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DENISE OGNIBENI

CHARQUEADAS PELOTENSES NO SÉCULO XIX:


COTIDIANO, ESTABILIDADE E MOVIMENTO

Tese apresentada como requisito parcial e final


para obtenção do grau de Doutor em História
das Sociedades Ibéricas e Americanas.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Arno Alvarez Kern

Porto Alegre
2005
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
À Marísia, minha mãe,
amiga e parceira neste trabalho

Ao João Gabriel, meu filho.


AGRADECIMENTOS

À meu orientador Prof. Dr. Arno Alvarez Kern pelos incentivos, críticas e sugestões

e pela paciência e boa vontade com que me ajudou a trilhar este, muitas vezes, complicado

caminho.

Ao Prof. Dr. Klaus P. K. Hilbert que me auxiliou nas pesquisas de campo, sempre

disposto a escutar e ajudar.

Aos funcionários do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e do Arquivo

Histórico do Rio Grande do Sul, pela paciência, boa vontade e atenção nos vários meses de

investigação e transcrição dos documentos.

À Caroline Bergter pela valiosa ajuda na transcrição dos documentos.

Aos funcionários do Museu da Biblioteca Pública Pelotense.

À Luzia Costa Rodeghiero, pelas cópias digitalizadas das fotografias do acervo do

Museu da Biblioteca Pública Pelotense.


4

À arquiteta Angela Ognibeni, pela arte final dos desenhos dos mapas coletados no

Museu da Biblioteca Pública Pelotense.

À Carla Helena Carvalho Pereira e pessoal da secretaria do Pós-Graduação em

História da PUCRS pela constante disponibilidade em ajudar.

Ao CNPq pelo auxílio financeiro.

As minhas irmãs Angela e Paula pela ajuda com o João Gabriel e pelas palavras de

apoio.

À colega Miriam Carle pelo apoio na pesquisa de campo.

Aos meus pais, Marísia e José Carlos Ognibeni, porto seguro no meu caminho.

Aos colegas da FM Cultura, em especial seu diretor, Rodolfo Ramos Rospide Jr.,

pela compreensão e apoio.

Ao colega Marcelo Del Fabro pela valiosa ajuda.

A colega e amiga Marta Schmitt pelo apoio escutando e dando sugestões.

Ao meu filho amado João Gabriel, razão de tudo.


RESUMO

O presente trabalho visa analisar uma parcela da sociedade rio-grandense no século XIX,
constituída por indivíduos associados em função da atividade charqueadora, na região sul da
então Província de São Pedro, às margens do arroio Pelotas, nas terras das antigas sesmarias
do Monte Bonito e Pelotas. Nosso foco de análise será este complexo formado pelos
diferentes indivíduos que habitavam, trabalhavam e conviviam nos estabelecimentos das
margens do arroio Pelotas no decorrer do século XIX. As charqueadas instaladas na costa do
Pelotas, permaneceram por quase um século como atividade econômica de destaque na
Província, sustentando com sua riqueza várias gerações, muitas vezes sobrevivendo em uma
conjuntura econômica e política pouco favorável. Nesta pesquisa buscamos inferir como se
davam as relações familiares e sociais, de que se constituía a vida cotidiana de mulheres,
homens e seus filhos, seus empregados e compadres, sua tralha doméstica, enfim, penetrar em
parte, coletando fragmentos da vida comum, rotineira, destes indivíduos que habitaram e
construíram o maior pólo charqueador rio-grandense no século XIX. Trabalhamos com a
hipótese de que na sociedade charqueadora pelotense, os industriais da carne salgada, por seu
lado, enfrentavam o desafio de manter suas propriedades nas mãos da família, evitando seu
desmembramento, o qual os levaria a inviabilização de sua atividade. Para tanto utilizavam
suas relações sociais por meio dos laços de compadrio, dos arranjos de casamentos, bem
como no controle dos elementos da própria família. Se para os grupos mais abastados,
proprietários, era preciso buscar a estabilidade, formando para tanto uma rede familiar
organizada em um espaço social restrito, aos indivíduos livres que executavam as mais
diversas tarefas nestas propriedades e em torno delas, suas vidas eram marcadas pela
mobilidade.

Palavras-chave: Pelotas – Charqueadas – História do Rio Grande do Sul


ABSTRACT

The current work analyzes one parcel of riograndense society at the XIX century,
constituted of individuals associated in function of maker or jerked beef, at the south of
Brazil, São Pedro’s Province, on the borders of Pelotas arroyo na old land measure of
Monte Bonito and Pelotas .
Our analisis focus will be these complex formed by different individuals that worked and
lived together at the establishment on these borders of Pelota’s arroyo, at the XIX century.
In these research, we infered how familiar relations, the quotidian life of men, women,
their sons, employees anda godfathers, their domestic mesh; collecting fragments of
common life of these individuals that lived and builded the largest maker of jerked beef
riograndense polo’s at the XIX century.
We worked with the hipotesis that in the Pelotas society maker of jerked beef, the
manufacturers of salty meat doned to the challenge if they maintain their properties in the
family hands, avoiding the dismemberment that take away their activity.
For this, they took advantage of the political favoritism and patronage, the marriage
arrangements and the element controls of their families.
If for rich groups, owners, needed to look for stability, making one organized family net at
one social limited space, for the free individuals who executed the different functios on
these properties, their lives was marked by mobility.

Key-words: Pelotas – Jerked Beef – Rio Grande do Sul History


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 15

CAPÍTULO I – O RIO GRANDE DO SUL NO BRASIL OITOCENTISTA ............ 26


1.1 AS DISPUTAS PLATINAS...................................................................................... 27
1.2 1835 a 1845: A REVOLUÇÃO FARROUPILHA ..................................................... 29
1.3 O FIM DO TRÁFICO NEGREIRO E A EXPANSÃO CAFEEIRA .......................... 34
1.4 GUERRA DO PARAGUAI E REPÚBLICA............................................................. 36

CAPÍTULO II – A FORMAÇÃO DO CENTRO CHARQUEADOR PELOTENSE 39


2.1 OCUPAÇÃO DAS TERRAS NAS MARGENS DO ARROIO PELOTAS ............... 39
2.1.1 Uma Charqueada.................................................................................................... 46
2.1.2 Marcas no Solo: as evidências de uma ocupação .................................................... 50
2.1.3 Limites................................................................................................................... 51
2.1.4 Atracadouros e Embarcações.................................................................................. 56
2.1.5 Estradas e Passos.................................................................................................... 60
2.1.6 Escravos e Senzalas................................................................................................ 71
2.1.7 Aldeias: A Visão dos Viajantes .............................................................................. 79
2.1.8 Capela e Oratórios: Fragmentos da vida religiosa ................................................... 81
2.1.8.1 Padres ................................................................................................................. 88
2.1.8.2 Irmandades e ordens............................................................................................ 89
2.1.8.3 Testamentos e a preparação da morte................................................................... 92
2.1.8.4 Os movimentos da província ............................................................................... 97
2.1.9 Cemitérios.............................................................................................................. 100
8

CAPÍTULO III – TRABALHADORES LIVRES NA ÁREA CHARQUEADORA .. 105


3.1 O MEIO RURAL NO RS NO SÉCULO XIX ........................................................... 105
3.1.2 O Problema da Terra .............................................................................................. 108
3.2 TRABALHADORES LIVRES NAS CHARQUEADAS........................................... 113
3.2.1 Capataz, Administrador, Feitor e Peões .................................................................. 118
3.2.2 Moradias ................................................................................................................ 133
3.2.3 Caixeiros................................................................................................................ 134
3.2.4 Guarda-Livros ........................................................................................................ 134
3.2.5 Patrão de Iate ......................................................................................................... 136
3.2.6 Oleiros ................................................................................................................... 137
3.2.7 Professor ................................................................................................................ 139
3.2.8 Salários .................................................................................................................. 143
3.3 AGREGADOS.......................................................................................................... 151

CAPÍTULO IV – CHARQUEADORES ...................................................................... 163


4.1 LAÇOS MATRIMONIAIS ....................................................................................... 171
4.2 VIZINHOS: SÓCIOS, COMPADRES E PADRINHOS............................................ 178
4.3 UMA FAMÍLIA CHARQUEADORA: OS VINHAS................................................ 183
4.3.1 Casa e Equipamento Doméstico ............................................................................. 184
4.3.2 A Filha: Mathilde Vinhas Duarte............................................................................ 186
4.3.3 Empréstimos e Dívidas Familiares.......................................................................... 191
4.3.4 Mulheres: Legados nos Testamentos ...................................................................... 195
4.3.5 A Terça ................................................................................................................. 201
4.3.6 Patrimônio Familiar: Disputas e Heranças .............................................................. 204
4.3.7 O Filho Pródigo...................................................................................................... 209
4.3.8 O Filho: João Vinhas.............................................................................................. 215
4.3.9 Casamento: Vinhas x Lopes ................................................................................... 220
4.4 O CHARQUEADOR JACINTO ANTÔNIO LOPES ................................................ 228
4.4.1 A Tralha Doméstica ............................................................................................... 229
4.5 OUTRO CASAMENTO: VINHAS x SIMÕES LOPES ............................................ 230
4.5.1 Os Simões Lopes.................................................................................................... 231
4.5.2 A Tralha Doméstica do Comendador...................................................................... 233
4.5.3 Empréstimos e Dívidas Familiares.......................................................................... 236
4.5.4 Parentes Inoportunos .............................................................................................. 237
9

4.5.5 João Simões Lopes Filho e a Charqueada da Graça ................................................ 239


4.5.6 Casamentos entre Famílias Charqueadoras ............................................................. 242

CONCLUSÃO............................................................................................................... 245

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 249


LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Número de embarcações por proprietários ....................................................... 59

Tabela 2: Ano do inventário, charqueador e número de escravos..................................... 73

Tabela 3: Valores dos salários - Século XIX ................................................................... 145

Tabela 4:Valores dos bens- Século XIX .......................................................................... 147

Tabela 5: Número de filhos por casal .............................................................................. 223

Tabela 6: Valor total dos bens dos charqueadores no ano de seus inventários .................. 225
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa da região em que localiza-se a cidade de Pelotas, o arroio Pelotas,


Canal São Gonçalo e Lagoa dos Patos – (Pelotas, Rio Grande do Sul – 1:250.000) –
Ministério do Exército, Diretoria de Serviço Geográfico, 1973............................................40

Figura 2: Cópia parcial da Carta Corográfica de 1777 onde aparecem as terras de Tomás
Luiz Osório na margem esquerda do arroio Pelotas denominado então Rio das Pelotas.. .....
...........................................................................................................................................41

Figura 3: Mapa da ocupação do arroio Pelotas no século XIX – propriedades, estradas e


Tablada – (Fonte: Gutierrez, 1993)......................................................................................43

Figura 4: Mapa de Extrato de Título de Boaventura Ignácio Barcellos, 28 de novembro


De 1827. Arroio Pelotas (Fonte: Museu da BPP).................................................................53

Figura 5: Mapa de Extrato de Título de Boaventura, Cirpriano e Ignácio Rodrigues


Barcellos. 20 de setembro de 1816. Extrato de mediação do exame de 06 de outubro de
1827. Arroio Pelotas. (Fonte: Museu da BPP) .....................................................................54

Figura 6: Extrato de Título de Francisco Pereira de Souza de 6 de novembro de 1820.


Medição de 11 de outubro de 1827. Arroio Pelotas. (Fonte: Museu da BPP) .......................55

Figura 7: Extrato de medição dos terrenos de Domingos José de Almeida. Arroio Pelotas
(Fonte: Museu da BPP) .......................................................................................................62

Figura 8: Arroios Pelotas. Alexandre Ignácio Pires. Capão do Retiro e Passo Novo.
12

(Fonte: Museu da BPP) .......................................................................................................64

Figura 9: Sege e negros boleeiros. (Desenho de Guillobel) (Fonte: Silva, M.B.N. da,
1993). .................................................................................................................................66

Figura 10: Viajantes da Província do Rio Grande- Rica indumentária dos charqueadores do
Rio Grande do Sul (Gravura de Debret, J.B., 1978, p. 332) .................................................69

Figura 11: Mapa da medição e extrato de título das terras de José Pereira da Silva Brites.
Arroio Pelotas. 1827. (Fonte: Museu da BPP). ....................................................................70

Figura 12: Casarão da estância da Graça local da antiga charqueada, com sua capelinha
anexa, à direita na foto (Fonte: Foto da autora – 08/12/2000................................................82

Figura 13: Oratório (Fonte: Novais, A. e Souza, L. de M. 1997, p.171) ...............................85

Figura 14: Charqueada Santa Rita de Ignácio Rodrigues Barcellos, construída em


1826, margem direita do arroio Pelotas (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP).........165

Figura 15: Cabanha Abolengo antiga charqueada de Boaventura Rodrigues


Barcellos, construída em 1811, na margem direita do arroio Pelotas. (Foto da autora
- 08/12/2000) .....................................................................................................................166

Figura 16: Antigo sobrado do Barão do Jarau, Granja da Costa, margem direita do
Arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000)....................................................................168

Figura 17: Fachada do Sobrado do Barão do Jarau, voltada para a margem direita do
Arroio Pelotas, frontão com data de 1830. (Foto da autora – 07/12/2000)...........................169

Figura 18: Casa da charqueada de Bernardino Rodrigues Barcellos. Antiga Colônia de


Férias Mazza, margem direta do arroio Pelotas. (Foto Klaus Hilbert – 15/06/2000)............173

Figura 19: Casa da Charqueada São João de José Antônio Gonçalves Chaves na margem
Direita do Arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000). ..................................................174
13

Figura 20: Atracadouro da charqueada de Antônio José Gonçalves Chaves nas margens do
Arroio Pelotas, em frente à casa. (Foto da autora – 15/06/2000) .........................................175

Figura 21: Portal de entrada da charqueada do Barão do Arroio Grande, Francisco Gomes
da Costa. (Fonte: Acervo fotográfico do Museu da BPP)....................................................192

Figura 22: Sobrado na estância da Graça, onde foi a charqueada, com fundos para a margem
esquerda do Arroio Pelotas. (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP). .........................233

Figura 23: Sobrado do Visconde da Graça, na estância da Graça, onde localizava-se a


charqueada, na margem esquerda do Arroio Pelotas (Foto da autora – 08/12/2000)............240

Figura 24: Sobrado do Visconde da Graça na margem esquerda do Arroio Pelotas. (Foto da
autora – 08/12/2000). .........................................................................................................243
LISTA DE ABREVIATURAS

AHRGS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

APERGS – Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul

Cart. – Cartório

Prov. – Provedoria

E. – Estante

M. – Maço

N. – Número

A. - Auto

Inv. – Inventário

BPP – Biblioteca Pública Pelotense

Test. – Testamento
INTRODUÇÃO

O objeto de estudo desta pesquisa constitui-se de uma parcela da sociedade rio-

grandense no século XIX, formada por indivíduos associados em função da atividade

charqueadora.

O ponto de observação de onde tiramos os diferentes relatos de indivíduos e grupos e

seus modos de vida será a região sul da então Província de São Pedro, zona charqueadora de

Pelotas, às margens do arroio de mesmo nome, nas terras da antigas sesmarias do Monte

Bonito e de Pelotas.

Neste local, formou-se um agrupamento peculiar, constituído por industriais da carne

seca, os charqueadores, que mantinham a sua volta, em função desta atividade econômica,

além de suas famílias, trabalhadores escravizados, livres e libertos, formando um complexo

constituído de diferentes grupos sociais.

O período analisado inicia nos últimos vinte anos do século XVIII, quando os

primeiros estabelecimentos de charqueio com vistas ao grande comércio começam a ser

instalados na região, perpassando todo o período monárquico e encerrando-se com a abolição

da escravatura e a proclamação da República. Estes dois últimos, considerados aqui como


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marcos que, segundo Costa (1998, p.531) repercutem “as mudanças que ocorreram na

estrutura econômica e social do país na segunda metade do século XIX, prenunciando a

transição da sociedade senhorial para a empresarial”. Neste sentido, centramos nossa análise

num período que corresponde ao tempo biológico de uma a três gerações considerando-se que

“cada indivíduo se beneficia com a experiência de seus pais e participa da de seus filhos”

(DAUMARD, 1997, p.49).

Os fabricantes de carne seca da região de Pelotas no século XIX foram o grupo

responsável por uma das mais importantes economias da Província no período. Senhores de

escravos, proprietários de terras, por vezes envolvidos nos movimentos políticos e militares

da Província, alguns estancieiros que receberam desde comendas até títulos de nobreza, estes

charqueadores e suas famílias com os quais conviviam em seus estabelecimentos e

propriedades, além de seus escravos, indivíduos livres exercendo dentro ou fora do complexo

charqueador atividades como as de peão, capataz, feitor, patrão de iate, caixeiros, médicos e

professores. Nosso foco de análise será este complexo formado pelos diferentes indivíduos

que habitavam, trabalhavam e conviviam nas charqueadas das margens do arroio Pelotas no

decorrer do século XIX.

As charqueadas instaladas nas margens do arroio Pelotas, permaneceram por quase

um século como atividade econômica de destaque na Província, sustentando com sua riqueza

várias gerações, muitas vezes sobrevivendo em uma conjuntura econômica e política pouco

favorável.

Face a esta permanência das charqueadas pelotenses, tanto como atividade

econômica como em sua fixação geográfica, levantamos a seguinte questão: - Como teria sido
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a dinâmica de formação e manutenção deste agrupamento? Haveria uma estratégia de

manutenção visando a permanência e a estabilidade por parte dos grupos proprietários dos

estabelecimentos? E para os demais grupos que habitavam e conviviam nas charqueadas de

que forma a questão da mobilidade social e geográfica se configurou na vida cotidiana destes

indivíduos?

Considerando-se as charqueadas local de convivência de diferentes grupos, qual seria

então o espaço social e geográfico ocupado por agregados no contexto deste agrupamento?

A historiografia tem frisado não somente a importância dos proprietários

charqueadores para a economia do Rio Grande do Sul durante o Império, bem como sua

fragilidade enquanto grupo social dominante. A charqueada enquanto setor que abastecia

internamente os grandes centros brasileiros voltados para a exportação, não permitiria um

grande acúmulo de capital e portanto a formação de uma classe de senhores com

características aristocráticas.

Corsetti (1983) em sua dissertação de Mestrado, apresentou um estudo sobre a

charqueada escravista pelotense no século XIX, aprofundando questões de ordem econômica,

como os fatores que levaram no entender da autora, a pouca capitalização destes

estabelecimentos e a sua desarticulação no final do período.

Pesavento (1992, p.18) comparou a produção de carne seca no século XIX na região

com as demais atividades desenvolvidas no restante do país, voltadas para o mercado externo,

considerando que a charqueada “foi capaz de constituir no Rio Grande uma camada senhorial

enriquecida, sem que contudo se repetisse no sul a aristocratização da sociedade açucareira”.


18

A causa de tal situação, no entender da autora devia-se a uma baixa capitalização da pecuária

gaúcha responsável então por um “menor refinamento dos hábitos e costumes, bem como

pelo menor distanciamento social” (Idem). No entanto Pesavento frisa que isto não indicaria

que “padrões autoritários de mando não tenham existido e se exercido violentamente, numa

sociedade composta de senhores de terra, gado, charqueadas e escravos” (Ibidem).

Do mesmo modo para Cardoso (1977), o grupo dos charqueadores, juntamente com

os estancieiros, eram os representantes típicos do senhor gaúcho tanto como proprietários de

escravos bem como chefes de parentelas poderosas. No entanto, segundo este autor, “na

sociedade escravocrata gaúcha, no conjunto, não houve condições para a formação plena de

um estilo senhorial de existência. Este só se desenvolve quando existem possibilidades para a

manutenção, através do tempo, das posições economicamente privilegiadas por uma camada

social estável. Nestas condições a superafetação das maneiras, o cultivo do ócio, o

refinamento e a tranqüilidade senhoriais podem manifestar-se amplamente, recobrindo as

bases reais da exploração escravocrata” (CARDOSO, p. 156).

O agrupamento de charqueadas no entorno rural teria sido, por sua vez, o responsável

pela formação de um dos centros econômicos e culturais mais ativos na Província no século

XIX. Flores (1994), ao analisar a sociedade gaúcha na qual se engendrou a Revolução

Farroupilha, observou que existiam três tipos de estabelecimentos rurais na Província: a

estância, a charqueada e as chácaras. No entanto se a charqueada estava no meio rural, era

devido a ela que Pelotas destacava-se entre as cidades e vilas mais importantes na primeira

metade do século XIX no Rio Grande do Sul. No local haviam mais de 300 negociantes

atraídos graças ao grande número de charqueadas situadas em seus arredores. Chamava


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atenção seu ativo comércio, o luxo de suas casas e ruas e sua intensa vida cultural (Idem,

p.11).

Observando o contexto das charqueadas pelotenses no século XIX sob o ponto de

vista da emergência de um centro urbano, a cidade de Pelotas, promovido pelo crescimento

econômico da região e pelos industrialistas do charque, Magalhães (1993), procurou

demonstrar que os últimos 30 anos do Império, entre os anos de 1860 e 1890, a cidade

apresentou seu apogeu como centro cultural. A indústria do charque, formada nos seus

arredores, representada por seus proprietários, os senhores abastados, teria sido então a

responsável por um modo de vida urbano marcado pela opulência.

Em relação ao escravo na zona charqueadora de Pelotas, vários autores já trataram

desta questão. Entre eles podemos citar Cardoso (1977) e Maestri (1984) que aprofundaram

os estudos a cerca do escravismo no Rio Grande de Sul, considerando as charqueadas como o

sistema produtivo responsável pelo uso do escravo em larga escala na região. Gutierrez

(1999) apresentou a mão-de-obra escrava na construção da cidade de Pelotas enquanto

Assumpção (1991) e Lima (1997), trouxeram à luz questões como conformação, resistência e

punição dos escravos pelotenses. Devido a ampla literatura a seu respeito e a especificidade

de sua condição, optamos por não nos aprofundarmos nas questões referentes aos homens

cativos, do mesmo modo adiaremos aqui também a discussão a cerca dos libertos nas

charqueadas reservando a estes dois grupos somente algumas considerações contextuais,

considerando-se que este tema demandaria uma outra e mais complexa discussão adiada para

um segundo momento de estudo.


20

A zona de instalação do complexo charqueador, por sua vez, foi delimitada por

Gutierrez (1993), em seu estudo onde, ao objetivar contribuir para a história da arquitetura e

urbanismo no litoral sul-americano, reconstruiu hipoteticamente a evolução da formação do

que denominou “espaço charqueador”. A área fabril é demarcada aqui segundo uma

determinada “tipologia” onde a moradia dos senhores, a fábrica propriamente dita e a

distribuição da escravaria são enfocados. O estudo de Gutierrez foi essencial para uma

primeira aproximação, sob o ponto de vista espacial, no modo como as estruturas fabris foram

instaladas e posicionadas na região.

Priorizando a participação dos dois extremos desta sociedade – senhores e escravos –

a historiografia privilegiou a discussão das questões referentes ao homem escravizado e as

condições econômicas e sociais da escravidão, bem como, por outro lado, da cultura citadina

promovida pelos charqueadores como prosperidade, urbanidade e afetação social.

Se os charqueadores e seus estabelecimentos marcaram sua presença no século XIX

no Rio Grande do Sul como senhores poderosos de escravos e chefe de parentelas

constituindo-se num grupo de senhores abastados embora “sem hábitos muito refinados e com

menor distanciamento social”, todas estas definições nos levaram a inferir, para além da

análise econômica e política, uma análise do ponto de vista da história social.

A história social ao dar ênfase ao papel da ação humana na história, por meio do

estudo do comportamento dos diferentes grupos sociais “prioriza a experiência humana e os

processos de diferenciação e individuação dos comportamentos e identidades coletivos –

sociais – na explicação histórica” (Castro, 1997, p.54) . Neste sentido, buscamos aqui

perceber as formas de viver destes grupos e de seus indivíduos no século XIX, por meio do
21

viés da família, instituição básica de organização da sociedade, através da qual os diferentes

segmentos se organizam e se estruturam tanto material como socialmente. Como esclarece

Faria (1997, p.241), a família foi fundamental, no Brasil escravista, na montagem e

funcionamento das atividades econômicas e nas relações sociais e políticas. Segundo a autora

“foi da ou para a família, não necessariamente a consangüínea, que todos os aspectos da vida

cotidiana, pública ou privada, se originavam e convergiam. Conferindo estabilidade ou

mobilidade, influindo no status e na classificação social dos indivíduos e grupos, a família

aparece ligada também a relações de coabitação, parentela, relações rituais e alianças

políticas” (Idem).

Neste sentido, as unidades domésticas, enquanto centros de produção e consumo,

permitiram aos indivíduos terem acesso a recursos materiais, definindo muitas vezes o

comportamento econômico de seus membros. As estratégias de sobrevivência dos diferentes

grupos sociais teriam também uma relação direta entre a dinâmica de suas unidades familiares

e os aspectos econômicos e políticos mais amplos da conjuntura (Ibidem, 1997). A unidade

doméstica pode ser observada então como um ambiente complexo, vista desde sua

composição material até as relações sociais entre seus membros e os demais elementos da

comunidade. No entanto, como argumentou Burke (1992, p.81), “a família não é apenas uma

unidade residencial, mas também – pelo menos de vez em quando – uma unidade econômica

e jurídica. Ainda mais importante, é uma comunidade moral, no sentido de um grupo com o

qual os membros se identificam e mantêm envolvimento emocional (CASEY, 1989, p.14)”.

Procuramos aqui, portanto, observar o modo como viviam os diferentes grupos que

ocupavam as charqueadas, definidas pelos viajantes como “verdadeiras aldeias” formadas por

estabelecimentos vizinhos e contínuos, constituídos cada qual das mais variadas estruturas e
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habitantes. Entendíamos que, para além da análise dicotômica do senhor-escravo, de uma

aristocracia escravocrata constituída por chefes de parentelas, geradora de riqueza e violência,

havia uma sociedade mais complexa, constituída de personagens mais humanos, homens

comuns, com suas fragilidades e idiossincrasias.

Nesta pesquisa buscamos inferir como se davam as relações familiares e sociais, de

que se constituía a vida cotidiana de mulheres, homens e seus filhos, seus empregados e

compadres, sua tralha doméstica, enfim, penetrar em parte, coletando fragmentos da vida

comum, rotineira, destes indivíduos que habitaram e construíram o maior pólo charqueador

rio-grandense no século XIX.

A fim de identificar os diferentes grupos que ocuparam a área do arroio Pelotas no

decorrer do século XIX recorremos aos mapas de terras realizados entre os anos de 1808 e

1827 para registro de terrenos no entorno do arroio Pelotas conservados pela Biblioteca

Pública Pelotense. Neste mapas, propriedades foram demarcadas nas diferentes áreas do curso

do arroio, descendo no sentido norte-sul, até chegar aos terrenos do entorno do canal São

Gonçalo. Selecionamos também alguns mapas que, mesmo não sendo de terrenos marginais,

encontravam-se relacionados a unidades próximas pertencentes a indivíduos proprietários no

local. Os mapas apresentaram-se como importante fonte de onde foi possível identificar os

diferentes moradores e a localização de suas habitações, bem como seus nomes.

Por meio destes mapas nos foi possível visualizar a localização das propriedades nas

margens do arroio Pelotas, a forma como foram estruturadas e sua demarcação no terreno. No

intuito de verificar se a permanência destes grupos no local por quase um século havia

deixado evidências ainda recorrentes na paisagem, associamos estes mapas com fotos aéreas
23

da região registradas pelo Exército Brasileiro por volta de 1967. A sobreposição destes

documentos de distintos períodos nos permitiu observar a continuidade das evidências

materiais da ocupação realizada há mais de dois séculos.

As informações recolhidas nos mapas de registro de terrenos, nos permitiram realizar

o levantamento de nomes de proprietários e habitantes da região no período, os quais nos

levaram a outra documentação fundamental para esta pesquisa: os inventários, testamentos e

contas de testamentos, destes indivíduos, juntamente com processos de medições de terra,

conservados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul.

As diversas cartas enviadas e recebidas pelo charqueador Domingos José de

Almeida, conservadas e publicadas pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, nos

permitiram observar a sociedade charqueadora sob o prisma do relato pessoal e privado de um

indivíduo que viveu e destacou-se na região no período.

De mais de uma centena e meia de documentos cartoriais pesquisados, levantamos os

diversos grupos familiares de charqueadores cada qual ligado a um determinado sobrenome,

que constituíram-se de famílias proprietárias, algumas permanentes outras de curta duração.

Recuperamos também alguns documentos e dados a cerca dos indivíduos livres que viviam na

região constituindo-se em uma gama variada de trabalhadores. Destes diversos documentos

retiramos algumas histórias pontuais que, hora são exemplos de casos rotineiros ora chamam

atenção por suas características únicas. Além destas considerações também quantificamos

algumas características e enumeramos outras, no intuito de melhor apresentar as

especificidades destes grupos.


24

Trabalhamos com a hipótese de que na sociedade charqueadora pelotense, os

industriais da carne salgada, por seu lado, enfrentavam o desafio de manter suas propriedades

nas mãos da família, evitando seu desmembramento, o qual os levaria a inviabilização de sua

atividade. Para tanto utilizavam suas relações sociais por meio dos laços de compadrio, dos

arranjos de casamentos, bem como no controle dos elementos da própria família.

Se paras os grupos mais abastados, proprietários, era preciso buscar a estabilidade,

formando para tanto uma rede familiar organizada em um espaço social restrito, aos

indivíduos livres que executavam as mais diversas tarefas nestas propriedades e em torno

delas, suas vidas eram marcadas pela mobilidade.

Ao nos dispormos a analisar a sociedade charqueadora pelotense no século XIX,

primeiramente traçamos um breve resumo do que ocorria no âmbito nacional e regional

durante o período pesquisado. Este pano de fundo constituiu-se no contexto no qual se

formará e organizará o agrupamento charqueador.

No segundo capítulo começaremos por apresentar o espaço ocupado e construído nas

suas múltiplas estruturas onde realizavam-se as mais diversas socializações.

No terceiro capítulo procuramos vislumbrar mesmo que com grande dificuldade

devido a escassez de fontes, quem eram os indivíduos livres que trabalhavam e viviam no

âmbito deste complexo fabril.


25

No quarto capítulo procuramos nos aproximar mais dos charqueadores, grupo que

constrói os estabelecimentos, buscando conhecer um pouco de sua vida privada, em meio a

seu cotidiano, suas relações familiares e sociais.

Finalmente procuramos estabelecer conexões entre os aspectos analisados

apresentando então algumas considerações a cerca destes fragmentos da vida cotidiana no Rio

Grande do Sul monárquico, observados por meio de segmentos que compunham o

agrupamento charqueador pelotense.


CAPÍTULO I - O RIO GRANDE DO SUL NO BRASIL OITOCENTISTA

O período analisado nesta pesquisa é marcado por importantes momentos na história

brasileira, desde quando paulatinamente se constrói a independência, no primeiro quarto do

século XIX, até a efetivação do Brasil republicano no final deste mesmo século.

No quadro do Brasil oitocentista o Rio Grande do Sul teve papel importante tanto

durante o primeiro reinado, ao desafiar o poder central com a Revolução Farroupilha, que iria

durar dez anos, quanto influenciando politicamente as decisões nas disputas platinas com sua

força militar e seus interesses econômicos e, já em meados da segunda metade do século XIX,

participando ativamente com forças militares e políticas na Guerra do Paraguai e nas idéias

que desaguariam na Proclamação da República. Neste quadro político e social de constantes

lutas de poder entre elites e de formação e reestruturação social com o fim da escravatura e as

mudanças de forças econômicas, o grupo charqueador assentado no litoral sul, destacou-se

juntamente com os estancieiros, com sua influência política e seus interesses econômicos.
27

1.1 AS DISPUTAS PLATINAS

As longas disputas territoriais na região platina em que se envolveu o Brasil Colônia

e Império foram decisivas na formação de um tipo de sociedade no Rio Grande do Sul,

belicosa, militarizada e de grandes proprietários estancieiros e charqueadores em detrimento

de uma maioria de trabalhadores escravizados ou livres dependentes do trabalho, por vezes

sazonal, nas estâncias e charqueadas, por vezes fixados nestas propriedades como agregados,

ou nas incipientes cidades.

Durante todo o século XVII, desde a criação da Colônia do Sacramento no atual

Uruguai, em frente a Buenos Aires, até o século XVIII, com as disputas pelas Missões

Jesuíticas e os Tratados de Limites, a região do atual Rio Grande do Sul vinha sendo alvo de

conflitos e sua elite de estancieiros era força militar utilizada pela coroa como forma de

garantir a posse da terra lusa no extremo sul frente a ameaça do avanço espanhol. A partir de

1780, com o estabelecimento dos campos neutrais (região entre a lagoa Mangueira, a lagoa

Mirim e o Oceano Atlântico), que separava os domínios entre as duas nações após o tratado

de Santo Ildefonso de 1777, a economia gaúcha inicia uma nova fase de expansão do trigo e

charque, este último facilitado pelo contrabando de gado via campos neutrais.

Após a chegada da corte ao Brasil em 1808 o interesse mercantilista pela área platina

ganha nova força. Em 1811 iniciam-se as lutas entre o “Exército Pacificador” de D.João VI

(tropas sulistas e portuguesas) e as forças de Artigas. Esta disputa é então mediada pela

Inglaterra para quem não convinha as disputas bélicas no Prata uma vez que atrapalhariam o

andamento de seus interesses econômicos na região. Em 1816 os conflitos entre facções de

poder persistem no prata e nestas disputas as estâncias gaúchas são atacadas dando pretexto a
28

uma invasão luso/brasileira ao Uruguai, anexando em 1821 o território da Banda Oriental ao

sul do Brasil, denominado então Província Cisplatina. Neste momento, devido a derrota de

Artigas e a anexação da Banda Oriental há uma grande desorganização das charqueadas

uruguaias que eram fortes concorrentes do charque rio-grandense. O gado destas é levado

para as charqueadas gaúchas favorecendo neste período o desenvolvimento da economia

charqueadora sulina (Pesavento, 1992, p.34).

No momento da independência brasileira, em 1822, o território do atual Uruguai

estava anexado ao do Rio Grande do Sul favorecendo o desenvolvimento da pecuária na

região. As regiões brasileiras onde a monocultura não permitia o desenvolvimento de uma

lavoura de subsistência e sustento da massa escrava, como os engenhos de açúcar do

norte/nordeste, algodão, tabaco, café no sudeste e nas zonas de mineração, eram as maiores

consumidoras do charque gaúcho. A partir de 1828, a paz na Cisplatina com a intervenção

inglesa e a criação do Uruguai como nação independente, fará com que os saladeiros

uruguaios de reestruturem e já por volta de 1831 exerçam uma forte concorrência ao charque

rio-grandense.

Os saladeros uruguaios introduziram em 1838 o uso da máquina à vapor para a

extração de subprodutos da carne como a graxa, modernizando suas operações e trazendo

maiores lucros a estes empreendimentos (PESAVENTO, 1992).

Neste momento mudanças políticas importantes estão ocorrendo na conjuntura

nacional. D. Pedro I abdica do trono e uma Regência Trina Provisória sobe ao poder, sendo

substituída logo após por uma Regência Trina Permanente. No Vale do Paraíba as plantações

de café se expandem formando uma nova força política no quadro das elites nacionais. O Rio
29

Grande do Sul se vê então enfraquecido política e economicamente por um centralismo da

Regência enquanto a elite local, na figura de estancieiros como Bento Gonçalves, é acusada

de ligações com os políticos uruguaios. Nesta disputa de forças entre as elites divergentes que

estão influenciando o poder, o Rio Grande do Sul se vê prejudicado e o ponto culminante será

em 1835 com o início da Revolução Farroupilha.

1.2 1835 A 1845: A REVOLUÇÃO FARROUPILHA

Os altos impostos sobre a exportação do charque gaúcho, 600 réis a arroba de carne

para embarcações estrangeiras e 200 para as nacionais, faziam com que o produto rio-

grandense tivesse pouca competitividade no mercado platino (FLORES, 1994). Deste modo,

uma das queixas dos revolucionários farroupilhas foram os altos impostos e, esta é

considerada por alguns pesquisadores como a principal causa do movimento. No entanto,

segundo Flores (Idem), esta teoria se torna inconsistente tendo em vista que o primeiro ato da

República Rio-grandense foi decretar o imposto de 400 réis a arroba de charque.

No entender dos revoltosos, o centro era acusado de gerir mal os recursos públicos,

onerando o Rio Grande do Sul com impostos quando este, por sua vez, fornecia soldados,

cavalos e alimentos durante as disputas de fronteiras. Estas lutas desorganizavam sua

produção embora estes não recebessem indenização pelos danos e os altos postos de comando

do exército, por sua vez, eram dados apenas a indivíduos do centro do país (PESAVENTO,

1992).
30

O envolvimento dos charqueadores na Revolução Farroupilha se deu tanto a favor

como contra, divididos em caramurus (conservadores absolutistas), chimangos (liberais

moderados) e farroupilhas (liberais exaltados). Muitos charqueadores estavam ligados por

laços de interesse a assuntos da corte enquanto outros eram comerciantes de pouco poder

econômico envolvidos na causa liberal. Não havia, na verdade, uma classe homogênea

econômica e politicamente entre os charqueadores pelotenses.

Como Fausto (1994, p.162) observou, já no interior do núcleo promotor da

Independência no âmbito nacional, não havia uma unanimidade quanto ao modo como

deveria ser a organização do Estado, isto porque, segundo o autor, os anos de 1822 até 1840

seriam marcados por diferentes tentativas de organização do poder. Do mesmo modo Fausto

avalia que no período da Regência ainda não havia consenso entre as classes e os grupos

dominantes sobre qual arranjo institucional seria mais conveniente para seus interesses. Esta

situação veio culminar com as diferentes revoltas provinciais do período, tanto no norte e

nordeste quanto no sul e sudeste. Ao tentar dar certa autonomia às Assembléias Provinciais e

organizar a distribuição de rendas, a Regência acabou por fomentar as disputas entre as elites

regionais pelo controle do poder. Segundo o autor, o fato de não haver mais o poder

centralizado na figura do Imperador, facilitou a perda de legitimidade do poder central (Idem).

A Revolução Farroupilha veio como resposta deste momento conturbado da política

nacional e, do mesmo modo que nas outras províncias que fizeram levantes, não havia

consenso dentro da elite que detinha o poder político e econômico local. Embora os altos

impostos sobre o charque seja colocado como um dos principais motivos do início da revolta,

alguns charqueadores, que dependiam do maior centro consumidor brasileiro de charque e

couros que era naquele momento o Rio de Janeiro, posicionaram-se ao lado do governo
31

(FAUSTO, 1994, p.169). No entanto, alguns charqueadores destacaram-se como personagens

importantes na organização e no desenrolar da revolução Farroupilha, como foi o caso de

Domingos José de Almeida.

Os setores da população gaúcha realmente interessados na Revolução Farroupilha

foram os estancieiros da fronteira e grupos da classe média que viviam nas cidades. Os

estancieiros estavam interessados em diminuir a taxação do gado na fronteira com o Uruguai,

essencial para a manutenção de seus privilégios, uma vez que muitos possuíam terras e gado

neste país e desejavam manter a livre circulação dos rebanhos na área fronteiriça (FAUSTO,

1994).

A criação da Guarda Nacional em 1831, em substituição as antigas milícias, parece

não ter agradado a estes setores que até então controlavam as milícias locais uma das bases de

sua autoridade. A Guarda Nacional seria constituída por um “(...) corpo armado de cidadãos

confiáveis, capaz de reduzir tanto os excessos do governo centralizado como as ameaças das

‘classes perigosas’” compunham obrigatoriamente a Guarda Nacional todos os cidadãos com

direito de voto nas eleições primárias que tivessem entre 21 e 60 anos. Isto fez com que o

exército ficasse com seus quadros desfalcados, uma vez que quem pertencesse a uma ficava

dispensado de servir à outra” (Idem, p. 164).

Entre as modificações significativas com as reformas institucionais no período

regencial visando diminuir as atribuições de órgãos da monarquia e a reduzir o papel do

exército, entra em vigor em 1832 o Código de Processo Criminal dando maiores poderes aos

juizes de paz eleitos nas localidades . Em 1834, em um Ato Adicional, embora os presidentes

das províncias continuassem a ser designados pelo governo central, criam-se as Assembléias
32

Provinciais dando maior poder aos políticos locais. Embora a Regência tenha dado certa

autonomia às Assembléias Provinciais e buscado organizar a distribuição de rendas entre o

governo central e províncias o que vinha ao encontro de muitas antigas queixas das elites

locais, ao contrário do apaziguamento esperado, fez com que as disputas regionais pelo

controle do poder se acirrassem. Neste período intensificam-se as revoltas provinciais entre

elas a Farroupilha (Ibidem).

O governo central enfrentou a revolta dos farroupilhas hora com ações militares hora

fazendo concessões aos rebeldes, como em 1840, ao decretar a taxa de importação de 25%

sobre o charque platino concorrente do nacional. Em 1845 com o fim da revolta, foi

concedida anistia aos revoltosos e integração de oficiais farroupilhas aos quadros do Exército

brasileiro, sendo que o império assumiu as dívidas deixadas pelo fim da República Rio-

Grandense (FAUSTO, 1994.p.164).

Logo após o fim do conflito farroupilha, em 1851 inicia-se a guerra entre as forças

militares brasileiras (sendo em sua maioria homens recrutados no Rio Grande do Sul), os

“colorados” uruguaios e as províncias argentinas de Corrientes e Entre-Rios contra as forças

de Juan Manuel de Rosas na Argentina que no momento se consolidava no poder e

apresentava-se como uma ameaça de dominação na área Platina. As tropas rosistas ao serem

derrotadas em Monte Caseros em 1852, fazem com que mais uma vez o poder das elites

militarizadas no sul seja reforçado e se amplie a dominação no âmbito platino deste segmento.

A crise nas charqueadas gaúchas se evidenciará a partir de 1860 quando os saladeiros

platinos introduzem uma série de inovações que modificam o caráter deste tipo de empresa.

Estes estabelecimentos empregam então mão-de-obra livre assalariada com funções


33

especializadas, utilizando a máquina a vapor, obtendo assim um maior aproveitamento do boi.

Somados a isso realizavam então melhorias sanitárias e nos transportes associadas a

propaganda de seu produto na Europa e a uma política governamental protecionista

(CORSETI, 1983).

Neste mesmo período, no âmbito nacional, surgem dois grandes partidos – liberais e

conservadores – embora durante todo o império eles transitem contraditoriamente pelos

mesmos interesses. A alternância destes segmentos no poder só vem reforçar a idéia de que,

mais do que ideais políticos, o que imperava era a disputa de poder individual travado pelas

elites regionais na defesa de interesses particulares.

O Segundo Reinado inicia-se com a ascensão de D. Pedro II ao poder. Neste

momento houve uma esforço de centralização política na figura do novo imperador. Entre as

medidas tomadas o restabelecimento do Código de Processo Criminal fazendo que os juizes

de paz perdessem importância frente a polícia que agora, por meio do chefe de polícia da

província, nomeado pelo ministro da justiça, e seus delegados e subdelegados, tivessem o

poder de julgar pequenas causas criminais investigar, processar e aplicar penas (FAUSTO,

1994. p.172).

A Guarda Nacional novamente sofreria modificações passando seus oficiais além de

serem escolhidos pelo governo central ou pelos presidentes das províncias, deveriam possuir

uma significativa renda para assumir estes postos. Deste modo se mantinha a hierarquia e se

restringia o acesso a este círculo restrito. Neste momento há uma divisão de funções entre a

Guarda Nacional, que passaria a cuidar da ordem e defesa dos grupos dominantes enquanto ao
34

Exército caberia gerenciar as disputas, controlar as fronteiras e manter a estabilidade do país

(Idem, p.176).

1.3 O FIM DO TRÁFICO NEGREIRO E A EXPANSÃO CAFEEIRA

Após a Independência o país vivia sob a condição de dependência do trabalho

escravo nos seus diversos setores, tanto nas grandes propriedades quanto em meio a

população livre. No entanto, as pressões feitas pela Inglaterra para coibir o tráfico de escravos

para o Brasil cada vez mais aumentavam. Os portos da Bahia e, principalmente Rio de

Janeiro, recebiam um grande volume de escravos por ano, número que estava em ascensão

nos anos de 1820-1830, chegando a 43.140 cativos. A maioria era enviada para as lavouras de

café ou ficavam no Rio de Janeiro (FAUSTO, 1994).

No Rio Grande do Sul, a vinda de imigrantes alemães, iniciada em 1824, povoando e

colonizando áreas ainda inexploradas e formando núcleos de pequenos proprietários,

possibilitou a diversificação produtiva o impulso no processo de transição da mão-de-obra

escrava para a livre. Mais tarde, em 1875, inicia-se o ingresso de imigrantes italianos.

Em 1826 a Inglaterra impôs um tratado pelo qual a partir de 1830 seria declarado

ilegal o tráfico de escravos para o Brasil. Em 1831 uma lei tentou efetivar a aplicação deste

tratado mas logo foi totalmente ignorada e seus dispositivos praticamente não foram

aplicados. Apesar disto, muitos navios que transportavam escravos para o Brasil foram

apreendidos pelos ingleses. Em 1850 finalmente impôs-se a lei que proibia o tráfico sendo

neste ano a entrada de escravos no país havia caído a quase metade dos anos anteriores e
35

praticamente encerrou-se já em 1851. Os fazendeiros do Centro-Sul foram então abastecer-se

de escravos no mercado interno, comprando-os de outras regiões (Fausto, 1994).

Segundo Fausto (1994), a Lei de Terras aprovada neste mesmo período, em 1850,

teve como objetivo colocar ordem na questão da propriedade rural, acabando com a doação de

terras e estabelecendo normas para a aquisição, legalizando a posse e forçando o registro das

propriedades. O objetivo era evitar o fácil acesso à terra por parte de futuros imigrantes,

garantindo no futuro mão-de-obra livre para os grandes fazendeiros.

Na metade do século XIX a extinção do tráfico de escravos, a Lei de Terras e a

centralização da Guarda Nacional traziam mudanças significativas ao país. A liberação de

capitais antes comprometidos com a importação de escravos deu um novo impulso as

atividades comerciais e financeiras incrementando o setor de especulações e dando

surgimento a bancos, novas empresas e indústrias.

As plantações de café, surgidas nas primeiras décadas do século XIX, expandiram-se

pelo Vale do Paraíba, crescendo e tornando-se um complexo sócio-econômico que tornou o

Centro-Sul o pólo mais dinâmico do país. Portos, transportes, mecanismos de crédito e

empregos foram fomentados pela atividade cafeeira. Do Vale do Paraíba a cafeicultura

expandiu-se para outra região: o Oeste Paulista. Nas duas últimas décadas do Império

enquanto a primeira região declinava a segunda continuava em franca expansão. Como

observa Fausto (1994), as duas regiões representaram duas classes regionais diversas,

enquanto os fazendeiros do Vale do Paraíba aprovavam a monarquia e dela se afastaram com

a gradual abolição da escravatura, os grupos cafeicultores do Oeste Paulista deram origem a

uma nova classe: a burguesia do café.


36

De qualquer modo, as plantações de café eram assentadas basicamente no trabalho

escravo e o alimento principal desta mão-de-obra era a carne seca que vinha do Rio de Janeiro

nas tropas de mulas que carregavam a produção das fazendas para os portos e na volta traziam

ferramentas e mantimentos. Este mercado era a base comercial que sustentava a produção

charqueadora sulina.

1.4 GUERRA DO PARAGUAI E REPÚBLICA

No Segundo Reinado deu-se a Guerra da Tríplice Aliança, ou como é mais

conhecida, a Guerra do Paraguai, que durou mais de cinco anos entre 1864 e 1870. Neste

momento há uma tensão na América Latina destro de um processo onde estavam se formando

os Estados nacionais e se impondo as relações de poder entre eles. Nas primeiras décadas do

século XIX, após diferentes conflitos, surgiram os Estados da Argentina, Uruguai, Paraguai e

Bolívia.

A Tríplice Aliança, formada por argentinos, uruguaios e brasileiros em maio de

1865, tinha nestes últimos sua maior força, perfazendo dois terços do total. A população

masculina que constituiu as tropas brasileiras foram organizadas não somente em tropas

regulares do Exército como por batalhões da Guarda Nacional e homens recrutados à força,

embora integrados nos corpos de Voluntários da Pátria, como eram denominados. Os

senhores que tinham algum poder econômico enviavam cativos para lutar em lugar de seus

filhos. A Guerra do Paraguai só terminará em 1870, deixando a população daquele país na

metade e o Brasil endividado com a Inglaterra.


37

Entre 1870 e 1889 o Segundo Reinado enfrentará uma crise na qual surgirá o

movimento republicano e se encaminhará o fim da escravidão no país. Em 1871 ocorria mais

uma etapa em direção a abolição da escravatura no país. O governo imperial propôs a Lei do

Ventre Livre na qual os nascidos de cativas a partir daquela data seriam considerados livres,

ficando em poder dos senhores de suas mães até a idade de oito anos quando os senhores

poderiam optar por serem indenizados pelo Estado ou utilizar os serviços do menor até este

completar 21 anos. Ao que parece esta lei surtiu muito pouco efeito. A partir de 1880 o

movimento abolicionista começou a tomar força, fazendo com que muitos senhores

libertassem seus escravos com cláusulas de contratos de trabalho por mais 6 ou 4 anos. Em

1885 foi aprovada a Lei dos Sexagenários que dava liberdade aos cativos com mais de 60

anos e estabelecia normas

No sul, por volta de 1870 os charqueadores gaúchos sofrem a concorrência dos

saladeros uruguaios pelo mercado interno brasileiro. Neste momento, no âmbito nacional

acaba a Guerra do Paraguai e a lavoura de café em São Paulo desenvolve-se utilizando mão-

de-obra livre formada por imigrantes. A charqueada sulina, no entanto, entra em crise devido

a falta de mão-de-obra escrava e a concorrência platina. Em 1883, surge na Argentina o

primeiro frigorífico inglês, The River Plate Fresh Meat Company (PESAVENTO, 1992, p.61-

62).

Algumas províncias já em 1884 iniciaram o processo de extinção da escravidão. A

cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, foi um dos locais que, do mesmo modo que a

província do Ceará, extinguiu a escravidão por conta própria em 1884. Na verdade

estabeleciam-se em geral contratos de trabalho obrigatório por alguns anos com os escravos
38

que passavam a ser denominados como “contratados”. A campanha abolicionista ganhou

força sendo que em 1888 foi abolida a escravidão em todo o país.

No decorrer do século XIX a população brasileira havia aumentado de 4.600.000 em

1819 para 9.930.000 em 1872 e 14.333.000, em 1890, segundo os recenseamentos gerais. Em

uma maioria de analfabetos, apenas a elite passava de uma educação rudimentar. Da

faculdade de Direito de São Paulo, criada em 1827, e a de Olinda, no Recife, criada em 1828,

saíam os bacharéis que formariam os quadros políticos do Império (FAUSTO, 1994).

Em 1882 havia sido fundado no Rio Grande do Sul o Partido Republicano Rio-

Grandense movimento fomentado pelos novos profissionais liberais que retornavam de seus

estudos em São Paulo (PESAVENTO, 1992, p.53). Em 1889 é proclamada a República e no

sul os liberais perdem poder para os republicanos positivistas de Júlio de Castilhos. Em nível

nacional o fim do regime monárquico marcará então os últimos anos do século XIX com a

ascensão de novas forças no poder, dentre elas o Exército e a burguesia cafeeira.


CAPÍTULO II - A FORMAÇÃO DO CENTRO CHARQUEADOR PELOTENSE

2.1 A OCUPAÇÃO DAS TERRAS NAS MARGENS DO ARROIO PELOTAS

No final do século XVIII começam a instalar-se estabelecimentos de charquear na

área próxima a atual cidade de Pelotas, na região sul do Rio Grande do Sul (Figura 1).

Ao longo do século XIX será nas margens esquerda e direita do arroio Pelotas, que

se concentrará o maior número de estabelecimentos para a manufatura de carne seca. Cada

margem terá uma ocupação característica, constituindo juntas um aglomerado de propriedades

e construções onde indivíduos de diferentes grupos conviveram em função da atividade

charqueadora.
40

Figura 1 – Mapa da região em que localiza-se a cidade de Pelotas, o arroio Pelotas, canal São Gonçalo
e Lagoa dos Patos – (Pelotas, Rio Grande do Sul – 1:250.000 – Ministério do Exército, Diretoria de
Serviço Geográfico, 1973.

