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A Makumba

. não morreu...
A Makumba não morreu
Terreiro Livre - Laylah El Ishtar - 2021
Capa - Bendito Benedito
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Terreiro Livre
Escola de Saberes Ancestrais

Terreiro Livre - Escola de Saberes Ancestrais é uma escola online


sobre espiritualidade, história, mitologia, herbalismo e magia, com
foco nas espiritualidades afro-cariocas e suas raízes afro-
amerindias, as Makumbas Cariocas.

O conteúdo é compactado, mas muito informativo e com


referências bibliográficas. A ideia é fomentar a pesquisa e o debate
em grupo sem ser cansativo.

A escola tem três princípios que se desdobram em outros para a


construção de conteúdo e a troca de saberes, são eles:

• Essência/Origem
Todo conteúdo é produzido através de pesquisa para ter uma base
epistemológica na valorização e preservação da origem, da
essência. Essa pesquisa mescla-se com longos anos de vivência em
terreiro, esse cruzo forma uma escrevivência.

• Ética/Respeito
Essa escrevivência não nega e respeita a história, mas não fecha os
olhos para o dinamismo da tradição e religiões que acompanha as
transformações sociais no mundo contemporâneo.

• Mecanismo/Modo
Levando em consideração que mesmo em regiões de África, onde
ainda existem as religiões tradicionais, existe diversidade de cultos
e que em diáspora não é diferente, principalmente no Brasil que
tem uma extensão geográfica continental. Respeitamos
o modo como cada casa ou grupo conduz seus rituais, acreditamos
na coexistência intra-religiosa de forma saudável… Sempre
reafirmando o primeiro princípio da escola…
Umbanda livre!

Reetinizada, como um modo de ( re ) ancestralizar, um modo de


( re ) existir e resistir.

Umbanda como uma filosofia de vida, como movimento social de


existências espirituais que não estão alheias às questões de
equidade e direitos sociais.

A escola tem real compromisso no combate a todo tipo de


violência, preconceito e exclusão, com causas e demandas sociais.

Parte dos valores de assinaturas ou e-books são revertidos para


instituições sociais, principalmente as que fazem trabalho de
acolhimento à comunidade LGBTQIAP+ .

Umbanda como veículo que usa tecnologia ancestral de forma


terapêutica para o bem estar espiritual, físico, mental e emocional.
" Macumba, portanto, deve bem ter sido a designação local do
culto aos orixás que teve o nome de candomblé na Bahia, de
xangô na região que vai de Pernambuco a Sergipe, de tambor no
Maranhão, de batuque no Rio Grande do Sul. Difícil sabermos o
que foi e como se originou essa antiga macumba carioca, na qual
Bastide, precedido e seguido por outros, enxergava formas
degradadas (no sentido de desorganização e desagregação
cultural) das antigas religiões negras. Macumba que teria sido
religião de pobres e marginalizados, explica Bastide, em oposição
aos cultos similares baianos, onde se enxergou uma tradição
originalmente africana, como se ali também não fosse praticada
por adeptos menos pobres e marginalizados do que os do Rio,
como mostra a história dos negros das classes sociais no Brasil.
Macumba que, de qualquer modo, nos levará ao surgimento da
Umbanda como religião independente no primeiro quartel deste
século, mas que poderia ter sido perfeitamente denominada
Candomblé, desde que se deixassem de lado os modelos dos
minoritários candomblés nagôs da Bahia, que monopolizaram a
atenção dos pesquisadores desde 1890. De todo modo, macumba
é termo corrente usado em São Paulo, no Rio, no Nordeste,
quando se faz referência às religiões de orixás. E é uma
autodesignação que já perdeu o sentido pejorativo, como
pejorativo foi, na Bahia, o termo candomblé. "

Reginaldo Prandi
A Makumba não morreu
Rio de Janeiro, final do século 19, início do século 20, entre
feiticeiros, negros libertos e imigrantes pobres tentando a
inserção social, articulações e negociações por coexistência e
sobrevivência, a estruturação do samba.

