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Porto Alegre
2005
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À Marísia, minha mãe,
amiga e parceira neste trabalho
À meu orientador Prof. Dr. Arno Alvarez Kern pelos incentivos, críticas e sugestões
e pela paciência e boa vontade com que me ajudou a trilhar este, muitas vezes, complicado
caminho.
Ao Prof. Dr. Klaus P. K. Hilbert que me auxiliou nas pesquisas de campo, sempre
Histórico do Rio Grande do Sul, pela paciência, boa vontade e atenção nos vários meses de
À arquiteta Angela Ognibeni, pela arte final dos desenhos dos mapas coletados no
As minhas irmãs Angela e Paula pela ajuda com o João Gabriel e pelas palavras de
apoio.
Aos meus pais, Marísia e José Carlos Ognibeni, porto seguro no meu caminho.
Aos colegas da FM Cultura, em especial seu diretor, Rodolfo Ramos Rospide Jr.,
O presente trabalho visa analisar uma parcela da sociedade rio-grandense no século XIX,
constituída por indivíduos associados em função da atividade charqueadora, na região sul da
então Província de São Pedro, às margens do arroio Pelotas, nas terras das antigas sesmarias
do Monte Bonito e Pelotas. Nosso foco de análise será este complexo formado pelos
diferentes indivíduos que habitavam, trabalhavam e conviviam nos estabelecimentos das
margens do arroio Pelotas no decorrer do século XIX. As charqueadas instaladas na costa do
Pelotas, permaneceram por quase um século como atividade econômica de destaque na
Província, sustentando com sua riqueza várias gerações, muitas vezes sobrevivendo em uma
conjuntura econômica e política pouco favorável. Nesta pesquisa buscamos inferir como se
davam as relações familiares e sociais, de que se constituía a vida cotidiana de mulheres,
homens e seus filhos, seus empregados e compadres, sua tralha doméstica, enfim, penetrar em
parte, coletando fragmentos da vida comum, rotineira, destes indivíduos que habitaram e
construíram o maior pólo charqueador rio-grandense no século XIX. Trabalhamos com a
hipótese de que na sociedade charqueadora pelotense, os industriais da carne salgada, por seu
lado, enfrentavam o desafio de manter suas propriedades nas mãos da família, evitando seu
desmembramento, o qual os levaria a inviabilização de sua atividade. Para tanto utilizavam
suas relações sociais por meio dos laços de compadrio, dos arranjos de casamentos, bem
como no controle dos elementos da própria família. Se para os grupos mais abastados,
proprietários, era preciso buscar a estabilidade, formando para tanto uma rede familiar
organizada em um espaço social restrito, aos indivíduos livres que executavam as mais
diversas tarefas nestas propriedades e em torno delas, suas vidas eram marcadas pela
mobilidade.
The current work analyzes one parcel of riograndense society at the XIX century,
constituted of individuals associated in function of maker or jerked beef, at the south of
Brazil, São Pedro’s Province, on the borders of Pelotas arroyo na old land measure of
Monte Bonito and Pelotas .
Our analisis focus will be these complex formed by different individuals that worked and
lived together at the establishment on these borders of Pelota’s arroyo, at the XIX century.
In these research, we infered how familiar relations, the quotidian life of men, women,
their sons, employees anda godfathers, their domestic mesh; collecting fragments of
common life of these individuals that lived and builded the largest maker of jerked beef
riograndense polo’s at the XIX century.
We worked with the hipotesis that in the Pelotas society maker of jerked beef, the
manufacturers of salty meat doned to the challenge if they maintain their properties in the
family hands, avoiding the dismemberment that take away their activity.
For this, they took advantage of the political favoritism and patronage, the marriage
arrangements and the element controls of their families.
If for rich groups, owners, needed to look for stability, making one organized family net at
one social limited space, for the free individuals who executed the different functios on
these properties, their lives was marked by mobility.
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 15
CONCLUSÃO............................................................................................................... 245
Tabela 6: Valor total dos bens dos charqueadores no ano de seus inventários .................. 225
LISTA DE FIGURAS
Figura 2: Cópia parcial da Carta Corográfica de 1777 onde aparecem as terras de Tomás
Luiz Osório na margem esquerda do arroio Pelotas denominado então Rio das Pelotas.. .....
...........................................................................................................................................41
Figura 7: Extrato de medição dos terrenos de Domingos José de Almeida. Arroio Pelotas
(Fonte: Museu da BPP) .......................................................................................................62
Figura 8: Arroios Pelotas. Alexandre Ignácio Pires. Capão do Retiro e Passo Novo.
12
Figura 9: Sege e negros boleeiros. (Desenho de Guillobel) (Fonte: Silva, M.B.N. da,
1993). .................................................................................................................................66
Figura 10: Viajantes da Província do Rio Grande- Rica indumentária dos charqueadores do
Rio Grande do Sul (Gravura de Debret, J.B., 1978, p. 332) .................................................69
Figura 11: Mapa da medição e extrato de título das terras de José Pereira da Silva Brites.
Arroio Pelotas. 1827. (Fonte: Museu da BPP). ....................................................................70
Figura 12: Casarão da estância da Graça local da antiga charqueada, com sua capelinha
anexa, à direita na foto (Fonte: Foto da autora – 08/12/2000................................................82
Figura 16: Antigo sobrado do Barão do Jarau, Granja da Costa, margem direita do
Arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000)....................................................................168
Figura 17: Fachada do Sobrado do Barão do Jarau, voltada para a margem direita do
Arroio Pelotas, frontão com data de 1830. (Foto da autora – 07/12/2000)...........................169
Figura 19: Casa da Charqueada São João de José Antônio Gonçalves Chaves na margem
Direita do Arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000). ..................................................174
13
Figura 20: Atracadouro da charqueada de Antônio José Gonçalves Chaves nas margens do
Arroio Pelotas, em frente à casa. (Foto da autora – 15/06/2000) .........................................175
Figura 21: Portal de entrada da charqueada do Barão do Arroio Grande, Francisco Gomes
da Costa. (Fonte: Acervo fotográfico do Museu da BPP)....................................................192
Figura 22: Sobrado na estância da Graça, onde foi a charqueada, com fundos para a margem
esquerda do Arroio Pelotas. (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP). .........................233
Figura 24: Sobrado do Visconde da Graça na margem esquerda do Arroio Pelotas. (Foto da
autora – 08/12/2000). .........................................................................................................243
LISTA DE ABREVIATURAS
Cart. – Cartório
Prov. – Provedoria
E. – Estante
M. – Maço
N. – Número
A. - Auto
Inv. – Inventário
Test. – Testamento
INTRODUÇÃO
charqueadora.
seus modos de vida será a região sul da então Província de São Pedro, zona charqueadora de
Pelotas, às margens do arroio de mesmo nome, nas terras da antigas sesmarias do Monte
Bonito e de Pelotas.
seca, os charqueadores, que mantinham a sua volta, em função desta atividade econômica,
O período analisado inicia nos últimos vinte anos do século XVIII, quando os
marcos que, segundo Costa (1998, p.531) repercutem “as mudanças que ocorreram na
transição da sociedade senhorial para a empresarial”. Neste sentido, centramos nossa análise
num período que corresponde ao tempo biológico de uma a três gerações considerando-se que
“cada indivíduo se beneficia com a experiência de seus pais e participa da de seus filhos”
responsável por uma das mais importantes economias da Província no período. Senhores de
escravos, proprietários de terras, por vezes envolvidos nos movimentos políticos e militares
da Província, alguns estancieiros que receberam desde comendas até títulos de nobreza, estes
propriedades, além de seus escravos, indivíduos livres exercendo dentro ou fora do complexo
charqueador atividades como as de peão, capataz, feitor, patrão de iate, caixeiros, médicos e
professores. Nosso foco de análise será este complexo formado pelos diferentes indivíduos
que habitavam, trabalhavam e conviviam nas charqueadas das margens do arroio Pelotas no
um século como atividade econômica de destaque na Província, sustentando com sua riqueza
várias gerações, muitas vezes sobrevivendo em uma conjuntura econômica e política pouco
favorável.
econômica como em sua fixação geográfica, levantamos a seguinte questão: - Como teria sido
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manutenção visando a permanência e a estabilidade por parte dos grupos proprietários dos
que forma a questão da mobilidade social e geográfica se configurou na vida cotidiana destes
indivíduos?
então o espaço social e geográfico ocupado por agregados no contexto deste agrupamento?
charqueadores para a economia do Rio Grande do Sul durante o Império, bem como sua
fragilidade enquanto grupo social dominante. A charqueada enquanto setor que abastecia
características aristocráticas.
Pesavento (1992, p.18) comparou a produção de carne seca no século XIX na região
com as demais atividades desenvolvidas no restante do país, voltadas para o mercado externo,
considerando que a charqueada “foi capaz de constituir no Rio Grande uma camada senhorial
A causa de tal situação, no entender da autora devia-se a uma baixa capitalização da pecuária
gaúcha responsável então por um “menor refinamento dos hábitos e costumes, bem como
pelo menor distanciamento social” (Idem). No entanto Pesavento frisa que isto não indicaria
que “padrões autoritários de mando não tenham existido e se exercido violentamente, numa
Do mesmo modo para Cardoso (1977), o grupo dos charqueadores, juntamente com
escravos bem como chefes de parentelas poderosas. No entanto, segundo este autor, “na
sociedade escravocrata gaúcha, no conjunto, não houve condições para a formação plena de
manutenção, através do tempo, das posições economicamente privilegiadas por uma camada
O agrupamento de charqueadas no entorno rural teria sido, por sua vez, o responsável
pela formação de um dos centros econômicos e culturais mais ativos na Província no século
devido a ela que Pelotas destacava-se entre as cidades e vilas mais importantes na primeira
metade do século XIX no Rio Grande do Sul. No local haviam mais de 300 negociantes
atenção seu ativo comércio, o luxo de suas casas e ruas e sua intensa vida cultural (Idem,
p.11).
demonstrar que os últimos 30 anos do Império, entre os anos de 1860 e 1890, a cidade
apresentou seu apogeu como centro cultural. A indústria do charque, formada nos seus
arredores, representada por seus proprietários, os senhores abastados, teria sido então a
desta questão. Entre eles podemos citar Cardoso (1977) e Maestri (1984) que aprofundaram
sistema produtivo responsável pelo uso do escravo em larga escala na região. Gutierrez
Assumpção (1991) e Lima (1997), trouxeram à luz questões como conformação, resistência e
punição dos escravos pelotenses. Devido a ampla literatura a seu respeito e a especificidade
de sua condição, optamos por não nos aprofundarmos nas questões referentes aos homens
cativos, do mesmo modo adiaremos aqui também a discussão a cerca dos libertos nas
considerando-se que este tema demandaria uma outra e mais complexa discussão adiada para
A zona de instalação do complexo charqueador, por sua vez, foi delimitada por
Gutierrez (1993), em seu estudo onde, ao objetivar contribuir para a história da arquitetura e
que denominou “espaço charqueador”. A área fabril é demarcada aqui segundo uma
distribuição da escravaria são enfocados. O estudo de Gutierrez foi essencial para uma
primeira aproximação, sob o ponto de vista espacial, no modo como as estruturas fabris foram
condições econômicas e sociais da escravidão, bem como, por outro lado, da cultura citadina
constituindo-se num grupo de senhores abastados embora “sem hábitos muito refinados e com
menor distanciamento social”, todas estas definições nos levaram a inferir, para além da
A história social ao dar ênfase ao papel da ação humana na história, por meio do
sociais – na explicação histórica” (Castro, 1997, p.54) . Neste sentido, buscamos aqui
perceber as formas de viver destes grupos e de seus indivíduos no século XIX, por meio do
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funcionamento das atividades econômicas e nas relações sociais e políticas. Segundo a autora
“foi da ou para a família, não necessariamente a consangüínea, que todos os aspectos da vida
políticas” (Idem).
permitiram aos indivíduos terem acesso a recursos materiais, definindo muitas vezes o
grupos sociais teriam também uma relação direta entre a dinâmica de suas unidades familiares
doméstica pode ser observada então como um ambiente complexo, vista desde sua
composição material até as relações sociais entre seus membros e os demais elementos da
comunidade. No entanto, como argumentou Burke (1992, p.81), “a família não é apenas uma
unidade residencial, mas também – pelo menos de vez em quando – uma unidade econômica
e jurídica. Ainda mais importante, é uma comunidade moral, no sentido de um grupo com o
Procuramos aqui, portanto, observar o modo como viviam os diferentes grupos que
ocupavam as charqueadas, definidas pelos viajantes como “verdadeiras aldeias” formadas por
estabelecimentos vizinhos e contínuos, constituídos cada qual das mais variadas estruturas e
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havia uma sociedade mais complexa, constituída de personagens mais humanos, homens
que se constituía a vida cotidiana de mulheres, homens e seus filhos, seus empregados e
compadres, sua tralha doméstica, enfim, penetrar em parte, coletando fragmentos da vida
comum, rotineira, destes indivíduos que habitaram e construíram o maior pólo charqueador
decorrer do século XIX recorremos aos mapas de terras realizados entre os anos de 1808 e
1827 para registro de terrenos no entorno do arroio Pelotas conservados pela Biblioteca
Pública Pelotense. Neste mapas, propriedades foram demarcadas nas diferentes áreas do curso
do arroio, descendo no sentido norte-sul, até chegar aos terrenos do entorno do canal São
Gonçalo. Selecionamos também alguns mapas que, mesmo não sendo de terrenos marginais,
local. Os mapas apresentaram-se como importante fonte de onde foi possível identificar os
Por meio destes mapas nos foi possível visualizar a localização das propriedades nas
margens do arroio Pelotas, a forma como foram estruturadas e sua demarcação no terreno. No
intuito de verificar se a permanência destes grupos no local por quase um século havia
deixado evidências ainda recorrentes na paisagem, associamos estes mapas com fotos aéreas
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da região registradas pelo Exército Brasileiro por volta de 1967. A sobreposição destes
Almeida, conservadas e publicadas pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, nos
Recuperamos também alguns documentos e dados a cerca dos indivíduos livres que viviam na
retiramos algumas histórias pontuais que, hora são exemplos de casos rotineiros ora chamam
atenção por suas características únicas. Além destas considerações também quantificamos
industriais da carne salgada, por seu lado, enfrentavam o desafio de manter suas propriedades
nas mãos da família, evitando seu desmembramento, o qual os levaria a inviabilização de sua
atividade. Para tanto utilizavam suas relações sociais por meio dos laços de compadrio, dos
formando para tanto uma rede familiar organizada em um espaço social restrito, aos
indivíduos livres que executavam as mais diversas tarefas nestas propriedades e em torno
devido a escassez de fontes, quem eram os indivíduos livres que trabalhavam e viviam no
No quarto capítulo procuramos nos aproximar mais dos charqueadores, grupo que
apresentando então algumas considerações a cerca destes fragmentos da vida cotidiana no Rio
século XIX, até a efetivação do Brasil republicano no final deste mesmo século.
No quadro do Brasil oitocentista o Rio Grande do Sul teve papel importante tanto
durante o primeiro reinado, ao desafiar o poder central com a Revolução Farroupilha, que iria
durar dez anos, quanto influenciando politicamente as decisões nas disputas platinas com sua
força militar e seus interesses econômicos e, já em meados da segunda metade do século XIX,
participando ativamente com forças militares e políticas na Guerra do Paraguai e nas idéias
lutas de poder entre elites e de formação e reestruturação social com o fim da escravatura e as
juntamente com os estancieiros, com sua influência política e seus interesses econômicos.
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sazonal, nas estâncias e charqueadas, por vezes fixados nestas propriedades como agregados,
Uruguai, em frente a Buenos Aires, até o século XVIII, com as disputas pelas Missões
Jesuíticas e os Tratados de Limites, a região do atual Rio Grande do Sul vinha sendo alvo de
conflitos e sua elite de estancieiros era força militar utilizada pela coroa como forma de
garantir a posse da terra lusa no extremo sul frente a ameaça do avanço espanhol. A partir de
1780, com o estabelecimento dos campos neutrais (região entre a lagoa Mangueira, a lagoa
Mirim e o Oceano Atlântico), que separava os domínios entre as duas nações após o tratado
de Santo Ildefonso de 1777, a economia gaúcha inicia uma nova fase de expansão do trigo e
charque, este último facilitado pelo contrabando de gado via campos neutrais.
