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O candomblé no Brasil e suas ramificações

O candomblé e demais religiões afro-brasileiras tradicionais


formaram-se em diferentes áreas do Brasil com diferentes ritos e
nomes locais derivados de tradições africanas diversas: candomblé
na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no
Maranhão e Pará, batuque no Rio Grande do Sul etc... A
organização das religiões negras no Brasil deu-se bastante
recentemente, no curso do século

XIX. Uma vez que as últimas levas de africanos

trazidos para o Novo Mundo durante o período final da escravidão


(últimas décadas do século

XIX) foram fixadas sobretudo nas cidades e em

ocupações urbanas, os africanos desse período puderam viver no


Brasil em maior contato uns com os outros, físico e socialmente,
com maior mobilidade e, de certo modo, liberdade de movimentos,
num processo de interação que não conheceram antes. Este fato
propiciou condições sociais favoráveis para a sobrevivência de
algumas religiões africanas, com a formação de grupos de culto
organizados. Até o final do século passado, tais religiões estavam
consolidadas, mas continuavam a ser religiões étnicas dos grupos
negros descendentes dos escravos. No início deste século, no Rio
de janeiro, o contato do candomblé com o espiritismo kardecista
trazido da França no final do século propiciou o surgimento de uma
outra religião afro-brasileira: a umbanda, que tem sido
reiteradamente identificada como sendo a religião brasileira por
excelência, pois, nascida no Brasil, ela resulta do encontro de
tradições africanas, espíritas e católicas.

Desde o início as religiões afro-brasileiras formaram-se em


sincretismo com o catolicismo, e em grau menor com religiões
indígenas. O culto católico aos santos, numa dimensão popular
politeísta, ajustou-se como uma luva ao culto dos panteões
africanos. A partir de 1930, a umbanda espraiou-se por todas a
regiões do País, sem limites de classe, raça, cor, de modo que todo
o País passou a conhecer, pelo menos de nome, divindades como
Iemanjá, Ogum, Oxalá etc.

O candomblé, que até 20 ou 30 anos atrás era religião confinada


sobretudo na Bahia e Pernambuco e outros locais em que se
formara, caracterizando-se ainda uma religião exclusiva dos grupos
negros descendentes de escravos, começou a mudar nos anos 60 e
a partir de então a se espalhar por todos os lugares, como
acontecera antes com a umbanda, oferecendo-se então como
religião também voltada para segmentos da população de origem
não-africana.

Assim o candomblé deixou de ser uma religião exclusiva do


segmento negro, passando a ser uma religião para todos. Neste
período a umbanda já começara a se propagar também para fora
do Brasil.

Durante os anos 1960, com a larga migração do Nordeste em


busca das grandes cidades industrializadas no Sudeste, o
candomblé começou a penetrar o bem estabelecido território da
umbanda, e velhos umbandistas começaram e se iniciar no
candomblé, muitos deles abandonando os ritos da umbanda para
se estabelecer como pais e mães-de-santo das modalidades mais
tradicionais de culto aos orixás. Neste movimento, a umbanda é
remetida de novo ao candomblé, sua velha e “verdadeira” raiz
original, considerada pelos novos seguidores como sendo mais
misteriosa, mais forte, mais poderosa que sua moderna e
embranquecida descendente, a umbanda. Nesse período da história
brasileira, as velhas tradições até então preservadas na Bahia e
outros pontos do País encontraram excelentes condições
econômicas para se reproduzirem e se multiplicarem mais ao sul; o
alto custo dos ritos deixou de ser um constrangimento que as
pudesse conter. E mais, nesse período, importantes movimentos de
classe média buscavam por aquilo que poderia ser tomado como as
raízes originais da cultura brasileira. Intelectuais, poetas,
estudantes, escritores e artistas participaram desta empreitada,
que tantas vezes foi bater à porta das velhas casas de candomblé
da Bahia. Ir a Salvador para se ter o destino lido nos búzios pelas
mães-de-santo tornou-se um must para muitos, uma necessidade
que preenchia o vazio aberto por um estilo de vida moderno e
secularizado tão enfaticamente constituído com as mudanças
sociais que demarcavam o jeito de viver nas cidades
industrializadas do Sudeste, estilo de vida já, quem sabe?, eivado
de tantas desilusões.