A história da ocupação destas terras iniciará oficialmente com as doações da

sesmaria ou rincão de Pelotas, na margem esquerda, e a da sesmaria do Monte Bonito na

margem direita deste mesmo arroio.

O rincão de Pelotas foi doado em 1758 pelo Conde de Bobadela, Gomes Freire de

Andrade, governador do Rio de Janeiro e capitão geral das capitanias do sul, ao coronel de
41

dragões Tomás Luis Osório que havia se destacado por serviços prestados nas guarnições do

Continente de São Pedro (Figura 2). Este campo era limitado pelo arroio Pelotas, Sangradouro

da Mirim, Lagoa dos Patos, arroio Correntes e águas vertentes da Serra dos Tapes (ao arroio

Andrade) (LOPES NETO, 1994.p.17).

Figura 2 – Cópia parcial da Carta Corográfica de 1777 onde aparecem as terras de Tomás Luiz Osório
na margem esquerda do arroio Pelotas denominado então Rio das Pelotas.

Mais tarde, em 1762, Tomás Luis Osório viria a ser acusado de traição por ter

entregue o forte de Santa Teresa às forças espanholas sem oferecer resistência, vindo a ser

julgado e sentenciado à morte em Lisboa. Sua viúva, Francisca Joaquina Castelo Branco,

vendeu as terras do rincão de Pelotas em 1799 ao capitão-mor Manuel Bento da Rocha. Mais

tarde, com a morte do capitão sua viúva, Isabel Francisca da Silveira, herdou e administrou as

terras da sesmaria de Pelotas e, como o casal não teve filhos, doou parte destas terras em
42

testamento a duas sobrinhas-netas e afilhadas, as irmãs Maria Regina da Fontoura e Isabel

Dorotéia da Fontoura (GUTIERREZ, 1993).

A sesmaria de Pelotas ficou dividida então em cinco estâncias onde viriam a

funcionar sete charqueadas. Estas charqueadas, localizadas na margem esquerda do arroio

Pelotas, constituíram-se nos seguintes estabelecimentos: a mais distante da foz do canal são

Gonçalo era a charqueada da Graça, vinculada a estância de mesmo nome, pertencente ao

Visconde da Graça, João Simões Lopes. O segundo estabelecimento, descendo o arroio

Pelotas, era a charqueada do Moreira, pertencente ao Barão de Butuí, José Antônio Moreira,

proprietário da fazenda da Palma. A seguir vinha a charqueada do Barão de Azevedo

Machado, proprietário da fazenda Galatéia. No lugar denominado Costa, estava estabelecida a

charqueada do Barão do Jarau, proprietário da fazenda do Laranjal. No passo Real os irmãos

José Maria e Manoel Bento da Fontoura, também proprietários de parte da estância do

Laranjal, possuíam um estabelecimento. Próximo a foz do arroio ficava a charqueada de

Antônio José de Oliveira Castro, que viria a ser sogro do Barão de Butuí (Figura 3)

(GUTIERREZ, 1993)
43

Figura 3 - Mapa da ocupação do arroio Pelotas no século XIX - propriedades, estradas e Tablada.
Fonte: Gutierrez, 1993.
44

Portanto, na margem esquerda do arroio Pelotas instalaram-se estabelecimentos de

charqueio vinculados a fazendas e estâncias, sendo que a maioria de seus proprietários viriam

a receber do império brasileiro, ao longo do século XIX, títulos de nobreza.

As terras do outro lado do arroio Pelotas, na sua margem direita, haviam pertencido a

sesmaria do Monte Bonito, constituída pelas terras entre os arroios Santa Bárbara e Pelotas,

limitando-se ao sul pelo canal São Gonçalo e ao norte pela Serra dos Tapes. Em 1779 o

governador do Continente de São Pedro, brigadeiro José Marcelino de Figueiredo havia

concedido estas terras ao tenente de dragões Manuel de Carvalho de Souza. Passado pouco

mais de um ano este vendeu-as ao vigário da freguesia de Viamão Pedro Pires da Silveira que

trespassou os direitos destas terras a um terceiro proprietário, o alferes Inácio Antônio da

Silveira Cazado (LOPES NETO, 1994). Este último era irmão e genro do Sargento-mor

Francisco Pires da Silveira Cazado, esposo de Mariana Eufrásia da Silveira. Mariana era irmã

de Isabel Francisca da Silveira, uma das proprietárias herdeiras da sesmaria de Pelotas e mãe

de Maurícia Inácia, esposa de Inácio Antônio da Silveira Cazado (GUTIERREZ, 1993).

Estava iniciada aqui a complexa trama de casamentos que marcará toda a formação das

propriedades na região ao longo do século XIX.

No entanto, durante a ocupação espanhola em Rio Grande de 1763 a 1776, muitos

fugitivos da Colônia do Sacramento e de Rio Grande vieram a se instalar nestas terras. De

janeiro a fevereiro de 1781, devido a existência destes moradores, foram doadas as terras das

margens do arroio Pelotas e do canal São Gonçalo denominadas de “sobras” da sesmaria do

Monte Bonito. As datas, medidas pelo capitão Antônio Inácio Rodrigues Córdoba,

constituíam-se em faixas de 770 x 4136 m, mais ou menos, e faziam frente ao arroio Pelotas e

fundos as terras de Inácio Antônio da Silveira Cazado. Nestas terras, em meio a diversas
45

vendas e subdivisões, viriam a ser instaladas a maior parte dos estabelecimentos de charqueio

da região no século XIX (GUTIERREZ, 1993).

O local, escolhido para a maior concentração de estabelecimentos de charqueio ao

longo do arroio Pelotas, deveu-se ao fato de que este arroio possuía entre os demais da região,

o maior trecho navegável permitindo, por cerca de 18 km de navegação (LOPES NETO,

1994, p.11), a circulação de barcos que saíam das margens dos estabelecimentos carregando a

carne seca para os demais portos da região, alcançando pela Lagoa dos Patos tanto o porto de

Rio Grande como o Atlântico, bem como entrando na Lagoa Mirim descendo até a zona do

Prata. Pelas vias navegáveis era possível então exportar os produtos das fábricas, como a

carne seca, o sebo, couros, graxa, etc e importar os produtos necessários ao ambiente

doméstico. Comprava-se o sal de Cádiz e escravos, juntamente com louças, panos e todo o

tipo de artigos necessários a vida cotidiana e ao funcionamento das fábricas.

Para a execução das atividades de charqueada era preciso estar próximo a cursos

d’água onde os dejetos do abate pudessem ser escoados. Do mesmo modo, era importante a

proximidade com fontes de abastecimento de gados para o abate. A zona do arroio Pelotas

oferecia estas vantagens, ao estar próxima dos então denominados campos neutrais, acessando

assim o gado vindo da banda Oriental bem como os provenientes das estâncias da fronteira do

Rio Grande.

Em 1825, em meio as “sobras” da sesmaria do Monte Bonito foi escolhida uma área

para Logradouro Público, local onde a partir de então será comercializado o gado proveniente

das estâncias a serem vendidos às charqueadas. Este local será denominado Tablada e,

fazendo fundos aos terrenos das charqueadas, avizinhava-se da área onde em 1812 havia sido
46

estabelecida a Freguesia de Pelotas e que em 1835 seria elevada a condição de cidade. (Figura

3).

2.1.1 Uma charqueada

A fundação da charqueada de José Pinto Martins por volta de 1780, tem sido

apontada como o momento em que se dá o início da ocupação destas terras marginais ao

arroio Pelotas com estabelecimentos de charqueio organizados de forma a produzir em grande

quantidade a carne seca e subprodutos do gado para a venda no comércio. Durante algum

tempo José Pinto Martins foi considerado como sendo natural do Ceará, uma vez que veio de

lá no período de grande seca no final do século XVIII, por volta de 17771. Na verdade José

Pinto Martins2 era português nascido na cidade do Porto e batizado na Freguesia de

Meixemel3. Trouxe para a região de Pelotas seus conhecimentos na fabricação de carne seca,

atividade que já exerceria no norte do país. A prosperidade de seus negócios parece ter atraído

para a região indivíduos interessados também em tentar a sorte com o fabrico da carne seca.

Lopes Neto (1994) imaginou como teria se dado a influência do pioneirismo de José Pinto

Martins na formação do núcleo charqueador com estas palavras

Pinto Martins (...) encontrou apoio nos estancieiros vizinhos, a


quem proporcionava melhor desfrute dos gados; empregava grande número
de pessoas; famílias arranchavam-se em torno do seu estabelecimento;
amiudou o tráfego fluvial, preparou no Rio Grande os seus agentes ou
banqueiros e intermediários; proporcionando carga aos escassos navios,
animando-os a voltar, criando empórios no norte – Rio, Bahia, Pernambuco
– a curiosidade e o interesse mercantil para este extremo do país.
(...). (...); mandaram-se vir escravos para o alargamento das safras;
(...). (p.17)

1
Ver: Xavier, 1971 e Machado, 1947.
2
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
3
REVERBEL (apud MAGALHÃES, 1993) refere-se a freguesia onde nasceu José Pinto Martins como de
“Beixamel”.
47

Se José Pinto Martins foi realmente o pioneiro na instalação de um estabelecimento

de charqueio às margens do arroio Pelotas, com uma produção em larga escala para venda nos

mercados brasileiros que abasteciam-se de charque para alimentar sua escravaria, isto ainda

deve ser comprovado com documentação. Sabemos no entanto que, na “Relação dos

Comerciantes da Capitania de todo o Rio Grande de São Pedro do Sul, a saber Vila de Porto

Alegre, capital de toda a Capitania” publicada em 1808, no “Almanack da Vila de Porto

Alegre” de Manoel Antônio de Magalhães (1980), dentre os comerciantes da vila do Rio

Grande estão os nomes não só de José Pinto Martins como já aparecem o Antônio Francisco

dos Anjos, Cipriano Rodrigues Barcellos, Domingos Rodrigues, Domingos de Castro

Antiqueira, Joaquim José da Cruz Secco, José Rodrigues Barcellos, dentre outros importantes

negociantes das margens do arroio Pelotas e adjacências (FREITAS, 1980). Portanto já no

início do século XIX faziam companhia a José Pinto Martins outros importantes

charqueadores do período. É de notar também que Domingos Rodrigues, negociante e

charqueador, possuía um sobrado nas margens do São Gonçalo próximo ao Passo dos Negros,

cuja construção datava de 17844. Portanto, muito próximo dali onde instalou-se José Pinto

Martins poderiam já também estar funcionando outras fábricas de charque no período. No

entanto estes dados ainda precisam, como já salientamos anteriormente, de embasamento

documental.

Sabemos por meio do inventário e testamento de José Pinto Martins que ele possuía

em 1827 um estabelecimento na costa do arroio Pelotas o qual legou para seus filhos naturais,

bem como tinha em sua casa artigos pessoais que denotam bastante luxo e conforto para o

período5.

4
Almanach de Pelotas, 1914.p.65
5
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
48

Podemos citar o estabelecimento de José Pinto Martins, descrito em seu inventário

em 1827, como um exemplo típico de charqueada na região, com características comuns a

maioria delas. Entre seus bens imóveis foram arrolados as seguintes benfeitorias.

Um terreno em que está situada a charqueada na margem do arroio


Pelotas; a metade de um dito entre o potreiro de Ignácio José Bernardes e
terras de Domingos de Castro Antiqueira; Uma morada de casas de vivenda
à margem do arroio; um armazém construído de tijolo coberto de telha; uma
casa de graxeira da mesma construção; uma casa de tafona da mesma
construção com forno de secar sal; uma senzala feita de tijolo coberta de
telha; uma casa que serve de galpão coberto de capim; um guindaste coberto
de capim com mangueira e curral; uma morada de casas novas de pedra e cal
cobertas de telha forras e assoalhadas, junto a estrada; um pomar de árvores
de espinho e frutíferas; uma mangueira grande de receber as tropas cita no
campo; um varal para 600 reses; uma porção de pedra, 400 estacas de pau.6

Para seu deslocamento e de seus produtos José Pinto Martins possuía “uma carreta

em bom uso com seus pertences, uma dita velha e dois carretões”. Possuía também em

sociedade com Antônio Vianna, o Bergantim Conde da Figueira mais dois escravos

marinheiros “além do carregamento para Pernambuco, venda deste carregamento naquele

porto, um carregamento de sal para Rio Grande, (...)”. Havia sido também sócio do seu

vizinho o Licenciado Ignácio José Bernardes.7

Segundo observou Gutierrez (1999) dentro das faixas de terreno que principiavam

nas margens do arroio Pelotas seguindo até encontrar as terras do logradouro público, a

disposição das diferentes áreas e benfeitorias poderiam ser assim definidas:

As charqueadas do Monte Bonito configuraram uma faixa


comprida e estreita, composta de dois ou mais terrenos, contando o potreiro
e o terreno da matança. Nos potreiros ficavam os animais, à espera do
sacrifício. Na beira d’água, um pouco afastados entre si, ficavam a casa do
senhor e o espaço da produção charqueadora, com sua mangueira de

6
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
7
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
49

matança, cancha, galpões, armazéns, graxeiras, barracas dos couros,


senzalas, varais e porto. Uma horta ou pomar de espinhos e uma olaria na
margem ou nos potreiros complementavam o programa de necessidades dos
estabelecimentos. (1999, p.110)

Estes terrenos em forma de corredor, fracionados pela passagem de estradas,

subdivididos em potreiros, área da produção do charque, casa da família do charqueador e

demais habitações de escravos e agregados, juntamente com olarias, hortas e pomares

constituiriam um complexo interligado pelas estradas e vias fluviais. Completando o

conjunto, havia a cidade de Pelotas nas proximidades e as terras na Serra dos Tapes. Era lá

que os charqueadores mantinham suas plantações, segundo observou Saint-Hilaire. O

naturalista ao percorrer a região no primeiro quartel do século XIX registrou

As terras da paróquia apresentam uma mistura de areia e terra preta


que as tornam próprias a toda a sorte de culturas. Mas, já disse, são muito
divididas e pertencem a xarqueadores que não se dedicam à lavoura,
contentando-se apenas em cultivar um pomar.
Os víveres consumidos na região vêm em grande parte da Serra
dos Tapes, situada a 4 léguas de S. Francisco, onde o solo é fértil,
produzindo fartamente o milho, o feijão e mormente o trigo. (1974, p.69)

No princípio do oitocentos, o governador Sebastião da Silva Xavier iniciou a doação

de terras ao norte na então denominada Serra dos Tapes. Estas datas de matos foram parte

importante no patrimônio dos charqueadores da região, onde abasteciam-se de gêneros

alimentícios provenientes de suas plantações, bem como de madeiras necessárias tanto para as

caldeiras da indústria saladeiril e caso houvesse, para os fornos de suas olarias, assim como

para a construção de benfeitorias e artigos de marcenaria.


50

2.1.2 Marcas no solo: as evidências de uma ocupação

As terras ao longo da margem direita do arroio Pelotas receberam as seguintes

denominações, partindo da boca do arroio, onde este conflui com o canal São Gonçalo, tem-se

o Atoladouro, seguido da área denominada Costa, depois a Boa Vista, mais a cima o Cascalho

e, por fim, nas zonas mais afastadas da boca do arroio, temos a área denominada Cotovelo e

Retiro, onde localizavam-se as charqueadas mais ao norte do canal São Gonçalo (Figura 3).

Nestas zonas estabeleceram-se as principais industrias de charqueio do século XIX

no sul, estas que, mesmo passando de geração para geração ou sofrendo vendas, permutas e

alguns fracionamentos, deixaram evidenciados no solo da região as linhas limítrofes de sua

ocupação. Gutierrez (1993) ao estudar a ocupação espacial desta região, nos oferece um

conjunto de mapeamentos das propriedades que haviam no local no período. Com base em

seus mapas, associados a novos levantamentos nos mapas da Biblioteca Pública Pelotense,

fotografias da região, levantamento na documentação a respeito da conformação das

propriedades (medições, inventários e testamentos), construímos um mapa com a disposição

das propriedades e seus diferentes proprietários. Com este mapa fizemos uma superposição

com fotos aéreas retiradas da região pelo Exército em 1967 o que nos permitiu observar a

continuidade, passados mais de dois séculos do início da ocupação da região por

estabelecimentos charqueadores, das marcas dos limites das propriedades ainda muito visíveis

na estruturação da paisagem atual8. Os terrenos em forma de corredores que iniciam nas

margens do arroio, atravessados pelos caminhos e estradas, terminando nas imediações da

cidade de Pelotas (Anexo A).

8
Este mapa foi montado tendo-se em conta as seguintes fontes: os mapas de registros de terras da Biblioteca
Pública Pelotense, as informações obtidas nos documentos pesquisados (inventários, testamentos e medições)
e os mapas das charqueadas propostos por Gutierrez (1993).
51

2.1.3 Limites

Os limites entre as propriedades eram marcados, principalmente por valos e cercados

vegetais. Os limites naturais como sangas, charcos, lagoas, árvores e capões serviam também

de importante referência.

Nos extratos de medição dos terrenos marginais ao arroio Pelotas, a maioria realizados

por volta de 1827, os limites são demarcados por meio das seguintes descrições: “(...) um

marco ao lado e canto do valo de José Teixeira Pinto Ribeiro ao pé de uma sanga.” “(...) até o

valo de Luciano Domingues.” ou “ (...) dividindo por uma cerca com o Padre Antônio

Pereira.”9 (grifo nosso). Do mesmo modo, na descrição feita em 1865 do terreno pertencente a

Possidônio Mâncio da Cunha, na costa do arroio Pelotas, as delimitações foram assim

indicadas: “Um terreno na chácara do Passo dos Carros, que forma uma ponta aguda que se

divide com terrenos pertencentes a viúva e herdeiros de Manuel Silveira de Souza Amaral, e

com o que fica em frente do outro lado da estrada partindo do Passo dos Carros pela

vertente a encontrar o valo da entrada e por ela segue a encontrar um valo antigo pelo qual

vai dividindo até uma sanga do pé do arranchamento que teve Marcolino da Cruz pelo qual

vai seguindo até encontrar o arroio do Moreira, que serve de divisa até o citado Passo dos

Carros, (Grifo nosso).”10

O naturalista Saint-Hilarie (1974, .68) percorrendo a região em 1820 descreveu a

paisagem dos arredores da casa de seu hospedeiro, o charqueador Antônio José Gonçalves

Chaves, observando então a forma como as propriedades eram delimitadas

9
Registro dos Prédios e Terrenos do Município de Pelotas, L001, Biblioteca Pública Pelotense.
10
Inv.. José Inácio da Cunha. N.600, M.38, E.25/6, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
52

Um grande número de belas casas cobertas de telhas, aparecendo


aqui e ali e tendo cada uma um pomar circundado de valas profundas
guarnecidas de opúncias ou de broméliáceas. Algumas cercas são feitas de
tufos de ervas, outras com crânios de bois, armados de chifres e apertados
uns contra os outros.

As cercas de arame ainda não existiam e os limites entre os estabelecimentos e a

separação dos animais pertencentes a cada proprietário tinha de ser feita com outros tipos de

cercamento natural. Mais tarde as cercas de arame começam a aparecer principalmente nas

propriedades de criação como no caso de Francisco Anibal Antunes Maciel que possuía terras

no departamento de Salto, no Uruguai que já tinham sido fechadas em 1877 “com cerca de

arame e pedra”. No seu inventário também foram descritos “4 rolos de arame para cercar

campo” inovação que já estava começando a ser adquirida pelos criadores e charqueadores

mais abastados.11

Muitas vezes as olarias, graxeiras, taperas e senzalas encontravam-se na

confrontação de diferentes terrenos ou até mesmo sobre a linha divisória destes, como é

possível perceber nos mapas das medições de várias propriedades. O galpão da olaria de

Boaventura Ignácio Barcelos aparece no mapa de 182712 localizado sobre a divisa de seu

terreno e o de Antônio Pereira da Cruz (Figura 4) . Do mesmo modo, no extrato de medição

das terras de Boaventura, Cipriano e Ignácio Rodrigues Barcelos, deste mesmo ano, o piloto

anota que um dos marcos vai até “(...) uma casa de tapera de Bernardino que divide com

terras de Eugênia das Conceição e Luis Pereira da Silva”13 (Figura 5).

11
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
12
Mapa “Arroio de Pelotas. Boaventura Ignácio Barcelos, Extrato de Título de 28 de novembro de 1827”, cópia
do original retirada do Registro dos Prédios e Terrenos do Município de Pelotas, L. 001, BPP.
13
Idem.
53

Figura 4: Mapa de Extrato de Título de Boaventura Ignácio Barcellos. 28 de novembro de 1827.


Arroio Pelotas.
Fonte: Museu da BPP.
54

Figura 5: Mapa de Extrato de Título de Boaventura, Cirpriano e Ignácio Rodrigues Barcellos. 20 de


setembro de 1816. Extrato de medição do exame de 06 de outubro de 1827. Arroio Pelotas.
Fonte: Museu da BPP
55

Nas terras do charqueador Antônio Pereira da Cruz aparece uma casa pertencente a

outro proprietário da região, Manoel Domingues (Figura 5). Possivelmente deveriam ser

benfeitorias como armazéns de depósito ou graxeira uma vez que Manoel Domingues, que era

sogro e vizinho de Domingos de Castro Antiqueira, abastado charqueador da região, tinha

suas próprias terras como é possível observar no mapa do extrato de título de Francisco

Pereira de Souza, realizado entre 6 de novembro de 1820 e 11 de outubro de 1827 (Figura 6).

Figura 6: Extrato de Título de Francisco Pereira de Souza de 6 de novembro de 1820. Medição de 11


de outubro de 1827. Arroio Pelotas.
Fonte: Museu da BPP
56

Portanto parece ter sido recorrente na região que partes de benfeitorias necessárias a

produção dos charqueadores ficassem instaladas próximas ou mesmo dentro de propriedades

de vizinhos, parentes ou compadres.

2.1.4 Atracadouros e embarcações

As propriedades iniciavam às margens do arroio Pelotas, onde localizavam-se a

maioria das casas, senzalas e área de trabalho (varais, galpões, etc...). Por meio de

atracadouros, com seus trapiches e embarcações, tanto a produção é escoada para o mercado,

bem como os charqueadores e suas famílias transitam pelas propriedades. Nos extratos de

medições eles são, por vezes, ponto principal de demarcação: “(...). Se fincou o marco

primordial na costa do arroio Pelotas pouco distante de um pequeno trapiche do [sic]

Ignácio Rodrigues Barcelos ao pé dos varais do mesmo.”14

Quase todas as propriedades possuíam seu porto e atracadouro com trapiches e

telheiros onde aguardavam pessoas e mercadorias. Negros marinheiros15 eram comuns nos

inventários arrolados e havia também os patrões de iate trabalhadores livres responsáveis

pelas embarcações. As famílias movimentavam-se por entre as propriedades através do arroio,

chegando com facilidade aos diversos pontos. Em carta datada de fevereiro de 1836,

Bernardina Barcellos de Almeida, esposa do charqueador Domingos José de Almeida

comenta a cerca de seu parente: “O tio Boaventura, (...), ontem saiu com sua família

embarcado em um [1 v.] iate não sei para onde, (...)”16. Para uma movimentação mais rápida e

14
Registro dos Prédios e Terrenos do Município de Pelotas, L001, Biblioteca Pública Pelotense
15
Gutierrez (1993), encontrou uma média de 4 escravos marinheiros por charqueada sendo que pouco mais da
metade dos estabelecimentos tiveram cativos com este ofício.
16
Anais do AHRGS, IEL, 1978. Vol.2,CV-164.
57

eficaz tanto para pessoas como para mercadorias, principalmente quando se dirigiam para

cidades como Rio Grande, Montevidéu e até mesmo para as terras e propriedades no Uruguai,

comum entre os charqueadores pelotenses, o melhor meio de transporte era o fluvial, via

arroio por entre as lagoas até o rio da Prata.

Os charqueadores possuíam, em sua maioria, seus próprios barcos e flotilhas, com os

quais resolviam seus negócios nas mais diferentes praças, circulando deste as redondezas de

suas propriedades até deslocando-se para o Uruguai, para a cidade de Rio Grande ou para o

norte país, podendo até mesmo dirigir-se para a Europa. O charqueador Domingos de Castro

Antiqueira, que era inventariante e testamenteiro dos bens deixados por José Ignácio

Bernardes, recebeu uma reclamação dos herdeiros na justiça pelo fato de estar saindo em

viagem para a Europa sem deixar substituto para administrar o dinheiro com o qual os

herdeiros estavam vivendo até que a partilha fosse encerrada. Em ofício ao juiz os herdeiros

de José Ignácio Bernardes reclamaram

(...) sabendo com certeza pela voz pública que o testamenteiro (...)
acha-se “(...) pronto a seguir viagem para fora da Província, e segundo
consta para o reino de Portugal, no Brigue de sua propriedade, denominado
Prazeres – e sendo certo que o testamenteiro de uma herança qualquer não
pode deixar o respectivo foro (...).22/06/1840.

No entanto, o charqueador que, como testamenteiro do finado pai dos herdeiros

estava de posse dos escravos da herança, defendeu-se das acusações por intermédio de seu

procurador, com a seguinte interrogativa.

Também não duvida declarar meu constituinte que vai ao Reino de


Portugal, para voltar em poucos meses, no mesmo Bergantim em que esta
prestes a seguir, mas será isto extraordinário? Não acontece freqüentíssimas
58

vezes a negociantes fazerem viagens aos lugares onde seus negócios o


chamam? (...).17

Estas embarcações poderiam ser dos mais diferentes tipos desde canoas e brigues até

lanchões, bergantins, sumacas e iates. Saint-Hilaire ao visitar a região em 1820, sendo

hospedado pelo charqueador Antônio José Gonçalves Chaves, circulou pelas vias fluviais da

região, sendo que em sua partida comentou

Embarquei no iate do Sr. Chaves, com um de seus amigos,


seguindo o mesmo caminho da vinda. (...). As margens dos rios São Gonçalo
e Pelotas são muito chatas, o campo é alegre e coberto de bosquetes e de
pastagens. Chegados a Norte passamos para uma sumaca, também
pertencente ao Sr. Chaves, donde nos transportamos a uma lancha que nos
levou ao Rio Grande” (1974, p.73). (Grifo nosso)

Em 56 documentos de proprietários de charqueadas encontramos arrolados um total

de 58 embarcações (Tabela 1). Smith (1922), ao visitar a região de Pelotas em 1882,

registrou:

Algumas das charqueadas tem trapiches próprios onde carregavam


escunas e barcos. A atividade comercial da praça denota o grande número de
embarcações do porto: contei não menos de cinqüenta e quatro, ao tempo
de nossa passagem, sem levar em conta os vasos miúdos e chatas (1922,
p.136). (Grifo nosso)

Entre os charqueadores 23 não possuíam embarcações próprias nem registraram

algum tipo de sociedade na época em que seus bens foram arrolados. Domingos José de

Almeida associado a Antônio José Gonçalves Chaves, José Vieira Viana e Bernardino José

Marques Canarim, construiu a barca a vapor Liberal em 1832 (Lopes Neto, 1994, p.54). José

Pinto Martins, Emerenciana Maria Teixeira, José Ignácio da Cunha, Antônio José Gonçalves

Chaves e João Maria Chaves também possuíam sociedade com outros negociantes em

17
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
59

embarcações. Portanto, estes números são bastante variáveis conforme a época em que foram

inventariados, devido ao alto grau de trocas, vendas e sociedades contraídas e desfeitas no

período. No entanto podemos com esta amostra ter uma idéia da quantidade de embarcações

que haviam em relação ao número de estabelecimentos e do grande número de barcos que

circulavam pelas imediações do arroio Pelotas no período.

Tabela 1
Número de embarcações por proprietário.

Inventário Charqueadores Número de barcos


ano
1810 Joana Maria Bernardina 2
1818 Domingos Rodrigues 1
1820 José G. S. Calheca 1
1824 Cecília R. Barcellos 2
1825 Damázio Vergara 1
1826 Eugênia F. da Conceição 0
1827 José Pinto Martins ½*
1828 Thereza. Angelina de Sá 3
1831 José Martins Coelho 3
1835 Antônio Pereira da Cruz 0
1836 Domingos José de Almeida 1e½*
1838 Ignácio José Bernardes 0
1844 Isabel Dorothéa da Fontoura 2
1846 Boaventura I. Barcellos 1
1847 Emerenciana Maria Teixeira ½*
1848 Francisca Alex. de Castro 3
1850 Manoel Soares da Silva 0
1850 José Rodrigues Barcellos 0
1851 Joaquim J. Assumpção 5
1852 Domingos de C. Antiqueira 4
1853 João Simões Lopes 2
1854 João Guerino Vinhas 3
1854 Carolina da J. da Câmara 0
1855 Joaquim Antônio Chaves 1
1856 Albana R. Barcellos 0
1856 Boaventura R. Barcellos 0
1857 Euphrásia Gonçalves Lopes 2
1857 Bernardino R. Barcellos 0
1861 Manoel Rodrigues Barcellos 0
1862 Mathilde da Silva Vinhas 2
60

1863 Inácio R. Barcellos 0


1864 Cipriano R. Barcellos 0
1865 José Ignácio da Cunha 1e½ *
1865 Joaquim Guilherme da Costa 2
1867 João Vinhas 1
1867 Leonídia Moreira 4
1870 Silvana C. Belchior 1
1871 Carlota B. Teixeira 2
1871 Antônio J. G. Chaves ½+½*
1872 Maria Luíza Chaves 1
1873 José Rodrigues da Silva Candiota 0
1873 Eulália R. Barcellos 0
1873 Luis Teixeira Barcellos 0
1873 Manuel Jacintho Lopes 0
1875 Anibal Antunes Maciel 2
1877 Francisco A. Antunes Maciel 0
1877 Semiana L. Barcellos 0
1879 Silvana E. Barcellos 0
1881 Domingos Soares Barboza 1
1883 Joaquim Antônio Barcellos 0
1884 Antônio José da Silva Maia 1
1884 Eleuthério R. Barcellos 0
1885 Jacintho Antônio Lopes 2
1887 João Maria Chaves 1e½ *
1890 Boaventura T. Barcellos 0
1898 Barão do Jarau 0
* Em sociedade com outro proprietário (50%).

2.1.5 Estradas e passos

Ao longo do século XIX, com a instalação dos estabelecimentos de charqueadas na

região, formou-se uma intrincada rede de estradas, caminhos e passos que interligavam as

propriedades e o núcleo urbano e permitiam a circulação de homens, gados e carroças com

pessoas e artigos produzidos nos estabelecimentos.

As estradas internas, por sua vez, geralmente levam a alguma charqueada, seguindo

em direção aos passos no arroio, áreas de maior facilidade de ultrapassar para a outra margem,
61

por onde atravessavam pessoas e o gado. No extrato de medição dos terrenos de Domingos

José de Almeida podemos observar as estradas de Cima e de Baixo que vindo da cidade de

Pelotas cortavam as diversas propriedades seguindo as margens do arroio (Figura 7). Neste

mesmo mapa podemos ver o Passo Real nas propriedades de Domingos José de Almeida que

havia vendido para Antônio José de Oliveira Castro, charqueador nas terras em frente as suas

do outro lado do arroio, um outro passo denominado Passo do Castro. No inventário de sua

mulher Francisca Alexandrina, este terreno foi assim descrito: “(...) terreno sito à direita do

arroio Pelotas em frente ao estabelecimento da charqueada por onde passam os gados que nela

se matam, comprado a Domingos José de Almeida – 300#000”.18.

18
Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano 1848. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas
62

Figura 7: Extrato de medição dos terrenos de Domingos José de Almeida. Arroio Pelotas.
Fonte: Museu da BPP
63

Os passos mais importantes na parte navegável do arroio Pelotas, eram o do Moreira

que localizava-se na propriedade de José Antônio Moreira, o barão de Butuí, e fazia divisa

com Boaventura Rodrigues Barcelos. Neste local havia um pequeno galpão19. O passo do

Assunção, localizado na Costa, ficava em frente a charqueada de Antônio José Gonçalves

Chaves, do outro lado do arroio. Este passo pertencia a família de Joaquim José Assunção, e

era parte da estrada Nova. No local havia um rancho de paredes de tijolos e coberto de telhas

que servia de cocheira20.

Bem mais acima do arroio, o passo do Retiro pertencia a charqueada da Graça e

servia às tropas que se dirigiam para aquele saladeiro assim como o passo do Fontoura ou

passo de Pelotas, na charqueada de Manoel e José Maria Bento da Fontoura, ponto estreito do

arroio por onde atravessavam as pelotas (GUTIERREZ, 1993, p.77).

O passo Novo passava pelas terras de Antônio José Oliveira de Castro e de

Alexandre Ignácio Pires em direção ao arroio Pelotas, no Capão do Retiro (Figura 8).

19
Inventário de Leonídia G. Moreira, Baronesa e Barão de Butuí. Pelotas No 647, M. 41, E. 25, 1o Cartório de
Órfãoes e Provedoria, 1867/1877.
20
Inv. Maria Augusta Fontoura. N. 514, M. 22, E. 12, 1845. Rio Grande.
64

Figura 8: Arroios Pelotas. Alexandre Ignácio Pires. Capão do Retiro e Passo Novo.
Fonte: Museu da BPP Fonte: Museu da BPP

As estradas que ligavam as propriedades as demais regiões e a vila de Pelotas eram

de difícil travessia ficando muitas vezes a cargo de seus moradores sua manutenção. Em carta

enviada para a Câmara de Pelotas, Domingos José de Almeida retrata o modo como ficavam

estas durante os invernos chuvosos:


65

A estrada que comunica as charqueadas e moradores à direita do


Pelotas com o logradouro público, serra dos Tapes e Campanha, tornando-se
intransitável no inverno, convém que com urgência seja composta, e para
isso proponho que, no entanto que se acha enxuta pelo efeito da rigorosa
seca que atravessamos, esta Câmara, de preferência a outros benefícios que
tem a prestar ao município, a mande compor. Sala das Comissões, 9 de
janeiro de 1857.21

Pelos caminhos circulavam além de indivíduos à cavalo também diversos tipos de

carros e carretas. Nos primeiros 20 anos do século XIX encontramos na maioria das

charqueadas carretas e carretões22. Thereza Angélica de Sá, casada com o desembargador

Joaquim José da Cruz Secco possuía carros mais sofisticados, como “1 sege com preparos, 1

carroça, 1 carretinha e seus pertences e uma carretinha para a família”.23

Nos anos 30 deste século, o comendador José Martins Coelho tinha entre seus bens

“uma carretinha de ir a missa" uma vez que já havia na vila de Pelotas a igreja Matriz para a

missa dos domingos e dias santos24.

O custo destes transportes poderia variar de 12#000 a 16#000 réis um carretão ou

uma carreta, chegando um carrinho a custar 250#000 réis e uma sege, mais sofisticada,

alcançando o valor de 350#000 réis, no período (Figura 9).25

21
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 6, 1983. CV – 3211.
22
Inv. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas; Inv. José
Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
23
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
24
Inv. José Martins Coelho. A.150, N.11, E.6, Ano 1831. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
25
Inv. Cecília Rodrigues Barcellos. A.83, M.7, E.6, Ano 1824. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
66

Figura 9: Sege e negros boleeiros. (Desenho de Guillobel).


Fonte: Silva, M.B.N. da, 1993

Entre os anos 50 e 60 do século XIX, os charqueadores que nesta época estavam

vivendo um período de alta em seus negócios (CORSETTI, 1993), começam a adquirir carros

mais bem equipados. O Visconde de Jaguari possuía “um coche com arreios completos para 1

parelha”26 enquanto Joaquim Antônio Chaves tinha em seu estabelecimento uma pequena

frota constituída de “3 carretas de bois usadas; 3 carrocinhas de dito; 1 dita de mula; 30 carros

de serviço da charqueada” e um “carrinho descoberto”.27 Neste período uma “carretinha para

a família” poderia custar 150#000 réis enquanto que uma carreta grande chegava a custar

240#000 réis28. Nas propriedades de Boaventura Ignácio Barcellos havia para uso de sua

família uma “carretinha nova”, uma que era coberta e outra chapeada além de mais 3 carretas

para o serviço da charqueada.29 Boaventura Rodrigues Barcellos, em 1856 já possuía entre

26
Inv. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
27
Inv. Joaquim Antônio Chaves. N.1, M.1, E.28, ano 1855. 2 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
28
Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
29
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
67

seus bens uma carruagem e uma traquitana, veículos mais sofisticados e que ofereciam maior

conforto ao viajante.30

No entanto, será a partir dos anos 70 que o carros de luxo serão recorrentes nos

inventários dos charqueadores pelotenses. Eulália Barboza de Azevedo Barcellos e Miguel

Rodrigues Barcellos tinham para os passeios de sua família “um coupé”, “um caleche”, “um

victoria” e seus “competentes selins e arreamentos”.31 A família de João Maria Chaves, por

sua vez, possuía uma caleça para seus passeios.32 A esposa de Francisco Anibal Antunes

Maciel poderia utilizar em seus passeios sua “carroça alemã” bem como sair em seu cavalo

utilizando seu luxuoso aparato constituído de “2 selins para montaria de senhora e 1 sela

bordada de prata”.33

Dreys, que esteve na Província durante o movimento Farroupilha, faz um retrato da

movimentação de charqueadores na cidade de Pelotas no período descrevendo assim

(...); eles quiseram que o lugar prosperasse, e o lugar prosperou;


cada um deles tem ali sua casa urbana; e quando, nos domingos e dias
santos, a população das charqueadas ajunta-se na cidade para assistir ao
serviço divino (...) é difícil fazer-se idéia do ar de vida e de opulência que
respira então a cidade de Pelotas. (...): a par do carro popular, tosca
testemunha da antiga indústria local, anda o ligeiro carrinho de construção
européia, como também entre os cavalos arreados de prata, luxo especial
dos homens do país, aparecem ginetes ricamente ajaezados com selins
bordados por mãos inglesas e montados por senhoras que não cedem em
elegância e boas maneiras às mais graciosas parisienses. (Grifo nosso)
(1990, p.81-82).

O Conde D’Eu, por sua vez, esteve no Rio Grande do Sul anos depois durante a

Guerra do Paraguai, passando pela cidade de Pelotas observou as carruagens com surpresa

30
Inv. Boaventura Rodrigues Barcellos. N.409, M.28, E.6, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
31
Inv. Eulália Barbosa de Azevedo Barcellos. 2 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.1873.
32
Inv. João Maria Chaves. N. 1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
33
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
68

uma vez que ainda eram pouco comuns na Província: “(...) ruas largas e bem alinhadas, as

carruagens que as percorrem (fenômeno único na Província), (...)” (D’Eu, 1981, p.134).

Os charqueadores chamavam a atenção dos viajantes estrangeiros que passavam pela

região também pelos luxuosos arreios de prata que, tanto homens como mulheres, ostentavam

em seus cavalos. A indústria dos arreios chamou a atenção do Conde D’Eu que chegou a

comparar as ruas do Comércio e de São Miguel na cidade de Pelotas, centro de confecção

destes arreios, com as famosas ruas de ourives de Lisboa e Gênova (D’Eu, 1981, p.135).O

artista Jean Baptiste Debret que retratou em seus desenhos diversos aspectos da vida cotidiana

do Brasil na primeira metade do século XIX, desenhou uma prancha intitulada “Viajantes da

Província de Rio Grande”, começando o texto descritivo referente a ela com essas palavras:

“Mostro aqui o hábito do charqueadeiro percorrendo sempre a galope os imensos campos que

habita” (Debret, 1978, p.332). O artista registrou então a rica indumentária em prata tanto de

homens como mulheres que transitavam pelos caminhos no sul (Idem).(Figura 10).
69

Figura 10: Viajantes da Província do Rio Grande – Rica indumentária dos charqueadores do Rio
Grande do Sul (Gravura de Debret, J.B., 1978, p.332).

As estradas da região do Pelotas, cortando as propriedades em dois ou três

segmentos, são povoadas de casas em suas margens. Podemos observar no mapa de extrato de

título e medição dos terrenos de José Pereira da Silva Brites (Figura 11) as diferentes

habitações demarcadas em formato retangular tanto às margens do arroio quanto na das

estradas de Cima e de Baixo que cortavam os terrenos das propriedades.


70

Figura 11: Mapa da medição e extrato de título das terras de José Pereira da Silva Brites. Arroio
Pelotas. 1827.
Fonte: Museu da BPP.

As casas dos proprietários dificilmente localizavam-se fora do âmbito das margens do

arroio ou da beira dos caminhos. Estavam sempre situadas de forma a obter uma melhor

forma de deslocamento e de acesso tanto à cidade quanto às outras propriedades.


71

2.1.6 Escravos e Senzalas

As fábricas de charque funcionavam basicamente com o trabalho da mão escrava.

Havia um grande número de homens cativos trabalhando no período em que estas

funcionavam de novembro a maio. Nos períodos de entresafra estes mesmos escravos eram

ocupados nas atividades de manutenção das diversas estruturas do complexo charqueador

além de trabalharem nas roças, hortas e pomares tanto no terreno da charqueada quanto nas

terras na Serra dos Tapes, caso o proprietário as tivesse. Aos escravos cabia também o

trabalho no serviço das olarias, tanto do charqueador quanto alugados a outros proprietários

bem como eram postos nas atividades de construção na cidade, etc. De qualquer modo, a

maior concentração de escravos nas terras às margens do arroio Pelotas dava-se nos períodos

da safra, quando o tempo quente facilitava o abate do gado (que já havia engordado passado o

inverno) e as mantas salgadas poderiam ser expostas ao sol para secarem.

O número de escravos nos estabelecimentos ao longo das margens do arroio Pelotas

e adjacências já foi sugerido por diversos autores entre eles Corsetti (1983, p. 140) que

considerou, após analisar 30 inventários de charqueadores, uma média de 64 cativos por

charqueada. Gutierrez (1993, p. 224), por sua vez, observou que as unidades compostas de

estância, charqueada e olaria teriam entre 30 a 150 escravos enquanto que nas fábricas de

charquear da margem direita haveria uma média de 54 escravos (Idem, p.229). Magalhães

(1993, p.33) considerou que as charqueadas ocupariam uma média de 80 escravos.

Analisamos 52 inventários de charqueadores proprietários de escravos na região do arroio

Pelotas e adjacências (Tabela 2) e encontramos um total de 2.511 escravos. Em média

teríamos durante todo o período 48,2 escravos por charqueada. Na verdade, aqui algumas
72

questões devem ser consideradas. O momento em que foi feito o inventariamento do

proprietário não necessariamente condiz com o momento em que sua charqueada estava em

uma situação estável. Muitos charqueadores utilizaram escravos alugados ou tiveram

sociedade tanto nos escravos como nas benfeitorias, bem como muitos destes proprietários

hipotecaram suas terras, venderam ou compraram escravos conforme a época ou período de

safra e entresafra. Do mesmo modo, charqueadas que tinham muitos escravos ao morrer um

dos proprietários, estes acabavam por serem divididos entre o sobrevivente e os filhos

herdeiros e em inventário posterior do outro cabeça de casal o número de escravos poderia

então ser muito reduzido mormente a charqueada, enquanto empresa também estar dividida

entre vários proprietários. Ocorreram também muitas oscilações nos negócios devido a

conjuntura política do século XIX. Baseando-se nos dados do conjunto de inventários

pesquisados, os momentos de maior concentração de charqueadas ativas e escravos foi no

período que vai dos anos 40 até o final dos anos 60 do século XIX. Isto condiz com o fato de

que, como observou Corsetti (1983, p.143) entre os anos de 1847 a 1851 o Rio Grande do Sul

foi importador de escravos sendo que a partir de 1852 a situação se inverteria. Neste momento

a Província passa então a exportar mão-de-obra em maiores proporções, sendo que entre 1859

e 1863 ela torna a importar maior número de cativos até 1868, quando ocorreu o maior

volume de charque exportado em toda a segunda metade do século XIX (Idem, p.144).

No entanto, podemos observar que, calculando-se por décadas, o período com menor

número de escravos por charqueada seria os anos 70 com 29, 5 enquanto o com maior

população escrava foi o período por volta dos anos 40 com 82, 25 escravos por charqueada.

Devemos considerar também a amostra bastante variável por período, conforme a quantidade

de documentos encontrados. Apenas 5 inventariados tiveram uma quantidade de escravos de

uma centena ou mais, sendo que os proprietários com o maior número de cativos foram
73

Francisca Alexandrina de Castro, em 1848, com 177 escravos juntamente com a Baronesa de

Butuí, Leonídia Gonçalves Moreira, em 1867, com 150 escravos, ambas proprietárias da

margem esquerda do arroio Pelotas. José Ignácio da Cunha, que possuía 109 escravos em

1865, era também estancieiro do mesmo modo que Anibal Antunes Maciel que tinha 104

escravos em 1875 época em que foi inventariado. Os proprietários da margem direita no

entanto, excluindo-se Cecília Rodrigues Barcellos e seu marido o Comendador Boaventura

Rodrigues Barcellos que chegaram a ter 126 cativos em 1824, a maioria possuía um número

em torno de 40 a 50 cativos.

Tabela 2
Ano do inventário, charqueador e número de escravos

Ano Charqueador Número de escravos


1810 Joana Maria Bernardina 55
1818 Domingos Rodrigues 51
1820 José G. Silveira Calheca 38
1824 Cecília Rodrigues Barcellos 126
1825 Damázio Vergara 21
1826 Eugênia Ferreira da Conceição 21
1827 José Pinto Martins 34
1828 Thereza A. Sá e Joaquim J. Cruz Secco 81
1831 José Martins Coelho 42
1835 Antônio Pereira da Cruz 40
1835 Domingos José de Almeida 84
1838 Ignácio José Bernardes 58
1844 Isabel Dorothéa da Fontoura 71
1846 Boaventura Ignácio Barcellos 26
1847 Emerenciana Maria Teixeira 55
1848 Francisca Alexandrina de Castro 177
1850 José Rodrigues Barcellos 80
1850 Manoel Soares da Silva 8
1851 Joaquim José de Assumpção 66
1852 Domingos de Castro Antiqueira 37
1853 João Simões Lopes 82
1854 Carolina da Câmara Barcellos 4
1854 João Guerino Vinhas 72
1855 Joaquim Antônio Chaves 50
1856 Boaventura Rodrigues Barcellos 85
1856 Albana dos Santos Barcellos 16
1857 Bernardino Rodrigues Barcellos 11
74

1857 Euphrásia Gonçalves Lopes 61


1861 Manoel Rodrigues Barcellos 1
1862 Mathilde da Silva Vinhas 44
1863 Inácio Rrodrigues Barcellos 29
1864 Cipriano Rodrigues Barcellos 6
1865 Joaquim Guilherme da Costa 76
1865 José Ignácio da Cunha 109
1867 João Vinhas 61
1867 Leonídida Gonçalves Moreira 150
1870 Silvana C. Belchior 33
1871 Carlota B. Teixeira 21
1872 Antônio J. G. Chaves 27
1872 Maria Luíza Chaves 53
1873 Eulália B. de Azevedo Barcellos 14
1873 Luis Teixeira Barcellos 21
1873 José Rodrigues da Silva Candiota 7
1875 Anibal Antunes Maciel 104
1877 Simiana de Lima Barcellos 4
1877 Francisco Anibal Antunes Maciel 32
1879 Silvana Azevedo Barcellos 9
1881 Domingos Soares Barboza 52
1883 Marcolina Chaves Barcellos 1
1884 Eleuthério Rodrigues Barcellos 9
1884 Antônio José da Silva Maia 60
1885 Jacintho Antônio Lopes 36
Fonte: Inventários do APERGS

Os terrenos das propriedades da margem direita eram constituídos em forma de

corredores ficando os cativos ali existentes bastante próximos uns dos outros. Estes cativos

ficavam alojados em galpões ou senzalas que foram arroladas entre as benfeitorias dos

proprietários de diversas maneiras. A senzala dos cativos de Ignácio Rodrigues Barcellos

ficava muito próxima da área onde trabalhavam os de seu vizinho Antônio José Gonçalves

Chaves. Em seu inventário esta foi arrolada como sendo “1 senzala coberta de capim junto a

graxeira do Sr. Chaves” e avaliada em 100#000 réis.34

Em muitas charqueadas a senzala fazia parte do conjunto de casas e galpões que

constituíam as benfeitorias destinadas a produção. No inventário de Thereza Angélica de Sá

esposa de Joaquim José da Cruz Secco a área produtiva foi assim descrita “uma fábrica de
75

charqueada na margem do rio Pelotas estabelecida no terreno desde aquele valo até a frente da

horta e do rio até as lombas contendo galpão, armazém, tafona, guindaste, senzalas dos

escravos e o mais a ela concorrentes, graxeira com 4 caldeiras” (grifo nosso).35 Na

charqueada de Albana dos Santos Barcellos havia “1 galpão que compreende em si a senzala,

um armazém, cocheira, estrebaria e diversos quartos”36 ficando assim os cativos alojados em

uma única estrutura junto à produção e aos demais funcionários do estabelecimento,

provavelmente homens livres como os peões, instalados em quartos no mesmo conjunto.

O local onde ficavam alojados os cativos poderia ser também uma estrutura

independente do conjunto de benfeitorias voltadas para a produção e da moradia principal.

Boaventura Ignácio Barcellos possuía em suas terras “1 galpão coberto de telha que serve de

moradia para os escravos” que foi avaliado em 1:500#000 réis.37 Assim como Semiana de

Lima Barcellos tinha em sua charqueada “uma casa coberta de telha para moradia dos

escravos”.38 Na charqueada de Ignácio José Bernardes havia “1 senzala de pretos coberta de

capim”39 do mesmo modo que na de José Pinto Martins havia “uma senzala feita de tijolo

coberta de telha”.40

As senzalas poderiam também constituir-se como parte do conjunto de benfeitorias

que formavam a moradia principal como aparece no inventário de Joana Maria Bernardina do

princípio do século que foi assim arrolada “uma morada de casas de vivenda nas ditas terras

34
Inv. Ignácio R. Barcellos. N.554, M.36, E.25, Ano 1863. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
35
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
36
Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406, M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
37
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas Inv. Boaventura
Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
38
Inv. Semiana de Lima Barcellos. N.1835, M.88, E.6, Ano 1876. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
39
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
40
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
76

assim construídas de pau à pique e esteios de madeira forrada e assoalhada coberta de telha

com 64 palmos de frente com cozinha e senzalas.41

O material construtivo utilizado nas senzalas tanto poderiam ser tijolos e telhas bem

como com paredes de taipa e telhado de capim. Antônio Pereira da Cruz em 1835 alojava seus

cativos em um “galpão de palha com cem palmos de frente e vinte de largura. A senzala dos

escravos que vem a ser um destes ranchos de palha”42 enquanto que os cativos de José Pinto

Martins, como foi visto acima, ficavam em uma senzala de tijolos e telhas em 1827. Neste

sentido havia uma grande variedade de formas de asenzalar os cativos podendo ser em

estruturas independentes próximas a área de produção, ligadas a esta ou junto a morada do

proprietário. Os materiais utilizados nestas estruturas também variavam muito podendo elas

valerem mais de 1 conto de réis como no caso da citada cima em terras de Boaventura Ignácio

Barcellos, 500#000 réis, como a senzala nas terras de Emerenciana Maria Teixeira43 ou até

mesmo chegando a valer somente 150#000 réis no caso da senzala de Luis Teixeira Barcellos

que já estava “velha”.44

Nos inventários de charqueadores proprietários analisados encontramos em apenas

três referências a objetos utilizados para o controle dos cativos. Em 1826, dentre os bens de

Eugênia Ferreira da Conceição havia “1 par de grilhões” e “1 gancho de ferro para pescoço

dos escravos”.45 Em 1827, dentre os utensílios da charqueada de José Pinto Martins havia “1

corrente de ferro e 1 tronco de pau”.46 Do mesmo modo no inventário de Antônio dos Santos

41
Inv. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas.
42
Inv. Antônio Pereira da Cruz. N.204, M.14, E.06, Ano 1835. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
43
Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
44
Inv. Luis Teixeira Barcellos. N.777, M.46, E.06, Ano 1873. 1 cart. Orf. Prov. Pelotas.
45
Inv. Eugênia Ferreira da Conceição. N.100, M.09, E.25/06, Ano 1826. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
46
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
77

Coimbra, de 1828, foram arrolados “uns grilhões”.47 Todos os três documentos são do mesmo

período sendo que nenhuma outra referência a grilhões e objetos voltados a coerção e tortura

dos escravos foi encontrado ao longo de todo o período. No entanto, ao que parece estes

escravos eram os mais castigados da Província devido ao trabalho pesado e a severidade de

seus donos. Segundo o conhecido relato de Dreys (1990, p.129) a cerca do controle exercido

sobre os negros nas charqueadas, estas quando “bem administradas” eram no seu entender

“um estabelecimento penitenciário”. Embora Dreys (Idem) tenha achado muito boa a situação

dos negros no Rio Grande do Sul, Saint-Hilaire (1974, p.73) observou que ao contrário do que

ocorria nas estâncias, “Nas charqueadas os negros são tratados com rudeza.(...); os escravos

parecem tremer diante de seus donos”.

