de palmeira dentro da
qual pode-se verificar uma imagem de São Sebastião, muitas frutas e taças com bebidas.
Essa ligação com a mata reflete um pouco a relação entre o rei cristão e o orixá Oxossi,
entidade ligada, a floresta e a caça. No contexto aqui referido talvez a analogia entre Rei
Sebastião e Oxossi tenha influência da umbanda carioca que sincretiza Oxossi a São
Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro.
Não há como falar de Dom José sem fazer alusão a Marquês de Pombal. Nem é
possível separar cada um desses personagens em subítens distintos uma vez que suas
trajetórias se entrelaçam, no que tange a história política, ainda que o imaginário
mineiro dê poucos subsídios acerca dessa relação.
107
Anaíza Vergolino classifica a família de Pai Bejamim como mina do Pará, haja vista que é composta
por religiosos paraenses que não tiveram contato com o Maranhão. Pai Bejamim é filho-de-santo de mãe
Bebé, referida anteriormente.
123
O fato é que todas as narrativas se fazem acompanhar de um lamento “quase não
se vê mais esta entidade”. Nestes dez anos percorrendo os terreiros de Belém, apenas
uma vez me deparei com Marquês de Pombal, incorporado numa mãe-de-santo de
angola: Mãe Nazaré.
Achei estranho este fato, partindo do princípio de que aquela religião não cultua
os nobres gentis nagôs, mas logo fui informada de que antes de sua iniciação no angola,
mãe Nazaré havia sido filha-de-santo de mãe Bebé108, uma mineira antiga e muito
conceituada no Pará.
Apesar de possuir uma narrativa mais densa, nenhum dos informantes faz
grandes festas em homenagem a Marquês de Pombal. Mãe Nazaré afirmou oferecer
apenas uma obrigação pequena no dia 13 de novembro, na qual serve frutas finas como
maçã, uva, etc...
Dom José, por sua vez, possui uma das mais belas e tradicionais festividades em
homenagem a um senhor de toalha, realizada, em Belém do Pará. Todos os anos nos
dias 19, 20 e 21 de março, Mãe Lulu, líder religiosa do centenário Terreiro de Dois
Irmãos, homenageia esta entidade que ela herdara de sua falecida progenitora, mãe
Amelinha.
Apesar da suntuosidade de sua festividade – que conta até com uma procissão -
muito pouco se comenta sobre a história deste Rei. Nas vezes que questionei, Mãe Lulu
informou que sua mãe referia-se a ele como um fazendeiro, poderoso do Amazonas.
108
Antes da casa de Mãe Bebé, mãe Nazaré passou pelo “Terreiro da Cocada”, fundado pela maranhense
mãe Inêz. A segunda liderança do Terreiro da Cocada, Mãe Raimundinha recebia Marquês de Pombal.
124
Se Dom José não foi exatamente aquilo que se pode chamar de líder político
brilhante, ele possuía um elemento que por si só lhe conferia status inigualável: o título
de rei. O mana (Mauss,1974) deste atributo não foi transferido a Pombal, o que se pode
perceber no texto em que Vergolino (2003) o descreve como “Senhor de linha imperial,
considerado extremamente digno e de conduta irrepreensível (s/pp)”.
“Desceu na guma
Somente para baiar
Desceu na guma
Somente para baiar
Ele é rei Xadatã
Ele é rei Floriano
Ele é rei Xadatã
Ele é rei Floriano
Ele é baliza
Ele é o forte do mar
Ele é rei Xadatã
Ele é rei Floriano”
125
Como se pode perceber as doutrinas o descrevem como um Rei Maior, que
atravessou o mar, uma analogia a ocupação, principalmente da Amazônia, uma das
maiores preocupações de seu ministro. Ou uma referência ao fato do rei cantado, ainda
estar na linha sucessória dos expansionistas que ocuparam o Brasil, havia mais de três
séculos. Esta foi uma característica atribuída a ele por herança. Algumas letras
classificam-no como uma baliza, um forte.
109
Informação preciosa concedida por meu coorientador, o historiador paraense Aldrn Moura de
Figueiredo.
126
Floriano) é incorporado a própria identidade do mesmo, numa simbiose, que une dois
personagens históricos e/ou dois santos do panteão cristão em um só sujeito mítico.
Além das informações indicadas pelas doutrinas fala-se sobre a família deste
senhor de toalha. Não se sabe ao certo quem é sua esposa, mas afirma-se que ele tem
como filhos Zezinho e - conforme alguns - Ricardinho que possui o codinome de “Rei
do Mar”. (Vergolino, 2003). Construindo assim uma descendência ultramarina.
127
garante: “o rei gasta o mais do tempo na caça, em cavalgadas, jogos concertos e
diversões deixando Carvalho (Marquês de Pombal), em quem põe absoluta confiança,
inteiramente senhor do poder” (pp. 248). Giusep Gorabi, um viajante italiano do XIX,
em seus escritos relata que esse rei, completamente apagado, teria implorado de joelhos
para que o irmão, o infante Dom Pedro, tomasse para si a coroa (Schwarcz, 2002).
Mesmo com todos esses percalços não há como esquecer que Dom José era a
personagem principal, Pombal ocupava todo o imenso bastidor (Schwarcz, 2002: 99).
Verdade ou não, o fato é que, não conseguindo se livrar de tal fardo, ele indicou
Sebastião José de Carvalho e Melo para Secretário dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra e posteriormente o elevou a representante do Conselho Ultramarino, se retirando
do cenário político.
E sobre Pombal, o que se pode dizer? Falar do período que vai de 1750 a 1777 e
compreende o reinado de Dom José, é acima de tudo referir-se ao predomínio de
Marquês de Pombal.
Pombal nasceu em 1699 em Oeiras. Sua família era nobre, mas não rica. Possuía
algumas propriedades. Uma delas, o palácio de Oeiras, com um enorme jardim,
posteriormente herdado por Pombal.
Casou-se por duas vezes. A primeira com Dona Tereza de Noronha e Bourbon
Mendonça e Almada, uma viúva rica que lhe serviu de trampolim social. Após a morte
desta contraiu segundas núpcias com Maria Leonor Ernestina Daun110 que mantinha
boas relações com a família real. Teve uma participação incipiente no governo de Dom
110
Cabe ressaltar que existe uma entidade na mina chamada Maria Leonor que, de acordo com as
narrativas dos informantes, nada tem a ver com Marquês de Pombal. Maria Leonor, na encantaria vem
ser esposa de Verequete.
128
João quando, Dona Maria Ana da Áustria assumiu a regência – após a doença do
referido rei - e pediu informações acerca da importação de trigo. Sua ascensão política,
no entanto, só se deu após a morte de Dom João, quando Dom José assumiu o governo e
modificou todos os antigos ministros do pai.
129
Sua política foi caracterizada pela domesticação da nobreza, pela guerra
estabelecida aos Jesuítas, pelo controle estatal da Igreja, criação das Companhias de
Comércio, intensificação do tráfico de escravos e pela coibição das manifestações de
oposição (Schwarcz, 2002).
130
Em síntese Marquês de Pombal mandara matar os homens mais poderosos de
Portugal após a família real. Uma forma pedagógica de dizer à nobreza que ela estava
totalmente domesticada. A forte política repressiva de Pombal foi responsável pela
superlotação dos cárceres portugueses. Pessoas eram presas sem direito à julgamento.
As mesmas que quatro anos mais tarde engrossaram a massa dos descontentes que
obrigaram Dona Maria a punir o déspota.
A expulsão dos Jesuítas acabou por provocar uma revolução no ensino luso-
brasileiro que até então estava sob o controle total desta ordem. Instituiu-se nas vilas e
comarcas cadeiras de mestres de literatura latina, retórica, gramática grega e língua
hebraica. Em Lisboa criou-se o colégio dos nobres. Confeccionou-se novos estatutos
para as universidades de Portugal com novos métodos de ensino e diferentes disciplinas.
Também criou-se nove faculdades como a de matemática e filosofia, etc... Pombal
condensou despotismo e ciências filosóficas.
131
Recomendou também a importação de casais dos Açores para cá, bem como
intensificou o tráfico de escravos, trazidos pelas Companhias de Comércio. Como forma
de demarcar a territorialidade portuguesa, Mendonça Furtado, viajou pelo rio Amazonas
renomeando os povoados já existentes dando-lhes nomes de cidades lusitanas. O mesmo
foi feito com as cidades recém- fundadas. O interesse pombalino era assegurar o futuro
da América Portuguesa.
Nesta última circunstância aparece com ares de um nobre fidalgo vestido com
calça fofa e uma blusa, tipo paletó, transpassada no peito de manga bufante e gola de
babado. Na cabeça, usa uma boina.
Para provar isso a informante pesquisou até a data em que o mesmo nasceu, 13
de maio de 1699, falecendo em 8 de maio de 1782. A diferença que existe entre essa
narrativa e todas as outras que discutem os encantados é a informação de que ele teria
se encantado após a morte.
132
prepotente e senhor de si. Não conversa muito, olha as pessoas por cima dos ombros,
“não dava confiança aos humildes”. Foi destacado pelo rei Dom João para representar
a Coroa de Portugal, em Londres e em Viena, era embaixador das relações exteriores.
Também foi, de acordo com a informante, cadete tendo comandado a Marinha Imperial
Portuguesa. Uma pessoa dinâmica que resolvia tudo rápido.
Teve garbo e foi odiado pelo povo em virtude de sua crueldade. Queria total
obediência e mandou decapitar pessoas importantes. “Aprontou com o povo, mandou
matar seus patrícios por desentendimento, matou aqueles que desobedeciam. Ele era
uma pessoa que impôs a sua palavra e não voltava atrás”. Muito invejado por seus
pares “que não tinham capacidade” (Mãe Nazaré, angoleira).
Segundo a religiosa, passou para a encantaria para evoluir111 uma vez que
“depois de encantado a pessoa vai mudando até chegar a uma alma boa” (Mãe Nazaré,
angoleira). Foi um homem iluminado, com uma inteligência fora do normal. Por isso
teve direito ao reencarne. Passou pelo portal dimensional para resgatar o seu espírito e
se redimir.
Em função disso foi trazido para o Brasil, local julgado conveniente. Encantou-
se numa religião afro-brasileira, porque esta cultura, através da experiência do transe,
concede tal possibilidade. Entrou no país pela Bahia, de lá migrou para o Maranhão e
Pará. Depois de encantado teria se agregado à família de Turquia, estabelecendo-se
hierarquicamente logo abaixo do chefe que é João Embarambaia.
133
lugar, ela não quis me levar ai eu tinha que
localizar esse ponto lá próximo ao Ver-o-Peso,
exatamente ali na João Alfredo. Como que eu vou
achar esse local? Fui, fui, fui, depois eu disse: - eu
vou a noite. Fui a noite, antes de ir pra lá peguei o
mapa das páginas amarelas, peguei o pêndulo e fui
(...) resultado um pouquinho entre a Lobrás e a
Pernambucana. (...) São obrigações terríveis, que
passam por exemplo, tem obrigações que são
colocadas no ar, ou seja nos altos das árvores e tem
obrigações que são colocadas em determinados
locais da água então fica um pouco difícil. (...). O
Marquês de Pombal geralmente ele pede frutas,
azeitona, a maçã é cozida com açúcar água e
açúcar e dentro é colocada uma calda, depois de
aberta com canela. Canela não cravinho, cravinho
e casca de laranja. Acompanha a obrigação, o que
eu não sei fazer, eu compro o pastel de Santa Clara
e sabes aquele cascalho que vende... Eu tenho
colocado ele porque eu não tenho a receita da ...
Era uma receita antiga que eles dizem que tinha
que era como se fosse a sobra de hóstia. Eles
cortavam e colocavam, é muito parecido... O que eu
achei mais parecido foi o cascalho. Eu coloquei
eles aceitaram. O vinho geralmente é vinho bom,
principalmente o de fora, não pede charuto e não
pede vela. Pede moeda, ele tem pedido muito pra
mim é pedaço de corrente de várias grossuras
cadeado”. (Pai Tayandô, mineiro descendente da
primeira migração).
Tayandô diz que Marquês de Pombal tinha muito apreço pelo Pará, por esse
motivo teria mandado seu irmão para a Amazônia. Em função disso a encantaria dele
seria em Belém, na Capela Pombo113. Ele teria encaminhado seus fundamentos, ainda
em vida para serem enterrados neste local. O religioso tem o intento de conseguir a
planta baixa da igreja para tentar descobrir onde se encontra a encantaria de Marquês de
Pombal.
O pai-de-santo afirma que na capela tem um portal. Toda vez que vai até lá vê
um grande espelho atrás da imagem de Jesus dos Passos, mas reclama que a grade o
113
A Capela Pombo era um templo doméstico, pertencente à família portuguesa de mesmo nome. Hoje
localiza-se no meio do centro histórico de Belém e está sob a tutela da arquidiocese desta capital sendo
aberta a visitação pública. Outro dado importante é que a família, reproduz no nome o animal Pombo.
Muitas doutrinas em homenagem a Marquês de Pombal, principalmente em seu formato, menino Indeá,
referem-se a ele como um pombo.
134
impede de achá-lo. Não sabe se o portal tridimensional é espelho ou se está debaixo do
altar principal mas gostaria de poder verificar usando um pêndulo. A associação entre
Marquês de Pombal e a Capela Pombo talvez seja realizada em virtude da proximidade
do nome. Ressalto que a capela, historicamente, nada tem a ver com o personagem da
política portuguesa, Marquês de Pombal.
Chega a referir a derrocada política do nobre quando afirma que Dona Maria,
filha de Dom José, assume o governo e coloca o Marquês para fora porque tinha ciúme
dele. Em função disso ele se mudara para uma propriedade grande, no interior de
Portugal: Oeiras.