O candomblé encontrou condições sociais, econômicas e culturais


muito favoráveis para o seu renascimento num novo território, em
que a presença de instituições de origem negra até então pouco
contavam. Nos novos terreiros de orixás que foram se criando
então, entretanto, podiam ser encontrados pobres de todas as
origens étnicas e raciais. Eles se interessaram pelo candomblé. E
os terreiros cresceram às centenas.
O termo candomblé designe vários ritos com diferentes ênfases
culturais, aos quais os seguidores dão o nome de “nações” (Lima,
1984).

Basicamente, as culturas africanas que foram as principais fontes


culturais para as atuais “nações” de candomblé vieram da área
cultural banto (onde hoje estão os países da Angola, Congo,
Gabão, Zaire e Moçambique) e da região sudanesa do Golfo da
Guiné, que contribuiu com os iorubás e os ewê-fons, circunscritos
principalmente aos atuais território da Nigéria e Benin. Mas estas
origens na verdade se interpenetram tanto no Brasil como na
origem africana.

Na chamada “nação” Keto, na Bahia, predominam os orixás e ritos


de iniciação de origem Yorubá.

Quando se fala em candomblé, geralmente a referência é o


candomblé Keto e seus antigos terreiros são os mais conhecidos: a
Casa Branca do Engenho Velho e duas casas derivadas da Casa
Branca, o Axé Opô Afonjá e o Gantois; além do candomblé do
Alaketo. O candomblé Keto tem tido grande influência sobre outras
“nações”, que têm incorporado muitas de suas prática rituais. Sua
língua ritual deriva do Yorubá, mas o significado das palavras e a
sintaxe em grande parte se perderam através do tempo. Além do
Keto, as seguintes “nações” também são do tronco Yorubá (ou
nagô, como os povos iorubanos são também denominados): efã e
ijexá na Bahia, nagô ou eba em Pernambuco, Oió-ijexá ou batuque
de nação no Rio Grande do Sul, mina-nagô no Maranhão, e a quase
extinta “nação” Xambá de Alagoas e Pernambuco. Mais
recentemente, quando o candomblé (de origem baiana, nação
Keto) já se encontrava espalhado por todos os grandes centros
urbanos, tendo já, inclusive, iniciado sua propagação por países do
Cone Sul e também da Europa, iniciou-se um movimento de
recuperação de raízes africanas conhecido como “africanização”,
que rejeita o sincretismo católico, procura reaprender o Yorubá
como língua original e tenta reintroduzir ritos que se perderam ao
longo do tempo e redescobrir os mitos esquecidos dos orixás.

A “nação” angola, de origem banto, adotou o panteão dos orixás


Yorubás (embora os chame pelos nomes de seus esquecidos
inquices, divindades bantos, assim como incorporou muitas das
práticas iniciáticas da nação Keto. Sua linguagem ritual, também
intraduzível, originou-se predominantemente das línguas
quimbundo e quicongo. Nesta “nação”, tem fundamental
importância o culto dos caboclos, que são espíritos de índios,
considerados pelos antigos africanos como sendo os verdadeiros
ancestrais brasileiros, portanto os que são dignos de culto no novo
território a que foram confinados pela escravidão. O candomblé de
caboclo é uma modalidade da nação angola, centrado no culto
exclusivo dos antepassados indígenas. Foram provavelmente o
candomblé angola e o de caboclo que deram origem à umbanda.
Há outras nações menores de origem banto, como a congo e a
cambinda, hoje quase inteiramente absorvidas pela nação angola.

A nação jeje-mahin, do estado da Bahia, e a jeje-mina, do


Maranhão, derivaram suas tradições e língua ritual do ewê-fon, ou
jejes, como já eram chamados pelos nagôs, e suas divindades
centrais são os voduns. As tradições rituais jejes foram muito
importantes na formação dos candomblés com predominância
Yorubá.

A palavra JEJE vem do yorubá adjeje que significa estrangeiro,


forasteiro. Portanto, não existe e nunca existiu nenhuma nação
Jeje, em termos políticos. O que é chamado de nação Jeje é o
candomblé formado pelos povos fons vindo da região de Dahomé e
pelos povos mahins. Jeje era o nome dado de forma perjurativa
pelos yorubás para as pessoas que habitavam o leste, porque os
mahins eram uma tribo do lado leste e Saluvá ou Savalu eram
povos do lado sul. O termo Saluvá ou Savalu, na verdade, vem de
“Savê” que era o lugar onde se cultuava Nanã. Nanã, uma das
origens das quais seria Bariba, uma antiga dinastia originária de
um filho de Oduduá, que é o fundador de Savê (tendo neste caso a
ver com os povos fons). O Abomei ficava no oeste, enquanto
Axantis era a tribo do norte. Todas essas tribos eram de povos
Jeje.