Após a chegada da corte ao Brasil em 1808 o interesse mercantilista pela área platina
ganha nova força. Em 1811 iniciam-se as lutas entre o “Exército Pacificador” de D.João VI
(tropas sulistas e portuguesas) e as forças de Artigas. Esta disputa é então mediada pela
Inglaterra para quem não convinha as disputas bélicas no Prata uma vez que atrapalhariam o
poder persistem no prata e nestas disputas as estâncias gaúchas são atacadas dando pretexto a
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sul do Brasil, denominado então Província Cisplatina. Neste momento, devido a derrota de
uruguaias que eram fortes concorrentes do charque rio-grandense. O gado destas é levado
norte/nordeste, algodão, tabaco, café no sudeste e nas zonas de mineração, eram as maiores
inglesa e a criação do Uruguai como nação independente, fará com que os saladeiros
uruguaios de reestruturem e já por volta de 1831 exerçam uma forte concorrência ao charque
rio-grandense.
nacional. D. Pedro I abdica do trono e uma Regência Trina Provisória sobe ao poder, sendo
substituída logo após por uma Regência Trina Permanente. No Vale do Paraíba as plantações
de café se expandem formando uma nova força política no quadro das elites nacionais. O Rio
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Regência enquanto a elite local, na figura de estancieiros como Bento Gonçalves, é acusada
de ligações com os políticos uruguaios. Nesta disputa de forças entre as elites divergentes que
estão influenciando o poder, o Rio Grande do Sul se vê prejudicado e o ponto culminante será
Os altos impostos sobre a exportação do charque gaúcho, 600 réis a arroba de carne
para embarcações estrangeiras e 200 para as nacionais, faziam com que o produto rio-
grandense tivesse pouca competitividade no mercado platino (FLORES, 1994). Deste modo,
uma das queixas dos revolucionários farroupilhas foram os altos impostos e, esta é
segundo Flores (Idem), esta teoria se torna inconsistente tendo em vista que o primeiro ato da
No entender dos revoltosos, o centro era acusado de gerir mal os recursos públicos,
onerando o Rio Grande do Sul com impostos quando este, por sua vez, fornecia soldados,
produção embora estes não recebessem indenização pelos danos e os altos postos de comando
do exército, por sua vez, eram dados apenas a indivíduos do centro do país (PESAVENTO,
1992).
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laços de interesse a assuntos da corte enquanto outros eram comerciantes de pouco poder
econômico envolvidos na causa liberal. Não havia, na verdade, uma classe homogênea
Independência no âmbito nacional, não havia uma unanimidade quanto ao modo como
deveria ser a organização do Estado, isto porque, segundo o autor, os anos de 1822 até 1840
seriam marcados por diferentes tentativas de organização do poder. Do mesmo modo Fausto
avalia que no período da Regência ainda não havia consenso entre as classes e os grupos
dominantes sobre qual arranjo institucional seria mais conveniente para seus interesses. Esta
situação veio culminar com as diferentes revoltas provinciais do período, tanto no norte e
nordeste quanto no sul e sudeste. Ao tentar dar certa autonomia às Assembléias Provinciais e
organizar a distribuição de rendas, a Regência acabou por fomentar as disputas entre as elites
regionais pelo controle do poder. Segundo o autor, o fato de não haver mais o poder
nacional e, do mesmo modo que nas outras províncias que fizeram levantes, não havia
consenso dentro da elite que detinha o poder político e econômico local. Embora os altos
impostos sobre o charque seja colocado como um dos principais motivos do início da revolta,
couros que era naquele momento o Rio de Janeiro, posicionaram-se ao lado do governo
31
foram os estancieiros da fronteira e grupos da classe média que viviam nas cidades. Os
essencial para a manutenção de seus privilégios, uma vez que muitos possuíam terras e gado
neste país e desejavam manter a livre circulação dos rebanhos na área fronteiriça (FAUSTO,
1994).
não ter agradado a estes setores que até então controlavam as milícias locais uma das bases de
sua autoridade. A Guarda Nacional seria constituída por um “(...) corpo armado de cidadãos
confiáveis, capaz de reduzir tanto os excessos do governo centralizado como as ameaças das
direito de voto nas eleições primárias que tivessem entre 21 e 60 anos. Isto fez com que o
exército ficasse com seus quadros desfalcados, uma vez que quem pertencesse a uma ficava
exército, entra em vigor em 1832 o Código de Processo Criminal dando maiores poderes aos
juizes de paz eleitos nas localidades . Em 1834, em um Ato Adicional, embora os presidentes
das províncias continuassem a ser designados pelo governo central, criam-se as Assembléias
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Provinciais dando maior poder aos políticos locais. Embora a Regência tenha dado certa
governo central e províncias o que vinha ao encontro de muitas antigas queixas das elites
locais, ao contrário do apaziguamento esperado, fez com que as disputas regionais pelo
O governo central enfrentou a revolta dos farroupilhas hora com ações militares hora
fazendo concessões aos rebeldes, como em 1840, ao decretar a taxa de importação de 25%
sobre o charque platino concorrente do nacional. Em 1845 com o fim da revolta, foi
concedida anistia aos revoltosos e integração de oficiais farroupilhas aos quadros do Exército
brasileiro, sendo que o império assumiu as dívidas deixadas pelo fim da República Rio-
Logo após o fim do conflito farroupilha, em 1851 inicia-se a guerra entre as forças
militares brasileiras (sendo em sua maioria homens recrutados no Rio Grande do Sul), os
apresentava-se como uma ameaça de dominação na área Platina. As tropas rosistas ao serem
derrotadas em Monte Caseros em 1852, fazem com que mais uma vez o poder das elites
militarizadas no sul seja reforçado e se amplie a dominação no âmbito platino deste segmento.
platinos introduzem uma série de inovações que modificam o caráter deste tipo de empresa.
(CORSETI, 1983).
Neste mesmo período, no âmbito nacional, surgem dois grandes partidos – liberais e
mesmos interesses. A alternância destes segmentos no poder só vem reforçar a idéia de que,
mais do que ideais políticos, o que imperava era a disputa de poder individual travado pelas
momento houve uma esforço de centralização política na figura do novo imperador. Entre as
de paz perdessem importância frente a polícia que agora, por meio do chefe de polícia da
poder de julgar pequenas causas criminais investigar, processar e aplicar penas (FAUSTO,
1994. p.172).
serem escolhidos pelo governo central ou pelos presidentes das províncias, deveriam possuir
uma significativa renda para assumir estes postos. Deste modo se mantinha a hierarquia e se
restringia o acesso a este círculo restrito. Neste momento há uma divisão de funções entre a
Guarda Nacional, que passaria a cuidar da ordem e defesa dos grupos dominantes enquanto ao
34
(Idem, p.176).
escravo nos seus diversos setores, tanto nas grandes propriedades quanto em meio a
população livre. No entanto, as pressões feitas pela Inglaterra para coibir o tráfico de escravos
para o Brasil cada vez mais aumentavam. Os portos da Bahia e, principalmente Rio de
Janeiro, recebiam um grande volume de escravos por ano, número que estava em ascensão
nos anos de 1820-1830, chegando a 43.140 cativos. A maioria era enviada para as lavouras de
escrava para a livre. Mais tarde, em 1875, inicia-se o ingresso de imigrantes italianos.
Em 1826 a Inglaterra impôs um tratado pelo qual a partir de 1830 seria declarado
ilegal o tráfico de escravos para o Brasil. Em 1831 uma lei tentou efetivar a aplicação deste
tratado mas logo foi totalmente ignorada e seus dispositivos praticamente não foram
aplicados. Apesar disto, muitos navios que transportavam escravos para o Brasil foram
apreendidos pelos ingleses. Em 1850 finalmente impôs-se a lei que proibia o tráfico sendo
neste ano a entrada de escravos no país havia caído a quase metade dos anos anteriores e
35
Segundo Fausto (1994), a Lei de Terras aprovada neste mesmo período, em 1850,
teve como objetivo colocar ordem na questão da propriedade rural, acabando com a doação de
terras e estabelecendo normas para a aquisição, legalizando a posse e forçando o registro das
propriedades. O objetivo era evitar o fácil acesso à terra por parte de futuros imigrantes,
expandiu-se para outra região: o Oeste Paulista. Nas duas últimas décadas do Império
observa Fausto (1994), as duas regiões representaram duas classes regionais diversas,
escravo e o alimento principal desta mão-de-obra era a carne seca que vinha do Rio de Janeiro
nas tropas de mulas que carregavam a produção das fazendas para os portos e na volta traziam
ferramentas e mantimentos. Este mercado era a base comercial que sustentava a produção
charqueadora sulina.
conhecida, a Guerra do Paraguai, que durou mais de cinco anos entre 1864 e 1870. Neste
momento há uma tensão na América Latina destro de um processo onde estavam se formando
os Estados nacionais e se impondo as relações de poder entre eles. Nas primeiras décadas do
século XIX, após diferentes conflitos, surgiram os Estados da Argentina, Uruguai, Paraguai e
Bolívia.
1865, tinha nestes últimos sua maior força, perfazendo dois terços do total. A população
masculina que constituiu as tropas brasileiras foram organizadas não somente em tropas
regulares do Exército como por batalhões da Guarda Nacional e homens recrutados à força,
senhores que tinham algum poder econômico enviavam cativos para lutar em lugar de seus
Entre 1870 e 1889 o Segundo Reinado enfrentará uma crise na qual surgirá o
uma etapa em direção a abolição da escravatura no país. O governo imperial propôs a Lei do
Ventre Livre na qual os nascidos de cativas a partir daquela data seriam considerados livres,
ficando em poder dos senhores de suas mães até a idade de oito anos quando os senhores
poderiam optar por serem indenizados pelo Estado ou utilizar os serviços do menor até este
completar 21 anos. Ao que parece esta lei surtiu muito pouco efeito. A partir de 1880 o
movimento abolicionista começou a tomar força, fazendo com que muitos senhores
libertassem seus escravos com cláusulas de contratos de trabalho por mais 6 ou 4 anos. Em
1885 foi aprovada a Lei dos Sexagenários que dava liberdade aos cativos com mais de 60
saladeros uruguaios pelo mercado interno brasileiro. Neste momento, no âmbito nacional
acaba a Guerra do Paraguai e a lavoura de café em São Paulo desenvolve-se utilizando mão-
de-obra livre formada por imigrantes. A charqueada sulina, no entanto, entra em crise devido
primeiro frigorífico inglês, The River Plate Fresh Meat Company (PESAVENTO, 1992, p.61-
62).
cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, foi um dos locais que, do mesmo modo que a
estabeleciam-se em geral contratos de trabalho obrigatório por alguns anos com os escravos
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faculdade de Direito de São Paulo, criada em 1827, e a de Olinda, no Recife, criada em 1828,
Em 1882 havia sido fundado no Rio Grande do Sul o Partido Republicano Rio-
Grandense movimento fomentado pelos novos profissionais liberais que retornavam de seus
sul os liberais perdem poder para os republicanos positivistas de Júlio de Castilhos. Em nível
nacional o fim do regime monárquico marcará então os últimos anos do século XIX com a
área próxima a atual cidade de Pelotas, na região sul do Rio Grande do Sul (Figura 1).
Ao longo do século XIX será nas margens esquerda e direita do arroio Pelotas, que
charqueadora.
40
Figura 1 – Mapa da região em que localiza-se a cidade de Pelotas, o arroio Pelotas, canal São Gonçalo
e Lagoa dos Patos – (Pelotas, Rio Grande do Sul – 1:250.000 – Ministério do Exército, Diretoria de
Serviço Geográfico, 1973.
O rincão de Pelotas foi doado em 1758 pelo Conde de Bobadela, Gomes Freire de
Andrade, governador do Rio de Janeiro e capitão geral das capitanias do sul, ao coronel de
41
dragões Tomás Luis Osório que havia se destacado por serviços prestados nas guarnições do
Continente de São Pedro (Figura 2). Este campo era limitado pelo arroio Pelotas, Sangradouro
da Mirim, Lagoa dos Patos, arroio Correntes e águas vertentes da Serra dos Tapes (ao arroio
Figura 2 – Cópia parcial da Carta Corográfica de 1777 onde aparecem as terras de Tomás Luiz Osório
na margem esquerda do arroio Pelotas denominado então Rio das Pelotas.
Mais tarde, em 1762, Tomás Luis Osório viria a ser acusado de traição por ter
entregue o forte de Santa Teresa às forças espanholas sem oferecer resistência, vindo a ser
julgado e sentenciado à morte em Lisboa. Sua viúva, Francisca Joaquina Castelo Branco,
vendeu as terras do rincão de Pelotas em 1799 ao capitão-mor Manuel Bento da Rocha. Mais
tarde, com a morte do capitão sua viúva, Isabel Francisca da Silveira, herdou e administrou as
terras da sesmaria de Pelotas e, como o casal não teve filhos, doou parte destas terras em
42
Pelotas, constituíram-se nos seguintes estabelecimentos: a mais distante da foz do canal são
Pelotas, era a charqueada do Moreira, pertencente ao Barão de Butuí, José Antônio Moreira,
Antônio José de Oliveira Castro, que viria a ser sogro do Barão de Butuí (Figura 3)
(GUTIERREZ, 1993)
43
Figura 3 - Mapa da ocupação do arroio Pelotas no século XIX - propriedades, estradas e Tablada.
Fonte: Gutierrez, 1993.
44
charqueio vinculados a fazendas e estâncias, sendo que a maioria de seus proprietários viriam
As terras do outro lado do arroio Pelotas, na sua margem direita, haviam pertencido a
sesmaria do Monte Bonito, constituída pelas terras entre os arroios Santa Bárbara e Pelotas,
limitando-se ao sul pelo canal São Gonçalo e ao norte pela Serra dos Tapes. Em 1779 o
concedido estas terras ao tenente de dragões Manuel de Carvalho de Souza. Passado pouco
mais de um ano este vendeu-as ao vigário da freguesia de Viamão Pedro Pires da Silveira que
Silveira Cazado (LOPES NETO, 1994). Este último era irmão e genro do Sargento-mor
Francisco Pires da Silveira Cazado, esposo de Mariana Eufrásia da Silveira. Mariana era irmã
de Isabel Francisca da Silveira, uma das proprietárias herdeiras da sesmaria de Pelotas e mãe
Estava iniciada aqui a complexa trama de casamentos que marcará toda a formação das
janeiro a fevereiro de 1781, devido a existência destes moradores, foram doadas as terras das
Monte Bonito. As datas, medidas pelo capitão Antônio Inácio Rodrigues Córdoba,
constituíam-se em faixas de 770 x 4136 m, mais ou menos, e faziam frente ao arroio Pelotas e
fundos as terras de Inácio Antônio da Silveira Cazado. Nestas terras, em meio a diversas
45
vendas e subdivisões, viriam a ser instaladas a maior parte dos estabelecimentos de charqueio
longo do arroio Pelotas, deveu-se ao fato de que este arroio possuía entre os demais da região,
1994, p.11), a circulação de barcos que saíam das margens dos estabelecimentos carregando a
carne seca para os demais portos da região, alcançando pela Lagoa dos Patos tanto o porto de
Rio Grande como o Atlântico, bem como entrando na Lagoa Mirim descendo até a zona do
Prata. Pelas vias navegáveis era possível então exportar os produtos das fábricas, como a
carne seca, o sebo, couros, graxa, etc e importar os produtos necessários ao ambiente
doméstico. Comprava-se o sal de Cádiz e escravos, juntamente com louças, panos e todo o
Para a execução das atividades de charqueada era preciso estar próximo a cursos
d’água onde os dejetos do abate pudessem ser escoados. Do mesmo modo, era importante a
proximidade com fontes de abastecimento de gados para o abate. A zona do arroio Pelotas
oferecia estas vantagens, ao estar próxima dos então denominados campos neutrais, acessando
assim o gado vindo da banda Oriental bem como os provenientes das estâncias da fronteira do
Rio Grande.
Em 1825, em meio as “sobras” da sesmaria do Monte Bonito foi escolhida uma área
para Logradouro Público, local onde a partir de então será comercializado o gado proveniente
das estâncias a serem vendidos às charqueadas. Este local será denominado Tablada e,
fazendo fundos aos terrenos das charqueadas, avizinhava-se da área onde em 1812 havia sido
46
estabelecida a Freguesia de Pelotas e que em 1835 seria elevada a condição de cidade. (Figura
3).
A fundação da charqueada de José Pinto Martins por volta de 1780, tem sido
quantidade a carne seca e subprodutos do gado para a venda no comércio. Durante algum
tempo José Pinto Martins foi considerado como sendo natural do Ceará, uma vez que veio de
lá no período de grande seca no final do século XVIII, por volta de 17771. Na verdade José
Meixemel3. Trouxe para a região de Pelotas seus conhecimentos na fabricação de carne seca,
atividade que já exerceria no norte do país. A prosperidade de seus negócios parece ter atraído
para a região indivíduos interessados também em tentar a sorte com o fabrico da carne seca.
Lopes Neto (1994) imaginou como teria se dado a influência do pioneirismo de José Pinto
1
Ver: Xavier, 1971 e Machado, 1947.
2
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
3
REVERBEL (apud MAGALHÃES, 1993) refere-se a freguesia onde nasceu José Pinto Martins como de
“Beixamel”.