O motivo dos objetos utilizados para o controle e castigo dos cativos nas charqueadas

não serem arrolados nos inventários durante todo o período subseqüente não parece dever-se a

sua pouca importância visto que panelas de ferro, tachos de cobre, enxadas, foices e todo o

tipo de material era arrolado mesmo que fosse qualificado como sendo “velho”,

“imprestável”, “arruinado”, “furado” ou mesmo “sem valor”, como muitas vezes aparecem

qualificados nos documentos. A justificativa para não estarem presentes nos inventários

parece ter a ver com sua possível inclusão no conjunto de objetos relativos a uma charqueada

muitas vezes assim descritas como “uma charqueada, com graxeira, galpões (...) e demais

utensílios”. Dificilmente estes artigos não existiriam nos estabelecimentos das margens do

Pelotas no século XIX. Poderíamos pensar então que talvez houvesse um certo descaso

quanto ao arrolamento detalhado deste tipo de objeto, incluídos então como parte de um

conjunto de utensílios utilizados na produção.

47
Inv. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
78

O mesmo ocorreria com as senzalas que aparecem arroladas em menos da metade

dos documentos pesquisados, mesmo os referentes a charqueadores com 50 ou mais cativos.

Certamente alojamentos para estes cativos teriam de existir nestas propriedades.

Possivelmente estes estariam incluídos nas estruturas descritas no plural como os “galpões”,

“conjunto de moradas” ou “demais benfeitorias”.

Considerando-se o fato de que os escravos constituíam-se na parte principal no

montante das fortunas dos charqueadores (CORSETTI, 1983), fica evidente que seu controle,

no intuito de evitar fugas e de retirar o máximo proveito de seu trabalho, era fundamental.

Portanto, estes objetos e estruturas estavam lá embora sempre incluídos sub-repticiamente no

conjunto dos bens necessários ao funcionamento das fábricas, talvez porque houvesse um

certo “pudor” em apresentá-los claramente arrolados entre o conjunto dos bens, em revelá-los

como também parte do cotidiano destes estabelecimentos e da vida privada de seus

proprietários. Paradoxalmente arrolava-se os homens cativos e omitia-se os detalhes de seu

cativeiro: senzala e grilhões.

Mesmo Dreys, que considerou que as condições do escravo no Rio Grande do Sul

não eram tão ruins quanto fazia crer a opinião pública da época, ao fazer um relato do

trabalho destes nas charqueadas sulinas deixa-nos perceber nas entrelinhas de seu discurso o

encarceramento e os castigos sofridos pelos homens escravizados nestes estabelecimentos:

Na estação da matança, isto é, de novembro até maio, o trabalho


das charqueadas principia ordinariamente à meia-noite, mas acaba ao meio-
dia, e tão pouco cansados ficam os negros, que não é raridade vê-los
consagrar a seus batuques as horas de repouso que decorrem desde o fim do
dia até o instante da noite em que a voz do capataz se faz ouvir.
Os negros trabalhadores dos estabelecimentos industriais do Rio
Grande recebem abundância de mantimentos; estão bem vestidos conforme a
exigência da estação, bem tratados nas suas doenças; e é isso justamente o
que quer o negro; em compensação, o senhor não lhe pede senão um serviço
79

usual e bom comportamento; e quando se desviam dessas obrigações, vem o


castigo, que é também uma das precisões do negro; porém, quando a pena é
merecida e aplicada judiciosamente, é raro que o criminoso se revolte contra
ela. (DREYS, 1990, p.128)

O viajante romantiza a imagem do cativo submisso e do senhor benevolente embora

deixe claro que neste “estabelecimento penitenciário” como denominou uma charqueada

“bem administrada”, os escravos após serem chamados ao trabalho pela “voz do capataz”

quando não cumpriam a contento suas tarefas o castigo era certo.

2.1.7 Aldeias: A Visão Dos Viajantes

Dentro de cada faixa de terreno às margens do arroio Pelotas havia um complexo

constituído por olarias, currais, taperas, trapiches, atracadouros, varais, graxeiras, potreiros,

senzalas, capelas, cemitérios e casas de proprietários e agregados. Os viajantes Dreys (1990) e

Luccock (1975), que percorreram a região no primeiro quartel do século XIX, observando

este conjunto de diferentes estruturas e grupos sociais que formavam o complexo

charqueador, compararam estes agrupamentos a verdadeiras “aldeias”. Neste sentido Dreys

registrou:

A pouca distância da cidade, e rodeando-a como um centro, estão


as charqueadas do Rio Grande, prolongando-se, pela maior parte, ao longo
da costa do Rio Pelotas, (...). (...) formando cada uma delas um círculo de
população especial, tão vasto às vezes e encerrando um número tal de
brancos, de agregados e de negros de serviço, que parece, à primeira vista,
uma verdadeira aldeia com suas ruas e sua capelinha, cujo campanário
domina em certas charqueadas as diversas moradas dos habitantes.(Idem,
p.83)

Luccock, por sua vez, ao percorrer a área das charqueadas, observou:


80

Uma grande extensão de terra é ali designada pelo nome de


Charqueadas, sendo famosa pela sua produção luxuriante e pelo seu gado
numeroso e nédio. Vêem-se casas disseminadas por ali, muitas delas
espaçosas e algumas com certas pretensões ao luxo; existem capelas anexas
a muitas delas e em volta de uma encontra-se tamanho número de habitações
menores que o conjunto bem merece o nome de aldeia.” (1975, p.142)

Não nos é possível dizer com exatidão a quantidade de charqueadas que existiram

nas imediações do arroio Pelotas ao longo século XIX, tendo em vista que muitas iam sendo

criadas enquanto outras eram vendidas, arrendadas ou fechadas. Em determinados períodos

como entre 1835 e 1845, com a Revolução Farroupilha, muitas fábricas ficaram paradas.

Conforme salientou Flores (1990, p.63) neste período “mais de ¾ da população de Pelotas

abandonou o município por causa das constantes tomadas e retomadas, tanto dos farrapos

quanto dos legalistas. Os republicanos nada realizaram para melhorar a industrialização da

carne prejudicada pelo abandono dos estabelecimentos”. Saint-Hilaire (1974, p.74) contou, no

período em que esteve na região, 18 estabelecimentos de charqueio. O charqueador Antônio

José Gonçalves Chaves registra para o ano de 1822, 22 fábricas de carnes secas nas

circunvizinhanças da cidade de Pelotas (CHAVES, 1978, p.179). Smith (1922, p.138) já no

final do século, em 1882, ao referir-se aos negócios realizados entre charqueadores e

estancieiros na Tablada, onde o gado era comprado e enviado para a matança, considerou que

“a concorrência é muito forte entre os vinte ou trinta charqueadores; em geral as boiadas

inteiras estão vendidas pouco tempo depois de chegadas.”


81

2.1.8 Capela e Oratórios: fragmentos da vida religiosa

As capelas observadas pelos dois viajantes Dreys (1990) e Luccock (1975), citadas

anteriormente, apareciam como o centro congregador das múltiplas estruturas que

compunham o conjunto charqueador.

Nas casas de proprietários da margem esquerda, dentro de grandes terras onde havia

um complexo envolvendo estância e charqueada, estes senhores, na maioria possuidores de

títulos de nobreza, tinham suas próprias capelas anexas. Na estância da Graça, que pertenceu a

José Simões Lopes, Visconde da Graça, existe até os dias atuais uma capela, embora a

estrutura atual deva ter sido construída já neste século (Figura 12). Do mesmo modo, na sede

da estância do Laranjal, ou Nossa Senhora dos Prazeres, pertencente a Maria Regina da

Fontoura, havia uma antiga capela onde foi celebrado em 1815 o casamento do comendador

João Simões Lopes com Isabel Dorotéia Carneiro da Fontoura (MOURA, 1998, p.34).
82

Figura 12: Casarão da estância da Graça local da antiga charqueada, com sua capelinha anexa, à direta
na foto
Fonte: Foto da autora - 08/12/2000.

Na margem direita do arroio, no entanto, não encontramos nos documentos

pesquisados descrição de capelas dentre as propriedades dos charqueadores. Todavia, o

segundo filho do importante charqueador e líder farroupilha Domingos José de Almeida,

nascido em 1826, foi batizado, segundo Neves (1987), em 1827, no oratório na casa de

moradia de José Pinto Martins, junto a sua charqueada na margem direita do arroio Pelotas.

Entre os bens de José Pinto Martins arrolados em seu inventário havia um oratório juntamente

com “ornamentos para celebrar missa e seus pertences”.48 Portanto, na casa do provável

precursor das charqueadas pelotenses, havia todos os paramentos necessários para que um

padre lá fosse rezar missa e realizar os sacramentos.

48
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
83

Entre os bens arrolados no inventário do charqueador José Gonçalves da Silveira

Calheca, proprietário de um estabelecimento na margem esquerda do São Gonçalo, havia

além de seu oratório “3 toalhas de altar” e “1 ferro de fazer hóstias”,49 da mesma forma na

casa do Comendador José Martins Coelho, nas margens do São Gonçalo, havia “uma imagem

de Cristo para oratório de missa, uma dita imagem de N. Sra. dos Navegantes, uma dita de S.

José”, “uns ornamentos usados e seus pertences” e “uma pedra de orar”.50 Thereza Angélica

de Sá esposa do desembargador Joaquim José da Cruz Secco, proprietário da margem direita

do arroio Pelotas, deixou entre seus bens “1 arca com todos os paramentos de missa”.51

Algranti (apud Mello e Souza, 1997, p.103) comparou a transformação das capelas

que existiam nas residências no campo junto aos alpendres fronteiriços ou em edifícios

separados, sendo substituídas por oratórios colocados em nichos nas paredes ou portáteis, com

a passagem das cozinhas de fora para o interior das residências ao longo do período colonial.

Segundo esta autora, estas transformações refletem as modificações na sociedade brasileira

em direção a uma maior privacidade nas relações sociais dentro e fora dos domicílios (idem).

Maria do Carmo Barcellos Chaves, filha de Joaquim Antônio Chaves e Maria Luíza

Barcellos Chaves, foi batizada no oratório particular de seu avô o Comendador Boaventura

Rodrigues Barcellos, na margem direita do arroio Pelotas, e teve como padrinhos seus avós

maternos, o Comendador e sua mulher D. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos.52 Portanto,

além de suas funções religiosas, as capelas e oratórios particulares serviam também como

centro congregador da sociedade, onde ocorriam importantes eventos como batismos,

casamentos, etc.

49
Inv. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
50
Inv. José Martins Coelho. A.150, N.11, E.6, Ano 1831. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
51
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
52
Inv. Joaquim Antônio Chaves. N.1, M.1, E.28, ano 1855. 2° Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
84

O motivo de nenhuma capela ou estrutura voltada para assuntos religiosos terem sido

arroladas nos inventários nos parece dever-se ao fato de que caso houvessem, estas não seriam

arroladas como uma benfeitoria que possuísse valor isolado do conjunto da morada,

constituindo-se parte desta, como um anexo ou peça onde o oratório estivesse instalado no

interior da residência principal.

Os oratórios eram pequenas caixas em geral em madeira onde dentro se reproduzia a

“estrutura dos altares das igrejas barrocas, tendo em seu centro a cena da crucificação com a

Virgem das Dores, São João e Maria Madalena ao pé da cruz, ladeados dos santos da

predileção do proprietário da casa” (MOTT,1997, p.167). Embora bastante comuns no

período, os oratórios aparecem somente em menos da metade dos inventários pesquisados.

Esta baixa incidência deste importante objeto nos ambientes domésticos do Brasil dos séculos

XVIII e XIX (Idem) parece explicar-se, em alguns casos, devido ao seu custo que poderia

chegar a mais de 200#000 réis fazendo com que este não fosse um artigo acessível aos menos

abastados. Outro motivo poderia ser de que os oratórios fossem tidos como bens pessoais e

não fizessem parte dos objetos a serem arrolados nas partilhas. Na divisão dos bens de

Cipriano Joaquim Rodrigues Barcellos seus herdeiros reclamaram em juízo o fato de que sua

madrasta não teria incluído nos bens inventariados de seu finado pai, entre outros objetos, um

oratório ao que ela lhes respondeu que este havia lhe sido “doado a ela por sua mãe”.53 Os

oratórios poderiam ser bastante luxuosos, constituídos de madeira de jacarandá trabalhada

com várias imagens de santos e de Cristo crucificado com pinturas de imagens (Figura 13).

53
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos. N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
85

Figura 13: Oratórios.


Fonte: Novais, A. e Souza, L. de M. p.171

Além dos oratórios haviam também os nichos, pequenas concavidades nas paredes

onde se colocavam as imagens e demais paramentos. O Visconde de Jaguary possuía em sua

charqueada além de “um oratório de Jacarandá com a imagem de Jesus Cristo e outras de

diversos santos”, um “nicho com a imagem de N. Sra. das Dores”.54 Da mesma forma José

Gonçalves da Silveira Calheca possuía além de seu oratório de jacarandá com 4 imagens de

Sto. Cristo, S. José, Sto. Antônio e N. Sra. das Dores, um “nicho com N. Sra. da Agonia”.55

54
Inv. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
55
Inv. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Pelotas.
86

Complementando os adereços religiosos dos lares dos charqueadores muitas vezes

foram arrolados quadros com imagens de santos.56 Entre os santos preferidos dos

inventariados estavam N. Sra. da Conceição, N. Sra. dos Navegantes, Sta. Bárbara, São

Jerônimo, São Domingos, Santo Antônio, S. José, N. Sra. das Dores e N. Sra. da Agonia. Para

Freyre (apud MATTOSO,1992, p.394) os grandes santos nacionais tornaram-se aqueles a

quem o povo atribuía principalmente características de intervir nas questões amorosas, de

fecundidade e proteção da maternidade como Santo Antônio, São Gonçalo do Amarante, N.

Senhora da Conceição e N. Sra. do Bom Parto, entre outros”. A Santa Bárbara era atribuída a

proteção contra tempestades violentas, a São José o cuidado com as crianças enquanto que N.

Sra. da Agonia era invocada na hora da morte (MATTOSO, 1992, p.394). Os mais devotos

incluíam em seus últimos pedidos que fossem rezadas missas para seus santos, como foi o

caso de Pedro Teixeira, viúvo morador nas margens do arroio Pelotas, que “achando-se

gravemente enfermo” em outubro de 1807 pediu para que o padre Antônio Pereira, que vivia

também na costa do Pelotas, fizesse seu testamento, onde solicitou a seu primeiro

testamenteiro, o charqueador Antônio Pereira da Cruz, que lhe mandasse rezar missas por sua

alma , pela de seus pais e pela de sua defunta mulher incluindo também missas “(...) ao anjo

da sua guarda 5, ao santo do seu nome Pedro apóstolo, 5, e a São Vicente Ferreiro, 5, e a

Senhora da Boa Morte, 2, a Senhora da Guia, 2, a Senhora da Luz, 2, (...)”.57

Desde 1812, quando foi nomeado o primeiro vigário, o padre Felício Joaquim da

Costa Pereira, para a Freguesia de S. Francisco de Paula, futura cidade de Pelotas, que havia

sido desmembrada da de São Pedro do Rio Grande, os proprietários e maiorais da região

reuniram-se para discutir onde seria construída a igreja. Por fim, independente da decisão da

56
Inv. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos. N.916, M.53, E.06, Ano 1879. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv.
Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
57
Contas de Test. Genoveva Maria da Conceição. N.1939, M.91, E.26, Ano 1847. 1°Cart. Órfãos e Provedoria.
Pelotas.
87

maioria, o então capitão-mor Antônio Francisco dos Anjos e o vigário começaram a dar

andamento a construção da primeira igrejinha da localidade nas terras do primeiro. Em 1813

“o reverendo vigário junto com José Gonçalves da Silveira Calheca” foram até Mostardas no

iate Argelino, de propriedade de Calheca para buscarem a imagem do santo padroeiro

(PIMENTA apud LOPES, 1994, p.22). Domingos de Castro Antiqueira, futuro Barão e

Visconde de Jaguary foi o principal financiador da construção da igreja. Os proprietários

abastados e suas mulheres participavam ativamente nas decisões concernentes aos assuntos

religiosos na nova freguesia, decidindo o local da igreja, patrocinando as obras, realizando

procissões com o santo padroeiro. Pimenta (apud LOPES NETO, 1994, p.22) relata o

momento em que, em 1813, a imagem do padroeiro foi levada da casa do vigário para a

igrejinha descrevendo

(...)em solene procissão, em andor, e quase todos os maiorais da


terra acompanharam; e o falecido Visconde de Jaguari muitas vezes me
contou que carregou o santo em todo o trânsito, como também o falecido
guarda-roupa Boaventura Rodrigues Barcellos.

Em 1847 quando decidiu-se pela construção de uma nova igreja maior, foi oferecido

para a Irmandade do Santíssimo Sacramento e Padroeiro S. Francisco de Paula da Cidade de

Pelotas o parecer de engenheiros em um ofício dos charqueadores “doutor Antônio José

Gonçalves Chaves e doutor Vicente José da Maia, deputados provinciais” (PIMENTA apud

LOPES, 1994, p.24). A participação dos donos dos estabelecimentos de charqueio na gerência

dos assuntos religiosos da freguesia e depois cidade de Pelotas se fez presente também

quando, das terras do charqueador Antônio Pereira da Cruz, seus parentes e agregados,

“Manoel Antônio Pereira (Manuel dos Cavalos) e sua senhora dona Francisca Fagundes de

Oliveira [irmã da esposa de Antônio Pereira da Cruz] fizeram em 1845 e 1846 à irmandade” a

doação de “objetos que tinham em seu oratório da Costa [do arroio Pelotas], do qual foi
88

capelão frei Marcelino, (...)” (PIMENTA apud LOPES NETO, 1994). Estas alfaias foram

incorporadas ao patrimônio da nova igreja pelo valor de 400#000 réis (LOPES NETO, 1994,

p.29).

2.1.8.1 Padres

Os padres que exerciam as atividades religiosas nestas propriedades muitas vezes

viviam como agregados da casa ligados por laços de amizade ou parentesco a seu benfeitor.

Em novembro de 1847 o Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos, charqueador na costa

do Pelotas, declarou ao Juiz de Órfãos que “havendo falecido em sua casa no dia três do

corrente mês o Padre Joaquim José Tavares” necessitava portanto dar abertura a seu

inventário. O padre possuía, entre outros bens moedas de ouro, onças espanholas e letras na

cidade do Porto, totalizando sua herança em 13:299# 605 réis, que foi enviada pelo

comendador para seus irmãos que viviam em Portugal na Freguesia de São Miguel de

Junqueira.58

Na costa do arroio vivia também o padre Antônio Pereira, português da Vila de

Valde Nogueira, Termo e Bispado de Bragança e batizado na freguesia de N. Sra.

Assumpção. Quando este redigiu seu testamento pediu que o charqueador Antônio Pereira da

Cruz, a quem intitulou de “(...) meu amigo de tantos anos (...)” fosse seu testamenteiro. Entre

os bens do padre Antônio Pereira incluía-se uma chácara na margem do arroio Pelotas, uma

morada de casas coberta de telhas e assoalhadas, uma cozinha, dois quartos de casa no mesmo

lugar, um arvoredo na chácara, 4 escravos, móveis, roupas, melado, açúcar, aguardente e

tabaco e seis livros latinos. O padre devia ao testamenteiro 1 conto e 784 mil réis além de

58
Inv. Joaquim José Tavares. N.274, M.19, E.25, Ano 1847. 1 Cart. Órf. Prov. Pelotas.
89

outras dívidas com charqueadores da região entre eles devia ao Barão de Jaguary, a Joaquim

José de Assumpção bem como uma dívida com a esposa do testamenteiro Genoveva Maria da

Conceição.59

A viúva Eugênia Maria da Conceição, por sua vez, proprietária de uma charqueada

na costa do arroio Pelotas, arrendava parte de suas terras a outro padre chamado José

Rodrigues de Assumpção. Em seu testamento a viúva descreveu seus bens incluindo as terras

no arroio Pelotas em que vivia o clérigo dizendo que estas eram litigadas “porque o padre não

quer sair dela”. Para não deixar dúvidas aos herdeiros fez questão de mais adiante no mesmo

testamento esclarecer “Declaro que o padre José Rodrigues de Assumpção me deve parte dos

arrendamentos da charqueada que lhe arrendei pois que desde o princípio do nosso litígio

nada me tem pago e do que recebi passei recibo. Declaro mais que o mesmo padre José

Rodrigues me deve 400 alqueires de sal a conta deles recebi por uma vez 50 e mais algum que

constar dos assentos desta casa.” Deste valor seu genro Cypriano Rodrigues Barcellos lhe

havia adiantado uma parte da dívida do clérigo. Portanto, os padres não somente viviam de

agregados em terras e casas de charqueadores locais como também tinham seu próprio

negócio, dos quais acabavam por assumir dívidas com outros proprietários. Havia então na

costa do arroio Pelotas, padres não somente exercendo atividades religiosas na comunidade

como também atuando como charqueadores e negociantes.

2.1.8.2 Irmandades e Ordens

Assim como possuir oratórios e capelas em suas terras nas margens do arroio Pelotas

e São Gonçalo, favorecia o agregamento e os encontros sociais entre os charqueadores, estar

59
Inv. e Test. Antônio Pereira. N.147, M.11, E.6, Ano 1831. 1 Cart. Órf. Prov. Pelotas.
90

vinculado aos assuntos religiosos da freguesia, vila e cidade de Pelotas também servia como

demonstração de força como grupo que detinha o poder econômico local e que organizava a

vida social e religiosa da região. As doações monetárias e materiais bem como manter-se à

frente da administração dos assuntos religiosos garantia um grande prestígio no período.

A participação em associações religiosas, constituídas pelas irmandades no século

XIX, era uma importante forma de estabelecer e manter laços sociais, não sendo privilégio

apenas das classes mais abastadas. O principal objetivo de uma irmandade era reunir fiéis

devotos de um santo escolhido como padroeiro, ou pessoas que poderiam estar ligadas por

devoção, ofício, cor da pele ou estatuto social (MATTOSO, 1992, p.397). Havia um conjunto

de regras que determinava seus objetivos, formas de admissão de seus membros, deveres e

obrigações (Idem). Uma irmandade poderia ser fundada para angariar fundos para a

construção de uma igreja bem como, no caso das irmandades de escravos, ajudar na obtenção

das suas alforrias (Ibidem). Poderiam ser voltadas para a realização de obras de caridade ou

servindo como fornecedoras de empréstimos (Idem).

Além das Irmandades haviam também as Ordens religiosas associações que exigiam

que seus membros pagassem um valor referente ao direito de entrada, as chamadas “jóias”, e

também contribuições mensais (MATTOSO, 1992, p.398). Além de seus objetivos espirituais

as Ordens ajudavam com pensões e auxílios pecuniários aos doentes e na realização dos

funerais (Idem). Estas Ordens e Irmandades, serviam para suprir as necessidades da

comunidade realizando assistencialismos diversos.

Os charqueadores das margens do arroio Pelotas e adjacências estiveram ligados

entre outras Irmandades a do Santíssimo Sacramento e Padroeiro São Francisco de Paula que
91

teve como seu primeiro provedor Antônio Francisco dos Anjos entre inúmeros proprietários

locais que exerceram ao longo do século XIX funções na sua administração (PIMENTA apud

LOPES, 1994, p.59). Nos testamentos dos charqueadores, bem como de outros moradores da

região, recorrer a sua irmandade era praxe em praticamente todos. O agregado em terras de

José Teixeira, Antônio Ferreira Fontes, pediu para que no seu enterro seu corpo fosse “(...)

acompanhado pelas suas irmandades, (...).”60 Manuel Silveira de Ávila, por sua vez, era irmão

da Ordem Terceira de São Francisco para a qual legou 40#000 réis de jóia solicitando que seu

enterro fosse realizado “sem pompa” e seu corpo “(...) acompanhado pelos irmãos da Terceira

Ordem de São Francisco, quero que vá no esquife da mesma ordem.”.61 Do mesmo modo o

português nascido na cidade do Porto, José Domingues das Neves, deixou em seu testamento

em 1844, 50 patacões de prata para a Ordem Terceira de São Francisco de Pelotas embora

fosse com o ônus de lhe “acompanhar no esquife da mesma ordem e dar-me sepultura na sua

igreja”.62 Silvana Eulália de Azevedo Barcellos, viúva do charqueador Boaventura Rodrigues

Barcellos, deixou de legado em seu testamento em 1878 para suas Irmandades um total de

800#000 réis distribuídos entre a Irmandade de N. Sra. Luz, a de São Miguel e Almas e da

Boa Morte a de Assumpção e para a Ordem Terceira do Carmo de Rio Grande deixando a

cada uma 200#000 réis.63

2.1.8.3 Testamentos e a preparação da morte

60
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas
61
(Test. Manuel Silveira de Ávila. N.1700, M.86, E.6, Ano 1862. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
62
Test. José Domingues das Neves. A.228, M.16, E.25, Ano 1844. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
63
Test. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos. N.1863, M.88, E.06, Ano 1878. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
92

Conforme as determinações legais portuguesas, ao morrer um dos cônjuges, a metade

dos bens ficava para o sobrevivente e a outra deveria ser dividida em três partes, duas ficavam

para os herdeiros e com a outra, a terça, o falecido poderia dispor em testamento suas últimas

vontades (FARIA, 1998). No caso de não haver testamento (sucessão ab intestado) as três

partem iriam para os herdeiros (Idem). Segundo Faria (1998, p.257), “na ausência de filhos

(legítimos, legitimados, naturais ou adotivos), a ordem de sucessão era: descendentes (netos),

ascendentes, cônjuges, colaterais até o décimo grau e o Estado”.

O Visconde de Jaguary, Domingos de Castro Antiqueira, foi o testamenteiro que

mais fez disposições sobre sua morte, redigindo um longo discurso voltado, entre outras

coisas, para seus santos protetores, para os quais dirigia suas palavras

Primeiramente encomendo minha alma a Santíssima Trindade que


o creio e rogo ao seu [sic] filho queira recebe-la na sua eterna glória e pessoa
Nossa Senhora há de me valer e socorrer na hora da morte, que por mim
queira interceder e rogar ao anjo da minha guarda e ao santo do meu nome
com todos os santos da corte do céu e os quais pretendo viver e morrer na
santa fé católica como fiel cristão que sou.64

Para seu enterro o Visconde determinou que seu corpo fosse

(...) envolto no hábito do seráfico padre São Francisco com a minha


dignidade e a permitir acompanhado pelas minhas Irmandades com todos os
sacerdotes que se acharem no lugar onde for sepultado, tudo a mais de meu
enterro deixo à determinação de meu testamenteiro que evitará todo o
fausto.65

Os testadores mais abastados, buscando a salvação de suas almas procuravam

mostrar seu desprendimento dos bens materiais e das aparências mundanas pedindo

invariavelmente a seus testamenteiros que seu enterro fosse feito “sem pompa”, “com

64
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
93

decência”, “decente mas sem ostentação”, “sem fausto nem grandeza” ou “o mais simples

possível”. No entanto, apesar destes pedidos logo se deixava entrever o desejo do moribundo

de que seu enterro fosse mais um momento onde ele demonstraria publicamente suas

qualidades de bom cristão, como no caso do charqueador Domingos Soares Barboza que

solicitou que seu enterro fosse

(...) inteiramente pobre e o meu corpo será conduzido para o


cemitério no mais humilde carro da Caridade dando-se a esmola de 100#000
para minha condução. O meu corpo não deve ser sepultado em catacumba
de qualquer natureza mas ser sepultado no chão sem algum outro distintivo
além de uma cruz de madeira como verdadeiro sinal de cristão. (...).66

O Barão de Butuí, José Antônio Moreira, titulado pelo Império por suas atividades

benemerentes, face ao luxo apresentados nos velórios e enterramentos de abastados como ele

no período, para demonstrar seu desprendimento do fausto em que vivia e reforçar sua

imagem de benfeitor advertiu seu testamenteiro

Recomendo aos meus testamenteiros que o meu enterro seja o mais


simples possível dispensando galões de ouro, armações de casa, música e
mais aparatos que significam pompa, cuja despesa acho melhor aplicada aos
pobres e à casa de caridade, sendo que se possa dizer missa de corpo
presente, esta deverá ser rezada e sem aparato devendo assim dar-se por
concluídas todas as cerimônias do meu falecimento, e se por ventura houver
de dizer missa de sétimo dia será da mesma maneira rezada e sem a menor
ostentação.67

As doações e pedidos às suas Irmandades e Ordens também eram uma das principais

preocupações dos testamenteiros. Domingos Rodrigues, capitão natural do Reino de Galiza e

batizado na Freguesia de Santa Cristina do Bispado de Tuy, pediu.

65
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
66
Contas de Test. Domingos Soares Barboza. N.2140, M.99, E.06, Ano1880. 1Cart. Prov. Pelotas.
67
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
94

Quando Deus for servido achar-me deste mundo o quero que meu
corpo seja envolto em um hábito de N. Sra. do Carmo de cuja Ordem
Terceira sou irmão e que seja sepultado na catacumba da mesma Ordem
nesta vila (...) fará celebrar pela minha alma as missas que lhe parecer até o
sétimo dia no qual se me fará na igreja da dita Ordem um ofício de 9 lições
com missa cantada (...).

Não esqueceu o testador de pedir em suas missas, além das encomendadas para seus

familiares, que “se digam 300 pelas almas de meus benfeitores que me deram princípio para o

meu negócio, 300 pelas do purgatório, 300 pelas de todas as pessoas com quem tenho tido

contas em que possa ter havido algum engano involuntário.” Havia, portanto, no intuito de

garantir a salvação da alma, que se estar de bem com a consciência. Para tanto, muitos

negociantes do período, como observou Faria (1998), pediam que se realizasse missas pelas

almas das pessoas com quem tinham feito negócios e que porventura tivessem prejudicado

“involuntariamente”. O charqueador José Pinto Martins, que havia enriquecido com seus

negócios de charqueada, pediu em testamento que rezassem “mais 200 missas pelas almas das

pessoas com quem ele testador tem tratado negócios” pagando de esmola 2 patacas para cada

missa.68 Do mesmo modo, o Capitão Domingos Rodrigues, abastado charqueador, solicitou

que fossem rezadas 300 missas a “todas as pessoas com quem tenho tido contas em que possa

ter havido algum engano involuntário”.69

O charqueador e cirurgião Inácio José Bernardes, por sua vez, pediu “40 [missas]

pela alma dos enfermos a quem ele na qualidade de cirurgião assistiu.”70 A atividade de

médico, denominado “cirurgião”, atendendo as diferentes doenças com o pouco aparato e

conhecimento do período também levava o moribundo a temer por sua alma após não ter

podido evitar durante sua vida, mesmo que “involuntariamente”, a morte de muitas pessoas.

Saint-Hilaire (1975, p.120) impressionou-se com a precariedade da medicina local, baseada

68
Test. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
69
Test. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
95

ainda em receitas medievais portuguesas. O naturalista estando na residência de um médico

em Rio Grande, em 1809, relatou:

(...) de uma feita os instrumentos que usava caíram sob meus olhos.
Estava na maior das desordens e absolutamente impróprios para a mais
vulgar das intervenções. Tomando de uma serra enferrujada, perguntei-lhe se
se atreveria a amputar um membro com semelhante instrumento. ‘Por que
não?’ replicou ‘é a melhor que possuo e ninguém mais aqui é capaz de
realizar tal operação’.

Não somente as técnicas e instrumentos para cirurgia bem como toda a medicina

exercida na região pareceu ao viajante arcaica, considerando enfim que “não somente a

ciência médica, como qualquer outra ciência, é ali planta exótica” (SAINT-HILAIRE, 1975,

p.121).

Os testadores determinavam o número de missas que seriam rezadas após sua morte

podendo variar de 5 a 2000 missas, celebradas em várias igrejas e locais diferentes até mesmo

no Rio de Janeiro ou outras localidades distantes onde tinham negócios ou parentes. Os

padres eram remunerados pelas missas encomendadas e em geral era determinado nos

testamentos que fosse pago por elas “a esmola de costume” ou “pelos seus preços correntes”,

ou seja, o valor estabelecido na época. No entanto alguns testadores indicaram o valor a ser

pago por suas missas variando de 2#000 a 4#000 réis ou também de 1 a 2 patacas. Aos pobres

ou menos afortunados restava solicitar um número reduzido de missas. O agregado Antônio

Ferreira Fontes pediu que fossem rezadas por sua alma “missa de corpo presente mais 28,

assim como 20 pela alma de seu pai e sua mãe e 6 pela alma do padre José Telles”.71 Joanna

Maria Bernardina, primeira esposa do futuro Visconde de Jaguari, por outro lado, pediu em

seu testamento

70
Test. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
71
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
96

(...)mandará meu testamenteiro celebrar mais pela minha alma


2000 missas na cidade do Rio de Janeiro. De esmola uma pataca cada missa,
e assim mandará também dizer 50 missas pelas almas de minha obrigação e
200 pelas almas do purgatório também no Rio de Janeiro e de esmola
sobredita pataca cada uma.72 (Grifo nosso).

A morte era um momento preparado com cuidado e detalhado nos testamentos dos

mais abastados que tinham bens suficientes para que pudessem usufruir de sua terça

largamente. Os menos afortunados muitas vezes deixavam as questões funerárias a cargo de

seus testamenteiros como fez Joaquim José de Souza Sant’anna, solicitando que seu enterro

fosse feito “à vontade de minha mulher”.73 ou Antônio Gonçalves de Jesus que deixou seus

atos fúnebres à vontade “de meu testador”.74

Os gastos com a morte poderiam chegar a representar valores significativos para os

menos abastados, no entanto aos mais afortunados que se destacavam na comunidade havia

que preparar um enterro digno de sua pessoa. O defunto acabava por ser enterrado com roupas

por vezes mais finas que as que havia usado em vida. No preparativos fúnebres do

Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos foram gastos 110#760 réis no funeral, 124#64

réis em missas e 56#320réis com a encomendação além de 168#990 nas roupas do defunto

para o qual foram comprados sapatos envernizados, meias de seda e cetim para seu caixão.75

Além das missas, enterro e dádivas para suas irmandades, eram dadas esmolas para

pessoas pobres fazendo com isso que aumentasse número de indivíduos no cortejo ao defunto

e, por conseguinte, o prestígio do deste (REIS, 1997).

72
Test. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas.
73
Test. Joaquim José de Souza Sant’anna. N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
74
Test. Antônio Gonçalves de Jesus. A.2010, M.87, E.4, Ano 1864. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Rio Grande.
75
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
97

2.1.8.4 Os movimentos da Província

Embora o desejo de preparar-se para ter uma “boa morte”, como denominou Faria

(1998), garantido sua ascensão ao reino dos céus, a instabilidade na primeira metade do

século XIX na Província, com os conflitos como a Guerra da Cisplatina e a Revolução

Farroupilha, levava aos testadores registrarem seu temor de vir a morrer em solo estranho,

longe de casa e de suas irmandades.

Joanna Maria Bernardina escreveu seu testamento na primeira década do século XIX,

período em que recém fixavam-se os diferentes grupos na região, tendo muitos vindo da

Colônia do Sacramento fazia poucos anos, transitando entre Rio Grande e as demais

localidades vizinhas como Estreito, São José do Norte e Povo Novo. Casada com Domingos

de Castro Antiqueira, Joana Maria Bernardina era natural do Estreito filha de Manoel

Domingues e Marianna Bernarda que haviam vindo da Colônia do Sacramento. Estando

“gravemente enferma” ela solicitou em seu testamento que seu corpo fosse levado a sepultura

com os acompanhamentos “(...) segundo o permitir o lugar em que eu falecer (...)” . Do

mesmo modo o Capitão Domingos Rodrigues, natural da Galiza, temia morrer em local

estrangeiro solicitando que “(...)quando eu falecer em lugar donde me não possam vir enterrar

aqui, se fará o dito ofício onde eu for sepultado (...)”.76

As disputas pela posse da Banda Oriental na Guerra da Cisplatina havia gerado

vários problemas aos indivíduos que viviam nas áreas fronteiriças como foi o caso dos

herdeiros de Antônio dos Santos Coimbra que havia recebido de herança pelo falecimento de

seu filho Pedro dos Santos uma casa coberta de telhas, a qual não puderam incluí-la em seu

76
Test. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
98

inventário uma vez que esta se achava “depenada pelos inimigos espanhóis na presente guerra

que partiu metade sul dessa povoação.77

O período em que desenrolou-se a Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845, gerou

uma instabilidade muito grande que refletiu-se na vida cotidiana dos moradores da região do

arroio Pelotas, sendo que alguns charqueadores importantes, haviam se envolvido diretamente

nas questões da revolta.

Em 1838, os herdeiros do charqueador Ignácio José Bernardes, informaram ao juiz

que foram dados a inventário os bens de seu pai que haviam na cidade de Pelotas, onde era

domiciliado, porém “(...) como não se possa continuar na avaliação dos referidos em Pelotas,

por se achar aquele lugar muito ocupado por forças dos rebeldes(...). Quando as circunstâncias

o permitirem, nestes termos, querendo os suplentes, como filhos e herdeiros, que V. Sra.

mande subir a sua conclusão os respectivos autos (...). 13/11/1838.”78 Do mesmo modo, em

agosto de 1839, quando Francisca Alexandrina de Castro, vivendo na cidade de Rio Grande,

redigiu seu testamento esta fez questão de salientar que era “(..) natural da cidade de Pelotas,

em cujo distrito morava até ao tempo em que por motivo das alterações da Província vim com

a minha família para esta cidade onde atualmente resido (...)”. Havia uma grande insegurança

quanto ao local onde se estaria estabelecido no momento de sua morte, portanto a

testamenteira pediu que “No caso que eu faleça nesta cidade determino que meu corpo seja

sepultado numa das catacumbas do cemitério da capela de N. Sra. do Carmo de cuja confraria

sou irmã (...)” embora tenha considerado a possibilidade de não estar naquela localidade

77
Inv. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
78
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1(Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
99

declarando que “Se eu falecer fora desta cidade e seu termo o que assim disponha a cerca da

irmandade da caridade se entenderá da do lugar em que me finar.”79

Antônio José de Oliveira Castro, por sua vez, não havia conseguido concluir as

contas de testamento de cujo inventário era testamenteiro devido as alterações na Província

que o impediam de entregar um legado. Justificou-se ao juiz de órfãos, em agosto de 1843,

explicando que “(...) não se tendo realizado a entrega do legado de 200 mil réis deixado à

menina Francisca, filha de Francisco Vieira da Costa, em razão de se achar residindo em lugar

ocupado pelos rebeldes” e solicitando então que “se procedesse o depósito da mesma quantia

(...)”.80

Mesmo após o término do conflito os desdobramentos das alterações causadas por

ele na vida cotidiana das pessoas aparecerá em mais de um documento. O inventário de

Emerenciana Maria Teixeira foi realizado anos após a sua morte, apesar da lei que dava 30

dias para sua abertura, fazendo com que o viúvo Ignácio Rodrigues Barcellos se justificasse

perante o juiz, declarando que “(...) os bens imóveis e semoventes, que por causa dos

movimentos políticos da Província permaneceram em seu poder desde o falecimento de sua

esposa (...)”.81Do mesmo modo, no arrolamento dos bens de Carolina Josephina da Câmara

seu inventariante justificou ao juiz que além dos bens móveis declarados “(...)existiam alguns

outros que foram distribuídos e roubados durante a revolução que teve lugar nesta

Província.”82

79
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Rio
Grande.
80
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Rio
Grande.
81
Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
82
Inv. Carolina J. da Câmara. N.373, M.26, E.06, Ano 1854. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
100

Portanto, a primeira metade do século XIX foi marcada por grande instabilidade

política na região o que refletia-se na vida dos habitantes da Província, fazendo com que

houvesse uma grande insegurança tanto em relação ao local onde se viria a morrer como a

realização das práticas legais em relação ao inventariamento e o cumprimento de cláusulas

testamentárias. Apesar de terem ocorridos outros conflitos como a Guerra do Paraguai, na

segunda metade do século XIX, este período foi marcado por uma maior estabilidade,

refletida na ausência deste tipo de preocupação com local de enterramento e de dificuldades

com acesso as propriedades nos inventariamentos. Neste sentido, na cidade já havia sido

concluída a igreja Matriz e os cemitérios fora das dependências da Igreja, a fixação e

crescimento da cidade de Pelotas permitia também uma maior organização e sistematização

dos atos fúnebres dos moradores locais.

2.1.9 Cemitérios

Na freguesia de Pelotas o primeiro local onde foram realizados enterramentos foi na

rua Santa Cruz, depois transferidos, a partir de 1820, para dentro dos muros da igreja. Em

1825 foi criado o cemitério da rua do Passeio que perdurou até 1852 quando foi criado o

cemitério da Santa Casa (GUTIERREZ, 1999).

Embora tenham sido delimitados os cemitérios desde o início do século XIX,

juntamente com a fundação da cidade, estes eram voltados mais para os pobres que não

tinham como custear seu enterro. Os enterramentos dentro da igreja, eram, provavelmente,

locais para sepultamento de pessoas com prestígio na comunidade. O enterro dos escravos das

classes mais abastadas ficava a cargo dos seus senhores que eram responsáveis pelo seu

custeio.
101

As informações são controversas quando referem-se a presença de cemitérios dentro

das charqueadas nas margens do arroio Pelotas. Gutierrez (1999) diz que, embora proibidos os

enterramentos fora da âmbito dos cemitérios da cidade de Pelotas, em 1856, Domingos José

de Almeida teve permissão do governo da província de estabelecer um cemitério na costa do

arroio Pelotas, uma vez que o cólera havia atingido um grande número de escravos na zona

charqueadora. No entanto, em um comunicado de Domingos José de Almeida de 1856, ele

relata que

Aparecendo a epidemia reinante neste distrito por estragos rapidíssimos, os


Srs. das vítimas as mandam sepultar nos antigos cemitérios do falecido
Antônio Pereira da Cruz à direita do Pelotas, e no de Fontoura à esquerda
do mesmo. Os parceiros, a quem encarregavam este penoso serviço, apenas
abriam um rego na flor da terra, nele estendiam o cadáver, e de outros regos,
que faziam aos lados, tiravam terra que sobrepunham em dito cadáver à
maneira de um camalhão, como observei, e se retiravam, por preguiça ou por
medo da moléstia. Este método de enterramentos, além de impiedoso e
oposto aos nossos hábitos religiosos, facilitava o pronto destapamento dos
corpos, a transmissão do mal e os expunha à voragem dos cães e animais
carnívoros. (...).83

Deste modo, podemos perceber que havia no mínimo dois cemitérios improvisados

nas margens do arroio Pelotas, nas propriedades dos charqueadores José Maria Bento

Fontoura e de Antônio Pereira da Cruz.

João Simões Lopes Filho, que viria a ser Barão e mais tarde Visconde da Graça, foi

pai de Catão Bonifácio e avô do escritor gaúcho Simões Lopes Neto. Além de sua importante

obra literária, Simões Lopes Neto nos deixou um rico acervo de artigos publicados na

“Revista do 1° Centenário de Pelotas”, entre os anos de 1911 e 1912, sobre a história da

fundação de Pelotas e de suas charqueadas. A cerca das terras que eram de propriedade de sua

família e onde havia existido a charqueada, o autor registrou:

83
Anais do AHRS, v. 3, CV – 1272, 1978.
102

Quando a cólera-morbo em 1856 assolou esta zona, esta


charqueada foi das que mais vítimas contou. Além da esposa e uma filha do
proprietário, morreram mais de 20 pretos, escravos, que foram enterrados no
próprio estabelecimento, ao centro de um grande laranjal. Por muitos anos
conservou-se cercado este pequeno cemitério, com as suas cruzes de
madeira.84

Se o relato do escritor, nascido e criado durante sua infância na charqueada do avô,

até se transferir para o meio urbano onde foi cursar o primeiro grau, condiz com a verdade

não foi possível confirmar. Segundo relato de Luís Antônio Lopes Neto este antigo cemitério

não existe mais. No entanto, um antigo caseiro teria lhe relatado que junto com os ossos

bovinos calcinados, utilizados para produzir adubo eram encontrados ossos humanos ainda no

início deste século. Até os dias atuais a casa e terras as margens do arroio Pelotas pertencem a

família Simões Lopes. Na época da charqueada, esta localizava-se ao lado da casa principal

que dá seus fundos para o arroio Pelotas. Os varais eram colocados em frente a casa85.

Quando o cólera espalhou-se na região em 1856, o maior número de vítimas estava

na população cativa, principalmente na área das charqueadas às margens do arroio. Portanto,

parece que durante este período de crise houve a criação de áreas de enterramentos dentro do

âmbito das próprias charqueadas, como solução emergencial para os charqueadores, com o

mínimo de custos, se livrarem dos corpos de seus escravos mortos com uma doença que

causava verdadeiro pânico na população.

Nas terras às margens do arroio Pelotas, ocupadas a partir do final do século XVIII e

durante todo o século XIX por estabelecimentos de charqueadas, formaram-se propriedades

compostas de múltiplas estruturas que congregavam diferentes indivíduos desde homens

escravizados, agregados livres até charqueadores e suas famílias. As propriedades formavam-

84
LOPES NETO, João Simões. Apontamentos referentes à história de Pelotas e de outros municípios da Zona
Sul: São Lourenço e Canguçu. Pelotas: Armazém Literário, 1994.p.28.
85
Informação oral obtida em 08 de dezembro de 2000, na sede da estância da Graça, no município de Pelotas.
103

se desde às margens do arroio, movimentadas pelas mais diferentes embarcações com seus

trapiches e atracadouros, passando pela área de produção com seus varais, abatedouros,

graxeiras e demais estruturas para as diversas etapas da feitura do charque, na qual cativos

trabalhavam duramente. Havia as senzalas e galpões, onde alojavam-se escravos e livres, e

próximos dali a morada do proprietário e sua família, à beira do arroio ou dos caminhos, vias

que interligavam toda a comunidade.

Este complexo de estruturas e vias, juntamente com os indivíduos que por elas

circulavam, pareciam aos olhos de viajantes estrangeiros, verdadeiras aldeias. Neste conjunto

a religiosidade, representada pelas capelas e oratórios particulares, congregavam as gentes em

torno dos rituais da missa, batismo, casamento e morte. Os charqueadores, apropriando-se das

diferentes formas de expressar a religiosidade, por meio das missas, legados e procissões, bem

como do vínculos com as Irmandades e Ordens, da construção de templos, amparando

clérigos ou doando imagens, tomam para si estes espaços onde reforçam seu poder econômico

e prestígio local.

Os homens livres menos abastados inseriam-se modestamente neste contexto, tendo

em vista os altos custos de uma vida religiosa onde missas, enterramentos e legados eram

possíveis somente a quem tivesse melhores condições econômicas. Testar era, na maioria das

vezes, para quem tinha algo a legar. Do mesmo modo, para a garantia de um enterro

“decente”, mesmo que “sem pompa”, com as missas necessárias ao bem da alma, era

necessário deixar-se esmolas.


104

A ativa participação na vida religiosa da comunidade, mantendo em sua própria casa

um oratório onde se rezasse ou eventualmente recebesse os sacramentos, servia para agregar

os indivíduos em torno das propriedades e do poder destes proprietários.


CAPÍTULO III - TRABALHADORES LIVRES NA ÁREA CHARQUEADORA

3.1 O MEIO RURAL NO RS NO SÉCULO XIX

No final do século XIX, o historiador Cezimbra Jacques (2000) escreveu um ensaio

sobre os costumes do povo rio-grandense. Neste trabalho, escrito antes mesmo da abolição da

escravatura, as relações entre diferentes segmentos sociais no campo no sul são vistas de

forma idealizada, sendo que a convivência entre estancieiros e seus agregados e subalternos é

assim retratada pelo autor

(...) não há na província um só proprietário de campo que julgue de


modo baixo, degradante e egoísta que as terras e pastagens foram pela
natureza só privilegiadas para seus gados; longe de tão indigno modo de
pensar acham-se todas essas almas nobilíssimas: honrando sempre e
respeitando o nosso passado, os exemplos de caridade e virtude dos nossos
maiores, nenhum estancieiro deixa de proceder de modo caritativo e por
conseguinte moralizado, acolhendo em seus campos, como agregadas,
muitas famílias pobres, que não só podem aí prosperar o que é seu, como
também o que pertence aos seus benfeitores; e é assim que em cada
estabelecimento destes, de distância em distância, encontra-se um rancho ou
choupana de um agregado ou posteiro, que reponta os gados da estância e
evita que alguém lhes danifique. (CEZIMBRA, Jacques, p.90)

Os estancieiros, na visão do autor, parecem aceitar agregados em suas terras apenas

como forma de mostrar sua generosidade. Na verdade, estes agregados, muitas vezes servindo

como posteiros, em tempos onde ainda era precário o cercamento dos campos, eram
106

importante mão-de-obra para a defesa de grandes áreas, controlando o gado e a entrada de

estranhos nas propriedades.

A historiografia recente, por sua vez, ao referir-se aos diferentes grupos sociais que

ocupavam o meio rural do Rio Grande do Sul no decorrer do século XIX, vislumbra um

quadro bem menos idealizado, definindo a conformação de uma sociedade bastante

polarizada. De um lado, estancieiros e charqueadores, detendo o poder financeiro e as

propriedades e, no outro, os escravos. No meio destes dois extremos estavam os indivíduos

livres, muitas vezes pobres, sem bens de raiz, vivendo de favor nas terras de um proprietário

como agregados e desempenhando o papel de capataz, peão, feitor, entre outras funções

necessárias ao funcionamento das estâncias e charqueadas.

Cardoso (1977) ao analisar a formação da sociedade senhorial gaúcha, considerou

que as bases da dominação senhorial no Rio Grande, “(...) prendiam-se fundamentalmente à

economia do gado: à criação e à exportação de couros e do charque. O estancieiro e o

charqueador representam tipicamente o senhor gaúcho na dupla acepção de proprietários de

escravos e de chefes de parentelas poderosas” (CARDOSO, 1977, p.156).

Esta camada de grandes proprietários e senhores de escravos constituiu-se devido ao

“(...) favoritismo do Poder Real e os instrumentos de coerção deste mesmo Poder (...)” que

foram decisivos para a formação das fortunas, o que permitiu, segundo o autor, a formação

desta sociedade senhorial “(...) mantida pelo latifúndio que vigorou no século dezenove (a

partir aproximadamente de 1820) (...)” (CARDOSO, 1977, p.102).


107

Na primeira metade do século XIX, no entender de Cardoso (1977), somava-se a

estas famílias poderosas, os escravos e peões, sendo que havia também

(...) toda uma gama de pessoas da ‘classe pouco ilustrada’ que


vagamundeava pelos campos. Essa era a forma definida de existir
socialmente dos agentes sociais que escapavam às posições polares do
sistema escravocrata: não eram senhores nem escravos, constituíam-se como
uma espécie de exército de reserva, pronto para servir os interesses
senhoriais. Por isso, as famílias pobres que andavam errantes (cf.. Soares de
Andrea) não constituíram propriamente uma excrescência do sistema social,
mas nele se inscreviam regularmente (CARDOSO, p.158).

Por outro lado, estes mesmos grupos de trabalhadores livres, peões e agregados, que

segundo Cardoso (1977) “vagamundeavam” no meio rural poderiam representar uma ameaça

as classes senhoriais. O temor a estas “classes perigosas”, como demonstra Maestri (2001),

fica evidenciado nas formas de controle e repressão determinadas nas medidas públicas. A

Câmara Municipal de Quaraí, em 1885, havia determinado que todos os proprietários que

tivessem sob seus domínios escravos, peões e agregados, deveriam fazer uma declaração a

esta mesma Câmara fornecendo informações básicas sobre estes e assumindo a

responsabilidade pelos atos, infrações e danos que os mesmos viessem causar. O mesmo

ocorria neste período em Santa Vitória do Palmar.

Segundo Maestri (2001), “Tão grande era a preocupação das classes senhoriais,

sobretudo agrícola, com as classes perigosas, que municipalidades arrogavam-se o direito de

legislar sobre o eventual número de empregados nas propriedades rurais.”(Grifo do autor).

Na base deste problema estaria o fato de que no campo o indivíduo livre pobre

dificilmente chegava a tornar-se proprietário, sendo que necessitava então estabelecer-se

como agregado em terras alheias (MAESTRI, 1984).


