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Correção dos trabalhos de grupo do manual

Sequência 4. Memorial do Convento

Pós-Leitura Manual, p.
294
A – Procissão da Quaresma
 Sentimentos e comportamentos despertados pelos acontecimentos:
“O Entrudo correu pela cidade, em excesso e desvario.
É tempo de penitenciar os pecados da carne: primeiro, pelo jejum e depois pelo açoite.
A procissão da Quaresma, meticulosamente organizada, percorre as ruas da cidade,
despertando no povo os mais primitivos instintos:
– os comportamentos sadomasoquistas dos penitentes que integram a procissão,
autoflagelando-se para gáudio das mulheres e amantes que, das janelas engalanadas,
assistem à procissão;
– os comportamentos das mulheres que reclamam mais violência e vigor na atuação do
seu “servidor”, ao mesmo tempo que experimentam prazer perante o sofrimento do
penitente;
– a alteração dos habituais comportamentos femininos – a mulher é livre de percorrer
sozinha as igrejas e as ruas da cidade, comportamento facilitador do adultério;
– a alteração da mentalidade masculina, que “fecha os olhos” ao desregramento
feminino. Com o fim da Quaresma, restabelece-se a velha ordem, ou seja, as mulheres
regressam aos trabalhos domésticos, à submissão, enquanto os homens reassumem a
sua autoridade.”1

 Recursos expressivos (exemplos):


– Antítese: “No geral do ano há quem morra por muito ter comido durante a vida toda […].
Mas não falta, por isso mesmo falecendo mais facilmente, quem morra por ter comido
pouco durante toda a vida […]”, p. 29;
– Metáfora: “[…] esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um
lado e de escasso para o outro […]”, p. 29; “Comendo pouco purificam-se os humores,
sofrendo alguma coisa escovam-se as costuras da alma.”, p. 30;
– Paralelismo: “[…] entre a papada pletórica e o pescoço engelhado, entre o nariz
rubicundo e o outro héctico, entre a nádega dançarina e a escorrida, entre a pança repleta
e a barriga agarrada às costas.”, pp. 29-30;
– Enumeração: “[…] e se mais gente não se espojou, por travessas, praças e becos, de
barriga para o ar, é porque a cidade é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, de cães
lazarentos e gatos vadios,
e lama mesmo quando não chove.”, p. 30;
– Comparação: “[…] não podendo falar, berra como toiro em cio […]”, p. 31;
– Polissíndeto: “[…] e ela olha-o dominante, talvez acompanhada de mãe ou prima, ou
aia, ou tolerante avó, ou tia azedíssima […]”, p. 32;
– Ironia: “Lisboa cheira mal, cheira a podridão, o incenso dá um sentido à fetidez, o mal é
dos corpos, que a alma, essa, é perfumada.”, p. 31;
– Uso do diminutivo com valor depreciativo: “[…] o bispo vai fazendo sinaizinhos da
cruz para este lado e para aquele […]”, p. 30; “[…] moidinha dos pés, arrastadinha dos
joelhos […]”, p. 34;
– Intertextualidade com provérbios populares: “[…] a quaresma, como o sol, quando
nasce, é para todos.”, p. 30.

 Funcionalidade do episódio:
Aspetos destacados na apresentação da procissão:
– caracterização da cidade de Lisboa;

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– excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras
carnavalescas – as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam “umbigadas pelas
esquinas”, atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas,
tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas;

– penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é


tempo de “mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se”);
– descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens
nos andores, as confrarias e as irmandades); […]
O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa
permanecia uma cidade suja, caótica e as suas gentes dominadas pela hipocrisia de uma
alma que, ironicamente, este define como “perfumada”.2
“As festas religiosas […] surgem como a compor, no romance, o grande painel religioso do
século: procissão, igrejas iluminadas, penitências e gozo, mulheres no cio, maridos
traídos, tudo isso envolto em cânticos, círios e flores. É talvez importante apresentar, de
início, a ironia do narrador, que descreve o tempo da Quaresma como o de uma orgia de
toda a coletividade. Este é, ao menos, um tempo de desejos comuns, opondo-se nisto aos
demais “tempos litúrgicos”, onde as diferenças sociais, a hierarquia das classes
comandam a repartição injusta dos bens. Apesar de todas as suas licenciosidades, talvez
ficasse a Quaresma entre os tempos mais cristãos, em que ao menos a euforia da festa
respeita a coletividade, sem a dividir entre eleitos e esquecidos.” 3