A palavra DAHOMÉ, tem dois significados: Um está relacionado


com um certo Rei Ramilé que se transformava em serpente e
morreu na terra de Dan. Daí ficou “Dan Imé” ou “Dahomé”, ou
seja, aquele que morreu na Terra da Serpente. Segundo as
pesquisas, o trono desse rei era sustentado por serpentes de cobre
cujas cabeças formavam os pés que iam até a terra. Esse seria um
dos significados encontrados: Dan = “serpente sagrada” e Homé =
“a terra de Dan”, ou seja, Dahomé = “a terra da serpente
sagrada”.

Acredita-se ainda que o culto à Dan é oriundo do antigo Egito. Ali


começou o verdadeiro culto à serpente, onde os Faraós usavam
seus anéis e coroas com figuras de cobra. Encontramos também
Cleópatra com a figura da cobra confeccionada em platina, prata,
ouro e muitos outros adornos femininos. Então, posso dizer que
este culto veio descendo do Egito até Dahomé.

Os povos Jejes se enumeravam em muitas tribos e idiomas, como:


Axantis, Gans, Agonis, Popós, Crus, etc. Portanto, teríamos
dezenas de idiomas para uma tribo só, ou seja, todas eram Jeje, o
que foge evidentemente às leis da lingüística – muitas tribos
falando diversos idiomas, dialetos e cultuando os mesmos Voduns.
As diferenças vinham, por exemplo, dos Minas – Gans ou Agonis,
Popós que falavam a língua das Tobosses, que a meu ver, existe
uma grande confusão com essa língua.

Os primeiros negros Jeje chegados ao Brasil entraram por São Luís


do Maranhão e de São Luís desceram para Salvador, Bahia e de lá
para Cachoeira de São Félix. Também ali, há uma grande
concentração de povos Jeje. Além de São Luís (Maranhão),
Salvador e Cachoeira de São Félix (Bahia), o Amazonas e bem mais
tarde o Rio de Janeiro, foram lugares aonde encontram-se
evidências desta cultura.

Muitos Voduns Jeje são originários de Ajudá.

Porém, o culto desses voduns só cresceram no antigo Dahomé.


Muitos desses Voduns não se fundiram com os orixás nagos e
desapareceram totalmente. O culto da serpente Dãng-bi é um
exemplo, pois ele nasceu em Ajudá, foi para o Dahomé, atravessou
o Atlântico e foi até as Antilhas.

Quanto a classificação dos Voduns Jeje, por exemplo, no Jeje


Mahin tem-se a classificação do povo da terra, ou os voduns
Caviunos, que seriam os voduns Azanssu, Nanã e Becém. Temos,
também, o vodun chamado Ayzain que vem da nata da terra.

Este é um vodun que nasce em cima da terra. É o vodun protetor


da Azan, onde Azan quer dizer “esteira”, em Jeje. Achamos em
outro dialeto Jeje, o dialeto Gans-Crus, também o termo Zenin ou
Azeni ou Zani e ainda o Zoklé. Ainda sobre os voduns da terra
encontramos Loko. Ele apesar de estar ligado também aos astros e
a família de Heviosso, também está na família Caviuno, porque
Loko é árvore sagrada; é a gameleira branca, que é uma árvore
muito importante na nação Jeje.

