Homens que se tornaram orixás por causa de seus poderes. Homens que se tornaram orixás por causa de sua sabedoria. Eles eram respeitados por causa de sua força, eles eram venerados por causa de suas virtudes. Nós adoramos sua memória e os altos feitos que realizaram. Foi assim que estes homens tornaram-se orixás. Os homens eram numerosos sobre a Terra. Antigamente, como hoje, muitos deles não eram valentes, nem sábios. A memória destes não se perpetuou. Eles foram completamente esquecidos; não se tornaram orixás. Em cada vila, um culto se estabeleceu sobre a lembrança de um ancestral de prestígio. E lendas foram transmitidas de geração em geração para render-lhes homenagem”. Pierre Verger Introdução Oxalá e a criação do mundo de acordo com a mitologia dos yorubás Nanã Exu Obaluaê Oxóssi Ogum Iansã Iemanjá Xangô Ossaim Oxumaré Oxum Finalmente Referências bibliográficas Leituras complementares Glossário Biografia dos autores oucas pessoas sabem que a povoação do mundo partiu da África. Há cerca de dois milhões de anos, ondas migratórias levaram os africanos a se espalharem pela Ásia e a Europa. Foi assim, por meio de sucessivas miscigenações (intercâmbio genético), que os homens dos diversos lugares do mundo adquiriram suas características específicas, que os diferenciaram. As primeiras sociedades sedentárias e agrícolas nasceram na África, assim como os Estados burocráticos, principalmente ao longo do rio Nilo. A influência dos africanos foi fundamental na formação da cultura brasileira, através dos escravos vindos desse continente. Como isso aconteceu? Quando os portugueses “descobriram” o Brasil, uma terra nova, desconhecida, num continente também desconhecido, de início não encontraram aqui o que valorizavam: ouro, pedras preciosas e especiarias (temperos das Índias). O que havia aqui era uma madeira vermelha, especial, chamada pau-brasil. Alguns historiadores dizem ser esta a origem do nome de nosso país. Para não ver a nova terra em outras mãos, os portugueses resolveram começar a colonizá-la. Para isso, precisavam de mão de obra, isto é, de trabalhadores. Tentaram escravizar os índios que aqui encontraram. Mas índio não se deixa escravizar. Logo, logo, conseguiam fugir e se embrenhavam nas matas e nunca mais eram encontrados. Foi então que os portugueses, a partir do século XVI, resolveram trazer os africanos, uma experiência que já tinha dado certo nas ilhas de Cabo Verde e Madeira. Muitos escravos foram vendidos aos portugueses pelos próprios africanos: os prisioneiros das guerras entre eles. A escravidão era uma barbaridade. Os africanos eram tratados como objetos, mercadoria, “não gente”. Vinham para o Brasil em navios negreiros: maltratados, mal- alimentados; muitos morriam na viagem. Vindos de diversas regiões da África, eram diferentes na língua que falavam, nos costumes, nas divindades que adoravam, enfim, na cultura. Uma esperteza dos colonizadores que, assim, achavam que eles não poderiam se comunicar e, por isso, não poderiam se revoltar. No entanto, essas diversas culturas se integraram através da religião: o candomblé, com divindades importadas da África, modificadas no Brasil, e a umbanda, resultado de uma mistura feita aqui mesmo no Brasil, com elementos do espiritismo, e que também cultua os orixás. Os orixás são divindades intermediárias entre Olorum, o Deus supremo, e os seres da Aiye (Terra). Os yorubás, um dos maiores grupos etnolinguísticos ou grupo étnico da África Ocidental, acreditavam que homens e mulheres descendiam dos orixás e, assim, herdavam de seu orixá de origem as características de personalidade. Conta-se que o candomblé nasceu na Bahia, quando mulheres africanas, originárias de Ketu, na Nigéria, reuniram-se para preservar as tradições africanas aqui no Brasil. Na África, o candomblé não existia como religião, mas havia o culto dos orixás, com uma série regional de ritos e bailados. Cada cidade, cada região, tinha suas divindades próprias, seus orixás. Só no Brasil é que o candomblé foi organizado como uma religião com crenças, práticas e ritos. As casas de culto seriam uma “miniáfrica”. O candomblé é muito festivo e suas cerimônias têm músicas e danças. Segundo o candomblé, os orixás só podem vir à Terra encarnando nos fiéis. O momento da possessão é o mais dramático de toda a cerimônia. Os orixás são chamados numa ordem estabelecida, específica a cada terreiro de candomblé. A possessão se faz pelos cantos e tambores de cada orixá. Os africanos adoravam um único Deus: Olorum. Os orixás, criados por Olorum, eram divindades ligadas às forças da natureza, mensageiros do Deus supremo, sua ligação com os seres da Terra. Havia certa correspondência entre os orixás das diversas regiões, mas, na realidade, eram divindades diferentes. Na época em que os escravos africanos vieram para o Brasil, a religião católica dominava no mundo ocidental. Então, os escravos que aqui chegavam eram batizados e recebiam nomes cristãos. Mas os negros eram espertos e enganavam os portugueses. Sabe como? Eles colocavam os santos católicos nas casas de candomblé e fingiam a adoração. Até faziam uma correspondência entre os orixás e os santos católicos: o sincretismo. Mas na realidade eles rezavam e faziam seus ritos na sua religião e na sua língua, que os brancos não entendiam... Hoje, a religião dos africanos é reconhecida e valorizada no Brasil e muitos a praticam. Censo do IBGE (2010) calcula que 0,1% da população brasileira, cerca de 190.000 habitantes, frequenta terreiros de candomblé, predominando o povo da Bahia, que representa 24% do total, isto é, aproximadamente 45.600 habitantes. Os orixás são cultuados no Brasil sob a orientação dos babalorixás (pais de santo) e iyalorixás (mães de santo), nos terreiros de candomblé e de umbanda. Os pais de santo geralmente possuem um terreiro, roça ou uma casa que é o lugar onde estão todos os axés, toda a energia, e onde se cultuam os orixás. O orixá é uma força pura, quase imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn, o iniciado no candomblé, aquele que tem o privilégio de ser “montado” por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar à Terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram. Pierre Verger De acordo com alguns pesquisadores, os terreiros de candomblé se desenvolveram a partir do século XVIII, quando os centros urbanos favoreceram as reuniões dos africanos para realizarem suas práticas religiosas de uma forma regular e estável. O candomblé se difundiu com nomes diferentes, no Rio Grande do Sul (batuque), Recife (xangô), São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia (candomblé). Cerca de 16 orixás foram importados para o Brasil, principalmente de três regiões africanas: Ketu (atual Nigéria), Angola e Jeje (região do Daomé). Os yorubás de Ketu, no Brasil, também são chamados de nagô. Não havia uma nação nagô. Você sabe a origem desse nome? Quando os jejes venceram os yorubás numa guerra, lá na África, passaram a chamar os vencidos de anagô (piolhentos, sujos). Esse apelido passou a ser “nagô” e acabou dando nome a todos os yorubás. É preciso sempre lembrar que na sociedade dos yorubás, sociedade não letrada, é pelos mitos que se conhece sua história; é pelo mito que se alcança o passado e a origem de tudo. Como essa história é baseada na oralidade, as versões de um mesmo mito podem variar. Você vai conhecer mais adiante a história de cada orixá, baseada nos mitos contados pelos africanos. Os orixás mais conhecidos e difundidos no Brasil são exatamente os de Ketu, da língua yorubá, sendo que alguns orixás do povo jeje e de Angola foram absorvidos pelo candomblé. Doze orixás são os mais cultuados no Brasil: - o primeiro orixá criado por Olorum, o mais poderoso, o criador da vida na Terra. - de origem jeje, mas tão poderosa que foi absorvida pelos outros cultos. É representada como uma anciã, pois é o mais velho orixá feminino. É a deusa da lama do fundo das águas, dos pantanais. - no sincretismo é associado ao diabo, mas na realidade só faz maldades para quem não o respeita nem faz as oferendas que exige. Para os que o tratam com respeito só faz o bem. É o mensageiro entre os homens e os deuses. - nasceu aleijado e cheio de feridas, por isso foi abandonado no mar por sua mãe, Nanã, e criado por Iemanjá. É muito poderoso, o deus das pestes, mas também da cura. - é o deus caçador, senhor da floresta e de todos os seres que nela habitam, orixá da caça, da fartura e da riqueza. - orixá do fogo, do ferro, da guerra e da tecnologia. - impulsiva e imprevisível, é a deusa dos ventos e das tempestades. - materna e tranquila, é a deusa dos mares e oceanos. - deus