108

O fato destes indivíduos, constituírem-se um grupo de extrema mobilidade, não

estabelecendo-se permanentemente em uma localidade. Isto acabaria por impossibilitar um

controle maior de suas vidas, na medida que teriam menor convívio permanente com

vizinhos, patrões e compadres. Este caráter de instabilidade provavelmente fazia com que

muitos destes homens passassem ao largo do controle público.

3.1.2 O problema da terra

Apesar do vasto território a ser explorado que se apresentava no princípio do século

XIX, o acesso à terra era limitado. Para obter uma sesmaria era preciso possuir certas regalias

e o apoio da administração portuguesa, o que vedava a muitos esta possibilidade.

Existiam dois tipos de posses ou propriedades, a data e a sesmaria. Estas diferiam em

extensão: a data raramente teria mais que 1500 braças (1/2 légua) enquanto que a sesmaria

tinha em regra 1x 3 léguas mais ou menos. As datas eram concessões feitas pelo governo

militar da província enquanto que uma semaria era uma concessão do vice-rei (RÜDIGER,

1965).

No período entre 1822, quando foi abolido o sistema de sesmarias, até 1850, com a

Lei de Terras que estabeleceu o acesso à terra devoluta somente através da compra ao Estado,

a aquisição de um terreno dava-se pela posse por ocupação (CIRNE LIMA apud CORSETTI,

1983). Na verdade, muitas vezes o terreno que oferecia poucos obstáculos para sua ocupação,

sem a presença de indígenas, limites ambientais ou muito afastado dos centros comerciais, as
109

terras férteis boas para o cultivo ou criação, estavam ocupadas pelos que possuíam força

militar e política.

O charqueador Antônio José Gonçalves Chaves registrou em suas “Memórias

Ecônomo-Políticas sobre a Administração Pública do Brasil”, escritas em 1817 e publicadas

em 1822, os desmandos e desajustes que ocorriam em relação a propriedade no Rio Grande

do Sul (CHAVES, 1978). Chaves atacou o antigo governo da Província denunciando que

Os cartórios estão cheios de pleitos sobre posses e limites de terras,


e a origem destes males data do governo do tenente-general Sebastião
Xavier. Este homem, cheio de si, de suas fidalguias e capricho militar,
atropelou absolutamente os direitos mais sagrados de pacíficos e laboriosos
colonos, tomando-lhes muitas vezes a terra que eles, com seu consenso
tácito, tinham povoado e cultivado depois de a conquistarem a espanhóis,
bugres e feras, para dar a seus validos; (...). (CHAVES, 1928, p.181).

Para o autor (ibidem), o Governador da Província de 1780 a 1801, Sebastião Xavier da

Veiga Cabral da Câmara, com seus desmandos

Considerava em pouca coisa os direitos de primeira posse e dava


suas informações ao vice-rei do Estado sempre favoráveis a seus validos e
afilhados. Apresentaram-se até sesmarias em favor de indivíduos não
conhecidos nem domiciliados, e então, em favor destes, sem atender à antiga
posse e grandes estabelecimentos dos que ocupavam os terrenos assim
concedidos, os mandava expulsar com suas famílias, gados e bens de
qualquer natureza, por escoltas militares. (CHAVES, 1978.p.181).

Chaves (idem), procurou mostrar em suas “Memórias” o que ocorria com a grande

maioria desapropriada tendo em vista a doação de imensas propriedades, muitas vezes

excedendo em muito o que dizia até mesmo a lei de sesmarias, para alguns poucos

proprietários privilegiados. Este sistema era considerado absurdo pelo autor, onde “(...) Os

abarcadores possuem até 20 léguas de terreno e raras vezes consentem a alguma família

estabelecer-se em alguma parte de suas terras, e mesmo quando consentem, é sempre


110

temporariamente e nunca por ajuste que deixe fixar a família por alguns anos” (CHAVES,

1978.p.94). Como conseqüência disso, assinalava: “(...) Há muitas famílias pobres – pobres

vagando de lugar em lugar segundo o favor e o capricho dos proprietários de terras e sempre

faltas de meios de obter algum terreno em que façam um estabelecimento permanente.”

(CHAVES, 1978.p.94).

Portanto, aos pobres livres, excluídos das redes de alianças com poderosos, a solução

muitas vezes era se agregar nas terras de um proprietário vivendo em troca de seu trabalho ou

pagando um arrendamento pela terra.

Muitas vezes as terras doadas em sesmarias, quando não eram exploradas

diretamente pelos proprietários, podiam ser arrendadas, ou seja, colocar alguém nelas que as

cultivava ou mantinha criação e pagava um preço em moeda, força de trabalho ou com parte

de sua produção ao proprietário (SILVA, 1998). O arrendamento de um pedaço de terra era

uma possibilidade para quem queria assentar-se. A maioria devia realizar contratos verbais

nos quais “viviam de favor” nestas terras em troca de pagamento com produtos de suas

lavouras e criação. Estes indivíduos muitas vezes formavam um certo patrimônio sobre as

terras de terceiros construindo nelas casas, currais e todo tipo de estabelecimentos. Isto se

dava na medida em que, como lembra Silva (idem), aqueles que ocupavam terras alheias

tinham o direito de vender as benfeitorias que porventura nelas tivessem erguido.

Deste modo, ser proprietário de uma terra era algo bastante difícil e, sem esta, o

homem livre no meio rural dificilmente estaria longe da pobreza. Esta situação parece ter

gerado uma grande mobilidade nesta população.


111

O fato destes indivíduos e suas famílias ora instalarem-se por alguns anos em alguma

localidade ou se verem compelidos a sair em busca de novos trabalhos, gerou uma

documentação cartorial a respeito destes grupos esparsa e fragmentada que dificulta ao

pesquisador uma melhor percepção de suas histórias de vida.

Como viviam estes indivíduos que não haviam obtido terras e não tinham posses?

Como se estabeleciam, como se dava seu relacionamento com quem detinha a propriedade e

quanto recebiam por seu trabalho? Qual a sua tralha doméstica? Estas questões ainda foram

pouco detalhadas na historiografia, possivelmente devido a dificuldade de vislumbrar indícios

de suas trajetórias nas fontes documentais.

A falta de registros deve-se muito ao fato de que documentos como os inventários

pos-mortem eram realizados principalmente por quem tinha algo a deixar. Portanto, entre os

mais empobrecidos muitos deviam ignorar estas formalidades uma vez que pouco ou nada

tinham para partilhar, ou devido aos encargos das taxas de herança cobrados, que os levava a

procurar partilhar entre si as propriedades de modo informal. Os inventários deveriam ser

iniciados no prazo máximo de 30 dias após o falecimento do inventariado. Os interessados na

herança, caso houvesse uma, poderiam recorrer ao juiz para que fosse dado a inventário os

bens do morto.

No entanto, segundo as Ordenações Filipinas86, os inventários eram obrigatórios por

lei se, ao falecer um dos conjugues, ficassem filhos ou netos menores de 25 anos (mesmo se

fossem ilegítimos). O conjugue sobrevivente deveria providenciá-lo no prazo legal, caso

contrário perderia o usufruto dos bens a serem inventariados e partilhados aos menores

86
Código português criado durante o reinado de Felipe II em 1603 que servia de base legal, vigendo durante
todo o primeiro século após a Independência do Brasil, sendo que na parte Civil só será substituído em
1917.(Mattoso, p.130).
112

(DAUMARD et al, 1984). O inventariamento era também obrigatório se havia interessados

ausentes, se o falecido não deixava herdeiros ou se referiam-se a bens de órfãos, pródigos ou

“desassisados” (mentecaptos) (idem).. A realização destes procedimentos eram dificultadas

pelas longas distâncias a serem percorridas até o local onde houvesse um juiz de órfãos e,

também, a pouca ou nenhuma instrução das populações mais humildes.

Outro aspecto que parece dificultar o acesso a história de vida destes indivíduos é sua

grande mobilidade espacial, fazendo com que, muitas vezes, se perca de vista as referências

documentais sobre seus destinos, seu nascimento, sua morte, seus familiares, descendentes e

ascendentes.

No intuito de encontrar informações sobre estes elementos que por ventura fizeram

parte do contexto social charqueador, procuramos tentar vislumbrá-los por meio dos

documentos referentes aos charqueadores e charqueadas da região de Pelotas, dentre eles

inventários, testamentos, medições de terras, etc. Buscamos nestes documentos nomes e

referências que nos permitissem relacionar os dados formando então um apanhado de

informações, em geral esparsas, sobre indivíduos e suas famílias, referidos ora como

agregados, ora pelo ofício que exerciam.

A primeira fonte primária utilizada foram os mapas dos Registros de Terras e

Terrenos do entorno do arroio Pelotas, realizados entre 1808 e 1827, encontrados na

Biblioteca Pública Pelotense. Nestes documentos, os terrenos demarcados eram identificados

não somente por seus acidentes geográficos bem como por sua vizinhança e benfeitorias

estabelecidas no seu entorno e dentro da propriedade referida. Deste modo foi possível

identificar alguns nomes de pessoas que possuíam casas em propriedade de terceiros. Muitos
113

destes eram parentes dos proprietários ou mesmo vizinhos, que por razões diversas

compartilhavam do terreno de ambas propriedades. Alguns nomes não referiam-se a

charqueadores ou seus parentes. Por meio destes dados encontramos alguns agregados livres e

forros.

Outra documentação que permitiu perseguir o caminho trilhado por estes grupos

foram os inventários e testamentos dos charqueadores e, em alguns raros casos, dos próprios

agregados. Outra fonte importante foram os pequenos relatos cotidianos contidos nas cartas

do charqueador Domingos José de Almeida, enviadas no período entre 1835 e meados dos

1860, conservadas e publicadas pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. O cruzamento

destes dados nos permitiu algumas inferências sobre estes elementos de pouco visibilidade

nas fontes documentais.

3.2 TRABALHADORES LIVRES NAS CHARQUEADAS

Nas estreitas faixas de terrenos das margens do arroio Pelotas viviam, além do

charqueador com sua família e seus escravos, homens livres que desempenhavam, entre

outras funções a de peão, capataz, patrão de iate (caso o charqueador possuísse embarcação),

professores e caixeiros.

O trabalhador livre, mesmo sendo pobre, não se submetia ao tipo de trabalho pesado

das charqueadas. Isto porque, segundo Maestri,

(...) os horizontes livres, o contrabando, a economia de


subsistência, ou, até mesmo, a vida de vagabundo parecer-lhes-iam muito
mais promissores. (...). Não existia no ‘mercado’ mão-de-obra livre que
114

aceitasse submeter-se a essa realidade. Assim sendo, o trabalho compulsório


– a escravidão – era a única solução para obter-se trabalhador. (MAESTRI,
1984, p.75)

Apesar desta resistência, havia uma parcela de mão-de-obra livre nas charqueadas

que, segundo Marques (1990), era empregada principalmente nas atividades administrativas e

de controle da escravaria. Mais tarde, com a introdução de máquinas na produção, estas

também seriam entregues ao comando de trabalhadores livres e assalariados.

Couty (apud MAESTRI, 1984) confirma esta assertiva ao registrar a existência de

uma pequena parcela de trabalhadores livres nas charqueadas pelotenses, observada quando

visitou-as em 1880. Segundo ele, os charqueadores pelotenses confiavam a trabalhadores

livres as tarefas mais complicadas como a instalação de cubas com vapor sob pressão, a

fabricação de sebo e graxas e, até mesmo, executando a função de carneadores, embora

segundo ele, a combinação entre trabalhadores assalariados e escravos criasse inúmeros

inconvenientes.

A cerca da presença de mão-de-obra livre nas charqueadas, Corsetti (1983) considera

que esta era bastante reduzida na primeira metade do século XIX, se intensificando a partir da

década de 1860 devido ao fim do tráfico e a dificuldade de aquisição de novos braços. A

autora cita o discurso do deputado Manuel Lourenço do Nascimento na Assembléia

Legislativa Provincial em 1862 no qual ele refere-se ao trabalho livre nos estabelecimentos

charqueadores, considerando que naqueles dias “(...) as graxeiras, a salga de couro e outros

trabalhos são feitos por braços livres. Antigamente, em qualquer daqueles estabelecimentos,

não se via homens livres além do capataz e algum patrão de iate; hoje não sucede isto, grande

parte da gente é livre...” (CORSETTI, 1983, p.145-6).


115

Provavelmente o deputado tenha tomado conhecimento da experiência ocorrida na

charqueada de Jean Baptista Roux, este que, segundo Lopes (1994), foi provavelmente o

pioneiro no emprego de mão-de-obra livre nos estabelecimentos de charqueio. Jean Baptista

Roux havia trazido do Prata uma máquina para beneficiar as graxas, instalando-se com uma

charqueada primeiramente em Santo Antônio do Triunfo, em terrenos que pertenciam a

família Leão (BAETHGEN apud LEITE, 2003). Comerciante de couros, lãs e crinas, Jean

Baptista Roux andou por Porto Alegre, Rio Pardo e Rio Grande até que em 1846, arrendou

uma charqueada na costa do Pelotas. Neste estabelecimento empregou trabalhadores de

diferentes nacionalidades juntamente com negros escravizados em um empreendimento que

durou pouco mais de cinco anos.

Sua filha, Fanny Baethgen (apud LEITE, 2003), relatou em 1902 como funcionava a

charqueada que seu pai havia fundado em sociedade com Eugène Salgues na margem direita

do arroio Pelotas na região denominada Cascalho. Baseada em suas lembranças de infância

Fanny Baethgen assim retratou o local:

Tinha uma casa grande, com jardim, uma quinta com laranjeiras e
outras frutas. Perto um grande terreno, onde matavam os animais,
beneficiavam as carnes e couros, tinha centenas de trabalhadores entre
bascos, franceses, espanhóis, argentinos, correntinos, paraguaios, orientais e
africanos. Para morar, tinham cabanas, muitos tinham família. O trabalho era
de quatro horas da manhã ao meio dia. (...). Depois os homens iam se lavar
na beira do rio e se divertiam cada qual a sua maneira. Os bascos, jogavam
bola, os argentinos e correntinos cartas, que acabavam as vezes por disputas
(...).

Neste estabelecimento, trabalhavam além dos bascos franceses vindos de

Montevidéu e dos argentinos e orientais, mais 30 escravos africanos alugados (LOPES, 1994).

A charqueada da firma Salgues & Roux já estava extinta em 1852 e Jean Baptista Roux havia
116

se instalado com uma barraca de couros em Pelotas, que segundo Lopes (1994) foi a primeira

que houve na cidade.

Se ocorreram mais casos como este com certa regularidade nas charqueadas da costa

do arroio Pelotas durante o século XIX não nos foi possível divisar na documentação

pesquisada. Nos 169 documentos levantados nesta pesquisa, abarcando o período que vai de

1796 a 1898, raras evidências foram encontradas a cerca destes trabalhadores. Nos poucos

registros que encontramos na documentação eles aparecem ora como credores ou devedores

do inventariado, ora reivindicando salários não pagos ou até mesmo citados em testamentos

como compadres ou afilhados receberem um benefício.

Deste modo, podemos afirmar que, se ocorreu a presença de homens livres,

trabalhando lado a lado com escravos, em número crescente e significativo nas charqueadas

da segunda metade do século XIX, isto não refletiu-se de modo visível nos documentos

analisados.

Devemos ter em consideração que, quando um proprietário ou “cabeça de casal”

falecia, eram arroladas em seu inventário todas as dívidas que este porventura tivesse

contraído em vida, incluindo pagamentos de salários a eventuais funcionários. No entanto, na

documentação trabalhada apenas aparecem, de forma bastante esparsa, pagamentos de

salários devidos a indivíduos que executavam invariavelmente as funções de peão, de capataz

(de estância/campo ou de charqueada), dívidas de acertos de negócios com suprimentos de

gado, com patrões de iate ou oleiros. Considerando-se que havia uma parcela de trabalhadores

livres executando diferentes tarefas nos estabelecimentos de charqueio, o fato destes

aparecerem de forma tão escassa neste tipo de documentação, parece sugerir a idéia de que
117

até por volta dos anos 80 do século XIX, os trabalhadores livres no meio rural recebiam em

troca de seu trabalho principalmente um local para se arranchar, uma casa e um espaço para

roçar, somados a um salário eventual.

O pagamento de salários devidos, quando aparecem nos inventários, em geral

referem-se a vários meses de trabalho. Em um documento de 187087, o inventariante devia os

salários de seu capataz referentes a nove meses de trabalho. Em outro de 188788, os salários

devidos a dois peões referiam-se a dois meses e meio de trabalho. O patrão de iate, Vicente

Ferreira dos Santos registrou em 1830, uma ação cível cobrando dívidas da herança de

Damázio Vergara. Nesta ele cobrava o pagamento de seus serviços como patrão do iate, do

qual o inventariado lhe ficara devendo 37 meses de salário, dívida esta que o falecido ia lhe

pagando “(...) por vezes como lhe era possível (...)”. O ajuste de contas resultou num total de

291#600 réis, incluindo outras despesas feitas pelo autor do processo.89

Portanto o assalariamento existia, muito embora fosse protelado conforme a vontade

do patrão. Neste sentido, ao empregado restava manter uma relação de maior dependência

usufruindo como pagamento, de seu local de moradia este, em alguns casos, associado a

outros suprimentos como alimentação e terras para roçar.

Portanto, vejamos no que foi possível recuperar na documentação pesquisada, quais

eram estes elementos que realizavam as atribuições necessárias ao funcionamento dos

estabelecimentos charqueadores.

87
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos.N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
88
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
89
Inv. Damázio Vergara. A.67, M.3, E.97, Ano 1830. Órfãos e Ausentes. Jaguarão.
118

3.2.1 Capataz, administrador, feitor e peões

Conforme Marques (1990), nas charqueadas o capataz era o chefe do pessoal,

podendo possuir um assistente, o sota-capataz. O feitor, por sua vez, encarregava-se do

controle dos escravos enquanto o mestre tinha a função de supervisionar a realização correta

das diferentes etapas do processo produtivo (idem). Nos documentos trabalhados nesta

pesquisa, no entanto, não apareceram as funções de sota-capataz e mestre, apenas

encontramos referências a função de capataz e feitor.

Ao capataz cabia a função de administrador as diferentes atividades da charqueada,

sendo que deveria cuidar não só do controle dos escravos, bem como do envio de gado para

matança e das diversas áreas produtivas da propriedade como hortas e pomares. O

charqueador Domingos José de Almeida, em carta dirigida à sua mulher, Bernardina

Barcellos de Almeida, em 1835, faz recomendações a cerca das instruções a serem dadas a

seu administrador90. O capataz, a quem Domingos José de Almeida chamava por “compadre”

Rolino, é citado em diversas cartas onde podemos observar suas responsabilidades em relação

ao funcionamento da charqueada:

Porto Alegre, 25 de abril de 1835.

De novo te recomendo que admoestes ao compadre Rolino muita


vigilância aos escravos, concórdia entre todos, que não deixe de receber
gados de costeio, ainda mesmo por menos do que correr, que ponha vigia na
mandioca e que nas falhas cuide da plantação da chácara, (...). 91

Como podemos observar, estes homens que alcançavam o posto de capataz, muitas

vezes estabeleciam laços de compadrio com seu patrão charqueador. José Antônio Moreira, o

90
Anais do AHRS. Vol. 3, 1978.
91
Anais do AHRS. Vol. 3, 1978.
119

Barão de Butui, um dos mais ricos charqueadores pelotenses, ao falecer em 1867, deixou em

seu testamento diversos legados para instituições de caridade, afilhados e pessoas de seu

convívio92. Entre os beneficiados estão dois afilhados, sendo que um deles era filho de seu ex-

capataz, já falecido na época, José de Ávila Corrêa, a quem deixou de herança 500#000 réis.

Este valor corresponderia na época em média a um ano de salário de um capataz (Tabela 3). O

outro afilhado do barão, que também recebeu o mesmo valor de herança, era filho “(...) de

Bernardino José Vieira, ferreiro na Costa do Pelotas”, certamente outra trabalhador livre da

região.

Passados 22 anos do testamento do barão de Butuí, em 1887 foi requerido um tutor

para o menor e órfão, Políbio de Ávila Correa, de 12 anos, filho do falecido, José de Ávila

Corrêa, morador na cidade de Pelotas.93 Possivelmente os dois eram parentes, neto e filho

respectivamente, do antigo capataz do barão de Butuí que ainda permaneciam na região.

Nenhum documento mais foi encontrado sobre o capataz, suas posses e o destino de sua

família. É possível que seu inventário e de sua mulher tenham sido realizados em outro

cartório de outra localidade ou se extraviado. De qualquer modo, podemos supor que seus

parentes tenham permanecido na área onde este havia se tornado “compadre” de um barão.

Podemos inferir aqui que relações de compadrio poderiam facilitar, por meio de vantagens

materiais e sociais, a estabilidade destes grupos menos favorecidos.

Ser agregado em terras de um proprietário estancieiro ou charqueador poderia levar

este a criar vínculos com seu patrão transformando-o assim em seu protetor. Os vínculos de

compadrio viriam então criar uma certa estabilidade nas relações entre estes trabalhadores e

seus patrões. Assim como José de Ávila Corrêa conseguiu que o barão de Butuí fosse

padrinho de seu filho, tornando-se seu compadre e garantido uma parte na herança deste

92
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6, Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
93
Tutela.N.766, M.32, E.26/28, Ano 1887. 2° Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
120

charqueador, outros agregados aparecem ora aqui ora ali na documentação se beneficiando,

direta ou indiretamente, através de seus filhos, com legados monetários e materiais. No

entanto esta relação poderia significar aos trabalhadores uma maior dependência, devendo

estes se estabelecer onde seus patrões por ventura estivessem vivendo.

Domingos José de Almeida, em face da necessidade de mudar-se com sua família

para Pedras Brancas, devido a pressão de credores que sofria no início do movimento

Farroupilha na região de Pelotas, solicitou a sua esposa que providenciasse a mudança

ordenando, entre outras coisas, que “(...) o compadre Rolino se pudesse cá vir mesmo para

capataz, seria famoso.”94 Em outra carta Domingos José de Almeida insiste: “ O compadre

Rolino que venha também como já lhe ordenei, (...). Já ultimei o arrendamento do

estabelecimento em que te falei, e é para deixá-lo em ordem e em andamento que careço falar

ao compadre Rolino.(...).”95 A seu capataz “ordenou” também que cuidasse tanto para que a

viagem da família ocorresse sem “algum transtorno”, bem como lhe enviasse cavalos,

escravos e arreios, entre outras tantas tarefas que lhe iam sendo solicitadas ao longo de sua

correspondência com sua esposa.

Bernardina Barcellos de Almeida administrava a casa, recebendo instruções de seu

marido que estava afastado devido ao movimento revolucionário no qual estava envolvido.

Durante os anos da Revolução Farroupilha muitas mulheres tiveram que administrar a casa,

filhos e empregados, sozinhas. Para tanto, o capataz era figura fundamental para manter a

ordem e delegar as atividades aos demais empregados e escravos. Em carta a seu primo,

Maria Luísa Ferreira Barcellos, em fevereiro de 1842, nos revela a situação destas mulheres

94
Anais do AHRGS. Vol.3, 1978.
95
Idem.
121

Meu Primo e Sr.

(...). No dia 2 do corrente lhe escrevi e mandei um escravo de próprio a dar-


lhe parte da minha infelicidade de perder meu marido para sempre, pois
faleceu no dia 30 do passado; (...) eu aqui estou cheia de aflições e sem saber
o que devo fazer e só espero a sua proteção e os seus conselhos para me
saber governar; não há um capataz; o que aqui havia foi para às armas (...) e
não se acha outro que possa fazer a sua obrigação como este homem. (...).
(a) Maria Luísa Ferreira Barcelos

P.S. (...) o homem chama-se Pedro Gaspar. Eu mesmo desejava falar-lhe,


porém os caminhos não dão lugar.96

Portanto, o capataz tinha um importante papel na manutenção destas propriedades e

na vida de estancieiros e charqueadores. Durante a Revolução Farroupilha, quando era

solicitado aos revolucionários a doação de escravos para a frente de batalha, muitos os

pagaram com dinheiro para não perderem cativos valiosos. Em 1841, o Presidente da

República Farroupilha autorizou que “(...) o mulato Domingo escravo de Francisco José

Bueno e seu capataz, não seja ocupado em serviço algum da República, em atenção ao

donativo que acaba de prestar seu senhor, o referido Bueno; (...)”.97

Vivendo muito próximos do seu senhor de quem supriam as mais diferentes

necessidades, o capataz ou administrador, gerenciava entre outros bens os escravos, que

constituíam importante parcela no montante das propriedades dos charqueadores.

Necessitando apresentar testemunhas ao Juiz Municipal, justificando a quantidade de

escravos que possuía antes do início da Revolução Farroupilha, Domingos José de Almeida

apresenta, em 1843, o depoimento de dois capitães Joaquim da Costa Braga e Miguel Antônio

de Magalhães “que oferece por testemunhas por o conhecimento que de tais escravos tiveram

96
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
97
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
122

quando capatazes da charqueada do suplicante”98. As testemunhas foram descritas da seguinte

forma.

1a Testemunha

O capitão Joaquim da Costa Braga, homem pardo, casado, morador em


Pelotas e presentemente na campanha, idade que disse ter trinta anos e do
costume nada; (...), pelo pleno conhecimento que tem do justificante e do
estado de sua casa, neste e em outro tempo, por ter sido administrador de sua
charqueada. Nada mais disse.(...).

Testemunha 2a

Capitão Miguel Antônio de Magalhães, homem branco, solteiro, natural de


Santa Catarina, idade que disse ter quarenta e dois anos, e de costume nada;
(...), pleno conhecimento que ele testemunha tem do justificante e do estado
de sua casa naquele tempo por ele testemunha ter sido seu capataz. (...).99

Temos aqui o perfil de dois homens que haviam exercido a função de administrador

e capataz na charqueada de Domingos José de Almeida. Os dois haviam sido alçados ao cargo

de capitão, provavelmente devido a seu alistamento no exército farroupilha, o que lhes

conferia então um certo prestígio social. A primeira testemunha, Joaquim da Costa Braga era

pardo, bem como o capataz de Francisco José Bueno, citado anteriormente, era um escravo

mulato. Portanto, a figura do capataz poderia tanto ser um homem livre, bem como um forro

ou até mesmo um escravo.

No entanto, os escravos ou alforriados que chegavam a conquistar o posto de

capataz parecem ter sofrido as vicissitudes de uma condição em que estavam em contato

direto com os trabalhadores cativos num constante enfrentamento, onde a violência era

exercida de lado a lado. Lima, ao investigar processos crimes da Junta de Justiça de Porto

Alegre, nos períodos de 1818 a 1833, considerou que

98
Idem.
99
Ibidem.
123

(...) a autoridade senhorial fazia-se presente na figura do capataz


ou do feitor. (...). Capatazes existiam para garantir o fluxo regular do
processo de trabalho. Exerciam, dentro e fora do ambiente de produção,
controle sobre os trabalhadores. Dos escravizados procuravam extrair,
através da vigilância e violência, o máximo de produtividade. Exigiam
disciplina e subserviência. (1997, p.96)

O autor observou que estes trabalhadores,

Legítimos representantes dos interesses senhoriais, eram, em


grande número, livres pobres, ‘brancos’. Raramente, negros forros. Menos
ainda, escravos. Capatazes negros advinham de um segmento privilegiado,
no contexto da hierarquia da sociedade colonial. (1997, p.96)

Lima recuperou a história de vários crimes cometidos no período, alguns deles

ocorridos nas charqueadas de Pelotas (op. cit.). Na propriedade do charqueador Antônio José

Gonçalves Chaves, em 1819, ocorreu um destes contra a pessoa de seu capataz. O autor assim

relata:

À margem do Pelotas, ficavam a charqueada e residência de


Antônio José Gonçalves Chaves, (...).
Em dias de julho de 1819, um capataz pendera morto entre as
forquilhas. (...). Os escravos foram chamados para o “serviço de estender
charque”. (...). Trabalhavam em duplas quando chegou o capataz. Caetano
era seu nome. Viera reclamar com Francisco e Fidelis (...). (...) a que o
cativo respondeu: “(...) você não é senhor, nem branco e quer dá nome pelo
serviço, pois também é negro, como eu.”
Caetano era negro e também cativo. (...).De posse de uma faca, que
caíra da cintura do capataz, o escravo “deu-lhe uma facada na barriga”,
ferindo Caetano, mortalmente. (1997, p.95-96).

Segundo considerou o autor, havia grande dificuldade em manter os laços de

solidariedade entre os livres pobres, forros e escravos. Um cotidiano de tensões fazia com que

manifestações de cooperação entre estes segmentos fossem pouco comuns uma vez que

“raramente resistiriam às pressões da classe dominante” (LIMA, p.187). Isto ocorria, no

entender de Lima, uma vez que estes indivíduos “Por receio de sofrerem penalidades ou
124

atraídos pela possibilidade de se integrarem à ordem social que lhes hostilizava, prendiam,

acusavam, exigiam punição e delatavam cúmplices.” (op. cit., p.187)

Em 23 de outubro de 1857 havia sido supliciado na forca que havia dentro da cidade

de Pelotas um escravo que assassinara o capataz da charqueada de José Antônio Moreira

(LOPES NETO, 1994. p.64). Outro crime como estes foi noticiado no jornal “Echo do Sul”,

em 1866. Nesta data ocorreu o julgamento do escravo denominado preto Machado, pelo

assassinato do capataz da charqueada de Domingos Soares Barboza (MAESTRI, 1984). O

escravo recebeu então a pena de morte, como ocorria no mais das vezes em que o crime

perpetrado envolvesse a morte de membros da família senhorial ou de capatazes (LIMA,

1997). A lei visava obviamente coibir quem pretendesse violar a ordem social e o capataz

representava o senhor enquanto sujeito que impunha, pela força, esta mesma ordem.

Estes indivíduos, diretamente empenhados em manter a ordem e o controle da

escravaria, parecem estar mais bem enquadrados na definição de Marques (1990), citada

anteriormente, para o termo “feitor” do que “capataz”. O termo feitor aparecerá registrado,

apenas uma vez, curiosamente em um arrolamento de gastos com salários feito no ano de

1887100, três anos após a abolição da escravatura na região. Dentre os salários de diversos

trabalhadores domésticos aparecem indivíduos exercendo as funções de carroceiro, boleeiro,

lavadeira, amas-de-leite, cozinheira, etc. Neste momento é possível visualizar a entrada destes

novos sujeitos, os trabalhadores livres assalariados, em funções exercidas até então por

escravos. Entretanto, há neste mesmo arrolamento uma dívida com “despesas de 2 meses de

salários para criados e feitor” juntamente com gastos com “roupas para os pretos da estância”

100
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
125

no valor de 28#800 réis evidenciando o fato de que se oficialmente havia sido abolida a

escravidão nem por isso o trabalho escravo havia acabado.101

Smith (1922), ao visitar as charqueadas pelotenses cinco anos antes, em 1882,

retratou o trabalho de escravos e feitores

Há um não sei que de revoltante e ao mesmo tempo cativador


nestes grandes matadouros; os trabalhadores negros, seminus, escorrendo
sangue; os animais que lutam, os soalhos e sarjetas correndo rubros, os
feitores estolidos, vigiando imóveis sessenta mortes por hora, os montes de
carne fresca dessorando, o vapor assobiando das caldeiras, a confusão, que
entretanto é ordem: (...). (grifo nosso)

Em carta escrita durante os primeiros anos da Revolução Farroupilha, período de


grande instabilidade na região, Domingos José de Almeida, avisado por seu guarda-livros,
João da Cunha, alerta sua esposa quanto a necessidade de manter a escravatura ocupada no
intuito de impedir que tivessem tempo de sobra para organizarem qualquer tipo de resistência
e tentativa de fuga. Para tanto recomenda a ela que dê ordens a “João Grande”, provavelmente
seu feitor para que mantivesse os escravos sob controle.

Cara Bernardina do coração

Pelotas, 14 de março de 1836.


(...). João da Cunha me avisa do exaltamento dos escravos, (...), manda falar
ao João Grande para administrá-los, pois na verdade não é prudente tê-los
altaneiros em semelhante conjuntura.

(a) Almeida.
(...).
Sra. Bernardina Barcelos de Almeida. [No verso]
Pelotas.”102

101
Idem.
102
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
126

O viajante alemão Friedrich von Weech, após tentar fazer a vida no Brasil, voltou

para seu país onde publicou, em 1828, um guia para seus conterrâneos que emigravam para a

América do Sul. Friedrich von Weech descreveu a função dos feitores como um verdadeiro

problema e apresentou como, no seu entender, se deveria tratar tal questão:

Cada fazenda precisará de um ou mais feitores, dependendo do


número de negros que possuir. (...). Aliás, tem-se mais aborrecimentos com
essas pessoas do que com os próprios negros. Como no Brasil todo homem
livre é chamado de ‘senhor’ para diferenciá-lo do escravo, assim também o
feitor de julga semelhante a um senhor; (...); assim é insuportavelmente
preguiçoso, deita-se debaixo de árvores frondosas, quando presume que o
senhor não está por perto e deixa os negros fazerem o que bem entendem;
(...). Em vista disto seria mais vantajoso escolher um ou dois negros
honestos e fazê-los feitores, para o que podem ser facilmente treinados. Os
negros são normalmente mais severos com seus companheiros do que os
feitores brancos e muito zelosos de sua posição. (...).A propósito precisam
ser mais bem vestidos e tratados que os demais; (...). Sem dúvida fica-se
privado do trabalho de um par de braços, mas em compensação poupa-se a
remuneração e o sustento de um feitor livre, que atinge, por mês, um mínimo
de 12 mil réis. (1992, p.118-119) (Grifo nosso)

Negros escravizados ou alforriados, também exerceriam a função de capataz ou

feitor alcançando assim um espaço social dentro do mundo dos brancos obtendo vantagens.

No entanto, suas vidas eram marcadas pela violência e pela não aceitação tanto no meio dos

escravizados como no meio dos brancos.

Se havia homens que exerciam apenas a tarefa de administrar os escravos, usando de

violência e confrontando-se diretamente no dia-a-dia do ambiente fabril, por outro lado,

parece que a figura do capataz, enquanto administrador, tinha uma melhor perspectiva de

vida. Assim como os capatazes de Domingos José de Almeida puderam, como homens livres

que eram (mesmo um deles sendo pardo), testemunhar a seu favor, condição proibida aos

indivíduos escravizados, a figura do capataz parece ter gozado, em algumas situações, de um


127

certo prestígio social. Em dois casos encontramos na documentação pesquisada, na figura do

capataz ou administrador, homens livres das classes mais abastadas.

Durante a briga judicial entre o testamenteiro Domingos de Castro Antiqueira,

charqueador de Pelotas, e os herdeiros de José Ignácio Bernardes, lê-se um interessante relato

não somente sobre a figura de um capataz, Antônio José da Silva Serzedello, genro de um

proprietário charqueador abastado, bem como sobre os acontecimentos na região durante a

Revolução Farroupilha:

Aqui cabe dizer que meu constituinte Antônio da Silva Serzedello,


que em 1836, na qualidade de capataz e amigo do testamenteiro propôs-se ao
grande perigo de ir a sua charqueada seduzir, sim seduzir os seus escravos
que se achavam entregues ou debaixo dos cuidados das forças rebeldes que
então ocupavam a margem do rio Pelotas, fazendo destarte com que o
testamenteiro não perdesse um grande número de escravos e que as ditas
forças rebeldes não aumentassem com eles (...) 103

Antônio da Silva Serzedello era casado com uma das filhas do licenciado Ignácio

José Bernardes, rico e culto charqueador da região. Ignácio José Bernardes, que além de

charqueador exercia a atividade de cirurgião, termo utilizado para designar os escassos

médicos que haviam no período, morrera solteiro embora tivesse assumido seus filhos

naturais com escravas e forras que viviam em sua casa.104

Sua filha, Eugênia Ignácia dos Prazeres, que era parda, casou-se com o antigo

capataz de seu testamenteiro Domingos de Castro Antiqueira, Visconde de Jaguari, vizinho e

amigo de seu pai.105 Mesmo herdeira de um rico charqueador talvez o estigma social tenha

impedido que fizesse um casamento com um filho de proprietário da região. De qualquer

103
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
104
Idem.
105
Ibidem.
128

modo, Antônio da Silva Serzedello havia ascendido socialmente ao realizar casamento com a

filha de charqueador.

Em 1867 o Barão de Butuí, José Antônio Moreira, deixava em seu testamento para

Serafim da Costa Guimarães, administrador de sua charqueada, 1 conto de réis. Serafim da

Costa Guimarães que era filho de Manoel Portugal Guimarães, proprietário na costa do arroio

Pelotas, casou-se com Maria Isabel de Almeida, filha do charqueador Domingos José de

Almeida106. Mais tarde ficou viúvo e tornou a casar-se, em 1875, desta vez com Antônia

Rodrigues Candiota, filha de Antônio Rodrigues Candiota, que havia possuído uma

charqueada nas margens do São Gonçalo (NEVES, 1987).

Portanto, embora as denominações de administrador, capataz e feitor por vezes

tenham se assemelhado ou até mesmo equiparado, parece ter havido diferenças marcantes

entre estas figuras. Um filho ou parente de senhor abastado poderia vir a ser o administrador

do estabelecimento de outro proprietário ou parente. Este mesmo sujeito poderia receber a

denominação de capataz desta propriedade. Esta mesma denominação poderia ser dada a um

sujeito agregado, branco ou pardo livre, como as testemunhas de Domingos José de Almeida.

Um capataz, embora sem bens de raiz, poderia chegar a possuir um patrimônio

significativo, como foi o caso de José Nunes da Silva, que vivia “(...)com sua família (...) na

Estância de São João, de João Francisco Braga de quem era capataz em cujo lugar vivam de

favor (...)”.107 (Grifo nosso)

106
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6, Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
107
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
129

O proprietário da estância, João Francisco Braga, era um dos homens da lista de

charqueadores e proprietários que haviam enviado correspondência ao senado em 1805

denominando-se como “(...) comerciantes e fazendeiros interessados nas carnificinas de que

abunda esta Província, e de que nela se faz artigo principal, (...)” solicitando editais que

regulamentassem os períodos de fabrico da carne seca108 (SPALDING, 1943, p. 137).

José Nunes da Silva, seu capataz, havia falecido em 1828, deixando mulher e oito

filhos, sendo que o mais velho tinha 11 anos e o menor estava com 8 meses. Através de seu

inventário, podemos observar como se constituía parte do cotidiano de um capataz

agregado.109

A viúva de José Nunes da Silva, Roza Barbosa da Silva, restou um baú grande de

couro, outro pequeno, uma caixa velha, 2 lençóis, 4 fronhas e 3 colchas de algodão, uma

colcha cheia de lã e 95 alqueires110 de feijão. De resto haviam algumas roupas do falecido: 5

camisas sendo duas de linho, 3 pares de calça de brim, 3 pares de calça de casimira velhas,

uma de baetão com meio uso, outra de ganga amarela, 4 ceroulas de algodão, 5 coletes, 2

jaquetas, um robissão de pano.111

Apesar da constituição modesta do equipamento domésticos da família do capataz,

sua indumentária chama a atenção, constituindo seus aperos em prata na maioria dos bens

móveis arrolados. Esta era assim constituída:

Um par de estribos de prata, dois pares de esporas de prata, dois


freios de ferro e [sic] de prata, um dito com copas, um dito velho e ponteiras,
108
SPALDING, W. Pecuária, Charque e Charqueadores no Rio Grande do Sul. In: RIHGRGS. n° 91-92. Porto
Alegre, 1943. p.137.
109
Idem.
110
Alqueire – corresponde a 13,800 kg (FORTES, 1980, p.95).
111
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
130

dois freios campeiros, dois pares de lombilhos de sola lavrada, um dito


campeiro velho, uma xerga lavrada, três ditas velhas, três coxinilhos, três
cinchas com argola, uma dita de couro, um poncho de pano forrado, um
chapéu fino de pelo, um par de botas velhas, um dito de meio uso, uma faca
de ponta velha, uma pistola nova, uma dita velha.112

Os diversos viajantes estrangeiros que estiveram no Rio Grande do Sul no século

XIX registraram com bastante surpresa o luxo e beleza dos aperos em prata dos cavaleiros

mesmo que estes fosses das classes mais humildes. Entre eles, o viajante belga Baguet, que

esteve no Estado em 1845, observou a indumentária dos homens da província comentando

então

É incrível o luxo que se exibe nos arreios dos cavalos, no sul do


Brasil e nas províncias do Prata. (...). Vi arreios que tinham custado quantias
consideráveis. Nosso guia, que possuía como vestuário apenas o que levava
no corpo, gastou quase todo o seu salário em ornamentos de prata para sua
sela (1997, p.67).113

O capataz apesar de estar vivendo de agregado e possuir um ambiente doméstico

singelo, possuía uma rica indumentária, constituída de roupas e acessórios além de seus

aperos em prata, que deveriam representar sua condição superior frente aos demais

empregados da propriedade.

Além de sua rica indumentária de cavaleiro, o capataz falecido possuía também 5

escravos, sendo 3 adultos e 2 menores. Eram Antônio Benguela, 35 anos, Inácio da Costa, 30

anos, João Moleque campeiro, 20 anos e os menores Delfina Mulata de 12 anos e Leonor

crioula de 3 anos. Ao escravo campeiro devia recair a tarefa de auxiliar o capataz e cuidando

112
Idem.
113
BAGUET, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul. EDUNISC; Florianópolis: PARULA, 1997.
131

dos animais pertencentes a este constituídos por 57 [sic] mansos, 6 bois mansos, 30 cavalos

mansos, 14 redomãos, 3 potros e 28 éguas.114

Somados os bens em prata ao valor dos escravos e animais, o capataz possuía uma

herança considerável. O que aumentava em muito o valor do monte mor do capataz era o fato

de que a soma dos valores de dívidas a serem pagas a herança perfazia a quantia de 3:939#760

réis. Deviam ao capataz: Antônio Gomes da Rosa, que tinha duas dívidas, uma de 2: 240#000

e outra de 1:072#000, ambas desde 1826; o alferes José Cardoso de Guimarães 590#000 que

devia desde 1823 e Simão Lacerda Silva que devia 37#760 réis.115

O juiz de Órfãos determinou a quantia de 311#441 réis como tercinha116 para

realização dos sufrágios da alma do falecido. Esta quantia foi reclamada pela viúva como

“exorbitante” e acabou ficando em 100#480 réis que ela “distribuiu em missas pela alma de

seu marido de que obteve a quitação da Geral Junta” e o que restou, num total de 210#961

réis, a viúva deveria “(...) reverter aos herdeiros como parte de suas legítimas paternas”.

Provavelmente a viúva conseguiu que o juiz reduzisse a soma na avaliação da tercinha visto

que os devedores da herança dificilmente quitariam suas dívidas em pouco tempo, podendo

levar meses ou anos, se realmente chegasse a pagá-las, portanto o patrimônio dos herdeiros

menores deveria ser poupado para a garantia de seu sustento.117 A partir daqui, não

encontramos mais nenhuma documentação sobre esta viúva e seus filhos. Talvez teria de

mudar-se, dando lugar a um novo capataz para este senhor ou permaneceria se possuísse

vínculos mais sólidos, como o de compadrio, com o proprietário.

114
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
115
Idem.
116
Terça – era a parte do montante da herança a qual o falecido poderia dispor livremente.
117
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
132

Na charqueada, o capataz ou administrador devia supervisionar, além do feitor e

escravos, o trabalho dos peões, que tratavam o gado nos potreiros e currais e que os

encaminhavam para a cancha de matança. Estes peões podiam trabalhar fixos nas estâncias e

charqueadas bem como podiam realizar trabalhos, para os quais eram contratados e pagos por

diária, como o de contagem do gado entre outros. Estes trabalhadores foram descritos pelo

viajante alemão Friedrich von Weech, em seu livro publicado em 1828. Sobre o trabalho da

peonada no campo relatou:

Cavalos selados ficam o dia todo amarrados em frente da casa,


prontos para uso dos peões, os quais, duas vezes por dia, verificam onde os
rebanhos estão e se não há gado estranho pastando nas terras do proprietário.
Antes do pôr-do-sol, o gado é lentamente recolhido; ao amanhecer, os peões
conduzem-no novamente ao pasto e em seguida cuidam para que o rebanho
mude regularmente de lugar de pastagem. (1992, p.167)

Ao descrever o trabalho dos peões em uma charqueada, Friedrich von Weech

observou:

Se o estrangeiro consegue ocultar sua cólera contra a inacreditável


preguiça e indolência dos mencionados peões em dias de pouco trabalho,
não pode deixar, no entanto, de admirar sua indescritível atuação e
habilidade. É obra de poucos minutos agarrar o animal, matá-lo, esticá-lo e
fracioná-lo e estamos convencidos de que 60 açougueiros europeus não estão
em condições de competir com 20 peões do Rio Grande do Sul. Tais
homens, dedicando-se somente a este trabalho desde a mais tenra juventude,
atingem nele uma prática tão extraordinária, que podem chegar a enviar ao
salgadeiro, num único dia, de 70 a 80 bois.(1992, 169)

Os peões executavam diferentes atividades necessárias ao processo produtivo de uma

charqueada. Este iniciava com a ida dos peões à Tablada, juntamente com os charqueadores,

onde era escolhida e comprada uma tropa de animais. Este gado eram levado para as

mangueiras nas propriedades dos charqueadores de onde pequenos grupos de 30 a 60 animais


133

eram enviados à mangueira de matança. De lá, grupos menores eram dirigidos para o curral

ou brete. O animal era então abatido pelo desnucador caindo na zorra, um pequeno vagão de

madeira com rodas de ferro. Depois de morto era transportado para uma cancha onde seria

sangrado, retirado-lhe o couro e é separado em diferentes pedaços. Finalmente a carne era

separada dos ossos e dividida em mantas para serem então salgadas (COUTY apud

MAESTRI, 1984). Os peões poderiam ser tanto homens livres quanto escravos.

3.2.2 Moradias

Na documentação encontramos algumas referências as diferentes habitações dos

empregados livres de uma charqueada. No inventário de Joaquina Maria da Silva, de 1849118,

proprietária da charqueada, olaria e estância do Pavão, havia arrolada “(...) uma casa pequena,

que servia de residência ao capataz (...)” enquanto que no de Emerenciana Maria Teixeira, de

1847, havia um “galpão com casa de capataz” avaliado em 3 contos de réis.119 No

arrolamento dos bens de Matilde da Silva Vinhas, de 1862120, fora descrita, além da senzala,

os “(...) quartos dos peões (...)”.Do mesmo modo, entre os imóveis de Albana dos Santos

Barcellos havia “1 galpão que compreende em si a senzala, um armazém, cocheira, estrebaria

e diversos quartos”.121 Portanto, supomos que ao capataz caberia uma casa individual, por

vezes de melhor qualidade, embora pertencente ao conjunto de benfeitorias ligadas à

produção. Já os peões e demais trabalhadores ficariam alojados em quartos pertencentes ao

mesmo conjunto de prédios onde estavam os escravos e as demais estruturas da área

produtiva.

118
Inv. Joaquina Maria da Silva. N.304, M.21, E.25, Ano 1849. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
119
Inv. Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
120
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N. 567, M.36, E.6/25, Ano 1862. 1° cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
121
Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406, M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
134

3.2.3 Caixeiros

Além de capatazes, administradores, feitores e peões, havia no ambiente charqueador

outros indivíduos realizando diferentes atividades. No seu testamento o barão de Butuí, José

Antônio Moreira, deixou legados também para seus caixeiros aos quais, nos parece deveria

sentir-se agradecido por terem colaborado para sua imensa fortuna. Isto porque, deixou

valores bastante elevados para uma dádiva de testamento a pessoas que não pertenciam a sua

família. Para seu caixeiro João Gonçalves de Miranda, deixou 2 contos de réis. Ao seu “ex-

caixeiro Antônio Joaquim Rodrigues”, deixou 1 conto de réis e ao caixeiro de sua charqueada,

Jacintho Medeiros, legou 500#000 réis.122 Responsáveis pela venda dos produtos de sua

charqueada, os caixeiros receberam como recompensa por seus serviços valores bastante

elevados para a época. No entanto, este será o único documento encontrado a referir-se a estes

trabalhadores.

3.2.4 Guarda-livros

Outro funcionário importante na administração de uma charqueada eram os guarda-

livros, empregados do comércio, ou profissionais independentes, estes homens eram

encarregados da escrituração dos livros mercantis. Domingos José de Almeida refere-se em

sua correspondência a seu guarda-livros João da Cunha Pessanha, o qual exercia para ele

diferentes funções, como se lê em uma carta de 1835: “João da Cunha que tome assento

desses recibos e os entregue agradecendo esses favores” bem como em outra correspondência

122
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6, Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
135

do mesmo período comenta “João da Cunha vai agenciar a cobrança do que se nos deve,

como a dos amigos Castro, Chaves, Coruja e Antônio Rafael.”123

Novamente seu guarda-livros aparecerá em sua correspondência, em 1842,

encarregado de controlar os negócios da charqueada

(...) lhe remeto no recibo que em 23 de fevereiro de 1837


Domingos Soares Barbosa firmou de 280 forquilhas, 203 varejões dos varais
e 2$ estacas, que por ordem do Sr. Inácio Rodrigues Barcelos foram
entregues de minha charqueada por João da Cunha Peçanha, então meu
guarda-livros.124

Até 1844, próximo do final do Movimento Farroupilha, que havia afastado

Domingos José de Almeida do controle direto de seus negócios nas margens do arroio

Pelotas, seu guarda-livros ainda aparece em suas cartas como o responsável, entre outros

parentes e funcionários, pelas negócios de sua casa. Ora realizando cobranças, ora

controlando vendas e arrendamentos, o guarda-livros tinha um importante papel em uma

sociedade onde o endividamento era uma constante. Na maioria dos inventários referentes ao

século XIX na região, a lista de dívidas tanto ativas como passivas eram bastante

significativas. Corsetti (1983) observou que grande parte das fortunas dos charqueadores

estavam comprometidas com dívidas.

123
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
124
Idem.
136

3.2.5 Patrão de iate

Um empregado importante nas charqueadas das margens do arroio Pelotas foram os

patrões dos iates. Dentre os 56 inventários de proprietários charqueadores pesquisados,

haviam arrolados no total 58 embarcações, sendo que 23 deles dependiam de fretes para

enviar seus produtos pelas vias fluviais, a maioria destes de uma mesma família, a dos

Rodrigues Barcellos. Alguns poucos possuíam embarcações em sociedade com outros

charqueadores. As embarcações eram um importante meio de transporte para os produtos dos

estabelecimentos que eram enviados para os portos de Rio Grande e demais localidades

ligadas pelo rico sistema fluvial da região.

No comando destas embarcações estava o patrão do iate, que era responsável pela

venda e transporte dos produtos bem como do controle dos escravos marinheiros e calafates.

Esta situação de comando frente a uma tripulação basicamente composta de cativos

apresentava perigos como o ocorrido com o patrão do iate Quibebe em julho de 1847. Os iates

Quibebe e Belisário viajavam de Rio Grande para Porto Alegre, estando um muito próximo

do outro, quando suas tripulações de cativos revoltaram-se e assasinaram o patrão do iate

Quibebe e violaram sua mulher. Pegos na costa do Pelotas, os três escravos foram executados

na forca (LOPES NETO, 1994).

