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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

ISADORA DA CUNHA BENAION

RESENHA III
“Do ponto de vista dos nativos”: a natureza do entendimento antropológico.

Manaus
2023
Clifford Geertz nasceu em 23 de agosto de 2006 em São Francisco, Califórnia nos
Estados Unidos. Foi um antropólogo norte-americano e um dos nomes mais importantes da
antropologia contemporânea, famoso por fundar a vertente conhecida como antropologia
interpretativa ou hermenêutica. Este é um dos temas do capítulo 3 do seu livro “O saber local”.
O capítulo é intitulado “Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento
antropológico” e, como o próprio título diz, Geertz procura levantar um debate acerca do
antropólogo, seu trabalho e a sua forma de entender a cultura.

O autor inicia o texto relembrando um episódio famoso na antropologia, a época em que


a antropóloga e esposa de Bronislaw Malinowski, Elsie Masson, divulgou seus diários pessoais
de campo, gerando um debate em torno dos métodos de trabalho dos antropólogos. Para Geertz,
a discussão gerada se concentrou em detalhes não essenciais, ignorando uma questão
epistemológica importante.

[...] se não é graças a algum tipo de sensibilidade extraordinária, a uma capacidade


quase sobrenatural, de pensar, sentir e perceber o mundo como um nativo (uma
palavra, que, devo logo dizer, usei “no sentido estrito do termo”) como é possível que
antropólogos cheguem a conhecer a maneira como um nativo pensa, sente e percebe
o mundo? (GEERTZ, 1983, p. 86).

Segundo o autor, a forma mais “simples e direta” de colocar a questão é compreender


os termos que distinguem essa forma de oposição. Esses termos foram concebidos pelo
psicanalista Heinz Kohut, sendo eles: “experiência-próxima” e “experiência-distante”. O
conceito de “experiência-próxima” pode ser entendido como algo que de uso natural e
espontâneo, que pode ser compreendido facilmente e que está intrinsecamente unido. Já o
conceito de “experiência-distante” se refere a algo que “[...] os especialistas [...] utilizam para
levar a cabo seus objetivos científicos, filosóficos ou práticos.” (GEERTZ, 1983, p.87).

Para Geertz, o antropólogo não deve se limitar a utilizar conceitos ou de “experiência-


próxima” ou de “experiência-distante”, pois isso o deixaria preso ora a um “emaranhado
vernacular” ora a “abstrações e jargões”. Segundo o autor, é necessário compreender o papel
que esses dois conceitos exercem na análise antropológica, de forma que possam ser utilizados
para “produzir uma interpretação do modos vivendi”, de maneira que não reproduza uma
etnografia limitada pelo ponto de vista de um determinado povo, e nem que fica submetida a
um entendimento exterior a daquele povo. Nesse sentido, a “experiência-próxima” e a
“experiência-distante” devem estar em equilíbrio para que haja um entendimento eficaz sobre
aquilo que está sendo observado. Geertz ressalta que esta não é uma tarefa fácil e o importante
é descobrir o que o povo, que está sendo estudado, acha que está fazendo. Para o autor, o
etnógrafo não é capaz de perceber da mesma maneira o que os seus informantes percebem, ele
só percebe o “com que”, ou “por meios de que”, ou “através de que” terceiros percebem.

Para elucidar essa ideia, o autor cita três exemplos de seu trabalho, sendo eles as
pesquisas feitas com as sociedades javanesa, balinesa e marroquina. Através dessa exposição,
Geertz busca mostrar como esses conceitos são empregados através da análise dessas
sociedades sobre o conceito de pessoa.

Para a sociedade javanesa, o conceito de pessoa está diretamente ligado a religião,


relacionado a duas conjecturas contrastantes, sendo elas: o “dentro” e “fora” e o “refinado” e
“vulgar”. Segundo Geertz, essas palavras se referem à esfera dos sentimentos na experiência
humana e, do outro lado, à esfera do comportamento humano observado. Sendo assim, a
concepção do eu para a sociedade Javanesa é composta por um “[...] mundo interior de emoção
contida e um mundo exterior de comportamento estruturado [...]” (GEERTZ, 1983, p. 94).

Partindo para a sociedade balinesa, a concepção do eu é gerida através de um “teatro”.


Nessa sociedade, a característica do indivíduo é entendida, nas esferas física, psicológica e
biográfica, de acordo que com o papel que ele desempenha na vida balinesa, marcada por
“repertório elaborado de designações e títulos”, que levam em conta a ordem de nascimento,
termos de parentesco, casta, sexo etc. Nas palavras de Geertz, trata-se de “[...] um sistema
terminológico distinto, delimitado e internamente muito complexo. [...] os sistemas
terminológicos conduzem a uma visão de pessoa humana como um representante adequado de
um tipo genérico, e não como uma criatura única, com um destino específico.” (GEERTZ, 1983,
p. 96).

Na sociedade marroquina, a concepção de eu está associada a um sistema complexo


linguístico chamado, em árabe, de nisba. É através desse sistema classificatório, que utiliza
adjetivos, que é atribuído uma parte da identidade do indivíduo. Segundo Geertz, essa
estruturação

[...] conduz, paradoxalmente, a um hiperindividualismo nas relações públicas, pois,


ao prover unicamente um contorno vazio e até mesmo mutante de quem são os atores
[...] deixa todo o resto, ou seja, praticamente, tudo, para ser preenchido no próprio
processo de interação. (GEERTZ, 1983, p. 104)

Feito esse apanhado sobre a concepção do eu nessas três sociedades, Geertz retorna a
questão principal referente ao “ponto de vista dos nativos”. Para o autor, esse trabalho
etnográfico percorre, continuamente, uma percepção de totalidade através das várias partes que
a constituem, para uma percepção de várias partes que integram uma totalidade. Todo esse
caminho, que o autor entende como a trajetória, está associado ao método conhecido como
círculo hermenêutico de Wilheim Dilthey. Sendo assim, Geertz postula que é preciso
compreender o indivíduo a partir daquilo que ele entende de si próprio, reunindo as partes do
todo e entendendo o todo a partir dessas partes, através dos conceitos de “experiência-próxima”
e “experiência-distante” para que seja possível identificar quais são as características
fundamentais de uma determinada sociedade, e a partir disso, realizar uma interpretação acerca
dos sistemas simbólicos que gerenciam seus comportamentos, pensamentos, sentimentos,
valores, entre outros fundamentos. Em suma, nas palavras do próprio autor

[...] a compreensão depende de uma habilidade para analisar seus modos de expressão,
aquilo que chamo de sistemas simbólicos, e o sermos aceitos contribui para o
desenvolvimento desta habilidade. Entender a forma e a força da vida interior dos
nativos – para usar, uma vez mais, esta palavra perigosa – parece-se mais com
compreender o sentido de um provérbio, captar uma alusão, entender uma piada – ou,
como sugeri acima – interpretar um poema, do que como conseguir uma comunhão
de espíritos. (GEERTZ, 1983, p. 107)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GEERTZ, Clifford. “Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento


antropológico.” - In. O Saber Local: Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa. São
Paulo: Editora Vozes, 1997.

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