do fogo e do trovão; também da justiça. É atrevido e prepotente. - orixá das ervas e folhas medicinais. - orixá da chuva e do arco-íris; seu elemento é a água. Também toma a forma de uma cobra na metade do ano. É, ao mesmo tempo, um orixá masculino (arco-íris) e feminino (cobra). - orixá feminino da água doce, do ouro, da fecundidade e do amor. Faceira, fica se olhando num espelho. Alguns deles eram cultuados pelas nações Jeje e Angola, mas foram absorvidos pelo candomblé Ketu, aqui no Brasil. Neste livro, você vai conhecer algumas lendas desses orixás. odos os homens, em todos os tempos, vêm buscando explicação para os mistérios do universo e da origem da humanidade. Os yorubás assim contam a origem do universo, da Terra, dos homens e de todos os seres sobre ela: No início de tudo, havia o Orum: o espaço infinito. O Deus supremo era Olorum, que criou o universo com seu hálito sagrado, o émi. Ele reinava em todo o espaço. Olorum criou, também, seres imateriais, divindades dotadas de grandes poderes: os orixás, intermediários entre o ser supremo e os seres da Terra. Os orixás tinham domínio sobre a água, o fogo, a terra, o ar, os animais, as plantas, enfim, todas as forças da natureza. O primeiro orixá a ser criado, a partir do ar e das primeiras águas, era um orixá que se vestia de branco e muito poderoso, um orixá funfun: Oxalá. Logo em seguida, Olorum criou um outro orixá que possuía o mesmo poder do primeiro, dando-lhe o nome de Nanã. Os dois nasceram da vontade de Olorum de criar o universo. Oxalá representa a essência masculina de todos os seres e Nanã, por sua vez, tem a essência feminina. Exu foi o terceiro elemento criado, de uma porção de terra vermelha. Exu é um orixá dudu, do preto. Ele foi criado para ser o elo de ligação entre todos os orixás, e deles com Olorum: é o orixá mensageiro. Tornou-se costume prestar- lhe homenagens antes de qualquer outro, pois é ele quem leva as mensagens e carrega os ebós, as oferendas. Outros orixás também foram criados, formando um verdadeiro exército a serviço de Olorum, cada um com uma função determinada para executar os planos divinos. Olorum confiou a Oxalá a missão de criar a Terra, investindo-o de toda a sabedoria e poderes necessários para o sucesso dessa importante tarefa. Deu a ele uma cabaça — apo iwa — a bolsa da existência, contendo todo o axé que seria utilizado. Oxalá, orgulhoso por ter recebido tamanha honraria, achou desnecessário fazer as oferendas a Exu. Afinal, era um orixá funfun, que se vestia de branco, muito poderoso e o primeiro orixá, enquanto Exu era um orixá dudu, que se vestia de preto e outras cores. Exu, vendo que Oxalá partira sem lhe fazer as oferendas, previu que a missão não seria cumprida, pois, mesmo com a cabaça e toda a força do mundo, sem a sua ajuda não conseguiria chegar ao local indicado por Olorum. Oxalá pôs-se a caminho, apoiado em seu cajado. Quando passava pela porta do além, encontrou Exu, que estava descontente, pois Oxalá havia se negado a fazer-lhe as oferendas exigidas. Bem que o oráculo (Ifá) havia dito a Oxalá que fizesse oferendas a Exu, antes de viajar, mas Oxalá, orgulhoso, não quis. Assim, Exu colocou vários obstáculos em seu caminho. A caminhada era longa e difícil, e Oxalá começou a sentir sede, provocada por Exu, mas, devido à importância de sua missão, não podia parar para beber água. Não aceitava nada do que lhe era oferecido; numa aldeia por onde passou lhe ofereceram leite de cabra, mas ele recusou. Nem mesmo quando passou perto de um rio interrompeu a sua jornada. Todos os caminhos pareciam iguais. Depois de andar por muito tempo, viu que estava realmente perdido. De repente, ele avistou uma palmeira muito frondosa, logo à sua frente, o doigi-opê, a árvore do dendê. Oxalá, já delirando de tanta sede, atingiu o tronco da palmeira com seu cajado, abriu o tronco do doigi-opê e bebeu a seiva que brotou do buraco da árvore. Era o vinho da palma, e Oxalá bebeu, bebeu até cair adormecido, embriagado pela bebida. Desmaiou ali mesmo, ficando desacordado por muito tempo. O fato é que quem acabou criando o mundo foi Odudua, outro orixá, que o substituiu a mando de Olorum. Oxalá ficou inconsolável, e Olorum, com pena, resolveu dar-lhe outra missão: criar os seres para povoar Aiye, a Terra. Oxalá fez várias tentativas, com o ar, o fogo e outros elementos. Até que Nanã resolveu ajudá-lo: com seu ibiri (um cajado feito com folhas de dendê), tirou lama do fundo da água e mostrou a Oxalá que esse seria o elemento para formar os seres vivos. E assim fez Oxalá: da lama fez nascer os peixes, as plantas e os homens. O sopro sagrado de Olorum, o ofurufu, deu vida aos seres criados. Os outros orixás, então, vieram ajudar a povoar a terra e, mais tarde, voltaram a Orum, deixando aqui seus ensinamentos de como deveriam ser cultuados, através dos patakis. Todos esses ensinamentos eram orais, por isso há muitas versões dessa história e variação no nome dos orixás. Logo que o mundo foi criado, não havia separação entre Orum e Aiye, isto é, entre o céu e a Terra. Homens e deuses passavam de um para outro, livremente. Havia um camponês que morava no limite entre esses dois mundos e que queria muito ter um filho, mas sua mulher era estéril. Tanto o camponês rezou a Oxalá, e o orixá, com pena, fez com que a mulher tivesse um filho. Mas Oxalá determinou que esse menino nunca deveria cruzar o limite entre Aiye e Orum. Só que o menino cresceu, e sua curiosidade também. Um dia, ele descobriu o caminho para Orum e foi explorar esse espaço. Oxalá ficou com muita raiva, até porque o menino contou vantagem e desafiou os deuses. Foi assim que Oxalá pegou seu cajado e separou Orum de Aiye e deu origem à atmosfera (sanmó). E desde então os homens não puderam mais alcançar Orum. anã é a geradora de Iku — a morte. É o orixá que controla o portal que é a fronteira entre a vida e a morte, por isso, é o mais temido dos orixás. É também a guardiã do saber ancestral. Nanã nasceu da lama, do contato da terra e da água: sua morada e sua regência é o lodo, o pantanal. É um orixá de origem jeje, mas tão poderoso que foi incorporado aos outros cultos. Contam que Oxalá queria os poderes de Nanã e só poderia obtê-los se casasse com ela. Para se casar com a poderosa Nanã, Oxalá conseguiu que ela tomasse uma poção que fez com que ficasse muito apaixonada. Assim, Nanã casou-se com Oxalá e dividiu seu reino com ele. Mas o Orixá casou-se com Nanã por ambição e não ligava para ela, que fez um feitiço para ter filhos com Oxalá. Teve vários filhos: Obaluaê, Ossaim, Oxumaré e Ewá. Mas seu primeiro filho, Obaluaê, nasceu defeituoso, cheio de feridas e marcas de varíola. Nanã, então, abandonou-o no mar para morrer. Enfurecido por tanta maldade, Oxalá fez com que seu segundo filho, Oxumaré, ficasse sempre longe da mãe: durante seis meses do ano, era o arco-íris e durante os outros seis meses era uma cobra que se arrastava pelo chão. Nanã era o único orixá que manipulava os eguns, os espíritos. Oxalá, entretanto, conseguiu descobrir como fazê- lo e acabou sendo o orixá dos eguns, por meio de uma trapaça. Vou contar como isso aconteceu: Nanã havia proibido Oxalá de entrar no jardim dos eguns. Os eguns eram seres poderosos, espíritos que Nanã usava para castigar os que cometiam crimes. Pois Oxalá, certo dia, espionou Nanã e descobriu como ela invocava os mortos. Depois, disfarçou-se de mulher, vestindo- -se com as roupas de Nanã. Assim disfarçado, foi ao jardim dos eguns, repetiu as invocações de Nanã, e ordenou: — Vocês devem obedecer ao homem que vive comigo (que era ele mesmo). Quando Nanã descobriu o que acontecera, quis reagir, mas, ainda apaixonada, abdicou desse poder em favor de Oxalá. Hoje, nos cultos aos Egungun, só os homens são iniciados para invocar os eguns. Mas Oxalá acabou por expulsar Nanã de seu reino, e ela passou a viver no lodo. Nos cultos de Nanã não podem aparecer lâminas de metal. Sabe por quê? Pois certa vez Ogum, que não respeitava ninguém, era orgulhoso e nada o assustava, chegou às terras de Nanã. Chegando à beira de um pântano, início das terras de Nanã, quis atravessá-lo. Era o caminho mais curto para chegar a seu destino. Eis que surge Nanã e com voz grave lhe diz: — Esta terra tem dono. Para atravessá-la, tem que pedir licença. Ogum, orgulhoso, respondeu: — Ogum não pede, exige. O que ele quer, ele toma. Não será uma velha como você que vai me impedir de passar. E assim dizendo, dispôs-se a atravessar o pântano, atirando lanças com ponta de metal contra Nanã. Nanã fechou os olhos e mandou que o pântano tragasse o imprudente e ousado Ogum. E assim aconteceu: pouco a pouco ele foi afundando, tragado