É neste cenário do que hoje chamamos de a Cidade Maravilhosa que


acontecem algumas considerações históricas, é também neste cenário que
todas as fontes apontam um - ou vários - culto sincrético, com muitos
elementos bantu e ameríndios mesclados ao catolicismo popular, ao
espiritismo e ao misticismo europeu, a Makumba.

O Rio de Janeiro - e aqui eu insisto no Rio de Janeiro por eu ser carioca e


também porque a história coloca este estado como ponto de origem da
Umbanda - já foi considerada uma cidade negra, inclusive com uma região
que fica na Zona Portuária chamada de Pequena África, por ser um local com
forte presença de cultura e religiosidade africana.

No período de escravidão, o Rio de Janeiro foi se tornando gradualmente um


dos maiores portos de desembarque de escravos, a maioria da África Central,
de origem bantu, Congo e Angola. Pelo menos 75% de Africanos escravizados
no Brasil eram bantu. No Rio De Janeiro, mesmo depois da chegada de
escravos de outras regiões da África, 60/70% ainda eram bantu..

Essa massividade bantu teve uma forte influência em nossa cultura, em nossa
língua, comida e, claro, na religiosidade.

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Todas as manifestações religiosas - Kalundu, Cabula, Makumba - que
precedem a Umbanda no Sudeste do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro
e que não são lidas como Candomblé, apresentavam estrutura litúrgica,
ritualística e de cosmovisão bantu e, naturalmente, a Umbanda também tem
uma estrutura Bantu…

O material de pesquisa sobre a Makumba Carioca ainda é restrito, a maioria


dos artigos são curtos, outros são documentos antigos com olhar
preconceituoso e, por isso, este texto mescla material de pesquisa, minha
experiência pessoal em terreiros desde criança e outros textos que já escrevi
para diferentes veículos de comunicação.

Esta viagem através de palavras no resgate da Makumba está longe de ser


uma discriminação às práticas que não se alinham as minhas, mas é também
um manifesto de valorização do passado, de valorização dos antigos e uma
forma de trazer essa ancestralidade para o presente para que não seja
extinta no futuro - Sankofa.

O apagamento das religiões afro por religiões cristãs é histórico, mas o


apagamento de uma religião afro por adeptos da própria religião é surreal. A
palavra Makumba é carregada de estigmas, de preconceitos e mesmo que ela
seja usada informalmente pela maioria dos adeptos das religiões afro-
brasileiras no dia a dia, ela dificilmente é usada para definir uma estrutura
religiosa de fato.

Existem inúmeros textos sobre a origem e significado da palavra Makumba,


mas é sempre bom refrescar a memória. Subsistem muitas teorias sobre a
palavra Makumba, mas a maioria das fontes afirma se originar do Kimbundo
ou Kicongo, podendo significar um instrumento de percussão africano, uma
árvore sagrada também africana ou ainda cultos sincréticos afro-brasileiros -
Ma'Kumba - um tipo de reunião ou encontro religioso onde se manipula
magia.

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Apesar da palavra makumba ter assumido características pejorativas, ela tem
um poder de autoafirmação religiosa e resistência muito grande, desde estar
ligada aos ritos, ligada à madeira que dá origem ao instrumento makumba e
ao que pode ser entendido como xingamento para quem vive fora das
religiões centradas na natureza, afro-brasileiras e se transformou em força
para quem vive dentro das religiões. Mas ainda assim, a Makumba é rejeitada
por muitos dentro das religiões afro, na maioria das vezes sendo vista como
oposição à Umbanda, exatamente por causa do estigma pejorativo que a
palavra acumulou. Sempre vejo a expressão " Umbanda não é Makumba " e,
talvez não seja mesmo, dentro do entendimento subjetivo, mas usar essa
frase para desmerecer uma origem, é bem complicado.

