Quem visita a Fundação Casa de Jorge Amado, um enorme casarão azul em Salvador,
pode não perceber, mas Exu está lá, de olho em tudo e em todos. Ele é o guardião
postado na entrada, bem acima de uma escultura. Compadre Exu também vigia a
residência em que o escritor viveu durante décadas na capital baiana. No livro de
memórias: A casa do Rio Vermelho, Zélia Gatai, viúva de Jorge Amado, relata que a mãe-
de-santo Senhora, amiga e orientadora espiritual da família, não gostou de saber que a
imagem havia sido colocada no jardim sem a observância de alguns rituais. Ela só
sossegou quando assentou o Orixá com as devidas homenagens: charutos, azeite de
dendê, cachaça, farofa e o sangue do pescoço de um galo decepado na hora. “Onde já se
viu colocar dentro das portas um Orixá forte desses sem o fundamento adequado?”. Teria
dito a respeitada Iyalorixá.
Orixá de personalidade forte e muito respeitado, Exu tem fama de rápido, ardiloso e até
violento e vingativo. Entre suas missões está fazer a ponte entre os homens e os orixás e
guardar as residências. A palavra Exu, em iorubá, significa “esfera”. Isto porque a
Divindade é tida como infinita, sem começo nem fim. “Ele é o intermediário entre os
homens e os Orixás e foi um dos poucos a ter contato direto com Olodumare, o criador
do universo”, diz a mãe-de-santo Sylvia de Oxalá, dirigente do Templo Axé Ilé Obá, em
São Paulo. “Exu está relacionado a força da criação e ao principio dinâmico de todos os
atos”.
Orixá Caluniado
Em vários mitos e lendas, Exu aparece como vingativo e trapaceiro. As artimanhas do
Orixá e a representação do falo ereto lhe renderam a fama de mal e várias vezes foi
associado ao demônio cristão. A confusão começou quando os primeiros missionários
europeus desembarcaram na África, em território iorubá, atual Nigéria, entre os séculos 15
e 18. “O grande falo ereto de Exu foi considerado pelos ocidentais como um símbolo
demoníaco da sexualidade exacerbada”, diz o antropólogo Julio Braga, da Universidade
Federal da Bahia, em Salvador. Outra informação desvirtuada foi a de que as oferendas
preliminares a Exu deveriam ser feitas para que ele não atrapalhasse as cerimônias com
suas traquinagens, o que não é verdade. “A preferência se deve ao fato de ser o
mensageiro com a função de interceder perante os outros Orixás”, afirma Reginaldo
Prandi. Com o passar do tempo, os cristãos acrescentaram outros elementos da mitologia
européia medieval à imagem do Orixá, como o rabo e os cascos fendidos no lugar dos
pés.
Pudicos ao extremo e vivendo de acordo com rígidas normas morais impostas pelo
Vaticano, os jesuítas e outros missionários que foram para a África não levaram em conta
o contexto da cultura e da ordem social africanas ao rotulá-los com suas idéias
maniqueístas. Exu era de extrema relevância para a fecundidade dos povos antigos. Para
os iorubás nenhum homem ou mulher se sente feliz e realizado sem uma prole numerosa.
Nada era mais importante do que ter muitos filhos com várias esposas. “O sexo tinha um
sentido social que envolve a idéia de garantia da sobrevivência coletiva e perpetuação das
linhagens, clãs e cidades”, diz Reginaldo. Dentro desse contexto, Exu, como o patrono da
cópula, garante a virilidade masculina e a continuidade do povo, assumindo papel de
extrema importância.
Ogum Xoroquê
Mesmo assim, nunca mais o Orixá do falo ereto se livraria do rótulo de devasso, imoral e
demoníaco. Exu foi condenado a ser a divindade mais incompreendida e caluniada do
panteão africano, principalmente em terras brasileiras. Assim, será sempre uma
ambigüidade: temido e respeitado, desprezado e evocado. “Alguns terreiros simplesmente
recusam-se a formar filhos de Exu”, afirma o antropólogo Julio. Por causa disso, muitos
filhos de Exu foram iniciados na forma de Ogum Xoroquê, uma variação do Orixá da
Guerra que gera pessoas rápidas, espertas e interesseiras, características que se
assemelham bastante aos filhos de Exu.
Exu
Filho primogênito de Oxalá e Iemanjá, Exu é aquele que abre os caminhos. Por isso, é
sempre o primeiro orixá a ser invocado nas aberturas dos trabalhos, nas oferendas e na
leitura do oráculo de búzios. Simboliza a energia dinâmica, o impulso sexual, o fluido vital.
Também está associado à comunicação, por ser o intermediador entre os homens e os
orixás.