47
de charqueio às margens do arroio Pelotas, com uma produção em larga escala para venda nos
mercados brasileiros que abasteciam-se de charque para alimentar sua escravaria, isto ainda
deve ser comprovado com documentação. Sabemos no entanto que, na “Relação dos
Comerciantes da Capitania de todo o Rio Grande de São Pedro do Sul, a saber Vila de Porto
Grande estão os nomes não só de José Pinto Martins como já aparecem o Antônio Francisco
Antiqueira, Joaquim José da Cruz Secco, José Rodrigues Barcellos, dentre outros importantes
início do século XIX faziam companhia a José Pinto Martins outros importantes
charqueador, possuía um sobrado nas margens do São Gonçalo próximo ao Passo dos Negros,
cuja construção datava de 17844. Portanto, muito próximo dali onde instalou-se José Pinto
documental.
Sabemos por meio do inventário e testamento de José Pinto Martins que ele possuía
em 1827 um estabelecimento na costa do arroio Pelotas o qual legou para seus filhos naturais,
bem como tinha em sua casa artigos pessoais que denotam bastante luxo e conforto para o
período5.
4
Almanach de Pelotas, 1914.p.65
5
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
48
maioria delas. Entre seus bens imóveis foram arrolados as seguintes benfeitorias.
Para seu deslocamento e de seus produtos José Pinto Martins possuía “uma carreta
em bom uso com seus pertences, uma dita velha e dois carretões”. Possuía também em
sociedade com Antônio Vianna, o Bergantim Conde da Figueira mais dois escravos
porto, um carregamento de sal para Rio Grande, (...)”. Havia sido também sócio do seu
Segundo observou Gutierrez (1999) dentro das faixas de terreno que principiavam
nas margens do arroio Pelotas seguindo até encontrar as terras do logradouro público, a
6
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
7
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
49
conjunto, havia a cidade de Pelotas nas proximidades e as terras na Serra dos Tapes. Era lá
de terras ao norte na então denominada Serra dos Tapes. Estas datas de matos foram parte
alimentícios provenientes de suas plantações, bem como de madeiras necessárias tanto para as
caldeiras da indústria saladeiril e caso houvesse, para os fornos de suas olarias, assim como
denominações, partindo da boca do arroio, onde este conflui com o canal São Gonçalo, tem-se
o Atoladouro, seguido da área denominada Costa, depois a Boa Vista, mais a cima o Cascalho
e, por fim, nas zonas mais afastadas da boca do arroio, temos a área denominada Cotovelo e
Retiro, onde localizavam-se as charqueadas mais ao norte do canal São Gonçalo (Figura 3).
no sul, estas que, mesmo passando de geração para geração ou sofrendo vendas, permutas e
ocupação. Gutierrez (1993) ao estudar a ocupação espacial desta região, nos oferece um
conjunto de mapeamentos das propriedades que haviam no local no período. Com base em
seus mapas, associados a novos levantamentos nos mapas da Biblioteca Pública Pelotense,
das propriedades e seus diferentes proprietários. Com este mapa fizemos uma superposição
com fotos aéreas retiradas da região pelo Exército em 1967 o que nos permitiu observar a
estabelecimentos charqueadores, das marcas dos limites das propriedades ainda muito visíveis
8
Este mapa foi montado tendo-se em conta as seguintes fontes: os mapas de registros de terras da Biblioteca
Pública Pelotense, as informações obtidas nos documentos pesquisados (inventários, testamentos e medições)
e os mapas das charqueadas propostos por Gutierrez (1993).
51
2.1.3 Limites
vegetais. Os limites naturais como sangas, charcos, lagoas, árvores e capões serviam também
de importante referência.
Nos extratos de medição dos terrenos marginais ao arroio Pelotas, a maioria realizados
por volta de 1827, os limites são demarcados por meio das seguintes descrições: “(...) um
marco ao lado e canto do valo de José Teixeira Pinto Ribeiro ao pé de uma sanga.” “(...) até o
valo de Luciano Domingues.” ou “ (...) dividindo por uma cerca com o Padre Antônio
Pereira.”9 (grifo nosso). Do mesmo modo, na descrição feita em 1865 do terreno pertencente a
indicadas: “Um terreno na chácara do Passo dos Carros, que forma uma ponta aguda que se
divide com terrenos pertencentes a viúva e herdeiros de Manuel Silveira de Souza Amaral, e
com o que fica em frente do outro lado da estrada partindo do Passo dos Carros pela
vertente a encontrar o valo da entrada e por ela segue a encontrar um valo antigo pelo qual
vai dividindo até uma sanga do pé do arranchamento que teve Marcolino da Cruz pelo qual
vai seguindo até encontrar o arroio do Moreira, que serve de divisa até o citado Passo dos
paisagem dos arredores da casa de seu hospedeiro, o charqueador Antônio José Gonçalves
9
Registro dos Prédios e Terrenos do Município de Pelotas, L001, Biblioteca Pública Pelotense.
10
Inv.. José Inácio da Cunha. N.600, M.38, E.25/6, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
52
separação dos animais pertencentes a cada proprietário tinha de ser feita com outros tipos de
cercamento natural. Mais tarde as cercas de arame começam a aparecer principalmente nas
propriedades de criação como no caso de Francisco Anibal Antunes Maciel que possuía terras
no departamento de Salto, no Uruguai que já tinham sido fechadas em 1877 “com cerca de
arame e pedra”. No seu inventário também foram descritos “4 rolos de arame para cercar
campo” inovação que já estava começando a ser adquirida pelos criadores e charqueadores
mais abastados.11
confrontação de diferentes terrenos ou até mesmo sobre a linha divisória destes, como é
possível perceber nos mapas das medições de várias propriedades. O galpão da olaria de
Boaventura Ignácio Barcelos aparece no mapa de 182712 localizado sobre a divisa de seu
das terras de Boaventura, Cipriano e Ignácio Rodrigues Barcelos, deste mesmo ano, o piloto
anota que um dos marcos vai até “(...) uma casa de tapera de Bernardino que divide com
11
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
12
Mapa “Arroio de Pelotas. Boaventura Ignácio Barcelos, Extrato de Título de 28 de novembro de 1827”, cópia
do original retirada do Registro dos Prédios e Terrenos do Município de Pelotas, L. 001, BPP.
13
Idem.
53
Nas terras do charqueador Antônio Pereira da Cruz aparece uma casa pertencente a
outro proprietário da região, Manoel Domingues (Figura 5). Possivelmente deveriam ser
benfeitorias como armazéns de depósito ou graxeira uma vez que Manoel Domingues, que era
suas próprias terras como é possível observar no mapa do extrato de título de Francisco
Pereira de Souza, realizado entre 6 de novembro de 1820 e 11 de outubro de 1827 (Figura 6).
Portanto parece ter sido recorrente na região que partes de benfeitorias necessárias a
maioria das casas, senzalas e área de trabalho (varais, galpões, etc...). Por meio de
atracadouros, com seus trapiches e embarcações, tanto a produção é escoada para o mercado,
bem como os charqueadores e suas famílias transitam pelas propriedades. Nos extratos de
medições eles são, por vezes, ponto principal de demarcação: “(...). Se fincou o marco
telheiros onde aguardavam pessoas e mercadorias. Negros marinheiros15 eram comuns nos
chegando com facilidade aos diversos pontos. Em carta datada de fevereiro de 1836,
comenta a cerca de seu parente: “O tio Boaventura, (...), ontem saiu com sua família
embarcado em um [1 v.] iate não sei para onde, (...)”16. Para uma movimentação mais rápida e
14
Registro dos Prédios e Terrenos do Município de Pelotas, L001, Biblioteca Pública Pelotense
15
Gutierrez (1993), encontrou uma média de 4 escravos marinheiros por charqueada sendo que pouco mais da
metade dos estabelecimentos tiveram cativos com este ofício.
16
Anais do AHRGS, IEL, 1978. Vol.2,CV-164.
57
eficaz tanto para pessoas como para mercadorias, principalmente quando se dirigiam para
cidades como Rio Grande, Montevidéu e até mesmo para as terras e propriedades no Uruguai,
comum entre os charqueadores pelotenses, o melhor meio de transporte era o fluvial, via
quais resolviam seus negócios nas mais diferentes praças, circulando deste as redondezas de
suas propriedades até deslocando-se para o Uruguai, para a cidade de Rio Grande ou para o
norte país, podendo até mesmo dirigir-se para a Europa. O charqueador Domingos de Castro
Antiqueira, que era inventariante e testamenteiro dos bens deixados por José Ignácio
Bernardes, recebeu uma reclamação dos herdeiros na justiça pelo fato de estar saindo em
viagem para a Europa sem deixar substituto para administrar o dinheiro com o qual os
herdeiros estavam vivendo até que a partilha fosse encerrada. Em ofício ao juiz os herdeiros
(...) sabendo com certeza pela voz pública que o testamenteiro (...)
acha-se “(...) pronto a seguir viagem para fora da Província, e segundo
consta para o reino de Portugal, no Brigue de sua propriedade, denominado
Prazeres – e sendo certo que o testamenteiro de uma herança qualquer não
pode deixar o respectivo foro (...).22/06/1840.
estava de posse dos escravos da herança, defendeu-se das acusações por intermédio de seu
Estas embarcações poderiam ser dos mais diferentes tipos desde canoas e brigues até
hospedado pelo charqueador Antônio José Gonçalves Chaves, circulou pelas vias fluviais da
registrou:
algum tipo de sociedade na época em que seus bens foram arrolados. Domingos José de
Almeida associado a Antônio José Gonçalves Chaves, José Vieira Viana e Bernardino José
Marques Canarim, construiu a barca a vapor Liberal em 1832 (Lopes Neto, 1994, p.54). José
Pinto Martins, Emerenciana Maria Teixeira, José Ignácio da Cunha, Antônio José Gonçalves
Chaves e João Maria Chaves também possuíam sociedade com outros negociantes em
17
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
59
embarcações. Portanto, estes números são bastante variáveis conforme a época em que foram
período. No entanto podemos com esta amostra ter uma idéia da quantidade de embarcações
Tabela 1
Número de embarcações por proprietário.
região, formou-se uma intrincada rede de estradas, caminhos e passos que interligavam as
As estradas internas, por sua vez, geralmente levam a alguma charqueada, seguindo
em direção aos passos no arroio, áreas de maior facilidade de ultrapassar para a outra margem,
61
por onde atravessavam pessoas e o gado. No extrato de medição dos terrenos de Domingos
José de Almeida podemos observar as estradas de Cima e de Baixo que vindo da cidade de
Pelotas cortavam as diversas propriedades seguindo as margens do arroio (Figura 7). Neste
mesmo mapa podemos ver o Passo Real nas propriedades de Domingos José de Almeida que
havia vendido para Antônio José de Oliveira Castro, charqueador nas terras em frente as suas
do outro lado do arroio, um outro passo denominado Passo do Castro. No inventário de sua
mulher Francisca Alexandrina, este terreno foi assim descrito: “(...) terreno sito à direita do
arroio Pelotas em frente ao estabelecimento da charqueada por onde passam os gados que nela
18
Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano 1848. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas
62
Figura 7: Extrato de medição dos terrenos de Domingos José de Almeida. Arroio Pelotas.
Fonte: Museu da BPP
63
que localizava-se na propriedade de José Antônio Moreira, o barão de Butuí, e fazia divisa
com Boaventura Rodrigues Barcelos. Neste local havia um pequeno galpão19. O passo do
Chaves, do outro lado do arroio. Este passo pertencia a família de Joaquim José Assunção, e
era parte da estrada Nova. No local havia um rancho de paredes de tijolos e coberto de telhas
servia às tropas que se dirigiam para aquele saladeiro assim como o passo do Fontoura ou
passo de Pelotas, na charqueada de Manoel e José Maria Bento da Fontoura, ponto estreito do
Alexandre Ignácio Pires em direção ao arroio Pelotas, no Capão do Retiro (Figura 8).
19
Inventário de Leonídia G. Moreira, Baronesa e Barão de Butuí. Pelotas No 647, M. 41, E. 25, 1o Cartório de
Órfãoes e Provedoria, 1867/1877.
20
Inv. Maria Augusta Fontoura. N. 514, M. 22, E. 12, 1845. Rio Grande.
64
Figura 8: Arroios Pelotas. Alexandre Ignácio Pires. Capão do Retiro e Passo Novo.
Fonte: Museu da BPP Fonte: Museu da BPP
de difícil travessia ficando muitas vezes a cargo de seus moradores sua manutenção. Em carta
enviada para a Câmara de Pelotas, Domingos José de Almeida retrata o modo como ficavam
carros e carretas. Nos primeiros 20 anos do século XIX encontramos na maioria das
Joaquim José da Cruz Secco possuía carros mais sofisticados, como “1 sege com preparos, 1
Nos anos 30 deste século, o comendador José Martins Coelho tinha entre seus bens
“uma carretinha de ir a missa" uma vez que já havia na vila de Pelotas a igreja Matriz para a
uma carreta, chegando um carrinho a custar 250#000 réis e uma sege, mais sofisticada,
21
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 6, 1983. CV – 3211.
22
Inv. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas; Inv. José
Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
23
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
24
Inv. José Martins Coelho. A.150, N.11, E.6, Ano 1831. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
25
Inv. Cecília Rodrigues Barcellos. A.83, M.7, E.6, Ano 1824. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
66
vivendo um período de alta em seus negócios (CORSETTI, 1993), começam a adquirir carros
mais bem equipados. O Visconde de Jaguari possuía “um coche com arreios completos para 1
parelha”26 enquanto Joaquim Antônio Chaves tinha em seu estabelecimento uma pequena
frota constituída de “3 carretas de bois usadas; 3 carrocinhas de dito; 1 dita de mula; 30 carros
a família” poderia custar 150#000 réis enquanto que uma carreta grande chegava a custar
240#000 réis28. Nas propriedades de Boaventura Ignácio Barcellos havia para uso de sua
família uma “carretinha nova”, uma que era coberta e outra chapeada além de mais 3 carretas
26
Inv. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
27
Inv. Joaquim Antônio Chaves. N.1, M.1, E.28, ano 1855. 2 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
28
Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
29
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
67
seus bens uma carruagem e uma traquitana, veículos mais sofisticados e que ofereciam maior
conforto ao viajante.30
No entanto, será a partir dos anos 70 que o carros de luxo serão recorrentes nos
Rodrigues Barcellos tinham para os passeios de sua família “um coupé”, “um caleche”, “um
victoria” e seus “competentes selins e arreamentos”.31 A família de João Maria Chaves, por
sua vez, possuía uma caleça para seus passeios.32 A esposa de Francisco Anibal Antunes
Maciel poderia utilizar em seus passeios sua “carroça alemã” bem como sair em seu cavalo
utilizando seu luxuoso aparato constituído de “2 selins para montaria de senhora e 1 sela
bordada de prata”.33
O Conde D’Eu, por sua vez, esteve no Rio Grande do Sul anos depois durante a
Guerra do Paraguai, passando pela cidade de Pelotas observou as carruagens com surpresa
30
Inv. Boaventura Rodrigues Barcellos. N.409, M.28, E.6, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
31
Inv. Eulália Barbosa de Azevedo Barcellos. 2 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.1873.
32
Inv. João Maria Chaves. N. 1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
33
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
68
uma vez que ainda eram pouco comuns na Província: “(...) ruas largas e bem alinhadas, as
carruagens que as percorrem (fenômeno único na Província), (...)” (D’Eu, 1981, p.134).
região também pelos luxuosos arreios de prata que, tanto homens como mulheres, ostentavam
em seus cavalos. A indústria dos arreios chamou a atenção do Conde D’Eu que chegou a
destes arreios, com as famosas ruas de ourives de Lisboa e Gênova (D’Eu, 1981, p.135).O
artista Jean Baptiste Debret que retratou em seus desenhos diversos aspectos da vida cotidiana
do Brasil na primeira metade do século XIX, desenhou uma prancha intitulada “Viajantes da
Província de Rio Grande”, começando o texto descritivo referente a ela com essas palavras:
“Mostro aqui o hábito do charqueadeiro percorrendo sempre a galope os imensos campos que
habita” (Debret, 1978, p.332). O artista registrou então a rica indumentária em prata tanto de
homens como mulheres que transitavam pelos caminhos no sul (Idem).(Figura 10).
69
Figura 10: Viajantes da Província do Rio Grande – Rica indumentária dos charqueadores do Rio
Grande do Sul (Gravura de Debret, J.B., 1978, p.332).
segmentos, são povoadas de casas em suas margens. Podemos observar no mapa de extrato de
título e medição dos terrenos de José Pereira da Silva Brites (Figura 11) as diferentes
Figura 11: Mapa da medição e extrato de título das terras de José Pereira da Silva Brites. Arroio
Pelotas. 1827.