Fato é que a Makumba existiu como movimento religioso, precede o que hoje
nos habituamos a chamar de Umbanda e houve negociações na transição de
uso dessas palavras e mesmo de ritos e organização religiosas. Para Roger
Bastide e outros pesquisadores, a Makumba seria um distanciamento dos
ritos tradicionais do Candomblé e desorganização em relação aos cultos de
origem africanos ocidentais. O Candomblé Nagô era a régua para medir essa
organização, mas o que de fato caracteriza organização?

O que podemos, devemos ou não negociar sobre questões sociais, de


existência, de resistência e religiosas?

É um assunto de muita reflexão e curiosamente o povo bantu era negociador,


hospitaleiro e rejeitava a animosidade, e talvez por isso tenha conseguido
ocupar uma vasta região da África Central, por saber negociar. Para alguns
pesquisadores essa característica era vista como frágil e, por isso, os cultos
afro de origem bantu no Brasil tenham também sido vistos como inferiores,
por terem uma abertura considerável de assimilação religiosa de outros
povos…

Existem dois períodos de negociação em que os bantu estão envolvidos e que


em um momento mais recente podem ter aberto precedentes para a
Makumba se transformar em Umbanda.

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O primeiro período acontece ainda na África quando o Mwene Kongo - Rei do
Congo - Nzinga a Nkuwu estreita laços com portugueses e se converte ao
Cristianismo como uma estratégia de intercâmbio e acesso ao que Portugal
poderia oferecer. Ou seja, já no Congo os bantu tiveram contato com a
religião cristã, mas não abdicaram de suas crenças originais, o culto aos
ancestrais e as Forças da Natureza. As igrejas, por exemplo, ainda carregavam
referências com nome de Nkisi...

Os bantu já chegam no Brasil com um certo sincretismo e aqui forma-se uma


segunda negociação sincrética, assimilam o culto aos ancestrais indígenas e o
culto às divindades yorubás. Algumas fontes afirmam que a Makumba passa
a existir quando a Cabula assimila os Orixás, mas eu acredito que essa
aglutinação acontece naturalmente do intercâmbio no cenário do início do
texto, nos Quilombos, nos Zungus.

Mesmo que eu seja defensora de que hoje o sincretismo não é mais


necessário para mascarar as religiões afro, eu preciso reconhecer que a
Makumba é originalmente sincrética, a estrutura bantu permitiu esse
sincretismo. Na verdade, acredito muito na liberdade religiosa e respeito
quem usa o sincretismo em suas práticas. Acontece que o sincretismo
alicerça o terceiro momento de negociação que envolve a Makumba, já em
tempos mais recentes e se entrelaça com inúmeros eventos sociais e
políticos.

A busca pela ascensão e aceitação social, inclui a aceitação religiosa e, na


tentativa de diminuir a perseguição policial às religiões afro-brasileiras, a
antiga Makumba passa por um processo de ressignificação onde signos
africanos e indígenas são cada vez mais dissolvidos e remodelados com
conceitos católicos, kardecistas e esotéricos que se sobrepõem e ficam
estabelecidos no primeiro congresso de Umbanda em 1941.

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A partir daqui inúmeras vertentes e mitos são criados, de Niterói à Índia e
Atlântida, sempre com o mesmo intuito: se distanciar da África.

Em 1967 houve outra negociação, chamada de A Unificação da Umbanda


como muitos nomes de lideranças e teóricos umbandistas, inclusive o nome
de Tata Tancredo e Benjamin Figueiredo que tinham visões completamente
diferentes. Tata Tancredo era defensor obstinado das origens africanas da
Umbanda, enquanto Benjamin tinha uma ritualística mais voltada para o
cristianismo e kardecismo.

mportante sinalizar o impacto dessas negociações, se na África Bantu e na


formação afro religiosa no Rio de Janeiro elas foram como uma estratégia de
intercâmbio cultural e aglutinação de elementos e crenças espirituais, em
1941 as negociações tinham o propósito de reestruturar a religião e criar um
molde aceitável para uma sociedade majoritáriamente católica e
preconceituosa, e em 1967 mesmo com todos os conflitos anteriores,
protagonistas da Umbanda se " aliam " talvez para que a religião tivesse um
corpo político e social mais amigável e abrangente.