Seus filhos são chamados de Lokoses. Ague, Azaká é também um


vodun Caviuno. A família Heviosso é encabeçada por Badë,
Acorumbé, também filho de Sogbô, chamado de Runhó. Mawu-
Lissá seria o orixá Oxalá dos yorubás. Sogbô também tem
particularidade com o Orixá em Yorubá, Xangô, e ainda com o filho
mais velho do Deus do trovão que seria Averekete, que é filho de
Ague e irmão de Anaite. Anaite seria uma outra família que viria da
família de Aziri, pois são as Aziris ou Tobosses que viriam a ser as
Yabás dos Yorubás, achamos assim Aziritobosse. Estou falando do
Jeje de um modo geral, não especificamente do Mahin, mas das
famílias que englobam o Mahin e também outras famílias Jeje.
Como relatei, Jeje era um apelido dado pelos yorubás. Na verdade,
esta família, ou seja, nós que pertencemos a esta nação
deveríamos ser classificados de povo Ewe, que seria o mais certo.
Ewe-Fon seria a nossa verdadeira denominação. Nós seríamos
povos Ewe ou povos Fons. Então, se fôssemos pensar em alguma
possibilidade de mudança, nós iríamos nos chamar, ao invés de
nação Jeje, de nação Ewe-Fon. Somente assim estaríamos fazendo
jus ao que é encontrado em solo africano. Jeje é então um apelido,
mas assim ficamos para todas as nossas gerações classificados
como povo Jeje, em respeito aos nossos antepassados.
Continuando com algumas nomenclaturas da palavra Ewe-Fon, por
exemplo, a casa de candomblé da nação Jeje chama-se Kwe =
“casa”. A casa matricial em Cachoeira de São Félix chama-se Kwe
Ceja Undé. Toda casa Jeje tem que ser situada afastada das ruas,
dentro de florestas, onde exista espaço com árvores sagradas e
rios. Depende das matas, das cachoeiras e depende de animais,
porque o Jeje também tem a ver com os animais. Existem até
cultos com os animais tais como, o leopardo, crocodilo, pantera,
gavião e elefante que são identificados com os voduns. Então, este
espaço sagrado, este grande sítio, esta grande fazenda onde fica o
Kwe chama-se Runpame, que quer dizer “fazenda” na língua Ewe-
Fon. Sendo assim, a casa chama-se Kwe e o local onde fica situado
o candomblé, Runpame. No Maranhão predomina o culto às
divindades como Azoanador e Tobosses e vários Voduns onde a
“sacerdotisa” é chamada Noche e o cargo masculino, Toivoduno.

Voltando a falar sobre “Kwe Ceja Undé”, esta casa como é


chamada em Cachoeira de São Félix de “Roça de Baixo” foi fundada
por escravos como Manoel Ventura, Tixerem, Zé do Brechó e
Ludovina Pessoa. Ludovina Pessoa era esposa de Manoel Ventura,
que no caso africano é o dono da terra. Eles eram donos do sítio e
foram os fundadores da Kwe Ceja Undé. Essa Kwe ainda seria
chamada de Pozerren, que vem de Kipó, “pantera”. Darei um
pequeno relatório dos criadores do Pozerren Tixarene que seria o
primeiro Pejigan da roça; e Ludovina, pessoa que seria a primeira
Gaiacú.

A roça de cima que também é em Cachoeira é oriunda do Jeje


Dahomé, ou seja, uma outra forma de Jeje. Estou falando do
Mahin, que era comandada por Sinhá Romana que vinha a ser
“Irmã de santo” de Ludovina Pessoa (esta última mais tarde
assumiria o cargo de Gaiacú na Kwe de Boa Ventura). Mas, pela
ordem temos Manoel Ventura, que seria o fundador, depois viria
Sinhá Pararase, Sinhá Balle e atualmente Gamo Loko-se.

O Kwe Ceja Undé encontra-se em controvérsia, ou seja, Gamo


Loko-se é escolhida por Sinhá Pararase para ser a verdadeira
herdeira do trono e Gaiacú Agué-se, que seria Elisa Gonçalves de
Souza, vem a ser a dona da terra atualmente. Ela pertence a
família Gonçalves, os donos da terra.

Assim, temos os fundadores da Kwe Ceja Undé.

Aqui, no Rio de Janeiro, saindo de Cachoeira de São Félix, Tatá


Fomutinho deu obrigação com Maria Angorense, conhecida como
Kisinbi Kisinbi.

Uma das curiosidades encontradas durante minha pesquisa sobre


Jeje é o que chamamos de Deká, que na verdade vem do termo
idecar, do termo fon iidecar, que quer dizer “transmissão de
segredo”. Esse ritual é feito quando uma Gaiacú passa os segredos
da nação Jeje para futura Gaiacú pois, na nação Jeje não se tem
notícias, que possa ter havido “Pai de santo”. O cargo de
sacerdotisa ou “Mãe de santo” era exclusivamente das mulheres.
Só as mulheres poderiam ser Gaiacús.

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