Fonte: Museu da BPP.
arroio ou da beira dos caminhos. Estavam sempre situadas de forma a obter uma melhor
funcionavam de novembro a maio. Nos períodos de entresafra estes mesmos escravos eram
além de trabalharem nas roças, hortas e pomares tanto no terreno da charqueada quanto nas
terras na Serra dos Tapes, caso o proprietário as tivesse. Aos escravos cabia também o
trabalho no serviço das olarias, tanto do charqueador quanto alugados a outros proprietários
bem como eram postos nas atividades de construção na cidade, etc. De qualquer modo, a
maior concentração de escravos nas terras às margens do arroio Pelotas dava-se nos períodos
da safra, quando o tempo quente facilitava o abate do gado (que já havia engordado passado o
e adjacências já foi sugerido por diversos autores entre eles Corsetti (1983, p. 140) que
charqueada. Gutierrez (1993, p. 224), por sua vez, observou que as unidades compostas de
estância, charqueada e olaria teriam entre 30 a 150 escravos enquanto que nas fábricas de
charquear da margem direita haveria uma média de 54 escravos (Idem, p.229). Magalhães
teríamos durante todo o período 48,2 escravos por charqueada. Na verdade, aqui algumas
72
proprietário não necessariamente condiz com o momento em que sua charqueada estava em
sociedade tanto nos escravos como nas benfeitorias, bem como muitos destes proprietários
safra e entresafra. Do mesmo modo, charqueadas que tinham muitos escravos ao morrer um
dos proprietários, estes acabavam por serem divididos entre o sobrevivente e os filhos
então ser muito reduzido mormente a charqueada, enquanto empresa também estar dividida
entre vários proprietários. Ocorreram também muitas oscilações nos negócios devido a
período que vai dos anos 40 até o final dos anos 60 do século XIX. Isto condiz com o fato de
que, como observou Corsetti (1983, p.143) entre os anos de 1847 a 1851 o Rio Grande do Sul
foi importador de escravos sendo que a partir de 1852 a situação se inverteria. Neste momento
a Província passa então a exportar mão-de-obra em maiores proporções, sendo que entre 1859
e 1863 ela torna a importar maior número de cativos até 1868, quando ocorreu o maior
volume de charque exportado em toda a segunda metade do século XIX (Idem, p.144).
No entanto, podemos observar que, calculando-se por décadas, o período com menor
número de escravos por charqueada seria os anos 70 com 29, 5 enquanto o com maior
população escrava foi o período por volta dos anos 40 com 82, 25 escravos por charqueada.
Devemos considerar também a amostra bastante variável por período, conforme a quantidade
uma centena ou mais, sendo que os proprietários com o maior número de cativos foram
73
Francisca Alexandrina de Castro, em 1848, com 177 escravos juntamente com a Baronesa de
Butuí, Leonídia Gonçalves Moreira, em 1867, com 150 escravos, ambas proprietárias da
margem esquerda do arroio Pelotas. José Ignácio da Cunha, que possuía 109 escravos em
1865, era também estancieiro do mesmo modo que Anibal Antunes Maciel que tinha 104
Rodrigues Barcellos que chegaram a ter 126 cativos em 1824, a maioria possuía um número
em torno de 40 a 50 cativos.
Tabela 2
Ano do inventário, charqueador e número de escravos
corredores ficando os cativos ali existentes bastante próximos uns dos outros. Estes cativos
ficavam alojados em galpões ou senzalas que foram arroladas entre as benfeitorias dos
ficava muito próxima da área onde trabalhavam os de seu vizinho Antônio José Gonçalves
Chaves. Em seu inventário esta foi arrolada como sendo “1 senzala coberta de capim junto a
esposa de Joaquim José da Cruz Secco a área produtiva foi assim descrita “uma fábrica de
75
charqueada na margem do rio Pelotas estabelecida no terreno desde aquele valo até a frente da
horta e do rio até as lombas contendo galpão, armazém, tafona, guindaste, senzalas dos
charqueada de Albana dos Santos Barcellos havia “1 galpão que compreende em si a senzala,
O local onde ficavam alojados os cativos poderia ser também uma estrutura
Boaventura Ignácio Barcellos possuía em suas terras “1 galpão coberto de telha que serve de
moradia para os escravos” que foi avaliado em 1:500#000 réis.37 Assim como Semiana de
Lima Barcellos tinha em sua charqueada “uma casa coberta de telha para moradia dos
capim”39 do mesmo modo que na de José Pinto Martins havia “uma senzala feita de tijolo
coberta de telha”.40
que formavam a moradia principal como aparece no inventário de Joana Maria Bernardina do
princípio do século que foi assim arrolada “uma morada de casas de vivenda nas ditas terras
34
Inv. Ignácio R. Barcellos. N.554, M.36, E.25, Ano 1863. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
35
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
36
Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406, M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
37
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas Inv. Boaventura
Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
38
Inv. Semiana de Lima Barcellos. N.1835, M.88, E.6, Ano 1876. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
39
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
40
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
76
assim construídas de pau à pique e esteios de madeira forrada e assoalhada coberta de telha
O material construtivo utilizado nas senzalas tanto poderiam ser tijolos e telhas bem
como com paredes de taipa e telhado de capim. Antônio Pereira da Cruz em 1835 alojava seus
cativos em um “galpão de palha com cem palmos de frente e vinte de largura. A senzala dos
escravos que vem a ser um destes ranchos de palha”42 enquanto que os cativos de José Pinto
Martins, como foi visto acima, ficavam em uma senzala de tijolos e telhas em 1827. Neste
sentido havia uma grande variedade de formas de asenzalar os cativos podendo ser em
proprietário. Os materiais utilizados nestas estruturas também variavam muito podendo elas
valerem mais de 1 conto de réis como no caso da citada cima em terras de Boaventura Ignácio
Barcellos, 500#000 réis, como a senzala nas terras de Emerenciana Maria Teixeira43 ou até
mesmo chegando a valer somente 150#000 réis no caso da senzala de Luis Teixeira Barcellos
três referências a objetos utilizados para o controle dos cativos. Em 1826, dentre os bens de
Eugênia Ferreira da Conceição havia “1 par de grilhões” e “1 gancho de ferro para pescoço
dos escravos”.45 Em 1827, dentre os utensílios da charqueada de José Pinto Martins havia “1
corrente de ferro e 1 tronco de pau”.46 Do mesmo modo no inventário de Antônio dos Santos
41
Inv. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas.
42
Inv. Antônio Pereira da Cruz. N.204, M.14, E.06, Ano 1835. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
43
Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
44
Inv. Luis Teixeira Barcellos. N.777, M.46, E.06, Ano 1873. 1 cart. Orf. Prov. Pelotas.
45
Inv. Eugênia Ferreira da Conceição. N.100, M.09, E.25/06, Ano 1826. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
46
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
77
Coimbra, de 1828, foram arrolados “uns grilhões”.47 Todos os três documentos são do mesmo
período sendo que nenhuma outra referência a grilhões e objetos voltados a coerção e tortura
dos escravos foi encontrado ao longo de todo o período. No entanto, ao que parece estes
seus donos. Segundo o conhecido relato de Dreys (1990, p.129) a cerca do controle exercido
sobre os negros nas charqueadas, estas quando “bem administradas” eram no seu entender
“um estabelecimento penitenciário”. Embora Dreys (Idem) tenha achado muito boa a situação
dos negros no Rio Grande do Sul, Saint-Hilaire (1974, p.73) observou que ao contrário do que
ocorria nas estâncias, “Nas charqueadas os negros são tratados com rudeza.(...); os escravos
O motivo dos objetos utilizados para o controle e castigo dos cativos nas charqueadas
não serem arrolados nos inventários durante todo o período subseqüente não parece dever-se a
sua pouca importância visto que panelas de ferro, tachos de cobre, enxadas, foices e todo o
tipo de material era arrolado mesmo que fosse qualificado como sendo “velho”,
“imprestável”, “arruinado”, “furado” ou mesmo “sem valor”, como muitas vezes aparecem
qualificados nos documentos. A justificativa para não estarem presentes nos inventários
parece ter a ver com sua possível inclusão no conjunto de objetos relativos a uma charqueada
muitas vezes assim descritas como “uma charqueada, com graxeira, galpões (...) e demais
utensílios”. Dificilmente estes artigos não existiriam nos estabelecimentos das margens do
Pelotas no século XIX. Poderíamos pensar então que talvez houvesse um certo descaso
quanto ao arrolamento detalhado deste tipo de objeto, incluídos então como parte de um
47
Inv. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
78
Possivelmente estes estariam incluídos nas estruturas descritas no plural como os “galpões”,
montante das fortunas dos charqueadores (CORSETTI, 1983), fica evidente que seu controle,
no intuito de evitar fugas e de retirar o máximo proveito de seu trabalho, era fundamental.
conjunto dos bens necessários ao funcionamento das fábricas, talvez porque houvesse um
certo “pudor” em apresentá-los claramente arrolados entre o conjunto dos bens, em revelá-los
Mesmo Dreys, que considerou que as condições do escravo no Rio Grande do Sul
não eram tão ruins quanto fazia crer a opinião pública da época, ao fazer um relato do
trabalho destes nas charqueadas sulinas deixa-nos perceber nas entrelinhas de seu discurso o
deixe claro que neste “estabelecimento penitenciário” como denominou uma charqueada
“bem administrada”, os escravos após serem chamados ao trabalho pela “voz do capataz”
constituído por olarias, currais, taperas, trapiches, atracadouros, varais, graxeiras, potreiros,
Luccock (1975), que percorreram a região no primeiro quartel do século XIX, observando
registrou:
Não nos é possível dizer com exatidão a quantidade de charqueadas que existiram
nas imediações do arroio Pelotas ao longo século XIX, tendo em vista que muitas iam sendo
como entre 1835 e 1845, com a Revolução Farroupilha, muitas fábricas ficaram paradas.
Conforme salientou Flores (1990, p.63) neste período “mais de ¾ da população de Pelotas
abandonou o município por causa das constantes tomadas e retomadas, tanto dos farrapos
carne prejudicada pelo abandono dos estabelecimentos”. Saint-Hilaire (1974, p.74) contou, no
José Gonçalves Chaves registra para o ano de 1822, 22 fábricas de carnes secas nas
estancieiros na Tablada, onde o gado era comprado e enviado para a matança, considerou que
As capelas observadas pelos dois viajantes Dreys (1990) e Luccock (1975), citadas
Nas casas de proprietários da margem esquerda, dentro de grandes terras onde havia
títulos de nobreza, tinham suas próprias capelas anexas. Na estância da Graça, que pertenceu a
José Simões Lopes, Visconde da Graça, existe até os dias atuais uma capela, embora a
estrutura atual deva ter sido construída já neste século (Figura 12). Do mesmo modo, na sede
Fontoura, havia uma antiga capela onde foi celebrado em 1815 o casamento do comendador
João Simões Lopes com Isabel Dorotéia Carneiro da Fontoura (MOURA, 1998, p.34).
82
Figura 12: Casarão da estância da Graça local da antiga charqueada, com sua capelinha anexa, à direta
na foto
Fonte: Foto da autora - 08/12/2000.
nascido em 1826, foi batizado, segundo Neves (1987), em 1827, no oratório na casa de
moradia de José Pinto Martins, junto a sua charqueada na margem direita do arroio Pelotas.
Entre os bens de José Pinto Martins arrolados em seu inventário havia um oratório juntamente
com “ornamentos para celebrar missa e seus pertences”.48 Portanto, na casa do provável
precursor das charqueadas pelotenses, havia todos os paramentos necessários para que um
48
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
83
além de seu oratório “3 toalhas de altar” e “1 ferro de fazer hóstias”,49 da mesma forma na
casa do Comendador José Martins Coelho, nas margens do São Gonçalo, havia “uma imagem
de Cristo para oratório de missa, uma dita imagem de N. Sra. dos Navegantes, uma dita de S.
José”, “uns ornamentos usados e seus pertences” e “uma pedra de orar”.50 Thereza Angélica
do arroio Pelotas, deixou entre seus bens “1 arca com todos os paramentos de missa”.51
Algranti (apud Mello e Souza, 1997, p.103) comparou a transformação das capelas
que existiam nas residências no campo junto aos alpendres fronteiriços ou em edifícios
separados, sendo substituídas por oratórios colocados em nichos nas paredes ou portáteis, com
a passagem das cozinhas de fora para o interior das residências ao longo do período colonial.
em direção a uma maior privacidade nas relações sociais dentro e fora dos domicílios (idem).
Maria do Carmo Barcellos Chaves, filha de Joaquim Antônio Chaves e Maria Luíza
Barcellos Chaves, foi batizada no oratório particular de seu avô o Comendador Boaventura
Rodrigues Barcellos, na margem direita do arroio Pelotas, e teve como padrinhos seus avós
além de suas funções religiosas, as capelas e oratórios particulares serviam também como
casamentos, etc.
49
Inv. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
50
Inv. José Martins Coelho. A.150, N.11, E.6, Ano 1831. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
51
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
52
Inv. Joaquim Antônio Chaves. N.1, M.1, E.28, ano 1855. 2° Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
84
O motivo de nenhuma capela ou estrutura voltada para assuntos religiosos terem sido
arroladas nos inventários nos parece dever-se ao fato de que caso houvessem, estas não seriam
arroladas como uma benfeitoria que possuísse valor isolado do conjunto da morada,
constituindo-se parte desta, como um anexo ou peça onde o oratório estivesse instalado no
“estrutura dos altares das igrejas barrocas, tendo em seu centro a cena da crucificação com a
Virgem das Dores, São João e Maria Madalena ao pé da cruz, ladeados dos santos da
Esta baixa incidência deste importante objeto nos ambientes domésticos do Brasil dos séculos
XVIII e XIX (Idem) parece explicar-se, em alguns casos, devido ao seu custo que poderia
chegar a mais de 200#000 réis fazendo com que este não fosse um artigo acessível aos menos
abastados. Outro motivo poderia ser de que os oratórios fossem tidos como bens pessoais e
não fizessem parte dos objetos a serem arrolados nas partilhas. Na divisão dos bens de
Cipriano Joaquim Rodrigues Barcellos seus herdeiros reclamaram em juízo o fato de que sua
madrasta não teria incluído nos bens inventariados de seu finado pai, entre outros objetos, um
oratório ao que ela lhes respondeu que este havia lhe sido “doado a ela por sua mãe”.53 Os
com várias imagens de santos e de Cristo crucificado com pinturas de imagens (Figura 13).
53
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos. N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
85
Além dos oratórios haviam também os nichos, pequenas concavidades nas paredes
charqueada além de “um oratório de Jacarandá com a imagem de Jesus Cristo e outras de
diversos santos”, um “nicho com a imagem de N. Sra. das Dores”.54 Da mesma forma José
Gonçalves da Silveira Calheca possuía além de seu oratório de jacarandá com 4 imagens de
Sto. Cristo, S. José, Sto. Antônio e N. Sra. das Dores, um “nicho com N. Sra. da Agonia”.55
54
Inv. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
55
Inv. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Pelotas.
86
foram arrolados quadros com imagens de santos.56 Entre os santos preferidos dos
inventariados estavam N. Sra. da Conceição, N. Sra. dos Navegantes, Sta. Bárbara, São
Jerônimo, São Domingos, Santo Antônio, S. José, N. Sra. das Dores e N. Sra. da Agonia. Para
Senhora da Conceição e N. Sra. do Bom Parto, entre outros”. A Santa Bárbara era atribuída a
proteção contra tempestades violentas, a São José o cuidado com as crianças enquanto que N.
Sra. da Agonia era invocada na hora da morte (MATTOSO, 1992, p.394). Os mais devotos
incluíam em seus últimos pedidos que fossem rezadas missas para seus santos, como foi o
caso de Pedro Teixeira, viúvo morador nas margens do arroio Pelotas, que “achando-se
gravemente enfermo” em outubro de 1807 pediu para que o padre Antônio Pereira, que vivia
também na costa do Pelotas, fizesse seu testamento, onde solicitou a seu primeiro
testamenteiro, o charqueador Antônio Pereira da Cruz, que lhe mandasse rezar missas por sua
alma , pela de seus pais e pela de sua defunta mulher incluindo também missas “(...) ao anjo
da sua guarda 5, ao santo do seu nome Pedro apóstolo, 5, e a São Vicente Ferreiro, 5, e a
Desde 1812, quando foi nomeado o primeiro vigário, o padre Felício Joaquim da
Costa Pereira, para a Freguesia de S. Francisco de Paula, futura cidade de Pelotas, que havia
reuniram-se para discutir onde seria construída a igreja. Por fim, independente da decisão da
56
Inv. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos. N.916, M.53, E.06, Ano 1879. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv.
Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
57
Contas de Test. Genoveva Maria da Conceição. N.1939, M.91, E.26, Ano 1847. 1°Cart. Órfãos e Provedoria.
Pelotas.