I
“No Jardim de Oeiras,
Aonde passeava
Lá tem uma rosa
Aonde se encantava, orixá
II
Ele é Paraoara
Ele é Tata paraô
Ele é Paraoara
Ele é mina Paraô
Orixá”
135
Outra o classifica como um cambueiro.
I
“Rema, rema cambueiro
Meu cambueiro real
Olha rema do mar para a terra
Para o Duque Marquês de Pombal
II
Ainda ê
Marquês de Pombal
Vem formar
Marquês de Pombal
Sete navios nas ondas do mar
Viva o Duque Marquês de Pombal”
136
Ainda sou Marquês de Pombal
Ainda sou, Marquês de Pombal
Sete Navios nas ondas do mar
Salve o Duque Marquês de Pombal”
114
Alguns afro-religiosos paraenses diferenciam D. João Rei de Mina de D. João Sueira.
137
aqui (no terreiro tava rufando o tambor), quando
eles olharam aquele navio vinha alumiado, ta, ta,
ta, ta. Ai gente falando, gente falando, gente
falando, pe pe pe pe, andando pelo convés. Quando
viu, as preta tava tudo rodando com os encantados,
pulava boto, era marinheiro, era o próprio velho.
Ai fizeram a festa de tambor, brincaram,
trabalharam e ai dava aquele sinal, dava aquele
sinal, pe, pe, pe, pe, aquele navio ia embora” (Pai
Serginho de Oxossi, mineiro de segunda migração).
Pai Jorge de Itacy, progenitor ritual de pai Serginho, afirma em seu livro (1941)
que o dito navio aparece sempre, nas proximidades do Terreiro do Egito, em São Luís.
Ele mesmo o teria visto por três vezes. Segundo a versão das religiosas mais antigas
essas aparições iniciaram em 1928, após a primeira guerra mundial, trazendo consigo a
linha de Marinheiros.
II
138
Dom João Sueira
Vem Beirando o Mar
Seth e Ruth Leacock (1972), considerando a doutrina exposta acima, cuja letra
afirma que Dom João é rei de mina, sugerem tratar-se de uma referência a exploração de
diamante na cidade do Tijuco em Minas Gerais, iniciada por volta de 1725. Para os
autores norte-americanos Dom João seria o mesmo João Fernandes de Oliveira, um
senhor de mais de três mil e seiscentos escravos que casara com a célebre personagem
Chica da Silva, que por sua vez seria representada na figura de Fina Joia.
Não sou capaz de dar respostas conclusivas para a pluralidade de Joãos que
existe no panteão afro-brasileiro, uma vez que as versões que obtive são variadas. Uns
informantes afirmam que os dois personagens referidos por Vergolino (2003) são um
só. Outros realmente os diferenciam, mas não sabem fornecer maiores explicações.
Também não posso fazer uma correlação direta entre o personagem histórico e seu
equivalente mítico, até porque acredito que a construção do mito se assemelha ao do
bricoleur (Lévi-Strauss, 1976).
115
As duas últimas doutrina foram retirados do encarte do CD “Ponto de Santo” (2003).
139
“Modus operandi da reflexão mito-poética.
O bricouler é o que executa o trabalho usando
meios expedientes que denunciam a ausência de um
plano pré-concebido que se afastam dos processos
e normas adotados pela técnica. Caracteriza-se
especialmente pelo fato de operar com materiais
fragmentários já elaborados, ao contrário, por
exemplo, do engenheiro, que para dar execução ao
seu trabalho necessita de matéria prima” (1976:
37).
Neste sentido não há como dizer se o encantado Dom João é ou não é um sujeito
histórico. Essa não é a minha pretensão. Posso sim, mostrar elementos que certamente
serviram de material fragmentário para a construção de um outro sujeito, muito peculiar
que só existe no imaginário.
A referência ao Navio de Dom João, cuja história foi relatada acima, nos remete
a Dom João VI. Seria ele o cavaleiro, que teria atravessado as águas belas do mar para
passear na encantaria brasileira?
Pensando um pouco na trajetória do Dom João Histórico, o que teria feito ele de
tão extraordinário para merecer entrar para a corte quase divina da mina? Lília Moritz
Schuwarcz (2002) o descreve como um rei que chegou ao trono português por acaso
uma vez que o verdadeiro herdeiro, Dom José, havia morrido aos 27 anos de varíola.
Depois desse episódio fatídico sua mãe, a rainha Dona Maria enlouquecera, obrigando-o
a tornar-se rei.
Sobre a personalidade do rei, sabe-se que era “fraco, evasivo e sem força de
decisão, distante do modelo de monarca preconizado por Pombal”. Chegava-se a
afirmar que na sua regência “o sistema (...) de governo era não ter sistema algum”
(Schuwarcz, 2002: 189).
Se, por um lado, suas qualidades não eram exatamente reais, por outro as
circunstâncias históricas em meio as quais ele foi coroado também não ajudaram muito.
As ideias liberais veiculadas após a Revolução Francesa já rondavam as terras coloniais
brasileiras e o governo metropolitano encontrava-se numa encruzilhada entre França e
140
Inglaterra. O reinado de Dom João foi todo marcado pelo jogo diplomático. Era
necessário manter a Inglaterra como maior aliado comercial sem desagradar a Napoleão
Bonaparte, que havia fechado os portos europeus para a importação inglesa. Para
dificultar mais a situação lusitana a corte vizinha, Espanha, que havia se aliado ao
governo francês, insuflava as tropas napoleônicas para invasão ao território lusitano.
Além disso, não era segredo para o povo português a fraqueza pessoal de Dom
João. Dono de uma saúde instável e de um apetite voraz, ficou conhecido pelo apreço
por coxinhas de frango, as quais escondia até pelos bolsos da roupa. Falava-se inclusive
do comportamento sexual da rainha que possuía diversos amantes, dentre eles alguns
nobres e serviçais (Schuwarcz, 2002).
No entanto não se pode esquecer que foi Dom João o responsável pela elevação
do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarve, ainda que a mudança para a colônia
tenha se efetivado via fuga. Esta é a pista que narrativa mítica me forneceu. Pai
Serginho descreve a aparição do navio como um acontecimento suntuoso, a embarcação
passou toda iluminada, com uma corte aparentemente barulhenta a bordo.
Fui em busca das narrativas sobre a viagem da corte portuguesa para o Brasil e
descobri que tanto sua partida do Tejo, quanto sua chegada nos portos brasileiros –
Bahia e Rio de Janeiro – foram marcadas por alvoroço semelhante ao descrito sobre o
aparecimento das novas entidades no terreiro.
Retornando as descrições de Schwarcz (2002) consta que Dom João tentou até o
fim evitar a partida, assinando diversos acordos de paz com a França, simulando um
ataque aos navios ingleses e, em última instância, confiscando bens de alguns britânicos
radicados em Portugal, conforme havia exigido Napoleão, mas só “pra francês ver”
141
(Schwarcz, 2002), haja vista que não poderia abrir frente de Batalha com a outra nação,
até então aliada. Dos ingleses, sofria ameaça de ter sua frota naval confiscada, caso
atendesse aos anseios napoleônicos.
142
A situação nos navios não era diferente. Superlotação, escassez de alimentos,
condições precárias de higiene, proliferação de doenças e pragas. As mulheres tiveram
os cabelos raspados, em função de piolho. Não havia leito para todos, muitos viajaram
alojados em cadeiras ou dispostos ao chão (Schuwarcz, 2002).
Certamente o navio de Dom João devia chamar atenção de quem o visse passar,
mas não era pela pompa. A chegada no Brasil causou igual espanto. Em Salvador, nem
o governador geral sabia ao certo o dia que a corte aportaria. Pessoas estranhas,
vestidas de forma estranha, cheias de joias. As melhores casas foram confiscadas e as
ruas invadidas pela frota que aportou em Salvador e no Rio de Janeiro. O estranhamento
causado pela chegada do(s) navio(s) de Dom João deve ter sido semelhante ao das
antigas religiosas maranhenses diante do fenômeno sobrenatural.
Outro aspecto a ser destacado sobre a mitologia relativa à família de Dom João é
a importância da figura feminina. Sua esposa, Fina Jóia, tem tanta relevância quanto o
116
D. João é sincretizado com Xangô e Fina Jóia, sua mulher, com Oxum. Quando essas duas entidades
incorporam nos médiuns elas dançam de braços dados.
143
marido. Anaíza Vergolino (2003), afirma que Fina Jóia é “a mulher de Rei Dom João
de mina. É cantada como uma (...) princesa e associada a Oxum. Adora Santa Luzia”.
(s/pp).
Outra mulher importante da família é Maria Bárbara que uns classificam como
sua irmã e outros como sua mãe. Maria Bárbara é a senhora de toalha de maior
importância na mina do Pará. A recorrência do culto a esta entidade fez Oneyda
Alvarenga (1938) classificar a matriz religiosa afro-paraense como babassuê.
Uma vez, interpelada por Obá, desejosa de saber qual o segredo de seus
encantos, disse a rival que havia decepado uma das orelhas e com ela feito um caldo
servido ao marido, que a partir de então se apaixonou. Obá seguiu o suposto exemplo,
com a orelha esquerda preparou uma iguaria servida ao amante. Só que Xangô
descobriu e ficou irado, expulsando-a de casa.
144
Sobre os filhos do encantado Dom João, registrei, dois: João de Ouro – que se
manifesta como um erê – e Joãozinho da Vera Cruz – já mencionado por Vergolino.
Sobre este último, encontrei apenas uma referência, no entanto afirmo ter sido essa a
mais importante de todas.
Se, conforme observarei mais abaixo, a figura de Dom Miguel – filho de Dom
João VI – foi utilizada como matéria-prima na construção simbólica de uma corte
espanhola, o que teria acontecido com Dom Pedro?
Será que estaria totalmente errada em pensar que a existência desse príncipe
quase esquecido, não teria qualquer coisa em comum com o primeiro imperador do
Brasil?
Alfredo, um de meus interlocutores informou que Dom Pedro costuma vir nos
terreiros maranhenses em sessões de cura. E reitera que ele vem despido de status, sem
realeza. Poucas pessoas o reconhecem.
Este Pedro - quase João - não conseguiu se impor como imperador. Em nível do
mito permaneceu ligado à colônia, não a tornou independente. Atrelado à imagem deste
personagem permanece a referência ao Brasil, ainda que este país tenha sido lido como
a pequena colônia recém-descoberta que recebeu o nome de Vera Cruz. Neste sentido o
mito fez um recuo histórico, sufocando o “Independência ou Morte” e resgatando o
“Terra a Vista”. São as fronteiras do lusitanismo ampliando – agora – a noção do tempo
e entrando na bricolage mineira.
145
CAPÍTULO 5: AS DINASTIAS
ESTRANGEIRAS: UMA AMEAÇA
EMINENTE À SOBERANIA NACIONAL
PORTUGUESA
Por que nenhum dos reis espanhóis foi elencado para liderança da família
Espanhola, como aconteceu com os franceses? Por que nenhum membro da dinastia
Filipina, que esteve no poder durante o período da União Ibérica é citado? Por que criar
um rei com nome português? Claro que nenhuma das perguntas pode ser respondida
com absoluta segurança já que o imaginário nativo não oferece dados precisos, ou os
oferece pelo silêncio. Minha hipótese é que a omissão da realeza espanhola seja uma
forma clara de subjugar simbolicamente a nação responsável pela humilhação da
146
soberania portuguesa. Fala-se sobre eles por serem cristãos e parte integrante da história
de Portugal, mas fala-se através do silêncio.
Existe uma referência a um Clóvis, descrito como padre que lutou com Rei
Sebastião em Alcacer Quibir, tendo se agregado a sua família. Interessante destacar que
a historiografia destaca Clóvis I como responsável pelo processo de cristianização da
França. Neste sentido, se o imaginário realizou rearranjos, ele o fez em cima de um
fundamento comum, que torna o mito coerente diante do “projeto” maior que é falar de
cristianismo.
O rei francês, também católico, é pouco cultuado no Pará118. Fui a uma única
festa em homenagem a ele realizada por Pai Bené119, no dia 25 de agosto de 2007. Nesta
ocasião, saí um tanto quanto decepcionada uma vez que – apesar da homenagem -
nenhuma doutrina do mesmo foi entoada, nem tampouco ele se fez presente na forma de
transe extático. Apesar das ausências, a figura de Dom Luís estabelece uma ligação
simbólica entre Pará e Maranhão estado onde a mina “deita raízes” (Vergolino, 2003).
117
D. Luís IX é da dinastia Capetiana e os demais – D. Luís XIII e D. Luís XIV – são da casa de
Bourbon.
118
Toda vez que questionei sobre este encantado os informantes são unânimes em afirmar que era
recebido por Maria Aguiar, mãe-de-santo famosa por sua ligação com o intendente Magalhães Barata e
por ser responsável pela introdução da umbanda no Pará. Alguns informantes relataram que os
maranhenses nunca aceitaram essa ligação entre a paraense acima citada e Dom Luis.
119
Mineiro com mais de 50 anos de iniciado. Filho-de-santo do maranhense Manuel Colaço Veras,
fundador da FEUCABEP.
147
Vale pensar em porquê o imaginário abriu mais espaço à nobreza francesa. Por
que não os ocultou da mesma forma que fez com os espanhóis, haja vista que esta nação
foi responsável pela ocupação do estado do Maranhão? Partindo também de hipóteses
lembro que o domínio francês sobre o Maranhão foi efêmero.
Desses senhores de toalha, o menos citado no Pará é sem dúvida Dom Luís.
Ao longo de minha estadia em campo não encontrei nenhum filho que o receba e
muitas referências a uma única religiosa que o teria feito em terras paraenses: Mãe
Maria Aguiar. Esta mãe-de-santo se tornou muito conhecida por ter sido a
introdutora da umbanda na capital paraense e por seu estreito laço de amizade com o
intendente Magalhães Barata, que segundo “corre a boca miúda”, tirava os sapatos
e baiava em sua casa de santo.