Ao que parece estes indivíduos que exerciam a atividade de patrão de iate eram

responsáveis pela embarcação, local onde ficavam estabelecidos regularmente. Nos escritos

de Domingos José de Almeida, em 1836, frente as alterações que ocorriam no período e que o

colocavam em alerta quanto ao perigo de fuga da escravatura, podemos perceber que este

funcionário deveria pernoitar dentro destas embarcações


137

O patrão do iate que ajude também no que puder, uma vez que
estando o iate no porto, como deve estar, não necessita ele andar de passeios
em tal quadra, e que por maneira alguma deixe de dormir a bordo.125

O patrão do iate recebia salário e é possível que, por vezes, também recebesse parte

do lucro dos fretes. O charqueador José Ignácio da Cunha, em 1865, tinha sociedade com o

patrão do iate Pocrane. Encontramos uma referência quanto ao pagamento de um patrão do

iate, no inventário de Boaventura Ignácio Rodrigues Barcellos, de 1846, no qual este

funcionário recebia um salário de 40#000 mensais.126

3.2.6 Oleiros

Dentre as diversas atividades produtivas realizadas dentro do complexo charqueador,

havia as olarias como importante fonte de material construtivo para as necessárias benfeitorias

bem como fonte de obtenção de recursos. Durante o período de entressafra de abril a

novembro, como demonstrou Gutierrez (1993), os escravos eram colocados para trabalhar nas

plantações e retirada de madeira na serra dos Tapes, bem como ocupados com os trabalhos

nas olarias. Entre os 56 inventários de proprietários de terrenos nas margens do arroio

Pelotas, foram arroladas 23 olarias. As olarias, embora contassem com o trabalho cativo,

necessitavam de um mestre oleiro ou capataz que coordenasse as atividades. Novamente em

uma carta de Domingos José de Almeida encontramos uma referência a função de um

trabalhador livre, recebendo pagamento por seu serviço de oleiro. O autor escreve em 24 de

março de 1845,

125
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
126
Inv. Boaventura Ignácio Barcellos. N.253, M.18, E.6, Ano 1846. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
138

Se o tijolo do potreiro não for vendido no Rio Grande para mais de


55$000, manda dizer ao Sr. Martim Chavana que não faça mais algum tijolo
por nossa conta: o que tiver já feito porém deve ser cozido ainda pelo trato
feito; todo ele porás à disposição do Sr. João Antônio de Oliveira Aguiar, a
quem pedirás a importância do total a doze patacões127 para dares ao Sr.
Martim e despedi-lo. A ele já dei cinco onças128 que se devem encontrar,
como os 100 patacões que te disse lhe desse do que esperava de Rio
Grande.129

Alguns proprietários da costa do arroio Pelotas tinham por meio de sustento

principalmente suas olarias. O proprietário de família charqueadora Boaventura Ignácio

Barcellos, escreveu carta em 1837, para Domingos José de Almeida então Ministro da

Fazenda dos farrapos, desculpando-se por não poder auxiliar com dinheiro e escravos a causa

farroupilha, justificando que

(...) e achando-me nesta ocasião com bastante porção de tijolo feito sem
haver quem compre, sem dinheiro, pois não tenho outro meio lucrativo, e
não havendo neste município pessoa a quem possa pedir emprestado por
estarem dele ausentes os habitantes em circunstâncias de o fazer, bem a meu
pesar me vejo impossibilitado de entrar com o meu fraco contingente a bem
da Pátria, protestando fazê-lo logo que me seja possível. (...)

Costa de Pelotas, 3 de julho de 1837.130

Dentre as dívidas do comendador Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos havia as

despesas com sua olaria, incluindo o capataz e escravos. Ele havia alugado o escravo

Florencio para o serviço da olaria pagando a seu senhor, Fermino Alves de Abreu, 30#000

réis. O mesmo havia paga a Joaquim Barcellos, “por seu trabalho na Olaria”, o qual supomos

seja o de capataz ou mestre.131

127
Patacões – um patacão de prata valia 2#000 réis (Hörmeyer, 1986).
128
Onças – uma onça de ouro valia 32#000 réis.(Hörmeyer, 1986).
129
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
130
Idem.
131
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos N.2, M.1, E.28, Ano 1870.2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
139

3.2.7 Professor

Desde 1832 já havia na cidade de Pelotas escolas particulares de primeiras letras,

gramática, latim, desenho, geometria e francês. Apesar de, desde 1820, ter sido criada a

primeira aula pública de meninos na cidade de Pelotas, esta somente foi aberta em 1833,

embora tenha sido pouco tempo depois fechada devido a guerra civil que ocorria na Província

somente sendo reaberta em 1845132. A primeira aula pública de meninas havia sido criada em

1831 sendo aberta em 1834 e também ficado fechada durante o período farroupilha. No

entanto, algumas famílias mais abastadas dentre os charqueadores que viviam nas costas do

arroio Pelotas tinham em suas casas como agregado um professor para introduzir seus filhos

nas “primeiras letras”. José Félix da Costa vivia às margens do arroio Pelotas em uma casa

nas terras de Domingos José de Almeida, como podemos ver no mapa (Figura ), de quem era

professor de seus filhos. Seu nome aparece na correspondência de Domingos José de

Almeida, em 1836, como mais um entre seus compadres:

(...), tendo nós a fortuna da companhia de nosso bom compadre José Félix,
que demais dirige nossos filhos queridos; (...).
(...).
Adeus minha querida Bernardina. Abraços a nossos filhos, ao compadre José
Félix e teus pais, lembranças a José Pedro, a teus irmãos, ao compadre
Rolino e a João da Cunha, recebendo tu o coração do
Teu (a) Almeida.133

Os filhos de Domingos José de Almeida recebiam as primeiras aulas onde eram

preparados para iniciarem os estudos na cidade quando atingissem a idade condizente.

Durante a Revolução Farroupilha, devido ao fechamento das escolas na cidade, restava ter

um professor em casa para o estudo das crianças. O professor José Félix era compadre de

132
LOPES NETO J.S. p.58.
133
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
140

Domingos José de Almeida e vivia como agregado em suas terras. Era também chamado para

opinar e resolver assuntos da casa, como podemos observar nesta correspondência

Acresce a tudo isto termos o compadre José Félix para ir instruindo


nas primeiras letras nossos filhos e fazer-nos companhia, podendo eu, no
repouso, melhor desenvolver nossos interesses por não excitar a inveja de
ninguém etc., etc., e ficar a cidade à mão para depois nossos filhos seguirem
estudos maiores.
(...) que convém, ainda que por pouco seja, para irem reparando os
edifícios, varais, mangueiras e potreiros etc.,(...); por isso manda chamar ao
amigo Chastan; com ele, com Chaves a quem também chamarás e com nosso
compadre José Félix, assenta no que deverás fazer, e põe logo em execução,
avisando-me por terra para meu governo; (...).134

Do mesmo modo, em toda sua correspondência Domingos José de Almeida vez por

outra cita José Félix não somente como professor de seus filhos mas como conselheiro e

auxiliar na administração da charqueada, sempre frisando “(...) e com nosso compadre José

Félix assenta no que deverás fazer (...)”, ou em outro momento “O compadre José Félix e o

amigo Chastan que em tudo sejam consultados e ouvidos,(...)”.

Passados alguns anos, em 1842, Domingos José de Almeida convidará João José de

Abreu para o acompanhar sua família em suas mudanças, como professor de seus filhos. João

José de Abreu era professor primário e havia sido, segundo Lopes Neto (1994, p.59), “o

primeiro professor público a receber nomeação especial do governo da República Rio-

Grandense, em portaria de 1837”. A este professor, se porventura quisesse se agregar a sua

família, Domingos José de Almeida oferecia

Ilmo. Sr. João José de Abreu. Bagé, 19 de fevereiro de 1842.


(...).Se pela quantia indicada V.Sa. quiser tomar a si o ensino de meus filhos
aqui, ou em qualquer lugar para onde eles se dirijam, e além dela cama, mesa
e roupa lavada, muito estimarei; e nesse caso pode vir quando quiser. Faço
esta proposição porque me parece que por falta das mensalidades que se lhe

134
Anais do AHRGS, V.3.
141

marcaram, V. Sa. se verá na precisão de lançar mão de outro modo de vida


nessa hipótese é que a faço. (...). Domingos José de Almeida.135

João José de Abreu assumiu em 1847 a única aula pública que havia na cidade de

Pelotas para meninos na época136. Mesmo que seus filhos homens logo fossem para a cidade

estudar em cursos regulares, como ocorreu em 1842, as meninas provavelmente aprenderiam

suas lições com um professor em casa, como era costume na época. Em 1843, Domingos

José de Almeida envia seus dois filhos Bernardino e Luís para o Rio de Janeiro “a fim de se

instruírem”. Para tanto, recomenda que junto com os meninos fossem enviadas também

“roupa branca, lençóis, duas jaquetas e um robissão para cada um; (...)” acrescentando “Na

gaveta da minha papeleira tem um programa impresso de um dos colégios do Rio, manda-me

com os meninos.” Para os filhos homens das famílias abastadas havia que investir cedo em

sua educação. No entanto, será o próprio Domingos José de Almeida que liderará um abaixo

assinado enviado a Assembléia Legislativa da Província em 1862, reivindicando uma escola

pública na região da Boa Vista, onde tinha sua charqueada, para meninas:

Honrados e dignos membros da Assembléia Legislativa da


Província do Rio Grande do Sul. Os infra-assinados, moradores da freguesia
de Santo Antônio da Boa Vista, 2o distrito da cidade e termo de Pelotas,
lamentado a falta do ensino primário à juventude do sexo feminino da dita
freguesia, vem rogar-nos a criação de uma cadeira de primeira letras nela
(...).Freguesia de Santo Antônio da Boa Vista, 2o distrito da cidade e termo
de Pelotas, 24 de junho de 1862.(a) D. J. de Almeida, Barcellos e irmãos,
João Moura Chaves, José Antônio Nunes, Boaventura Inácio da Silva
Barcellos, Israel Inácio Barcelos, Joaquim Antônio Barcelos (...).137

Portanto, até este período, aos charqueadores preocupados com a educação de seus

filhos, havia que contratar um professor que, devido as longas distâncias, vivesse de agregado

com sua família. No entanto, as cartas de Domingos José de Almeida foram uma das poucas

135
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
136
LOPES NETO, S. op. cit.
137
Idem.
142

referências encontrada sobre estes empregados. Temos notícia também, de que durante os

primeiros anos da revolução Farroupilha, fora assassinado na charqueada de Antônio José

Gonçalves Chaves, o mestre de suas filhas João Maria Berthet (LOPES NETO, 1994, p.36).

Nos documentos pesquisados, somente em dois inventários da segunda metade do

século XIX, encontramos arrolados o salário de um professor. Em 1873, Marcolina Barcellos

Chaves devia ao professor Carlos R. Laqquintinie, 45#000 réis referentes a quatro meses de

ensino a seu filho Álvaro138. No total o professor recebia 11#250 réis por mês. Carlos André

Laquintinie, proprietário do Colégio São Francisco, era um dentre os professores de origem

francesa que haviam em Pelotas e que tornou-se conhecido regionalmente por preparar jovens

para serem admitidos em cursos superiores na capital da Província ou em outros locais

(LOPES NETO, 1994, p.36).

Já os salários pagos a Madame Messeder, correspondentes a um mês de lições,

perfaziam o valor de 18#000 réis referentes aos anos de 1887 e 1888.139

Se, como protestava Chaves (1978, p.212) em suas “Memórias Ecônomo-Políticas”,

em 1822 não havia “mais de três homens formados naturais desta província e quatro meninos

em Coimbra”, sendo que até 1820 havia apenas um aula de Latim em Porto Alegre, no final

do século não havia mais a necessidade de professores agregados nas casas dos

charqueadores. Na cidade de Pelotas já existiam escolas públicas, bem como muitos dos

charqueadores já haviam adquirindo casas dentro da cidade onde seus filhos poderiam iniciar

138
Inv. Antônio José Gonçalves Chaves.N.754, M.45, E.6/25, Ano 1872. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
139
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
143

seus estudos, alguns partindo mais tarde para aperfeiçoá-los em São Paulo, Rio de Janeiro,

Bahia ou na Europa.

3.2.8 Salários

Observando-se então os diferentes segmentos que trabalhavam e viviam em torno da

charqueada, percebemos que havia o pagamento de salários, embora de forma irregular e

desigual.

Os peões e capatazes recebiam seu pagamento, principalmente, por meio da oferta de

casa e comida e pela permissão de uso de uma fração de terra onde pudesse estabelecer sua

família, plantar e criar alguns animais. Embora muitas vezes recebessem salário, como se

evidencia nas fontes documentais do período, o pagamentos destes poderiam ser protelados

em meses ou até anos.

Segundo Marques (1987,p.199), os peões da estância ganhavam 10 mil réis por mês

além de casa e comida enquanto que os peões de tropa recebiam 5 mil réis por dia de trabalho.

Em relato do Conselheiro Antônio Manoel Corrêa da Câmara de 1851, baseado nos dados

fornecidos por Domingos José de Almeida, sobre as despesas efetuadas para manutenção de

uma estância, o salário de um peão seria o de 20#000 mensais enquanto que o de capataz seria

de 50#000 mensais (CÂMARA, 1982, p.159). Estes dados possivelmente foram exagerados

na medida em que Domingos José de Almeida defendia então a necessidade de proteger-se os

estancieiros gaúchos, considerados então por ele como a classe que estava sendo mais onerada

da província.
144

No inventário do charqueador José Pinto Martins, datado de 1827, aparecem entre

suas dívidas passivas os salários mensais do capataz de estância compreendendo 6#000 réis

enquanto o capataz de charqueada recebia 16#000 por mês. 140

Por meio dos inventários dos charqueadores da região do arroio Pelotas no decorrer

do século XIX, organizamos uma tabela com os valores dos salários (ver Tabela 3) referentes

as diferentes funções exercidas em um estabelecimento.

140
Inv. José Pinto Martins. N.114 M.10 E.25 Ano 1827.1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
145

Tabela 3

Valores dos Salário – Século XIX

FUNÇÃO SALÁRIO MENSAL ANO


Capataz de campo 6#400 1827
Capataz de charqueada 16#000 1827
Capataz de estância 46#680 1852
Capataz de estância 20#000 1870
Capataz 50#000 1887
peão de estância 30#000 1887
peão de estância 10#000 1887
peão/diarista 8#000 1887
peão/diarista 8#000 1898
patrão de iate 40#000 1846
Oleiro 30#000 1870
Carroceiro 10#600 1887
Cozinheira 18#720 1887
Lavadeira 12#000 1887
Bolieiro 50#000 1887
Posteiro 20#000 1887
Professor 11#250 1873
Professor 18#000 1887
Fonte: Inv. José Pinto Martins. N.114 M.10 E.25 Ano 1827.1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Antônio José
Gonçalves Chaves.N.754, M.45, E.6/25, Ano 1872. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. João Maria
Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Cypriano Joaquim
Rodrigues Barcellos N.2, M.1, E.28, Ano 1870.2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas; Inv. Boaventura Ignácio
Barcellos. N.253, M.18, E.6, Ano 1846. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.
567, M.36, E.6/25, Ano 1862. 1° cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406,
M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6,
Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas; 1 Inv. Joaquina Maria da Silva. N.304, M.21, E.25, Ano
1849. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart.
Cível. Pelotas; Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
APERGS.

A função de capataz aparece referida de quatro modos: capataz de estância, capataz

de campo, capataz de charqueada ou apenas como capataz. Todos eles recebendo salários

variando de 6#400 réis a 50#000 réis, sendo que um capataz de charqueada receberia 16#000.

Os peões poderiam ser diaristas, recebendo 8#000 por dia trabalhado, ou de estância,
146

recebendo de 10#000 a 30#000 réis por mês. Embora a amostra seja muito pequena, parece

que não havia uma uniformidade nos valores. Dependia dos tarefas e das qualidades

referentes a cada trabalhador.

Considerando-se uma média dos salários destes empregados livres, o que um

indivíduo em meados do século XIX poderia adquirir com 15#000 réis, no caso do salário de

um peão, ou com uma média de 30#000 réis, no caso de um capataz ?

Segundo o viajante Hörmeyer (1986, p.70) a vida do homem do campo era frugal,

para ele “(...) uma garrafa de cachaça, sua cuia de mate paraguaio, seu cigarro de palha e um

churrasco com um pouco de farinha são perfeitamente suficientes para satisfazê-lo quanto as

necessidades estomacais”. Além de suas necessidades alimentares, havia que possuir um

cavalo, seus aperos, baús e caixas onde guardar sua tralha, uma panela de ferro para cozinhar,

entre outras necessidades básicas da vida doméstica. Para termos uma idéia do custo de

objetos, roupas, alimentos entre outros artigos no século XIX, construímos uma tabela com

produtos e seus valores (ver Tabela 4) retirados dos inventários entre outras fontes do período.
147

Tabela 4

Valores de Bens – Século XIX

ANO BENS VALOR


1806 escravo benguela, 50 anos 80#000
1806 lombilho 1#600
1806 cavalo velho 1#600
1806 panela de ferro #640
1818 garrafa branca #640
1818 garrafa preta #080
1818 copo grande #400
1818 copo pequeno #160
1820 colher de prata 1#483
1820 garfo de prata 1#500
1820 faca de prata 2#366
1824 carretão 12#000
1824 carreta com 2 reparos 16#000
1824 carrinho 250#000
1824 sege de brim liso 350#000
1826 casa de vivenda coberta de capim 200#000
1826 curral de pedras 200#000
1826 escravo João, 40 anos 230#400
1826 tafona com casa coberta de capim 28#000
1826 catre de madeira 1#600
1826 mesa pequena #480
1826 caixa pequena 1#280
1826 cadeira de sola #480
1826 marquesa 4#000
1826 canastra de couro #640
1826 panela da ferro 1#060
1826 tacho de cobre 10#000
1827 prato raso branco #140
1827 cálice de vidro #040
1827 bacia de pó de pedra #320
1827 aparelho chá louça azul 4#000
1828 colher de prata #533
1828 escravo João Mina, 29 anos 250#000
1828 morada de casas térreas na cidade 1:200#000
1838 canastra 2#000
1838 baú de couro 6#000
148

ANO BENS VALOR

1838 boceta de tabaco 4#000


1838 mala 1#280
1838 relógio de algibeira 4#800
1838 aluguel de uma casa 12#000
1838 1,10 metros de fumo #360
1838 vela #200
1838 barril de vinho 32#000
1838 consulta médica para escravo 6#000
1846 faca de cabo de osso #083
1846 colher de sopa de prata 1#600
1846 colher de prata para chá #400
1846 bomba de mate de prata 2#000
1847 carreta grande 120#000
1847 carreta pequena 80#000
1847 data na serra dos Tapes com casa 2:000#000
1847 senzala 500#000
1847 escrava Júlia, nova 600#000
1847 escravo servente 650#000
1847 pilão pequeno 160#000
1847 panela de ferro #640
1847 panela de barro #240
1847 chaleira de ferro #480
1847 bomba de mate de prata 3#000
1847 colher de prata 2#000
1847 faca ou garfo com cabo de osso #100
1850 cavalo comum 4 a 6#000
1850 cavalo de melhor montaria 12 a 26#000
1850 boi 14 a 18#000
1850 vaca 18 a 24#000
1850 1 garrafa de cachaça #085
1855 escravo Braz, 30 anos 1:000#000
1855 escravo Dionizio, velho 400#000
1855 escravo Moisés, 35 anos 600#000
1855 1 data na Serra dos Tapes 2:000#000
1855 moradia na costa do Pelotas 6:000#000
1855 senzala de telhas 1:000#000
1855 1 terreno na estrada do Retiro 600#000
1855 colher sopa prata 4#481
1855 colher prata para chá 2#240
1857 oratório com 4 imagens 200#000
149

ANO BENS VALOR


1860 1 par de esporas de prata 52#000
1860 1 chapeado prata 34#000
1860 rédeas prateadas 32#000
1863 1 potreiro pequeno 2:800#000
1863 casa e cozinha de telha em mau estado 200#000
1863 1 data na serra dos Tapes com casa 2:800#000
1863 1 charqueada 10:000#000
1863 escravo Brás, mulato, 45 anos 700#000
1863 escrava Maria Rebola, 40 anos 300#000
1864 faca com cabo e bainha de prata 1#000
1864 colher prata p/ sopa 3#313
1864 colher prata p/ chá 1#918
1864 bomba para mate 1#890
1871 mel rosado #320
1871 limonada Rogé #560
1871 bebida de Stoll #800
1871 pomada #400
1871 óleo de amêndoas #120
1871 1 corte de tecido de alpaca 1#500
1871 1 timão de lã 3#000
1871 carretel de linha #120
1871 1 atlas 3#000
1871 lampião para corredor 10#000
1871 suspensório #500
1871 1 par de botinas de pelica 10#000
1871 1 par de botinas grossas 8#000
1871 1 par de botinas lisas 5#000
1872 faca ou garfo com cabo de marfim #666
1872 colher de metal para sopa 1#666
1872 colher sopa de prata 4#445
1873 cuia e bomba para mate de prata 21#600
1873 1 data na serra dos Tapes com 750 br de fr 6 contos
1873 terreno na cidade 10 br x 27 br 1 conto
1873 escravo Luis, 42 anos 1#2000
1879 bomba para mate 11#500
1885 1/2 data de matos na serra dos Tapes 10:000#000
1885 1 terreno na vila de Sta. Isabel 80#000
1885 1 casa de material na costa do Piratini 2:000#000
1885 1 estabelecimento de charqueda 35:000#000
1887 colher sopa de prata 2#248
150

ANO BENS VALOR


1887 cuia para mate de prata 13#650
1887 bomba para mate de prata 2#240
Fonte: Inv. José Pinto Martins. N.114 M.10 E.25 Ano 1827.1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Antônio José
Gonçalves Chaves.N.754, M.45, E.6/25, Ano 1872. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. João Maria
Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Cypriano Joaquim
Rodrigues Barcellos N.2, M.1, E.28, Ano 1870.2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas; Inv. Boaventura Ignácio
Barcellos. N.253, M.18, E.6, Ano 1846. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.
567, M.36, E.6/25, Ano 1862. 1° cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406,
M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6,
Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas; 1 Inv. Joaquina Maria da Silva. N.304, M.21, E.25, Ano
1849. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2
Cart. Cível. Pelotas; Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov.
Pelotas. Hörmeyer, J. O Rio Grande do Sul de 1850. Porto Alegre: DC Luzzatto, 1986.

No caso dos peões, que receberiam em média de 10#000 a 15#000 réis por mês,

seria bastante difícil viver em terras e benfeitorias próprias, considerando-se o custo de uma

moradia simples em 1863 no valor de 200#000 que seria 20 vezes o seu salário. Do mesmo

modo adquirir um cavalo, mesmo que comum, que em 1850 valia entre 4#000 e 6#000 réis,

comprometeria seu salário do mês inteiro.

Os aperos em prata, bastante caros, chegando a custar em 1860, um par de esporas

52#000 réis, deveriam ser adquiridos depois de muita economia, se fosse possível. Logo,

viver de agregado em terras e casa alheia parece ter sido condição básica para estes indivíduos

que desejassem estabelecer-se.

Para os capatazes, que podiam chegar a ter um salário de 50#000 réis, considerando-

se um salário médio de 30#000 mensais, sem casa e terras próprias, era possível ir adquirindo

bois, vacas e cavalos (ver na Tabela 4, ano de 1850), e mantendo sua subsistência com um

ambiente doméstico simples. Com o passar do tempo, somados alguns trabalhos, este

indivíduo ia comprando escravos para lhe auxiliar na lida do campo, escravos estes que eram

então, além de seus aperos de prata, bastante valorizados e sua única propriedade.
151

Do mesmo modo, aos oleiros e outros trabalhadores, devido a suas baixas rendas

auferidas em salários e a irregularidade de seus pagamentos, era necessário receber todas as

demais facilidades como casa, comida e, até mesmo, como no caso dos professores, roupa

lavada. Para estes segmentos, em diferentes escalas, desde o peão até o patrão de um iate, era

notória sua condição de dependência no meio rural, mesmo que transitória, a casa de um

senhor dono de terras e propriedades.

3.3 AGREGADOS

No intuito de observarmos melhor como viviam estes indivíduos e suas famílias que

habitavam ou haviam passado pela região no período como agregados, retiramos da

documentação pesquisada algumas histórias de vida que aparecem fragmentadas e esparsas.

No primeiro quartel do século XIX, encontramos o inventário de Francisco Antônio,

que havia falecido deixando sua viúva Micaela dos Anjos e um filho141. O casal não possuía

nenhum bem de raiz uma vez que “(...) sempre viveram de favor e agregados em terras do

alferes Pereira Chaves e seu sócio Bernardo Dias de Castro.” (Grifo nosso). Possuíam nestas

terras uma pequena porção de gado (5 vacas mansas, 5 crias das ditas pequenas e 6 bois

mansos) e quatro escravos: um homem de 40 anos, uma mulher de 30 e duas crianças

pequenas.

Dos objetos que compunham seu ambiente doméstico, o casal teve arrolados apenas

uma chocolateira, um tacho de cobre e 3 panelas de ferro pequenas. Provavelmente viviam da

141
Inventário. Francisco Antônio.N.36, M.03, E.25, Ano 1819.Pelotas. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
152

agricultura, uma vez que na lista de seus devedores estava o cirurgião João Nunes Baptista

pela quantia de 64#000 réis referentes a 40 alqueires de trigo.

Recebiam jornais pelo trabalho do escravo Antônio Cassange, que deveria estar em

poder do alferes João José Ribeiro. No entanto, mostrou-se no decorrer do inventário que este

mesmo escravo havia sido vendido pelo novo companheiro da viúva, Francisco Lopes, para

Bernardo Dias de Castro, um dos donos das terras em quem vivam como agregados. A viúva,

proprietária do escravo, desconhecendo a transação, havia sido enganada e roubada pelo

marido. Durante o processo de inventário, ela pede então ao juiz que “(...) seja servido mandar

que o capitão do mato juntamente com alguns de seus soldados prendam a meu marido

Francisco Lopes a ordem de V.S. e o conduzam de baixo de [...] incomunicável com pessoa

alguma até chegar a presença de V.S. para responder as perguntas e declarações que lhe

fizerem.”

Esta história termina em 1822 com a partilha para o herdeiro, do qual em nenhum

momento do inventário é referido o nome. Nenhum dado a mais aparece no processo

informando o desfecho do caso, bem como nenhuma referência a estes indivíduos foi

encontrada em outros documentos. Na maioria destes casos, quando as partes são de poucas

posses, os documentos são exíguos, falhos e sem continuidade.

Neste pequeno fragmento de história do cotidiano destes agregados, podemos

observar a situação da mulher pobre frente ao abuso sofrido por parte de novos companheiros

que, muitas vezes, viam nestas viúvas uma fonte fácil de obter vantagens. Outra história

semelhante a esta encontramos na da viúva Maria Manoela Botelho.


153

Maria Manoela Botelho tinha sete filhos e estava casada com Appolinário Aranda.

Viviam na região do Paço das Pedras, no termo de Pelotas, em 1860, quando foi realizado o

inventário de Francisco Antônio Barcellos, seu primeiro marido e pai de seus filhos. Havia na

época em sua casa três panelas de ferro, duas mesas, dois baús, três bancos, uma marquesa e

uma cama. Possuíam uma carreta em bom uso e um carretão. No campo tinham 4 bois, 3

cavalos e 10 éguas. Contavam com duas escravas: Henriqueta de Nação, com 55 anos e

Bibiana, parda de 15 anos.

Segundo relatou a viúva ao juiz, ao ser dado a inventário os bens de seu primeiro

marido, os objetos: “(...) que ficaram por morte de seu primeiro marido não existem hoje, uns

por terem sido vendidos por seu segundo marido Apollinário Aranda e outros extraviados e

consumidos por debaixo de sua administração (...)”.142 Entre os bens vendidos por seu atual

marido e que pertenciam aos órfãos estavam aperos em prata (1 par de esporas de 52#000, 1

chapeado de 34#000 e rédeas prateadas de 32#000), uma balança romana, dois escravos, 11

bois, 5 cavalos e 20 éguas de criar.

A viúva solicitou ao juiz que nomeasse um tutor para defender os interesses dos

órfãos uma vez que “os devedores deste segundo casal estão a fazer penhora dos bens que são

pertencentes ao dito primeiro casal (...).” No momento da abertura do processo, esta mulher,

já casada em segundas núpcias, devia estar viúva de seu primeiro marido há algum tempo, no

entanto somente deu abertura ao inventário dos bens deste uma vez que viu-se na necessidade

de protegê-los dos credores. Portanto, isto parece evidenciar que estes grupos menos

favorecidos, que viviam afastados das cidades, dificilmente realizavam em prazos legais,

quando realizavam, o inventariamento dos bens por ocasião da morte de um cabeça de casal,

mesmo nos casos em que haviam herdeiros menores, como ordenava a lei.

142
Inv. Francisco Antônio Barcellos. N.503, M.33, E.6, Ano 1860. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
154

As histórias destas duas mulheres, Micaela dos Anjos e Maria Manoela Botelho nos

permitem ver, mesmo que de forma fragmentada e isolada, a fragilidade das mulheres pobres

no meio rural quando ficavam viúvas e deveriam então, assumir os cuidados e sustento da

casa, no mais das vezes com filhos ainda menores de idade. Nos documentos analisados não

encontramos nenhuma referência a parentes além dos indivíduos que constituíam o núcleo

familiar. Ao contrário, muitas vezes filhos, genros e noras do inventariante estão “ausentes”

ou “em lugar desconhecido”. As mulheres das classes mais abastadas, por outro lado, como se

verá no capítulo seguinte, eram protegidas por toda uma rede familiar, desde recebendo dotes

de casamento e legados nos testamentos de parentes, até por meio dos próprios arranjos

matrimoniais. Vivendo próximas a seus familiares, estabelecidas de forma permanente,

constituindo uma rede de relações que as protegiam nas vicissitudes, as viúvas do

proprietários da região eram amparadas por todo o grupo.

Podemos observar no mapa da região do arroio Pelotas, realizado para obtenção de

extrato de título de propriedade de Boaventura Ignácio Barcellos, em novembro de 1827 (ver

Figura 4), seguindo as margens do arroio, diversas casinhas demarcadas com os respectivos

nomes de seus proprietários. Entre estes encontramos referências de indivíduos que não

faziam parte das famílias dos proprietários. Estes sujeitos viviam agregados em terras dos

charqueadores Antônio Pereira da Cruz, José Teixeira e Joaquim José da Cruz Secco.

Nas terras de Joaquim José da Cruz Secco havia demarcada a casa de Mariano dos

Santos (ver Figura ). A única referência que encontramos deste indivíduo foi a de que era

proprietário de terras na Serra dos Tapes, onde se achava estabelecido em 1819143, época em

que realizou a medição oficial destas terras, das quais havia recebido em 1815 a carta de data.

No ano de 1827, Mariano dos Santos possuía uma morada nas terras de Joaquim José da Cruz

143
Medição. Mariano dos Santos. A.572, M.14, E.7, Ano 1819. 2° Cartório Cível de Pelotas.
155

Secco, sendo que depois desta data nenhum documento a seu respeito foi encontrado, ficando

assim, como em muitos outros casos que aparecem nas fontes, perdida sua trajetória pela

região.

No extrato de título de 1827, aparece também o nome de Antônio Ferreira Fontes que

na época estava estabelecido com casa em terras Antônio Pereira da Cruz, tendo como vizinho

o preto forro Bartolomé Correa (ver Figura 4). Antônio Ferreira Fontes era proprietário de

uma morada de casas cobertas de capim (ou um “rancho coberto de palha” como é descrito

em outra parte do documento) em terras de José Teixeira144. Passados três anos desde então,

em 1830, quando faleceu, possuía uma casa coberta de telhas, forrada e assoalhada na rua do

Pito, na vila de Rio Grande. Segundo seu testamento, Antônio Ferreira Fontes era natural e

batizado na igreja de Nossa Senhora da Piedade da Freguesia da Ponta [Garça] na ilha de São

Miguel, casado com Joana Maria de Souza de quem não tinha filhos.145

Em seu enterro, Antônio Ferreira Fontes pediu que seu corpo fosse “acompanhado

pelas suas irmandades”146, embora sem “repartição de velas com está em costume, digo,

como está em uso”. O testamenteiro está aqui se referindo ao costume da época, segundo Reis

(1997), no qual nos melhores funerais fazia-se uma distribuição de velas para que a cera

derretida, representando o esvair-se da matéria, ajudasse assim a abrir o caminho do defunto

nas trevas da morte. No entanto, segundo o autor, as velas que eram bastante caras no período,

atraíam os pobres que vinham aos funerais arrecadar estes preciosos objetos.

O inventariante também solicitou a viúva, como também era costume na época, que

mandasse rezar 28 missas por sua alma, 20 pela de seu pai e mãe e 6 pela do padre José

144
Ver capítulo II, p. 53, Figura 4.
145
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
146
Associação de caráter religioso.
156

Telles. Deixou cortado147 seu escravo Antônio de nação Mina, de 30 anos, sendo que “(...)

meu testamenteiro não poderá vender e logo que ele dê a outra metade de seu valor se lhe

passará a Carta (...).” Para sua esposa deixou 600#000 por “seu trabalho e ventura”.148

Além do escravo Antônio, que era especializado na função de oficial de sapateiro,

Antônio Ferreira Fontes possuía mais duas escravas: Juliana Cabinda, de 50 anos e Josepha,

crioula, de 25 anos. Provavelmente o inventariado tinha uma pequena sapataria de onde o

casal retirava rendas para seu sustento além de outras atividades que Antônio Ferreira Fontes

poderia executar nos arredores das charqueadas.149

Nas terras onde vivia Antônio Ferreira Fontes, propriedade do charqueador Antônio

Pereira da Cruz, aparecem o maior número de casas de agregados. Manoel Rodrigues

Córdova havia comprado em sociedade com ele, terras na margem do arroio Pelotas, nas

quais possuía benfeitorias. Mais tarde Antônio Pereira da Cruz havia comprado a parte de

Córdova. Em 1849, quando ficou viúvo de sua mulher, Ana Maria do Nascimento, Córdova

vivia na serra dos Tapes em terras de sua propriedade. Na região do arroio possuía então “uma

propriedade de casas cobertas de telha e paredes de tijolos edificadas em um terreno de cem

braças mais ou menos de frente ao arroio Pelotas, oitenta de fundos afunilando com um

pomar(...)” além de um outro terreno no local denominado Estaleiro, próximo ao arroio Santa

Bárbara.150

O viúvo Manoel Rodrigues Córdova tinha na época dez escravos, um deles

carpinteiro, e alguns poucos animais de criação (5 éguas, 4 cavalos, 6 bois mansos e um

147
Coartação de escravos – ou deixar cortado - era o costume de deixar o escravo livre do pagamento da metade
do valor total em que fosse avaliado para obter sua carta de alforria.
148
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
149
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
150
Inv. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
157

pastor). Entre seus bens materiais, haviam uma alavanca de ferro, 5 machados, 2 serras, um

serrote grande, uma pá de ferro, 3 foices, 4 enxadas e uma balança de cobre com pesos.

Somados a estas ferramentas havia mais 3 tachos de cobre grandes e uma caldeira de ferro

grande de fazer sabão, sugerindo que ele vivia de suas lavouras, corte de madeira na serra dos

Tapes e carpintaria, além da produção de artigos caseiros. O viúvo possuía também uma

canoa que deveria ser usada nas terras nas margens do arroio Pelotas.151

O equipamento doméstico da casa do viúvo era constituído de um baú, um armário,

três mesas com gavetas, outra mesa lisa, três cadeiras de assento de sola, cinco caixas muito

usadas, três tamboretes, seis cadeiras, um armário e uma cômoda muito usada. Possuía

também, um oratório e “um tear de tecer”.152

Manoel Rodrigues Córdova tinha três filhas. Rita de Cássia, era casada com João

Botelho. Ana Maria Carolina havia sido casada em primeira núpcias com José Teixeira de

quem havia ficado viúva. Casou-se então em segundas núpcias com José de Medeiros de

Almeida de quem estava separada. Vivia então no estado de “demente” na companhia do pai.

A terceira filha de Córdova, Genoveva Maria, havia morrido de complicações no parto

deixando uma neta de 11 meses, chamada Carolina, sob a tutela do avô. O pai da menina,

Caetano Corcino, estava em 1849 preso na cadeia da cidade de Rio Grande fazia mais de um

ano.153

Quase dez anos depois da morte da esposa de Córdova, este já não possuía mais

nenhum bem de raiz. Ao falecer em 1858, contava então com seis escravos, sendo dois deles

com mais de 60 anos e “quebrados”, um escravo carpinteiro, além de três menores. Não

151
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
152
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
153
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
158

foram arrolados em seu inventário os bens de raiz no arroio Pelotas, Serra dos Tapes e

Estaleiro. Estava empobrecido e restava pouca coisa a ser partilhada entre uma filha e uma

neta. Não há nenhuma referência ao local exato onde vivia na região de Pelotas, onde foi

inventariado.154

Outro agregado em terras de Antônio Pereira da Cruz foi Julião José da Silva que

aparece com casa nos mapas do extrato de medição das terras de Boaventura Ignácio

Barcellos, no arroio Pelotas, datado de 1827 (ver Figura 4).155. Embora desconheça-se sua

atividade sabemos que foi um agregado que beneficiou-se do compadrio com um

charqueador. Em 1834, em seu testamento Antônio Pereira da Cruz doou para seu compadre

Julião as terras nas quais ele vivia e possuía benfeitorias às margens do arroio Pelotas. Julião

José da Silva era pai de um menino chamado Antônio, afilhado do testador, para o qual este

deixou 25#600 réis de legado. No entanto, neste mesmo testamento, Antônio Pereira da Cruz

cobrou de seu compadre Julião José da Silva a quantia de 880#000 réis a qual lhe era

devedor. Como em inúmeros casos no período analisado, testar era o momento não somente

de deixar dádivas como também de ajustar as contas com os inúmeros credores e devedores.

Julião José da Silva, compadre de um abastado senhor, recebeu como dádiva as terras em que

já vivia há pelo menos sete anos.

Passados dez anos, Julião José da Silva vivia agora em uma casa na cidade de Rio

Grande local onde foi redigido o testamento de seu compadre o português natural da cidade

do Porto, José Domingues das Neves156. Sem filhos ou herdeiros naturais, José Domingues

das Neves, deixa todos seus bens para uma mulher de nome Victoriana Maria da Conceição.

Desta vez, quem se beneficia da herança são as duas filhas de Julião José da Silva. Maria,

154
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
155
Inv. Antônio Pereira da Cruz. N.204, M.14, E.6, Ano 1835.1° Cart. De Órfãos e Prov. Pelotas.
156
Test. José Domingues da Neves. A.228, M.16, E.25, Ano 1844.1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
159

afilhada do testador, recebe como legado de seu padrinho 50 patacões de prata enquanto que

Rita, ganha 25 patacões de prata157.

Encontramos pela última vez o nome de Julião José da Silva novamente como

testamenteiro, em 1864, de um homem chamado Antônio Gonçalves de Jesus158. O falecido

era natural da vila de São José do Norte, morador em uma casa de palha na ilha dos

marinheiros no lugar denominado Marambaia, solteiro, analfabeto, possuindo três filhos de

“(...)uma mulher latina de nome Clementina Rosa da Conceição” os quais declarou seus

herdeiros, embora tão pouco tivesse a deixar. Julião José da Silva era aqui também compadre

do testador. Neste sentido, um indivíduo ser testamenteiro poderia significar parentesco,

sangüíneo ou por compadrio, com o morto. Podia este também representar algum tipo de

autoridade local, até mesmo como proprietário ou patrão do falecido. Neste caso, Julião José

da Silva ou sua família, não receberam nenhum legado do testador, muito provavelmente

devido a extrema pobreza em que se encontrava. Aqui neste caso, parece que era Julião José

da Silva quem tinha as melhores condições sociais.

Por fim, o último nome do qual encontramos referência na documentação, retirado

dos mapas de terrenos do arroio Pelotas, será o de Joaquim José de Souza Sant’anna, morador

em terras de Manoel Soares da Silva, próximas a desembocadura do arroio Pelotas nas

margens do São Gonçalo (ver Figura 7). Joaquim José de Souza Sant’anna era natural da Ilha

de Santa Catarina, havia sido casado em primeiras núpcias com Heliodora Joaquina de Jesus,

de quem tinha 12 filhos. Após o falecimento desta, casou-se novamente, em segundas

núpcias, com Ludovina Joanna de Sant’anna. Para ela deixou em seu testamento sua terça.159

157
Patacão – moeda de de prata que correspondia a 2#000 réis.
158
Test. Antônio Gonçalves de Jesus. A.2010, M.87, E.4, Ano 1864. 1° Cart.de Órfãos e Prov. Rio Grande.
159
Test. Joaquim José de Souza Sant’anna. N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
160

Na época de sua morte, em 1857, já não vivia mais nas margens do arroio. Morava

agora em um lance de casas “com sua pequena cozinha e mais benfeitorias” na rua da Igreja,

na cidade de Pelotas. Possuía também outro lance de casas e mais dois terrenos com cercados

de espinho contíguos.160

Na sua moradia possuía de mobiliário 12 cadeiras com assento de pau, uma cômoda

de jacarandá, 3 mesas, um espelho pequeno, dois bancos, uma caixa de pinho, um armário de

pinho, um baú pequeno, uma marquesa em mau estado, além de oratório com imagens. Sua

tralha doméstica era constituída de 6 colheres de prata para chá, 1 bomba de prata para mate,

3 tachos de cobre, uma bacia de arame, uma chocolateira, duas chaleiras de ferro, um

almofariz, uma bandeja, 6 panelas de ferro, 6 talheres de ferro, dois castiçais de casquinha em

mau estado. Para passeios havia uma carretinha. O viúvo possuía também uma caixa de pinho

com ferramentas de carpinteiro.161 O casal possuía apenas uma escrava que fora vendida no

tempo do inventário.

De seus doze filhos, quatro já haviam falecido na época de seu inventário. Outros

quatro a viúva inventariante ignorava suas residências. Segundo ela, um dos filhos, Joaquim

José “(...) separou-se moço da companhia do inventariado seu pai e até hoje não tem sabido

notícia alguma dele”.162 Esta aparente desagregação familiar deveria significar, no entanto,

que os filhos ao atingirem a idade adulta iam buscar sua sobrevivência em lugares distantes da

casa paterna e materna, partindo cada um para onde houvessem oportunidades de trabalho,

agregando-se em outras terras, alistando-se nas forças militares ou indo para as cidades.

160
Idem.
161
Inv. Joaquim José de Souza Sant’anna.N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
162
Inv. Joaquim José de Souza Sant’anna. N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857.1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
161

Portanto, embora tenhamos procurado perceber a trajetória destes grupos de

trabalhadores livres que viviam como agregados em terras do arroio Pelotas ou de suas

proximidades, mostrou-se impossível recuperar mais que alguns anos de suas histórias,

sempre fragmentadas. Nos próprios documentos encontrados a respeito destes indivíduos, ao

contrário dos processos envolvendo proprietários charqueadores, os dados familiares são

incompletos e invariavelmente estes não encerram-se com a conclusão das causas. Terminam

abruptamente, após um número exíguo de páginas. Sobre estes grupos havia pouco com que

se preocupar em anotar os dados corretamente, em registrar e anexar as etapas dos episódios

contestatórios e de finalizar os processos. Provavelmente isto devia-se a dois fatores: o pouco

ou nada do montante envolvido e o pouco interesse de ambas as partes em concluir estes

processos burocráticos.

No entanto, é possível perceber que estes indivíduos que habitavam as margens do

arroio Pelotas, cujas casas foram registradas nos mapas de 1827, como agregados em terras

alheias, não permaneceram naquele local por muito tempo. Joaquim José Sant’anna em 1857

está vivendo com casa na cidade de Pelotas, Manoel Córdova em 1858 não possui mais

propriedades no arroio, Antônio Ferreira Fontes em 1830 está vivendo na cidade de Rio

Grande e Mariano dos Santos, por sua vez, não é referido em mais nenhum documento da

região depois de 1827. Nos documentos referentes a estes agregados acima e aos demais

referidos anteriormente, observamos que eles possuíam em média 4 escravos e alguns poucos

animais de criação. Estes grupos sobreviveriam de seu trabalho como carpinteiros, sapateiros,

da venda de parte de suas plantações de trigo ou o feijão, do aluguel de escravos, entre outras

pequenas atividades.
162

Poderíamos supor então que, conforme os charqueadores foram adquirindo e

aumentando suas propriedades na área, foram de certo modo expulsando estes moradores que

buscaram na cidade um melhor meio de vida. Após a primeira metade do século XIX, com a

aquisição das terras pela compra, somente quem tinha condições apossou-se destas terras nas

margens do arroio Pelotas, próprias para a produção do charque. As grandes propriedades

fabris necessitavam de trabalhadores livres para as funções de capataz, peão, administradores,

burocratas e para seu abastecimento em produtos agrícolas e demais funções tinham sua

escravaria que em tempo de recesso, nos meses de inverno, trabalhavam nas hortas e pomares,

nas plantações em suas terras na serra dos Tapes, cortando madeira e fazendo pequenos

serviços de carpintaria, olaria, etc. Os novos grupos que porventura vieram a agregar-se em

terras destes charqueadores, passaram despercebidos pela documentação sendo que, como

vimos havia um ferreiro na costa do Pelotas, conforme o testamento do Barão de Butuí, citado

anteriormente, do mesmo modo que haviam diversos outros trabalhadores e agregados dos

quais não foi possível recuperar nenhuma documentação a seu respeito. A grande mobilidade

destes grupos e sua reduzida riqueza material, seriam os principais motivos para a exiguidade

de fontes a seu respeito.


CAPÍTULO IV - CHARQUEADORES

Os primeiros charqueadores proprietários de estabelecimentos nas margens do arroio

Pelotas no século XIX eram, em sua maioria, de origem portuguesa, provenientes do norte de

Portugal, principalmente das regiões do Minho, Douro e Trás-os-Montes. Alguns, no entanto,

eram originários de outras áreas como do litoral sul, no Algarve, da vila de Moura, da cidade

de Lisboa e até mesmo da região da Galiza, na Espanha.

Na margem direita do arroio vivia José Pinto Martins, considerado o precursor das

charqueadas na região e que era natural da cidade do Porto e batizado na freguesia de

Meixaimel,, vizinho e sócio de outro português, o charqueador Ignácio José Bernardes,

natural da Vila de Moura.163 Outro proprietário da margem direita, o charqueador Antônio

Pereira da Cruz, havia sido batizado na matriz de São Miguel de Caixeiros, termo de Barcelos

e arcebispado de Braga no reino de Portugal e era vizinho e “(...) amigo de tantos anos (...)”

do padre Antônio Pereira, de quem foi testamenteiro e que havia nascido na vila de Valde

Nogueira, Termo e Bispado de Bragança e sido batizado na freguesia de N. Sra. de

Assumpção, em Portugal. Em terras contínuas às suas, doadas por Antônio Pereira da Cruz à

José Teixeira, vivia de agregado Antônio Ferreira Fontes que, por sua vez, era natural da

163
Test. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Test. José Pinto
Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
164

Freguesia de Ponta Garça na Ilha de São Miguel. Domingos Soares Barboza, natural da

cidade de Braga na Freguesia da Sé, também havia se estabelecido na margem direita do

arroio Pelotas com sua charqueada, onde trabalhavam mais de 50 escravos, após casar-se com

Constância Soares Barboza filha de outro importante proprietário da região, Joaquim

Rasgado.164

O português Antônio José Gonçalves Chaves, bem como seu vizinho e amigo o

tropeiro mineiro Domingos José de Almeida, possuíam na margem direita um

estabelecimento cada um. Os demais terrenos desta área do arroio Pelotas foram de

propriedade de outras famílias de charqueadores como os da família Rodrigues Barcellos que

tinha ali sete estabelecimentos. Os irmãos Boaventura, Cipriano e Bernardino possuíam cada

um dois terrenos e Inácio Rodrigues Barcellos um. As demais terras do local tiveram diversos

proprietários ou arrendatários ao longo do século XIX.

164
Test. José Domingues das Neves. A.228, M.16, E.25, Ano 1844. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. e Test.
Antônio Pereira. N.147, M.11, E.6, Ano 1831. 1 Cart. Órf. Prov. Pelotas; Test. Antônio Ferreira Fontes.
A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas; Test. Antônio Pereira da Cruz. N.204,
M.14, E.06, Ano 1835. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
165

Figura 14: Charqueada Santa Rita de Ignácio Rodrigues Barcellos, construída em 1826,
margem direita do arroio Pelotas (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP)

O charqueador Joaquim Guilherme da Costa, nascido e batizado em Sta. Maria da Sé

de Braga, Portugal e casado com D. Thereza Francisca da Costa de quem tinha 7 filhos, tinha

uma charqueada nas margens do arroio Pelotas, recebida em pagamento de dívida do

Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos. Joaquim Guilherme da Costa era também pai

de 2 filhas naturais decorrentes de um relacionamento extra conjugal também com uma

portuguesa, Efigênia Maria Pereira, residente na cidade de Pelotas.


166

Figura 15: Cabanha Abolengo antiga charqueada de Boaventura Rodrigues Barcellos,


construída em 1811, na margem direita do arroio Pelotas. (Foto da autora –
08/12/2000)

Em seu testamento deixou de tutor de seus filhos legítimos seu compadre o Barão de

Butuí, José Antônio Moreira, proprietário na margem esquerda do arroio Pelotas.165

Do outro lado do arroio Pelotas, em sua margem esquerda, os grandes proprietários

muitos deles nobilitados pelo Império Brasileiro, também em sua maioria, eram de origem

portuguesa. José Antônio Moreira, nascido na cidade do Porto em 19 abril de 1806 e batizado

na freguesia da Sé, fez questão de esclarecer em seu testamento que havia vindo para o Brasil

em 1817 e que era agora um súdito brasileiro.166 Sua fidelidade ao Império, com suas obras

benemerentes e ajudas financeiras lhe havia garantido o título de Barão de Butuí em 1873. Do

mesmo modo, o lisboeta Joaquim José de Assumpção havia galgado o posto de

desembargador e feito fortuna garantido a seu filho homônimo, proprietário charqueador e

165
Test. Joaquim Guilherme da Costa. N.1733, M.86, E.06, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
167

estancieiro, o título de Barão do Jarau em 1888, após contribuir para financiamento dos

conflitos nos quais o Império estava envolvido (MAGALHÃES, 1993, p.120).167 Também na

margem esquerda, além do Barão do Jarau e do Barão de Butuí, dono da fazenda Palma,

tinham suas propriedades o Visconde da Graça, João Simões Lopes; o Comendador Antônio

José de Oliveira Castro; José Maria e Manuel Bento da Fontoura donos da estância do

Laranjal e o Barão de Azevedo Machado, proprietário da fazenda Galatéia.

166
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
167
Test. Joaquim José de Assumpção. N. 595, M.27, E.12, Ano 1851. 1° Cart. Órf. Prov. Rio Grande.
168

Figura 16: Antigo sobrado do Barão do Jarau, Granja da Costa, margem esquerda do
arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000)

A maioria dos títulos nobiliárquicos recebidos pelos charqueadores pelotenses, foram

doados entre os anos de 1872 e 1888. A maior parte dos agraciados recebeu seus títulos

devido a libertação antecipada de seus escravos com cláusulas de prestação de serviços,

atitude que demonstrava, no entender de Pesavento (apud MAGALHÃES, 1993, p.118), a


169

forma conservadora com que o Império via a questão da emancipação dos escravos. No

entanto para Magalhães (1993, p.119), por trás desta atitude haveria uma “estratégia política

que pretendia desvincular a questão da Abolição da questão da República. Concedendo títulos

de nobreza a uma parcela de abolicionistas (...) o Império pensava em garantir com isso a sua

fidelidade ao regime.”

Figura 17: Fachada do Sobrado do Barão do Jarau, voltada para a margem esquerda do arroio Pelotas,
frontão com data de 1830. (Foto da autora – 07/12/2000).

O primeiro nobilitado da região, em 1829, com o título de Barão de Jaguari,

Domingos de Castro Antiqueira estabeleceu sua charqueada, na margem direita do arroio

Pelotas, na região do Cascalho. Domingos de Castro Antiqueira casou-se em primeiras

núpcias com Joana Maria Bernardina filha de seu vizinho, o também charqueador Manuel

Domingues. Recebeu em 1846 o título de Visconde de Jaguari, devido a sua ajuda econômica
170

ao Império. Do outro lado do arroio somente João Simões Lopes conseguiria galgar o título de

Visconde, em 1876, quatro anos após ter recebido o título de Barão da Graça. No entanto, em

que pese o fato de alguns charqueadores terem sido titulados pelo Império Brasileiro a

maioria dos proprietários das margens do arroio Pelotas, principalmente da margem direita,

chegou apenas a receber comendas.

Bem próximos dali, nas margens do canal São Gonçalo, possuía sua propriedade um

dos mais ricos comerciantes de carne seca local, o capitão Domingos Rodrigues ou Domingos

Rodrigues Ribas, natural do Reino de Galiza, batizado na Freguesia de Santa Cristina do

Bispado de Tuy na Espanha.168 Casou-se com Luzia Ferminiana do Pilar na Colônia do

Sacramento. Vizinho a ele vivia Custódio Manoel Vieira, natural de São Bartolomeu da

Esperança, Bispado de Braga, Reino de Portugal que possuía um terreno no região do

Estaleiro.169

Muitos portugueses que vinham para o Brasil tentar fazer fortuna deixavam em

Portugal sua família como foi o caso de Domingos de Almeida que declarou em seu

testamento ser casado com Francisca da Silva com quem tinha três filhos os quais “viviam

na Freguesia de Santiago de Badajoz, próxima a Feira de Santo Amaro, bispado do Porto,

comarca de Aveiro”, pedindo a seu testamenteiro que enviasse à eles sua pequena fortuna que

guardava consigo em um baú.170

Assim como o tropeiro Domingos José de Almeida, provavelmente estes portugueses

já lidavam com o comércio antes mesmo de se estabelecerem como charqueadores na região.