B – Auto de fé
 Sentimentos e comportamentos despertados pelos acontecimentos:
O auto de fé é apresentado com um divertimento de interesse, quer para a Igreja, que dele
“aproveita em reforço piedoso e outras utilidades” (p. 101), quer para El-rei, que reforça o
seu poder económico com os bens dos condenados, quer para o povo, que assiste ao
cerimonial como a uma “festa” (p. 102), evidenciando, uma vez mais, a sua propensão
para o excesso.
 Recursos expressivos (exemplos):
– Gradação: “[…] ao lado de outros chamuscados, assados, dispersos e varridos […]”, p.
101;
– Antítese: “[…] tanto vale […] o doce como o amargo, o pecado como a virtude […]”, p.
102;
– Polissíndeto: “Que se há de dizer, por exemplo, desta freira professa, que era afinal
judia, e foi condenada a cárcere e hábito perpétuo, e também esta preta de Angola, caso
novo, que veio do Rio de Janeiro com culpas de judaísmo, e este mercador do Algarve
[…]”, pp. 101-102;
– Enumeração: “[…] a preta de Angola, o mulato da Caparica, a freira judia, os religiosos
que diziam missa, confessavam e pregavam sem terem ordens para tal, o juiz de fora de
Arraiolos […]”, p. 102;
– Metáfora: “[…] o Santo Ofício, podendo, lança as redes ao mundo e trá-las cheias […]”,
p. 102;
– Ironia: “[…] o Santo Ofício, podendo, lança as redes ao mundo e trá-las cheias, assim
peculiarmente praticando a boa lição de Cristo quando a Pedro disse que o queria
pescador de homens.”, p. 102.
 Funcionalidade do episódio:
Enumeração dos condenados – uma mulher relaxada e “outros chamuscados, assados,
dispersos
e varridos” (p. 101) – e composição do espaço social do romance.

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C – Tourada
 Sentimentos e comportamentos despertados pelos acontecimentos:
As touradas são consideradas “bem bom divertimento” (p. 103), atraindo toda a população
(“Estão as bancadas e os terrados formigando de povo, reservadamente acomodadas as
pessoas principais, e as majestades e as altezas miram das janelas do paço”, p. 104), que
delira com os acontecimentos cruéis.
O povo é o que mais próximo se encontra do acontecimento, sentindo-se a sua
impaciência e desejo de ação (“[…] impacienta-se o povinho[…]”, p. 104). O excesso pauta
a atuação do povo cujo instinto animalesco se vai revelando à medida que o espetáculo se
desenrola (“[…] os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se
por eles sem disfarce […]”, p. 105).
 Recursos expressivos (exemplos):
– Comparação: “[…] um gancho de ferro, na ponta de um braço, abre caminho tão fácil
como a colubrina que veio da Índia e está na torre de S. Gião […]”, p. 104;
– Enumeração: “Ao mastro principal sustentam-no quatro grandíssimas figuras, pintadas
de várias cores e sem avareza de ouro, e a bandeira, de folha de Flandres, mostra de um
lado e do outro o glorioso Santo António sobre campos de prata, e as guarnições são
igualmente douradas, com um grande penacho de plumas de muitas cores […]”, p. 104;
– Polissíndeto: “[…] não tardam aí o sangue e a urina, e as bostas dos touros, e os
bonicos dos cavalos […]”, p. 105;
– Ironia: “Cheira a carne queimada, mas é um cheiro que não ofende estes narizes,
habituados que estão ao churrasco do auto de fé, e ainda assim vai o boi ao prato, sempre
é um final proveito, que do judeu só ficam os bens que cá deixou.”, p. 106;
– Paralelismo: “[…] um olho no bicho que foge, outro no bicho que marra […]”, p. 107.
 Funcionalidade do episódio:
“É um acontecimento de lazer que encanta tanto os poderosos, como os mais
desfavorecidos:
• a organização e a decoração da praça profusa e ricamente enfeitada com palanques,
mastros com bandeirinhas, colunas com frisos e cornijas douradas, grandes figuras
pintadas de várias cores e ouro, um mastro com uma bandeira que exibe a figura de Santo
António;
• os espectadores, que povoam as bancadas e os terraços;
• os aguadores, que molham a praça;
• os reis e as altezas, que assistem desde as janelas do paço;
• os cavalos, luzidamente aparelhados;
• os touros, violentamente torturados e mortos;
• o delírio dos homens e das mulheres, excitados com o derramar do sangue;
• a prática das mantas de fogo sobre os touros, que estalejam à medida que os touros
correm o terreiro, loucos de dor;
• a tortura dos coelhos e das pombas, encerrados em bonecos de barro pintados, contra
os quais investem os touros.”1
O episódio contribui para a configuração do espaço social do romance.
“A ironia do narrador é […] traduzida pela constatação de que, em Lisboa, as pessoas não
estranham o cheiro a carne queimada; […] acrescenta ainda, numa perspetiva crítica, que
a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens são deixados à Coroa.” 2

D – Procissão do Corpo de Deus


 Sentimentos e comportamentos despertados pelos acontecimentos:

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“Torna-se evidente, neste episódio, a denúncia e crítica do narrador à vivência excessiva e
alienante deste cerimonial religioso, à depravação do rei nos conventos de freiras, à visão
estritamente oficial da Igreja e ao comportamento histérico dos participantes.
O episódio é meticulosamente descrito, acompanhando todas as etapas, desde os
preparativos à realização da procissão.
Preparativos para a procissão, de véspera:
• o Terreiro do Paço: a colunata, as figuras, os medalhões e as pirâmides;
• as ruas toldadas: os mastros decorados com seda e ouro e medalhões dourados com o
Sacramento, o brasão do patriarca e os brasões do Senado da Câmara; a Rua Nova com
as colunas dos arcos revestidas de sedas e damascos;
• as janelas decoradas com cortinas e sanefas de damasco carmesim e franjas douradas;
• a vigilância dos escravos pretos e dos quadrilheiros para evitar o assalto a tanta riqueza;
• a pavimentação das ruas entre o Rossio e o Terreiro do Paço com areia vermelha e
ervas;
• a exposição e o despique das damas às janelas com penteados artísticos e excessiva
maquilhagem, e a consequente produção de glosas em sua honra;
• as brincadeiras dos rapazes pelas ruas e os “solaus e chocolate” dentro das casas,
durante
toda a noite;

A procissão:
• desfile das bandeiras dos ofícios, rica e excessivamente decoradas – damasco brocado,
bordaduras de ouro e seda, bolas de metal;
• as fanfarras de trombetas e tambores;
• a representação de S. Jorge;
• o desfile das diferentes irmandades, distintas pelas cores das capas;
• o desfile das comunidades religiosas;
• a multidão do clero das paróquias;
• a participação de el-rei, que segura uma vara do pálio;
• os pensamentos do patriarca e os pensamentos do rei revelados pelo narrador.” 1

 Recursos expressivos (exemplos):


– Enumeração: “[…] não têm conto as figuras, os medalhões, as pirâmides e mais
ornatos.”, p. 158; “[…] tão variados são os nomes como as cores, capas vermelhas, azuis,
brancas, negras e carmesins, opas cinzentas, murças castanhas, e azuis e roxas, e
brancas e vermelhas, e amarelas, e carmesins, e verdes, e pretas […]”, pp. 164-165;
– Paralelismo: “São ditos de maneta e visionária, ele porque lhe falta, ela porque lhe
sobra […]”, p. 160;
– Metáfora: “[…] vai pisando a areia encarnada e as ervas que alcatifam o pavimento
[…]”, p. 160; “Por trás das janelas acabam as damas de armar os penteados, enormes
fábricas de luzimentos e postiços […]”, p. 160;
– Antítese: “[…] ela é mesquinhamente feia e eu divinamente bela, ela tem a boca grande
e a minha é um botão […]”, p. 161;
– Ironia: “Armam uma tourada de improviso, com uma tourinha simples, formada por dois
cornos de carneiro, acaso desirmanados, e uma piteira cortada, tudo fixado numa tábua
larga, com um punho à frente, a parte de trás encostada ao peito, e o que assim faz de
toiro investe com nobreza magnífica […]”, p. 161; “[…] tolo foi Cristo que nunca pôs mitra
na cabeça, seria filho de Deus, não duvido, mas rústico era, porque desde sempre se
sabe que nenhuma religião vingará sem mitra, tiara ou chapéu de coco […]”, p. 169;

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– Polissíndeto: “[…] não são coisas que se façam a dragões, nem a serpentes, nem a
gigantes […]”, p. 163;
– Comparação: “[…] melhor vestem as bestas do que os homens que as veem passar
[…]”, p. 163.

 Funcionalidade do episódio:
“As procissões e os autos de fé caracterizam Lisboa como um espaço caótico, dominado
por rituais religiosos cujo efeito exorcizante esconjura um mal momentâneo que motiva a
exaltação absurda que envolve os habitantes.
A desmistificação dos dogmas e a crítica irónica do narrador ao clero subjazem ao ideário
marxista que condena a religião enquanto ‘ópio do povo’, isto é, condena-se a visão
redutora do mundo apresentada pela Igreja, que condiciona os comportamentos, manipula
os sentimentos e conduz os fiéis a atitudes estereotipadas.” 2

1. RAMOS, Auxília, e BRAGA, Zaida, 2009. Memorial do Convento, José Saramago. Porto: Ideias de Ler (pp. 23-24, 24-25 e 25-26).
2. JACINTO, Conceição, e LANÇA, Gabriela, 2008. Análise da obra Memorial do Convento, José Saramago. Porto: Porto Editora
(pp. 43-44, 46 e 49).
3. SILVA, Teresa Cristina Cerdeira da, 1989. José Saramago. Entre a História e a Ficção: Uma Saga de Portugueses. Lisboa: Dom
Quixote (p. 52).

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