148
Esta versão é certamente elaborada por influência de Maria Aguiar que se
dizia a reencarnação de Maria Antonieta120. Há quem diga que essa religiosa foi
muito criticada pelos maranhenses, haja vista que as entidades da linhagem de Dom
Luís refletem uma peculiaridade da história local, daquele estado.
Quem mais me falou sobre ele foi Pai Aluísio Brasil (mineiro de segunda
migração), informando que a entidade era do “patrão de seu pai-de-santo”. Disse
que Dom Luís corresponde a São Luís, embora não seja confundido com ele. Trata-
se de um rei oriundo da corte francesa que se instalou em São Luís. Sabe que é o
senhor do Maranhão, que teve vida e era um menino, conforme mostra a doutrina.
“Ele é menino
Ele é Francês
Dom Luís é rei Nagô”
De acordo com a sua narrativa, seu ancestral o recebia com muita pompa e
altivez. Em sua homenagem fazia-se a festa do Divino Espírito Santo que costumava
durar quinze dias. Durante esse período montava-se uma corte no terreiro. Todos os
filhos se cotizavam para mandar uma joia121 a casa matriz.
Pai Brasil recebe um dos filhos de Dom Luís, Toy Lauro das Mercês, que
também foi da corte francesa e já era maduro quando se encantou. Dom Luís teve ainda
outro filho, Antônio Luís Corre Beirada, este teria nascido na corte, mas não aceitou a
realeza por não gostar de suas regras. Em função disso deixou a casa paterna e foi viver
como caboco agregado em outra família.
Uns dizem que ele entrou para a família da Turquia, outros, que anda pelo
mundo “correndo beira”, ou seja vagando. O fato é que não usa bastão de nobreza.
120
É importante lembrar que a ideia da reencarnação é uma absorção de um dogma advindo do
espiritismo kardecista que muito exerceu influencia sobre a umbanda.
121
Jóia é sinônimo de contribuição financeira.
149
Neste sentido pai Brasil conclui: “uns se misturaram e outros não, uns aceitaram a
mistura e outros não” (Pai Aluisio Brasil, mineiro de segunda migração).
Sua família é composta por uma irmã – Rainha Rosa – e seus três filhos – Toy
Lauro das Mercês, Dom Carlos e Dona Maria Antônia, omitindo, Corre Beirada.
122
Versão fornecida por pai Serginho de Oxossi, também membro da segunda geração de mineiros.
123
Pai Francelino de Shapanan teria sido iniciado em Belém do Pará por Mãe Joana de Shapanan, mas
pagou obrigação de 21 anos com pai Jorge de Itacy, em São Luís do Maranhão.
150
bandeira da França”. (Pai Tayandô, mineiro
descendente da primeira migração).
151
Outra figura histórica a ser lembrada por Luís Tayandô é Joana D’ Arc. Segundo
o narrador é uma personagem branca, francesa, aloirada que teria se juntado aos turcos.
O elemento que liga Joana D’Arc aos mouros é a perseguição religiosa, haja vista que
Joana D’ Arc fora queimada pelos tribunais da inquisição.
Se até agora descobri analogias entre Dom Luís - encantado – Dom Luís IV e
Dom Luís VI, é preciso lembrar que dois outros monarcas franceses podem ainda ser
agregados na composição desse sujeito plural. Nesta longa lista de Luíses devo incluir
ainda o IX e o XIII.
Mediante todas as informações que nos foram passadas só posso concluir que
Dom Luís, Rei de França, é um sujeito plural que passou para o imaginário mais como
representante do cristianismo, do que propriamente como um personagem histórico
único.
É preciso notar que ele não possui um dos elementos referidos metaforicamente
pelos mineiros na composição de seu panteão, que é a soberania portuguesa. Não é um
português como já lembrava no começo da década de 70, o casal Leacock. Todavia, não
se pode esquecer, que se trata de um rei cristão. Mais do que isso, remetendo ao
trabalho de Marc Bloch (1992), faz parte da dinastia dos Bourbon que foi imortalizada
por seu poder taumatúrgico.
152
Mais do que os soberanos portugueses, os reis franceses eram sacralizados pela
ascendência predestinada e pelo ritual de unção com os santos óleos. Também vale
ressaltar que se tratavam dos descendentes de Clóvis I, o cristianizador da França.
Não há muitas correlações a serem feitas, a não ser aquelas que já foram
mencionadas anteriormente. No entanto, não se pode esquecer as informações contidas
em um artigo escrito por Aldrin Moura de Figueiredo em co-autoria com Benedito
Nunes (2002), no qual esses intelectuais lembram que os ideais de liberdade, igualdade
e fraternidade da França revolucionária do século XVIII chegaram a “raia miúda”.
153
Cacheu, e que deu um colorido outro a vida no
novo mundo, obra mestra de Pombal e seu irmão
com o intuito de reconstruir as bases econômicas
da região (...). Foi já nas últimas décadas do século
XVIII que as autoridades coloniais ficaram
realmente sobressaltadas com as ideias de
revolução. O campo era fértil para essa troca de
anseios. O mapa amazônico divisava com outras
frentes coloniais sobre domínio de Espanha,
Inglaterra, Holanda e França. Por isso mesmo
temia-se que os cativos de cá entrassem em contato
com as ideias perigosas que chegavam da Europa e
do Caribe por Caiena. Hoje sabemos que os
quilombos do Curuá, nos arredores de Alenquer,
Baixo Amazonas, souberam da revolução Francesa
de 1789, muito antes que correspondência oficiais
chegassem as mãos do Capitão-General Martinho
de Souza e Albuquerque, governador do Pará a
Época. O mesmo ocorreu com a revolução dos
negros do Haiti em 1792 e com a onda de revolta
maroons na Jamaica e nas Guianas, entre 1795 e
1797. As notícias da abolição da escravidão nas
colônias francesas e os movimentos de
independência no lado espanhol, em especial o da
Venezuela, ecoaram entre os escravos de
brasileiros com aceno de liberdade.” (Nunes &
Figueiredo, 2002: 19)
154
Não é difícil de imaginar o impacto que a notícia sobre a morte de um rei cristão
deve ter causado na sociedade. Para cogitá-lo é necessário não perder de vista que um
rei tinha significado muito maior do que um chefe de estado. Se as disputas entre
burgueses e nobres não estão relatadas via mito, a cabeça de Maria Antonieta lembra o
episódio deste soberano que passou para o imaginário, como todos os outros, através de
um evento tão trágico quanto o sumiço de rei Sebastião.
Punha-se tão acima do povo que ter acesso ao rei era um ritual de ultrapassagem
de barreiras quase inacessíveis. Afinal ele concentrava em si o poder divino, advindo da
124
Dentre as guerras travadas por Luís XIV destaca-se a Guerra de Devolução – cujo objetivo era impor
o domínio francês ao Países Baixos espanhóis – e a Guerra Holandesa. Na primeira o próprio rei e sua
corte, que incluía a esposa e as amantes. Vitorioso, o resultado foi comemorado num festival em
Versalhes. A academia de pintura também anunciou premiação a quem desenvolvesse melhor o tema
“Luís Pacifica a Europa”. Na Guerra Holandesa, o rei se fez acompanhar de historiadores, que
imortalizaram os feitos reais como o episódio da travessia do Reno, narravam suas dificuldades para
vangloriar a superação (Burke, 1994).
155
sacralidade real, e o poder temporal expresso na célebre frase “o Estado sou Eu”.
Passou sua vida inteira dedicado a construir a imagem sagrada de autoridade. A corte o
via como reflexo do cosmo (Burke, 1994).
Como era característico do poder sagrado dos reis, o Rei Sol era considerado um
predestinado. Tratavam-no como um messias desde muito antes de seu nascimento.
Todos os passos da gestação foram festejados. O cancioneiro popular o classificava de
o enviado de Deus (Burke, 1994).
Alguns quadros anexavam o rosto de Luís na figura de Jesus Bom Pastor, outros
o associavam ao seu ancestral canonizado, São Luís. Poemas o relacionavam a Carlos
Magno. Não se pode esquecer que o encantado afro-brasileiro possui um filho com
nome Carlos. O ápice da identificação do rei com o santo foi quando o mesmo criou a
Ordem de São Luís, em 1693. Tal comparação foi institucionalizada a medida em que a
festa do santo, realizada a 25 de agosto, passou a ser um dia de homenagens ao rei.
156
Apesar de não se ter notícias de nenhuma perseguição travada por este soberano
contra os mouros125, sem dúvida foi ele o grande responsável pela revogação do Edito
de Nantes e pelas acirradas perseguições aos protestantes, obrigando cerca de duzentos
mil franceses a emigrar para fora da França.
125
Muito pelo contrário Burke (1994) afirma que o rei foi acusado de bajular os otomanos com a
finalidade de conquistar Argel e Marrocos.
126
Cabe ressaltar que apesar das invasões napoleônicas no século XVIII, Portugal não perdeu sua
soberania enquanto nação, haja vista que a sede da Coroa foi transportada para o Brasil.
157
Este mito aproxima o rei enforcado com o rei guilhotinado e dá o mesmo
desfecho maravilhoso (Todorov, 2003) para os dois casos: a imortalidade. Resta fazer
uma última análise. Por falar no processo de encante de Dom Luís, é útil referir ao
mito do navio deste rei que teria aprisionado os turcos e afundado. Dom Luis IX, o
santo, foi um herói de cruzada contra os Mouros.
De todas as famílias aqui referidas, esta é sem sombra de dúvida, a única que
não possui nenhuma correspondência histórica direta. Em toda história da Espanha, não
há referência à dita dinastia da Gama e muito menos a um rei com um nome de Dom
Miguel.
158
Neste lugar recebeu ajuda de um Sultão que concedeu um piloto para auxiliá-lo na
empreitada.
159
o absolutismo paternalista e o liberalismo tímido (Saraiva, 2001). Do outro os radicais,
chefiados pela rainha – e espanhola - Carlota Joaquina e seu filho, o príncipe Dom
Miguel.
A situação de Dom Pedro era delicada uma vez que, apesar de sucessor natural,
a independência do Brasil o fizera soberano de um país estrangeiro, o que causava um
mal estar motivado pelo medo que a sede da nação voltasse a ser o Rio de janeiro, agora
emancipado. Por outro lado era da vontade de seu pai que o mesmo assumisse o trono
português. O jeito foi conferi-lo a sua filha Maria da Glória - a época com sete anos de
idade – desde que a mesma fosse dada em matrimônio ao tio Dom Miguel, o que foi
realizado. Uma exigência foi estabelecida: de se promulgar uma nova constituição.
160
pejorativa de “malhados”, numa analogia às mulas que conduziam a carruagem real, no
momento em que sofreu um desastre e ficou ferido. Aconteceram inúmeras reações ao
governo de Dom Miguel. Liberais insuflaram revoltas na cidade do Porto, conquistaram
as ilhas Terceiras como polo centralizador dos refugiados, etc (Saraiva, 2001).
Bom, o fato é que encontrei um Miguel que não era exatamente aquele que eu
procurava. Não posso esperar que o imaginário seja metonímico o tempo todo, não é
mesmo? Antes de analisar os desencontros entre os dois Miguéis - o histórico e o mítico
- preciso apresentar o leitor ao segundo.
Pertence a categoria dos nobres gentis nagôs e como tal não estabelece muito
contato com os humanos. É bastante afastado, não gosta muito de conversa. Também
não fala de si “porque o povo branco não revela segredo” (Pai Serginho de Oxossi,
mineiro de segunda migração).
É um tipo de Xangô que se apresenta para ele como um homem branco de barba.
No sincretismo afro-católico corresponde a São Miguel Arcanjo. Quando está na terra
não se mistura com os encantados de status inferior. Permanece rodeado de sua própria
161
família. Bebe vinho em taça de vidro, mas nunca pega diretamente neste recipiente, o
enrola em um lenço.
Segundo Pai Serginho Dom Miguel “Come tudo que Xangô come”. E apresenta-
se ao religioso nos momentos difíceis de sua vida, por vezes cantarola suas doutrinas.
Têm muita ligação com os anjos pois teria nascido em Urugã que, para o
informante, é um pedaço do céu, pertencente a Zorogam 127. Ele é filho de Badé –
correspondente de Xangô - que segundo o religioso é a maior entidade nagô. Existe uma
hierarquia na qual Badé é o maior, depois vem Dom Miguel e os filhos.
127
Zorogam, pode ser uma corruptela de Zorogama, um tipo de Badé, que corresponde a Xangô.
162
Também possui relação com as almas. Seu símbolo é a balança, que representa a
justiça e fortalece sua ligação com Xangô.
Segundo consta, ele canta com muita realeza porque “na mina as pessoas se
unem, mas não se misturam” (Pai Serginho de Oxossi, mineiro de segunda migração). É
uma entidade que prima pela hierarquia. Em sua família ele é quem dá as ordens
“escreve o livro e faz com que o que está escrito seja cumprido” (Pai Serginho de
Oxossi, mineiro de segunda migração).
163
Consta que Dom Miguel transforma-se num tubarão por isso seu assentamento
leva, além de uma quartinha e uma balança, um maxilar de tubarão. Sua guia é de cor
vermelha e branca, como a de Xangô.
Chegada a essa conclusão é preciso dizer que o escolhido não foi um rei
qualquer. Tratava-se de alguém que não pertencia à linha sucessória. Usando a lógica de
Bloch (1993), não era um predestinado, muito pelo contrário. O seu próprio pai, antes
de morrer havia demonstrado interesse na sucessão do príncipe herdeiro, Dom Pedro I, a
essa altura imperador do Brasil.
Pensando com cuidado, Dom Miguel chegava a ser um traidor da nação, uma
vez que, apoiado pelas alas conservadoras, contrárias aos posicionamentos reais, e
principalmente pela Espanha, prendeu seus ministros e tentou destronar o soberano.
