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Breve História da Quimbanda Brasileira

Para que o estudante possa compreender as raízes e os fatos históricos que fazem parte do
nascimento da Quimbanda Brasileira, é necessário primeiramente destacar alguns fatos, para
que fique bastante clara a diferença entre a nossa corrente e outras manifestações religiosas
que se utilizam do nome Quimbanda para se auto denominarem:

 Por ser uma força de embate contra a inércia e contra a estagnação escravizadoras o
nosso culto foi forjado no calor de inúmeras batalhas pela conquista e manutenção
da liberdade de nossos ancestrais, liberdade essa que muitas vezes ao longo do
tempo sofreu diversas investidas por parte de nações e crenças opressoras;
 A maior parte do que foi escrito a respeito de Quimbanda está sob a influência e se
confunde com a formação de outras vertentes religiosas, sobretudo da Umbanda,
religião com a qual a Quimbanda Brasileira não possui qualquer tipo de conexão. A
Quimbanda não é um culto da Umbanda, como muitos autores afirmam, justamente
porque não se trata de mais um culto ao Falso Deus;
 Os inúmeros espíritos que hoje integram as fileiras de Vossa Santidade Maioral, no
início da formação do culto, quando em vida mantiveram a fidelidade às suas
crenças e espiritualidade, defendendo-as de forma feroz e corajosa, muitas vezes
tendo enfrentado a brutalidade da intolerância e tendo suas próprias vidas ceifadas;
 A Liberdade não é um bem negociável, sob nenhum pretexto! A célebre frase “É
melhor morrer de pé do que viver ajoelhado” se encaixa perfeitamente na motivação
que inflamava a chama no coração dos povos formadores na história da Quimbanda
Brasileira, que não se esconderam por detrás de sincretismos ou mentiras.

O continente Africano foi um dos palcos de inúmeros eventos importantes dentro do enredo
histórico que estamos abordando. Embora este sendo objeto da cobiça de muitos povos,
desde tempos imemoriais, aqui focaremos no período do tráfico de escravos durante os
séculos XV e XVI. Na busca da conquista de novos territórios e riquezas naturais, exploradores
e colonizadores de várias nações Europeias pilharam e se apropriaram, principalmente por
meio do poderio militar, de diversos territórios da África, e nesse período Portugal dominava
uma larga extensão da costa africana.
O processo de colonização territorial deu ensejo à uma “colonização ideológica” através de
muitas tentativas de imposição da crença e fé cristista, bastante diferentes dos cultos
ancestrais e da espiritualidade das nações negras nativas, quase sempre com o uso de
métodos violentos, já que os povos aborígenes não cederam a outros métodos de
convencimento e se engajaram em batalhas sangrentas para defender sua terra e todo o seu
arcabouço cultural, religioso e ancestral.

Desprovidos de qualquer capacidade de compreender as características naturais e espirituais


do território desconhecido no qual estavam adentrando, os exploradores Europeus se
escandalizaram com costumes totalmente diversos dos povos nativos que vivam em meio à
uma paisagem inóspita, já que entravam em choque com a formação moral e religiosa cristã
dos colonizadores.

Por despreparo e ignorância, os conquistadores e seus missionários classificavam como


conduta herética (segundo seus dogmas religiosos) a ausência do conceito de pecado, o uso
ritual de sacrifícios de sangue, o nudismo dos negros nativos e ainda o culto a uma deidade
que era retratada com o falo ereto, Èsú (chamado pelos povos Fons de Elegbara). É importante
salientar que as formas fálicas desde tempos imemoriais retratam a virilidade e a força,
representando a energia dinâmica e ativa e também estão associadas às atividades sexuais.
Fica claro então que o pecado residia somente na intolerância e dogmas crististas. Não tardou
para que a figura de Èsú fosse incluída no rol das associações demoníacas do cristianismo,
considerado como mais uma das formas de Satanás. Foi justamente nesse período que
chegaram às terras da África as palavras ‘Diabo’, ‘Demônio’, ‘Satanás’, ‘Beelzebuth’ e ‘Lúcifer’.

O tráfico negreiro para as terras brasileiras fez com milhares de nativos africanos de diversas
etnias atravessassem o oceano em condições enormemente precárias, onde a sobrevivência
em si dentro das naus abarrotadas de mercadoria humana era dificílima em meio à doenças,
intempéries e maus tratos. Então, o estudante pode tentar imaginar o tamanho da revolta que
se fez dentro do corpo e da alma dos cativos. Antes homens de mulheres livres, inclusive
líderes tribais e também governantes de nações inteiras. Estavam definitivamente distantes de
sua terra natal, despojados de suas famílias e de tudo o que amavam e consideravam sagrado,
principalmente sua Liberdade. Muitos dos escravos capturados na África eram prisioneiros de
guerra, adúlteros, feiticeiros, assassinos ou indivíduos trocados por chefes tribais ou
penhorados por dívidas. É importante ressaltar que a prática da escravidão já era uma prática
existente entre algumas tribos africanas que atuavam à guisa de fornecedoras nesse obscuro
comércio.