87
maioria, o então capitão-mor Antônio Francisco dos Anjos e o vigário começaram a dar
“o reverendo vigário junto com José Gonçalves da Silveira Calheca” foram até Mostardas no
(PIMENTA apud LOPES, 1994, p.22). Domingos de Castro Antiqueira, futuro Barão e
abastados e suas mulheres participavam ativamente nas decisões concernentes aos assuntos
procissões com o santo padroeiro. Pimenta (apud LOPES NETO, 1994, p.22) relata o
momento em que, em 1813, a imagem do padroeiro foi levada da casa do vigário para a
igrejinha descrevendo
Em 1847 quando decidiu-se pela construção de uma nova igreja maior, foi oferecido
Gonçalves Chaves e doutor Vicente José da Maia, deputados provinciais” (PIMENTA apud
LOPES, 1994, p.24). A participação dos donos dos estabelecimentos de charqueio na gerência
dos assuntos religiosos da freguesia e depois cidade de Pelotas se fez presente também
quando, das terras do charqueador Antônio Pereira da Cruz, seus parentes e agregados,
“Manoel Antônio Pereira (Manuel dos Cavalos) e sua senhora dona Francisca Fagundes de
Oliveira [irmã da esposa de Antônio Pereira da Cruz] fizeram em 1845 e 1846 à irmandade” a
doação de “objetos que tinham em seu oratório da Costa [do arroio Pelotas], do qual foi
88
capelão frei Marcelino, (...)” (PIMENTA apud LOPES NETO, 1994). Estas alfaias foram
incorporadas ao patrimônio da nova igreja pelo valor de 400#000 réis (LOPES NETO, 1994,
p.29).
2.1.8.1 Padres
viviam como agregados da casa ligados por laços de amizade ou parentesco a seu benfeitor.
do Pelotas, declarou ao Juiz de Órfãos que “havendo falecido em sua casa no dia três do
corrente mês o Padre Joaquim José Tavares” necessitava portanto dar abertura a seu
inventário. O padre possuía, entre outros bens moedas de ouro, onças espanholas e letras na
cidade do Porto, totalizando sua herança em 13:299# 605 réis, que foi enviada pelo
comendador para seus irmãos que viviam em Portugal na Freguesia de São Miguel de
Junqueira.58
Assumpção. Quando este redigiu seu testamento pediu que o charqueador Antônio Pereira da
Cruz, a quem intitulou de “(...) meu amigo de tantos anos (...)” fosse seu testamenteiro. Entre
os bens do padre Antônio Pereira incluía-se uma chácara na margem do arroio Pelotas, uma
morada de casas coberta de telhas e assoalhadas, uma cozinha, dois quartos de casa no mesmo
tabaco e seis livros latinos. O padre devia ao testamenteiro 1 conto e 784 mil réis além de
58
Inv. Joaquim José Tavares. N.274, M.19, E.25, Ano 1847. 1 Cart. Órf. Prov. Pelotas.
89
outras dívidas com charqueadores da região entre eles devia ao Barão de Jaguary, a Joaquim
José de Assumpção bem como uma dívida com a esposa do testamenteiro Genoveva Maria da
Conceição.59
A viúva Eugênia Maria da Conceição, por sua vez, proprietária de uma charqueada
na costa do arroio Pelotas, arrendava parte de suas terras a outro padre chamado José
Rodrigues de Assumpção. Em seu testamento a viúva descreveu seus bens incluindo as terras
no arroio Pelotas em que vivia o clérigo dizendo que estas eram litigadas “porque o padre não
quer sair dela”. Para não deixar dúvidas aos herdeiros fez questão de mais adiante no mesmo
testamento esclarecer “Declaro que o padre José Rodrigues de Assumpção me deve parte dos
arrendamentos da charqueada que lhe arrendei pois que desde o princípio do nosso litígio
nada me tem pago e do que recebi passei recibo. Declaro mais que o mesmo padre José
Rodrigues me deve 400 alqueires de sal a conta deles recebi por uma vez 50 e mais algum que
constar dos assentos desta casa.” Deste valor seu genro Cypriano Rodrigues Barcellos lhe
havia adiantado uma parte da dívida do clérigo. Portanto, os padres não somente viviam de
agregados em terras e casas de charqueadores locais como também tinham seu próprio
negócio, dos quais acabavam por assumir dívidas com outros proprietários. Havia então na
costa do arroio Pelotas, padres não somente exercendo atividades religiosas na comunidade
Assim como possuir oratórios e capelas em suas terras nas margens do arroio Pelotas
59
Inv. e Test. Antônio Pereira. N.147, M.11, E.6, Ano 1831. 1 Cart. Órf. Prov. Pelotas.
90
vinculado aos assuntos religiosos da freguesia, vila e cidade de Pelotas também servia como
demonstração de força como grupo que detinha o poder econômico local e que organizava a
vida social e religiosa da região. As doações monetárias e materiais bem como manter-se à
XIX, era uma importante forma de estabelecer e manter laços sociais, não sendo privilégio
apenas das classes mais abastadas. O principal objetivo de uma irmandade era reunir fiéis
devotos de um santo escolhido como padroeiro, ou pessoas que poderiam estar ligadas por
devoção, ofício, cor da pele ou estatuto social (MATTOSO, 1992, p.397). Havia um conjunto
de regras que determinava seus objetivos, formas de admissão de seus membros, deveres e
obrigações (Idem). Uma irmandade poderia ser fundada para angariar fundos para a
construção de uma igreja bem como, no caso das irmandades de escravos, ajudar na obtenção
das suas alforrias (Ibidem). Poderiam ser voltadas para a realização de obras de caridade ou
Além das Irmandades haviam também as Ordens religiosas associações que exigiam
que seus membros pagassem um valor referente ao direito de entrada, as chamadas “jóias”, e
também contribuições mensais (MATTOSO, 1992, p.398). Além de seus objetivos espirituais
as Ordens ajudavam com pensões e auxílios pecuniários aos doentes e na realização dos
entre outras Irmandades a do Santíssimo Sacramento e Padroeiro São Francisco de Paula que
91
teve como seu primeiro provedor Antônio Francisco dos Anjos entre inúmeros proprietários
locais que exerceram ao longo do século XIX funções na sua administração (PIMENTA apud
LOPES, 1994, p.59). Nos testamentos dos charqueadores, bem como de outros moradores da
região, recorrer a sua irmandade era praxe em praticamente todos. O agregado em terras de
José Teixeira, Antônio Ferreira Fontes, pediu para que no seu enterro seu corpo fosse “(...)
acompanhado pelas suas irmandades, (...).”60 Manuel Silveira de Ávila, por sua vez, era irmão
da Ordem Terceira de São Francisco para a qual legou 40#000 réis de jóia solicitando que seu
enterro fosse realizado “sem pompa” e seu corpo “(...) acompanhado pelos irmãos da Terceira
Ordem de São Francisco, quero que vá no esquife da mesma ordem.”.61 Do mesmo modo o
português nascido na cidade do Porto, José Domingues das Neves, deixou em seu testamento
em 1844, 50 patacões de prata para a Ordem Terceira de São Francisco de Pelotas embora
fosse com o ônus de lhe “acompanhar no esquife da mesma ordem e dar-me sepultura na sua
Barcellos, deixou de legado em seu testamento em 1878 para suas Irmandades um total de
800#000 réis distribuídos entre a Irmandade de N. Sra. Luz, a de São Miguel e Almas e da
Boa Morte a de Assumpção e para a Ordem Terceira do Carmo de Rio Grande deixando a
60
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas
61
(Test. Manuel Silveira de Ávila. N.1700, M.86, E.6, Ano 1862. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
62
Test. José Domingues das Neves. A.228, M.16, E.25, Ano 1844. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
63
Test. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos. N.1863, M.88, E.06, Ano 1878. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
92
dos bens ficava para o sobrevivente e a outra deveria ser dividida em três partes, duas ficavam
para os herdeiros e com a outra, a terça, o falecido poderia dispor em testamento suas últimas
vontades (FARIA, 1998). No caso de não haver testamento (sucessão ab intestado) as três
partem iriam para os herdeiros (Idem). Segundo Faria (1998, p.257), “na ausência de filhos
mais fez disposições sobre sua morte, redigindo um longo discurso voltado, entre outras
coisas, para seus santos protetores, para os quais dirigia suas palavras
mostrar seu desprendimento dos bens materiais e das aparências mundanas pedindo
invariavelmente a seus testamenteiros que seu enterro fosse feito “sem pompa”, “com
64
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
93
decência”, “decente mas sem ostentação”, “sem fausto nem grandeza” ou “o mais simples
possível”. No entanto, apesar destes pedidos logo se deixava entrever o desejo do moribundo
de que seu enterro fosse mais um momento onde ele demonstraria publicamente suas
qualidades de bom cristão, como no caso do charqueador Domingos Soares Barboza que
O Barão de Butuí, José Antônio Moreira, titulado pelo Império por suas atividades
benemerentes, face ao luxo apresentados nos velórios e enterramentos de abastados como ele
no período, para demonstrar seu desprendimento do fausto em que vivia e reforçar sua
As doações e pedidos às suas Irmandades e Ordens também eram uma das principais
65
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
66
Contas de Test. Domingos Soares Barboza. N.2140, M.99, E.06, Ano1880. 1Cart. Prov. Pelotas.
67
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
94
Quando Deus for servido achar-me deste mundo o quero que meu
corpo seja envolto em um hábito de N. Sra. do Carmo de cuja Ordem
Terceira sou irmão e que seja sepultado na catacumba da mesma Ordem
nesta vila (...) fará celebrar pela minha alma as missas que lhe parecer até o
sétimo dia no qual se me fará na igreja da dita Ordem um ofício de 9 lições
com missa cantada (...).
Não esqueceu o testador de pedir em suas missas, além das encomendadas para seus
familiares, que “se digam 300 pelas almas de meus benfeitores que me deram princípio para o
meu negócio, 300 pelas do purgatório, 300 pelas de todas as pessoas com quem tenho tido
contas em que possa ter havido algum engano involuntário.” Havia, portanto, no intuito de
garantir a salvação da alma, que se estar de bem com a consciência. Para tanto, muitos
negociantes do período, como observou Faria (1998), pediam que se realizasse missas pelas
almas das pessoas com quem tinham feito negócios e que porventura tivessem prejudicado
“involuntariamente”. O charqueador José Pinto Martins, que havia enriquecido com seus
negócios de charqueada, pediu em testamento que rezassem “mais 200 missas pelas almas das
pessoas com quem ele testador tem tratado negócios” pagando de esmola 2 patacas para cada
que fossem rezadas 300 missas a “todas as pessoas com quem tenho tido contas em que possa
O charqueador e cirurgião Inácio José Bernardes, por sua vez, pediu “40 [missas]
pela alma dos enfermos a quem ele na qualidade de cirurgião assistiu.”70 A atividade de
conhecimento do período também levava o moribundo a temer por sua alma após não ter
podido evitar durante sua vida, mesmo que “involuntariamente”, a morte de muitas pessoas.
68
Test. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
69
Test. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
95
(...) de uma feita os instrumentos que usava caíram sob meus olhos.
Estava na maior das desordens e absolutamente impróprios para a mais
vulgar das intervenções. Tomando de uma serra enferrujada, perguntei-lhe se
se atreveria a amputar um membro com semelhante instrumento. ‘Por que
não?’ replicou ‘é a melhor que possuo e ninguém mais aqui é capaz de
realizar tal operação’.
Não somente as técnicas e instrumentos para cirurgia bem como toda a medicina
exercida na região pareceu ao viajante arcaica, considerando enfim que “não somente a
ciência médica, como qualquer outra ciência, é ali planta exótica” (SAINT-HILAIRE, 1975,
p.121).
Os testadores determinavam o número de missas que seriam rezadas após sua morte
podendo variar de 5 a 2000 missas, celebradas em várias igrejas e locais diferentes até mesmo
padres eram remunerados pelas missas encomendadas e em geral era determinado nos
testamentos que fosse pago por elas “a esmola de costume” ou “pelos seus preços correntes”,
ou seja, o valor estabelecido na época. No entanto alguns testadores indicaram o valor a ser
pago por suas missas variando de 2#000 a 4#000 réis ou também de 1 a 2 patacas. Aos pobres
Ferreira Fontes pediu que fossem rezadas por sua alma “missa de corpo presente mais 28,
assim como 20 pela alma de seu pai e sua mãe e 6 pela alma do padre José Telles”.71 Joanna
Maria Bernardina, primeira esposa do futuro Visconde de Jaguari, por outro lado, pediu em
seu testamento
70
Test. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
71
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
96
A morte era um momento preparado com cuidado e detalhado nos testamentos dos
mais abastados que tinham bens suficientes para que pudessem usufruir de sua terça
seus testamenteiros como fez Joaquim José de Souza Sant’anna, solicitando que seu enterro
fosse feito “à vontade de minha mulher”.73 ou Antônio Gonçalves de Jesus que deixou seus
menos abastados, no entanto aos mais afortunados que se destacavam na comunidade havia
que preparar um enterro digno de sua pessoa. O defunto acabava por ser enterrado com roupas
por vezes mais finas que as que havia usado em vida. No preparativos fúnebres do
Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos foram gastos 110#760 réis no funeral, 124#64
réis em missas e 56#320réis com a encomendação além de 168#990 nas roupas do defunto
para o qual foram comprados sapatos envernizados, meias de seda e cetim para seu caixão.75
Além das missas, enterro e dádivas para suas irmandades, eram dadas esmolas para
pessoas pobres fazendo com isso que aumentasse número de indivíduos no cortejo ao defunto
72
Test. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas.
73
Test. Joaquim José de Souza Sant’anna. N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
74
Test. Antônio Gonçalves de Jesus. A.2010, M.87, E.4, Ano 1864. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Rio Grande.
75
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
97
Embora o desejo de preparar-se para ter uma “boa morte”, como denominou Faria
(1998), garantido sua ascensão ao reino dos céus, a instabilidade na primeira metade do
Farroupilha, levava aos testadores registrarem seu temor de vir a morrer em solo estranho,
Joanna Maria Bernardina escreveu seu testamento na primeira década do século XIX,
período em que recém fixavam-se os diferentes grupos na região, tendo muitos vindo da
Colônia do Sacramento fazia poucos anos, transitando entre Rio Grande e as demais
localidades vizinhas como Estreito, São José do Norte e Povo Novo. Casada com Domingos
de Castro Antiqueira, Joana Maria Bernardina era natural do Estreito filha de Manoel
“gravemente enferma” ela solicitou em seu testamento que seu corpo fosse levado a sepultura
mesmo modo o Capitão Domingos Rodrigues, natural da Galiza, temia morrer em local
estrangeiro solicitando que “(...)quando eu falecer em lugar donde me não possam vir enterrar
vários problemas aos indivíduos que viviam nas áreas fronteiriças como foi o caso dos
herdeiros de Antônio dos Santos Coimbra que havia recebido de herança pelo falecimento de
seu filho Pedro dos Santos uma casa coberta de telhas, a qual não puderam incluí-la em seu
76
Test. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
98
inventário uma vez que esta se achava “depenada pelos inimigos espanhóis na presente guerra
uma instabilidade muito grande que refletiu-se na vida cotidiana dos moradores da região do
arroio Pelotas, sendo que alguns charqueadores importantes, haviam se envolvido diretamente
que foram dados a inventário os bens de seu pai que haviam na cidade de Pelotas, onde era
domiciliado, porém “(...) como não se possa continuar na avaliação dos referidos em Pelotas,
por se achar aquele lugar muito ocupado por forças dos rebeldes(...). Quando as circunstâncias
o permitirem, nestes termos, querendo os suplentes, como filhos e herdeiros, que V. Sra.
mande subir a sua conclusão os respectivos autos (...). 13/11/1838.”78 Do mesmo modo, em
agosto de 1839, quando Francisca Alexandrina de Castro, vivendo na cidade de Rio Grande,
redigiu seu testamento esta fez questão de salientar que era “(..) natural da cidade de Pelotas,
em cujo distrito morava até ao tempo em que por motivo das alterações da Província vim com
a minha família para esta cidade onde atualmente resido (...)”. Havia uma grande insegurança
testamenteira pediu que “No caso que eu faleça nesta cidade determino que meu corpo seja
sepultado numa das catacumbas do cemitério da capela de N. Sra. do Carmo de cuja confraria
sou irmã (...)” embora tenha considerado a possibilidade de não estar naquela localidade
77
Inv. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
78
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1(Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
99
declarando que “Se eu falecer fora desta cidade e seu termo o que assim disponha a cerca da
Antônio José de Oliveira Castro, por sua vez, não havia conseguido concluir as
explicando que “(...) não se tendo realizado a entrega do legado de 200 mil réis deixado à
menina Francisca, filha de Francisco Vieira da Costa, em razão de se achar residindo em lugar
ocupado pelos rebeldes” e solicitando então que “se procedesse o depósito da mesma quantia
(...)”.80
Emerenciana Maria Teixeira foi realizado anos após a sua morte, apesar da lei que dava 30
dias para sua abertura, fazendo com que o viúvo Ignácio Rodrigues Barcellos se justificasse
perante o juiz, declarando que “(...) os bens imóveis e semoventes, que por causa dos
esposa (...)”.81Do mesmo modo, no arrolamento dos bens de Carolina Josephina da Câmara
seu inventariante justificou ao juiz que além dos bens móveis declarados “(...)existiam alguns
outros que foram distribuídos e roubados durante a revolução que teve lugar nesta
Província.”82
79
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Rio
Grande.