Neste jogo político o personagem teria cometido dois atentados aos valores do
imaginário mineiro. Primeiro armou contra aquele que possui o poder sagrado, depois
desrespeitou a hierarquia da família. Não se pode esquecer a posição estática de um
chefe que jamais é destronado ou sequer transita por outras cortes.
164
Foi a esse sujeito a quem coube o trono Espanhol. Ele que ansiava tanto em se
tornar imperador, conseguiu, pelo menos no plano do imaginário. Tornou-se rei da corte
inimiga que em vida o financiou. Portanto a ligação de Dom Miguel com a
nacionalidade espanhola não é mera criação ilógica.
Filho legítimo de Carlota Joaquina, irmã do rei do país vizinho, líder dos
conspiradores e opositora do próprio marido. A ela juntou-se o filho Miguel, no intento
de restaurar o absolutismo em Portugal, haja vista que a Espanha também o fizera. Em
1823, o então infante, “lançou em Vila Franca o pregão da revolta” (Saraiva, 2001),
insuflando a população contra o liberalismo.
Talvez o mérito que imortalizou seu nome tenha sido justamente essa apologia
ao absolutismo, ao centralismo. No entanto, não se pode esquecer que por duas vezes
ele atentou contra a soberania real. A segunda deu-se quando ele, em 1828, invadiu
Portugal e declarou extinta a constituição elaborada pelo irmão e regente, Pedro I.
165
De posse dessas informações sou capaz até de construir uma epopeia. Um
infante com tantas pretensões só poderia, zoomorficamente ser associado a esse animal.
Sem ser comerciante, tentou chegar ao poder por todos os meios, como quem almejava
um cargo de status, de poder simbólico (Bourdier, 1987). Neste sentido, como um
grande peixe, vorazmente quis devorar a soberania paterna e degustar o poder sagrado.
Não se pode esquecer que atrelado a ele se encontra o peso da aproximação com
a nação traidora. Não só durante o célebre episódio da União Ibérica se estabeleceu
rivalidade entre os países fronteiriços. No momento em que Portugal se viu encurralado
entre as pressões inglesas – nação de quem dependia economicamente – e francesas –
nova potência europeia que decretou o Bloqueio Continental – o governo espanhol
tentou convencer as tropas napoleônicas a ocupar aquele país. Em 1801, o exército
espanhol invadiu o território lusitano num episódio histórico conhecido como “Guerra
das Laranjas”128 e - resumindo demasiadamente os acontecimentos – autorizou que o
exército de Napoleão atravessasse seu território até chegar a Portugal, o que obrigou a
corte a fugir para o Brasil. Havia um acordo entre França e Espanha cuja finalidade era
esfacelar a nação lusitana e dividi-la entre si.
128
Este nome foi atribuído porque Godoy, uma das lideranças espanholas, colheu junto as muralhas de
Elvas um galho carregado de laranja e o enviou para a rainha, de quem era amante. É preciso lembrar que
esta rainha, por sua vez, vinha a ser mãe de Carlota Joaquina.
166
no seu livro a qualquer preço. Para concluir afirmo que, nos domínios do imaginário o
infante rejeitado pelo pai ascende à santidade, associado à São Miguel Arcanjo.
167
CAPÍTULO 6: O MITO E O SÍMBOLO: A
CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE
BRANQUIDADE
Parindo desse princípio se faz necessário lembrar que estou tratando de história
das mentalidades e como informa Le Goff:
168
possível referir a mentalidade sem fazer alusão à essa circulação de ideias. A separação
estabelecida entre classe popular e hegemônica, se atende com maestria às aspirações
da história política, aqui não faz nenhum sentido.
169
algo ilusório, fantástico, que pertence ao reino da fábula, da ficção como versa na
maioria dos dicionários (Buarque de Hollanda, 1946).
170
criadora - acima de tudo - de sentido “o homem é um ser que procura sentido. E para
satisfazer essa necessidade de sentido, cria o sentido” (Castoriadis, 1987: 87).
Tomando por base a obra de Victor Turner (2005), posso considerar que ele está
diretamente vinculado ao ritual, sendo sua “menor unidade (...) que ainda mantém as
unidades específicas do comportamento ritual. É encarado pelo consenso geral como
representando, tipificando ou lembrando algo (...) por meio da associação de fatos e
pensamentos. Podem ser objetos, relações, eventos, gestos, e unidades especiais em
situação ritual (Turner, 2005: 49).
171
conhecido apresentando uma linguagem acessível a todos os membros da comunidade
(Eliade, 1998: 368).
172
de situações e de modalidades. O simbolismo
aquático e lunar (por exemplo)130 tende a integrar
tudo que é vida e morte, quer dizer devir e formas.
Quanto um símbolo como a pérola, tende a
representar ao mesmo tempo este sistema simbólico
(...) encarnando por si só, todas as epifanias da
vida, da feminilidade, da fertilidade etc. Esta
identificação não equivale a uma confusão131:
simbolismo permite a passagem, a circulação de
um nível para o outro, de um modo para outro,
integrando todos esses níveis e todos esses planos
mas sem fusionar.” (Eliade, 1998: 369)
Seja como for, por seu caráter coletivo, o símbolo exerce papel harmonizador
uma vez que dramatiza as regras sociais comuns, reforçando-as no espaço ordinário ou
extraordinário.
130
Complemento meu.
131
Grifo meu.
132
Lévi-Strauss o autor preferiu denominar o pensamento das populações ágrafas como pensamento
selvagem, desconsiderando a nomenclatura anterior que era pensamento primitivo.
133
Outro elemento importante em sua teoria é que ela contesta uma ideia muito antiga entre os
folcloristas clássicos que opõe mito puro x mito deturpado. Para ele qualquer forma de mito é valida uma
vez que a sua essência não está na narração mas na sintaxe, na sua regra geral. Não procura os
significados particulares, isolados, baseia sua análise, naquilo que o mito tem de universal. Compara-o a
música, uma vez que ambos são formados por unidades constitutivas.
173
Como estruturalista que é, considera o pensamento humano como uma categoria
única e totalmente aberta a reflexão desinteressada, impulsionada exclusivamente pela
necessidade inata do ser humano de ordenar o mundo e classificá-lo a partir da
observação pura134.
Não tenho dúvidas de que as narrativas acima citadas foram construídas a partir
dessa “técnica” - ou falta de técnica. Nenhum dos religiosos abordados desenvolveu
projeto para analisar cientificamente a trajetória de rei Sebastião, Dom Manuel, Dom
134
Desta forma, autor francês acaba com a dicotomia pensamento primitivo X pensamento civilizado
(ciência). Para ele essas são as duas formas de olhar o mundo que se fazem presente em qualquer grupo
humano, nas sociedades ágrafas ou com escrita. A diferença que existe entre elas é que, o pensamento
selvagem é essencialmente mítico enquanto o outro opera por conceito.
174
João, ou qualquer outro como faria um historiador, por exemplo. Não se preocupam
com as balizas temporais ou tampouco selecionam uma documentação de arquivo. A
narrativa de meus informantes é construída por imagens e signos.
135
Não se pode esquecer de destacar que a análise levistraussiana do mito o desvincula da magia e da
religião e o trata essencialmente como um fenômeno de linguagem, influência total da linguistica
estrutural saussuriana. O mito é parte integrante da língua e se faz conhecer pela palavra. Lévi-Strauss
estabelece relação entre langue x parole, informando que a langue pertence ao tempo estrutural reversível,
cíclico, sincrônico enquanto a parole pertence ao tempo irreversível, estatístico, diacrônicoA Linguagem
compõe-se de três níveis: os fonemas, – menor parcela da linguística, vazia de significados – morfemas, -
unidade que modifica o significado de uma palavra – e sematemas – a relação dos significados, uma frase.
Apenas os morfemas e sematemas possuem significado. A música, segundo Lévi-Strauss (1970,1978)
também possui unidades constitutivas. É formada por dois níveis, quais sejam a nota e a frase melódica.
A nota equivaleria ao fonema isolado que não possui sentido enquanto a frase melódica equivaleria, em
análise muito simplificada, à frase gramatical. No mito, por sua vez, não há um nível equivalente ao
fonema uma vez que absolutamente tudo, dentro desta construção, significa. Sua menor unidade
constitutiva é o mitema, e possui significado. Todo mito possui os mitemas, que são os feixes de relações
invariantes, presentes em todas as narrativas de mesma natureza e o conteúdo (Lévi-Strauss, 1978) ou
fenômeno observável.
175
mental, (a imagem) superpõe-se, alternando e transformando-se”. (Laplantine &
Trinadade, 1997: 10).
Também é preciso ressaltar que esse senhor, branco com status de vodum é
cultuado, nesta religião negra. Colonizadores incluídos numa matriz religiosa de
descendentes de escravos. São as discrepâncias que o símbolo e o mito podem reunir em
si mesmo.
176
enfatizou que sendo africanos, eles só poderiam ser negros. Neste sentido voltei a
questioná-lo: “- Por que então costuma-se chamá-lo de branco?” A resposta foi enfática:
“- Para impor respeito!!!!”
Com este intuito a intelectualidade branca e mulata voltou seus olhos para a
negritude. Não parecia necessário falar do que era modelo de civilização por isso não
refletiam sobre o ser branco que se resumia simplesmente em ser. Ainda hoje
dificilmente este grupo social é identificado a partir da cor de sua pele ou tão pouco
acusado por causa disso, uma vez que ser branco era considerado mérito, na sociedade
brasileira. Imperava a invisibilidade dessa condição tida como desracializada (Bento,
2004).
Os pesquisadores da virada do século XIX se dedicaram a refletir sobre “o
problema negro”, o elemento totalmente outro, por vezes considerado doente
(Rodrigues,1977). E voltavam os olhos para essa questão significava no propósito de
177
buscar uma solução para que o Brasil, recém saído de um regime escravocrata, galgasse
a “normalidade”.
É preciso pontuar que esse primeiro ensaio reflexivo sobre o ser negro no Brasil
foi elaborado por profissionais da área da saúde que apontavam a existência desse
sujeito social, no entanto o fazia no intento de diminuí-lo e extirpá-lo.
178
Nina Rodrigues, médico da Bahia, professor de medicina legal (Motta-Maués,
1997: 37) preocupava-se com a inferioridade do negro136 partindo de dois conceitos
básicos: aculturação e sincretismo. Propunha outra solução para “esse problema”. Para o
autor:
“(...) Negros e índios constitui-se em raças
inferiores,, portadoras de uma mentalidade infantil,
marcada pela ‘impulsividade’ e ‘imprevidência’”.
(Motta-Maués, 1997: 38).
136
Em função da mestiçagem, o povo brasileiro seria caracterizado pela “falta de energia física e moral,
a apatia e a imprevidência” (Rodrigues apud Motta-Maués, 1997: 42).
179
Essa trajetória tão brevemente aludida acima, registra mudanças das linhas
teóricas e até dos sujeitos que as constroem. No percurso de um século o negro passou
de sujeito passivo e inferiorizado, para autor de sua própria história, reflexivo e ativo
diante da análise das relações sociais das quais ele mesmo faz parte.
Uma coisa, porém, não foi modificada: acento. Desde o século XIX o eixo da
análise tem sido o próprio negro. Seja como raça subalterna, cultura pré-lógica ou
modelo de brasilidade, ou autor do próprio texto, ele nunca saiu do centro da análise.
No máximo a intelectualidade letrada referia ao branco como contraponto. Ninguém
achava ser necessário analisar a branquitude.
180
Como bem delimita a Melissa Steyn (2004):
Ser branco é acima de tudo um fenômeno social. Está no plano da cultura e não
da natureza, envolve cor da pele, mas também aspectos sócioeconômicos como status e
poder político. Ruth Frankberg (2004) afirma tratar-se de uma posição de poder
vivenciada por uma situação confortável na geografia social da raça. Racheff (2004)
lembra que a branquidade tem valor em espécie, um tipo de propriedade que garante,
entre outras coisas, vantagens materiais.
Como modelo de humanidade, ser branco significa antes de tudo possuir poder
simbólico, garantir status, ter privilégios e prestígio. Branco é aquele que tem acesso à
dominação. A elite luso-brasileira é branca ou branqueada, haja vista que essa também
não é uma condição estática.
O status da cor pode ser instável. Num país como o Brasil pode-se tornar branco
ou deixar de ser branco. Uma pessoa ganha ou perde branquidade à medida que,
ascende ou decai na escala sócioeconômica, ou seja, o status dá acesso a branquidade.
Ser branco é sinônimo de não escravo, de não trabalho ou pelo menos não
trabalho manual. Ser branco é ter benefício material que dar acesso à posição de
181
vantagem, significado de privilégios, reconhecimento que transcende a morte e ao
esquecimento. Ser branco significa ter poder. E essa propriedade foi repassada como
riqueza pelas gerações (Racheleff, 2007) pelas estruturas diretas de dominação
veiculadas até nas festas populares.
O branco é sem dúvida um símbolo e como tal, um dos elementos que compõe o
imaginário. Busco os significados do branco retomando Victor Turner (2005). Destaco
a obra “Floresta de Símbolos” (Turner, 2005) deste antropólogo inglês que analisa a
cor branca para entender que significado tem para a sociedade ndembu (África).
Turner não observa essa cor isoladamente, mas em trilogia com outras duas que
são o preto e o vermelho. Segundo o autor, o significado dessas três cores é desde cedo
ensinado aos adolescentes, pois representam os princípios vitais. Neste sentido a alvura
representa:
“A bondade, saúde, pureza ritual,
imunidade aos infortúnios, autoridade política e o
encontro com espíritos. Representa em suma toda a
ordem moral, mais os frutos da virtude, (...) força e
fertilidade, o respeito aos companheiros e as
bênçãos dos ancestrais”. (Turner, 2005:93)
Para esse grupo étnico africano as três cores (branco, negro e vermelho)
representam os mistérios dos três rios (rio da alvura, do rubor e do negror), ensinamento
secreto passado para os meninos durante os rituais iniciáticos.