pela lama. Lutou, lutou e conseguiu se salvar, indo, depois, por outro caminho, contornando o lamaçal. Mas gritou para Nanã: — Velha feiticeira, vou encher esse pântano de aço pontudo, para que corte sua carne! Ogum teve que buscar outro caminho, mas desde então Nanã aboliu o uso de metais em suas terras. E até hoje nada pode ser oferecido para Nanã usando metal. xu é um orixá de múltiplos e contraditórios aspectos. Gosta de provocar disputas e acidentes, quer com as pessoas individualmente, quer como grupo. Tem um caráter irritadiço e briguento; por isso foi confundido pelos cristãos com o demônio, e o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade. Entretanto, Exu possui o seu lado bom. Se for tratado com consideração, reage favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Mas se as pessoas se esquecerem de lhe oferecer sacrifícios e oferendas, Exu revela seu lado mau. Ele tem qualidades e defeitos, é dinâmico e jovial, e pode até ser um orixá protetor. Exu veio ao mundo com um porrete, chamado gò, que pode transportá-lo, em algumas horas, a centenas de quilômetros e de atrair, por um poder magnético, objetos situados a distâncias igualmente grandes. Ele é o guardião dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. É também ele que serve de intermediário entre os homens e os deuses, por isso nada se faz sem que ele receba as oferendas que lhe são devidas, para evitar mal-entendidos entre os seres humanos e em suas relações com outros orixás. Exu sempre foi ranzinza e encrenqueiro, adorava provocar confusões e fazia brincadeiras que deixava todos confusos e irritados. Mas certa manhã acordou se perguntando, afinal, quem era ele? Não fazia nada, não tinha poder algum, perambulava pelo mundo sem ter nada que fazer. Todos os orixás trabalhavam muito, com tarefas bem definidas. Só ele não tinha nada para fazer! Resolveu ir até o Orum para saber de seu destino. Depois de muito andar, finalmente chegou ao palácio de Olorum. Pediu audiência com o grande Deus. Tudo fechado. Todos riram dele: “Quem era ele para exigir qualquer coisa?” Exu ficou enfurecido e começou a gritar, fazendo tanto barulho que os guardas do palácio o prenderam numa masmorra. “Como sair daquela situação?”, pensou. Começou novamente a gritar, e tanto barulho fez que Olorum resolveu falar com ele. Exu explicou que Olorum o tratava com muita injustiça; que só ele não tinha qualquer missão. Olorum explicou, então, que todos os orixás eram sérios e compenetrados, mas que ele, Exu, só queria saber de confusões e brincadeiras. Como se igualar aos outros orixás? — Vai embora e não me aborreça mais — disse Olorum. Exu, então, resolveu mostrar seu poder, fazendo o que mais sabia: comer. Tinha uma fome incontrolável, assim começou a devorar o que encontrava: comeu as matas de Oxóssi; bebeu as águas de Oxum; palitou os dentes com os raios de Xangô e foi bebendo aos poucos os mares de Iemanjá. E a terra tornou-se árida. Os orixás, desesperados, foram implorar a Olorum uma solução. Exu foi novamente preso e levado à presença de Olorum. Exigiu, então, ser tratado com respeito e assumir um lugar no panteão divino. Senão comeria o restante do mundo! Houve uma grande reunião dos orixás com Olorum para discutir o problema. Depois de muita discussão chegaram a uma conclusão: Exu seria o mensageiro de todos eles, o contato terreno entre os homens e os deuses. E mais, uma parte das oferendas dos outros orixás iriam sempre para Exu, que ficou satisfeito. Desceu do Orum cantarolando e devolvendo pelo caminho tudo que tinha comido. Mas todos ficaram sabendo: “Com Exu ninguém pode!” O lado malfazejo de Exu é evidenciado nas seguintes histórias: Uma delas, bastante conhecida e da qual existem numerosas variações, conta como ele semeou discórdia entre dois amigos. Esse dois camponeses eram muito amigos e trabalhavam suas roças, que eram vizinhas. Bem cedo, estavam eles a trabalhar, mas tinham se esquecido de prestar homenagem a Exu, que sempre lhes tinha proporcionado chuvas e boas colheitas. Exu ficou furioso! Ele colocou um boné que era vermelho de um lado e branco do outro e passou ao longo de um caminho que separava as duas roças, cumprimentando os lavradores. Ao fim de alguns instantes, um dos amigos perguntou: — Quem será esse desconhecido de boné vermelho? O outro retrucou: — Não! O boné era branco! O primeiro voltou a insistir, mantendo a sua afirmação de que o boné era vermelho. O outro camponês reafirmou que o boné era branco. Como ambos tinham certeza do que haviam visto, apegavam-se a seus pontos de vista, sustentando-os com ardor e, logo depois, com cólera. Ficaram com tanta raiva que acabaram lutando corpo a corpo e mataram-se um ao outro. Uma outra lenda mostra Exu mais maquiavélico ainda. Ele foi procurar uma rainha abandonada já há algum tempo por seu marido e lhe disse: — Traga-me alguns fios da barba do rei e corte-os com esta faca. Eu lhe farei um amuleto que lhe trará de volta o seu marido. Em seguida, Exu foi à casa do filho da rainha, que era o príncipe herdeiro. Este vivia numa residência situada fora dos limites do palácio do rei. O costume assim o determinava, a fim de prevenir toda tentativa de assassinato de um soberano por um príncipe impaciente por subir ao trono. — O rei vai partir para a guerra — disse Exu para o príncipe — e pede o seu comparecimento esta noite ao palácio, acompanhado de seus guerreiros. Finalmente, Exu foi ao rei e disse-lhe: — A rainha, magoada pela sua frieza, deseja matá-lo para se vingar. Cuidado, esta noite! E a noite veio. O rei deitou-se, fingiu dormir e viu, logo depois, a rainha se aproximar de sua garganta com uma faca. O que ela queria era cortar um fio da barba do rei, mas ele julgou que ela desejava assassiná-lo. O rei desarmou-a e ambos lutaram, fazendo grande algazarra. O príncipe, que chegava ao palácio com seus guerreiros, escutou gritos nos aposentos do rei e correu para lá. Vendo o rei com uma faca na mão, o príncipe pensou que ele queria matar sua mãe. Por seu lado, o rei, ao ver o filho penetrar nos seus aposentos no meio da noite, armado e seguido por seus guerreiros, acreditou que eles desejavam assassiná-lo. Gritou por socorro. A sua guarda acudiu e houve então uma grande luta, seguida de massacre generalizado. Tudo aconteceu porque Exu achou que o rei não o havia homenageado como devido. Uma história mais simples mostra a atividade de Exu na vida cotidiana: Uma mulher se encontra no mercado vendendo os seus produtos. Pois Exu põe fogo na sua casa. Todos avisam à mulher que sua casa estava pegando fogo. Ela corre para lá, abandonando seu negócio. Só que ela chega tarde: sua casa está toda queimada! Durante esse tempo, um ladrão roubou todas as mercadorias da pobre mulher, que ficou sem a casa e na miséria! Tudo isso por artes de Exu. Mas nada disso teria acontecido — os amigos não teriam brigado, nem o rei e o príncipe teriam se massacrado, nem a vendedora teria se arruinado — se tivessem feito a Exu as oferendas e os sacrifícios que ele sempre exigia. Outra lenda conta que um grande proprietário de terras, Aluman, estava desesperado com uma grande seca. Seus campos estavam secos e a chuva não caía. As rãs choravam de tanta sede e os rios estavam cobertos de folhas mortas, caídas das árvores. Nenhum orixá invocado escutou suas queixas e gemidos. Ele decidiu, então, oferecer a Exu grandes pedaços de carne de bode. Exu comeu com apetite esta excelente oferenda. Só que Aluman havia temperado a carne com um molho muito apimentado. Exu, então, teve sede. Uma sede tão grande que toda a água de todas as jarras que o dono das terras tinha e que os vizinhos tinham em suas casas, não foi suficiente para matá-la! Foi então que Exu foi à torneira da chuva e abriu-a sem pena. A chuva caiu. Ela caiu dia e noite. Ela caiu no dia seguinte e no outro dia, sem parar. O que aconteceu parecia milagre! Os campos tornaram-se verdes e todos cantaram de alegria! E as rãs coaxavam, felizes. O rio corria velozmente para não transbordar! O proprietário das terras, então, reconhecido, ofereceu a Exu carne de bode com o tempero no ponto certo da pimenta. Já havia chovido bastante. Se chovesse mais, seria desastroso, pois haveria inundação. baluaê e Olodum são nomes que se confundem. São dois aspectos de um mesmo orixá: Xapanã. Xapanã era um orixá jeje, mas se tornou orixá também do candomblé, e de outros cultos, devido ao seu grande poder. Xapanã é conhecido pelos nomes de Obaluaê (o jovem) e Olodum (o velho). Essa é uma característica das religiões africanas, os vários aspectos de seus orixás: o velho e o jovem; o masculino e o feminino. Pois