Sinceramente não sei se essa última negociação funcionou, conceitos


estabelecidos em 1941 ultrapassam a " unificação " de 1967 e ressoam até os
dias atuais, inclusive Tata Tancredo é invisibilizado e idéias preconceituosas
ainda são reproduzidas no meio umbandista.

A Makumba não morreu e a Umbanda não nasceu, o que aconteceu foram


ondas de intercâmbio cultural e religioso e a ressignificação de práticas
religiosas que conversaram com sucessivas mudanças sociais.

Pesquisas de campo pelos subúrbios e comunidades do Rio e Janeiro -


acredito que em outras regiões também - deixam explícito que a Makumba
vive e, mesmo que algumas casas se afirmem como Umbanda, na verdade
estão fazendo Makumba.
.

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E não tem problema usar a palavra Umbanda para definir a estrutura
religiosa dessas casas, Umbanda também é palavra bantu com um significado
lindo - Arte da Cura - Magia.

Aliás, existem signos fortes de origem bantu que inclusive fazem parte da
nomenclatura usada nos rituais, Embanda (sacerdote ou culto do Cabula e
Makumba) virou Umbanda, engira virou gira, camba/cambone, calunga, tata,
cangira, curiá, congá, camutuê são palavras bantu usadas na Cabula, na
Makumba e que até hoje são usadas na Umbanda.

A Makumba está vivíssima, Makumbe-se !!!

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SOBRE A AUTORA
Laylah El Ishtar
Styling, Jornalista de Moda e Pesquisadora de Tendências de formação,
não entende o mundo como uma dicotomia entre o espiritual e o material,
esses mundos não se separam, e muitas das técnicas de pesquisa usadas
em seu trabalho, servem como bússola na criação de conteúdo sobre
assuntos que envolvem espiritualidade e religião...

Dra. Alessandra
Com um histórico espiritualista Mota
familiar, desde sempre esteve conectada
aos rituais afro-religiosos.

De natureza livre, atendeu ao chamado dos caminhos ancestrais


centrados na natureza passando por todo o processo iniciático, é Babá de
Umbanda e Abọ̀rìṣà ( devota de Orixá ), idealizadora do Terreiro Livre -
Escola de Saberes Ancestrais.

Defensora da espiritualidade livre, natural sem religião institucionalizada.

É transativista e ativista contra a intolerância religiosa com


reconhecimento em Moção Honrosa pela Câmara de Vereadores do Rio
de Janeiro.

É pesquisadora de espiritualidades, mitos e saberes ancestrais de povos


originários, com foco nas espiritualidades bantu e nos cultos afro-
cariocas. Pesquisadora de danças femininas da África e Oriente Médio.

Fitoterapeuta, tem verdadeira paixão por ervas, seus poderes terapêuticos


e ritualísticos.
Bibliografia

Religiões Negras no Brasil - Valéria Costa e Flávio Gomes


O que é Umbanda - Patrícia Birman
Iniciação a Umbanda - Dandara e Zeca Ligero
Das Macumbas à Umbanda - José Henrique Motta de Oliveira
África Bantu -Catherine Cymone Fourshey, Christine Saidi, Rhonda M.
Gonzales
Bantos, Malês e identidade negra - Nei Lopes
Rituais Negros e Caboclos - Nivio Ramos Sales
Da Nbandla à Umbanda - Wilson do Nascimento Barbosa
Entre Ngangas e Manipansos - Eduardo Possidônio
Os Candomblés de São Paulo - Reginaldo Prandi

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