182
O principal dos três rios é o rio da alvura, considerado o mais velho único que
corre direto para dentro do abrigo de reclusão. Além da altivez e da senioridade, a
fertilidade é um dos significados contemplados pelo rio da alvura. A cor branca muitas
vezes é associada ao sêmem e, portanto, à masculinidade.
A brancura é além de tudo que já foi dito, falta de mácula, bondade, pureza,
limpeza, boa sorte, bem como poder, chefia, autoridade, vida, generosidade, coesão,
continuidade social, amadurecimento e ancianidade. “É em determinado sentido
idêntica a incumbência legítima de status socialmente reconhecido” (Turner, 2005:
117) Mais do que qualquer outra coisa a brancura representa a “divindade como
essência, fonte de amparo” (Turner, 2005: 116). O elemento água, considerada símbolo
universal de purificação é classificada como branca.
Esta cor entra em contraste com o negro e exerce uma relação ambivalente com
o vermelho. Como pares de opostos, branco e negro são respectivamente:
Se com a cor preta a alvura estabelece uma relação de antítese, com o vermelho
ela forma uma complementaridade. O vermelho é uma cor ambígua que transita entre o
branco e o preto, compartilhando de qualidades das duas cores. Representa acima de
tudo os rios de sangue. Sangue que pode ser negativo e positivo ao mesmo tempo.
183
Invoca o sangue menstrual e o sangue do parto, agressividade e matança. Neste sentido
pode-se averiguar o significado negativo do sangue.
Faro, por exemplo é o deus mais importante dos povo negro bâmbara.
Conhecido como o iluminado é classificado como branco. O branco faz parte das
chamadas cores frias (Durand, 1997: 148) que agem no sentido do repouso, do
recolhimento e estabilidade. Muitas cores frias redundam para o branco como o
dourado.
O dourado que está no sol também pode ser atribuído ao ouro. O ouro por sua
vez tem diversos significados, dentre os quais destaco o da brancura. No que tange a luz
solar, Durand cita o exemplo do Apocalipse onde:
Outro elemento a ser destacado é que em vários mitos, deuses ligados ao sol
estão vinculados a pássaros e por sua vez a altura
184
“No Egito o deus Atum chama-se a“grande
Fênix que vive em Hieliópolis. Rá, o grande deus
solar tem cabeça de gavião. Para od Hindus o sol é
uma águia e algumas vezes um cisne. O madeismo
assimila o sol a um galo que anuncia o nascer do
dia”. (Durand, 1997: 149).
No contexto desta tese a cor branca representa, sem dúvida, um símbolo sênior
(símbolo dominante) pois expressa “valores que são considerados fins em si mesmo”
(Turner, 2005: 50) para uma determinada sociedade. Polissêmico em sua natureza o
branco para os afro-brasileiros concentra a altivez do poder hierárquico e a pureza da
cor.
Também já foi dito que nem todos aqueles senhores classificados como brancos,
realmente o são. Muitas vezes orixás e voduns, deuses africanos, são classificados dessa
forma o que me leva a crer que ser branco é muito mais que possuir a tez esbranquiçada
ou descender de um grupo calcasiano. É estar em posição de destaque na hierarquia.
Cheguei a ver uma imagem de Dom José na qual ele está vestido com insígnias de
realeza europeia, mas possui a tez amorenada.
Desta forma, afirmo que branco na mina é sinônimo de posição social elevada,
hierarquia, retidão, seriedade, acestralidade, ancianidade e respeito. O ritual público
realizado para os brancos reflete esses valores.
185
Conforme descreverei no capítulo subsequente, a primeira etapa do ritual é
caracterizada pela ordem, pela hierarquia no posicionamento das pessoas, pelo ritmo
lento das doutrinas e dos passos, pelo respeito e pela subserviência dos mais novos em
relação aos mais velhos.
Nos terreiros dos mineiros de segunda geração os nobres gentis nagôs, dançam,
cantam e conversam. Eu mesma cheguei a fazer entrevista com Dom Miguel da Gama
incorporado em Pai Serginho de Oxossi. Apesar a postura diferente permanece a
posição austera e o distanciamento em relação aos cabocos, de posição inferior. Neste
caso o símbolo demarcador de status também diferencia-se. Usa-se um pano de tecido
fino dobrado sobre o antebraço curvo, prostrado em frente ao tórax do médium.
137
Segundo informação que me foi fornecida pela professora Anaíza Vergolino, em meio a uma Viagem
para Martinica realizada por uma comitiva de afro-religiosos paraenses assessorados pela referida
antropóloga, foi exibido uma filmagem da I Festa das Raças promovida pela Prefeitura Municipal de
Belém . Após a conclusão da apresentação, um afro-religioso haitiano se levantou e teceu comentário
acerca das vestimentas usadas pelos pais e mães-de-santo paraenses classificadas por ele como de origem
europeia.
138
Bordado fino de origem francesa.
139
Característica do transe de senhor entre os descendentes dos mineiros de primeira geração.
186
Caso o branco incorporado seja o dono da festa, ele é retirado do salão do ritual
logo após o transe, por uma pessoa importante da casa140, levado para a camarinha e
devidamente vestido. Na grande maioria das casas de santo de mina de Belém, essas
entidades não são paramentadas, mas ornamentadas com roupas finas (saia rodada e
blusa – mulheres – calça e blusa – homens) de tecidos brancos bordados (richelieu) ou
brilhosos, com as cores do branco festejado.
140
Pode ser a guia-da-casa, a mãe pequena, ou a filha carnal do (a) religioso (a) em transe.
187
Ao longo desse ritual, os presentes são chamados para comungar o afurá, uma
bebida branca, feita de massa de arroz, que é trazida para o salão do ritual, para a
capela ou para antessala do terreiro onde é servida numa cuia a todas as pessoas que
estiverem de corpo limpo141. O indivíduo para fazer parte dessa comunhão, tira os
sapatos, adentra sozinho no recinto, ajoelha na toalha branca sobre a qual fica o pote de
barro contendo o afurá, curva o corpo próximo ao chão e sorve o líquido lentamente,
meditando, agradecendo, fazendo pedido à entidade festejada.
Após todas as deferências os senhores são retirados por uma sala geralmente
localizada ao lado ou atrás do salão de ritual onde recebem novos cumprimentos ou são
procurados para uma benção especial. Em seguida vão embora deixando o religioso
desincorporado.
141
A pessoa que praticou relação sexual nos três dias que antecedem ao ritual no qual será servido o
afurá, não poderá comungar dessa bebida. Pessoas alcoolizadas não podem nem se aproximar do local de
comunhão.
142
Lembro-me que a primeira festa-de-santo que frequentei na vida foi em homenagem a Dom José Rei
Floriano. Nesta ocasião ainda não conhecia os códigos da religião que pesquisava e por isso adentrei ao
recinto toda vestida de preto. Nesta ocasião senti-me imediatamente olhada e logo percebi que, mesmo
sem saber, havia infligido a etiqueta afro-religiosa. Agasalhei-me atrás de uma estátua e de lá só sai ao
final da festa.
188
O sacerdote então retoma a direção do ritual e continua a cantar para orixás,
voduns e senhores de toalha até o momento da chamada virada para caboco, quando a
hierarquia se dissipa e o ritual passa a ser encabeçado por entidades mestiças.
143
Rei Sebastião não está relacionado a Xangô, o senhor da pedreira, mas a comunidade afro-religiosa
local reconhece como uma das encantarias deste senhor de toalha a pedra de Rei Sebastião, no município
paraense de São João de Pirabas.
144
Anaíza Vergolino em seu texto “Um Encontro na Encantaria: Notas sobre a Inauguração do
Monumental Místico Rei Sabá” (2008), mostra que existem várias formas de culto fitolátrico no Pará. No
município de Marabá, desde 1957 realiza-se uma devoção ao “Divino na Pedra”. Um garimpeiro,
conhecido como Zé Mostarda estava na Ilha das Pacas cavando algum cascalho, quando teve sua atenção
despertada para uma pedra pequena, com extraordinários desenhos coloridos (Vergolino, 2008: 141)
que passou a ser adorada pela população local como o Divino Espírito Santo. Em Maracanã, encontro-se
uma formação rochosa, que por expelir água, ficou conhecida como “pedra chorona”. O sítio onde fica a
referida pedra passou a ser reconhecido como lugar de encantaria. Fala-se ainda das “pedras vivas” que
mudam de cor e da pedra de Rei Sebastião, localizada na ilha de Fortaleza em São João de Pirabas..
189
José Flávio Pessoa de Barros em seu livro Xangô (1999) informa o aspecto
histórico desse orixá, destacando que Xangô, tanto quanto os senhores de toalha aqui
analisados, também teve vida e também foi um rei.
Conta-se que Oranian era um rei guerreiro que chefiara diversas expedições
expansionistas. Um de seus maiores feitos foi a fundação da cidade que recebe o nome
de Oyó significando “lugar escorregadio” que acontece durante os anos de 1170 e 3000
(Barros, 1999: pp.42).
Após a morte de Oranian seu filho primogênito Ajaká, assume como alafim mas
logo é substituído por Xangô que é fruto da união entre Oranian e Torosi. Xangô nega a
exploração econômica recusando-se a pagar tributo e implementa uma campanha
expansionista sobre os domínios de Oyó. Essa expansão se deu por intermédio de
guerras e de casamentos. Portanto os inúmeros enlaces matrimoniais de Xangô
representaram estratégias políticas. Consta que possuía poderes mágicos de cuspir fogo
e dominar os raios (Barros, 1999: pp. 43)
190
Sabe-se que o elemento da natureza ao qual Xangô145 está ligado é a pedreira.
Num dos terreiros estudados por mim este orixá é representado pela imagem de São
Jerônimo posta no alto de várias pedras. Muitas das doutrinas oriundas da umbanda que
são entoadas em português pelos mineiros em homenagem ao orixá Xangô referem-se a
este elemento da natureza.
145
Tenho conhecimento de que Xangô é uma denominação genérica. Existem vários tipos de Xangô
dentre os quais destaco:
ABOMIM – SÃO JOÃO BATISTA
AFONJÁ - SÃO JOÃO
- SÃO JERÔNIMO
AGODÔ - SÃO JOÃO
XANGÔ - SÃO PEDRO
Também estou ciente de que cada Xangô pode ser sincretizado com mais de um santo católico bem como
que a associação varia de acordo com a região do Brasil. Os afro-religiosos paraenses não especificam
que tipo de Xangô representa cada senhor de toalha. Quando questionados eles se limitam a responder: “-
É um Xangô”. No entanto é preciso destacar que a relação de Xangô com São Pedro endossa a
mitologema da pedra. Para explicar essa afirmativa retomo o trecho do evangelho de São Matheus
capítulo 16 versículos 18 e 19, no qual /lê-se “Por isso eu lhe digo: Você é Pedro, e sobre essa Pedra
construirei a minha Igreja e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do reino
dos céus e o que você ligar na terra será ligado no céu e o que você desligar na terra será desligado no
céu” (1990). Neste trecho percebo a relação de São Pedro com a pedra, firme o suficiente para erguer
uma Igreja.
191
Referindo a ideia de mitologema, introduzida por Mircea Eliade (1998), percebo
que a pedra é símbolo que universalmente significa estabilidade.
192
Ao cruzar as fronteiras da realidade e entrar para o mito o ser humano anula o
tempo cronológico e passa a fazer parte de um tempo quase imóvel caracterizado pela
permanência muito mais do que pela mudança. Trata-se de um tempo inerte que está
para além do tempo biológico. Assim o sujeito eterniza-se feito pedra. E esta afirmação
pode ser lida como uma metáfora piegas, mas também pode ser levada ao pé da letra
uma vez que, sincretizado com o orixá, o rei europeu é entronizado na pedra146 e passa a
ser zelado pela vida inteira. Ao tornar-se encantado os reis europeus transcendem os
limites humanos, superam os limites profanos e se eternizam.
146
Alguns religiosos afirmam que os senhores de toalha não possuem assentamentos. Outros declaram “É
um Xangô” e por isso está assentado em uma pedra.
193
Estado e, portanto, símbolo máximo de poder. O poder é transmitido de um rei para
outro através do fenômeno da hereditariedade, portanto, pertencem a mesma linhagem.
Em comum esses reis possuem a imortalidade pelo mito. Ascenderam a categoria sobre-
humana de encantados. Foram sincretizados com Xangô, o senhor da justiça, dono das
pedreiras cujo símbolo é uma machadinha com dupla face confeccionada em metal ou
pedra.
Não posso afirmar que a pedra de Xangô – Dom Miguel, Dom José, Dom João –
seja um “megalito funerário”, mas posso sugerir que cumpre o papel de
“representação concreta do antepassado” (pp. 178) seja ele negro ou branco.
Respectivamente o “Alafim de Oyó” e Rei de Portugal.
194
6.3. O Simbolismo da Água
“A identidade (portuguesa) é
principalmente o mar, o ancestral mar português
dos descobrimentos e da aventura que levaram a
conquista e a cultura mercantil, mas também o da
invenção de um novo mundo, resultante de choques
culturais profundos e de um novo homem,
igualmente lavrado pelas forças nascidas desse
movimento. Nos oceanos abriram-se os caminhos
que levaram a conquista e a cultura europeias na
expansão transoceânica, mas cujas águas
abrigaram igualmente cobiça, a imprevidência, a
tempestade e o naufrágio, em suma, o grandioso, o
grotesco e o trágico que deram forma real e
dramaticamente humana ao mundo da expansão
mercantil. E como principalmente tratava-se do
mar, uma halo de terror envolveu a mentalidade de
uma Europa que se voltava, findo o medievo, para
as águas abismais, defrontando-se com as suas
realidades, convivendo com seus mitos” (Coelho,
1998: 44).