você vai agora conhecer alguma coisa dessa divindade tão poderosa. Obaluaê era filho de Nanã. Sua mãe, entretanto, o rejeitou e jogou-o no mar, pois Obaluaê era coxo e cheio de feridas, com marcas de varíola em todo o corpo. Iemanjá teve pena do menino enjeitado e resolveu criá-lo como se fosse seu filho. Obaluaê cresceu, mas sempre tímido e arredio, pois tinha vergonha de seus defeitos. Mas é um orixá muito poderoso, o orixá das doenças e da cura. Ele regula a dor, a saúde, o funcionamento do organismo. Conta a lenda que houve uma grande festa a que compareceram todos os orixás. Todos, menos um: Obaluaê, que tinha vergonha de sua feiúra, de suas feridas e cicatrizes da varíola. De longe, observava a festa, quando seu irmão Ogum resolveu ajudá-lo. Correu à floresta e lá teceu para Obaluaê uma roupa de palha — o ofilá — que o cobria todo, inclusive o rosto. Assim vestido, Obaluaê foi participar da festa dos orixás. Mas ninguém queria dançar com ele; tinham nojo, mesmo ele estando com suas feridas cobertas. Iansã, porém, mostrando coragem, tirou-o para dançar. Mas no melhor da dança, muito animada, Iansã, que é o orixá dos ventos, levantou uma ventania que levou pelos ares o ofilá de Obaluaê. Fez-se silêncio e todos observaram Obaluaê. Mas, ó surpresa! O que viram foi um jovem de grande beleza, sem qualquer defeito. É que Iemanjá tinha cuidado de seu filho adotivo e curou-o de todos os seus males. Os orixás femininos ficaram encantados, e os masculinos com ciúmes. Obaluaê recompensou Iansã por sua coragem em dançar com ele quando se pensava que ainda fosse um aleijão. Mas a partir daquela data, passou a dançar sempre sozinho nas festividades. Obaluaê era mais conhecido como Xapanã, o Orixá da peste, da varíola. Sabe por quê? Pois Olorum resolveu, um dia, distribuir seus bens e seus poderes entre os orixás. Disse então a seus filhos que se reunissem e os repartissem como quisessem. Os orixás escolheram um dia em que Xapanã estava ausente e fizeram a escolha. Tudo foi distribuído entre eles. E o que sobrou foi a peste. Quando Xapanã voltou, só tinha para ele a peste, que ninguém havia querido. Ficou muito aborrecido e foi se queixar a Olorum, que o aconselhou: — Faça oferendas e sacrifícios para que seu poder seja maior que o dos outros. E assim ele fez. Certo dia uma doença terrível começou a se espalhar pela Aiye: a varíola! O povo, desesperado, fazia sacrifícios para todos os orixás, mas nenhum podia ajudá-los. A varíola tinha sido provocada por Obaluaê. É que, certo dia, chegou a uma aldeia, lá na África, coberto de palha como sempre viveu. Mas o pessoal da aldeia não o deixou entrar lá, pois ele tinha fama de ligação com as doenças contagiosas. Obaluaê então explicou: — Só quero um pouco d´água para matar minha sede e logo, logo, continuo minha viagem. Mas o povo negou-lhe até a água. Assim, Obaluaê sentou- se num morro próximo, e a tribo percebeu que, conforme o tempo passava, a água ia ficando quente, o alimento se estragava e todos começaram a passar mal: era a varíola. Aos poucos, alguns foram morrendo. Foram três dias de sol quente, e a noite não chegava. O povo consultou o oráculo que explicou: — Isso acontece porque Obaluaê está revoltado por vocês lhe negarem água, mas só o orixá pode salvar o povo, pois só ele tem poderes sobre a doença. Recomendou, então, que todos fizessem oferendas e sacrifícios a Obaluaê, pois só ele podia salvá-los da epidemia. Assim foi feito: todos pediram perdão e proteção a Obaluaê, e sacrifícios foram realizados em sua homenagem. A epidemia foi debelada e Obaluaê saudado por todos: — Xapanã, rei e senhor da Terra! Xapanã, Obaluaê! Que sua benção e proteção nos seja dada! E Obaluaê falou: — Vivemos no mesmo mundo, somos todos irmãos e devemos nos ajudar uns aos outros. E todos perceberam que o maior poder era desse Orixá que, desde então, foi respeitado por todos. xóssi é o orixá caçador, o senhor da floresta e dos seres que nela habitam. O orixá que representa aquilo que há de mais antigo na existência humana: a luta pela sobrevivência. Oxóssi é o orixá da caça e da coleta, que garante a fartura da alimentação. Com seu irmão Ogum, ele aprendeu a dominar os perigos da mata, onde vai em busca da caça para alimentar a tribo. Mas Oxóssi possui uma única flecha; assim, não pode errar sua presa! Ogum tem por seu irmão, Oxóssi, um grande afeto, pois foi ele que fez de Oxóssi o grande provedor de alimento para sua tribo. E, assim como Ogum é o grande guerreiro, Oxóssi tornou-se o grande caçador. Foi com Ossaim, um grande feiticeiro e senhor de todas as folhas, que Oxóssi aprendeu o segredo das folhas e os mistérios da floresta. Tal como Xangô, Oxóssi é um orixá avesso à morte, porque é expressão da vida. Como ele não acredita na morte, Iku não passa perto dele. Oxóssi salvou seu povo do terrível pássaro das Iyá-Mi Ossorongá. As Iyá-mi são conhecidas como as senhoras dos pássaros e têm fama de grandes feiticeiras Sabe como Oxóssi . conseguiu salvar seu povo? Dizem que, em tempos distantes, houve uma grande festa na aldeia, lá na África, para saudar a boa safra de inhames. Naquele ano, a colheita havia sido muito farta. Mas acontece que esqueceram de convidar para a festa as feiticeiras Iyá-Mi, que ficaram muito ofendidas. Pois elas se vingaram. Sabe como? Em meio aos festejos, apareceu o grande pássaro Iyá-Mi, que pousou sobre o palácio do rei, lançando os seus gritos malignos e lançando farpas de fogo! As feiticeiras tinham enviado o pássaro para apavorar o povo! Tudo seria destruído pelo grande pássaro! Todos se encheram de pavor, prevendo desgraças e catástrofes. O Rei, então, convocou vários caçadores: Osotadotá, o caçador das 50 flechas, que errou todas as suas investidas. Osotogi, o segundo caçador chamado, com suas 40 flechas, também desperdiçou todas as suas tentativas contra o grande pássaro, que facilmente se esquivava das flechas. Osotogum, o terceiro caçador, tinha 20 flechas, mas, apesar da sua grande fama, em vão atirou todas elas. Por fim, já sem esperança, resolveram convocar Oxóssi, o caçador que tinha apenas uma flecha. Acontece que sua mãe sabia que as eleyé viviam em cólera, e nada poderia ser feito para pacificá-las, a não ser uma oferenda. Assim, ela foi consultar Ifá, que aconselhou que ela preparasse oferendas com ekùjébú, frango òpìpì, èkó e seis kauris para o pássaro. O oráculo também recomendou que ela sacrificasse um pássaro e o colocasse na estrada, e que durante a oferenda a Iyá-Mi recitasse o seguinte: “Que o peito da ave receba esta oferenda”. Naquele exato momento, seu filho devia disparar sua única flecha em direção ao pássaro, que abriria sua guarda para receber a oferenda. Assim foi feito. E a flecha certeira e mortal de Oxóssi acertou o peito do pássaro. Quando viram o terrível pássaro morto, todos começaram a dançar e gritar de alegria: “Oxóssi! Oxóssi! Caçador do povo!” E, a partir desse dia, Oxóssi foi reverenciado como o maior guerreiro de todas as terras. Conta-se, no Brasil, que Oxóssi era irmão de Ogum e de Exu, todos os três filhos de Iemanjá. Exu era indisciplinado e insolente com sua mãe, por isso ela o mandou embora. Os outros dois ficaram: Ogum trabalhava no campo e Oxóssi caçava na floresta das vizinhanças, de modo que a casa estava sempre abastecida de produtos agrícolas e de caça. Foi com seu irmão Ogum que Oxóssi aprendeu a caçar e a abrir caminho pela mata. Iemanjá, no entanto, estava inquieta pelos filhos que lhe restavam e resolveu consultar um babalaô que a aconselhou a proibir que Oxóssi saísse à caça. Na mata, poderia encontrar Ossaim, o orixá que conhece o poder das plantas. Ossaim vivia nas profundezas da floresta e poderia fazer um feitiço para obrigar Oxóssi a ficar com ele. Com medo de perder o filho, Iemanjá exigiu que Oxóssi abandonasse sua atividade na floresta. Só que Oxóssi era muito independente e teimoso. Insistiu em caçar na floresta. Cedinho, ele partia com outros caçadores. Quando chegavam a uma grande árvore (ìrókò), separavam-se e só voltavam a se encontrar no fim do dia e no mesmo lugar. Certa tarde, Oxóssi não voltou para o reencontro. Os outros caçadores chamaram por Oxóssi, mas ele não respondia. Que teria acontecido? É que ele havia encontrado Ossaim, que lhe dera para beber uma poção. Era uma poção mágica de folhas maceradas de amúnimúyè, cujo nome significa “apossa-se de uma pessoa e de sua inteligência”. Ao beber, Oxóssi se esqueceu de tudo! Ele não sabia mais quem era, nem onde morava. Ficou, então, vivendo na mata com Ossaim, como havia dito o babalaô. Ogum, inquieto, foi à sua procura. Encontrou-o na floresta e o trouxe de volta. Mas Iemanjá não quis