80
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Rio
Grande.
81
Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
82
Inv. Carolina J. da Câmara. N.373, M.26, E.06, Ano 1854. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
100
Portanto, a primeira metade do século XIX foi marcada por grande instabilidade
política na região o que refletia-se na vida dos habitantes da Província, fazendo com que
houvesse uma grande insegurança tanto em relação ao local onde se viria a morrer como a
segunda metade do século XIX, este período foi marcado por uma maior estabilidade,
com acesso as propriedades nos inventariamentos. Neste sentido, na cidade já havia sido
2.1.9 Cemitérios
rua Santa Cruz, depois transferidos, a partir de 1820, para dentro dos muros da igreja. Em
1825 foi criado o cemitério da rua do Passeio que perdurou até 1852 quando foi criado o
juntamente com a fundação da cidade, estes eram voltados mais para os pobres que não
tinham como custear seu enterro. Os enterramentos dentro da igreja, eram, provavelmente,
locais para sepultamento de pessoas com prestígio na comunidade. O enterro dos escravos das
classes mais abastadas ficava a cargo dos seus senhores que eram responsáveis pelo seu
custeio.
101
das charqueadas nas margens do arroio Pelotas. Gutierrez (1999) diz que, embora proibidos os
enterramentos fora da âmbito dos cemitérios da cidade de Pelotas, em 1856, Domingos José
arroio Pelotas, uma vez que o cólera havia atingido um grande número de escravos na zona
relata que
Deste modo, podemos perceber que havia no mínimo dois cemitérios improvisados
nas margens do arroio Pelotas, nas propriedades dos charqueadores José Maria Bento
João Simões Lopes Filho, que viria a ser Barão e mais tarde Visconde da Graça, foi
pai de Catão Bonifácio e avô do escritor gaúcho Simões Lopes Neto. Além de sua importante
obra literária, Simões Lopes Neto nos deixou um rico acervo de artigos publicados na
fundação de Pelotas e de suas charqueadas. A cerca das terras que eram de propriedade de sua
83
Anais do AHRS, v. 3, CV – 1272, 1978.
102
até se transferir para o meio urbano onde foi cursar o primeiro grau, condiz com a verdade
não foi possível confirmar. Segundo relato de Luís Antônio Lopes Neto este antigo cemitério
não existe mais. No entanto, um antigo caseiro teria lhe relatado que junto com os ossos
bovinos calcinados, utilizados para produzir adubo eram encontrados ossos humanos ainda no
início deste século. Até os dias atuais a casa e terras as margens do arroio Pelotas pertencem a
família Simões Lopes. Na época da charqueada, esta localizava-se ao lado da casa principal
que dá seus fundos para o arroio Pelotas. Os varais eram colocados em frente a casa85.
parece que durante este período de crise houve a criação de áreas de enterramentos dentro do
âmbito das próprias charqueadas, como solução emergencial para os charqueadores, com o
mínimo de custos, se livrarem dos corpos de seus escravos mortos com uma doença que
Nas terras às margens do arroio Pelotas, ocupadas a partir do final do século XVIII e
84
LOPES NETO, João Simões. Apontamentos referentes à história de Pelotas e de outros municípios da Zona
Sul: São Lourenço e Canguçu. Pelotas: Armazém Literário, 1994.p.28.
85
Informação oral obtida em 08 de dezembro de 2000, na sede da estância da Graça, no município de Pelotas.
103
se desde às margens do arroio, movimentadas pelas mais diferentes embarcações com seus
trapiches e atracadouros, passando pela área de produção com seus varais, abatedouros,
graxeiras e demais estruturas para as diversas etapas da feitura do charque, na qual cativos
próximos dali a morada do proprietário e sua família, à beira do arroio ou dos caminhos, vias
Este complexo de estruturas e vias, juntamente com os indivíduos que por elas
circulavam, pareciam aos olhos de viajantes estrangeiros, verdadeiras aldeias. Neste conjunto
torno dos rituais da missa, batismo, casamento e morte. Os charqueadores, apropriando-se das
diferentes formas de expressar a religiosidade, por meio das missas, legados e procissões, bem
clérigos ou doando imagens, tomam para si estes espaços onde reforçam seu poder econômico
e prestígio local.
em vista os altos custos de uma vida religiosa onde missas, enterramentos e legados eram
possíveis somente a quem tivesse melhores condições econômicas. Testar era, na maioria das
vezes, para quem tinha algo a legar. Do mesmo modo, para a garantia de um enterro
“decente”, mesmo que “sem pompa”, com as missas necessárias ao bem da alma, era
sobre os costumes do povo rio-grandense. Neste trabalho, escrito antes mesmo da abolição da
escravatura, as relações entre diferentes segmentos sociais no campo no sul são vistas de
forma idealizada, sendo que a convivência entre estancieiros e seus agregados e subalternos é
como forma de mostrar sua generosidade. Na verdade, estes agregados, muitas vezes servindo
como posteiros, em tempos onde ainda era precário o cercamento dos campos, eram
106
A historiografia recente, por sua vez, ao referir-se aos diferentes grupos sociais que
ocupavam o meio rural do Rio Grande do Sul no decorrer do século XIX, vislumbra um
livres, muitas vezes pobres, sem bens de raiz, vivendo de favor nas terras de um proprietário
como agregados e desempenhando o papel de capataz, peão, feitor, entre outras funções
“(...) favoritismo do Poder Real e os instrumentos de coerção deste mesmo Poder (...)” que
foram decisivos para a formação das fortunas, o que permitiu, segundo o autor, a formação
desta sociedade senhorial “(...) mantida pelo latifúndio que vigorou no século dezenove (a
Por outro lado, estes mesmos grupos de trabalhadores livres, peões e agregados, que
segundo Cardoso (1977) “vagamundeavam” no meio rural poderiam representar uma ameaça
as classes senhoriais. O temor a estas “classes perigosas”, como demonstra Maestri (2001),
fica evidenciado nas formas de controle e repressão determinadas nas medidas públicas. A
Câmara Municipal de Quaraí, em 1885, havia determinado que todos os proprietários que
tivessem sob seus domínios escravos, peões e agregados, deveriam fazer uma declaração a
responsabilidade pelos atos, infrações e danos que os mesmos viessem causar. O mesmo
Segundo Maestri (2001), “Tão grande era a preocupação das classes senhoriais,
Na base deste problema estaria o fato de que no campo o indivíduo livre pobre
controle maior de suas vidas, na medida que teriam menor convívio permanente com
vizinhos, patrões e compadres. Este caráter de instabilidade provavelmente fazia com que
XIX, o acesso à terra era limitado. Para obter uma sesmaria era preciso possuir certas regalias
extensão: a data raramente teria mais que 1500 braças (1/2 légua) enquanto que a sesmaria
tinha em regra 1x 3 léguas mais ou menos. As datas eram concessões feitas pelo governo
militar da província enquanto que uma semaria era uma concessão do vice-rei (RÜDIGER,
1965).
No período entre 1822, quando foi abolido o sistema de sesmarias, até 1850, com a
Lei de Terras que estabeleceu o acesso à terra devoluta somente através da compra ao Estado,
a aquisição de um terreno dava-se pela posse por ocupação (CIRNE LIMA apud CORSETTI,
1983). Na verdade, muitas vezes o terreno que oferecia poucos obstáculos para sua ocupação,
sem a presença de indígenas, limites ambientais ou muito afastado dos centros comerciais, as
109
terras férteis boas para o cultivo ou criação, estavam ocupadas pelos que possuíam força
militar e política.
do Sul (CHAVES, 1978). Chaves atacou o antigo governo da Província denunciando que
Chaves (idem), procurou mostrar em suas “Memórias” o que ocorria com a grande
excedendo em muito o que dizia até mesmo a lei de sesmarias, para alguns poucos
proprietários privilegiados. Este sistema era considerado absurdo pelo autor, onde “(...) Os
abarcadores possuem até 20 léguas de terreno e raras vezes consentem a alguma família
temporariamente e nunca por ajuste que deixe fixar a família por alguns anos” (CHAVES,
1978.p.94). Como conseqüência disso, assinalava: “(...) Há muitas famílias pobres – pobres
vagando de lugar em lugar segundo o favor e o capricho dos proprietários de terras e sempre
(CHAVES, 1978.p.94).
Portanto, aos pobres livres, excluídos das redes de alianças com poderosos, a solução
muitas vezes era se agregar nas terras de um proprietário vivendo em troca de seu trabalho ou
diretamente pelos proprietários, podiam ser arrendadas, ou seja, colocar alguém nelas que as
cultivava ou mantinha criação e pagava um preço em moeda, força de trabalho ou com parte
uma possibilidade para quem queria assentar-se. A maioria devia realizar contratos verbais
nos quais “viviam de favor” nestas terras em troca de pagamento com produtos de suas
lavouras e criação. Estes indivíduos muitas vezes formavam um certo patrimônio sobre as
terras de terceiros construindo nelas casas, currais e todo tipo de estabelecimentos. Isto se
dava na medida em que, como lembra Silva (idem), aqueles que ocupavam terras alheias
Deste modo, ser proprietário de uma terra era algo bastante difícil e, sem esta, o
homem livre no meio rural dificilmente estaria longe da pobreza. Esta situação parece ter
O fato destes indivíduos e suas famílias ora instalarem-se por alguns anos em alguma
Como viviam estes indivíduos que não haviam obtido terras e não tinham posses?
Como se estabeleciam, como se dava seu relacionamento com quem detinha a propriedade e
quanto recebiam por seu trabalho? Qual a sua tralha doméstica? Estas questões ainda foram
pos-mortem eram realizados principalmente por quem tinha algo a deixar. Portanto, entre os
mais empobrecidos muitos deviam ignorar estas formalidades uma vez que pouco ou nada
tinham para partilhar, ou devido aos encargos das taxas de herança cobrados, que os levava a
herança, caso houvesse uma, poderiam recorrer ao juiz para que fosse dado a inventário os
bens do morto.
lei se, ao falecer um dos conjugues, ficassem filhos ou netos menores de 25 anos (mesmo se
contrário perderia o usufruto dos bens a serem inventariados e partilhados aos menores
86
Código português criado durante o reinado de Felipe II em 1603 que servia de base legal, vigendo durante
todo o primeiro século após a Independência do Brasil, sendo que na parte Civil só será substituído em
1917.(Mattoso, p.130).
112
pelas longas distâncias a serem percorridas até o local onde houvesse um juiz de órfãos e,
Outro aspecto que parece dificultar o acesso a história de vida destes indivíduos é sua
grande mobilidade espacial, fazendo com que, muitas vezes, se perca de vista as referências
documentais sobre seus destinos, seu nascimento, sua morte, seus familiares, descendentes e
ascendentes.
No intuito de encontrar informações sobre estes elementos que por ventura fizeram
parte do contexto social charqueador, procuramos tentar vislumbrá-los por meio dos
informações, em geral esparsas, sobre indivíduos e suas famílias, referidos ora como
não somente por seus acidentes geográficos bem como por sua vizinhança e benfeitorias
estabelecidas no seu entorno e dentro da propriedade referida. Deste modo foi possível
identificar alguns nomes de pessoas que possuíam casas em propriedade de terceiros. Muitos
113
destes eram parentes dos proprietários ou mesmo vizinhos, que por razões diversas
charqueadores ou seus parentes. Por meio destes dados encontramos alguns agregados livres e
forros.
Outra documentação que permitiu perseguir o caminho trilhado por estes grupos
foram os inventários e testamentos dos charqueadores e, em alguns raros casos, dos próprios
agregados. Outra fonte importante foram os pequenos relatos cotidianos contidos nas cartas
do charqueador Domingos José de Almeida, enviadas no período entre 1835 e meados dos
1860, conservadas e publicadas pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. O cruzamento
destes dados nos permitiu algumas inferências sobre estes elementos de pouco visibilidade
Nas estreitas faixas de terrenos das margens do arroio Pelotas viviam, além do
charqueador com sua família e seus escravos, homens livres que desempenhavam, entre
outras funções a de peão, capataz, patrão de iate (caso o charqueador possuísse embarcação),
professores e caixeiros.
O trabalhador livre, mesmo sendo pobre, não se submetia ao tipo de trabalho pesado
Apesar desta resistência, havia uma parcela de mão-de-obra livre nas charqueadas
que, segundo Marques (1990), era empregada principalmente nas atividades administrativas e
uma pequena parcela de trabalhadores livres nas charqueadas pelotenses, observada quando
livres as tarefas mais complicadas como a instalação de cubas com vapor sob pressão, a
inconvenientes.
que esta era bastante reduzida na primeira metade do século XIX, se intensificando a partir da
Legislativa Provincial em 1862 no qual ele refere-se ao trabalho livre nos estabelecimentos
charqueadores, considerando que naqueles dias “(...) as graxeiras, a salga de couro e outros
trabalhos são feitos por braços livres. Antigamente, em qualquer daqueles estabelecimentos,
não se via homens livres além do capataz e algum patrão de iate; hoje não sucede isto, grande
charqueada de Jean Baptista Roux, este que, segundo Lopes (1994), foi provavelmente o
Roux havia trazido do Prata uma máquina para beneficiar as graxas, instalando-se com uma
família Leão (BAETHGEN apud LEITE, 2003). Comerciante de couros, lãs e crinas, Jean
Baptista Roux andou por Porto Alegre, Rio Pardo e Rio Grande até que em 1846, arrendou
Sua filha, Fanny Baethgen (apud LEITE, 2003), relatou em 1902 como funcionava a
charqueada que seu pai havia fundado em sociedade com Eugène Salgues na margem direita
Tinha uma casa grande, com jardim, uma quinta com laranjeiras e
outras frutas. Perto um grande terreno, onde matavam os animais,
beneficiavam as carnes e couros, tinha centenas de trabalhadores entre
bascos, franceses, espanhóis, argentinos, correntinos, paraguaios, orientais e
africanos. Para morar, tinham cabanas, muitos tinham família. O trabalho era
de quatro horas da manhã ao meio dia. (...). Depois os homens iam se lavar
na beira do rio e se divertiam cada qual a sua maneira. Os bascos, jogavam
bola, os argentinos e correntinos cartas, que acabavam as vezes por disputas
(...).
Montevidéu e dos argentinos e orientais, mais 30 escravos africanos alugados (LOPES, 1994).
A charqueada da firma Salgues & Roux já estava extinta em 1852 e Jean Baptista Roux havia
116
se instalado com uma barraca de couros em Pelotas, que segundo Lopes (1994) foi a primeira
Se ocorreram mais casos como este com certa regularidade nas charqueadas da costa
do arroio Pelotas durante o século XIX não nos foi possível divisar na documentação
pesquisada. Nos 169 documentos levantados nesta pesquisa, abarcando o período que vai de
1796 a 1898, raras evidências foram encontradas a cerca destes trabalhadores. Nos poucos
registros que encontramos na documentação eles aparecem ora como credores ou devedores
do inventariado, ora reivindicando salários não pagos ou até mesmo citados em testamentos
trabalhando lado a lado com escravos, em número crescente e significativo nas charqueadas
da segunda metade do século XIX, isto não refletiu-se de modo visível nos documentos
analisados.
falecia, eram arroladas em seu inventário todas as dívidas que este porventura tivesse
gado, com patrões de iate ou oleiros. Considerando-se que havia uma parcela de trabalhadores
aparecerem de forma tão escassa neste tipo de documentação, parece sugerir a idéia de que
117
até por volta dos anos 80 do século XIX, os trabalhadores livres no meio rural recebiam em
troca de seu trabalho principalmente um local para se arranchar, uma casa e um espaço para
salários de seu capataz referentes a nove meses de trabalho. Em outro de 188788, os salários
devidos a dois peões referiam-se a dois meses e meio de trabalho. O patrão de iate, Vicente
Ferreira dos Santos registrou em 1830, uma ação cível cobrando dívidas da herança de
Damázio Vergara. Nesta ele cobrava o pagamento de seus serviços como patrão do iate, do
qual o inventariado lhe ficara devendo 37 meses de salário, dívida esta que o falecido ia lhe
pagando “(...) por vezes como lhe era possível (...)”. O ajuste de contas resultou num total de
do patrão. Neste sentido, ao empregado restava manter uma relação de maior dependência
usufruindo como pagamento, de seu local de moradia este, em alguns casos, associado a
estabelecimentos charqueadores.
87
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos.N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
88
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
89
Inv. Damázio Vergara. A.67, M.3, E.97, Ano 1830. Órfãos e Ausentes. Jaguarão.