Cruza-se o mar mediterrâneo numa cruzada católica. Por último parte-se para a
dominação de novos continentes. Nesta empreitada Dom João II torna-se o “rei da
Guiné”. Ocupa Ceuta em 1415, Madeira, 1420, Açores em 1427.
195
Bartolomeu, Diogo Dias alcançam o Brasil na
primavera de 1500. Magalhães completa a primeira
volta ao mundo em 1520”(Durand, 1998:196).
196
As águas portuguesas são mares de navegação maravilhosa repletas de monstros
e abismos, cenário da possibilidade do fim do mundo. Todavia diante desse perigo, o
marinheiro conquistador, homem de poucas letras, se fez pequeno e apelou para o
sobrenatural.
Neste sentido outra mitologema não poderia ficar fora da mitologia luso-afro-
brasileira e por sua vez da mitologia mineira: a água. A imagem da água se expressa nas
narrativas dos afro-religiosos e principalmente nas doutrinas. Elas sempre descrevem
os reis como desbravadores, conquistadores e civilizadores. Por vezes enfatizam as
dimensões reais diante do oceano atravessado, supervalorizando a estirpe real diante de
seus contratempos. Tem-se nesse sentido, uma dicotomia: homem X natureza.
Laura de Melo e Souza em seu livro “O Diabo e a Terra de Santa Cruz” (1986)
ressalta que para o europeu, em se tratando da natureza americana, predominava o
edênico. O novo mundo era dotado de fertilidade e vegetação luxuriante (pp. 34) capaz
de expressar a presença divina.
197
36). Colombo se extasia diante a diversidade dos animais. Pero Vaz de Caminha na
carta escrita a Dom Manuel “em de tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar,
dar-se-á nela tudo diante das águas que tem” (Caminha apud Mello e Souza, 1986: 37).
O rei, que está acima dessa empreitada, faz-se maior. Maior que o oceano,
dominador da natureza, imortal. Transforma-se no branco mineiro que torna o Atlântico
local de passeio. Posso pensar, diante dessa descrição, que o status de realeza supera a
condição de humanidade e dominam a própria natureza.
Os mitos de rei Sebastião também estão repletos de água147. A água que divide a
Europa da África, o mar que traz o rei morto para o imaginário. As trovas recolhidas por
147
Anaíza Vergolino, em seu artigo “Um Encontro na Encantaria” (2008) constata que a pedra de Rei
Sebastião, localizada na praia de São João de Pirabas, acompanha-se da estátua de outras quatro entidades
198
Lucetti Valensi falam de terras encantadas, no meio do oceano, que se tornaram morada
“do Encoberto”. As narrativas portuguesas não previam que as histórias de terras
encobertas viriam parar no tambor de mina, ou que “no balanço do mar”148 Rei
Sebastião se tornaria majestade de uma religião de matriz africana, nem tampouco que
sua encantaria estaria localizada nos no fundo da praia do Lençol Maranhense. Outra
doutrina afirma que as correntes de rei Sebastião são capazes de fazer o terreiro tremer.
Posso referir corrente como sinônimo de correnteza, de água violenta, haja vista que a
mesma canção menciona os termos maré e enchente.
Dom José, por sua vez, recebe a denominação de russo pombo de maresia.
Possui um cavalo149 com o qual atravessou o oceano para conferir condição de nobreza
a seus filhos pretos de além mar. Uma doutrina o classifica como forte do mar.
Estabelecendo relação entre as duas mitologemas: a água (mar) e pedra (forte). Outra
afirma categoricamente que o rei lusitano atravessou o oceano, vindo pelas águas
verdes.
Marquês de Pombal é classificado de camboeiro, remador, condutor de uma
nação do mar para a terra. Acrescenta-se outro título de nobreza ao Marquês que
ascende à categoria de duque a conduzir sete navios nas ondas do mar.
Não tenho como encontrar explicações categóricas para o silêncio que distancia
o rei francês do simbolismo das águas, nem tampouco reconhecer se este é um dado
preciso uma vez que não presenciei no Pará festas em homenagem a Dom Luís. Em
cima das minhas constatações a respeito deste senhor, possuo hipóteses.
Talvez a exclusão de Dom Luís se refira a um dado histórico preciso. Não posso
negar que a França se lançou ao fenômeno da expansão marítima tardiamente. Talvez
populares em nos terreiros de mina: Iemanjá, Jarina, Mariana e Zé Raimundo. Ressalta que esse conjunto
simbólico está localizado em meio ao “cenário oceânico paradisíaco”(pp. 139).
148
Frase retirada de doutrina cantada em homenagem a Rei Sebastião.
149
No centro histórico da cidade de Lisboa (Portugal) existe uma estátua equestre de Dom José.
199
seja uma forma de demarcar oposição entre nacionalismo português X ameaça francesa.
Posso considerar as duas sugestões como plenamente pertinentes ou posso negá-las.
Seja como for não gostaria de me deter nessa minúcia.
Para que esse texto faça sentido preciso retornar ao fenomenólogo, historiador
das religiões de nacionalidade francesa, Mircea Eliade (1998). Este autor, em sua
incessante busca por sentidos universais percebe a água como elixir da imortalidade,
fonte de todas as coisas e todas as possibilidades, seguridade de longa vida, força
criadora.
200
água confunde-se com sêmen viril. (...) A água é
germinativa, fonte de vida” (Eliade, 1998: 154-
155).
201
negro, matando-o para que seu reino viesse à tona do fundo do mar. Isso ocasionaria a
submersão de São Luís do Maranhão. O touro também se faz presente nas narrativas
sobre Dom José, que teria entrado para encantaria montado num touro. Dom Miguel
por sua vez está encantado num tubarão. Seu assentamento leva uma arcada dentária
deste animal.
Dom Manuel, Dom José e Marquês de Pombal estão ligados ao pombo. Dom
Manuel pelo sincretismo com Oxalá e com Jesus Cristo. Dom José é referido como
Russo Pombo. Marquês de Pombal por algumas doutrinas que o chamam de vodum
Pombo Indeá150 como:
As narrativas sobre Dom João, por sua vez, fazem referência a regionalismos. A
imagem do boto que acompanha o seu navio é uma influência amazônica na mina
maranhense. Suas doutrinas descrevem Dom João como cavaleiro do mar. Neste
sentido o animal registrado é o cavalo.
É preciso referir que esses reis portugueses não são, de forma alguma,
confundidos com os animais. A imaginação não se confunde com a coisa em si. Trata-se
de uma representação abstrata e metamórfica na qual natureza ganha ares sobrenaturais.
Cabe ressaltar que na maior parte das narrativas míticas universais, a metamorfose não é
característica de qualquer parcela da população. Geralmente o imaginário atribui essas
características a pessoas que estão à margem da sociedade, bruxos, feiticeiros, membros
de religiões não oficiais. No caso aqui mencionado nenhum dos nossos nobres são
personagens marginais, todavia não posso incluí-los na categoria de pessoas comuns.
Talvez a metamorfose marque a situação extraordinária do rei, personagem político
supremo dotado de qualidades taumatúrgicas (Bloch, 1993).
150
No centenário Terreiro Dois Irmãos, mãe Lulu, a chefe da casa recebe Dom José Rei Floriano e mãe
Naza, a mãe pequena se incorpora com um senhor conhecido como Pombo de Ar.
202
“Na África homens se transformam em leão,
hiena, macaco, leopardo e crocodilo. As almas dos
chefes tomam a forma de animais nobres
(Ronecker, 1997: 55).
A imagem do touro traz em seu bojo o sentido de poder, ímpeto, força viril,
criação. A arte grega representa Hércules como um campeão de pescoço de touro. Na
Índia o touro Indra representa audácia mas também fecundidade e fertilidade. Por vezes
ganha sentido de elevação, origem divina e espiritual. Trata-se de uma comunicação
com as forças espirituais.
203
291). Ronecker (1997) lembra ainda que o touro é um cosmóforo, ou seja, “o suporte do
mundo manifestado” (Ronecker, 1997: 292).
A pomba por sua vez “é associada a razão em sua apreensão do mundo visível;
a pomba amorosa da solidão procura a realidade visível (...) Pode-se relacionar os
planetas com a pomba” (Ronecker, 1997: 81-82).
O autor lembra ainda que no simbolismo alquímico o pássaro repousa sobre uma
árvore do mundo representando o fenômeno da criação (Ronecker, 1997). Esse
significado é muito pertinente no tecer da analogia entre pombo e Dom Manuel, que
corresponde, no sincretismo, ao vodum e ao orixá responsável pela formação do mundo.
Além disso enfatizo que o pássaro é simbólico por suas asas que demonstram
“desejo de elevação, aspiração a luz divina”. (Ronecker, 1997: 97). Sua pena
representa verdade, imortalidade e poder espiritual.
204
pertinência, uma vez que ressalta o sentido de não morte, de eternidade do homem que
saiu da história para entrar no mito, deixa a cronologia para o tempo de longa duração.
205
CAPÍTULO 7: POR UMA SOCIEDADE DE
CORTE NOS TERREIROS DE BELÉM
Uma das grandes dificuldades que tive durante a confecção dessa tese, foi a de
construir uma etnografia. Descrever um ritual destinado à saudação dos senhores de
toalha foi problemático dado o grande números de terreiros por mim pesquisados e as
muitas festas vivenciadas.
206
A imagem de São José – santo que corresponde à Dom José - é levada no dia
anterior e pernoita na residência escolhida para ser o ponto de partida da procissão, que
invariavelmente localiza-se no bairro do Guamá. Lá chegando, o dono da casa serve um
lanche aos visitantes. Geralmente mingau ou suco com bolo.
O percurso varia um pouco todos os anos uma vez que, o santo sempre sai de
uma residência diferente mas invariavelmente segue a Av. Conselheiro Furtado até a
Av. José Bonifácio passando em frente ao cemitério de Santa Izabel, onde faz uma
parada. Na porta do campo santo o andor é prostrado de frente e uma saudação é feita
com fogos e orações.
Após a parada realizada na porta do cemitério, o cortejo vai pela Av. José
Bonifácio rumo ao Mercado do Guamá151, que tem como padroeiro São José. Neste
recinto o andor entra, a imagem percorre os corredores do mercado recebendo
homenagem dos feirantes e seguindo sua caminhada pela Barão de Igarapé-Miri, barão
de Mamoré até a Pedreirinha, onde está localizado o centenário terreiro.
151
O mercado do Guamá está situado na esquina da Av. José Bonifácio com a Barão de Igarapé-Miri,
principais ruas do periférico bairro, universitário, do Guamá.
207
Quando o andor entra no mercado, um acompanhante, desvia a rota para avisar
aos religiosos que permaneceram no Dois Irmãos, a localização do santo dando início a
salva de fogos que só termina depois da chegada da procissão ao terreiro.
Na porta do terreiro centenário estão mãe Lulu, Mãe Naza e outros membros da
comunidade, já vestidos com roupas rituais – richelieu – esperam São José chegar. O
fim da procissão é saudado com muitos fogos, lágrimas, doutrinas de Dom José e
emoção. Uma pessoa defuma a fachada, o andor e os peregrinos. O santo adentra o
barracão, ainda agasalhado em meio às flores e fitas, sob o rufar dos tambores e o som
frenético dos aplausos.
Mãe Lulu, tocando a sineta de cobre toda enfeitada com laços de fita nas cores
azul e amarelo, guia o santo para dentro. O andor dá três voltas no terreiro e depois é
repousado em duas cadeiras. Tem início uma festa pública curta durante a qual de canta
para Verequete, Dom José e outros brancos, até que o dono da festa incorpore em mãe
Lulu. Imediatamente após, mãe Ana recebe seu Verequete152.
Uma vez em guma essas entidades são levadas para a “sala dos velhos” onde
darão início a mesa dos inocentes. As filhas e netas de mãe Lulu estendem uma esteira
no chão sobre a qual coloca-se uma toalha branca, sob a qual será servida essa
comunhão compartilhada apenas por crianças.
152
O terreiro centenário recebe o nome de Dois Irmãos como uma referência feita a Dom José e
Verequete. Dom José era o santo recebido por Mãe Amelinha,segunda liderança do terreiro e mãe
biológica de Mãe Lulu. Mãe Lulu por sua vez, recebe o vodum Verequete, mas herdou de sua genitora o
Dom José. Nessa casa religiosa as duas entidades são festejadas juntas. Na ocasião da festividade de Dom
José, por exemplo, a primeira noite de festa é destinada a saudar o senhor de toalha e a segunda o vodum.
208
refeição é feita com as mãos. Os menores são ajudados pelas filhas e netas de Mãe Lulu
que permanecem no recinto organizando tudo.
O ritual dura cerca de meia hora. Ao término dele, traz-se água para lavar as
mãos das crianças que tomam a benção das entidades e se retiram. Conforme a mesa vai
sendo desmontada, algumas pessoas adentram, se ajoelham aos pés dos brancos numa
atitude de saudação e pedido de proteção.
209
Quando em terra, mãe Josina recebe o nome de Mestrinha e possui até doutrina.
Geralmente a Mestrinha só vem em rituais fechados dos quais participam apenas os
membros da casa. A performance corporal da médium que a recebe muito se assemelha
a do transe de branco. A família de mãe Lulu e os membros da comunidade religiosa
ajoelham-se aos pés da ancestral que os abençoa esfregando a base da vela no centro da
cabeça e nas costas de cada pessoa. Após a ida da Mestrinha, mãe Lulu encosta o ritual
que será reaberto na noite do dia 19.
Outros terreiros de mina realizam procissão antes das festas públicas para
senhores de toalha. Pai Orlando Bassu (filho de Xapanã) liderança do Abassá Afro-
Brasileiro Lego Xapanã, promove peregrinação para São Sebastião no início da noite
de 20 de janeiro, saindo da Igreja de São Judas Tadeu, no bairro da Condor.