mais receber o filho desobediente. Ogum, revoltado pela intransigência materna, recusou-se a continuar em casa. E é por isso que o lugar consagrado a Ogum está sempre instalado ao ar livre. Oxóssi voltou para a companhia de Ossaim. Iemanjá, desesperada por ter perdido seus filhos, transformou-se em um rio que desaguava no mar... gum, no Brasil, é conhecido sobretudo como deus dos guerreiros. Perdeu sua posição de protetor dos agricultores, pois os escravos, nos séculos anteriores, não tinham interesse pessoal na colheita e, assim, não procuravam sua proteção. Isso explica, igualmente, o pouco caso que os yorubás escravos lhe deram no Brasil. Como deus dos caçadores, Ogum foi substituído por Oxóssi, trazido ao Brasil pelos africanos de Ketu, fundadores dos primeiros candomblés em Salvador. Como orixá, Ogum é o deus do ferro, dos ferreiros e de todos aqueles que utilizam esse material: agricultores, caçadores, açougueiros, barbeiros, marceneiros, carpinteiros, escultores. E, desde o início do século XX, também dos mecânicos, dos condutores de automóveis ou de trens e daqueles que consertam outras máquinas. Ogum é um orixá muito importante porque, além de ser um dos mais antigos deuses yorubás, sem sua permissão e sua proteção nenhuma atividade que utilize metal poderá ser realizada. Ele é o que abre caminho para os outros orixás. Por isso, atrai o ciúme de outros orixás mais antigos, que não aceitam bem essa primazia. Isso deu origem a vários conflitos entre Ogum e outros orixás, como Obaluaê, Nanã e Xangô. Ogum era casado com Iansã. Certo dia, o irmão de Ogum, Xangô, foi visitá-los. Quando viu Iansã, Xangô ficou apaixonado. Logo, começou a frequentar a casa de Ogum, insinuando-se para Iansã. Xangô era bonito, com longos cabelos trançados, e Iansã foi ficando cada vez mais interessada, envolvida pelas belas palavras do cunhado. Ogum nada percebia. Certo dia, Xangô encontrou Iansã sozinha e logo se aproveitou: pediu que Iansã preparasse um amalá para ele. Disse que há muito não comia desse prato, pois não sabiam fazê-lo. Quando o amalá ficou pronto, Xangô, disfarçadamente, colocou um pó mágico na comida. Pediu que Iansã também provasse. E ela o fez, sem de nada desconfiar. Imediatamente começou a cuspir fogo a cada palavra que dizia! Esse dom era de Xangô e ele o havia dividido com ela. Iansã ficou apaixonada e acabou fugindo com Xangô. Quando voltou, Ogum encontrou a casa vazia. Foi também embora e, desde então, virou andarilho. Xangô levou Iansã para seu reino: ele, o senhor dos raios e trovões; ela, senhora das tempestades. E desde então Xangô e Ogum são inimigos. Conta a lenda que, no início dos tempos, os orixás e os seres humanos trabalhavam e viviam em igualdade: todos caçavam e plantavam. Usavam-se instrumentos feitos de madeira, pedra ou metal mole. Assim, o trabalho exigia grande esforço e era demorado. Como a comida andava escassa e o plantio era pouco produtivo, era necessário plantar uma área maior. Era um trabalho muito árduo. Os orixás então se reuniram para decidir como fariam para remover as árvores do terreno e aumentar a área de lavoura. Ossaim, o orixá da medicina, dispôs-se a ir primeiro e limpar o terreno. Mas seu facão era de metal mole e ele não foi bem sucedido. Do mesmo modo que Ossaim, todos os outros orixás tentaram, um por um, e fracassaram na tarefa de limpar o terreno para o plantio. Só Ogum, que conhecia o segredo do ferro, não tinha se manifestado. Quando todos os outros orixás tinham fracassado, Ogum, então, pegou seu facão de ferro e limpou todo o terreno. Os orixás ficaram muito admirados. Examinaram o facão de Ogum e perguntaram que material era aquele tão resistente. Ogum respondeu que era o ferro, que tinha sido ensinado por Orunmilá, o adivinho. Aquele material seria muito útil, não só na agricultura, como na caça e até mesmo na guerra, por isso os orixás queriam que Ogum lhes ensinasse o segredo do ferro. Mas Ogum não queria contar. Os orixás decidiram: se ele ensinasse tudo sobre aquele material, poderia ser o rei de todos os orixás. Ogum resolveu aceitar a troca. Os homens pediram o conhecimento do ferro e como construir ferramentas com o material. Ogum ensinou como forjar o ferro, e logo todos os caçadores e todos os guerreiros tiveram seu instrumento desse metal. Agora vou contar como Ogum descobriu o ferro. A descoberta veio por orientação de um Ifá. Certo dia Ogum, preocupado, procurou um Ifá para saber por que não tinha ocupação definida. O adivinho orientou-o para preparar um ebó complicado. Depois, ele deveria esperar a próxima chuva e procurar um local onde teria havido uma erosão. Ali ele deveria apanhar a areia que ficara, uma areia preta e fina, e pôr no fogo até queimar. Assim ele fez e, ao queimar a areia, Ogum, espantado, viu-a transformar-se numa massa que, ao esfriar, se solidificou: era o ferro. O ferro, quando frio, era muito duro, mas enquanto quente podia ser manipulado. Ogum começou a modelar a massa quente. Primeiro fez uma tenaz, uma espécie de alicate, e, com ela, podia mexer no ferro quente. Foi assim que aprendeu a fazer vários instrumentos: primeiro, uma faca e um facão; depois começou a forjar todo tipo de instrumentos de ferro próprios para a lavoura. Ensinou aos homens como utilizá-los. Daí em diante, a vida do orixá mudou: passou a ser o ferreiro saudado por todos como aquele que “transforma a terra em dinheiro”, e, mais tarde, como o rei dos orixás. Acontece que, antes de mais nada, Ogum era um caçador. Assim, numa ocasião, saiu para caçar. Passou vários dias fora e quando voltou da mata estava sujo e todo rasgado. Quando viram o estado de seu rei, os orixás acharam que ele não era digno de governá-los. Eles o desprezaram e decidiram destituí-lo. Ogum ficou muito decepcionado! Quando precisaram dele, eles o fizeram rei, e agora achavam que não era digno de governá-los. Ogum resolveu então deixar aqueles ingratos e partiu com suas armas. Construiu uma casa embaixo da árvore de acoco e lá ficou morando, isolado. Mas os humanos não o esqueceram: todo mês de dezembro festejam Ogum e fazem sacrifícios em sua memória. Por isso, sempre que é preciso, Ogum ajuda aos homens, como aconteceu com um peregrino. O pobre homem andava por toda parte, trabalhando ora numa, ora noutra plantação. Mas quando o serviço estava pronto, os donos da terra o despediam e tomavam tudo o que ele havia feito. Um dia, esse homem foi a um babalaô, sacerdote do culto, que o mandou fazer um ebó, uma oferenda na mata. Ele juntou o material e foi fazer o despacho, mas acabou fazendo tal barulho que Ogum, o dono da mata, foi ver o que estava acontecendo. O homem, então, percebeu que estava na morada de Ogum e ajoelhou- se ante o orixá, pedindo perdão. Deu a ele tudo o que levara para o ebó. Ogum aceitou e satisfez-se com o ebó. Depois conversou com o peregrino, que lhe contou por que estava naquele lugar proibido. Contou tudo o que acontecia entre ele e os patrões. Foi então que o orixá mandou que ele desfiasse folhas de dendezeiro e as colocasse nas portas das casas de seus amigos, marcando assim cada casa a ser respeitada. Naquela noite, Ogum destruiu a cidade de onde vinha o peregrino. Destruiu tudo, menos as casas protegidas pelas folhas de dendê. ansã é o orixá dos ventos e das tempestades. Tem temperamento ardente e foi a primeira mulher de Xangô. Pois Xangô encarregou-a de ir buscar, na terra dos Baribas, um preparado que fazia botar fogo pela boca. Contra as instruções de Xangô, Iansã resolveu provar a poção e imediatamente pôs-se a botar fogo pela boca. Xangô ficou furioso, mas nada mais podia fazer, e Iansã ficou com esse poder. Certa vez, Ogum foi caçar na floresta. Escondido, esperava a caça quando viu um búfalo que vinha em sua direção. Preparou-se para matá-lo. Foi quando o animal parou e retirou sua pele. Apareceu, então, uma linda mulher: era Oiá-Iansã. Ela escondeu a pele num formigueiro, dirigindo-se ao mercado da cidade vizinha. Ogum pegou a pele e escondeu-a no fundo de um depósito de milho, ao lado de sua casa. Foi, logo em seguida, ao mercado para cortejar a mulher-búfalo. Acabou por pedi-la em casamento. Só que, de início, Oiá-Iansã recusou. Ele insistiu, insistiu e ela acabou aceitando. Mas quando ela voltou à floresta para buscar sua pele, não mais a encontrou, pois Ogum a tinha escondido. Oiá-Iansã recomendou ao caçador que não contasse a ninguém que, na realidade, ela era um animal. Viveram bem durante alguns anos e ela teve nove crianças, despertando o ciúme das outras esposas de Ogum. Acontece que as outras esposas acabaram descobrindo o segredo de Iansã. Quando Ogum saiu para caçar, elas começaram