Juntamente com os demais negros escravizados, aportaram em terras brasileiras os


Kimbandas. A palavra Kimbanda de originada da língua Kimbundo (Bantu) significa: Sacerdote
da arte de curar. De fato o Kimbanda era o Alto Sacerdote curandeiro e conselheiro que
evocava e invocava os espíritos para sanar os problemas carnais e espirituais dos membros de
suas tribos. Outros tipos de sacerdotes africanos também foram trazidos, dentre eles os
temidos Mulôjis e os Ndokis, que diferentemente dos Kimbandas, eram feiticeiros
necromantes, agindo algumas ocasiões como mercenários, conhecedores de artes temidas que
têm origem em uma época que não pode ser datada. A palavra Kimbanda também se
confunde com a própria religião Bantu praticada em partes de Angola e no Brasil. Embora
sendo homófonas e possuírem a mesma raiz, as palavras Kimbanda e Quimbanda assumiram
caminhos e identidades próprias no decurso da história.
Antes mesmo da chegada dos primeiros homens e mulheres africanos no Brasil, os indígenas
brasileiros também enfrentavam as perseguições dos colonizadores europeus, buscando
defender suas tribos, seus territórios, sua cultura, bem como suas práticas e cultos ancestrais
baseados na natureza. Sendo primeiros a terem um contato mais próximo com os indígenas,
os Padres Jesuítas atuavam como “controladores de almas”, combatendo as práticas nativas e
instituindo a cultura do pecado. Como uma estratégia de propagação do cristianismo nas
tribos, os Caciques foram escolhidos para aprender a escrita e a leitura e serem doutrinados
pelos ditames religiosos, o que facilitava o processo de conversão. Muitos índios na fase da
infância foram enviados à metrópole portuguesa para serem educados e retornarem ao Brasil
como “espelhos” para os demais. Toda essa aculturação de poucos séculos contribuiu para
dizimar milhares de anos de tradições enraizadas. A ação da catequese diminuía a ferocidade
dos nativos e facilitava a ação do Estado (Portugal) no processo de colonização.

No entanto, parte do povo indígena impôs restrições à esta invasão através de batalhas
sangrentas. Como as guerras intertribais eram constantes, diferentes nações europeias que
disputavam as terras recém descobertas aproveitaram para estabelecer relações proveitosas
com os nativos, onde tribos rivais se enfrentavam em nome dos reis da Europa e os índios
terminavam sendo dizimados aos milhares.

Diferentes fontes históricas têm opiniões divergentes no tocante aos motivos pelos quais a
mão de obra escrava indígena foi substituída pela mão de obra escrava dos nativos trazidos do
continente africano. Já se alegou que os índios eram indolentes e preguiçosos, ou mesmo que
de tão selvagens preferiam morrer do que trabalhar. Uma vez tendo se tornado escravos das
lavouras, índios ou africanos, não estavam em posição de escolher qual tipo de trabalho
realizariam, mas certo é que não foi por falta de resistência contra a escravidão.

Sem dúvida, o contato entre os negros e índios foi bastante intenso, fomentando grande
intercâmbio cultural que resultou na fusão de Deidades e no nascimento de novas religiões ou
de novas formas de culto às antigas religiões. A Quimbanda Brasileira acredita que índios e
africanos se associaram para promover as fugas das senzalas, uma vez que os índios eram
profundos conhecedores das matas. Alguns vilarejos rebeldes fundados pelos fugitivos
abrigavam não só negros e índios, mas também brancos fugitivos e mestiços. Nesses locais a
religião outrora podada pelos Jesuítas volta a existir, mas com algumas novas características
herdadas do sincretismo resultante da intensa fusão cultural.

Não podemos esquecer de mencionar a figura dos Pajés, como um elo de conexão entre os
mundos visível e invisível, que através de transe entravam em contato com os espíritos. Eram
feiticeiros que tinham poder sobre os animais e espíritos da floresta, sendo também médicos
através das forças fitoterápicas e suas palavras eram respeitadas como Leis dentro das tribos.
Um Pajé exercia a mesma atividade que um Kimbanda.

Nesse contexto histórico que é o berço da Quimbanda Brasileira, a miscigenação racial


naturalmente propiciou a miscigenação religiosa através dos inúmeros sincretismos e houve
em diversos aspectos a popularização da espiritualidade. Índios e negros acabaram recebendo
influências das culturas pagãs e judaicas, através do contato com homens e mulheres
degredados da Europa por terem sido condenados pelo tribunais do Santo Ofício, pela prática
de bruxaria e / ou feitiçaria. Muitos desses exilados estavam ligados às tradições de magia e
feitiçaria medievais e tantos outros eram neo-convertidos do Judaismo, que secretamente
realizavam suas práticas Judaicas. O grande contato entre as feiticeiras europeias, os índios e
os escravos resultou em uma mescla de conhecimento e a partir desse momento Exu passa a
ter o status de Diabo com força renovada. O endurecimento da perseguição dos dominantes
aumentou com o decorrer do tempo. Feiticeiros e feiticeiras se tornaram alvos da Lei, além da
perseguição religiosa, surgindo daí a necessidade de agirem sem segredo, jamais abandonando
suas verdadeiras essências.

A Quimbanda se diferencia do culto aos Orixás pelo fato de não usar as forças da natureza
para alcançar suas metas e desejos, mas sim a força ancestral do mundo dos mortos.
Geralmente os espíritos que trabalham na corrente da Quimbanda são antigos Xamãs, Mestres
Caboclos, Bruxos, Alquimistas, Feiticeiros, Guerreiros, Assassinos, dentre outros que se
encaixam na vibração energética do culto exercendo suas forças nas linhas de Exu e Pombagira
(consorte feminino).

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