210
O xirê varia muito de terreiro para terreiro. Algumas casas abrem o ritual
tocando o embarabô153. Outros religiosos iniciam cantando para o vodum dono de
cabeça do chefe da casa, a exemplo do centenário Terreiro Dois Irmãos onde a maioria
dos rituais são abertos com doutrinas em homenagem a Verequete. Posso dizer que o
ritual de mina costuma dividir-se em quatro partes:
Na mina, existe dois tipos de dança154 mais recorrentes em festa de senhor. São
elas:
153
Trata-se de um conjunto de doutrinas de Exu seguidas por outras destinadas a Ogum. Esses dois
orixás são responsáveis pela abertura do ritual uma vez que são considerados senhores dos caminhos.
154
Refero-me aqui especificamente a posição dos dançantes não aos passos, que são diversos.
211
Quando a primeira fila esta no fundo do salão a última posiciona-se em frente aos
tambores. Logo a posição se normaliza.
A medida em que as doutrinas para os senhores vão sendo entoadas, aqueles que
recebem as entidades entram em transe. Geralmente o primeiro a incorporar-se é o dono
da festa. Quando isso acontece os seus filhos dirigem-se até ele, jogando-se a seus pés,
numa saudação conhecida como dubá. Os mais antigos e os demais sacerdotes
presentes no ritual limitam-se a beijar-lhe a mão num pedido de benção ou a
cumprimentá-lo curvando o corpo.
212
pernas permanecem unidas e paradas. O rosto fica fechado e baixo, os olhos apertados e
os braços posicionados na costa.
Nos terreiros dos mineiros de segunda migração os nobres gentis nagôs dançam,
cantam e conversam. Eu mesma cheguei a fazer entrevistas com Dom Miguel da Gama
incorporado em pai Serginho de Oxossi. Todavia, apesar da diferença permanece a
postura austera e o distanciamento em relação às entidades de status inferior.
A guia da casa coloca o alá na cintura do senhor que está em guma, ou cobre-
lhe a cabeça com a mesma. A assistência aplaude e tem início uma sessão de
cumprimentos que geralmente segue a hierarquia do ritual. Os religiosos de pouco status
se ajoelham aos pés da entidade ou lhe batem a cabeça155.
Após as saudações, o branco entoa algumas doutrinas numa voz baixa e rouca e
é retirado do salão para ser devidamente vestido com roupas apropriadas. O ritual
continua, dirigido por uma pessoa de destaque da casa – a guia da casa ou mãe pequena
- e na sequência, pelos religiosos visitantes da festa. O xirê segue com doutrinas para
senhor. Badé, Xangô, Dom João, Dom Sebastião, Oxum, Iansã, Nanã, Iemanjá e muitos
outros. Entre as doutrinas cantadas destaquei as que considero mais bonitas:
155
Chama-se de bater cabeça o ato de prostrar-se aos pés do senhor, fazendo-lhe o dubá.
213
Senhor Badé Pedro Angasso
É de Kokoriá”
“Kocoriô, Kocoriô
Kokoriô, Kokoriá
Badé foi a Mina de Kokoriô”
“Ela é sereia
Sereiá
Ela é Sereia
A rainha do mar
Ô Janaina
Princesa Real
É encantada
Na Cobra Coral”
“Ô menina, ô menina
Oxum é uma menina
Ô menina, ô menina
Oxum é uma menina”
214
Uma pessoa do terreiro adentra o salão do ritual distribuindo pétalas de rosa,
numa bandeja prateada. Este é o sinal de que o Dono da Festa está pronto e voltará à
guma para ser homenageado.
156
Geralmente esses religiosos, ou recebem a mesma entidade ou fazem parte da rede de afinidades da
pessoa incorporada.
215
Os caboclos da mina não costumam usar penas, mesmo aqueles ligados a mata,
como os índios. Geralmente vestem blusas e calças (ou saias), confeccionados a partir
de tecidos de algodão com estamparias coloridas. Amarram lenços ou faixas na altura da
testa ou usam chapéus.
O processo extático é bem mais agitado do que o de senhor. O caboco faz tremer
o corpo do religioso, joga seus sapatos longe, arranca-lhe o ojá de ori e os adereços que
porventura prendam os cabelos do médium. A primeira atitude dos cabocos em guma é
cumprimentar a assistência e reclamar que estão “secos”, ou seja, com sede de cerveja.
Cada caboco vai para frente do tambor se apresentar até os que incorporam em
filhos-de-santo de pouca notoriedade. Alguns deles chegam a tocar instrumentos
musicais como o cheque e o agogô.
216
Ou seu ethos boiadeiro:
E a sua valentia:
“Ele atirou
Ele atirou e ninguém viu
217
Só ele mesmo é quem sabe
Aonde a flecha caiu”
Por volta das duas horas o ritual encaminha-se para o encerramento. Chega o
momento de expulsar os cabocos. Alguns reclamam. Mesmo a contragosto, começa a
despedida. O ritual de encerramento varia muito entre os terreiros Belém.
A corte é o lugar onde evolui uma forma de sociedade específica, de alto status
“a boa sociedade” (1993b: 17). Possui regras próprias de comportamento, códigos de
conduta e linguagens simbólica que as diferenciam das ordens sociais de menor
status.157
157
A idéia de sociedade de corte surgiu na França absolutista e se difundiu para o mundo ocidental.
218
própria que funciona como sinal diacrítico para marcar sua posição na hierarquia. Nesse
espaço social “os hábitos mais rudes, os costumes mais soltos e desinibidos da
sociedade (...) são suavizados, polidos e civilizados.” (1993b:18). Trata-se de um grupo
marcado pela autodisciplina e pelo autocontrole, formado por homens pretensamente
superiores que gera uma cultura de corte.
Outra antítese destacada por Elias é a que separa paganismo de cristianismo. Ser
civilizado, durante a Idade Moderna, era sinônimo de ser cristão. Em nome da cruz e
(...) da civilização a sociedade do ocidente, empenha-se em guerras de colonização e de
expansão. (Elias: 1993:67).
158
Ritmo lento, tocado no do tambor prioritariamente para orixás, voduns e senhores de toalha.
159
Ritmo ligeiro, tocado no tambor, prioritariamente para cabocos.
219
Retornando aos encantados mineiros tenho, no alto o branco colonizador que
realiza procissão, de postura austera e contida, de pouca fala, de passos lentos, de
contrição. Do outro, encontra-se o mestiço colonizado, cristianizado mas que jamais
ascendeu ao patamar da civilização. Essa tentativa de branqueamento ideológico deu
origem, pelo menos em nível do imaginário, a uma sociedade miscível (Freyre, 1968)
que antropofagicamente sintetiza a vestimenta de pena à adoração ao santo católico160.
Se já está claro que o ritual realizado para os nobres gentis nagôs é um ritual de
corte, os senhores mineiros apresentam-se como “pessoas de distinção” que dominam a
civilidade (Elias, 1993b:17). Entre os sinais diacríticos que atestam o caráter
aristocrático do branco mineiro destaco:
b) O Olhar inerte.
160
No Tambor de Mina existem alguns cabocos que têm adoração a santos católicos.
220
O olhar do nobre mineiro mistura afabilidade e inércia. Com carinho, este rei-
deus fita acolhedoramente o filho ajoelhado aos seus pés em atitude de reverência. Com
inércia ele demonstra a estabilidade de quem é pedra, como Xangô (Capítulo 6).
c) A lentidão:
“O passo não deve ser demasiado lento nem
demasiado rápido. (...) O nobre, ou qualquer outro
homem de honra, não deve correr como um lacaio,
nem andar tão vagarosamente como mulheres ou
noivas. (...) O nobre não deve (...) correr na rua ou
apressa-se demais uma vez que isso é próprio de
lacaio e não de cavalheiro” (Elias, 1993:89)
d) O não comer. Como uma festa de corte os rituais de terreiro são fartos
de comida e bebida. As comidas são servidas para a assistência e religiosos não
incorporados e as bebidas, divididas entre estes e os cabocos. “No ato de comer (...),
tudo é mais simples e são menos restringidos os impulsos e inclinações”. O
comportamento cortês não admite, por exemplo, barulho a mesa:
221
ele renunciou toda a boa educação” (Elias
1993:77)
Também não se pode atacar o alimento vorazmente. Era condigno aos homens
finos, comer pouco e pausadamente. Os senhores de toalha são aristocráticos até no
hábito de não comer e de beber apenas bebidas finas.
Nas ocasiões em que são servidas comidas secas, as mesmas devem ser
consumidas com a mão tal qual fosse um jantar da corte francesa. Lá também, os
sólidos são pegados com a mão e os líquido com conchas ou colheres” (Elias, 1993:
80), seguindo a regra da cautela.
A higiene é outra máxima a ser seguida, toda vez que uma refeição de corte se
encerra, os participantes devem invariavelmente lavar as mãos (Elias, 1993: 99). O
mesmo ocorre nas comunhões mineiras, pois um recipiente com água é mantido no
recinto para que os fiéis, que participaram da mesa e se higienizem.
222
O ritual real “ordenam proximidade e distância com relação ao monarca. A
submissão dos subalternos está na postura e posição corporal que se derrama (dubá) aos
pés do rei num ato sempre subserviente. A soberania, o poder são inculcados nas mentes
de forma leve.
Dessa forma, o corpo do médium é domesticado para ser cavalo real e os outros
fiéis, tornam-se serviçais, sempre atento à necessidade de enxugar-lhe o rosto quando o
suor escorre ou trocar-lhe a roupa quando incorpora em meio às festas públicas.
O nobre gentil nagô é maior do que tudo isso, está acima do sentido de
humanidade. Sua performance em guma é uma exaltação a sua superioridade. Seu rosto
fechado não expressa sentimento algum. Não se excede na alegria nem demonstra
tristeza. É superior a todas as emoções.
223
corpo fechado161. Na possibilidade do exagero de bebida alcoólica. No riso farto e
sonoro. Por vezes até pornografia mencionada.
O tecido ganhou fama, pois além de ser sinônimo de riqueza, distinguiu-se por
sua técnica, realizada com pontos cortados aplicados sobre um fundo de tecido aberto,
no qual os fios são delicadamente retirados até formarem verdadeiros vazios entre os
motivos.
161
Um nobre nunca se senta em pequenos bancos de pouca altura, nem tampouco permanece com as
penas abertas.
162
As informações sobre o bordado richelieu foram cedidas pelo co-orientador desta tese, Profº Dr.
Aldrin Moura de Figueiredo.
163
Essas informações me foram repassadas pelo meu coorientador, o historiador Aldrin Moura de
Figueiredo.
224
Segundo Aldrin Figueiredo (2008), o cronista da moda, João Affonso, autor do
livro Três Séculos de Moda, ao analisar e a evolução da indumentária no Pará,
comparou a imagem dos primeiros colonizadores (como o próprio Francisco Caldeira
Castelo Branco) à imagem de Luis XIII e da nobreza de Richelieu. É interessante notar
o significado de nobreza do bordado que irá permanecer incólume nas religiões afro-
brasileiras.
Após tudo que foi dito, partindo da ideia de que “O Estado ganhava o caráter
de uma ação social do rei”(Elias, 2001: 67), ao adorar o rei português, o mineiro
paraense, rememora o Estado lusitano, ritualiza o processo colonizador e o jogo de
relações sociais suscitado por ele, em nível do imaginário.
225
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tudo que se passava com a família real chegava ao povo, via festa. O casamento
de Dona Maria foi amplamente festejado na Bahia com presença de cavaleiros vestidos
à mourisca, batalhas fingidas, banda de tambores, etc... Durante o XVII, mas
precisamente em 1641, o holandês Maurício de Nassau fez uma encamisada para
homenagear a aclamação de Dom João IV (Priore, 1994).
Outro elemento intrigante era a relação entre a imagem real e a luz produzida
pelos fogos de artifício. Em Sabará, durante uma comemoração religiosa, acionou-se um
fogo de artifício brilhantíssimo, no fim do qual apareceu o retrato de sua magestade;
oportunidade que fez o governador gritar “Viva El Rei Nosso Senhor”, para o povo
transportado (...) responder “Viva o Rei do Reino Unido”” (Priore, 1994: 40). O rei
estava associado a um instrumento capaz de mudar o curso da natureza, iluminando a
noite, neste período ainda muito escura.
Esse artifício tinha também finalidade religiosa, que atraía pela estética, com
anseios proselitistas. Foi a Igreja que atrelou religião e realeza. A mensagem pastoral,
passada em seu bojo divulgava o aspecto centralizador da Coroa Lusitana. A festa
ganhava conotação de propaganda governamental.
226
Outros valores foram festejados, dentre eles cito a guerra entre mouros e cristãos
que se traduzia numa vitória portuguesa cristã e fazia apologia à branquitude. O negro e
o índio eram sempre associados, metaforicamente, a figura do perigo e do mal.
164
O maravilhoso ganha quatro dimensões quais sejam:
O maravilhoso hiperbólico – Maravilhoso se apresenta pela exacerbação das
dimensões
O maravilhoso exótico – O ato de narrar os acontecimentos sobrenaturais não
deixa claro esta conotação.
227
sentido o sumiço de Rei Sebastião, para os mineiros do Pará é um conto maravilhoso,
bem como também o é, o encante de Dom Miguel num tubarão.
Nos rituais existe uma clara demarcação de limites entre senhores e cabocos
(Leacock, 1972). Quando um senhor está em terra nenhuma entidade de menor status se
228
aproxima. Caso isso ocorra é imediatamente afastada. São referidos por primeiro na
sequência de cânticos, demonstram sua posição na hierarquia, usam alá.
165
O título desta tese Tem Branco na Guma, foi inspirado no Livro Desceu na Guma da Profª Drª.
Mundicarmo Ferretti.
229
GLOSSÁRIO
Adjá: Sineta em metal com mais de uma campânula inserida na mina através do
processo de nagoização. Possui a mesma função da sineta acima referida.
