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GEERTZ, Clifford.

Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento


antropológico.

DO PONTO DE VISTA DOS NATIVOS: A NATUREZA DO ENTENDIMENTO


ANTROPOLÓGICO.

Rebeca Maria Carrion Freire Pessoa

No texto “Do ponto de vista dos nativos”: a natureza do entendimento


antropológico, Clifford Geertz procura interpretar o significado da ação para os nativos
a partir da categoria da ação simbólica onde ele busca compreender as
representações que a sociedade faz de si e do outro com base nos significados
simbólicos imprimidos na noção do eu. Neste sentido, Geertz procura compreender o
significado da ação dos nativos a partir desses, relativizando o olhar sobre o
significado da ação do homem.
Geertz inicia o texto citando a polêmica causada com a divulgação dos diários
de campo de Malinowski, realizado por sua esposa, apontando que a discussão se
concentrou em detalhes não essenciais, ignorando a questão mais importante que o
livro continha, deixando de lado a questão epistemológica que o livro expõe.
Para ele, a questão que o diário introduz, com uma seriedade que talvez só um
etnógrafo da ativa possa apreciar é: “como é possível que antropólogos cheguem a
conhecer a maneira como um nativo pensa, sente e percebe o mundo?” (p.86).
Segundo Geertz, essa questão que o diário introduz não é uma questão ética, mas
sim epistemológica e, para isso, é necessário que os antropólogos vejam o mundo do
ponto de vista dos nativos.
No terceiro capítulo, o autor registra que olhar "do ponto de vista dos nativos"
é tentar captar conceitos que para outras pessoas são de experiência-próxima e fazê-
los de uma forma tão eficaz que nos permita estabelecer uma conexão esclarecedora
com os conceitos de experiência-distante. Tal exercício requer momentos de
afastamento e de acercamento com o objeto, por isso, segundo o autor é "uma tarefa
tão delicada".
A definição de experiência próxima é mais ou menos o que alguém usaria para
naturalmente e sem esforço definir aquilo que seus semelhantes veem, sentem,
pensam, imaginam. E que ele próprio entenderia facilmente, se outros utilizassem da
mesma maneira. De acordo com Geertz, as pessoas usam os conceitos de
experiência próxima espontaneamente, e as ideias e as realidades que elas
representam estão naturalmente unidas.
Já a definição de experiência distante é aquela que os especialistas de
qualquer tipo utilizam para finalizar seus objetivos científicos, filosóficos e práticos (p.
87). Nas pesquisas esses conceitos são empregados em maior ou menor grau,
tornando uma questão de grau e não de oposição, pois na antropologia a diferença
não é normativa, podendo-se afirmar que um dos conceitos não é melhor que o outro.
O etnógrafo não pode limitar-se a nenhum dos conceitos. A verdadeira questão
relaciona-se com os papeis que os dois tipos de conceitos desempenham na análise
antropológica.
Geertz afirma que a seu ver o etnógrafo não percebe aquilo que seus
informantes percebem, o que ele percebe e com bastante insegurança é o com que,
ou por meios de que, ou através de que, os outros percebem. Ele consolida que “em
país de cegos, que, por sinal, são mais observadores que parecem, quem tem um
olho não é rei, é um espectador”. (p.89).
A experiência próxima e a experiência distante devem estar em sintonia para
que o pesquisador possa “captar” conceitos de forma eficaz e esclarecedora. No
entanto, essa não é uma tarefa fácil, e que o importante para o pesquisador é
descobrir o que os nativos acham que estão fazendo.
O caminho sugerido é o de buscar compreender como as pessoas de uma
determinada cultura concebem a si mesmas, analisando as formas simbólicas que são
utilizadas por elas para representarem a si mesmas e aos outros. O autor destaca que
o conceito de pessoa é um veículo excelente para passear e se apropriar do que
"passa pela mente alheia". Geertz ainda afirma que "para entender as concepções
alheias é necessário que deixemos de lado nossa concepção, e busquemos ver as
experiências de outros com relação à sua própria concepção do "eu”.
A partir desses pressupostos o autor cita suas pesquisas com as sociedades
javanesa, balinesa e marroquina para mostrar de certo modo como esses conceitos
são empregados, analisando particularmente a definição de pessoa.
Se intitulando como um etnógrafo de significados e símbolos, Geertz afirma que
descobrir o que é uma pessoa na visão de algum grupo de nativos, traduz em um
movimento de vai e vem entre duas perguntas que faz a si mesmo: Como é à sua
maneira de viver de um modo geral? E quais são precisamente os veículos através
dos quais está maneira de viver se manifesta? Chegando dessa forma a uma espiral