a cantar: “Você pode beber e comer e exibir sua beleza, mas a sua pele está no depósito, porque você é um animal.” Iansã compreendeu, então, que as esposas tinham descoberto seu segredo e onde Ogum tinha escondido sua pele. Procurou-a no depósito e, quando a encontrou, logo a vestiu, voltando à forma de búfalo. Matou, então, as mulheres ciumentas e foi embora, deixando seus chifres com os filhos. Ao deixá-los, disse: — Caso estejam em perigo, batam um chifre no outro que eu virei imediatamente em vosso socorro. Até hoje os chifres de búfalos são sempre colocados nos locais consagrados a Oiá-Iansã. Você sabe por que Iansã se tornou tão poderosa? Pois vou contar: Iansã era muito bela e sedutora. Pois ela usou de seus encantos para seduzir os outros orixás e tomar alguns de seus poderes. Com Exu, aprendeu a usar a magia e o poder do fogo, para realizar seus desejos. De Ogum, obteve o direito de usar a espada para sua defesa. Com Oxaguiã, o de usar o escudo em sua defesa contra os inimigos. Com Oxóssi, aprendeu a caçar para se alimentar e a seus filhos; e com Logum Edé, a pescar para a sobrevivência. Só com Obaluaê nada conseguiu. Por artes da magia, transformava-se em búfalo, sempre que queria. Afinal, partiu ao encontro de Xangô, com quem viveu por toda a vida... E foi também com Xangô que adquiriu o poder sobre os ventos. emanjá é também chamada Janaína, Rainha ou Princesa do Mar, pois seu reinado é nas águas do mar. É considerada uma das divindades mais queridas, deusa da compaixão, do perdão, do amor incondicional. Iemanjá é o orixá mais cultuado no Brasil, principalmente em Salvador e no Rio de Janeiro. As festas de Iemanjá são belas, com muitas dádivas à deusa: no dia 2 de fevereiro, em Salvador; na passagem do ano, no Rio e Janeiro. As oferendas são jogadas no mar. Diz a lenda que, se a pessoa pular sete ondas nessa festa, terá muita sorte no ano inteiro. Quando Iemanjá era criança, sua mãe, Olokum, lhe deu uma cabaça com um líquido e disse: — Quando você estiver em perigo, quebre a cabaça que você será ajudada. Iemanjá foi casada com Odudua e teve dez filhos, que também foram orixás. De tanto amamentar os filhos, seus seios cresceram muito, o que lhe causava vergonha. Cansada de sua vida com Odudua, foi para oeste, onde conheceu Oquerê, que por ela se apaixonou. Assim, Iemanjá casou-se pela segunda vez com Oquerê, mas exigiu que ele nunca zombasse de seus seios grandes. Certa vez, Oquerê chegou bêbado em casa e começou a brigar, ofendendo Iemanjá, zombando de seus seios fartos. Ora, quando se casaram, Oquerê prometera nunca zombar dos seios de Iemanjá. Ela ficou furiosa, e Oquerê tentou agredi-la. Iemanjá, então, fugiu e foi perseguida pelo marido, que não queria perder a esposa. Na corrida, Iemanjá caiu e quebrou a cabaça que a mãe lhe dera e, imediatamente, se formou um grande rio que a carregou na direção do mar. O marido se transformou, então, numa montanha, para impedir o curso da água. Muito aflita, Iemanjá pediu ajuda a seu filho Xangô, o orixá do trovão. Xangô, então, mandou raios e trovões que romperam a montanha, criando um vale. E o rio passou no meio. Assim, Iemanjá chegou ao mar, e lá ficou morando junto a sua mãe, e passou a ser cultuada como a Rainha do Mar. Logo, Iemanjá ficou desgostosa com os homens, pois jogavam no mar tudo o que não lhes servia, cuspiam e urinavam em suas águas. Os homens sujavam seus domínios. Iemanjá queixou-se a Olodum: suas águas viviam sujas; isso não podia continuar. Foi então que Olodum lhe deu o dom de devolver à praia tudo o que jogassem em suas águas. Desde então, surgiram as ondas do mar, que trazem para a praia tudo o que não é do mar. Iemanjá criou a lua para dar descanso ao sol. Pois o sol estava muito cansado de brilhar dia e noite. Desde a criação do mundo, ele não tinha dormido! Com seus raios, Orum, o sol, maltratava a terra, queimando tudo, até os seres humanos. Isso tinha que acabar! Mas, como aplacar o sol? Foi Iemanjá que teve a ideia. Ela havia guardado sob suas saias alguns raios do sol. Então ela disse ao sol que fosse descansar, pois ela deixaria os raios que tinha guardado iluminando a terra. Só que esses raios eram bem mais fracos e acabaram gerando um outro astro, Oxu, a lua. Enquanto o sol descansava, era a lua que iluminava e refrescava a terra, com sua luz fria. Assim, os seres humanos não morreriam de calor. Graças a Iemanjá, Orum pôde dormir, pois à noite as estrelas velavam seu sono até surgir um novo dia. Certa ocasião, os homens resolveram preparar uma grande festa em homenagem aos orixás. Mas cometeram uma imprudência: esqueceram-se de convidar Iemanjá. A Deusa ficou furiosa e resolveu se vingar dos homens. Chamou o mar para ajudá-la, e o mar começou a engolir as terras. E lá estava Iemanjá, linda, sobre a onda mais alta, comandando o mar. Os homens ficaram muito assustados e pediram proteção para Oxalá, que ajudara a criar o mundo. Quando Iemanjá ia acabar com o que restava do mundo, Oxalá apareceu e a impediu: levantando seu opaxorô, instrumento em forma de cajado, feito de cipó ou de metal prateado, ordenou que parasse. Ele ajudara a criar os homens e não deixaria que fossem destruídos! A dona do mar acabou por se acalmar, bem como as suas águas. Já estava satisfeita com o castigo que tinha imposto aos homens e mostrado todo o seu poder. angô é o orixá dos raios e trovões, da descarga elétrica e do fogo. Belo, viril, atrevido e violento, é, também, o justiceiro que castiga os ladrões e mentirosos. Roubou de Nanã o poder sobre os eguns, e agora é o único orixá que tem poder sobre os mortos. Xangô era filho de Aganju, mas eles não se conheciam. Aganju era temido e respeitado. Sua casa ficava sempre aberta e ninguém se atrevia a entrar. Ele tinha, na casa, muitas frutas, pois suas terras eram vastas e férteis. Pois um dia, Xangô entrou na casa de Aganju e comeu, comeu todas as frutas, até se fartar. Depois se deitou e dormiu na própria esteira de Aganju. Quando este chegou em casa, encontrou aquele atrevido dormindo em sua esteira. Ficou enraivecido e atirou Xangô no fogo. O que ele não sabia é que Xangô dominava o fogo, pois era o próprio fogo! Xangô não se queimava. Então, Aganju resolveu atirar o orixá ao mar. Só que a rainha do mar era Iemanjá, a mãe de Xangô, que apareceu e disse: — Não podes matar Xangô, Aganju. Ele é teu filho! Foi então que Aganju reparou como os dois eram parecidos: tal pai, tal filho! Aganju falou: — Sou valente e bravo, o mais valente e bravo do mundo, mas tu, Xangô, és tão bravo e valente como eu. És bem meu filho! E os dois festejaram o encontro... Xangô foi criado por Dadá, sua irmã. Ela cuidava de Xangô e fazia todas as suas vontades. Assim, Xangô cresceu e só fazia o que queria. Dadá explicava que ele deveria ter cuidado em suas brincadeiras, pois podia se machucar. Só que Xangô era teimoso e o que ele mais gostava era de brincar com as brasas e o fogo. Certa ocasião, ele estava brincando na cozinha e caiu no fogão. Dadá ficou horrorizada! Quis tirá-lo do fogo, mas Xangô só ria e ria. Ele gostava de brincar com as brasas, que não lhe faziam qualquer mal. Xangô era orixá do fogo, das brasas. Uma outra vez, Xangô estava fugindo de seus inimigos, que eram muitos e queriam matá-lo. Mas Xangô também tinha amigos, principalmente mulheres, pois era muito bonito. Assim, Xangô foi se refugiar na casa de Oiá-Iansã. Os inimigos sitiaram a casa. Como poderia Xangô sair? Pois Oiá teve uma ideia: vestiu Xangô com suas roupas, cortou seus próprios cabelos e cobriu a cabeça de Xangô. Enfeitou-o com colares e pulseiras e anunciou que ia passear. E lá se foi Xangô, fingindo que era Oiá, andando como mulher. Os inimigos pensaram que era Oiá e abriram caminho para Xangô, que passou por eles, impunemente. Só bem mais tarde, quando Oiá-Iansã finalmente saiu também, é que perceberam que foram enganados. Mas já era tarde: Xangô tinha escapulido! Xangô temia mais que tudo os eguns, pois tinha medo da morte. Certa vez foi perseguido pelos eguns. Ficou apavorado! Mas Iansã veio em seu socorro: deu a Xangô nove espelhos para que ele fizesse os eguns olharem suas imagens neles. Ora, os eguns são horrorosos e temem a própria imagem; não suportam ser confrontados com ela. Pois quando os eguns cercaram Xangô, ele os recebeu com seus espelhos. Os eguns se apavoraram com o que viram refletido nos espelhos. Fugiram em debandada, mas Xangô os perseguiu e os venceu. Iansã ajudou o orixá por quem estava apaixonada. Xangô ensinou os homens a fazer o fogo. Sabe como? Pois havia um homem que ajudava os orixás e, estes, em troca, lhe ensinaram seus segredos. O homem que ajudava os orixás