Afurá: Bebida fina, feita de massa de arroz servida como comunhão, em festas de
voduns, orixás e senhores de toalha.
Agogô: Instrumento de metal com duas campânulas que marca o ritmo das doutrinas
entoadas no terreiro de mina. Geralmente o agogô que inicia a doutrina pois é
introduzido antes do toque do tambor. Alguns religiosos afirmam que o agogô é um
instrumento ligado a Ogum.
Alá: Toalha branca de tecido nobre (geralmente richelieu) estendida sobre a cabeça das
entidades de alto status.
Alimentar: Dar comida aos orixás, voduns, cabocos e outras entidades. Os adeptos dos
cultos afro-brasileiros acreditam que tambores e entidades comem, por isso é preciso
alimentá-los com as comidas específicas.
166
No glossário nenhuma palavra será grafada em itálico.
230
Angoleira: praticante do candomblé angola.
Assentado: Sacralizado.
Assentar: Ato de fixar axé, sacralizar, tornar algo sagrado, realizar assentamento.
Axé: Força vital. Com esse nome também chama-se as partes sagradas do animal, quais
sejam: os pés (responsáveis pela locomoção), as asas (também responsáveis pela
locomoção), cabeça (que mexe e pensa) e o sobre do animal (oferenda de conotação
sexual).
Babalorixá: Palavra muito usada por religiosos adeptos do ketu para denominar pai de
santo.
Babassuê: Nome derivado da entidade Barbra Sueira, que Alvarenga (1938) confere a
mina do Pará.
231
Baixar: Sinônimo de incorporar.
Banho de Descarrego: limpeza ritual realizada com o uso de dois banhos rituais feitos
de ervas. Um destinado a afastar energia negativa e outro – denominado atrativo – que
serve para atrair coisas positivas.
Batuques: Denominação dada á cerimônia pública dos mineiros. Foi utilizada com mais
frequência até a década de 80.
232
Caboco: Chama-se de caboco à entidade de posição hierárquica inferior no panteão,
que representa o mestiço em suas diversas modalidades. O caboco é um encantado haja
vista que nunca passou pela experiência da morte.
Candomblé: Em Belém esta é a denominação dada aos cultos que não são mina, mais
especificamente aos adeptos do ketu.
Candomblé Ketu: Candomblé de nação nagô yorubá. Têm como um dos maiores
pólos de tradição a cidade de Salvador (Bahia). Uma das principais características é o
culto dos orixás.
233
Casa de Exu: Compartimento, localizado fora do terreiro onde estão assentados os
Exus. Neste local podem-se ver as imagens e as ferragens dessa entidade. É lá também,
que são feitas as obrigações para esta entidade.
Catular: Cortar o cabelo com tesoura antes de raspar; raspar um círculo no centro da
cabeça para fazer a cura; raspar a cabeça para a iniciação.
Codoense: Cabocos classificados como negros, de hierarquia mais “terra a terra”. Sua
encantaria está localizada nas matas da cidade de Codó, situada no Maranhão. Pela sua
baixa posição na hierarquia do panteão, quando incorporados em seus filhos efetuam
trabalhos domésticos.
Cufar: Morrer.
234
Dar Comida: Vide alimentar
Deká: Cargo que é dado ao religioso após sete anos de sua iniciação e que lhe autoriza a
abrir sua própria casa-de-santo e formar sua família. Após o deká o iniciado ascende da
categoria de filho-de-santo à categoria de pai-de-santo.
Dobrado: Ritmo musical lento tocado em festas de voduns, orixás e senhores de toalha.
Dota: Denominação dada por alguns dos velhos praticantes da mina no Pará, aos
cânticos rituais em homenagem às entidades; sinônimo de doutrina.
Dubá: Saudação ritual feita pelo afro-religioso ao seu sacerdote ou a entidade que
pertence. Consiste em prostra-se aos pés da pessoa fazendo movimentos corporais.
Encantados: Entidades que tiveram vida mas não passaram pela experiência da morte.
Existem encantados em diversos patamares hierárquicos.
235
Encostado: Dançante que passa anos frequentando um terreiro sem necessariamente
estabelecer vínculo de filiação. Geralmente entram para essa categoria os filhos de santo
que após a morte de seus pais não estabeleceram filiação com outro religioso.
Entidade: Termo genérico usado para referir a todos os personagens que compõe o
panteão afro-brasileiro.
Espada: Pano usado pelos cabocos em rituais públicos com objetivo de auto-
identificação. Também utilizado em em passes ou outros ritos de limpeza.
Exu: Uma das entidades mais importantes dos cultos afro-brasileiros, não é cultuada na
mina mais tradicional, tendo ingressado em seu panteão através do sincretismo jeje-
nagô. É o mensageiro entre os deuses e os homens. Suas funções são diversas, sem ele
nada se faz dentro de uma casa-de-santo. É considerado o senhor dos caminhos. Foi
sincretizado pelos cristãos com a figura do Diabo.
236
(cortes rituais feitos em diferentes partes do corpo tais como a língua, o peito, os braços
e principalmente no centro da cabeça) e o sundidé (banho de sangue).
Festa de Santo: Rituais públicos realizados nos terreiros onde se pratica qualquer
religião afro-brasileira.
Filá: Indumentária em formato cônico com longas franjas de miçangas que os orixás
usam sobre a cabeça quando se apresentam nos rituais públicos de candomblé.
Fio de contas: Fios de miçangas coloridas que representam a entidade que o religioso
recebe.
Firme no Santo: Expressão utilizada para designar adeptos que levam a religião a sério,
cumprindo todas as suas atribuições, respeitando os tabus, se interessando em aprender.
237
Gira: Roda ritual com cânticos e dança.
Guia: Fio de contas que os afro-religiosos carregam no pescoço cuja cor corresponde a
da entidade que o médium recebe. Existem guias de diversas espessuras. O número de
pernas aumenta a medida que o sujeito vai ascendendo na hierarquia do ritual e
cumprindo suas obrigações religiosas. Entidade protetora que incorpora no médium.
Guma: Termo usado como sinônimo de terreiro, espaço sagrado onde as entidades
incorporam nos filhos.
Iaô: Denominação dada ao sujeito recém iniciado nas religiões de matriz africana.
Jeje: Dialeto ou grupo dialetal fon da língua ewe, falado por escravos vindos do Daomé.
Também utilizado para identificar os escravos vindos desta região, bem como a religião
praticada por eles e deixada como legado para posteridade (Cacciatore, 1977)
Jogo de Búzios: Jogo divinatório utilizados para conhecimento das entidades do sujeito
ou para previsão de futuro. Acredita-se que Exu é quem traz as respostas.
Jurema: A jurema é uma bebida preparada com a casca da jurema, champanhe, mel,
gengibre e algumas ervas cujos nomes não nos foram informados. Esta bebida é servida
na Federação durante o Tambor dos Caboclos.
238
Juremeiros: Cabocos índios, moram em tribos. Sua encantaria está situada na mata da
Jurema, um lugar mítico. São descritos como valentes e guerreiros. Alguns possuem
nomes de índios da literatura brasileira, como Iracema.
Lê: Menor tambor vertical presente nas casas de santo de Belém do Pará. O lê é coberto
com couro de animal – veado, bode, etc... – em apenas uma de suas extremidades e é
escorado sobre um cavalete de madeira ou ferro, onde é tocado com as mãos.
Macumbeiro: Denominação genérica e pejorativa dada aos adeptos dos cultos afro-
brasileiros.
Mina: Denominação dada a um ritual oriundo de São Luís do Maranhão que, em linhas
gerais, cultua orixás, voduns, senhores e cabocos.
Mina do Pará: Classificação dada por Anaíza Vergolino aos terreiros ou aos religiosos
paraenses que não foram iniciados por maranhenses.
239
Mina-Nagô: Tipo de culto sincrético que foi introduzido no Pará por religiosos
maranhenses. Mistura elementos litúrgicos jeje e nagô.
Nagô: Denominação dada ao terreiro de mina que cultua mais os orixás do que os
voduns. Também pode ser referido como sinônimo de Candomblé.
Nobres Gentis Nagôs: Mesmo que senhor de toalha. Denominação mais comum entre
os mineiros de segunda migração.
Obrigação: Oferendas rituais que os médiuns são obrigados a fazer para suas entidades
a fim de que mantenha o equilíbrio de sua vida. O não cumprimento das mesmas
acarreta em punição dada em forma de peia ou de infortúnio.
Obrigação de Mata: Cabana no canto do terreiro onde são colocadas muitas frutas.
Também se deposita nessa cabana as seguintes bebidas: vinho, cachaça, dendê , água
benta e um pouquinho de refrigerante para os erês.
240
Oferenda: Comidas e presentes que os médiuns têm obrigação de dar aos seus
encantados, orixás e voduns.
Ogã: Pessoa que geralmente não incorpora responsável pelo sacrifício dos animais ou
toque de tambor de acordo com a especialidade.
Ojá de Ori ou Pano de Cabeça: Longa faixa utilizada pelos afro-religiosos com o
propósito de cobrir a cabeça. A denominação Ojá de Ori é mais comum no candomblé
enquanto pano de cabeça é utilizada, com mais freqüência, pelos mineiros.
Orixá: Divindades yorubana. Muitos deles são antigos reis ou heróis divinizados os
quais representam as vibrações das forças da natureza.
Padê: Oferenda dada a Exu antes do início de qualquer ritual, também conhecido como
“despacho de Exu”.
241
Pajelança: Tipo de religião muito comum nas cidades do interior da Amazônia. Seu
panteão é composto por encantados moradores dos rios e florestas. Este ritual possui
finalidade profilática. O pajé geralmente trabalha sentado num banquinho usando a pena
e maracá. Uma da técnica terapêutica é a sucção do lugar da dor, sorvendo animais,
espinhos e outros elementos. Outro instrumento utilizado no processo de cura é a
defumação com cigarro de tauari. Na cidade a pajelança foi absorvida pela mina e
recebe o nome de linha de cura ou pena e maracá.
Pai de Santo: Chefe masculino de um terreiro onde se pratica qualquer religião afro-
brasileira. Existem algumas expressões sinonímias, como por exemplo, babalorixá,
usado principalmente pelos adeptos do Candomblé.
Paramentar o Santo: Expressão de indica que o sujeito está usando em sua entidade
roupas litúrgicas com influência do candomblé.
Pomba Gira: Exu feminino muito frequente na umbanda cultuado na mina em função
do sincretismo mina-umbanda.
242
Preto Velho: Entidades muito próprias do culto de umbanda que representam velhos
escravos forros.
Querebetã de Zomadônu: Nome dado à Casa das Minas, terreiro mais tradicional do
Estado do Maranhão.
Rosários: Nome dado aos colares rituais geralmente destinados às entidades de alto
status. Possuem número de pernas variado e uma medalha na ponta contendo crucifixo,
imagem de santo, ou outro símbolo cristão. Algumas vezes é possível observar o uso do
signo Salomão, uma referência clara a influência judaica.
Rum: Chama-se de rum ao tambor vertical usado na maioria das casas de mina de
Belém do Pará que possui o maior tamanho. O rum é coberto com couro de animal –
veado, bode, etc... – em apenas uma de suas extremidades e é escorado sobre um
cavalete de madeira ou ferro, onde é tocado com as mãos.
Rumpi: Tambor vertical de estatura mediana tocado nas casas de santo de Belém do
Pará. O rumpi é coberto com couro de animal – veado, bode, etc... – em apenas uma de
243
suas extremidades e escorado sobre um cavalete de madeira ou ferro, onde é tocado com
as mãos.
Socado: Ritmo musical muito lento tocado em festas de voduns, orixás e senhores de
toalha.
Surrupira: Cabocos ora descritos como índios não civilizados, ora como seres
antropomorfos muito peludos. O fato é que os surrupiras são entidades arredias com
244
hábitos selvagens. Costumam subir em árvores espinhosas e se embrenhar no meio da
mata.
Tabocã de Ori: Corte do cabelo do iaô realizado durante o ritual de iniciação típico da
mina. Trata-se de pequenas retiradas geralmente realizadas nas quatro extremidades e
no centro da cabeça. Essa expressão é utilizada como afirmação da identidade mineira.
Na tentativa de se mostrar tradicional alguns religiosos afirmam não terem sido
submetidos aos rituais iniciáticos do candomblé, absorvidos por determinados terreiros
de mina.
Tambor da Mata: Tambor vertical maior que o rum que é tocado apenas em terreiros
dos religiosos oriundos da segunda migração de mineiros advindos do Maranhão.
Possui apenas um couro e é posicionado entre as pernas do tamboreiro sendo tocado
com as mãos.
Tambor de Choro: Denominação dada aos rituais mortuários realizados nos terreiros
do Pará e Maranhão.
245
Terreiro de raiz: Chamo de terreiro de Raiz, àquelas casas-de-santo, antigas,
tradicionais, que possuem genealogia que remonta a África, represente a origem e tenha
importância histórica.
Tirar Careta: Termo usado pelos cabocos como sinônimo de bater fotografia.
Virada para Caboco: Parte do ritual de mina em que se deixa de cantar para voduns e
orixás e se passa a tocar para cabocos.
246
Vodum: Nome dado às entidades do panteão jeje que corresponde, hierarquicamente ao
orixá nagô.
Yorubá: Povo sudanês que habita a região de yorubá (Nigéria, África Ocidental) que se
estende de Lagos para o norte até o rio Niger (Oyá) e do Daomé.
para leste até a cidade de Benim. Tem por capital política Oyo e religiosa Ifé. Os
negros oriundos desta região vieram em grande quantidade para Bahia, onde receberam
o nome de nagô. Neste sentido usa-se esta denominação – yorubá ou ioruba – para
referir ao legado religioso e linguístico deixado por esses sujeitos (Cacciatore, 1977).
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