Você está na página 1de 3

Exu

Coleção Divindades Afro-brasileiras – Revista Super Interessante. Parecer: Racquell Narducci

Quem visita a Fundação Casa de Jorge Amado, um enorme casarão azul em Salvador,
pode não perceber, mas Exu está lá, de olho em tudo e em todos. Ele é o guardião
postado na entrada, bem acima de uma escultura. Compadre Exu também vigia a
residência em que o escritor viveu durante décadas na capital baiana. No livro de
memórias: A casa do Rio Vermelho, Zélia Gatai, viúva de Jorge Amado, relata que a mãe-
de-santo Senhora, amiga e orientadora espiritual da família, não gostou de saber que a
imagem havia sido colocada no jardim sem a observância de alguns rituais. Ela só
sossegou quando assentou o Orixá com as devidas homenagens: charutos, azeite de
dendê, cachaça, farofa e o sangue do pescoço de um galo decepado na hora. “Onde já se
viu colocar dentro das portas um Orixá forte desses sem o fundamento adequado?”. Teria
dito a respeitada Iyalorixá.
Orixá de personalidade forte e muito respeitado, Exu tem fama de rápido, ardiloso e até
violento e vingativo. Entre suas missões está fazer a ponte entre os homens e os orixás e
guardar as residências. A palavra Exu, em iorubá, significa “esfera”. Isto porque a
Divindade é tida como infinita, sem começo nem fim. “Ele é o intermediário entre os
homens e os Orixás e foi um dos poucos a ter contato direto com Olodumare, o criador
do universo”, diz a mãe-de-santo Sylvia de Oxalá, dirigente do Templo Axé Ilé Obá, em
São Paulo. “Exu está relacionado a força da criação e ao principio dinâmico de todos os
atos”.

Mensageiro dos Deuses


Para os adeptos do Candomblé, tudo o que ocorre neste mundo, incluindo o cotidiano dos
homens e os fenômenos da natureza, sofre a influencia dos Orixás. De todos eles, Exu
tem papel de destaque. “Nada se faz sem o trabalho do mensageiro e transportador Exu.
Tudo ele ouve e transmite, seu poder é incomensurável”, afirma Sylvia. Ao cumprir esse
cargo, Exu guarda muita semelhança com Hermes, o deus grego do comércio que era
conhecido como Mercúrio pelos romanos. “Com sandálias aladas Hermes era o mensageiro
dos deuses, patrono do comércio, dos ladrões e da eloqüência – características bem
próximas as de Exu”, diz o sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo. “Em
todas as grandes religiões politeístas há um deus comunicador”, afirma. É Exu quem
transmite aos demais Orixás os pedidos e as oferendas que os humanos lhes dedicam
para agrada-los e, assim, obter proteção e favores.
Por ser responsável pelo contato entre os Orixás e os homens, não se pode fazer uma
oferenda a outra divindade sem, antes, agradar Exu. O despacho privilegiado é como se
fosse um selo postal a se pagar pela mensagem enviada ou recebida, independentemente
de qual será o Orixá venerado, é preciso antes fazer o padê – cerimônia de abertura na
qual são dedicadas homenagens a Exu e aos antepassados, pedindo permissão para que
se inicie a festa. O passo seguinte é realizar o sacrifício dos animais, que muda conforme
o Orixá que será oferecido.
A tradição conta que um dia o Orixá estava distraído observando Oxalá fabricar seres
humanos com barro. Exu ficou na casa de seus companheiros por 16 anos aprendendo
como se fazia humanos e ajudando seu amigo. Uma vez, Oxalá pediu para que Exu
ficasse na encruzilhada por onde passavam as visitas que iam até sua casa. Sua tarefa
seria não permitir que as pessoas sem oferendas pudessem passar. Além disso, Exu foi
incumbido de receber as oferendas (ebós) e as levar a Oxalá, que era uma pessoa muito
ocupada. Como o aprendiz desempenhou bem o seu papel, Oxalá o recompensou
exigindo que todos os visitantes fizessem antes uma oferenda a Exu que, muito atarefado,
construiu sua casa na encruzilhada. “Ele é o Orixá da transformação e dos caminhos, daí
acreditar-se que mora nas encruzilhadas”, diz Reginaldo.
A representação física de Exu é feita por um otá, objeto poroso denominado yangi
(pequena pedra), ou uma modelagem no barro com formas humanas. Os olhos, o nariz e
a boca são representados por búzios. O local consagrado da imagem é ao ar livre, sempre
à entrada das casas ou dos terreiros. O falo enorme em permanente ereção denota sua
sexualidade e mostra mais uma semelhança com o deus grego Hermes. “As casas de culto
tradicionais usam em seus ofós, o espaço designado às oferendas, a frase: “...Omokunrin
ido lo fi” (o filho homem, mas que usa o clitóris), demonstrando seu domínio sobre a
sexualidade humana”, afirma Reginaldo. Alem das pequenas cabaças (adós), que contem
pós-mágicos e ficam penduradas no corpo de Exu, seus cabelos compridos são presos
numa longa trança caída para trás, formando uma crista que encobre a lamina de faca
que ele tem no alto do crânio com os dizeres: “cabeça é afiada, pois ele não tem cabeça
para carregar fardos”.