118
controle dos escravos enquanto o mestre tinha a função de supervisionar a realização correta
das diferentes etapas do processo produtivo (idem). Nos documentos trabalhados nesta
sendo que deveria cuidar não só do controle dos escravos, bem como do envio de gado para
Barcellos de Almeida, em 1835, faz recomendações a cerca das instruções a serem dadas a
seu administrador90. O capataz, a quem Domingos José de Almeida chamava por “compadre”
Rolino, é citado em diversas cartas onde podemos observar suas responsabilidades em relação
ao funcionamento da charqueada:
Como podemos observar, estes homens que alcançavam o posto de capataz, muitas
vezes estabeleciam laços de compadrio com seu patrão charqueador. José Antônio Moreira, o
90
Anais do AHRS. Vol. 3, 1978.
91
Anais do AHRS. Vol. 3, 1978.
119
Barão de Butui, um dos mais ricos charqueadores pelotenses, ao falecer em 1867, deixou em
seu testamento diversos legados para instituições de caridade, afilhados e pessoas de seu
convívio92. Entre os beneficiados estão dois afilhados, sendo que um deles era filho de seu ex-
capataz, já falecido na época, José de Ávila Corrêa, a quem deixou de herança 500#000 réis.
Este valor corresponderia na época em média a um ano de salário de um capataz (Tabela 3). O
outro afilhado do barão, que também recebeu o mesmo valor de herança, era filho “(...) de
Bernardino José Vieira, ferreiro na Costa do Pelotas”, certamente outra trabalhador livre da
região.
para o menor e órfão, Políbio de Ávila Correa, de 12 anos, filho do falecido, José de Ávila
Corrêa, morador na cidade de Pelotas.93 Possivelmente os dois eram parentes, neto e filho
Nenhum documento mais foi encontrado sobre o capataz, suas posses e o destino de sua
família. É possível que seu inventário e de sua mulher tenham sido realizados em outro
cartório de outra localidade ou se extraviado. De qualquer modo, podemos supor que seus
parentes tenham permanecido na área onde este havia se tornado “compadre” de um barão.
Podemos inferir aqui que relações de compadrio poderiam facilitar, por meio de vantagens
este a criar vínculos com seu patrão transformando-o assim em seu protetor. Os vínculos de
compadrio viriam então criar uma certa estabilidade nas relações entre estes trabalhadores e
seus patrões. Assim como José de Ávila Corrêa conseguiu que o barão de Butuí fosse
padrinho de seu filho, tornando-se seu compadre e garantido uma parte na herança deste
92
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6, Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
93
Tutela.N.766, M.32, E.26/28, Ano 1887. 2° Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas.
120
charqueador, outros agregados aparecem ora aqui ora ali na documentação se beneficiando,
entanto esta relação poderia significar aos trabalhadores uma maior dependência, devendo
para Pedras Brancas, devido a pressão de credores que sofria no início do movimento
ordenando, entre outras coisas, que “(...) o compadre Rolino se pudesse cá vir mesmo para
capataz, seria famoso.”94 Em outra carta Domingos José de Almeida insiste: “ O compadre
Rolino que venha também como já lhe ordenei, (...). Já ultimei o arrendamento do
estabelecimento em que te falei, e é para deixá-lo em ordem e em andamento que careço falar
ao compadre Rolino.(...).”95 A seu capataz “ordenou” também que cuidasse tanto para que a
viagem da família ocorresse sem “algum transtorno”, bem como lhe enviasse cavalos,
escravos e arreios, entre outras tantas tarefas que lhe iam sendo solicitadas ao longo de sua
marido que estava afastado devido ao movimento revolucionário no qual estava envolvido.
Durante os anos da Revolução Farroupilha muitas mulheres tiveram que administrar a casa,
filhos e empregados, sozinhas. Para tanto, o capataz era figura fundamental para manter a
ordem e delegar as atividades aos demais empregados e escravos. Em carta a seu primo,
Maria Luísa Ferreira Barcellos, em fevereiro de 1842, nos revela a situação destas mulheres
94
Anais do AHRGS. Vol.3, 1978.
95
Idem.
121
pagaram com dinheiro para não perderem cativos valiosos. Em 1841, o Presidente da
República Farroupilha autorizou que “(...) o mulato Domingo escravo de Francisco José
Bueno e seu capataz, não seja ocupado em serviço algum da República, em atenção ao
escravos que possuía antes do início da Revolução Farroupilha, Domingos José de Almeida
apresenta, em 1843, o depoimento de dois capitães Joaquim da Costa Braga e Miguel Antônio
de Magalhães “que oferece por testemunhas por o conhecimento que de tais escravos tiveram
96
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
97
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
122
forma.
1a Testemunha
Testemunha 2a
Temos aqui o perfil de dois homens que haviam exercido a função de administrador
e capataz na charqueada de Domingos José de Almeida. Os dois haviam sido alçados ao cargo
conferia então um certo prestígio social. A primeira testemunha, Joaquim da Costa Braga era
pardo, bem como o capataz de Francisco José Bueno, citado anteriormente, era um escravo
mulato. Portanto, a figura do capataz poderia tanto ser um homem livre, bem como um forro
capataz parecem ter sofrido as vicissitudes de uma condição em que estavam em contato
direto com os trabalhadores cativos num constante enfrentamento, onde a violência era
exercida de lado a lado. Lima, ao investigar processos crimes da Junta de Justiça de Porto
98
Idem.
99
Ibidem.
123
ocorridos nas charqueadas de Pelotas (op. cit.). Na propriedade do charqueador Antônio José
Gonçalves Chaves, em 1819, ocorreu um destes contra a pessoa de seu capataz. O autor assim
relata:
solidariedade entre os livres pobres, forros e escravos. Um cotidiano de tensões fazia com que
manifestações de cooperação entre estes segmentos fossem pouco comuns uma vez que
entender de Lima, uma vez que estes indivíduos “Por receio de sofrerem penalidades ou
124
atraídos pela possibilidade de se integrarem à ordem social que lhes hostilizava, prendiam,
Em 23 de outubro de 1857 havia sido supliciado na forca que havia dentro da cidade
(LOPES NETO, 1994. p.64). Outro crime como estes foi noticiado no jornal “Echo do Sul”,
em 1866. Nesta data ocorreu o julgamento do escravo denominado preto Machado, pelo
escravo recebeu então a pena de morte, como ocorria no mais das vezes em que o crime
1997). A lei visava obviamente coibir quem pretendesse violar a ordem social e o capataz
representava o senhor enquanto sujeito que impunha, pela força, esta mesma ordem.
escravaria, parecem estar mais bem enquadrados na definição de Marques (1990), citada
anteriormente, para o termo “feitor” do que “capataz”. O termo feitor aparecerá registrado,
apenas uma vez, curiosamente em um arrolamento de gastos com salários feito no ano de
1887100, três anos após a abolição da escravatura na região. Dentre os salários de diversos
lavadeira, amas-de-leite, cozinheira, etc. Neste momento é possível visualizar a entrada destes
novos sujeitos, os trabalhadores livres assalariados, em funções exercidas até então por
escravos. Entretanto, há neste mesmo arrolamento uma dívida com “despesas de 2 meses de
salários para criados e feitor” juntamente com gastos com “roupas para os pretos da estância”
100
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
125
no valor de 28#800 réis evidenciando o fato de que se oficialmente havia sido abolida a
(a) Almeida.
(...).
Sra. Bernardina Barcelos de Almeida. [No verso]
Pelotas.”102
101
Idem.
102
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
126
O viajante alemão Friedrich von Weech, após tentar fazer a vida no Brasil, voltou
para seu país onde publicou, em 1828, um guia para seus conterrâneos que emigravam para a
América do Sul. Friedrich von Weech descreveu a função dos feitores como um verdadeiro
feitor alcançando assim um espaço social dentro do mundo dos brancos obtendo vantagens.
No entanto, suas vidas eram marcadas pela violência e pela não aceitação tanto no meio dos
parece que a figura do capataz, enquanto administrador, tinha uma melhor perspectiva de
vida. Assim como os capatazes de Domingos José de Almeida puderam, como homens livres
que eram (mesmo um deles sendo pardo), testemunhar a seu favor, condição proibida aos
não somente sobre a figura de um capataz, Antônio José da Silva Serzedello, genro de um
Revolução Farroupilha:
Antônio da Silva Serzedello era casado com uma das filhas do licenciado Ignácio
José Bernardes, rico e culto charqueador da região. Ignácio José Bernardes, que além de
médicos que haviam no período, morrera solteiro embora tivesse assumido seus filhos
Sua filha, Eugênia Ignácia dos Prazeres, que era parda, casou-se com o antigo
amigo de seu pai.105 Mesmo herdeira de um rico charqueador talvez o estigma social tenha
103
Inv. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
104
Idem.
105
Ibidem.
128
modo, Antônio da Silva Serzedello havia ascendido socialmente ao realizar casamento com a
filha de charqueador.
Em 1867 o Barão de Butuí, José Antônio Moreira, deixava em seu testamento para
Costa Guimarães que era filho de Manoel Portugal Guimarães, proprietário na costa do arroio
Pelotas, casou-se com Maria Isabel de Almeida, filha do charqueador Domingos José de
Almeida106. Mais tarde ficou viúvo e tornou a casar-se, em 1875, desta vez com Antônia
Rodrigues Candiota, filha de Antônio Rodrigues Candiota, que havia possuído uma
tenham se assemelhado ou até mesmo equiparado, parece ter havido diferenças marcantes
entre estas figuras. Um filho ou parente de senhor abastado poderia vir a ser o administrador
denominação de capataz desta propriedade. Esta mesma denominação poderia ser dada a um
sujeito agregado, branco ou pardo livre, como as testemunhas de Domingos José de Almeida.
significativo, como foi o caso de José Nunes da Silva, que vivia “(...)com sua família (...) na
Estância de São João, de João Francisco Braga de quem era capataz em cujo lugar vivam de
106
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6, Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
107
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
129
abunda esta Província, e de que nela se faz artigo principal, (...)” solicitando editais que
José Nunes da Silva, seu capataz, havia falecido em 1828, deixando mulher e oito
filhos, sendo que o mais velho tinha 11 anos e o menor estava com 8 meses. Através de seu
agregado.109
A viúva de José Nunes da Silva, Roza Barbosa da Silva, restou um baú grande de
couro, outro pequeno, uma caixa velha, 2 lençóis, 4 fronhas e 3 colchas de algodão, uma
camisas sendo duas de linho, 3 pares de calça de brim, 3 pares de calça de casimira velhas,
uma de baetão com meio uso, outra de ganga amarela, 4 ceroulas de algodão, 5 coletes, 2
sua indumentária chama a atenção, constituindo seus aperos em prata na maioria dos bens
XIX registraram com bastante surpresa o luxo e beleza dos aperos em prata dos cavaleiros
mesmo que estes fosses das classes mais humildes. Entre eles, o viajante belga Baguet, que
então
singelo, possuía uma rica indumentária, constituída de roupas e acessórios além de seus
aperos em prata, que deveriam representar sua condição superior frente aos demais
empregados da propriedade.
escravos, sendo 3 adultos e 2 menores. Eram Antônio Benguela, 35 anos, Inácio da Costa, 30
anos, João Moleque campeiro, 20 anos e os menores Delfina Mulata de 12 anos e Leonor
crioula de 3 anos. Ao escravo campeiro devia recair a tarefa de auxiliar o capataz e cuidando
112
Idem.
113
BAGUET, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul. EDUNISC; Florianópolis: PARULA, 1997.
131
dos animais pertencentes a este constituídos por 57 [sic] mansos, 6 bois mansos, 30 cavalos
Somados os bens em prata ao valor dos escravos e animais, o capataz possuía uma
herança considerável. O que aumentava em muito o valor do monte mor do capataz era o fato
de que a soma dos valores de dívidas a serem pagas a herança perfazia a quantia de 3:939#760
réis. Deviam ao capataz: Antônio Gomes da Rosa, que tinha duas dívidas, uma de 2: 240#000
e outra de 1:072#000, ambas desde 1826; o alferes José Cardoso de Guimarães 590#000 que
devia desde 1823 e Simão Lacerda Silva que devia 37#760 réis.115
realização dos sufrágios da alma do falecido. Esta quantia foi reclamada pela viúva como
“exorbitante” e acabou ficando em 100#480 réis que ela “distribuiu em missas pela alma de
seu marido de que obteve a quitação da Geral Junta” e o que restou, num total de 210#961
réis, a viúva deveria “(...) reverter aos herdeiros como parte de suas legítimas paternas”.
Provavelmente a viúva conseguiu que o juiz reduzisse a soma na avaliação da tercinha visto
que os devedores da herança dificilmente quitariam suas dívidas em pouco tempo, podendo
levar meses ou anos, se realmente chegasse a pagá-las, portanto o patrimônio dos herdeiros
menores deveria ser poupado para a garantia de seu sustento.117 A partir daqui, não
encontramos mais nenhuma documentação sobre esta viúva e seus filhos. Talvez teria de
mudar-se, dando lugar a um novo capataz para este senhor ou permaneceria se possuísse
114
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
115
Idem.
116
Terça – era a parte do montante da herança a qual o falecido poderia dispor livremente.
117
Inv. José Nunes da Silva. A.65, M.5, E.6, Ano 1828. 1° Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
132
escravos, o trabalho dos peões, que tratavam o gado nos potreiros e currais e que os
encaminhavam para a cancha de matança. Estes peões podiam trabalhar fixos nas estâncias e
charqueadas bem como podiam realizar trabalhos, para os quais eram contratados e pagos por
diária, como o de contagem do gado entre outros. Estes trabalhadores foram descritos pelo
viajante alemão Friedrich von Weech, em seu livro publicado em 1828. Sobre o trabalho da
observou:
charqueada. Este iniciava com a ida dos peões à Tablada, juntamente com os charqueadores,
onde era escolhida e comprada uma tropa de animais. Este gado eram levado para as
eram enviados à mangueira de matança. De lá, grupos menores eram dirigidos para o curral
ou brete. O animal era então abatido pelo desnucador caindo na zorra, um pequeno vagão de
madeira com rodas de ferro. Depois de morto era transportado para uma cancha onde seria
separada dos ossos e dividida em mantas para serem então salgadas (COUTY apud
MAESTRI, 1984). Os peões poderiam ser tanto homens livres quanto escravos.
3.2.2 Moradias
proprietária da charqueada, olaria e estância do Pavão, havia arrolada “(...) uma casa pequena,
que servia de residência ao capataz (...)” enquanto que no de Emerenciana Maria Teixeira, de
arrolamento dos bens de Matilde da Silva Vinhas, de 1862120, fora descrita, além da senzala,
os “(...) quartos dos peões (...)”.Do mesmo modo, entre os imóveis de Albana dos Santos
e diversos quartos”.121 Portanto, supomos que ao capataz caberia uma casa individual, por
produtiva.
118
Inv. Joaquina Maria da Silva. N.304, M.21, E.25, Ano 1849. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
119
Inv. Emerenciana Maria Teixeira. A.4, M.1, E.33, Ano 1847. 2 Cart. Cível. Pelotas.
120
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N. 567, M.36, E.6/25, Ano 1862. 1° cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
121
Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406, M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
134
3.2.3 Caixeiros
outros indivíduos realizando diferentes atividades. No seu testamento o barão de Butuí, José
Antônio Moreira, deixou legados também para seus caixeiros aos quais, nos parece deveria
sentir-se agradecido por terem colaborado para sua imensa fortuna. Isto porque, deixou
valores bastante elevados para uma dádiva de testamento a pessoas que não pertenciam a sua
família. Para seu caixeiro João Gonçalves de Miranda, deixou 2 contos de réis. Ao seu “ex-
caixeiro Antônio Joaquim Rodrigues”, deixou 1 conto de réis e ao caixeiro de sua charqueada,
Jacintho Medeiros, legou 500#000 réis.122 Responsáveis pela venda dos produtos de sua
charqueada, os caixeiros receberam como recompensa por seus serviços valores bastante
elevados para a época. No entanto, este será o único documento encontrado a referir-se a estes
trabalhadores.
3.2.4 Guarda-livros
sua correspondência a seu guarda-livros João da Cunha Pessanha, o qual exercia para ele
diferentes funções, como se lê em uma carta de 1835: “João da Cunha que tome assento
desses recibos e os entregue agradecendo esses favores” bem como em outra correspondência
122
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira A.677, N.41, E.6, Ano 1867. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
135
do mesmo período comenta “João da Cunha vai agenciar a cobrança do que se nos deve,
Domingos José de Almeida do controle direto de seus negócios nas margens do arroio
Pelotas, seu guarda-livros ainda aparece em suas cartas como o responsável, entre outros
parentes e funcionários, pelas negócios de sua casa. Ora realizando cobranças, ora
sociedade onde o endividamento era uma constante. Na maioria dos inventários referentes ao
século XIX na região, a lista de dívidas tanto ativas como passivas eram bastante
significativas. Corsetti (1983) observou que grande parte das fortunas dos charqueadores
123
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
124
Idem.