semelhante com a noção de que eles consideram o eu como uma composição, uma
persona, ou um ponto em uma estrutura.
O autor afirma que para se chegar a essa compreensão vai depender de uma
habilidade para analisar seus modos de expressão, ou sistemas simbólicos, e o
sermos aceitos contribui para o desenvolvimento desta habilidade.
Dessa forma, começa o seu relato propriamente etnográfico, citando primeiro a
sociedade Javanesa que orbita em torno de como o eu é concebido por forças
internas, "mundo interior de emoção contida", e externa, "um mundo exterior de
comportamento estruturado”. Estas forças organizam o "modus operandi" da
sociedade em Java. A concepção do eu neste caso é bifurcada, sendo uma de suas
partes constituída por sentimentos meio sem gestos, e outra por gestos meios sem
sentimentos. Além disso, define-se que o significado de pessoa para os javaneses,
eram dispostas em dois conjuntos contrastantes, que tinham como base a religião
(dentro X fora; refinado X vulgar) esses termos não são o significado exato, mas na
verdade ele pretendia mostrar que como um conjunto elas formavam uma concepção
específica do eu que, longe de ser simplesmente teórica, era a concepção através da
qual os javaneses realmente se viam uns aos outros e também a si próprios.
Um segundo exemplo é o citado em Bali, que o autor denomina de "teatro do
status" e que define o eu dos balineses. Geertz argumenta que os "balineses tem pelo
menos meia dúzia de títulos principais, atribuídos, fixos e absolutos que uma pessoa
usaria para designar outra (ou, é claro a si mesma) como parte de seu grupo". Estes
"marcadores" são utilizados para definir "alguém como ponto determinado em uma
estrutura fixa ocupante temporário de um locus cultural". E, por fim, o outro exemplo
seria o das pessoas contextualizadas do Marrocos. De acordo com o autor a
"contextualização social das pessoas é difusa, e na sua maneira curiosamente não
metódica acaba sendo sistemática, sua identidade é atributo que tomam emprestado
no cenário que os rodeia". Ressalta, ainda, que tanto em Java quanto em Bali a
constituição do eu é algo atribuído e encenado no teatro social e que ao privado resta
à segregação.
Para concluir esse capítulo, volta-se para a questão inicial que é: o ponto de
vista dos nativos. Pergunta-se que ao descrever o ponto de vista dos nativos em Java,
Bali e no Marrocos e ao descrever o uso dos símbolos, estaremos também
descrevendo percepções, sentimentos, pontos de vista? Ele vai afirmar que na
tentativa de descobrir o significado do “eu” nessas sociedades, oscilamos
incansavelmente entre um tipo de miudeza exótica que faz com que a leitura da melhor
das etnografias seja uma tortura, e uma caracterização tão abrangente que se
tornariam implausíveis (p.105). Geertz afirma que durante a pesquisa o etnógrafo salta
continuamente de uma visão da totalidade, para uma visão das partes através da
totalidade, e vice-versa tentando fazer com que uma seja explicação para a outra.
Para o autor o Oriente Médio apresenta um "sistema mosaico de organização
social", este concebido como "fragmentos de formas e cores diferentes que são
encaixados irregularmente para gerar um desenho global complexo, no qual a
diferença individual de cada fragmento permanece intacta". Nesse processo dinâmico
e complexo o ensaísta destaca que entender o entendimento "é um bordejar dialético
contínuo, entre o menor detalhe nos locais menores, e a mais global das estruturas
globais, de tal forma que ambos possam ser observados simultaneamente". É
"interpretar um poema".
Para encerrar o capítulo, Geertz coloca que tudo isso implica no método de
Dilthey de círculo hermenêutico, já bastante conhecido, e que sua intenção é mostrar
que ela é tão essencial para interpretações etnográficas como para outras
interpretações como literárias, históricas, etc.
Por fim, é notória a segurança com que Geertz aplica às mais variadas temáticas
elaboradas neste capítulo atestando que, no momento da publicação dos ensaios, a
sua antropologia interpretativa é mais do que uma "linha de pensamento". Desta
forma, o presente capítulo atinge a sensibilidade, em sua forma e percepção,
provocando um abalo na racionalidade, em muitos aspectos sedimentada, delimitada
e amplia os horizontes da pesquisa. Além de ressaltar, em vários momentos, a
necessidade de o pesquisador estar aberto e atento no processo de entender o
entendimento das culturas através de uma “tradução” ou hermenêutica interpretativa,
e assim possa apreender as especificidades e peculiaridades de tais culturas,
percebendo‐as tão importantes e legítimas quanto a sua.

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