Orixá Caluniado
Em vários mitos e lendas, Exu aparece como vingativo e trapaceiro. As artimanhas do
Orixá e a representação do falo ereto lhe renderam a fama de mal e várias vezes foi
associado ao demônio cristão. A confusão começou quando os primeiros missionários
europeus desembarcaram na África, em território iorubá, atual Nigéria, entre os séculos 15
e 18. “O grande falo ereto de Exu foi considerado pelos ocidentais como um símbolo
demoníaco da sexualidade exacerbada”, diz o antropólogo Julio Braga, da Universidade
Federal da Bahia, em Salvador. Outra informação desvirtuada foi a de que as oferendas
preliminares a Exu deveriam ser feitas para que ele não atrapalhasse as cerimônias com
suas traquinagens, o que não é verdade. “A preferência se deve ao fato de ser o
mensageiro com a função de interceder perante os outros Orixás”, afirma Reginaldo
Prandi. Com o passar do tempo, os cristãos acrescentaram outros elementos da mitologia
européia medieval à imagem do Orixá, como o rabo e os cascos fendidos no lugar dos
pés.
Pudicos ao extremo e vivendo de acordo com rígidas normas morais impostas pelo
Vaticano, os jesuítas e outros missionários que foram para a África não levaram em conta
o contexto da cultura e da ordem social africanas ao rotulá-los com suas idéias
maniqueístas. Exu era de extrema relevância para a fecundidade dos povos antigos. Para
os iorubás nenhum homem ou mulher se sente feliz e realizado sem uma prole numerosa.
Nada era mais importante do que ter muitos filhos com várias esposas. “O sexo tinha um
sentido social que envolve a idéia de garantia da sobrevivência coletiva e perpetuação das
linhagens, clãs e cidades”, diz Reginaldo. Dentro desse contexto, Exu, como o patrono da
cópula, garante a virilidade masculina e a continuidade do povo, assumindo papel de
extrema importância.

Ogum Xoroquê
Mesmo assim, nunca mais o Orixá do falo ereto se livraria do rótulo de devasso, imoral e
demoníaco. Exu foi condenado a ser a divindade mais incompreendida e caluniada do
panteão africano, principalmente em terras brasileiras. Assim, será sempre uma
ambigüidade: temido e respeitado, desprezado e evocado. “Alguns terreiros simplesmente
recusam-se a formar filhos de Exu”, afirma o antropólogo Julio. Por causa disso, muitos
filhos de Exu foram iniciados na forma de Ogum Xoroquê, uma variação do Orixá da
Guerra que gera pessoas rápidas, espertas e interesseiras, características que se
assemelham bastante aos filhos de Exu.

Na Umbanda, religião que herdou elementos do Candomblé, Exu também sofreu


preconceitos e nem sequer é considerado uma divindade.

Na verdade não há pré-conceitos, os Exus (e Pomba-giras) em Umbanda e Quimbanda


são entidades espirituais que viveram nessa terra e desencarnaram, a estes são dados
uma oportunidade de auxiliar de alguma maneira na grande obra espiritual através de
incorporações, mensagens e trabalhos para o alivio da aflição humana, mesmo que
momentaneamente. São mensageiros e falangeiros, vivem em falanges e vibram na
mesma freqüência que estas estiverem, por isso vários nomes, pois variadas são as
freqüências. Isto os difere e muito da energia do Orixá Exu que é a multiplicidade una.

Exu
Filho primogênito de Oxalá e Iemanjá, Exu é aquele que abre os caminhos. Por isso, é
sempre o primeiro orixá a ser invocado nas aberturas dos trabalhos, nas oferendas e na
leitura do oráculo de búzios. Simboliza a energia dinâmica, o impulso sexual, o fluido vital.
Também está associado à comunicação, por ser o intermediador entre os homens e os
orixás.

Você também pode gostar