168
Test. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
169
Test. Custódio Manuel Vieira Araújo. N.1975, M.87, E.04, Ano 1862. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
170
Test. Domingos de Almeida. N.1684, M.86, E.06, Ano 1860. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
171

No decorrer do período, foram fixando-se nesta área unidos por sua origem e interesses

comuns bem como fortalecendo-se por laços de parentesco por meio do compadrio e dos

casamentos, formando assim uma rede na qual estavam interligados por negócios comuns e

vínculos familiares.

4.1 LAÇOS MATRIMONIAS

Durante todo o período colonial até meados do século XIX, os casamentos eram a

principal forma de manter as propriedades nas mãos de um mesmo grupo. Os casamentos

davam-se, primeiramente entre forasteiros, na maioria comerciantes, que buscavam enraizar-

se em um lugar definitivo. A passagem da condição de comerciante para senhor de escravos e

proprietário de bens ligados a posse da terra, fazia com que estes perdessem muito em termos

econômicos uma vez que no século XIX, principalmente a partir da segunda metade, após a

abolição do tráfico, a manutenção de bens agrários significava a constante dependência e

endividamento (FARIA, 1998).

O anseio de filiar-se a famílias vinculadas a posse da terra justificava-se mais que no

aspecto econômico, pelo seu significado social. Abandonar o comércio, profissão considerada

menor, para ser um senhor de terra e escravos lhe conferiria uma mudança significativa em

seu status social, embora financeiramente desvantajosa (FARIA, 1998).

No processo de ocupação das terras ao longo do arroio Pelotas pelas diversas fábricas

de salgar, podemos perceber que a maioria dos casamentos se davam entre indivíduos que

pertenciam ao grupo charqueador, tanto entre proprietários, seus filhos e parentes, bem como
172

dentro das próprias famílias entre tios e sobrinhas e primos e primas. Segundo observou Faria

(1998), a estabilidade produtiva levava a endogamia, fazendo com que se desse preferência

aos casamentos entre primos e vizinhos conceituados. Os primeiros ocupantes das margens do

arroio Pelotas são portugueses ou de filhos de portugueses, muitas vezes vindos de famílias de

outras áreas como Rio Grande, Colônia do Sacramento, Estreito, etc. A partir da segunda

geração, quando as propriedades estão fixadas e estruturadas economicamente, realizam-se

casamentos entre proprietários e parentes. Já na terceira geração, em fins do século XIX,

novamente passam a ocorrer alguns casamentos entre filhas e filhos de charqueadores locais

com indivíduos vindos de fora do grupo charqueador, no intuito de trazer nova dinâmica

financeira a este grupo.

A família de Domingos José de Almeida é um bom exemplo deste processo.

Almeida, comerciante de mulas vindo de Minas Gerais, instala-se aqui no sul onde casa-se,

em 1824, com Bernardina Rodrigues filha de Bernardino Rodrigues Barcellos, proprietário de

terreno e charqueada às margens do arroio Pelotas em local privilegiado. Ao lado deste

mesmo terreno Almeida e Bernardina constróem sua casa, charqueada e demais instalações

vindo a prosperar e tornando-se um dos principais charqueadores e políticos da região.

Domingos José de Almeida já era ativo comerciante como podemos observar em um

documento de 1824, endereçado ao Corregedor Civil na Côrte, onde relata os seus serviços

prestados à Província declara-se “negociante estabelecido com comércio de grosso trato,

tanto em terra, como de alto mar por ter embarcações nas mais diferentes Praças” e

“igualmente fazendeiro por ter grandes estabelecimentos de xarqueadas” (NEVES, 1987).

Suas atividades comerciais aparecem novamente em uma petição de 1849, dirigida ao

Ministério da Fazenda, onde solicitava “isenção de divisas nas matérias primas que necessito

para manutenção da fábrica de velas de sebo e sabão de minha propriedade” (NEVES, 1987).
173

Figura 18: Casa da charqueada de Bernardino Rodrigues Barcellos. Antiga Colônia de férias Mazza,
margem direita do arroio Pelotas. (Foto Klaus Hilbert – 15/06/2000)

Os 13 filhos de Domingos José de Almeida e Bernardina realizaram casamentos com

filhos de parentes e proprietários locais, sendo que Luis Felipe de Almeida, casou com sua

prima Marcolina Chaves Barcelos que era filha de Joaquim Rodrigues Barcelos e Maria José

Rodrigues Chaves. Bernardino Bráulio de Almeida, casou-se com Perpétua Ignácia de

Oliveira Guimarães que era filha e neta de proprietários da região. Junius Brutus Cassio de

Almeida casou com Maria Joaquina Lopes filha do charqueador João Simões Lopes, pai do

visconde da Graça. Abrilina Decimanona Caçapavana de Almeida casou com seu primo irmão

Quincio Cincinato Barcelos, filho de Joaquim Rodrigues Barcelos e Maria José Rodrigues

Chaves. Maria Izabel de Almeida casou com Serafim da Costa Guimarães que era filho de

Manoel Portugal Guimarães, vizinho proprietário. Serafim ficou viúvo e casou pela segunda

vez, com a filha de outro charqueador, Antônio Rodrigues Candiota.


174

O destacado charqueador Antônio José Gonçalves Chaves, português de Vila Verde

do Ouro, comarca de Chaves, casou-se com Maria do Carmo Secco, filha de outro

charqueador português José Joaquim da Cruz Secco, de quem teve 10 filhos. Uma de suas

filhas, Marcolina, casou-se com Joaquim Antônio Barcellos, cujas filhas Maria Luíza casou-

se com seu tio João Maria Chaves e Marcolina casou-se com o outro tio homônimo de seu

avô, Antônio José Gonçalves Chaves.

Figura 19: Casa da charqueada São João de José Antônio Gonçalves Chaves na margem direita do
arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000).
175

Figura 20: Atracadouro da charqueada de Antônio José Gonçalves Chaves nas margens do arroio
Pelotas, em frente à casa. (Foto da autora – 15/06/2000)

A teia de relações entre parentes e vizinhos dentro das famílias Almeida, Barcellos e

Chaves deixa entrever um sistema que se repete ao longo do século XIX em todo o núcleo

charqueador pelotense.

Os primeiros proprietários de terrenos na região eram em sua maioria homens que

haviam recebido suas terras em troca de seus serviços militares, após galgar as patentes de

alferes, capitão-mor, tenente coronel, etc. nos sucessivos conflitos de fronteira. Estes

indivíduos, tornando-se proprietários buscaram vincular-se por meio dos casamentos,

principalmente de seus filhos, com outros proprietários ou comerciantes com os quais

somavam suas fortunas e fortaleciam seus laços. Manoel Soares da Silva, sua trajetória e de

sua família na região é exemplo desta fixação e da busca do fortalecimento econômico deste

grupo.
176

O tenente-coronel171 Manoel Soares da Silva era natural de Rio Grande, casado com

D. Clara Soares Barboza, que havia vindo, por sua vez, de Porto Alegre172. O casal possuía 8

filhos, sendo dois já falecidos: Manoel Soares da Silva, homônimo de seu pai, falecido em

1847, com 46 anos173, deixando 3 filhos e D. Joaquina Soares Leivas que havia deixado 9

filhos. Manoel Soares da Silva havia sido proprietário de uma charqueada nos terrenos

próximo ao passo dos Negros, entre as margens do São Gonçalo e a boca do arroio Pelotas.

Em 1849, ao serem inventariados seus bens, já não possuía mais o estabelecimento de

charqueada legando para seus herdeiros apenas os terrenos e benfeitorias174. Nesta época,

alguns de seus herdeiros já não viviam no local, como sua viúva que, juntamente com

Joaquina Soares, viúva de seu filho Manoel Soares, moravam na Capela do Boqueirão175

enquanto que Ismael, vivia em Bagé. Suas filhas D. Christina Amália casada com João

Gomes Mello, vivia em Rio Grande, enquanto que D. Anna Soares casada com Nicolau

Carneiro da Rocha Menezes, vivia na Província da Bahia. Apenas habitavam ainda na região

três filhas mulheres, que haviam feito casamentos com negociantes locais: D. Clara Soares

que era então casada com o fazendeiro Antônio de Castro Antiqueira, possuidor de 2 léguas

de campo com 500 crias em registro de 1858176, e D. Bernardina Maia casada com o

charqueador Antônio da Silva Maia. A terceira filha, D. Joaquina Soares Leivas, era viúva de

Luiz Gomes Leivas, e tinha 9 filhos. O único herdeiro homem que ainda vivia no local era

Prudêncio Soares da Silva, solteiro.

171
A hierarquia militar do primeiro Corpo de Dragões era: Coronel, Tenente-coronel, Sargento-mor, Ajudante,
Capelão, Cirurgião, Capitães, Tenentes, Alferes, Sargento ou furriéis, Cabos-de-esquadra, Tambores,
Soldados (MIRCO, 1987).
172
Inv. Manoel Soares da Silva. N.282, M.20, E.25, Ano 1847. 1 Cart. Órfãos de Pelotas. Segundo Rheingantz
(p.331), Manoel Soares da Silva era natural do Estreito e sua mulher de Triunfo.
173
Rheingantz (p.331).
174
Idem.
175
Atual São Lourenço.,
176
Relação dos Fazendeiros Existentes no 3 e 4 Distrito do Município de Pelotas em 1858 - Câmara de Pelotas –
anexos dos ofícios de 24/03/1858 e 09/04/1858, p.227. AHRGS.
177

Todos os filhos de Manoel Soares da Silva haviam recebido algum tipo de dote ao

casar. Os filhos homens receberam um escravo cada um. As mulheres receberam além de

escravos uma parte do terreno nas margens do São Gonçalo, em média com 16 braças de

frente, no lugar denominado passo dos Negros com fundos de 20 braças mais ou menos até a

estrada. Ou seja, o dote de suas filhas correspondia a datas de terras propícias a instalação de

estabelecimentos fabris, fazendo com que, ao associarem-se com outros negociantes locais,

entrassem com parte importante no patrimônio. Com estes dotes, Manoel Soares da Silva

garantiu bons casamentos para suas três filhas com homens da região. Bernardina, Clara e

Joaquina receberam faixas de terras de modo a serem vizinhas, com terrenos confrontantes, o

que, novamente, facilitaria as trocas, permutas e auxílios mútuos.

A herdeira Cristhina foi a única que recebeu parte do terreno que estava sendo

litigado com João Jacinto de Mendonça, que tinha suas propriedades, inclusive, edificadas

nele. Do mesmo modo Ana recebeu em dote apenas dois escravos. Isto por que

provavelmente ela, indo viver com seu cônjuge na Bahia, levaria consigo seu dote. Do mesmo

modo, Cristhina, vivendo em Rio Grande, não faria uso da terra para seu sustento e moradia,

podendo, portanto, ficar com a parte litigada.

As três irmãs casadas com homens locais receberam as melhores terras de dote,

enquanto os filhos homens necessitariam buscar uma companheira fora da região onde

haveria mais chances de obter um bom casamento. Para tanto levariam consigo seu

patrimônio: um escravo, bem valioso e estritamente necessário para manter o mínimo de

status social.
178

Devido a numerosa prole, era difícil fazer com que toda a família permanecesse

agregada em uma única área. Era preciso favorecer os bons casamentos e distribuir os bens de

modo que todos os filhos pudessem principiar uma nova família. Ao casarem com dois

importantes negociantes da terra, Antônio de Castro Antiqueira e José da Silva Maia, as filhas

de Manoel Soares da Silva deram continuidade a fortuna familiar e inseriram-se,

definitivamente, na classe dos grandes proprietários e charqueadores locais.

4.2 VIZINHOS: SÓCIOS, COMPADRES E PADRINHOS

Embora os casamentos fossem a forma mais evidente de manutenção das

propriedades nas mãos de um mesmo grupo, a coesão deste mantinha-se, também, por meio

de laços de dependência em outros níveis de relações entre os diferentes grupos que

conviviam dentro do espaço charqueador. A convivência em harmonia e a manutenção de

propriedades onde havia um número elevado de escravos e estruturas voltadas para as mais

diversas atividades como olarias, hortas, pomares, vendas, navegação, gados e etc., toda a

conjuntura que envolvia o charque e seus subprodutos, a casa, as necessidades básicas a

serem supridas como alimentação, vestimenta, cuidado dos animais, educação dos filhos, etc.

faziam com que uma diversidade de indivíduos circulassem dentro de cada propriedade com

tarefas específicas e fundamentais para a existência e manutenção da coletividade. A

charqueada constituía-se neste sentido em um complexo onde público e privado estavam

interrelacionados. Deste modo, o compadrio apresenta-se como um meio de estabelecer

vínculos com indivíduos tanto dentro como fora da família que permitiam equacionar estes

múltiplos problemas. O compadrio é definido, segundo Arantes como:


179

(...) uma instituição social constituída principalmente a partir dos


ritos católicos de batismo e de crisma. (...). A forma atual do sistema de
relações rituais que constituem o ponto de partida do compadrio, tal como
definido pela Igreja , persiste desde o século XVI e prevê, como tarefa dos
assim chamados ‘pais espirituais’, a formação moral e religiosa dos
afilhados, ao mesmo tempo que proíbe o casamento e relações sexuais entre
pessoas ligadas ritualmente. Com base nestes laços, várias sociedades
criaram sistemas de relações regulamentadas pelo costume, ampliando e
reinterpretando a concepção religiosa oficial (ARANTES, 1994, p.195-206).

Neste sentido, a função primordial do compadrio é criar vínculos de solidariedade

expressados principalmente pela cooperação econômica e associação política (ARANTES,

1994, p.195-206).

As relações de compadrio davam-se em todos os grupos sociais, incluindo os

escravos e forros, sendo que a tendência era sempre buscar no padrinho alguém com uma

condição econômica e posição social melhor do que a do afilhado (KJERFVE e BRÜGGER,

1991).

Para auxiliar na administração dos negócios da casa era necessário contar com a

ajuda destes indivíduos que eram agregados à família por meio dos laços de compadrio.

Contava-se com a ajuda dos vizinhos com quem estabelecia-se laços de amizade e parentesco

por meio dos casamentos entre filhos ou na associação com negócios comuns. O charqueador

José Domingues de Almeida era vizinho e amigo de Antônio José Gonçalves Chaves, de

quem contava com apoio para os negócios de sua casa e charqueada assim como também

contava com seu compadre José Félix, que era professor de seus filhos e vivia estabelecido

em suas terras. Havia ainda outros indivíduos que viviam em suas propriedades como o

charqueador Leão Próspero Chastan, todos estes muitas vezes referidos nas cartas enviadas

por Domingos José de Almeida à sua esposa Bernardina, como podemos observar neste

trecho em que os cita após dar ordens em relação aos negócios da casa: “(...) O compadre
180

José Félix e o amigo Chastan, que em tudo sejam consultados e ouvidos, como também

Chaves (...)”(Grifo nosso)177

O compadrio não se dava apenas para estabelecer laços de interesses econômicos

externos. Muitas vezes os padrinhos foram parentes próximos no intuito não só de garantir a

proteção dos filhos em caso de morte dos pais, homenagear o parente escolhido para padrinho

bem como de preservar as propriedades na medida em que era costume o padrinho doar em

testamento uma soma em dinheiro ou propriedades como legado para seus afilhados.

Na família de Almeida podemos observar as relações de compadrio a partir dos

padrinhos escolhidos para seus filhos. A madrinha de Bernardino Bráulio de Almeida era sua

avó materna Maria Francisca da Conceição; os padrinhos de Luis Felipe de Almeida era

Manoela Adelaide Moreira e seu esposo o charqueador João Baptista Figueiredo

Mascarenhas. João Rodrigues Barcelos foi padrinho de seu sobrinho Junius Brutus Cassio de

Almeida enquanto o outro irmão de sua mãe, Cypriano Joaquim Rodrigues Barcelos era

padrinho de Epaminondas de Almeida. Abrilina Decimanona Caçapavana de Almeida foi

batizada por ninguém menos que Bento Gonçalves da Silva (NEVES, 1987).

O Barão de Butui, José Antônio Moreira, foi um dos testamenteiros mais generosos da

região, legando em seu testamento dotes para diversos afilhados que variavam de 2 contos de

réis, em geral aos que possuíam laços de parentesco sangüíneo ou eram filhos de outros

indivíduos importantes, à 500 mil réis para os outros filhos de seus compadres. Os afilhados

do Barão que não pertenciam ao primeiro grupo não foram citados pelo nome em seu

testamento mas apenas como “(...) ao meu afilhado, filho de (...)”. Provavelmente o Barão

desconhecia o nome de todos os seus afilhados, principalmente os de famílias menos

177
Anais do AHRS, CV –195, vol.3
181

abastadas, sabendo apenas o nome de seus pais, indivíduos com quem mantinha laços de

compadrio e que haviam servido à ele ou em suas propriedades.178

Os ricos senhores proprietários da região apresentavam em seus testamentos uma

lista de afilhados a quem deixavam legados demonstrando, na forma como estes eram

identificados, a relação de apadrinhamento e proteção que regia estes vínculos e que lhes

dava, em contrapartida, a garantia da fidelidade destes indivíduos e aumentavam seu prestígio

junto a comunidade. O Coronel Anibal Antunes Maciel, filho do Capitão Francisco Antunes

Maciel e pai de Francisco Anibal Maciel, Capitão e Conselheiro do Império, pertencente a

uma das mais ricas famílias da região, deixou em seu testamento para uma “menina de nome

Carolina, que me trata de padrinho, filha do senhor Manuel de Souza e sua mulher”, 20

contos de réis e para “um filho de meu compadre Francisco Moreira da Fontoura e sua

mulher, de nome Belisário, que também me trata de padrinho” também 20 contos de réis

enquanto que para “uma moça de nome Andréa e um irmão desta de nome Manuel, que me

tratam de avô e são filhos de Manoel Soares, já falecido e sua mulher Placidina de Oliveira

em cuja companhia se acham” legou 10 contos de réis a cada um. No entanto, esta situação

não era uma regra geral. O Visconde de Jaguari, Domingos de Castro Antiqueira, rico

proprietário, deixou em seu testamento legados para apenas duas afilhadas que eram

“Eufrasina, filha do falecido Joaquim Dias da Costa” para quem deixou 400#000 réis e

“Genuína, filha de Ferminiano da Costa” para quem deixou um pouco mais, 500#000 réis.179

A maior parte dos testamentos de charqueadores referem-se a uma média de um a

quatro afilhados e afilhadas, para quem deixam uma soma em dinheiro que poderia variar de

178
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira. N.647, M.41, E.25, Ano 1867. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
179
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
182

25#000 réis a 500#000 réis, sendo que muitas vezes estes eram também seus sobrinhos e

sobrinhas.

Portanto, em uma rede intrincada de parentescos, de sangue ou não, constrói-se toda

uma malha que forma o agrupamento charqueador.

Nesta pesquisa buscamos perceber como se davam as relações familiares e sociais,

de que se constituía a vida cotidiana de mulheres, homens e seus filhos, sua tralha doméstica,

enfim, penetrar em parte, coletando fragmentos da vida comum, rotineira, destes indivíduos

que habitaram e construíram o maior pólo charqueador rio-grandense no século XIX. Para

tanto, de mais de uma centena de documentos pesquisados, levantamos alguns núcleos

familiares de charqueadores cada qual ligado a um determinado sobrenome, que constituíram-

se de famílias proprietárias, algumas permanentes outras de curta duração. Destes documentos

retiramos algumas histórias pontuais que, hora são exemplos de casos rotineiros ora chamam

atenção por suas características únicas.

Elegemos a história de uma família – os Vinhas – como estrutura em torno da qual

discutiremos vários aspectos das relações familiares e estratégias do grupo charqueador como

um todo. Por meio da história de três gerações da família Vinhas iremos somando exemplos

de outras famílias de proprietários de charqueadas na região no período pontuando, sob

diferentes ângulos, os modos como estas estruturaram-se e mantiveram-se por um século na

região.
183

4.3 UMA FAMÍLIA CHARQUEADORA: OS VINHAS

Lopes Neto (1994), ao enumerar as charqueadas que haviam funcionado no século

XIX sobre o arroio Pelotas, aponta o estabelecimento localizado na margem direita, na área

denominada Costa, que no princípio do século XX ainda funcionava já com outros

proprietários, e que havia pertencido a João Guerino Vinhas. Mais tarde havia passado, para

seu filho João Vinhas e deste para sua filha casada com seu irmão Pedro Lobo Vinhas.

O charqueador João Guerino Vinhas era português nascido e batizado na cidade de

Faro no Algarve, filho de Manoel Francisco Vinhas e D. Custódia dos Anjos Vinhas. Casou-

se com Mathilde da Silva Vinhas de cujo matrimônio teve cinco filhos: Mathilde Duarte

Vinhas, casada com José Joaquim Duarte Souza; João Vinhas; Boaventura da Silva Vinhas;

Guerino da Silva Vinhas e Pedro Lobo Vinhas.180

Em 1852, época em que realizou seu testamento, João Guerino Vinhas possuía duas

charqueadas: uma no Estado Oriental do Uruguai com casas de vivenda e chácara e outra

onde residia, nas margens do arroio Pelotas, com olaria e casas de vivenda. Possuía ainda

mais dois terrenos na costa do Pelotas, o patacho Paquete Ventura e o iates Cinco de Março,

66 escravos (sendo que haviam ainda dois que estavam fugidos e quatro que haviam sido

vendidos) e um longo arrolamento de bens móveis. Entre seus escravos havia 1 alfaiate, 2

cozinheiros, 3 pedreiros, 1 carpinteiro, 2 boleeiros, 1 campeiro além de 2 carneadores, 2

salgadores e 1 marinheiro181.

180
Test. João Guerino Vinhas. N.1650, M.86, E.6, Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
181
Inv. João Guerino Vinhas. N.383, M.26, E.25, Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
184

O terreno onde estava instalada sua charqueada continha “(...) 90 braças de frete

pouco mais ou menos ao arroio Pelotas, e fundos até o logradouro público (...)”. João Guerino

Vinhas havia comprado parte de seus terrenos dos herdeiros de outro charqueador, já falecido,

José Ignácio Bernardes. Este, por sua vez, havia recebido este mesmo terreno em pagamento

de uma hipoteca feita a outro charqueador, José Joaquim da Cruz Secco182. Neste mesmo

local estava edificada a casa de moradia do casal e as demais benfeitorias necessárias ao

funcionamento da charqueada que compreendiam “(...) a graxeira, barraca de couros, galpão,

senzala, quarto dos peões, escritório, armazém para sal, tafona, olaria coberta de telha e seu

forno, brete de tijolos, cancha, currais, varais (...)”. Anexo a este havia ainda outro terreno de

74 braças de frete ao arroio Pelotas que terminava na estrada da Boa Vista. 183

4.3.1 Casa e equipamento doméstico

Até a primeira metade do século XIX, provavelmente grande parte dos

charqueadores possuíam suas casas junto a seus estabelecimentos de charqueada na costa do

Pelotas. Na segunda metade do século amplia-se a compra de casas na cidade e,

charqueadores e suas famílias, passam a dividir seu tempo entre as duas residências. Os

charqueadores deveriam permanecer mais tempo nas casas de moradia junto a seus

estabelecimentos nos períodos mais quentes, entre novembro e maio, época da safra quando

era necessário estar atento ao funcionamento do estabelecimento. Nos demais períodos do ano

poderiam dividir-se entre suas casas na cidade, na Serra dos Tapes, suas estâncias e chácaras

(GUTIERREZ, 1999).

182
Idem.
183
Ibidem.
185

No tempo do inventário de João Guerino Vinhas, em 1854, a família Vinhas possuía

então apenas uma porção de terras próximas a cidade situada no lugar denominado Terras

Altas. Oito anos depois, quando os bens do casal são novamente arrolados com o falecimento

da viúva Mathilde da Silva Vinhas, ainda nada havia sido edificado neste terreno e o casal não

possuía casas na cidade, possivelmente vivendo até então somente na casa da charqueada na

margem do arroio Pelotas. No entanto, seu filho João Vinhas, ao falecer em 1867, deixou à

seus herdeiros uma propriedade de casas de uma porta e quatro janelas de frente a praça

Pedro II mais dois lances de casas contíguos de 1 porta e 5 janelas de frente para a rua

Augusta e esquina com a rua 16 de Julho, com algibe e cocheira, e outra de 1 porta e 4 janelas

de frente para a rua Augusta com cozinha e fogão, sala de jantar e demais benfeitorias184.

Após os anos 60 dificilmente uma família charqueadora não possuiria um bem de raiz nas

imediações da cidade de Pelotas. No último quartel do século XIX haverá um forte

investimento em propriedades urbanas, não somente como habitação para estas famílias mas

também, como um novo empreendimento financeiro em vendas e aluguéis.

O casal João Guerino Vinhas e Mathilde da Silva Vinhas vivia, em 1854, em sua

casa de morada junto a sua charqueada nas margens do arroio Pelotas. O equipamento de seu

ambiente doméstico era constituído por alguns móveis sendo eles: 5 marquesas, 6 cadeiras, 5

tamboretes, 6 mesas ordinárias, 1 escrivaninha, além de 2 caixas para depósito de farinha e 2

talhas para água. Dentre seus objetos para o serviço de mesa havia uma coberta de louça de

porcelana e objetos em prata constituídos por talheres (12 colheres para sopa, 1 colher grande,

uma para arroz e 12 colheres de chá), 1 paliteiro e 1 salva. Para os passeios da família tinham

uma carruagem nova. Entre os materiais necessários ao trabalho no estabelecimento havia

184
Inventários: João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas; Mathilde da Silva
Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov.. Pelotas; João Guerino Vinhas.
N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
186

enxadas, pás, uma balança assim como o sal, couros, tábuas e 70.000 tijolos de barro. Para o

transporte das mantas de charque havia uma carreta, 10 mulas de serviço além de seus dois

iates, Ventura e Cinco de Março.185.

4.3.2 A filha: Mathilde Vinhas Duarte

No inventário dos bens de João Guerino Vinhas, realizado em 1954, foram arrolados

grande número de bens que estavam em poder de sua filha Mathilde e seu esposo na cidade de

Rio Grande onde o casal então provavelmente vivia. Nesta lista há uma grande quantidade de

objetos em prata que sugerem um aparato de jantar e receber bastante refinado. A lista

constitui-se de 2 faqueiros, 1 jarro e bacia, 9 salvas de diferentes tamanhos, 2 serpentinas de 3

luzes, 3 pares de castiçais grandes e 1 par destes para piano, 3 bandejas e tesouras de espiritar,

15 colheres de sopa, 1 colher grande, outra para arroz, 24 ditas para chá, 1 trinchante com

cabo de marfim, 2 descansos para o mesmo, 3 paliteiros, 1 cesta de filigrana, 1 caneca e salva

de prata, 1 galheteiro, 1 cesta para frutas, 2 cafeteiras, 2 bules, 2 açucareiros, 1 manteigueira,

1 leiteira, 2 tigelas186.

Com este arrolamento somente dos bens em prata cedidos a filha Mathilde, podemos

inferir que em sua casa na cidade eram feitas grandes recepções, jantares e saraus ao piano, à

noite, onde chegava-se a utilizar grande quantidade de talheres e luminárias, sessões

encerradas com café ou chá, tudo com bastante sofisticação. Anos depois no inventário de

sua mãe, em 1862, continuaria em poder de Mathilde e do co-herdeiro José Joaquim Duarte,

185
Inv. João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
186
Inv. João Guerino Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
187

grande parte desta lista de objetos em prata, somadas a ela todos os bens móveis187. Portanto,

os bens de uso cotidiano de seus pais eram de seu uso, provavelmente como um tipo de dote,

já que era a única filha mulher além de ser a primogênita.

O casal possuía em sua casa de morada em Rio Grande, em 1862, móveis e outros

objetos que associados aos apetrechos de prata nos dão uma idéia do luxo de suas recepções e

seu modo de vida cotidiano. Junte-se a tralha em prata para mesa a duas mobílias completas

de jacarandá, constituídas por 12 cadeiras, 4 de braço, 1 de balanço, 1 sofá, 2 consolos e 1

mesa redonda de meio, somadas a 1 campainha de metal dourado para chamar os serviçais, 1

quebra nozes, 1 mesa elástica de vinhático para jantar, 12 copos de água, 2 garrafas brancas.

Para servir um aparelho de louça azul para mesa mais outro de porcelana para o chá. Ao final

do jantar não poderia faltar o sarau no “piano inglez” onde, sentados com os pés em “um

tapete para sofá”, observariam os “14 quadros de moldura preta” enquanto tomariam o

cafezinho, conversariam e usariam as “duas escarradeiras de latão”188.

Observe-se aqui que, dentre os objetos femininos em uma casa que desejasse ter

filhas prendadas, aptas a arranjarem um bom partido, o piano era peça importante no período.

As filhas de charqueadores abastados cedo tiveram acesso a este instrumento que foi uma

verdadeira mania no século XIX. Segundo Alencastro (apud NOVAIS e ALENCASTRO,

1997, p.45) o piano foi uma verdadeira mercadoria-fetiche desta fase econômica e cultural.

No entanto, conforme este autor, até meados do século XIX o piano só entraria em poucos

sobrados do Rio de Janeiro, Recife e Bahia sendo praticamente desconhecido em outras partes

(Idem) e até os anos de 1850 famílias importantes de senhores de engenho baianos não

haviam visto ainda este instrumento (TINHORÃO apud ALENCASTRO, 1997). Aqui na

187
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
188
Idem.
188

região sul, ao contrário, nos lares de abastados senhores charqueadores pelotenses cedo já

encontramos este instrumento fazendo parte de seus bens arrolados em diversos inventários

do período. Em 1828 Thereza Angélica de Sá, esposa do desembargador Joaquim José da

Cruz Secco, rico charqueador, já possuía um “piano forte”189 enquanto que Francisca

Alexandrina da Castro esposa do charqueador e comendador Antônio José de Oliveira Castro,

tinha em 1848 um “piano inglês” que estava em poder de José Antônio Moreira, o futuro

Barão de Butuí, viúvo de sua única filha.190 Devido a proximidade com os portos de

Montevidéo e Buenos Aires, havia certamente facilidade destes charqueadores, também

muitas vezes proprietários de terras e negócios no Uruguai, adquirirem estes objetos em geral

de origem inglesa. Um piano valia em 1854 por volta de 400#000 réis.191 Mais tarde

aparecerão nos inventários pianos mais sofisticados como o que Henrique Chaves comprou

para sua tutelada Antônia Chaves do comerciante de instrumentos Luiz Leivas para o qual

pagou “por um piano vindo da França” em troca de um outro que havia na casa arrolado como

“1 piano velho e dois bancos”192. Havia que modernizar-se com os novos modelos trazendo

para dentro da mobília doméstica este ítem que representava sofisticação e cultura e servia

para a realização de saraus ponto de encontro dentro do ambiente doméstico dos diferentes

indivíduos do grupo charqueador e demais poderosos da região fazendo do lar local também

de encontros sociais. Na casa de Francisco Anibal Antunes Maciel havia em 1777 um “piano

de cauda em meio uso e branco” que chegava substituindo provavelmente o outro “piano

velho”.193

Sempre atentos ao que estava em moda na Europa e que chegava aos portos do Rio

de Janeiro e Montevidéo, os charqueadores também deram à suas esposas e filhas as máquinas

189
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
190
Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano 1848. 1° Cart. Órfãos e Prov.Pelotas.
191
Inv. Carolina J. da Câmara. N.373, M.26, E.06, Ano 1854. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
192
Inv. João Maria Chaves. N. 1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
193
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
189

de costura que chegavam como novidade vindas dos Estados Unidos e que traziam para as

atividades domésticas das senhoras mais abastadas novas facilidades. As esposas e filhas de

José Ignácio da Cunha em 1865, bem como a esposa de João Vinhas em 1867, a de João

Roballo Barcellos em 1875 e a de Francisco Aníbal Antunes Maciel em 1877 possuíam suas

modernas máquinas de costura.194 Além das roupas e pianos, os principais elementos

pertencentes às mulheres que aparecem nos inventários eram os referentes a costura, em sua

maioria costureiros ou caixas de costura, sendo que as mais refinadas possuíam seus os seus

de charão195, havia também os teares nos dos primeiros anos do século XIX, sendo que a

esposa de Antônio dos Santos Coimbra tinha em 1828, um rico dedal de prata.196 Entre os

móveis havia o toucador e para os passeios e idas à missa seus selins bordados em prata, as

jóias e os relicários em madrepérola.197

A filha de João Guerino Vinhas, Mathilde Duarte Vinhas, havia levado para seu

casamento todos os móveis, louças e prataria. A filha mulher estava garantida recebendo os

bens móveis da casa paterna e materna enquanto que os filhos homens deveriam formar seu

próprio empreendimento administrando os bens herdados e dividindo tarefas. Freqüentemente

as filhas mulheres e os menores herdavam as casas e terrenos na cidade, enquanto que os

filhos homens mais velhos herdavam as propriedades rurais, visto que lá estavam os meios de

194
Inv. João Roballo Barcellos. N.986, M.46, E.12, Ano 1875. 1 C. Orf. Prov. Rio Grande. Inv. Francisco Anibal
Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas. Test. José Inácio da
Cunha. N.600, M.38, E.25/6, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
195
Verniz de laca originário da China e Japão.
196
Inv. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
197
Inv. João R. Lima Barcellos. N.124, M.10, E.6, 1828. 1 Cart. O. Prov. Pelotas; Inv. Cecília Rodrigues
Barcellos. A.83, M.7, E.6, Ano 1824. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Joanna Maria Bernardina. N.16,
M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06,
Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Eugênia Ferreira da Conceição. N.100, M.09, E.25/06, Ano
1826. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano
1848. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Maria Josefa de Castro Moreira. N.331, M.23, E.06/25, Ano
1851. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart.
Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. José Martins Coelho. A.150, N.11, E.6, Ano 1831. 1°Cart. Órfãos e Prov.
Pelotas; Inv. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Órfãos e Prova.
Pelotas.
190

produção, a manutenção do negócio familiar e o sustento do resto dos parentes, incluindo as

mulheres e os irmãos menores.

A única filha mulher e primogênita de João Guerino Vinhas, Mathilde Duarte

Vinhas, era casada com outro charqueador José Joaquim Duarte de Souza a quem, em 1847,

ele havia hipotecado todos seus bens existentes na província. No entanto, João Guerino

Vinhas antes de sua morte havia resgatado esta hipoteca, fato que tratou de deixar claro em

seu testamento198. José Joaquim Duarte e Souza possuía uma charqueada no Uruguai em

sociedade199 e também administrava a charqueada de seu sogro. Devido a seus “bons serviços

prestados”, José Joaquim Duarte e Souza recebeu em testamento de seu sogro João Guerino

Vinhas, uma letra no valor de 3:500#000. O genro neste caso entrava na família como

financiador dos negócios do sogro, fazendo empréstimo mediante a hipoteca dos bens deste.

Deste modo, ao realizar-se bons casamentos para as filhas trazia-se também um novo afluxo

de dinheiro necessário a manutenção dos negócios.

Os negócios de família em geral incluíam a participação dos genros tanto na

administração como nas sociedades. Assim como ocorreu com João Guerino Vinhas e seu

genro José Joaquim Duarte de Souza, o charqueador João Maria Chaves também era sócio de

seu genro Jacintho Antônio Lopes Junior casado com sua filha Maria Salomé Chaves.200

Quando João Maria Chaves faleceu em 1887, seu inventariante solicitou ao juiz que, uma vez

desfeita a sociedade, autorizasse o arrendamento da charqueada. Os herdeiros tinham pressa

em regularizar a situação do estabelecimento já que estavam no mês de dezembro período em

que iniciavam as atividades de abate e charqueio. O estabelecimento foi então arrendado ao

198
Test. João Guerino Vinhas. N.1650,M.86,E.6,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
199
Sociedade com Manoel Gonçalves da Costa
200
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
191

próprio genro do falecido que continuaria com o negócio, pagando aos herdeiros 1 conto de

réis anuais pelo contrato. A família de Jacintho Antônio Lopes Jr também tinha negócios nas

margens do arroio Pelotas sendo que seu pai, Jacintho Antônio Lopes, era um próspero

charqueador.201

Corsetti (1983) observou que os charqueadores pelotenses sofriam com a total

ausência de estabelecimentos de crédito na primeira metade do século XIX, sendo que durante

quase todo este século predominou entre este grupo os empréstimos concedidos por

particulares. Nos inventários, as dívidas à receber e à pagar muitas vezes comprometiam mais

da metade da fortuna, fazendo com que, segundo a autora, além de charqueadores, atividade

considerada na época como agrícola uma vez que estava vinculada a matéria prima animal,

estes negociantes integravam também o setor da burguesia comercial e financeira (...)”

(CORSETTI, 1983, p.193).

4.3.3 Empréstimos e Dívidas Familiares

Os negócios envolvendo hipotecas, sociedades e arrendamentos entre os

charqueadores aparecem com freqüência nos inventários. A família Barcellos foi uma das que

mais realizou estas transações tendo em vista terem o maior número de estabelecimentos na

região. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos que havia sido sócio na charqueada do Capitão

Francisco Antunes Gomes da Costa e de José Antônio Oliveira Guimarães, acabou

hipotecando seu estabelecimento e todas as demais benfeitorias para Domingos Soares

Barboza.202 Do mesmo modo, quando o Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos faleceu

201
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
202
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos. N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
192

seus herdeiros entregaram sua charqueada como pagamento de dívida a seus credores “(...)

tendo todos estes credores feito venda de suas partes a Joaquim Guilherme da Costa (...)”, que

seria a partir de então seu novo proprietário.203

Figura 21: Portal de entrada da charqueada do Barão do Arroio Grande, Francisco Gomes da Costa.
Fonte: Acervo fotográfico do Museu da BPP.

Em 1856 quando Albana dos Santos Barcellos faleceu deixando Boaventura da Silva

Barcellos com 8 filhos pequenos, o viúvo teve de arrendar sua charqueada para Delfino

Lorena de Souza por 3 anos. Ficou de fora do arrendamento o sobrado no qual continuou

residindo com sua família e escravos embora o contrato permitisse também que alguns

203
Inv. Boaventura Rodrigues Barcellos. N.409, M.28, E.6, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
193

quartos da casa fossem ocupados pelo arrendatário. Delfino Loreno de Souza pagaria pelo

arrendamento a quantia de 3 contos anuais.204

Outro charqueador da região Joaquim José da Cruz Secco juntamente com sua

mulher, hipotecaram sua charqueada nas margens do arroio Pelotas, com todas as

propriedades de casa, benfeitorias e quinta, em maio de 1837 ao licenciado Ignácio José

Bernardes por 7:262#850 réis. O desembargador Joaquim José da cruz Secco, que no ano da

morte de sua mulher, tinha 20:698#389 réis para receber de devedores ao mesmo tempo devia

um total de 47:266#577 réis.205 Não conseguindo saldar sua dívida teve a propriedade

entregue e depois vendida pelos herdeiros de Ignácio José Bernardes para outro vizinho.206

Diversos charqueadores na região tiveram seus estabelecimentos hipotecados como

fez João Guerino Vinhas à seu genro, ou até mesmo tiveram de entregá-los em pagamento de

dívidas com outros negociantes. Tanto as hipotecas, arrendamentos e vendas, bem como os

empréstimos em moeda, davam-se entre vizinhos, compadres e, em grande parte, entre

parentes próximos, pais, filhos e genros.

As dívidas dos Vinhas eram todas de elementos da própria família envolvendo seus

negócios. O pai, por exemplo, devia ao filho João Vinhas por uma letra creditada ao casal de

25:519#703, pagas pela viúva no acerto do inventário, assim como Boaventura da Silva

Vinhas, que devia a herança de seu pai uma letra firmada em 22:129#533, e Guerino da Silva

Vinhas que devia 152#740 réis bem como o genro José Joaquim Duarte de Souza, que devia

ao sogro 154#000 réis. O mesmo ocorria no caso do charqueador Jacintho Antônio Lopes que

possuía poucas dívidas passivas sendo a maior parte das dívidas ativas de elementos da

204
Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406, M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
205
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
206
Inv. Ignácio José Brnardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
194

família, sócios da Lopes e Cia., empresa pertencente a seus filhos e a seu genro que haviam

arrendado seu estabelecimento.

A maioria dos inventários de charqueadores no decorrer do século XIX incluía uma

lista de devedores e credores que em sua grande parte eram vizinhos proprietários, fazendo

com que todos devessem algo a todos formando uma rede de dependências e vínculos

comerciais entre eles. A família Vinhas aumentou sua fortuna com as dívidas ativas de

pessoas que haviam feito empréstimos, negócio cujos lucros chegavam a 56:396#949 na

herança de João Guerino Vinhas, 44:298#216 na de Mathilde da Silva Vinhas e, seguindo o

crescente investimento após a segunda metade do século XIX, dos charqueadores em

empréstimos de capital, a herança de João Vinhas somou um legado em dívidas ativas no

montante de 148:620#179.207 Do mesmo modo, quando Joana Maria Bernardina primeira

esposa do charqueador Domingos de Castro Antiqueira faleceu em 1810, deviam ao casal os

proprietários e charqueadores José Teixeira, 14#085 réis; D. Isabel Francisca da Silveira;

2#160, Ignácio Antônio da Silveira; 37#500 réis; Manoel Soares da Silva, 502#170 réis e José

Martins Coelho, 111 #602 réis, entre outros moradores da região. Eram devedores do casal

vários parentes de Joana Maria Bernardina, inclusive seu pai Manoel Domingues com um

débito de 994#380 réis. Deviam também seus parentes Luciano dos Santos Domingues,

329#635 réis, João Domingues, 30#200 réis, Veríssimo dos Santos Domingues, 55#240 réis,

Joaquim José Domingues, 1:612#045 réis, entre outros.208

Deviam somas consideráveis também ao inventário de Francisca Alexandrina de

Castro, em 1848, diversos charqueadores vizinhos, entre eles: Antônio Gonçalves Chaves,

207
Inventários: João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas; Mathilde
da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas; João Guerino
Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas.
208
Inv. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
195

121#892 réis; Boaventura Rodrigues Barcellos, 98#730 réis; José Ignácio Bernardes da Costa

(filho do charqueador José Ignácio Bernardes), 1:977#700 réis; o Comendador Cypriano

Rodrigues Barcellos, 2:017#000 réis; Antônio Antunes da Porciúncula Costa, 4:800#000 réis;

João Rodrigues Barcellos 5:665#250 réis; Domingos Soares Barboza, 24:184#163 réis,

Domingos José de Almeida, 6:827#860 réis; José Pereira da Silva Brites (herdeiro de Eugênia

da Conceição), 4:263#257 réis.209

Entre os charqueadores havia muitas vezes a necessidade de pagar por serviços como

a compra e envio de gados para o abate, o pagamento de fretes nas embarcações que levariam

a mercadoria para os respectivos portos onde seriam comercializadas, o aluguel, compra e

venda de escravos, entre outros negócios necessários a manutenção e funcionamento dos

estabelecimentos, formando-se diferentes laços de dependência entre eles. José Pinto Martins

devia, em 1827, o pagamento de 184#000 réis pelo costeio de gados para sua charqueada e

frete de seus produtos feito por Joaquim José da Cruz Secco. Devia também, pelo costeio de

sua charqueada, 62#000 réis a Boaventura Rodrigues Barcellos.210 Portanto, era grande a

dependência e os vínculos financeiros entre os diferentes proprietários charqueadores no

período. Frente a isto, também era grande a instabilidade econômica necessitando criar formas

de proteger o patrimônio familiar e os elementos mais frágeis do grupo.

4.3.4 Mulheres: legados nos testamentos

Embora seu genro fosse também administrador e charqueador, João Guerino Vinhas

teve o cuidado de deixar de herança para sua única filha mulher, Mathilde Duarte Vinhas, 4

209
Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano 1848. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
210
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
196

contos de réis cuja quantia, salientou em seu testamento que “(...) sendo-lhe designada em

bens serão estes isentos de qualquer responsabilidade de dívidas ou fianças já contraídas por

seu dito marido ou que depois contrair (...)”.211 O pai procurava com isto não somente deixar

um benefício para proteção futura de sua filha como a resguardar dos perigos e vicissitudes

dos quais estavam sempre ameaçados os charqueadores. Conhecia as oscilações e o grande

nível de endividamento que em certos períodos pesava sobre os administradores dos

estabelecimentos. Era preciso proteger as mulheres de uma sociedade que vivia em constante

instabilidade.

O mesmo ocorreu no testamento de Francisco Anibal Antunes Maciel, Capitão e

Conselheiro do Império, proprietário de uma grande fortuna e cuja filha havia casado com o

Barão de São José. Em suas disposições procurou garantir os bens deixados para suas filhas

referentes a sua terça determinando as seguintes instruções em suas cláusulas:

Que este usufruto é exclusivamente pertencente aos herdeiros que


nomeio não podendo os maridos de minhas filhas, quando casadas, dispôr
dele de modo algum.
Que os juros das apólices pertencentes a cada uma de minhas filhas
só serão entregues a elas próprias (...) sem intervenção de seus maridos.
Que por morte de qualquer das usufrutuárias que falecer sem filhos
passará a parte do usufruto que lhe cabia a ser dividida igualmente pelos
demais usufrutuários.212

A preocupação dos pais, que legavam bens avultados para suas filhas, com a

possibilidade da posse destes por seus genros fica evidente nestes dois testamentos. Os genros

muitas vezes também proprietários charqueadores poderiam vir a fazer uso destes valores para

salvaguardar seus negócios em detrimento da filha beneficiária que deixaria de ter este dote

para seu sustento em caso de viuvez ou divórcio. As disputas entre genros com sogros, sogras

211
Test. João Guerino Vinhas. N.1650, M.86, E.6, Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
212
Test. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
197

e cunhados nas partilhas não eram pouco comuns como veremos mais adiante, apresentando-

se deste modo muitas vezes como uma ameaça ao patrimônio herdado pelas filhas destes

senhores.

Havia também a preocupação em beneficiar por meio do testamento filhas viúvas,

solteiras ou que eventualmente pudessem ter algum problema que as impedisse de realizar um

bom casamento. Antônio dos Santos Coimbra tinha uma filha chamada Francisca que havia

ficado viúva para a qual, após ajudar todos os filhos com dinheiro “para sua precisões”, pediu

que estes dessem prioridade a ela para ficar com um terreno de capoeiras e matos na costa do

arroio Pelotas onde havia um moinho d’água e algumas árvores de frutos, garantindo assim

sua auto-suficiência. Declarou ainda que se “algum dinheiro que se tem a chegar a meu poder

ficará logo no poder da minha filha Francisca213.” Francisca, casou-se novamente mais tarde

com Manuel Antônio Pereira. Sua irmã, por sua vez, era casada com o importante

charqueador Antônio Pereira da Cruz em terras do qual Francisca e Manuel viviam

arranchados. Quando Antônio Pereira da Cruz faleceu, deixou em seu testamento para sua

cunhada Francisca o terreno em que vivia na costa do Pelotas onde tinham além da casa de

moradia um estabelecimento de charqueada com casa e utensílios, carretas e animais, potreiro

e porto de embarque “visto lhe seja preciso para seus embarques e desembarques”.214

Assim como Francisca diversas filhas, tias e irmãs viúvas foram amparadas com

legados nos testamentos. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos deixou em testamento para

sua cunhada Felisbina, viúva de Francisco Azevedo e Souza e para Micaela, viúva de seu
215
cunhado Manoel Rodrigues Barcellos, 200#000 réis para cada uma. Boaventura da Silva

213
Test. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
214
Test. Antônio Pereira da Cruz. N.204, M.14, E.06, Ano 1835. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
215
Test. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos. N.1863, M.88, E.06, Ano 1878. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
198

Barcellos deixou para sua filha mais velha Cecília deixou 500#000 e para sua tia viúva

Micaela Rodrigues Barcellos, 400#000 réis.216 A viúva Eugênia Maria da Conceição apesar

de ter 7 filhos, deixou metade de sua Terça para sua filha Genoveva que era viúva além disso

legou um terreno de 5 braças de frente com 50 de fundos para sua afilhada Ignácia da

Costa.217

Havia nos testamentos femininos uma nítida vontade de ajudar suas congêneres

deixando legados para outras mulheres tanto pertencentes a sua família como de fora dela.

Ana Maria Bevilagua, falecida em 1865 solteira e sem filhos, legou em testamento para uma

prima “Lucinda, viúva de José de Tal” 50#000 réis e para outra prima Custódia “solteira, filha
218
de José Custódio” deixou também 50#000 réis, entre outros legados. Do mesmo modo a

viúva Balbina Maria Chaves da Silveira, que não havia tido filhos, deixou para sua cunhada

Maria Cesárea da Silveira Marins 1 conto de réis além de sua mobília, oratório e objetos de

uso diário.219

Assim como as viúvas, as mulheres que possuíssem algum problema que as

impedisse de realizar casamento também teriam de ser amparadas por pais e irmãos. O

Tenente José Gonçalves da Silveira Calheca tinha uma filha chamada Umbelina de 23 anos

que era aleijada e estava solteira, a qual instituiu como sua herdeira determinando que o

remanescente desta deveria ser “no lugar da Olaria” salientando também que era de sua

vontade que “se convencione minha herdeira com os mais para viverem juntos.”220

216
Test. Boaventura da Silva Barcellos. N.1716, M.86, E.06, Ano 1864. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
217
Test. Eugênia Ferreira da Conceição. N.100, M.09, E.25/06, Ano 1826. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
218
Contas de Test. Anna Maria Bevilagua. N.2008, M.92, E.26, Ano 1865.1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
219
Test. Balbina Maria Chaves da Silveira. N.1042, M.59, E.06, Ano 1886. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
220
Test. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Órfãos e Prov.
199

O charqueador João Maria Chaves, ao redigir seu testamento em 1887, preocupou-se

em garantir o futuro de suas duas filhas solteiras, Marcolina e Maria Luíza, lhes deixando 5

contos de réis além de “1 par de bichas de brilhantes para cada uma”. Para seu único filho

homem deixou seus objetos de uso pessoal e jóias. No entanto, as suas 4 filhas, solteiras e

casadas, dividiram entre si a sua Terça.221 Da mesma forma Francisca Alexandrina de Castro,

preocupou-se em garantir dote para uma sobrinha órfã ou seu futuro caso não arranjasse um

bom casamento. Para tanto, delegou em seu testamento:

Deixo a minha sobrinha Josefa, filha de minha irmã Mariana e de


seu marido Gonçalo José de Oliveira e Silva, ambos falecidos a quantia de 2
contos de réis para lhe ser entregues logo que se casar porém se isso não se
verificar dentro de dois anos, empregará meu testamenteiro tal quantia em
uma propriedade de casas no lugar em que entender mais conveniente, a qual
os seus rendimentos ficará desde que for comprada pertencendo a mesma
legatária.222

Com suas netas Francisca e Cândida teve a mesma preocupação legando à elas

200#000 réis para cada uma que no entanto, deveriam ser “metidos na Caixa Econômica do

RJ ou em outro igual ou semelhante estabelecimento para os receberem com os seus

rendimentos logo que se casem ou emancipem” por seu testamenteiro. Entre os demais

legatários de Francisca Alexandrina de Castro haviam ainda duas sobrinhas e uma irmã para

quem deixou a cada uma 400#000 réis; duas afilhadas e um cunhado para os quais deixou

200#000 réis para cada um; um afilhado, José Baptista de Oliveira e Silva, para quem deixou

300#00 réis; sua filha única D. Maria Josefa, para quem deixou 2 contos de réis mas que veio

a falecer antes dela. Os remanescentes de sua Terça deixou para seu marido223.

221
Test. João Maria Chaves. N. 1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
222
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
223
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
200

Nos testamentos, tanto de homens como mulheres, havia sempre a preocupação em

deixar algum benefício para as mulheres da família. Os moribundos em geral preocupavam-se

também em deixar esmolas para assuntos religiosos e para caridade, aos seus afilhados e

compadres, bem como libertar escravos. As mulheres aparecem nos testamentos como as

maiores beneficiárias de legados denotando a fragilidade destas nesta sociedade. Havia uma

grande preocupação como o futuro de tias, irmãs e filhas viúvas, bem como com o futuro de

netas e filhas solteiras. O Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos preocupou-se em seu

testamento, escrito em 1856, em libertar 3 escravos, legar 200#000 réis para a Santa Casa,

instruir sobre seu enterro e, principalmente, deixar dotes para as mulheres da família. Para sua

irmã D. Ana Rodrigues Barcellos deixou 200#000 réis a serem pagos em 4 prestações anuais

de 50#000 sendo que, na falta desta este valor passaria para sua filha que era sua sobrinha e

afilhada. Do mesmo modo deixou para a sua cunhada Maria Isabel 1 conto e 200 mil réis a ser

recebido em prestações anuais de 120#000 e na falta desta reverteria para sua mulher e um de

seus filhos. Boaventura Rodrigues Barcellos deixou também 600#000 réis para suas 4 netas.