deveria oferecer um banquete aos homens, em agradecimento. Mas os orixás estavam fartos de comer comida crua; queriam coisa diferente, comida cozida. Mas como fazê-lo, se os homens não conheciam o fogo? Foi então que o homem pediu ajuda a Xangô, que mandou raios sobre as árvores, que se incendiaram. Os galhos das árvores ficaram queimados e viraram brasas. O homem, temeroso de um incêndio, colocou as brasas num buraco e cobriu com gravetos e terra. Dias depois reparou que naquele monte havia umas lascas pretas: era o carvão. O homem percebeu que podia acender o carvão com as brasas que restaram. E cozinhou os alimentos, dos quais os orixás gostaram muito. E Xangô ensinou o homem a cozinhar com o carvão, num fogão feito com pedras. Estava inventado o fogão! ssaim é a divindade das plantas medicinais e dos rituais. Nenhuma cerimônia pode ser feita sem sua presença, ele tem uma importância fundamental. As palavras, cuja força desperta seus poderes, são os elementos mais secretos do ritual no culto aos deuses yorubás, bem como o nome das plantas e a sua utilização. O símbolo de Ossaim é uma haste de ferro, tendo, na extremidade superior, um pássaro em ferro forjado, cercada por seis hastes arrumadas em leque para o alto. O pássaro é a representação do poder de Ossaim, pois é o seu mensageiro, o que leva suas mensagens e traz o relato dos resultados. Ossaim domina o segredo das ervas, que se tornaram sua propriedade e que ele não reparte com ninguém. A colheita das folhas deve ser feita com grande cuidado, sendo rejeitadas aquelas cultivadas em jardins. Devem ser sempre colhidas em lugar selvagem, onde as plantas crescem livremente. Mas um dia, Xangô se queixou à sua mulher, Oiá-Iansã, senhora dos ventos, de que somente Ossaim conhecia o segredo de cada uma dessas folhas e que os outros deuses não tinham nenhuma planta. Foi então que Iansã levantou suas saias e agitou-as, fazendo soprar uma ventania. Ora, Ossaim guardava o segredo das ervas numa cabaça pendurada num galho de árvore. Pois o vento fez quebrar a cabaça, espalhando as folhas que foram apanhadas pelos outros orixás, repartindo-as entre si. Só que Ossaim era o senhor das plantas e ordenou que elas voltassem a seu poder. As folhas voltaram, e as poucas que ficaram com os outros orixás perderam o axé, perderam o poder da cura. Mas Ossaim acabou por dar a cada orixá uma folha e suas cantigas de encantamento, sem as quais as plantas não funcionam. Assim, os outros orixás não mais invejaram Ossaim. Mas os segredos das plantas, os mais profundos, ele não partilha com ninguém... Ossaim vive na floresta, em companhia de Aròni, um anãozinho. Conta a lenda que foi Aròni quem ensinou a Ossaim as propriedades das plantas, quando o encontrou na floresta e ficaram amigos. Os adeptos de Ossaim são também chamados de curandeiros (Oníì-ègùn), devido a suas atividades na colheita de plantas medicinais. Quando vão colher as plantas para seus trabalhos, devem estar em estado de pureza; assim, desde a véspera, não podem ter relações sexuais. Vão à floresta, durante a madrugada, sem dirigir palavra a ninguém e devem deixar uma oferenda em dinheiro no local da colheita. Segundo uma lenda, Ossaim foi um escravo comprado por Orunmilá para lavrar seus campos. Quando começou seu trabalho, verificou que as ervas que Orunmilá queria tirar do campo eram todas úteis e medicinais: uma curava a dor de cabeça, outra as cólicas e assim por diante. Ossaim falou: — Na verdade, não posso arrancar ervas tão necessárias. Orunmilá, sabendo da recusa de seu escravo, quis ver essas ervas, que ele se recusava a cortar. Ossaim explicou que as ervas tinham muito valor, pois ajudavam a manter o corpo em boa saúde. Pois então Orunmilá resolveu manter o escravo a seu lado na hora das consultas, para ajudá-lo a reconhecer as virtudes das plantas. Se é Ossaim que conhece o uso medicinal das plantas, foi Orunmilá quem deu nomes a essas plantas; os poderes de cada planta estão em ligação com o seu nome e são potencializados por palavras ditas no momento de seu uso. Toda a medicina yorubá se baseia, portanto, nos poderes de Ossaim sobre as folhas — remédio — e de Obaluaiê, o deus que rege as doenças graves. Ambos os orixás são muito temidos e respeitados, porque também entre os yorubás, o mesmo princípio que cura, mata. Remédio e veneno, tudo é uma questão de grau. xumaré é uma entidade do branco, muito antiga. Participou da criação do mundo, enrolando-se ao redor da terra, reunindo a matéria e dando forma a Aiye. Como uma cobra, rastejou desenhando vales e rios. É a grande cobra que morde a cauda, representando a continuidade do movimento e do ciclo vital. A cobra é um dos seus símbolos, por isso no candomblé não se mata cobra. Oxumaré regula todos os movimentos que não podem parar, como a alternância entre o dia e a noite, as chuvas e as secas, o bem e o mal (positivo e negativo). Enquanto arco-íris, traz notícia do fim da tempestade, da volta do sol, da possibilidade de movimentação; já enquanto cobra é perigoso, pois pode dar botes rápidos. Conta a lenda que Oxumaré é o segundo filho de Nanã e Oxalá. Porém, mais uma vez, o casal não havia obedecido Orunmila, e Oxumaré nasceu sem braços e sem pernas, andava rastejando pela terra, como uma serpente. Horrorizada, Nanã também abandonou Oxumaré, como já havia feito com Obaluaiê. Só que Oxumaré se adaptou à sua situação e, mesmo sem pernas e braços, por meio de sua grande inteligência, conseguia locomover-se, aprendeu a subir em árvores, a caçar para comer, a colher as batatas doces de que tanto gostava e até a nadar. Orunmilá, o deus da adivinhação do futuro, admirou sua coragem e determinação e, apiedando-se dele, tornou-o um orixá belo. Tinha as sete cores do arco-íris, como um facho de luz. Orunmilá encarregou-o de levar e trazer as águas do céu. Assim, é Oxumaré quem traz as águas da chuva e é a ele que se pede que chova. Para ajudá-lo em sua tarefa, seu pai Oxalá fazia com que tomasse a forma do arco-íris sempre que tivesse essa missão a cumprir. Com esse poder de trazer as águas da chuva, Oxumaré tanto traz riquezas ou pobreza aos homens, aguando as plantações, como também provoca as enchentes. Oxumaré tem sua morada no fim do arco-íris. Assim, o arco-íris tornou-se o símbolo desse Orixá, que gosta de movimento e harmonia em todas as coisas. Conta a lenda como surgiu o arco-íris: Oxumaré recebeu de Olorum uma missão muito especial e importante: dar continuidade ao processo de criação e renovação da natureza, carregando, dentro de suas cabaças, toda a água da Terra de volta para o céu. Mas acontece que, mal ele enchia as cabaças com as nuvens do céu, a água já começava a escorrer, como chuva, molhando tudo de novo. Numa dessas idas e vindas, ele viu, na terra, um lugar em que só havia lama. Era um triste lugar! O que se poderia fazer para melhorá-lo? Oxumaré já tinha movimentado os seres criados, como Olorum havia ordenado, mas isso não bastava; tudo parecia a mesma coisa, sem vibração... Pediu, então, ao grande Deus que o ajudasse a encontrar uma maneira de trazer mais vida e alegria para a Terra. Foi quando, sem querer, carregando a água, deixou cair algumas gotas pelo caminho: logo formou-se um belo arco colorido com sete cores: era o arco-íris. Aquele arco mostrava as cores e suas possibilidades de combinações e sempre poderia ser visto quando as águas do céu encontrassem a luz do sol. Oxumaré é um orixá tanto masculino como feminino: metade do ano é macho, como arco-íris; na outra metade é fêmea, como cobra. Por isso, a dualidade é o conceito básico associado a Oxumaré, que representa todos os opostos: o bem e o mal, o dia e a noite, o macho e a fêmea e assim por diante... Durante seis meses é um orixá masculino, o arco-íris, regulando as chuvas e as secas. Mas, ao mesmo tempo, o arco-íris mostra que a água está sendo levada para os céus em forma de vapor, formando nuvens, e logo voltará à terra sob a forma de chuva, recomeçando todo o ciclo de novo. Nos outros seis meses, Oxumaré toma a forma feminina, a cobra, sendo exatamente o oposto de tudo o que representou sob a forma anterior. E, como cobra, vê-se obrigado a se arrastar tanto na terra como na água. Alguns mitos mostram que, sob essa forma, ele encarna sua figura mais negativa, provocando tudo o que é mau e perigoso. xum é a divindade da água doce, dos rios e riachos. Oxum é jovem e faceira. Muitas vezes é representada como uma ninfeta, ficando sempre junto a uma fonte, com bonecas e outros brinquedos. Mas Oxum também é considerada o Orixá da sedução, do amor, da vaidade da mulher e, por isso, carrega sempre um espelho, onde se mira constantemente. O toque dos atabaques, que acompanha sua dança no candomblé, é denominado ijexá. Sendo considerada a mais bela dentre os orixás, Oxum não estava contente: ela queria porque queria saber os mistérios do Ifá. Queria conhecer o passado, o presente e o futuro das coisas e dos seres. Tinha sede do conhecimento dos oráculos. Pensou, pensou e resolveu procurar Exu para que ele lhe revelasse os segredos do Ifá. Usou de toda a sua sedução, até que Exu lhe propôs um trato: ela o serviria por sete anos e depois ele revelaria todos os segredos que Oxum queria. Oxum aceitou o trato e serviu Exu com desvelo durante o prazo estipulado. Ao fim dos sete anos, Exu liberou Oxum e revelou tudo o que ela desejava: todos os segredos do Ifá. Só que durante esse tempo Oxum se apaixonou por Exu e não quis deixá-lo. Os dois, muito apaixonados, viviam felizes... Até que Xangô viu a bela Oxum. Ela estava à beira de um rio, cantando com sua voz maviosa. Xangô ficou apaixonado. Ele estava acostumado a ter tudo o que queria, por isso declarou-se a Oxum, convencido de que ela corresponderia a seu amor. Mas Oxum explicou que era casada com Exu e viviam muito felizes. Ela não poderia aceitar o amor de Xangô. Xangô não aceitou a recusa. Furioso, agarrou a mulher e levou-a para seu reino, onde a trancou numa torre alta. Muito tempo se passou, em que Oxum só chorava e chorava e se recusava a casar com Xangô. Exu, desesperado, sem saber o que havia acontecido, procurava a mulher que ele tanto amava. Depois de muito tempo, cansado e triste, sentou-se debaixo de uma árvore, para descansar, próximo à torre onde Oxum estava presa. Ouviu então um canto que logo reconheceu ser de Oxum. Subiu à torre e tentou libertá-la. Só que Xangô, previdente, tinha usado um círculo mágico, de onde Oxum não conseguia sair, e Exu não conseguiu soltá-la. Depois de muito tentar, desistiu e, muito triste, andou a esmo, desanimado. Logo encontrou um velho, que era Olorum, mas que ele não reconheceu. O velho perguntou por que ele estava tão triste, e ele mostrou a torre onde sua amada estava prisioneira. Percebendo que o amor de Exu era sincero, o grande Deus resolveu ajudá-lo: deu-lhe um saquinho onde havia um pó e recomendou que jogasse todo o pó em Oxum. Cheio de esperança, Exu voltou à torre e fez como tinha sido recomendado. Oxum se transformou numa linda pomba dourada que saiu voando e voltou para seu lar. Lá Exu foi encontrá-la, já em sua forma feminina, e viveram muitos anos em plena felicidade.
A separação de Aiye, a Terra, de Orum, o espaço infinito
Depois que o Orum se separou da Aiye, os orixás acabaram por ter saudades da época em que iam e vinham do céu para a terra, da convivência com os humanos que tanto os prezavam e homenageavam. Principalmente Oxum, que gostava de vir a terra brincar com as mulheres, mostrando sua beleza e vaidade, ensinando as mulheres a cativar os homens com seu encanto. Foi então que Oxum recebeu de Olorum a missão de preparar os humanos para receberem os orixás em seu corpo; para serem incorporados. Oxum fez as devidas oferendas a Exu para que sua missão tivesse êxito e veio à Aiye. Juntou as mulheres a sua volta e banhou seus corpos com ervas milagrosas, raspou seus cabelos e pintou seus corpos. Pintou suas cabeças com as pintinhas que nem a Kererê, a galinha-d’angola, e vestiu-as com belos panos. Enfeitou-as com joias e coroas. Envolveu seu colo com contas multicoloridas e muitas fieiras de búzios e cerâmica. Enfeitou, ainda, sua cabeça com a pena ecodilé e colocou, também, um cone feito de obi mascado, manteiga de ori e finas ervas. Pronto. E lá estavam elas prontas para atrair o orixá da iniciada, as noivas mais bonitas que a Oxum vaidosa pôde imaginar. Os orixás tinham agora seus “cavalos”, podiam conviver com os humanos e voltar com segurança para a Aiye. Os orixás, contentes, dançavam e dançavam na roda, no corpo das iaôs. Estava inventado o candomblé! As lendas dos orixás vieram da África, onde tiveram sua origem. Foram transmitidas oralmente de geração a geração, e os escravos as trouxeram para o Brasil. E os orixás viveram sob o céu do Brasil, mas agora organizados em uma religião: o candomblé. Aqui eles se encontram com os mortais, incorporados em seus “cavalos”, por artes de Oxum. As lendas que você leu aqui são apenas algumas dentre muitas, pois a história dos orixás é longa e sempre contada nas lendas. Como foram transmitidas oralmente, muitas versões de uma mesma lenda são encontradas. Você pode pesquisar esses orixás e muitos outros em livros sobre as religiões de origem africana e na internet. Por enquanto, divirta-se com estas e procure conhecer mais a cultura dos africanos, que muito influenciou nossa própria cultura. BASTIDE, R. Estudos Afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1983. _________. O Candomblé da Bahia. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1978. NASCIMENTO, E. L. Introdução à história da África. In: Educação e Africanidade e Brasil. Brasília: MEC; Secad, 2006. pp. 33-51. PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. VERGER, P. F. Deuses Iorubás na Africa e no Novo Mundo. Tradução de Maria Aparecida da Nóbrega. Salvador: Editora Corrupio, 1997. _________. Dieux d’Afrique. Paris: Revue noire, 1995. GALI, G. A Lenda dos Orixás. São Paulo: Lazuli, 2011. PESTANA, M. Lendas dos orixás para crianças. Brasília: Ministério da Cultura/ Fundação Cultural Palmares, 1996. PRANDI, R. Ifá, o Adivinho. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. _________ . Oxumarê, o Arco-íris. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004. _________ . Xangô, o Trovão. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003. Sites: Lendas e características dos orixás. Disponível em: <http://www.geocities.ws/a.gomespereira/>. Acesso em 31 outubro 2012. Contos e lendas. Disponível em: <http://www.acordacultura.org.br/mojuba/orixas>. Acesso em 31 outubro 2012. Lenda dos orixás. Disponível em: <http://www.vetorial.net/~rakaama/lo-oxum.htm>. Acesso em 31 outubro 2012. Algumas palavras desconhecidas que você vai encontrar neste livro: - o mundo, a Terra, a realidade física. - piolhento, sujo. - bolsa da existência. - energia; saudação. - pai de santo, dirige o culto no terreiro. - árvore do dendê. - orixá do negro, que veste roupas negras e de outras cores. - sacrifício ou oferenda de animal a um orixá. - mortos-vivos; espíritos. - culto dos eguns. - hálito sagrado de Olorum. - orixá do branco, orixá que só usa veste branca. - porrete de Exu que pode transportá-lo para qualquer lugar e também atrai objetos distantes. - cajado de Nanã, feito de palitos do dendezeiro. - mãe de santo, dirige o culto no terreiro. - jogo de búzios; oráculo. - morte. - roupa de palha de Obaluayê. - sopro sagrado de Olorum. - Deus supremo. - cajado de Oxalá. - céu; espaço infinito. - contos e histórias dos orixás. - atmosfera, camada entre o céu e a Terra. é carioca, nascida em 1926. Pedagoga, jornalista, editora e escritora, exerceu o magistério nos diferentes níveis de ensino, especialmente em cursos de formação de professores. Foi diretora do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e membro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Publicou vários livros didáticos e de literatura infantojuvenil. Dentre estes se destacam Fadas, Dragões e Princesas, Nem Tanto, Notícia de Jornal e Mistérios da Pindorama. Este último, publicado pela Editora Biruta, foi considerado Altamente Recomendável pela FNLIJ e adquirido pelos governos de alguns estados e municípios, selecionado e adquirido pelo Programa Nacional de Bibliotecas Escolares do Governo Federal. Mistérios da Pindorama recebeu o prêmio White Ravens, da Biblioteca Internacional de Literatura Infantil e Juvenil de Munique, Alemanha. Aposentada como professora do Estado do Rio de Janeiro, cursou Faculdade de Comunicação, sendo bacharel em Jornalismo e Editoração. Hoje trabalha como editora e escritora. é animador e ilustrador, crescido no subúrbio carioca. Desde a infância era fascinado pelos desenhos animados, e essa paixão o motivou a cursar Desenho Industrial da UFRJ. Atualmente faz pós-graduação em Design na Puc-Rio. Em 2008, dirigiu seu primeiro curta Se essa Rua..., da série para TV Cantigas de Roda da Multirio. Além dessa experiência, trabalhou como animador nas produções do curta O Despejo... Memória de Gabiru, nas séries Juro que Vi e Meu Amigãozão e fez storyboard para a série Sítio do Pica-pau Amarelo. No campo da ilustração fez os desenhos para a coleção de livros infantis Nana & Nilo. Os orixás sob o céu do Brasil
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