Parece que o Comendador ao parcelar os legados de sua irmã e cunhada, tentava garantir que

este dinheiro doado não fosse gasto de uma vez, sendo recebido como um auxílio anual

controlado pelo testamenteiro.

O Barão de Butuí, José Antônio Moreira, cuidou em deixar de herança legados para

duas primas que viviam na cidade do Porto, em Portugal, no valor de 200#000 réis para serem

enviados em moeda de Portugal a cada uma.224 Mesmo distantes, os parentes que haviam tido

sucesso aqui no Brasil ajudavam seus familiares do outro lado do Atlântico, podendo assim

também mostrar o sucesso que haviam obtido em seus negócios.

224
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
201

Antônio Rafael dos Anjos, rico proprietário de terras na região, era filho do Coronel

Antônio Francisco dos Anjos e de D. Maria Micaella do Nascimento e havia sido casado com

D. Thereza Angélica Braga dos Anjos de cujo consórcio não houve filhos. Ao aproximar-se

da morte redigiu seu testamento onde deixou para diversas mulheres de sua família os

seguintes legados:

400#000 réis para minha sobrinha Prudência e 200#000 réis para


sua irmã Maria filhas de meu irmão Pedro Germano dos Anjos; 200#000 réis
para minha sobrinha Maria Luíza Ribas e 200#000 réis para sua irmã Luzia
Ribas, filhas de meu falecido primo João Rodrigues Ribas. 200#000 réis para
minha sobrinha Leonídia Ribas Vianna; 300#000 réis para minha sobrinha
Anna Cláudia Murça filha dos falecidos João de Souza Murça e de minha
irmã Maria Micaella Murça. Leonídia Ribas e Alice Ribas filhas de meu
sobrinho João Rodrigues Ribas, sobrinha Mariana, sobrinha Antônia e
sobrinha Leonídia filhas de meu sobrinho Domingos Rodrigues Ribas
Sobrinho: 200#000 réis cada. Para minha afilhada Theodora, filha de meu
compadre Antônio Joaquim Cardozo, 100#000 réis. Para minha sobrinha e
afilhada Perciliana Ribas dos Anjos Salles, esposa de Antônio Luiz Cardoso
Salles deixo os remanescentes dos meus bens cumpridas as disposições
testamentárias.225

Dentre os beneficiados por Antônio Rafael dos Anjos, apenas um afilhado e

sobrinho, chamado Emílio, recebeu 100#000 réis de herança. Embora os homens recebessem

legados nos testamentos, apareciam em menor número e, em geral, quando beneficiados eram

com a Terça em detrimento de outros irmãos provavelmente na intenção do testador de

manter este filho no comando dos bens da família.

4.3.5 A Terça

O testamenteiro poderia dispor livremente da terça parte dos bens que lhe cabiam no

casal. Muitas vezes os remanescentes da Terça, ou seja o que restava após feitas as

225
Contas de Test. Antônio Rafael dos Anjos. N.2126, M.93, E.06, Ano 1880. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
202

disposições testamentárias a cerca de enterro, missas, legados etc, eram oferecidos a esposa

ou marido sempre acompanhados de uma justificativa que, em geral, referia-se aos cuidados

tidos com o moribundo em sua vida e suas doenças. João Roballo Barcellos justificou que

“sendo sempre tratado com carinho [sic] minha mulher Maria Carolina Barcellos tanto na

minha saúde como nas minhas enfermidades das quais estive por 2 vezes a morte [sic] disso

lhe deixo minha terça.”226 Do mesmo modo Antônio Ferreira Fontes, agregado em terras de

José Teixeira, deixou em 1830 para sua esposa 600#000 réis de sua Terça por “seu trabalho e

ventura”.227 Antônio José Gonçalves Chaves, por sua vez, havia feito contrato de casamento

com sua esposa no qual lhe devia 20 contos de réis por escritura de arras. No entanto, pediu a

seu testamenteiro que lhe entregasse também mais 10 contos de réis e dois escravos “em sinal

de meu amor e reconhecimento pela afeição e extremo em que me tem tratado” 228O Visconde

de Jaguari deixou para sua segunda mulher todos os remanescentes de sua Terça “em atenção

do muito que me tem tratado nas minhas moléstias, estimação e zelo com que tem usado com

meus filhos.”229

As mulheres também deixavam para seus maridos zelosos parte de sua Terça como

fez Joana Maria Bernardina em 1810 que deixou-a para Domingos de Castro Antiqueira “(...)

em atenção ao muito bem que me tem tratado (...)”. 230

Em seu testamento, João Guerino Vinhas deixou sua terça para sua esposa pedindo

que, caso ela viesse a falecer sem usufruí-la que o valor desta passasse para suas netas. Em

1862, ao falecer, Mathilde Vinhas Lopes deixou o valor integral de seu legado para suas netas

226
Test. João Roballo Barcellos. N.986, M.46, E.12, Ano 1875. 1 C. Orf. Prov. Rio Grande
227
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
228
Test. Antônio José Gonçalves Chaves. N.1791, M.87, E.06, Ano 1871.1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
229
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
230
Test. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
203

cumprindo o desejo do falecido. As 8 netas receberam partes no estabelecimento de

charqueada, que totalizavam 4:185#462 réis da terça deixada por seu avô231.

A Terça permitia ao moribundo favorecer um ou mais dentre seus filhos. Manuel

Silveira de Ávila que tinha 9 filhos de dois casamentos, deixou para o primogênito de seu

segundo casamento, Tito, sua Terça alegando que fazia isto “em atenção aos muitos e

repetidos benefícios que ele para comigo tem despendido.”232 Do mesmo modo Ignácio

Rodrigues Barcellos deixou sua Terça para três de seus filhos, Eleuthério, Boaventura e Luís,

em detrimento dos outros, justificando que estes eram “(...) os filhos que mais o tem muito

cuidado.”233 O Coronel Anibal Antunes Maciel, dono de uma grande fortuna legou em 1874 o

excedente de sua Terça para seus filhos Francisco Anibal Antunes Maciel e José Anibal

Antunes Maciel uma vez que no seu entender os dois haviam sido os filhos que, segundo ele,

muito o haviam ajudado para adquirir os bens que possuía.234

Os pais testadores, muitas vezes estando moribundos, até então administradores do

negócio que envolvia e sustentava toda a família, elegiam os filhos que estavam diretamente

ligados a atividade, em geral os filhos mais velhos, privilegiando-os com a Terça, que poderia

alcançar valores bastante altos conforme a fortuna do falecido e que os manteria como cabeça

na continuidade dos negócios.

231
Inv. João Guerino Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
232
Test. Manuel Silveira de Ávila. N.1700, M.86, E.6, Ano 1862. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
233
Test. Ignácio R. Barcellos. N.554, M.36, E.25/6, Ano 1863. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas
234
Test. Anibal Antunes Maciel. N.1814, M.87, E.6, Ano 1874. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
204

4.3.6 Patrimônio Familiar: Disputas e Heranças

Havia sempre o risco de contendas entre os herdeiros sendo que muitos chefes de

família, para tentar evitá-las impedindo assim o fracionamento e, portanto, a inviabilização

dos negócios, tomava medidas precautórias em seus inventários. Para evitar disputas entre os

herdeiros, João Guerino Vinhas procurou frisar em seu testamento:

Declaro que com todos os meus filhos e genro estou justo de contas
no que respeita ao que com eles tenho despendido e dádivas que lhes tenho
feito até o presente e por isso não poderão em caso algum questionar entre si
diferenças e valores ou reclamar direitos, excluindo-se por essa razão tudo
quanto se pretenda em contraposição a esta minha declaração que quero se
cumpra (...)235

No entanto, o terreno em que João Guerino Vinhas havia estabelecido sua

charqueada na costa do Pelotas havia sido registrado em cartório em nome de seu filho João

Vinhas. Este fato havia ocorrido porque, segundo o pai em seu testamento, o terreno em que

havia a charqueada

(...) sendo por mim mandado comprar por meu filho João Vinhas,
este por equívoco e manifesta ignorância, fez passar o título de venda em seu
próprio nome e assim esteve até o dia vinte e seis de maio próximo passado
em que por prevenção e para evitar dúvidas futuras declarou conveniente
com sua mulher, o referido equívoco e engano por escrito particular
devidamente autenticado, cujo documento existe em meu poder para
corroborar esta declaração e desvanecer qualquer interpretação forçada e
menos justa que por ventura se quisesse dar por meu falecimento (...)236

O filho varão mais velho, João Vinhas, havia registrado a charqueada da costa do

Pelotas em seu nome, por “ignorância”, segundo o pai. Na verdade, João Vinhas era sócio de

235
Idem
236
Test. João Guerino Vinhas. N.1650, M.86, E.6, Ano 1854. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
205

seu pai no negócio da charqueada na costa do Pelotas e, possivelmente, bom comerciante pois

herdou a administração do empreendimento.

Os charqueadores que haviam conseguido formar um patrimônio significativo

sabiam que disputas e enfrentamentos entre herdeiros só viriam a fragmentar os bens e a

inviabilizar a charqueada enquanto empresa familiar. Isto porque era preciso manter terras,

materiais de trabalho, mão-de-obra escrava e administração sob um mesmo comando, sob

pena de perder-se tudo em poucos anos.

O mesmo ocorreu com o charqueador José Inácio da Cunha que havia realizado em

vida diversas doações a seus filhos. Em seu testamento José Inácio da Cunha fez questão de

frisar, em relação as dádivas que havia feito, que

(...) se qualquer filho ou neto se julgar prejudicado e reclamar seu


direito, neste caso as dádivas serão feitas de minha Terça não sendo nela
contemplado o filho ou neto descontente e reclamante sendo assim únicos
herdeiros de minha Terça com a divida igual [sic] aqueles que respeitarem
essa minha disposição e se satisfazerem cada um com o muito ou pouco que
lhes dei.

Havia a preocupação de evitar que os herdeiros brigassem e disputassem a herança,

dispersando a família e seu patrimônio. O testador havia dado ainda em vida para suas três

filhas escravos, sendo que Umbelina, já falecida havia recebido 2 cativos, Maria Praxedes 3 e

Arminda 4 escravos. Dividiu também um terreno no arroio Sta. Bárbara entre os filhos

Possidônio e Felisberto e o genro Felisberto Gonçalves Braga. Havia também sido sócio de

seu filho Possidônio em diversas transações. Eram sócios ainda na estância do Serro feio, na

qual seu filho tinha a metade de tudo e na da Palma, na qual Possidônio era sócio nos animais

“que existem com a marca desta fazenda”. Possidônio Mâncio da Cunha era seu filho mais
206

velho e mais tarde tornou-se Comendador e charqueador no Cascalho. José Inácio da Cunha

auxiliava também o neto Carlos que era órfão de pai e mãe o suprindo “com uma mesada para

lhe dar o grau de Doutor em uma das academias do Império” .237

José Antônio Moreira, Barão de Butuí também teve a mesma preocupação quando

solicitou a seus filhos maiores que “depois do meu falecimento façam às vezes de bons irmãos

para com os seus menores” pedindo também que “(...) aos meus herdeiros que se por ventura

tiverem alguma dúvida entre si, seja esta decidida por árbitros idôneos e nunca por justiça.”238

No momento do inventario e partilha dos bens de um casal, havia sempre o risco de

começarem brigas e disputas pela herança por parte dos filhos e demais herdeiros. Os pais que

ficavam viúvos tinham que enfrentar muitas vezes os próprios filhos, na disputa pelos bens

para não perder seus meios de sustento e sua fortuna. Os filhos poderiam representar neste

momento uma ameaça a manutenção do patrimônio familiar. Da mesma forma todos tinham

questões comerciais a resolver no momento da partilha uma vez que, cedo, já viviam destes

mesmos bens e tinham seu ofício e sustento muitas vezes dependente do negócio familiar.

Uma briga entre pai e filho deu-se na disputa pela herança deixada por Carolina da

Câmara Barcellos. O viúvo Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos foi questionado por seu

filho mais velho, Catão da Câmara Barcellos, a cerca do inventariamento dos bens

considerando que havia erros intencionais nele. O pai responde as acusações do filho em juízo

dizendo

237
Test. José Inácio da Cunha. N.600, M.38, E.25/6, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
238
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
207

(...). Aqui tem o herdeiro suficientes dados para poder averiguar


estes fatos, que não desconhece mas que finge ignorá-los em retribuição aos
desvelos e carinhos (...) que não foram poupados para educá-lo, lançando
sobre o mais alegado o competente desprezo.

E mais adiante continua

(...), mas fique o herdeiro bem tranqüilo de que jamais será gravada
a sua herança por essa lacuna; porque como pai extremoso por meus filhos
procuro desempenhar meus deveres e com sacrifício de meu repouso para
que seja vizinho [sic] o seu futuro. 239

Os filhos do primeiro casamento de Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos também

brigaram com a madrasta no inventariamento dos bens de seu pai, fazendo com que acabasse

por ocorrer mais de uma sobrepartilha. Os filhos Franklin e Washington acusaram a madrasta,

além de sonegar bens, de apropriar-se da charqueada da família. Em ofício enviado ao juíz de

órfãos denunciavam:

(...) no inventário a que ultimamente aqui procedeu por falecimento


de seu pai (...) e de que foi inventariante sua madrasta (...), que além de
outros bens que lhes coube em sua legítima paterna houveram parte no
estabelecimento de charqueada sito a margem do arroio Pelotas (...). Como a
inventariante se tenha negado dar-lhes posse já por vezes reclamada e, ao
contrário, com prejuízo dos herdeiros se tem assenhoreado de todo o
estabelecimento em seu proveito como também tem alugado todas as
propriedades e seus terrenos (...) usufruindo desta forma os aluguéis que os
herdeiros tem direito (...). 240

Somente após uma longa disputa o inventário foi encerrado. O mesmo ocorreu em

1847 quando Boaventura Ignácio da Silva Barcellos por cabeça de sua mulher D. Estela de

Lima Barcellos, embargam a partilha dos bens de Boaventura Inácio Barcellos reclamando

esta ser “desigual, injusta e lesiva” e que um dos herdeiros, Israel, havia ficado apenas com

239
Inv. Carolina J. da Câmara. N.373, M.26, E.06, Ano 1854. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
240
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos. N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
208

bens de raiz (no arroio Pelotas e na Serra dos Tapes) e que o terreno havia sido dividido de

forma a prejudicar seu uso.241

Até mesmo Domingos José de Almeida, durante a partilha dos bens de seu sogro

Bernardino Rodrigues Barcellos envolveu-se em litígio com sua sogra Maria Francisca da

Conceição Barcellos. Domingos José de Almeida como cabeça de casal de sua mulher

Bernardina escreve ao juiz queixando-se de sua sogra onde argumentou que:

(...)tendo sua sogra Maria Francisca Conceição Barcellos escrito no


inventário a que (...) os bens deixados por seu (...), a prole da escrava Maria
Desidéria de propriedade do suplente (...)” – reclama que sua sogra colocou
como bens do seu casal a prole de sua escrava – “(...) vem este protestar
contra tal discrição (...) a dita escrava dera o dito Barcellos a sua filha
Bernardina quando casara a suplente por nada servir então por sua idade,
tamanho e estupidez, teve este imediatamente de mandar vir do Rio, Bahia e
Perambuco as escravas Joanna, Geralda e Mariana para o serviço da referida
sua esposa (...). (...) agora inculcar a suplente que apenas deveria mencionar
no inventário a escrava Joana ainda existente, instigada talvez, por
fraudulentos conselhos (...).13/03/1858

O litigante estava sugerindo que havia alguém dentre os herdeiros que estaria

fomentando a discórdia prejudicando-o na partilha. Antes de Domingos José de Almeida

apelar ao juizado contra sua sogra, Jeremias Soares da Silva como cabeça de sua mulher D.

Francisca Soares Barcellos, irmã de Bernardina, já haviam entrado com uma petição ao juiz

reclamando da morosidade da viúva em realizar o inventário e pedindo a realização do dito ou

o seqüestro dos bens e indicação de outro inventariante.242 Portanto, ao que parece a disputa

pelos bens deixados por Bernardino Rodrigues Barcellos também envolvia vários segmentos

da família.

241
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, Ano 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
242
Inv. Bernardino R. Barcellos. N.430, M.29, E.06, Ano 1857. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
209

4.3.7 O filho pródigo

Voltando à família Vinhas, apesar da questão das terras registradas indevidamente

por João Vinhas em seu nome, os problemas envolvendo a herança de João Guerino Vinhas

não ficaram apenas na confusão do filho sócio. As disputas entre os herdeiros pelo patrimônio

deixado pelo pai iam mais longe. A viúva pediu em ofício ao juiz, em 1854, que seu filho

Guerino da Silva Vinhas que estava ausente no porto da cidade do Recife em Pernambuco,

onde servia na Barca Nacional Itamaracá, fosse considerado pródigo. Mathilde da Silva

Vinhas argumentou que seu filho “(...) por seus, infelizmente, constantes desregramentos tem

suas faculdades intelectuais enfraquecido de maneira a achar-se constituído no estado de

prodigalidade e incapacidade (...)”243 e portanto solicitou que lhe fosse fornecido um curador

para administrar seus bens. O juiz considerou que o réu “(...) Guerino da Silva Vinhas sob a

perniciosa influência de uma embriaguez habitual, gasta desordenadamente seus bens (...) não

tendo (...) discernimento para se corrigir (...) seja citada sua mãe (...) a fim de ser instituída

curadora (...).”244

Quando sua mãe, Mathilde da Silva Vinhas, morreu em 1862, Guerino se

pronunciou em carta ao juiz defendendo-se das injustiças que supostamente estava até então

sofrendo de seus familiares, mãe e irmãos. No ofício endereçado ao juiz curador seu

procurador argumentava

(...)por falecimento de seu pai (...) procedendo-se a inventário e


partilha dos bens do casal a título de pródigo se deu curador do suplente em
abril de 1855, sem que se provasse legalmente esta prodigalidade, assinando
a curadoria sua mãe D. Mathilde (...) a instâncias de alguns de seus irmãos
pois que não tendo então o suplente bens alguns de seu e nem tendo recebido
os bens que lhe tocaram em partilha por falecimento de seu pai para deles
dispor ou esbanjar, como é que podia ter lugar essa curadoria. Mas tudo se
243
Inv. João Guerino Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
244
Idem
210

arranjou contra a disposição da lei Ord. Livro 4, tit. 611, parágrafo 1, e


seguinte, que manda dar curador somente aos que possuindo bens botem fora
ou esbanjam caso que se não deu com o suplente que, por intrigas e a força,
no ano de 1855 foi mandado para o Rio de Janeiro, onde chegando lhe
sentaram praça na Marinha e de então para cá não recebeu mesada alguma
por conta dos rendimentos de seus bens.245

A decisão de despachá-lo para longe e vetá-lo de ter acesso aos bens da família que

lhe eram de direito foi tomada com a morte do pai que, em momento algum de seu

testamento, refere-se ao filho como pródigo ou de forma a diferenciá-lo dos outros, retirando-

lhe algum direito. Ao que parece a decisão foi da mãe e do irmão João Vinhas, futuros

administradores da charqueada, que não desejavam a desestruturação do empreendimento.

Se Guerino era em verdade pródigo naquele momento não sabemos mas, anos

depois, com a morte da mãe, ele reivindicou seus direitos, embora não tenha sido atendido e

seu irmão João Vinhas foi então instituído seu novo curador. Segundo Guerino defendeu-se,

por meio de seu procurador em seu ofício

Anos depois faleceu sua mãe passando a curadoria a seu irmão


João Vinhas que também não se lembrou de mandar dar uma mesada e só a
poucos meses deste ano, indo a cidade do Recife seu irmão Boaventura da
Silva Vinhas, foi que este lhe mandou dar uma assistência de 20#000 que
logo depois passou a 10#000 que foi logo suspensa continuando o suplente a
passar misérias, só com o triste saldo de 5#000, largado ao desprezo sem
meios para ocorrer algumas despesas para o curatório da chaga que tem em
uma perna que só por isso não devia e nem podia sentar praça (...). 246

Supostamente Guerino da Silva Vinhas fora largado a própria sorte, doente e com

uma pensão no valor do salário de um peão. Segundo seu procurador a parte na charqueada de

Guerino não estava sendo arrendada por seu irmão João Vinhas, a fim de coletar os

dividendos para o irmão do qual era curador.

245
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25, Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
246
Idem.
211

Importante salientar aqui que o irmão citado no ofício ao juiz, chamado Boaventura

da Silva Vinhas que, ao passar por Pernambuco, fora lhe entregar uma mesada, havia recebido

em testamento de seu pai o título de propriedade da metade do patacho Paquete Ventura no

qual, segundo o testador, Boaventura tinha especial interesse. Deste modo, supõe-se que

Boaventura da Silva Vinhas trabalhava com os negócios de navegação da charqueada e

deveria estar em Pernambuco devido a ser este, juntamente com o Rio de Janeiro, um dos

principais portos para onde eram enviados as mantas de charque para comercialização.

Os diferentes negócios que envolviam uma charqueada, observa-se aqui, estavam

divididos entre os diferentes indivíduos da família. Ao realizar-se a partilha do patrimônio

familiar após a morte de seu pai, Boaventura ficou com parte do terreno no Uruguai e o

paquete. Do mesmo modo sua irmã, casada com charqueador, ficou apenas com parte no

terreno no Uruguai. João Vinhas já era sócio e proprietário de sua parte nas terras da

charqueada do arroio Pelotas e somente sua mãe, Pedro Lobo e Guerino, o pródigo, herdaram

partes da charqueada no Pelotas. Mais tarde, Pedro Lobo venderá sua parte, ainda dentro do

inventário, para investir em gados que, segundo argumentou ao juiz (uma vez que era ainda

apenas emancipado por suplemento de idade, sem ter chegado a idade legal) nesta época já

tratasse com criação247. Portanto, um irmão era sócio da mãe na administração da charqueada,

um cuidava da parte de navegação, outro de gados para custeio. A única irmã havia feito

casamento com um charqueador e administrador, portanto, toda a família participava

ativamente na manutenção do negócio.

Voltando ao caso de Guerino, após este ofício, parece que seu irmão João Vinhas

pretendia vender partes dos bens e, finalmente, arrendar outras, enviando o dinheiro para os

cofres da Tesouraria, quando foi então requerido seu impedimento e a cessação da curadoria.

247
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas.
212

O Curador Geral, em 1863, Sebastião Rodrigues Barcellos, provavelmente também

pertencente a uma das maiores famílias charqueadoras da região, não permitiu a liberação de

curadoria justificando não constar que o suplente tivesse melhorado o seu procedimento de

modo a poder assumir seus bens e “(...) que nada se deveria conceder antes de achar-se

legitimamente reabilitado da impossibilidade julgada por sentença”.248

Neste mesmo ano de 1863 seu irmão João Vinhas, justificando ter de ir à Campanha

tratar de negócios, pediu a liberação da curadoria. A partir daí Guerino teve como curador o

Tenente Coronel Eliseu Antunes Maciel, de família charqueadora. Neste momento, passou a

obter seus direitos nos juros vencidos, em mesadas, etc. Quatro anos depois, em agosto de

1867, seu novo curador Prudêncio José da Silva, comunicou ao juiz o casamento de Guerino:

“(...) consta-me que o pródigo Guerino da Silva Vinhas de quem sou tutor, tomara estado com

uma mulher com quem ele vivia amasiado nesta cidade, cujo consórcio dizem-me que tivera

lugar na província de Montevidéu, na povoação ou vila do Serro Largo. (...)”.249

Naquele mesmo ano, em 16 de dezembro, Guerino foi julgado e sentenciado com

juízo e discernimento para administrar seus bens, sendo na mesma sentença ordenado que lhe

entregassem tudo que lhe pertencia de direito.250 Coincidentemente ou não, nesta mesma data,

seu outro irmão Pedro Lobo Vinhas entrava com ofício ao juiz de órfãos para dar inventário

ao então recém falecido irmão e administrador dos bens da família João Vinhas. Com a morte

de João Vinhas estava acabado os impedimentos ao “irmão-problema” Guerino e este estava

livre para assumir seus bens. Imediatamente Pedro Lobo Vinhas, o herdeiro da administração

familiar, promoveu, ainda dentro do inventário de seu irmão, a compra pelos herdeiros da

parte da charqueada que pertencia a Guerino. Esta perfazia, neste momento, segundo os autos

248
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
249
Idem.
250
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
213

“cerca da metade” do empreendimento. A partir deste momento Guerino não seria mais uma

ameaça a empresa familiar.251

Em mais duas oportunidades apareceram filhos que foram afastados do controle de

seus bens por motivo de prodigalidade. No inventário de Carlota Baptista Teixeira, que

possuía 3 filhos, o mais velho Manuel Baptista Teixeira de 37 anos, era curador de seu irmão,

Antônio Baptista Teixeira, de 31 anos, que era “por sentença deste juízo julgado pródigo”,

havendo ainda um irmão mais moço, de 21 anos, chamado Luiz Baptista Teixeira. No entanto,

não há nenhum registro na documentação sobre o motivo da prodigalidade. A família possuía

uma charqueada na margem esquerda do São Gonçalo e um potreiro na estrada de baixo, uma

casa na cidade e uma chácara em Caçapava. Na partilha dos bens estes foram assim

divididos: o pródigo herdou a casa na cidade e a chácara enquanto que o menor ficou com

escravos e dinheiro. Ao mais velho coube todas as benfeitorias referentes a charqueada,

potreiro e os 2 iates.252 Portanto, independentemente do motivo para que o filho do meio

ficasse sem o controle de seus bens, apenas ao mais velho coube o controle dos bens

produtivos da família.

O mesmo ocorreu na família do charqueador Joaquim Guilherme da Costa com seu

filho homônimo quando em 16/07/1868, foi dada entrada no Juizado de Órfãos de Pelotas um

Auto de Justificação onde dizia:

Constando a este juízo que Joaquim Guilherme da Costa gasta


desordenadamente, não só a importância que recebe mensalmente para os
alimentos como outros dinheiros que lhe tem sido confiados em bem de seus

251
Inv. João Vinhas. N.642,M.41,E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
252
Inv. Carlota Baptista Teixeira. N.733, M.44, E.25/6, Ano 1871. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
214

próprios interesses, e que além disso vive em contínua embriaguez,


determina que se proceda a notificação de testemunhas (...). 253

Na época em que faleceu o pai, Joaquim Guilherme da Costa, que era o filho mais

velho, estava completando 21 anos, ou seja sua maioridade e poderia vir a requisitar em juízo

sua parte nos bens do inventário. Como testemunhas de sua prodigalidade foram chamados

Bernardo Taveira Jr. que relatou que

(...) o justificado Joaquim G. da Costa costuma embriagar-se


freqüentemente tornando-se nesse estado irregular, impertinente e
provocador. Sabe, além disso, também por presenciar, que o mesmo
justificado há noite costuma andar, digo, andar armado de faca e revólver.
Que sabe mais por ouvir dizer que o justificado gasta o dinheiro
desordenadamente (...).254

Como conclusão o juiz delegou um tutor para a administração dos bens da legítima do

mesmo pródigo. Um ano depois Joaquim Guilherme da Costa havia se casado com D. Maria

da Conceição Barboza, natural da Freguesia de Sto. Antônio em Pernambuco, filha legítima

de Antônio Barboza de Freitas de Portugal e sua finada mulher D. Caetana Joaquina Ferreira

de Pernambuco. Solicitou então ao juiz uma vez que “(...) estando o suplente hoje casado

como prova o documento junto, e limitado na quantia mensal de 50#000, que por este juízo

lhe foi arbitrado para suas despesas ordinárias e extraordinárias, está claro que não lhe é

possível subsistir-se com essa quantia e requer portanto a que V. Sra. se sirva ordenar

(...)..”255

Passados dois anos, Joaquim Guilherme da Costa protestou esta prodigalidade na

justiça onde alegou, por meio de seu advogado que

253
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
254
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
255
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
215

tendo sido interdito e privado da administração de seus bens por


sentença deste juízo proferida há um ano em conseqüência de prodigalidade,
proveniente de um vício a que se entregara por inexperiência e pelos seus
poucos anos, e estando completamente corrigido por tanto nas circunstâncias
de administrar sua pessoa e bens, justificará em juízo (...).256

O Curador Geral dos Órfãos, considerando suas alegações delegou que “ (...) a vista

das razões apresentadas pelo suplente, a vista ainda de sua morigerada conduta, depois que

casou-se, sou de opinião que ele está no caso de reger a administração a sua pessoa e bens,

porque tem para isso a precisa inteligência e capacidade (...).”257 livrando-o de sua

prodigalidade e o autorizando a assumir sua parte nos bens da família.

Justificando-se suficientemente ou não os pedidos de prodigalidade, o certo é que

este expediente servia ao interesse do grupo familiar de evitar a dispersão do patrimônio ao

ser partilhado com a morte de um dos pais ou cabeça de casal. Caso fosse a vontade de um

dos filhos de afastar-se dos negócios de charqueada era necessário que se garantisse ao

restante da família a manutenção de sua parte por compra ou impedimento caso contrário

poderia ser vendida para um novo sócio estranho ao grupo ou pior, fragmentar o

estabelecimento impedindo seu pleno funcionamento.

4.3.8 O filho: João Vinhas

Desde a morte de João Guerino Vinhas, em 1854, português que havia construído um

patrimônio considerável ainda na primeira metade do século XIX, calculado então em

215:240#556 réis, haviam se passado 13 anos. Sob a administração de seu filho João Vinhas o

256
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
257
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
216

patrimônio aumentara fazendo deste possuidor de bens calculados, em 1867, num montante

de 329:952#359.

É preciso notar que João Vinhas havia adquirido seus próprios bens ao associar-se a

seu pai e, depois da morte deste, à sua mãe, no empreendimento nas margens do arroio

Pelotas. João Vinhas arrendou de sua mãe sua parte no terreno da charqueada, pagando

6:400#000 anuais, e só terminou com sua sociedade as vésperas do falecimento da viúva.

No entanto, a administração de João Vinhas à frente dos negócios familiares foi

contestada por seu cunhado José Joaquim Duarte de Souza, durante o inventário de sua mãe.

Primeiramente o cunhado reclamou das contas e valores arrolados pelo inventariante que

estariam falhas. Em outros dois ofícios reclama ao inventariante não ter incluído a herança de

sua mãe em terras em Bagé que ela havia herdado de seus pais, bem como do terreno em

Montevidéu. João Vinhas retrucou dizendo que já havia comprado de sua mãe tais terras e que

os terrenos em Montevidéu estavam provavelmente perdidos, contestados por uma fiança que

seu pai havia feito a seu tio dando elas como garantia a que seu tio não havia quitado258. Não

contente, José Joaquim Duarte de Souza ainda entrará com outro ofício ao juiz do inventário

argumentando que o inventariante

(...) não descreveu os lucros dos 7 anos em que o estabelecimento


esteve sob sua administração. Esses lucros regulados, termo médio, uns por
outros anos a 50:000#000, importão em 350:000#000 que, unidos a
60:000#000 do lucro havido até fins de abril último, importam ao todo em
410:000#000, sendo, por conseguinte, a metade pertencente à associada
minha sogra de 205:000#000. (...).259

258
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567, M.36, E.25, Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
259
Idem.
217

O cunhado sugeria que João Vinhas havia lucrado com a sociedade durante os sete

anos entre a morte de seu pai e a de sua mãe, administrando a propriedade, e que havia

embolsado estes lucros. Isto porque, como argumentava José Joaquim Duarte de Souza,

O documento de distrate da respectiva sociedade foi como se há de


provar, obtido [sic] e subrepticiamente. Sofrendo minha sogra, há muito
tempo, de grave enfermidade tornara-se indiferente a quaisquer atos. Aquele
documento que se afigura em 30/12/1861, só foi selado em 20/01 próximo
passado. A presunção é portanto, que só neste dia fosse talvez assinado.
Era justamente nesse tempo em que a dita minha sogra se achava
no maior estado de abatimento, que se achava, por assim dizer, quase
moribunda e tanto que 8 dias depois faleceu.
Para se reconhecer a alacridade com que se procedia, é bastante ver
que, logo depois do selo, se apresentou o doc. Na conservatoria para ser
registrado. E se não é assim porque demorou-se 21 dias? Como explicará
isso? E mais as testemunhas que assinaram o sobredito doc. Além de
suspeitas pela intimidade que as liga ao inventariante, com quem tem
estreitas relações comerciais, de quem mesmo são dependentes, não
estiveram presentes ao ato. Isso se há de provar em tempo.260

O inventário de Mathilde será concluído em 1864 sem que se tenha mais nenhuma

notícia desta refrega. Nenhum ofício a mais foi anexado aos autos. Se João Vinhas havia sido

realmente ardiloso ao garantir sua parte nos lucros da sociedade, livrando-se do contrato

aproveitando-se da doença da viúva, não é possível saber ao certo. No entanto, não seria de

estranhar que, novamente ele interferisse para garantir seus lucros e seu comando à frente dos

negócios da família. Ao que parece, o poderoso charqueador havia usado de sua influência

para acelerar na justiça tal processo antes do falecimento de sua mãe, fazendo uso do que,

novamente se deixa entrever nos autos dos inventários: as relações de dependência e

favorecimentos entre os charqueadores e poderosos da região. As disputas pela herança e pela

manutenção do patrimônio da família Vinhas tinha mais um episódio encerrado.

260
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567, M.36, E.25, Ano 1862. 1 Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas.
218

O mesmo havia se passado na família do charqueador Joaquim José Assumpção que

possuía 3 filhos, Joaquim, Antônio e Maria, esta segundo o testamento de seu pai era “casada

com José Victorino de Resende e que promove seu divórcio.” O genro José Victorino de

Resende havia sido sócio do cunhado Antônio e do sogro em uma charqueada e durante o

inventário promove uma ação contra o inventariante questionando entre outras coisas valores

e bens não devidamente arrolados, ação esta que terminará por perder.261

João Vinhas fez fortuna, visível no luxo ostentado em sua indumentária arrolados em

seu inventário. Além do relógio de algibeira de ouro, objeto essencial na indumentária de um

homem atualizado com a moda do século XIX, João Vinhas possuía também seus estribos e

bocais bem como seu par de esporas e freios em prata todos objetos bastante freqüentes nos

inventários dos charqueadores. Usava ainda ora um pregador com brilhantes ora outro de ouro

sendo que não poderia faltar em sua indumentária seu facão com bainha de prata. Maria

Carolina Gomes Vinhas, sua esposa, também possuía um rico acervo em jóias que iam desde

uma pulseira com dezesseis brilhantes, um par de bichas de brilhantes sendo dois grandes e

mais dois pequenos, um anel de brilhantes, um alfinete de brilhantes, uma corrente com

passador e um brilhante, um relógio e corrente para senhora, um dedal de ouro além de cinco

“anelões” de ouro que tanto poderiam ser seus ou de seu esposo.

A mobília da casa de João Vinhas bem como sua tralha doméstica apontavam a

família Vinhas como uma entre as mais sofisticadas da região no período. Constituía-se dos

inúmeros objetos em prata, entre talheres, salvas, castiçais, bacias, serpentinas, que somavam-

se a um mobiliário luxuoso contando com mesas, consoles, guarda louças, tapetes, marquesas,

cabides, baús, camas, guarda roupas, lavatórios, toucador, cadeiras e etc. todas em madeiras

de lei como mogno, jacarandá, cedro e guajuvira. Na decoração lustres de cristal, vasos de

261
Test. Joaquim José de Assumpção. N. 595, M.27, E.12, Ano 1851. 1° Cart. Órf. Prov. Rio Grande.
219

porcelana, 23 quadros – entre eles os “históricos” e os de imagens – mais 12 quadros

pintados a óleo e 1 de “sinais”, um objeto em bronze, um relógio de pêndulo. Para as

mulheres uma máquina de costura, um costureiro, dois pianos. Para os homens uma mesa

para jogos.262 Havia dentre os móveis de João Vinhas um berço de criança, utensílio apenas

encontrado em mais um documento de 1828, apesar do número elevado de filhos destes

charqueadores. Os objetos e utensílios voltados para as crianças praticamente inexistem nos

documentos de todo o período, sendo que apenas no inventário de Francisco Anibal Antunes

Maciel foram arroladas “duas cadeiras para crianças”, isto já em meados da segunda metade

do século XIX

Entre os utensílios de mesa ainda arrolam-se copos, cálices, compoteiras e pratos de

vidro, panelas, bandejas, sopeiras além de um moinho para café e um pilão de pedra. Para

seus passeios a família de João Vinhas fazia uso de uma carruagem de 4 rodas bem como de

um carrinho de 4 rodas para duas pessoas.263

A fortuna de João Vinhas constituía-se, entre outras coisas, de um grande número de

escravos sendo que entre os da charqueada havia 11 carneadores, 2 tanoeiros, 5 salgadores, 1

tripeiro, 1 corrieiro, além de 2 pedreiros, 1 cozinheiro, 4 marinheiros, 1 marcineiro, 1 copeiro,

3 carpinteiros e 4 campeiros. João Vinhas possuía, também, além da charqueada, terras no

arroio Pelotas e na serra dos Tapes, onde criava um grande número de animais entre reses,

cavalos, mulas, ovelhas, etc.264

Com a morte de João Vinhas, administrador dos negócios da família, e de sua mulher

Maria Carolina Gomes Vinhas, ficaram 6 filhos. Maria Isabel Vinhas que viria a casar com

262
Inv. João Vinhas. N.642, M.41, E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
263
Idem.
264
Inv. João Vinhas. N.642, M.41, E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
220

seu tio Pedro Lobo Vinhas, Francisco de Paula Vinhas, de 13 anos; Mathilde Vinhas, de 12

anos; Carolina Gomes Vinhas, de 10; Líbio Vinhas, 7 e Corinha Vinhas, 4 anos.265João

Vinhas ao casar sua filha primogênita com seu irmão Pedro Lobo, garantiu a manutenção da

administração e os bens da charqueada da família em poder dos Vinhas por mais uma

geração. Pedro Lobo tinha então, com a morte de seu irmão, que não só administrar os bens

como garantir seu patrimônio e de seus sobrinhos. A charqueada agora seria comandada por

Pedro Lobo e estava dividida entre ele, sua mulher e seus 5 enteados, portanto, permaneceria

no comando da família.

4.3.9 Casamento: Vinhas x Lopes

Em maio de 1872, um novo elemento entrava na família dos Vinhas. Manoel

Jacintho Lopes, filho do charqueador Jacintho Antônio Lopes, pediu ao juiz de órfãos a

autorização para casar-se com Mathilde Vinhas, então com 16 anos, sobrinha e tutelada de

Pedro Lobo Vinhas. O noivo fez o requerimento direto ao juiz argumentando que o tutor da

menor não poderia fazê-lo pois estava “bastante enfermo”. Passados dois meses, em

15/07/1872, Manuel Jacintho Lopes fez requerimento ao juiz pedindo prazo de 5 dias para que

Pedro Lobo Vinhas fizesse a entrega dos bens de sua tutelada que lhe couberam em legítima

no inventário de seus pais. Parece que o noivo tinha muita pressa, como o tutor Pedro Lobo

Vinhas afirma em seu ofício ao passar os bens para sua ex-tutelada266.

Um ano depois, em 1873, Mathilde morreria deixando uma filha, Carolina Mathildes,

de 9 meses. A mortalidade feminina, principalmente vítimas de parto, era bastante grande no

265
Inv. João Vinhas. N.642, M.41, E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
266
Inv. João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
221

período. As mulheres geralmente morriam deixando filhos ainda muito pequenos, após vários

partos consecutivos. Mathilde Vinhas Lopes, ao contrário da maioria, havia morrido de parto

em seu primeiro filho, já sua mãe Maria Carolina Gomes Vinhas ao morrer havia deixado

além dela mais cinco filhos órfãos sendo que os dois menores tinham as idades de 7 e 4 anos.

Isabel Dorothéa da Fontoura, casada com o comendador João Simões Lopes, morreu em

1844, deixando entre seus cinco filhos, três deles casados , os dois menores Ildefonso Simões

Lopes com 14 anos e Cândida Clara da Fontoura, com 9 anos. Isabel havia casado com o

Comendador em 1815 e, quase 29 anos depois, tinha uma filha pequena de 9 anos que havia

nascido após 20 anos de casamento. As mulheres enquanto fossem férteis tinham filhos o que

deveria comprometer sua saúde e fazer com que acabassem por vir a falecer dos diversos

partos consecutivos deixando filhos pequenos órfãos, como Maria Luíza Chaves que era

casada com seu tio João Maria Chaves, e que faleceu em 1872 deixando 6 filhos: D. Maria,

com 17anos, D. Julieta, com 15, Henrique, com 11, Marcolina, com 9, Joana, com 8 e Maria

Luíza com apenas 11 meses.267

Nos inventários destes charqueadores é bastante comum aparecerem nomes de filhas

já falecidas deixando netos herdeiros muito pequenos ou menores de idade. Cecília deixou seu

filho Antônio, no momento da morte do avô com 7 anos enquanto Estela filha de Semiana

Lima Barcellos deixou 9 filhos com as idade dentre 26 e 9 anos.268

Muitas vezes os filhos ficavam órfãos de pai e mãe ainda muito pequenos como foi o

caso da viúva Maria Manoela Barcellos de Amorim, filha de Manoel Rodrigues Barcellos,

que deixou 6 filhos menores órfãos: Ernesto, com 15 anos, Frederico, com 12, Felinto, com

267
Inv. Maria Luíza Chaves. N.770, M.46, E.25, Ano 1872. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
268
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Semiana de
Lima Barcellos. N.1835, M.88, E.6, Ano 1876. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
222

10, Rodolfo, com 7, Antenor, com 5 e Maria Frederica de 3 anos.269 Luis Rodrigues Barcellos

faleceu durante o inventário de sua esposa Jacintha Joaquina de Almeida deixando 6 filhos

menores órfãos nas idades de 26, 24, 23, 21, 10 e 3 anos.270 Francisco Anibal Antunes Maciel

e sua mulher Maria Augusta de Rezende Antunes, faleceram no mesmo ano de 1877, ela em

fevereiro ele em outubro, deixando 6 filhos órfãos nas idades de 15, 14, 12, 11, 10 e 8 anos.271

A média de filhos entre os casais que viviam nas margens do arroio Pelotas em seus

estabelecimentos de charqueadas durante o século XIX era de 5,5 filhos por casal (Tabela 5).

269
Inv. Manoel Rodrigues Barcellos. N.528, M.35, E.6, Ano 1861. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
270
Inv. Jacintha Joaquina de Almeida. N. 574, M.26, E.4, Ano 1850. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
271
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
223

Tabela 5

Número de filhos por casal

ANO CASAL N°° DE FILHOS


1806 Joaquim Rodrigues Barcellos x Maria Prudência 1
1811 Joana M. Bernardina e Domingos de Castro Antiqueira 0

1818 Domingos Rodrigues e Luzia Ferminiana do Pilar 3


1820 José G.da Silveira Calheca e Felícia Maria da Conceição 3

1824 Boaventura Rodrigues Barcellos x Cecília R. Silva 6


1825 Damázio Vergara e Maria Bernarda de Bittencourt 7
1826 Eugênia F. da Conceição 7
1827 José Pinto Martins 3
1828 Joaquim J.Cruz Secco e Thereza Angélica de Sá 3
1831 José Martins Coelho e Anna Maria D'Ávila 9

1835 Antônio Pereira da Cruz e Genoveva Maria da Conceição 0


1838 Ignácio José Bernardes 4
1844 Isabel Dorothéa da Fontoura e João Simões Lopes 5

1846 Boaventura Ignácio Barcellos x Semiana de L. Barcellos 6


1848 Francisca Alexandrina de Castro 1
1850 José R. Barcellos X Anna Bernardina Barcellos 5

1850 Luis R. Barcellos x Jacintha Joaquina de Almeida 6


1850 Manuel Soares da Silva e Clara Barbosa Soares 8
1851 Joaquim José de Assumpção (Comendador) 3
1851 Maria Josepha C. Moreira e Barão de Butuí 4
1852 Domingos de C. Antiqueira e Maria Joaquina de Castro 5
1854 Cipriano J. R. Barcellos x Carolina J. Câmara 4
1854 João Guerino Vinhas e Mathilde da Silva Vinhas 5
1855 Joaquim Antônio Chaves x Maria Luíza Barcellos Chaves 4
1856 Albana S. Barcellos x Boaventura S. Barcellos 8
1856 Boaventura Rodrigues Barcellos x Silvana E. Azev. Barcellos 5
1857 Bernardino R. Barcellos x Maria Francisca C. Barcellos 8
1857 Euphrasia Gonçalves Lopes e João Simões Lopes Filho 10
1861 Manuel Rodrigues Barcellos x Michaela R. B. 11

1863 Inácio R. Barcellos x Emerenciana 7


1864 Com. Cipriano R. Barcellos x Rita B. Barcellos 2
1865 Joaquim Guilherme da Costa e Thereza Franc. da Costa 7
1865 José Ignácio da Cunha e Zeferina Gonçalves da Cunha 6
1867 João Vinhas e Maria Carolina Gomes Vinhas 6
1867 Leonídia C. Moreira e José Antônio Moreira * 6
1870 Silvana Claudiana Belchior e Custódio G. Belchior 14
224

1871 Carlota Baptista Teixeira e Manuel B. Teixeira 3


1872 Antônio J. G. Chaves x Marcolina 5
1872 Luciana Travassos Antiqueira e Domingos C. Antiqueira 12
1872 Maria Luiza Chaves x João Maria Chaves 6
1873 José R. Silva Candiota e Senhorinha S. S. Candiota 8
1873 Luis Teixeira Barcellos x Dorotéa F. Barcellos 8
1873 Manuel Jacintho Lopes e Mathilde Vinhas Lopes 1
1873 Miguel Rodrigues Barcellos x Eulália Barcellos 6
1875 Anibal Antunes Maciel e Felisbina da Silva Antunes 4
1875 João Robalo Barcellos x Maria Carolina Barcellos 2
1877 Francisco Anibal Antunes Maciel e M. Augusta R. Maciel 6
1881 Domingos Soares Barboza e Constança S. Barboza 0

1883 Joaquim Antônio Barcellos x Marcolina C. Barcellos 5


1884 Antônio José da Silva Maia e Bernardina Soares Maia 16
1884 Eleuthério R. Barcellos x Rita Teixeira Barcellos 7
1885 Jacintho Antônio Lopes e Carolina Corrêa Lopes 10
1886 Balbina x Amaro José de Ávila Silveira 0
1890 Boaventura Teixeira Barcellos x Florisbela S. Barcellos 10
1898 Barão do Jarau 2

O número de filhos aumentou a partir dos anos 40 sendo que entre 1860 e 1880 a

média foi de 6 filhos por casal. Isto deve-se, no nosso entender, a dois fatores: a qualidade de

vida que havia melhorado na segunda metade do século com melhores condições de higiene e

habitação e ao aumento das fortunas dos charqueadores neste período, não somente em função

da venda do charque bem como de seus investimentos em negócios urbanos e rurais.

As maiores fortunas dos charqueadores foram encontradas entre os anos de 1860 a

1880, sendo o a Baronesa e o Barão de Butuí possuidores do montante de 1:059:188#011 réis

e 1:692:131#581 réis respectivamente, possuindo a maior fortuna deste período dentre os

inventários aqui analisados272. No período de 1881 a 1898, o Barão do Jarau foi o mais bem

aquinhoado com 3:510:191#000 réis de monte mor. As fortunas vão ao longo do século XIX

aumentando gradativamente sendo que até 1849 Emerenciana Maria Teixeira tinha o maior

272
Os valores totais não são exatos na medida em que alguns referem-se ao monte-mor e outros ao partilhável já
excluídos gastos, taxas e demais débitos. No entanto as diferenças são pequenas o que nos permite ter uma
225

montante com 156:189#216 réis e José Rodrigues Barcellos em 1850 já havia conseguido

angariar um conjunto de bens no valor de 546:030#572 réis.

Tabela 6

Valor total dos bens dos charqueadores no ano de seus inventários

ANO INVENTARIADO TOTAL


1806 Joaquim Rodrigues Barcellos 89#600
1818 Domingos Rodrigues 146:399#557
1820 Calheca 16:825#402
1827 José Pinto Martins 18:419#472
1828 João Rodrigues De Lima Barcellos 2:587#790
1832 José Pinto Martins 44:069#320
1838 Ignácio José Bernardes 83:201#507
1846 Boaventura Ignácio Barcellos 46:937#010
1847 Emerenciana Maria Teixeira 156:189#216
1847 Genoveva Maria Da Conceição 7:647#500
1850 José Rodrigues Barcellos 546:031#372
1852 Com. Joaquim José Assumpção 36:935#897
1852 Visconde De Jaguary 201:425#611
1853 João Simões Lopes 492:168#092
1854 Carolina J. Câmara 16:060#478
1854 João Guerino Vinhas 215:240#556
1855 Joaquim Antônio Chaves 200:683#320
1855 Joaquim Antônio Chaves 189:375#266
1856 Albana S Barcellos 93:360#503
1856 Boaventura Rodrigues Barcellos 183:119#815
1857 Bernardino Rodrigues Barcellos 75:101#267
1858 Antônio Pereira Da Silva 2:229#434
1859 Maria Magdalena 5:450#000
1861 Manuel Rodrigues Barcellos 2:825#600
1862 Antônio José Gonçalves Chaves Filho 188:830#000
1862 Mathilde Da Silva Vinhas 189:052#456
1863 Ignácio Rodrigues Barcellos 51:846#724 (partível)
1864 Boaventura S. Barcelos 30:359#932
1864 Com. Cipriano Rodrigues Barcellos 67:769#093 (partível)
1864 Manuel Baptista Teixeira 232:647#258
1865 Joaquim Guilherme Da Costa 285:152#557
1865 José Ignácio Da Cunha 725:022#660
1867 Baronesa De Butuhy 1:059:188#011
1867 João Vinhas 329:952#359

noção do montante total de cada inventariado. Não foi possível igualar os montantes uma vez que nem todos
os documentos oferecem estes dados completos e ou referidos de modo uniforme.
226

1868 Antônio Antunes Da Porciúncula 4:576#000


1870 Cipriano Joaquim Rodrigues Barcellos 81:978#180
1870 Silvana Claudiana Belchior 179:937#873
1871 Carlota Baptista Teixeira 136:726#983
1872 Maria Luíza Chaves 414:948#995
1873 Eulália Barbosa Barcellos 112:461#300
1873 Luis Teixeira Barcellos 36:977#154
1873 Mathilde Vinhas Lopes 107:964#600
1875 Annibal A. Maciel 1:060:298#042
1875 João Roballo Barcellos 26:104#570
1877 Barão De Butuhy 1:692:131#581
1877 Francisco A. Antunes Maciel 839:603#618
1877 Seminana Lima Barcellos 8:505#120
1879 Silvana Eulália De Azevedo Barcellos 33:322#794
1881 Domingos Soares Barboza 17:838#962
1883 Marcolina Chaves Barcellos 11:760#000 (partível)
1884 Ana Joaquina De Jesus 3:000#000
1884 Antônio José Da Silva Maia 553:395#348
1884 Eleuthério Rodirgues Barcellos 9:135#000
1885 Jacinto Antônio Lopes 457:981#010
1886 Balbina Maria Chaves Da Silveira 21:061#800
1887 João Maria Chaves 212:638#187(partível)
1890 Boaventura Teixeira Barcellos 30:396#045
1898 Barão Do Jarau 3:510:191#000
Fonte: APRGS

Quando a sobrinha de Pedro Lobo Vinhas, Mathilde Vinhas Lopes, faleceu, o viúvo

Manuel Jacintho Lopes ficou com a metade dos bens do casal, sendo que o total de seu

patrimônio foi calculado em 107:964#600, divididos entre ele e a filha.273 Manuel Jacintho

Lopes que era arrendatário da charqueada de seu pai juntamente com seu irmão e seu

cunhado, formando a Lopes & Cia., teve aberta sua falência dois anos depois quando então

teve de passar a tutela de sua filha para o avô. Anos depois, em 1883, Manuel Jacintho Lopes

pediu a tutela de sua filha tendo em vista estar “reabilitado por sentença” de suas dívidas com

a justiça. A partir daí travou uma longa disputa na justiça com seu pai, avô de Carolina

Mathildes, na casa de quem estava sendo criada. O avô, o charqueador Jacintho Antônio

273
Inv. Mathilde Vinhas Lopes. N.775, M.46, E.25, Ano 1873.1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
227

Lopes, negou-se a devolver a tutela de sua neta argumentando em juízo, por meio de seu

advogado, que

(...) é público e notório, e se preciso for se provará, que Manuel


Jacintho Lopes vive nas circunvizinhanças da cidade de Porto Alegre em
público concubinato, em casa de teúda e manteúda, com Noemia de Tal,
esposa de Noé José de Lima, que dela acha-se separado em razão de seu mau
procedimento nesta cidade de Pelotas.
Manuel Jacintho Lopes, em viagem que fez ao norte do Império,
poucos anos atrás, fez-se acompanhar desta Dulcinéia, inculcando ser ela sua
esposa. Quem assim vive e procede não pode ser tutor, e criminoso seria o
nosso constituinte se, como avô, justamente agora que sua netinha começa a
fazer-se noção, não opusesse embargos ao precipício que se lhe quer
abrir(...).274

Além das questões morais aqui levantadas, o que estava em jogo era uma suposta

herança que Carolina possuiria e que estaria em poder de seu avô. Segundo os autos, a menor

não havia herdado nada devido as dívidas de seus pais serem anteriores a morte de sua mãe. O

avô havia criado a neta sozinho e Manuel Jacintho Lopes, que havia falido anos atrás, queria

resgatar não somente sua filha, com 9 anos na época, como as rendas de aluguéis de escravos

e de uma casa que supostamente estariam em poder de seu pai e que comportariam um valor

total de 100:786#213.275

Segundo seu pai argumentou em juízo os bens de sua neta haviam ficado com o

próprio Manuel Jacintho Lopes que por procedimento “escandaloso” que com “verdadeiro

disfarce e cinismo e com a mais requintada traição e assalto a verdade, apresenta-se sob a pele

de homem de bem e vítima (...)”.276 Isto porque, segundo ele seu filho havia ficado com os

274
Idem.
275
Inv. Mathilde Vinhas Lopes. N.775,M.46,E.25,Ano 1873.1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
276
Idem
228

bens e os recebido pessoalmente passando recibo destes. O caso se encerrará em dezembro de

1883 com a morte da menina Carolina, aos 10 anos de idade, vítima de febre tifóide.277

A filha de João Vinhas, Mathilde, ao unir-se a Manuel Jacintho Lopes, havia

realizado casamento com o filho de um dos mais abastados charqueadores do período,

Jacintho Antônio Lopes. Ainda que desfeito os laços de parentesco entre as duas famílias,

Vinhas e Lopes, com a morte de Mathilde e de sua filha, no entanto será interessante observar

alguns aspectos da família Lopes e seu patrimônio.

4.4 O CHARQUEADOR JACINTHO ANTÔNIO LOPES

Jacintho Antônio Lopes ao falecer em 1885, deixou para ser dividido entre seus 10

filhos, uma fortuna no valor de 457:981#010. Além de sua charqueada na costa do Pelotas

onde vivia em seu sobrado juntamente com 36 escravos (contratados por 5 anos), possuía

dois iates, terras na serra dos Tapes com currais, galpões, arvoredo, casa e demais benfeitorias

além de outras terras na Mangueira, no Chasqueiro, no lugar denominado Liscano em Arroio

Grande, terrenos em Santa Isabel e ilha do Contrabandista no rio Piratini. Em Arroio Grande,

no Chasqueiro, possuía uma pedreira de cal e no campo no Liscano um forno de queimar

3000 alqueires de cal e galpão de depósito. Entre os bens de Jacintho Antônio Lopes havia

também apólices do comércio do Rio Grande e ações do rebocador Piratini e do Jockey Club

Pelotense, num total de 900#000278.

277
Inv. Mathilde Vinhas Lopes. N.775,M.46,E.25,Ano 1873.1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
278
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
229

4.4.1 A tralha doméstica

Entre os objetos domésticos que compunham a tralha de seu sobrado na costa do

Pelotas foram arrolados um oratório com 5 imagens, um piano usado, um par de escarradeiras,

12 quadros, um relógio de parede, serpentinas de bronze, lustres de cristal e bronze, além de

baixelas, salvas e castiçais de prata, juntamente com 2 dúzias de colheres de prata para sopa

mais 24 para chá. Interessante observar aqui que, novamente, apenas os alimentos líquidos

foram contemplados com talheres mais sofisticados, do mesmo modo que não era dispensado,

provavelmente em reuniões mais cerimoniosas, o chá.279

Apesar de terem sido listados entre seus móveis um guarda-louça e um guarda-

cristal, os objetos correspondentes não foram arrolados no inventário. Pode-se inferir que

estes objetos talvez tivessem sido doados em vida a uma das filhas como parte do dote e

portanto não estava disponível na herança. Os bens de uso doméstico apresentam-se bastante

modestos, tendo em vista sua fortuna. No ano de seu inventário, dentre suas 7 filhas 5 já

estavam casadas sendo que uma, Francisca Lopes dos Santos Castro, vivia na Corte. Portanto,

estas filhas casadas, vivendo em outras partes ou na cidade de Pelotas, deviam ter sido

contemplados com boa parte dos bens como jóias, louças e pratarias, como ocorreu no caso

dos Vinhas. Corroborando esta suposição, observe-se que a filha Carolina Lopes Bezerra,

casada com o major José da Costa Bezerra, que havia ficado viúva durante a realização do

inventário de seu pai Jacintho Antônio Lopes, teve alguns dos bens em seu poder arrolados no

mesmo auto como sendo pertencentes ao patrimônio de seu pai, sendo que dentre eles havia

uma casa na cidade de Pelotas, 12 escravos contratados e uma lista de objetos em prata entre

eles: talheres de prata, castiçais, salvas, bule para chá, açucareiro, paliteiro. Portanto, ao que

parece os bens de valor que constituíam a tralha doméstica circulavam nas heranças

279
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas.
230

principalmente pela via feminina da família, sendo que as residências na cidade eram melhor

aparatadas para recepções sociais.280

4.5 OUTRO CASAMENTO: VINHAS X SIMÕES LOPES

A última notícia que temos da empresa charqueadora da família Vinhas no século

XIX é a de que, por volta de 1884, Pedro Lobo Vinhas estava falido e o maior de seus

credores era o charqueador José Maria Moreira, Barão de Butuí.

Nesse ínterim, sua cunhada e tutelada Carolina Vinhas casou-se, aos 15 anos, com

Vicente Simões Lopes de família charqueadora, herdeiro do Barão do Jarau. Observa-se então

que, nos casamentos das mulheres da família estabeleceram-se ou mantiveram-se os laços

entre diferentes famílias charqueadoras. Portanto, supomos que as mulheres garantiam, por

meio do casamento com indivíduos tanto da sua própria família como de outra, os elos que

interligavam os bens e os interesses do grupo charqueador da região.

Carolina Vinhas, ao casar com Vicente Simões Lopes, tornou-se nora do Visconde

do Jarau. No entanto, ela não teve muita sorte neste enlace. Seu marido morreu em 1884,

sendo que somente em 1887 foi aberto seu inventário, isto porque nada havia para ser

arrolado. Conforme a viúva declarou ao juiz de órfãos e ausentes

(...) ela foi intimada por mandado deste juízo para no prazo de 5
dias dar começo ao inventário dos bens deixados por falecimento de seu
marido Vicente Simões Lopes, mas que não pode fazer isso visto que seu
dito marido morreu em estado de pobreza tal que as despesas do enterro e
funeral foram feitas por seu pai o Visconde da Graça e sendo assim nada há
a inventariar a não ser algumas peças de roupa de uso e algumas dívidas.
(...).

280
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Car. de Órfãos e Prov. Pelotas
231

Vicente era herdeiro de uma das mais ricas famílias da região, os Simões Lopes. Seu

avô, o português João Simões Lopes fora Comendador e seu pai, de mesmo nome, era

Visconde. Seu sobrinho homônimo viria a ser um dos maiores escritores gaúchos.281

A história dos Simões Lopes oferece dados interessantes sobre a vida cotidiana do

grupo charqueador no decorrer do século XIX, o que analisaremos a seguir.

4.5.1 Os Simões Lopes

Em 1815, o português João Simões Lopes, batizado na igreja de Nossa Sra. da Graça

em Lisboa, casou-se com Isabel Dorothéa da Fontoura em Pelotas na capela de N. Sra. das

dos Prazeres, no Laranjal. Isabel Dorothéa da Fontoura era sobrinha-neta e afilhada de Isabel

Francisca da Silveira, de quem herdou em testamento parte da fazenda de Pelotas (PINTO,

1989).

Segundo Massot, o comendador João Simões Lopes, era dono de uma pequena frota

de barcos mercantes que zarpavam para a Europa com artigos da Província e retornavam com

utensílios diversos (MASSOT, 1974, p.9).

O casal se estabeleceu em uma residência as margens do arroio Pelotas

onde iniciaram uma charqueada com mais de 100 escravos arrematados em um navio em Rio

Grande (Idem). Após a morte de Isabel Francisca da Silveira, em 1822, Isabel Dorothéa da

281
João Simões Lopes Filho, que viria a ser Barão e mais tarde Visconde da Graça, foi pai de Catão Bonifácio e
avô do ilustre escritor gaúcho Simões Lopes Neto. Além de sua importante obra literária, Simões Lopes Neto
escreveu uma série de artigos publicados na “Revista do 1° Centenário de Pelotas”, entre os anos de 1911 e
1912, sobre a história da fundação de Pelotas e de suas charqueadas
232

Fontoura herdou a parte das terras em que já vivia e que passaram a denominar-se estância da

Graça (Moura e Schlee, 1998).

Figura 22: Sobrado na estância da Graça, onde foi a charqueada, com fundos para a margem esquerda
do arroio Pelotas. (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP)

Isabel Dorothéa da Fontoura e o Comendador João Simões Lopes tiveram 5 filhos:

Isabel Dorothea da Fontoura de Oliveira que casou-se com Antônio José de Oliveira Leitão;

Vicência Maria da Fontoura casada com Manoel Antônio Lopes Correia; João Simões Lopes

Filho casado com Euphrásia Gonçalves Lopes; Ildefonso Simões Lopes e Cândida Clara da

Fontoura.

Em 1844, D. Isabel Dorothéa da Fontoura faleceu deixando entre seus filhos dois

menores, Ildefonso Simões Lopes de 14 anos e Cândida Clara da Fontoura de 9 anos. Ao

viúvo coube na partilha a fazenda da Graça, com sua casa de morada, estabelecimento de
233

charqueada, olaria e quinta com arvoredos. João Simões Lopes ficou também com a morada

de casas térreas que o casal possuía na cidade de Pelotas de frente a rua do Comércio e fundos

a rua da Igreja, mais um terreno e uma parte de campo entre os arroios Contagem e Pelotas.

Ao viúvo coube as duas embarcações da charqueada: o iate Marquês e o brigue Isabel282.

Portanto, o estabelecimento de charqueada com todos os seus pertences necessários ao seu

pleno funcionamento ficaram sob o controle do Comendador.

4.5.2 A tralha doméstica do Comendador

Na época do inventário de Isabel Dorothéa da Fontoura o casal possuía 71 escravos

sendo que entre eles haviam 14 mulheres e 15 crianças (nas idades que iam de 12 a 2 anos).

Entre as escravas 9 delas trabalhavam na charqueada como graxeiras, 3 eram cozinheiras e 2

costureiras. Possuíam também, além de um terreno no Areal, uma casa em Rio Grande,

partilhada entre Vicência, sua moradora, e seus dois irmãos menores Ildefonso e Cândida

Clara.283

Para avaliadores dos bens a serem inventariados o charqueador sugeriu ao juiz os

nomes de dois conhecidos seus, os também charqueadores Joaquim José de Assumpção, que

viria a ser seu genro, e Antônio José Ribeiro Guimarães. Novamente tudo se resolvia entre

charqueadores, seus filhos, amigos e parentes.284

Entre as dívidas ativas do casal havia um total de 37:586#073 réis. O valor de

22:773#370 réis, ou seja mais de 60% do total, pertencia a dívidas dos herdeiros João Simões

282
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
283
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
284
Idem.
234

Lopes Filho, Manoel Antônio Lopes Correia e Antônio José de Oliveira Leitão. Portanto,

novamente aqui os parentes serão os maiores devedores da herança, dinheiro este que

circulava entre os negócios da própria família e que era pago nos acertos de inventário.285

As filhas Vicência e Isabel tiveram descontados de sua herança parte do valor

recebido de seus pais como dote de casamento. Vicência Maria da Fontoura havia ganho um

de dote 6:000#000 enquanto que Isabel Dorothéa da Fontoura havia ganho a quantia de

6:613#600 réis.286

Em 1844, durante a realização do inventário, excetuando-se o Comendador, os

homens da família maiores de idade, João Simões Lopes Filho, Antônio José de Oliveira

Leitão e Manoel Antônio Lopes Correia, estavam todos “ausentes em lugar ocupado pelos

rebeldes”.287 Possivelmente estavam envolvidos com os movimentos políticos que ocorriam

na região. Na época, faltava então apenas um ano para o final da Revolução Farroupilha, que

havia mobilizado os charqueadores da região para ambos os lados da disputa.

No arrolamento da tralha doméstica existente na casa do Comendador e sua viúva

não constavam louças, cristais, copos de vidro, quadros e móveis. Apenas foram listados os

bens em prata que constituíam-se de vários objetos de mesa como açucareiros, bules, salvas,

etc. além de um faqueiro completo.288 Curioso observar que além do faqueiro completo foram

arrolados 1 dúzia de colheres de sopa e 1 dúzia de colheres de chá avulsas, novamente

sugerindo que, em determinadas situações, eram apenas necessários talheres para alimentos

líquidos ou pastosos e para a cerimônia do chá. O faqueiro completo, parece ter sido, mesmo

285
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
286
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
287
Idem.
288
Ibidem.
235

na casa de um Comendador, um luxo para momentos em que o jantar seria constituído de

pratos mais variados. Provavelmente recepções a convidados ilustres.

Passados nove anos após a morte de Isabel Dorothéa da Fontoura, faleceu o

Comendador João Simões Lopes deixando um patrimônio que havia aumentado em muito,

chegando ao monte mor de 492:168#092 réis.289

O Comendador havia acrescido aos bens da família ações no Banco do Brasil,

apólices do Mercado Público, uma conta corrente no Rio de Janeiro, 1820 rezes entre outros

animais na fazenda da Graça, 82 escravos , um campo no Estado Oriental, parte da fazenda

Massangano com 5000 reses entre outros animais mais benfeitorias, diversos devedores no

Estado Oriental, a charqueada do arroio Pelotas e demais terrenos, uma casa em Rio Grande e

outra na cidade de Pelotas.290

Somados a seus utensílios em prata arrolados no inventário de sua mulher em 1844,

somavam-se uma coberta de louça de porcelana mais meia coberta de louça azul, um aparelho

de chá de porcelana dourada. Além da sofisticação apresentada na mesa, o Comendador

possuía em sua indumentária, um relógio com caixa de ouro e todos os aparatos para montar

em prata: um par de esporas, um freio, um par de estribos, um rabicho prateado, um relho com

bocais de prata, um faca com bocais de dita. Para o momento de matear, uma cuia e duas

bombas de prateadas. Seus escravos boleeiros trajavam um rico fardamento.291

Na charqueada haviam 82 escravos, dentre eles 10 mulheres (uma cozinheira e duas

serventes da charqueada) e 3 crianças (de 8 e 7 anos e uma de 6 meses). Havia também no

289
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
290
Idem.
291
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
236

estabelecimento dois barcos (o iate Marquês e o iate Graça), carretas, couros, sal, madeiras de

diferentes tipos e tamanhos.292

4.5.3 Empréstimos e dívidas familiares

No inventário do comendador havia um grande número de dívidas consideradas

“difíceis de cobrar” e “julgadas perdidas”, uma vez que eram de indivíduos que viviam no

Estado Oriental. Entre as dívidas “cobráveis” está a de um morador da Serra dos Tapes de

nome Antônio Francisco, de 36#240. Parece que dos indivíduos agregados, sem sobrenome

conhecido, devedores de pequenos montes, parece ter sido fácil obter seus rendimentos de

retorno, uma vez que estes eram dependentes destas famílias e da terra onde viviam. Entre as

dívidas ativas arroladas há também um preto chamado Irineu Filho, que devia 1:000#000

quantia para obter sua carta de alforria e recibo. A dívida do preto forro não foi arrolada

como difícil de cobrar ou perdida. Portanto, estes dependentes, forros e agregados,

dificilmente sairiam das vistas de seus patrões. 293

As dívidas familiares prosseguiram, sendo que as duas filhas Vicência e Isabel, ainda

deviam meio dote, visto que somente a outra metade havia sido descontada da herança de sua

mãe. Os genros também tinham contas a acertar: Antônio José de Oliveira Leitão devia

12:019#000 e Joaquim José Assumpção devia 745#220 réis. As dívidas de familiares

perfaziam um total de 23:885#500 réis. 294

292
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
293
Idem.
294
Ibidem.
237

Somadas todas as dívidas à herança, considerando as “difíceis” e as “perdidas”, havia

um total de 52:688#491 réis devidos ao Comendador, sendo que as dívidas familiares

perfaziam mais de 45% do total. 295

Com a morte do comendador, o estabelecimento de charqueada, constituído pelas

casas de vivenda, charqueada, 2 olarias, quintas e outras benfeitorias, ficou dividido entre

dois herdeiros, sendo que metade deste, ficou para João Simões Lopes Filho juntamente com

o iate Marquês. Enquanto que a outra metade do estabelecimento de charqueada ficou com

Ildefonso Simões Lopes. As terras da fazenda da Graça ficaram divididas entre os dois irmãos

charqueadores e sua irmã Vicência. As terras no Uruguai, gados e demais benfeitorias foram

dividas entre os cinco herdeiros.

Vicência, herdou outra parte da casa de sobrado da família em Rio Grande, da qual

tornou-se proprietária, além da terça parte nos campos da fazenda da Graça e a quinta parte

nos campos castelhanos da fazenda Massangano, no Estado Oriental. Entre 1853 e 1857

Vicência tratou de vender, com autorização judicial, tanto a casa em Rio Grande como os

campos e benfeitorias no Uruguai, juntamente com algumas apólices da dívida pública que

tinha em seu poder.

4.5.4 Parentes inoportunos

Em 1847, Manuel Antônio Lopes Corrêa casado com Vicência Maria da Fontoura,

foi “privado da administração de seus bens” pois se achava “na condição de menor” devido a

seu estado de “demente”. No momento do inventário do comendador, em 1853, lhe foi

295
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
238

nomeado um curador. Em seu “Auto de Sandia”, foi necessário o testemunho de quatro

indivíduos, todos eles negociantes, a maioria portugueses. As testemunhas da incapacidade do

marido de Vicência de administrar seus bens foram Domingos Rodrigues Cordeiro, de 29

anos, natural desta Província, vive nesta cidade de seu negócio; Custódio Manuel de Oliveira,

de 36 anos, natural de Portugal, casado, vive nesta cidade de seu negócio; José Antônio

Moreira, de 40 anos, viúvo, natural de Portugal, negociante nesta cidade e Antônio José

Granja, de 46 anos, casado, natural de Portugal, vive de seu negócio nesta cidade.

Manoel Antônio Lopes Correia, protestou em 1850:

Diz Manoel Antônio Lopes Correia, morador nesta cidade, que


tendo sua mulher Vicência [...] obtido do juiz de órfãos Doutor Amaro, em
10/07/1847, por uma simples justificação de 4 testemunhas suspeitas do
suplente, em sua ausência no Rio Grande a seus negócios desde 07/06 darem
a supda. por curadora de sua pessoa e bens, e não achando o suplente justa
esta nomeação por não ter sido feita como a lei demarca por uma junta de
médicos em presença do suplente (...). 296

Ao que parece, novamente aqui, como no caso da família Vinhas, um parente

incômodo, ou porque realmente estivesse insano, ou porque fosse alcoólatra, ou porque fosse

sifilítico ou, talvez, porque fosse considerado inoportuno, logo os maiores da região uniam-se

no intuito de facilitar a execução de determinadas interdições. Não se perdia tempo com

“juntas médicas” ou avaliações com a presença do acusado ou doente. Aguardava-se seu

afastamento temporário e tomava-se as providências necessárias para colocá-lo longe do

alcance dos bens familiares. Se as mulheres, muitas vezes, garantiam uniões com homens que

trariam aumento da fortuna ou influência familiar, do mesmo modo eram protegidas,

enquanto parte da família e proprietárias de partes de bens pertencentes ao grupo, de maridos

296
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
239

inconvenientes que viessem a dilapidar seu patrimônio. Neste caso, parece que todo a

sociedade envolvia-se na questão em favor de seus interesses.

Cinco anos depois, em 1855, reiterando seu protesto Manoel Antônio Lopes Correia

reivindicou o recebimento de pensão alimentícia de sua mulher além de um escravo para

servir-lhe de pagem. Por ordem judicial, Vicência passou então a pagar pensão alimentícia a

seu marido “demente”.297

4.5.5 João Simões Lopes Filho e a charqueada da Graça

A charqueada da família Simões Lopes, que havia pertencido ao comendador, ficará

sob o comando de seu filho homônimo. Isto porque, pouco depois da morte do comendador,

João Simões Lopes Filho comprou a parte de Ildefonso tornando-se o único proprietário do

estabelecimento de charqueada e campo que faziam parte da fazenda da Graça.298

297
Idem.
298
Inv. Euphrásia Gonçalves Lopes. A. 432, M.29, E.25, Ano 1857. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
240

Figura 23: Sobrado do Visconde da Graça, na estância da Graça, onde localizava-se a charqueada, na
margem esquerda do arroio Pelotas (Foto da autora – 08/12/2000)

João Simões Lopes Filho, que no terceiro quartel do século XIX tornaria-se Barão da

Graça (1872) e, passados mais alguns anos Visconde (1876), ficou viúvo em 1857, de sua

primeira esposa Euphrásia Gonçalves Lopes. O casal teve dez filhos, sendo que no ano da

morte da mãe o mais velho, João Paulino, tinha 19 anos, Catão Bonifácio, 18, Isabel e Maria

Joaquina, 14, Francisco, 11, Evaristo, 9, Vicente, 8, José, 7, Francisca, 3 e a menor, Eufrasia,

2 anos.299

Euphrásia Gonçalves Lopes e a filha Isabel, haviam contraído cólera-morbus, doença

que assolou a região de Pelotas no período. Na charqueada da Graça mais de 20 escravos

morreram na época também da doença. Poucos anos depois o viúvo casou-se novamente, de

cujo matrimônio teve mais oito filhos (MASSOT, 1974).

299
Idem.
241

Na época em que faleceu sua primeira mulher, Euphrásia Gonçalves Lopes, João

Simões Lopes Filho, mantinha a charqueada da Graça funcionando com 61 escravos (4 deles

eram crianças), dois barcos, 3 galpões de olaria, uma quinta com árvores frutíferas, terrenos

na cidade e no arroio Santa Bárbara. Neste período possuía apenas de dívidas 29:800#000 réis

que devia a João Agostinho de Rio Grande e mais 29:800#000 réis que devia a seu irmão

Ildefonso Simões Lopes, pela compra de seus campos e por um suprimento que este lhe fez

para costeio da charqueada. O inventariante declarou que pagaria naquele momento

27:000#000 da dívida com Ildefonso (Idem).

Na partilha dos bens do casal no inventário de Euphrásia Gonçalves Lopes, João

Simões Lopes Filho ficou novamente com a charqueada enquanto que os demais terrenos

foram divididos entre os filhos. Os dois filhos mais velhos, João Paulino e Catão Bonifácio,

herdaram apenas terras vizinhas a de seu pai, comprados do tio Ildefonso Simões Lopes, e

partes do terreno nas margens do Santa Bárbara. As filhas e herdeiros menores ficaram os

terrenos na cidade e demais bens. Nesta divisão já estava sendo garantida a primazia nos

negócios dos dois filhos varões mais velhos em detrimento das mulheres e dos menores de

idade, no intuito de garantir, na falta do pai, novos administradores do negócio familiar.

Vicente Simões Lopes, por sua vez, que viria a casar com a filha de João Vinhas, como foi

discutido anteriormente, vindo a morrer em estado de pobreza, havia perdido sua mãe na tenra

idade de 8 anos e herdou desta também partes nos terrenos do Santa Bárbara e do Pelotas

(MASSOT, 1974).

No entanto, em 1859, João Paulino Lopes completou sua maioridade e Catão

Bonifácio, tendo obtido a sua por suplemento de idade, ambos receberam a posse de seus bens

herdados da mãe e solicitaram em juízo a venda destas terras, no intuito de “(...) vender os
242

ditos bens ao seu pai [...] para empregarem seu produto em gado de criar a fim de aumentarem

uma invernada que os suplentes tem empreendido e que lhes produzirá maiores vantagens

(...).” Paulino e Catão cuidavam de criar gados para costeio da charqueada de seu pai,

trabalhando, deste modo, todos em prol dos negócios familiares.300

4.5.6 Casamentos entre famílias charqueadoras

Catão Bonifácio Simões Lopes viria a casar-se com D. Tereza de Freitas Lopes, filha

do primeiro casamento de Silvana Claudiana Belchior, proprietária, juntamente com seu

segundo marido Custódio Gonçalves Belchior, de uma charqueada no Cotovelo. D. Thereza e

Catão tiveram 5 filhos: Isabel, Eufrázia, Ildefonso, Manoel, João e Augusto. Seu filho João

Simões Lopes Neto tornaria-se um dos maiores escritores gaúchos (MASSOT, 1974).

Maria Joaquina Lopes casou-se em 1864, aos 21 anos, com Junio Brutus Cassio de Almeida,

filho do charqueador e político Domingos José de Almeida. Mariazinha Simões Lopes, como

ficou conhecida, criou após a morte de Tereza, a filha de seu irmão Catão Bonifácio, Maria

Isabel. Esta, por sua vez, se casaria com Pedro Leão Almeida Barcellos, neto de Domingos

José de Almeida.301 Estavam assim unidas umas das mais importantes famílias da região: os

Simões Lopes, os Almeida, os Belchior e os Barcellos.

300
Inv. Euphrásia Gonçalves Lopes. A. 432, M.29, E.25, Ano 1857. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
301
Idem.
243

Figura 24: Sobrado do Visconde da Graça na margem esquerda do arroio Pelotas (Foto da autora –
08/12/2000)

Dentre os herdeiros do comendador, seu homônimo João Simões Lopes, tornou-se o

proprietário da charqueada a Graça enquanto que sua filha mais moça, Cândida Clara contraiu

matrimônio com Joaquim José de Assumpção, o charqueador que viria a ser Barão do Jarau,

unindo assim duas famílias da nobreza pelotense e, mais que isto, duas grandes famílias

proprietárias da região.

Novamente aqui, na história da família Simões Lopes, repete-se o modo como a

sociedade charqueadora pelotense organizava-se. As mulheres ao realizarem bons casamentos

traziam novo incremento aos negócios familiares. Se, por um lado, eram frágeis devido ao

grande número de filhos, ao perigo da viuvez ou de não arranjar um bom casamento, por

outro, estas mulheres eram protegidas de diversas formas pelo grupo. Apesar disto,

mostravam sua força como administradoras dos bens familiares após a morte dos maridos
244

excluindo do acesso aos bens filhos pródigos e maridos indesejáveis ou administrando os bens

herdados de seus finados maridos em detrimento de outros parentes como no caso da viúva de

Cipriano Rodrigues Barcellos e seus enteados. Apesar do grande número de filhos das

famílias de charqueadores, aos mais velhos era delegada a herança do patrimônio e a

administração da empresa charqueadora enquanto que as filhas, casadas com outros

charqueadores e negociantes, recebiam casas na cidade e terrenos independentes da área de

produção familiar. Os demais filhos deveriam contentar-se com escravos e dinheiro, vivendo

à sombra e em função da empresa familiar executando outras atividades relacionadas à ela.

Estas relações fomentavam disputas pelo patrimônio à cada modificação na administração

com a morte de um dos cabeça de casal. Superados os conflitos, seguia-se com o mesmo

mecanismo: bons casamentos para as filhas, um filho administrando o negócio e a

manutenção de todo o grupo vinculada aos diferentes segmentos da atividade produtiva

mantendo a família voltada para o interesse comum, o centro congregador desta sociedade, a

atividade charqueadora.
CONCLUSÃO

No decorrer do século XIX, nas margens do arroio Pelotas, estabeleceram-se diversas

propriedades voltadas para o fabrico do charque, constituídas por múltiplas estruturas, nas

quais habitavam e conviviam tanto trabalhadores livres como os proprietários destes

estabelecimentos, juntamente com suas famílias. As charqueadas das margens do Pelotas,

mantendo-se durante um século como atividade econômica de destaque na Província,

sobreviveram a uma conjuntura muitas vezes desfavorável. No entanto, aos proprietários

destes estabelecimentos era fundamental a manutenção de todas as diferentes estruturas que

juntas viabilizavam o funcionamento do empreendimento.

Tendo em vista a sua permanência como atividade econômica e sua fixação

geográfica, buscamos compreender como se dava a dinâmica pela qual se formou e manteve

ao longo do século este agrupamento, quais as estratégias para a sua manutenção nas mãos

destes proprietários e de que modo os diferentes trabalhadores livres e agregados conviveram

neste local e estabeleceram-se social e geograficamente. Para tanto, priorizamos a observação

dos diferentes comportamentos dos grupos e sua forma de viver seu cotidiano dentro do

conjunto charqueador, por meio das relações familiares e sociais.


246

Neste sentido, nas margens do arroio Pelotas, as propriedades formavam-se desde a

margem do arroio, movimentadas pelas diversas embarcações, com seus trapiches e

atracadouros, passando pela área de produção e de moradia dos proprietários, escravos e

trabalhadores livres e agregados, interligadas por estradas e passos, onde circulavam homens

e mercadorias, formando um conjunto que pareceria, aos olhos dos viajantes, verdadeiras

aldeias onde a religiosidade servia de fator de agregamento e socialização.

Através da leitura e análise de diversos documentos referentes a região onde

estabeleceu-se o núcleo charqueador pelotense, observamos que para além de uma análise

simplificadora de uma sociedade polarizada em senhores e escravos, havia toda uma gama de

indivíduos que viviam em torno deste agrupamento executando as mais diferentes atividades e

relacionando-se com os proprietários destes estabelecimentos de diferentes modos. Destes

indivíduos livres que trabalhavam e viviam na região, face a escassa documentação

encontrada a seu respeito, foi possível vislumbrar uma história fragmentada onde sujeitos

transitavam em curtos períodos de tempo de uma área para outra, talvez em parte expulsos

pela instalação dos estabelecimentos de charqueio no princípio do século, sendo que sua

pobreza favoreceria a informalidade das relações, fazendo com que poucos registros

documentais chegassem até nós. Estes homens livres, mesmo de profissões mais

conceituadas, como professores, recebiam salários módicos e irregulares que os levavam a

uma dependência a um senhor proprietário tendo em vista a necessidade de obter, em

contrapartida, favorecimentos como moradia, alimentação ou terras para plantio e criação. No

entanto alguns, como os administradores e capatazes, poderiam chegar a ter uma melhor

condição de vida e até mesmo a transitar entre os grupos mais favorecidos.


247

Os primeiros proprietários, em sua maioria homens vindos de Portugal,

estabeleceram-se na região com seu negócio de charqueada, vinculando-se por meio de

casamentos e compadrio com outras famílias proprietárias e com trabalhadores livres. Para

estes grupos mais abastados, donos das fábricas de salga, havia que manter a estrutura

familiar que fomentasse e mantivesse a industria funcionando. Para tanto fizeram uso dos

casamentos, principalmente de suas filhas, associando-se com proprietários abastados, bem

como controlando filhos e genros que porventura viessem a ameaçar a empresa familiar. Toda

família partilhava do negócio, trabalhando nos diferentes ramos necessários a atividade, sendo

que por vezes, viúvas ficaram à frente dos negócios.

A mulher abastada embora devido ao grande número de filhos, a viuvez, deficiências

ou dificuldades em obter um bom casamento, fosse um elemento fragilizado nesta sociedade,

eram protegidas, principalmente por meio dos testamentos, pelos homens do grupo. Aos

filhos era necessário evitar que disputassem o patrimônio fazendo com que este se

desmembrasse, impedindo assim o funcionamento do negócio, meio de sustento de todo o

grupo. Neste sentido, os testamentos, o legado da Terça e o os meios judiciais eram

expedientes utilizados neste intento.

Portanto, a sociedade que constituiu-se no século XIX em função da atividade do

charque nas margens do arroio Pelotas estruturou-se, por um lado, assentada nas estratégias

do grupo dominante para manter seu patrimônio, ligado fortemente entre si por laços de

compadrio, dependências financeiras e econômicas, bem como pelo parentesco e origens

comuns. Os homens livres que trabalhavam nestes estabelecimentos, em contrapartida,

deixaram poucas evidências de sua passagem, transitando em diferentes áreas em busca de

sua sobrevivência embora alguns, estabelecendo vínculos com proprietários da região, em


248

geral pelo compadrio, mantiveram-se durante algum tempo vinculados a estes, no entanto sem

deixar em registros cartoriais, face a sua impermanência, aspectos mais visíveis ao

pesquisador de seu cotidiano e de suas trajetórias de vida.


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Fotos Aéreas

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Fotografias Antigas

Museu da Biblioteca Pública Pelotense. Pelotas.

Fotografias Atuais

Acervo da autora.

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Contas de Testamento

Contas de Testamento. Silvestre Teixeira de Vasconcelos (autor). N. 1939. M. 91. E. 26. 1°


Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1847.

Contas de Testamento. Maria Magdalena (testra.). N. 1966. M. 91. E. 26. 1° Cartório e


Provedoria. Pelotas, 1859.
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Contas de Testamento. Ignácio Rodrigues Barcellos (testdor.). N.2004. M. 92. E. 26. 1°


Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1863.

Contas de Testamento. Anna Maria Bevilagua (testra.). N. 2008. M. 92. E. 26/6. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas, 1865

Contas de Testamento. Joaquim Guilherme da Costa (testor.). N. 2015. M. 92. E. 6/62. 1°


Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1867.

Contas de Testamento. Antônio José Gonçalves Chaves (testor.). N. 2087. M. 93. E. 26. 1°
Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 18769.

Contas de Testamento. Antônio Raphael dos Anjos (testor.). N. 2126. M. 93. E. 6/26. 1°
Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1880.

Contas de Testamento. Domingos Soares Barbosa (testro.). N. 2140. M. 93. E. 6/26. 1°


Cartório e Provedoria. Pelotas, 1881.

Contas de Testamento. José Rodrigues Barcellos (testor.). N. 1965. M. 91. E. 6/26. 1°


Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1859.
Contas de Testamento. Francisca Alexandrina de Castro (Testdra.). N. 1861. M. 86. E. 4/13.
1° Cartório de Órfãos e Prov. Rio Grande, 1859.

Contas de Testamento. João Maria Chaves (testro.). N.2202. M. 94. E. 06. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1888.

Inventários

Inventário. Joanna Maria Bernardina (invdo.). N. 16. M.1. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1810.

Inventário. Domingos Rodrigues (indvo.). N. 32. M. 2. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.


Pelotas, 1818.
258

Inventário. Anna Bernarda de Bittencourt (invdo.). A. 67. M.3. E.97. Órfãos e Ausentes.
Jaguarão, 1825.

Inventário. Eugênia da Conceição (invda.). N. 100. M. 9. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.


Pelotas, 1826.

Inventário. José Pinto Martins (invdo.). N. 114. M.10. E.25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1827.

Inventário. Antônio dos Santos Coimbra (invdo.). N. 119. M. 10. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1828.

Inventário. Antônio Ferreira Fontes (invdo.) N. 147. M.11. E.6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1830.

Inventário. Antônio Pereira (invdo.). N. 204. M.14. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.


Pelotas, 1831.

Inventário. Antônio Pereira da Cruz. N. 204. M.14. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas,
1835.

Inventário. José Domingues da Neves (invdo.). N. 228. M. 16. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1844.

Inventário. Francisca Alexandrina de Castro (invda.). N. 293. M. 21. E. 6/25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas. Pelotas, 1848.

Inventário. Bartholomeu Corrêa (invdo.). N. 69. M.3. E. 19. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1849.

Inventário. José Rodrigues Barcellos (invdo.). N.15. M.1. E.30. 1° Cartório Cível e Crime.
Pelotas, 1850.
259

Inventário. Joaquim José de Assumpção (invdo.). N. 595. M. 27. E.12. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Rio Grande, 1851.

Inventário. Boaventura Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 409. M. 28. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1856.

Inventário. Joaquim José de Souza Santanna (invdo.). N. 436. M. 30. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1857.

Inventário. Antônio Pereira da Silva (invdo.) N. 451. M. 30. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1858.

Inventário. Manuel Silveira de Ávila (testor.). N. 1700. M. 86. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1862.

Inventário. Manoel Domingues de Oliveira (invdo.) N. 150. M.6. E. 16. 1° Cartório Cível. Rio
Grande, 1863.

Inventário. Antônio José Gonçalves Chaves (invdo.). N. 754. M. 45. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1872.

Inventário. Francisco Aníbal Antunes Maciel (invdo.). N. 3063. M. 108. E.6. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1877.

Inventário. Domingos Soares Barbosa (invdo.). N. 943. M. 54. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1881.

Inventário. Balbina Maria Chaves da Silveira (invda.). N. 1042. M. 59. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1886.

Inventário. João Maria Chaves (invdo.). N. 1082. M. 61. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1887.
260

Inventário. Joaquim Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 54. M.2 E. 12/4. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Rio Grande, 1806.

Inventário. Maria do Carmo Secco (invdo.). N. 11. M. 1. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.


Pelotas, 1806.

Inventário. Francisco Antônio de Ávila (invdo.). N. 11. M. 1. E. 97. Cartório de Órfãos e Aus.
Jaguarão, 1811.

Inventário. Manuel Joaquim da Trindade (invdo.). A. 9. M. 1. E. 16. 1° Cartório Cível. Rio


Grande, 1815.

Inventário. Francisco Antônio (invdo.). N. 36. M.3. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1819.

Inventário. Damázio Vergara (invdo.). N. 51. M.3. E. 15. Órfãos e Aus. Jaguarão, 1820.

Inventário. Antônio Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 62. M.3. E. 97. Cartório de Órfãos e
Aus. Jaguarão, 1822.

Inventário. José Nunes da Silva. A. 65. M. 5. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas,


1822.
Inventário. Cecília Rodrigues da Silva (invda). N. 83. M. 7. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1824.

Inventário. Manoel Soares de Lima (invdo.). N. 79. M. 4. E. 94. Cartório de Órfãos e Aus.
Jaguarão, 1826.

Inventário. João Rodrigues de Lima Barcellos (invdo.). N. 124. M. 10. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1828.

Inventário. Thereza Angélica de Sá (invdo). N. 126. M. 10. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1828.
261

Inventário. Anna Joaquina de Jesus (invda.). N. 301. M. 12. E. 12/4. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1829.

Inventário. Damázio Vergara (invdo.). A. 67. M. 3. E. 97. Órfãos e Aus. Jaguarão, 1830.

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Prov. Rio Grande, 1838.

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Inventário. Genoveva Maria da Conceição (invdo.). N. 81. M. 4. 1° Cartório Cível. Rio


Grande, 1847.

Inventário. Joaquim José Tavares (invdo.). N. 274. M. 19. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1847.
262

Inventário. Manoel Soares da Silva (invdo.). N. 282. M. 20. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1847.

Inventário. Jacintha Joaquina de Almeida (invdo.). N. 574. M. 26. E. 4. 1° Cartório de Órfãos


e Prov. Rio Grande, 1850.

Inventário. José Teixeira (invdo.). N. 315. M. 22. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1850.

Inventário. Manoel Soares da Silva (invdo.). N. 318. M. 22. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1850.

Inventário. Maria Josepha de Castro Moreira. (invda.). N. 331. M. 23. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1851.

Inventário. Joaquim José de Assumpção (invdo.). N. 95. M.4. E.4/16. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Rio Grande, 1852.

Inventário. João Simões Lopes (invdo.). N. 366. M. 26. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1853.

Inventário. Carolina Josephina da Câmara (invda.). N. 373. M. 26. E. 6. 1° Cartório de Órfãos


e Prov. Pelotas, 1854.

Inventário. João Guerino Vinhas (invdo.). N. 383. M. 26. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1854.

Inventário. Joaquim Antônio Chaves (invdo.). N. 1. M.1. E. 28. 2° Cartório de Órfãos e Aus.
Pelotas, 1855.

Inventário. Albana dos Santos Barcellos (invda.). N. 406. M. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1856.
263

Inventário. Bernardino Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 430. M. 29. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1857.

Inventário. Euphrásia Gonçalves Lopes (invda.). N. 432. M. 29. E. 25/6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1857.

Inventário. Sinhorina Silveira da Silva (invda.). N. 449. M.30. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1857.

Inventário. Anna Maria do Nascimento (invda. Em 1849). A. 472. M. 32. E. 25/6. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas,1858.

Inventário. Manoel Rodrigues Córdova (invdo.) A. 472. M. 32. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1858.

Inventário. Francisco Antônio Barcellos. N. 503. M. 33. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.


Pelotas, 1860.

Inventário. Francisco Pereira de Souza (invdo.). N. 721. M. 34. E. 12. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Rio Grande, 1860.

Inventário. Manoel Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 528. M. 35. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1861.

Inventário. Anna [preta forra] (invda.). N. 533. M. 35. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1862.

Inventário. João Pinto Martins (invdo.). N. 538. M. 35. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.

Inventário. Mathilde da Silva Vinhas (invda.). N. 567. M. 36. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1862.
264

Inventário. Cypriano Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 681. M. 42. E. 6/25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1864.

Inventário. Manoel Portugal Guimarães (invdo.). N. 624. M. 40. E. 6/25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1866.

Inventário. João Vinhas (invdo.). N. 642. M. 41. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1867.

Inventário. Leonídia Gonçalves Moreira (invda.) e s/m. N. 647. M. 41. E.6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1867.

Inventário. Antônio Antunes da Porciúncula (invdo.). N. 199. M.7. E. 16. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Rio Grande, 1868.

Inventário. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 02. M. 01. E. 28. 2° Cartório
Órfãos e Aus. Pelotas, 1870.

Inventário. Carlota Baptista Teixeira (invda.). N. 733. M. 44. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1871.

Inventário. Luciana Travassos Antiqueira (invda.). N. 768. M. 46. E. 6/25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1872.

Inventário. Maria Luíza Chaves (invda.). N. 770. M. 46. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1872.

Inventário. Eulália Barbosa de Azevedo Barcellos (invda.). N. 10, M.1. E. 28. 2° Cartório
Órfão e Aus. Pelotas, 1873.

Inventário. José Rodrigues da Silva Candiota (invdo.). N. 781. M. 46. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1873.
265

Inventário. Luis Teixeira Barcellos (invdo.). N. 777. M. 46. E. 06/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1873.

Inventário. Mathilde Vinhas Lopes (invda.). N. 775. M. 46. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1873.

Inventário. Annibal Antunes Maciel (invdo.). N. 815. M. 48. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1875.

Inventário. João Roballo Barcellos (invdo.). N. 986. M. 46. E. 12. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1875.

Inventário. Maria Angélica (invda.). N. 86. M.3. E.30. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas,
1875.

Inventário. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos (invda.). N. 916. M. 53. E. 6/25. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas, 1879.

Inventário. José Joaquim da Cruz Secco (invdo.). N. 1129. M. 53. E. 12. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Rio Grande, 1883.

Inventário. Marcolina Chaves Barcellos (invda.). N. 987. M. 56. E. 6/25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1883.

Inventaria. Anna Joaquina de Jesus (invda.). N. 122. M. 3. E. 33. 2° Cartório F 53 Cível.


Pelotas, 1884.

Inventário. Bernardina Soares Maia (invda.). N. 995. M. 57. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1884.

Inventario. Jacintho Antônio Lopes (invda.) N. 1028. M. 58. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1885.
266

Inventário. Eleuthério Rodrigues B arcellos (invdo.). N. 1046. M. 59. E. 25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1886.

Inventário. Vicente Simões Lopes (invdo.). N. 3074. M. 108. E. 6/26. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1887.

Inventário. Boaventura Teixeira Barcellos (invdo.). N. 157. M. 5. E. 33/77. 2° Cartório Cível.


Pelotas, 1890.

Inventário. Joaquim José de Assumpção. (invdo.) Br. Jarau. N. 228. M. 6. E. 7/25. 2° Cartório
Cível. Pelotas, 1898.

Inventário. Emerenciana Maria Teixeira (invda.). N. 4. M. 1. E. 33. 2° Cartório Cível. Pelotas,


1847.

Medições

Medição. Manuel Domingues (notificado). A. 444. M. 12. E. 25. 2° Cartório. Cível. Rio
Grande, 1796.

Medição. Damázio Vergara (autor). A. 523. M. 13. E. 5. 2° Cartório Cível. Rio Grande, 1808.

Medição. Damázio Vergara (autor). A. 512. M. 13. E. 19. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1808.
Medição. Mariano dos Santos (autor). A. 572. M. 14. E. 7. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1819.

Medição. Manoel Domingues (notificado). N. 549. M. 13a. E. 306. 1° Cartório Cível e Crime.
Pelotas, 1827.

Notificação de Inventário

Notificação Inventário. Vicente José Teixeira (notificador). N. 10b. M. 1. E. 36. 1° Cartório


Cível. Pelotas, 1847.
267

Testamentos

Testamento. Ignácio José Bernardes (tesdor.). N. 4183. M. 118. E. 13. Cartório de Prov. Rio
Grande, 1838.

Testamento. Isabel Francisca da Silveira (testdra.). N. 1631. M. 85. E.6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1850.

Testamento. João Guerino Vinhas (testor.). N. 1650. M. 86. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1854.

Testamento. Delfina Maria da Conceição (testra.). N. 1944. M. 86. E. 4/13. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Rio Grande, 1860.

Testamento. Domingos de Almeida (testor.). N. 1684. M. 86. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1860.

Testamento. Custódio Manuel Vieira Araújo (testor.). N. 1975. M. 87. E. 4/13. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Rio Grande, 1862.

Testamento. Ignácio Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 554. M. 36. E. 6. 1° Cartório de Órfãos


e Prov. Pelotas, 1863.

Testamento. Antônio Gonçalves de Jesus (testor.). N. 2010. M. 87 E. 4. 1° Cartório de Órfãos


e Prov. Rio Grande, 1864.

Testamento. Boaventura da Silva Barcellos (testor.). N. 1716. M. 86. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1864.

Testamento. Joaquim Guilherme da Costa (testor.). N. 1733. M. 86. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1865.
268

Testamento. José Antônio Moreira (testor.). N. 647. M. 41. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1867.

Testamento. Antônio José Gonçalves Chaves (testor.). N. 1791. M. 87. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1871.

Testamento. Antônio da Costa Guimarães (testor.). N. 1806. M. 87. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1873.

Testamento. Mathilde Vinhas Lopes (testra.). N. 1812. M.87. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1873.

Testamento. Annibal Antunes Maciel. (test.). N. 1814. M.87. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1874.

Testamento. Leopoldo Gonçalves Coelho Mindello (testor.). N. 1841. M. 88. E. 6. 1° Cartório


de Órfãos e Prov. Pelotas, 1876.

Testamento. Semiana Lima Barcellos (testra.). N. 1835. M. 88. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1876.

Testamento. Silvana Eulália de Azevedo B arcellos (testra.). N. 1863. M. 88. E. 6. 1° Cartório


de Órfãos e Prov. Pelotas, 1878.

Testamento. Joanna Corrêa (testra.). N. 2349. m. 90. E. 4/13. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Rio Grande, 1885.

Testamento. Dorotéa Barcellos (testra.). N. 2512. M. 92. E. 4/13. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Rio Grande, 1897.

Testamento. Semiana Lima Barcellos (invda.). N. 87. M. 5. E. 28. 2° Cartório Órfãos e Aus.
Pelotas, 1877.
269

Testamento. Maria Magdalena (testra). N. 1966. M. 91. E. 26. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1855.

Testamento. Ignácio Rodrigues Barcellos (testdor.). N. 2004. M. 92. E. 26. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1852.

Testamento. Anna Maria Bevilagua (testra.). N. 2008. M. 92. E. 26/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1864.

Testamento. Joaquim Guilherme da Costa (testor.). N. 2015. M. 92. E. 6/26. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.

Testamento. Antônio José Gonçalves Chaves (tetor.). N. 2087. M. 93. E. 26. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.

Testamento. Antônio Raphael dos Anjos (testor.). N. 2126. M. 93. E. 6/26. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1877.

Testamento. Domingos Soares Barbosa (testro.). N. 2140. M. 93. E. 6/26. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1879.

Testamento. Joanna Maria Bernardina (invdo.). N.16. M. 1. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1810.

Testamento. Domingos Rodrigues (invdo.). N.32. M.2. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1817.

Testamento. Anna Bernarda de Bittencourt (invdo.). A. 67. M.3. E. 97. Órfãos e Ausentes.
Jaguarão, 1824.

Testamento. Eugênia da Conceição (invda.). N. 100. M. 9. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, Pelotas, 1826.
270

Testamento. José Pinto Martins (invdo.). N. 114. M. 10. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1824.

Testamento. Antônio dos Santos Coimbra (invdo.). N. 119. M. 10. E 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1821.

Testamento. Antônio Ferreira Fontes (Invdo.) A. 144. M. 118. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1827.

Testamento. Antônio Pereira (invdo.) N. 147. M. 11. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1830.

Testamento. Antônio Pereira da Cruz (invdo.). N. 204. M. 14. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1834.

Testamento. José Domingues da Neve (invdo.). N. 228. M. 16. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1842.

Testamento. Francisca Alexandrina de Castro (invdo.). N. 293. M. 21. E. 6/25. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1843.

Testamento. Bartholomeu Corrêa (invdo.). N. 69. M. 3. E. 19. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1847.

Testamento. José Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 15. M. 1. E. 30. 1° Cartório Cível e Crime.
Pelotas.

Testamento. Joaquim José de Assumpção (invdo.). N. 595. M. 27. E. 12. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Rio Grande, 1851.

Testamento. Boaventura Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 409. M. 28. E. 6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1855.
271

Testamento. Joaquim José de Souza Santana (invdo.). N. 436. M. 30. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1846.

Testamento. Antônio Pereira da Silva (invdo.). N. 451. M. 30. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1858.

Testamento. Manuel Silveira de Ávila (testor.). N. 1700. M. 86. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e


Prov. Pelotas, 1853.

Testamento. Manoel Domingues de Oliveira (invdo.). N. 150. M.6. E. 16. 1° Cartório Cível.
Rio Grande, 1863.

Testamento. Antônio José Gonçalves Chaves (invdo.). N. 754. M. 45. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.

Testamento. Francisco Aníbal Antunes Maciel (invdo.). N. 3063. M. 108. E.6. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1877.

Testamento. Domingos Soares Barbosa (invdo.). N. 943. M. 54. E. 25/6. 1° Cartório de


Órfãos e Prov. Pelotas, 1879.

Testamento. Balbina Maria Chaves da Silveira (invda.). N. 1042. M.59. E. 6/25. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas, 1885.

Testamento. João Maria Chaves (invdo.). N. 1082. M. 61. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1887.

Tutelas

Tutela. Antônio José Gonçalves Chaves (tutor). N. 2965. M. 99. E. 13/43. 1° Cartório de
Órfãos. Rio Grande, 1843.

Tutela. Antônio José Gonçalves Chaves (tutor). N. 2375. M. 97. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1866.
272

Tutela. Maximiniano Antônio de Souza (tutor). N. 766. M. 32. E. 28. 2° Orphãos de Pelotas.
Pelotas, 1887.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DENISE OGNIBENI

CHARQUEADAS PELOTENSES NO SÉCULO XIX:

COTIDIANO, ESTABILIDADE E MOVIMENTO

Porto Alegre, julho de 2005


O 34 c Ognibeni, Denise
Charqueadas Pelotenses no Século XIX:
Cotidiano, Estabilidade e Movimento/Denise
Ognibeni. – Porto Alegre: PUC, 2005.
272 p.
1. História do Rio Grande do Sul. 2. Charqueadas.
II. Título
CDU 981:664.921 (816.5) (Pelotas)

Catalogação elaborada na Fonte.


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