136
haviam arrolados no total 58 embarcações, sendo que 23 deles dependiam de fretes para
enviar seus produtos pelas vias fluviais, a maioria destes de uma mesma família, a dos
estabelecimentos que eram enviados para os portos de Rio Grande e demais localidades
No comando destas embarcações estava o patrão do iate, que era responsável pela
venda e transporte dos produtos bem como do controle dos escravos marinheiros e calafates.
apresentava perigos como o ocorrido com o patrão do iate Quibebe em julho de 1847. Os iates
Quibebe e Belisário viajavam de Rio Grande para Porto Alegre, estando um muito próximo
Quibebe e violaram sua mulher. Pegos na costa do Pelotas, os três escravos foram executados
Ao que parece estes indivíduos que exerciam a atividade de patrão de iate eram
responsáveis pela embarcação, local onde ficavam estabelecidos regularmente. Nos escritos
de Domingos José de Almeida, em 1836, frente as alterações que ocorriam no período e que o
colocavam em alerta quanto ao perigo de fuga da escravatura, podemos perceber que este
O patrão do iate que ajude também no que puder, uma vez que
estando o iate no porto, como deve estar, não necessita ele andar de passeios
em tal quadra, e que por maneira alguma deixe de dormir a bordo.125
O patrão do iate recebia salário e é possível que, por vezes, também recebesse parte
do lucro dos fretes. O charqueador José Ignácio da Cunha, em 1865, tinha sociedade com o
3.2.6 Oleiros
havia as olarias como importante fonte de material construtivo para as necessárias benfeitorias
novembro, como demonstrou Gutierrez (1993), os escravos eram colocados para trabalhar nas
plantações e retirada de madeira na serra dos Tapes, bem como ocupados com os trabalhos
Pelotas, foram arroladas 23 olarias. As olarias, embora contassem com o trabalho cativo,
trabalhador livre, recebendo pagamento por seu serviço de oleiro. O autor escreve em 24 de
março de 1845,
125
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
126
Inv. Boaventura Ignácio Barcellos. N.253, M.18, E.6, Ano 1846. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
138
Barcellos, escreveu carta em 1837, para Domingos José de Almeida então Ministro da
Fazenda dos farrapos, desculpando-se por não poder auxiliar com dinheiro e escravos a causa
(...) e achando-me nesta ocasião com bastante porção de tijolo feito sem
haver quem compre, sem dinheiro, pois não tenho outro meio lucrativo, e
não havendo neste município pessoa a quem possa pedir emprestado por
estarem dele ausentes os habitantes em circunstâncias de o fazer, bem a meu
pesar me vejo impossibilitado de entrar com o meu fraco contingente a bem
da Pátria, protestando fazê-lo logo que me seja possível. (...)
despesas com sua olaria, incluindo o capataz e escravos. Ele havia alugado o escravo
Florencio para o serviço da olaria pagando a seu senhor, Fermino Alves de Abreu, 30#000
réis. O mesmo havia paga a Joaquim Barcellos, “por seu trabalho na Olaria”, o qual supomos
127
Patacões – um patacão de prata valia 2#000 réis (Hörmeyer, 1986).
128
Onças – uma onça de ouro valia 32#000 réis.(Hörmeyer, 1986).
129
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
130
Idem.
131
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos N.2, M.1, E.28, Ano 1870.2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
139
3.2.7 Professor
gramática, latim, desenho, geometria e francês. Apesar de, desde 1820, ter sido criada a
primeira aula pública de meninos na cidade de Pelotas, esta somente foi aberta em 1833,
embora tenha sido pouco tempo depois fechada devido a guerra civil que ocorria na Província
somente sendo reaberta em 1845132. A primeira aula pública de meninas havia sido criada em
1831 sendo aberta em 1834 e também ficado fechada durante o período farroupilha. No
entanto, algumas famílias mais abastadas dentre os charqueadores que viviam nas costas do
arroio Pelotas tinham em suas casas como agregado um professor para introduzir seus filhos
nas “primeiras letras”. José Félix da Costa vivia às margens do arroio Pelotas em uma casa
nas terras de Domingos José de Almeida, como podemos ver no mapa (Figura ), de quem era
(...), tendo nós a fortuna da companhia de nosso bom compadre José Félix,
que demais dirige nossos filhos queridos; (...).
(...).
Adeus minha querida Bernardina. Abraços a nossos filhos, ao compadre José
Félix e teus pais, lembranças a José Pedro, a teus irmãos, ao compadre
Rolino e a João da Cunha, recebendo tu o coração do
Teu (a) Almeida.133
Durante a Revolução Farroupilha, devido ao fechamento das escolas na cidade, restava ter
um professor em casa para o estudo das crianças. O professor José Félix era compadre de
132
LOPES NETO J.S. p.58.
133
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
140
Domingos José de Almeida e vivia como agregado em suas terras. Era também chamado para
Do mesmo modo, em toda sua correspondência Domingos José de Almeida vez por
outra cita José Félix não somente como professor de seus filhos mas como conselheiro e
auxiliar na administração da charqueada, sempre frisando “(...) e com nosso compadre José
Félix assenta no que deverás fazer (...)”, ou em outro momento “O compadre José Félix e o
Passados alguns anos, em 1842, Domingos José de Almeida convidará João José de
Abreu para o acompanhar sua família em suas mudanças, como professor de seus filhos. João
José de Abreu era professor primário e havia sido, segundo Lopes Neto (1994, p.59), “o
134
Anais do AHRGS, V.3.
141
João José de Abreu assumiu em 1847 a única aula pública que havia na cidade de
Pelotas para meninos na época136. Mesmo que seus filhos homens logo fossem para a cidade
suas lições com um professor em casa, como era costume na época. Em 1843, Domingos
José de Almeida envia seus dois filhos Bernardino e Luís para o Rio de Janeiro “a fim de se
instruírem”. Para tanto, recomenda que junto com os meninos fossem enviadas também
“roupa branca, lençóis, duas jaquetas e um robissão para cada um; (...)” acrescentando “Na
gaveta da minha papeleira tem um programa impresso de um dos colégios do Rio, manda-me
com os meninos.” Para os filhos homens das famílias abastadas havia que investir cedo em
sua educação. No entanto, será o próprio Domingos José de Almeida que liderará um abaixo
pública na região da Boa Vista, onde tinha sua charqueada, para meninas:
Portanto, até este período, aos charqueadores preocupados com a educação de seus
filhos, havia que contratar um professor que, devido as longas distâncias, vivesse de agregado
com sua família. No entanto, as cartas de Domingos José de Almeida foram uma das poucas
135
Anais do AHRGS. Vol. 3, 1978.
136
LOPES NETO, S. op. cit.
137
Idem.
142
referências encontrada sobre estes empregados. Temos notícia também, de que durante os
Gonçalves Chaves, o mestre de suas filhas João Maria Berthet (LOPES NETO, 1994, p.36).
Chaves devia ao professor Carlos R. Laqquintinie, 45#000 réis referentes a quatro meses de
ensino a seu filho Álvaro138. No total o professor recebia 11#250 réis por mês. Carlos André
francesa que haviam em Pelotas e que tornou-se conhecido regionalmente por preparar jovens
em 1822 não havia “mais de três homens formados naturais desta província e quatro meninos
em Coimbra”, sendo que até 1820 havia apenas um aula de Latim em Porto Alegre, no final
do século não havia mais a necessidade de professores agregados nas casas dos
charqueadores. Na cidade de Pelotas já existiam escolas públicas, bem como muitos dos
charqueadores já haviam adquirindo casas dentro da cidade onde seus filhos poderiam iniciar
138
Inv. Antônio José Gonçalves Chaves.N.754, M.45, E.6/25, Ano 1872. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
139
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6/25, Ano 1887. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
143
seus estudos, alguns partindo mais tarde para aperfeiçoá-los em São Paulo, Rio de Janeiro,
Bahia ou na Europa.
3.2.8 Salários
desigual.
casa e comida e pela permissão de uso de uma fração de terra onde pudesse estabelecer sua
família, plantar e criar alguns animais. Embora muitas vezes recebessem salário, como se
evidencia nas fontes documentais do período, o pagamentos destes poderiam ser protelados
Segundo Marques (1987,p.199), os peões da estância ganhavam 10 mil réis por mês
além de casa e comida enquanto que os peões de tropa recebiam 5 mil réis por dia de trabalho.
Em relato do Conselheiro Antônio Manoel Corrêa da Câmara de 1851, baseado nos dados
fornecidos por Domingos José de Almeida, sobre as despesas efetuadas para manutenção de
uma estância, o salário de um peão seria o de 20#000 mensais enquanto que o de capataz seria
de 50#000 mensais (CÂMARA, 1982, p.159). Estes dados possivelmente foram exagerados
estancieiros gaúchos, considerados então por ele como a classe que estava sendo mais onerada
da província.
144
suas dívidas passivas os salários mensais do capataz de estância compreendendo 6#000 réis
Por meio dos inventários dos charqueadores da região do arroio Pelotas no decorrer
do século XIX, organizamos uma tabela com os valores dos salários (ver Tabela 3) referentes
140
Inv. José Pinto Martins. N.114 M.10 E.25 Ano 1827.1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
145
Tabela 3
de campo, capataz de charqueada ou apenas como capataz. Todos eles recebendo salários
variando de 6#400 réis a 50#000 réis, sendo que um capataz de charqueada receberia 16#000.
Os peões poderiam ser diaristas, recebendo 8#000 por dia trabalhado, ou de estância,
146
recebendo de 10#000 a 30#000 réis por mês. Embora a amostra seja muito pequena, parece
que não havia uma uniformidade nos valores. Dependia dos tarefas e das qualidades
indivíduo em meados do século XIX poderia adquirir com 15#000 réis, no caso do salário de
Segundo o viajante Hörmeyer (1986, p.70) a vida do homem do campo era frugal,
para ele “(...) uma garrafa de cachaça, sua cuia de mate paraguaio, seu cigarro de palha e um
churrasco com um pouco de farinha são perfeitamente suficientes para satisfazê-lo quanto as
cavalo, seus aperos, baús e caixas onde guardar sua tralha, uma panela de ferro para cozinhar,
entre outras necessidades básicas da vida doméstica. Para termos uma idéia do custo de
objetos, roupas, alimentos entre outros artigos no século XIX, construímos uma tabela com
produtos e seus valores (ver Tabela 4) retirados dos inventários entre outras fontes do período.
147
Tabela 4
No caso dos peões, que receberiam em média de 10#000 a 15#000 réis por mês,
seria bastante difícil viver em terras e benfeitorias próprias, considerando-se o custo de uma
moradia simples em 1863 no valor de 200#000 que seria 20 vezes o seu salário. Do mesmo
modo adquirir um cavalo, mesmo que comum, que em 1850 valia entre 4#000 e 6#000 réis,
52#000 réis, deveriam ser adquiridos depois de muita economia, se fosse possível. Logo,
viver de agregado em terras e casa alheia parece ter sido condição básica para estes indivíduos
Para os capatazes, que podiam chegar a ter um salário de 50#000 réis, considerando-
se um salário médio de 30#000 mensais, sem casa e terras próprias, era possível ir adquirindo
bois, vacas e cavalos (ver na Tabela 4, ano de 1850), e mantendo sua subsistência com um
ambiente doméstico simples. Com o passar do tempo, somados alguns trabalhos, este
indivíduo ia comprando escravos para lhe auxiliar na lida do campo, escravos estes que eram
então, além de seus aperos de prata, bastante valorizados e sua única propriedade.
151
Do mesmo modo, aos oleiros e outros trabalhadores, devido a suas baixas rendas
demais facilidades como casa, comida e, até mesmo, como no caso dos professores, roupa
lavada. Para estes segmentos, em diferentes escalas, desde o peão até o patrão de um iate, era
notória sua condição de dependência no meio rural, mesmo que transitória, a casa de um
3.3 AGREGADOS
No intuito de observarmos melhor como viviam estes indivíduos e suas famílias que
que havia falecido deixando sua viúva Micaela dos Anjos e um filho141. O casal não possuía
nenhum bem de raiz uma vez que “(...) sempre viveram de favor e agregados em terras do
alferes Pereira Chaves e seu sócio Bernardo Dias de Castro.” (Grifo nosso). Possuíam nestas
terras uma pequena porção de gado (5 vacas mansas, 5 crias das ditas pequenas e 6 bois
pequenas.
Dos objetos que compunham seu ambiente doméstico, o casal teve arrolados apenas
141
Inventário. Francisco Antônio.N.36, M.03, E.25, Ano 1819.Pelotas. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
152
agricultura, uma vez que na lista de seus devedores estava o cirurgião João Nunes Baptista
Recebiam jornais pelo trabalho do escravo Antônio Cassange, que deveria estar em
poder do alferes João José Ribeiro. No entanto, mostrou-se no decorrer do inventário que este
mesmo escravo havia sido vendido pelo novo companheiro da viúva, Francisco Lopes, para
Bernardo Dias de Castro, um dos donos das terras em quem vivam como agregados. A viúva,
marido. Durante o processo de inventário, ela pede então ao juiz que “(...) seja servido mandar
que o capitão do mato juntamente com alguns de seus soldados prendam a meu marido
Francisco Lopes a ordem de V.S. e o conduzam de baixo de [...] incomunicável com pessoa
alguma até chegar a presença de V.S. para responder as perguntas e declarações que lhe
fizerem.”
Esta história termina em 1822 com a partilha para o herdeiro, do qual em nenhum
informando o desfecho do caso, bem como nenhuma referência a estes indivíduos foi
encontrada em outros documentos. Na maioria destes casos, quando as partes são de poucas
observar a situação da mulher pobre frente ao abuso sofrido por parte de novos companheiros
que, muitas vezes, viam nestas viúvas uma fonte fácil de obter vantagens. Outra história
Maria Manoela Botelho tinha sete filhos e estava casada com Appolinário Aranda.
Viviam na região do Paço das Pedras, no termo de Pelotas, em 1860, quando foi realizado o
inventário de Francisco Antônio Barcellos, seu primeiro marido e pai de seus filhos. Havia na
época em sua casa três panelas de ferro, duas mesas, dois baús, três bancos, uma marquesa e
uma cama. Possuíam uma carreta em bom uso e um carretão. No campo tinham 4 bois, 3
cavalos e 10 éguas. Contavam com duas escravas: Henriqueta de Nação, com 55 anos e
Segundo relatou a viúva ao juiz, ao ser dado a inventário os bens de seu primeiro
marido, os objetos: “(...) que ficaram por morte de seu primeiro marido não existem hoje, uns
por terem sido vendidos por seu segundo marido Apollinário Aranda e outros extraviados e
consumidos por debaixo de sua administração (...)”.142 Entre os bens vendidos por seu atual
marido e que pertenciam aos órfãos estavam aperos em prata (1 par de esporas de 52#000, 1
chapeado de 34#000 e rédeas prateadas de 32#000), uma balança romana, dois escravos, 11
A viúva solicitou ao juiz que nomeasse um tutor para defender os interesses dos
órfãos uma vez que “os devedores deste segundo casal estão a fazer penhora dos bens que são
pertencentes ao dito primeiro casal (...).” No momento da abertura do processo, esta mulher,
já casada em segundas núpcias, devia estar viúva de seu primeiro marido há algum tempo, no
entanto somente deu abertura ao inventário dos bens deste uma vez que viu-se na necessidade
de protegê-los dos credores. Portanto, isto parece evidenciar que estes grupos menos
favorecidos, que viviam afastados das cidades, dificilmente realizavam em prazos legais,
quando realizavam, o inventariamento dos bens por ocasião da morte de um cabeça de casal,
mesmo nos casos em que haviam herdeiros menores, como ordenava a lei.
142
Inv. Francisco Antônio Barcellos. N.503, M.33, E.6, Ano 1860. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas.
154
As histórias destas duas mulheres, Micaela dos Anjos e Maria Manoela Botelho nos
permitem ver, mesmo que de forma fragmentada e isolada, a fragilidade das mulheres pobres
no meio rural quando ficavam viúvas e deveriam então, assumir os cuidados e sustento da
casa, no mais das vezes com filhos ainda menores de idade. Nos documentos analisados não
encontramos nenhuma referência a parentes além dos indivíduos que constituíam o núcleo
familiar. Ao contrário, muitas vezes filhos, genros e noras do inventariante estão “ausentes”
ou “em lugar desconhecido”. As mulheres das classes mais abastadas, por outro lado, como se
verá no capítulo seguinte, eram protegidas por toda uma rede familiar, desde recebendo dotes
de casamento e legados nos testamentos de parentes, até por meio dos próprios arranjos
Figura 4), seguindo as margens do arroio, diversas casinhas demarcadas com os respectivos
nomes de seus proprietários. Entre estes encontramos referências de indivíduos que não
faziam parte das famílias dos proprietários. Estes sujeitos viviam agregados em terras dos
charqueadores Antônio Pereira da Cruz, José Teixeira e Joaquim José da Cruz Secco.
Nas terras de Joaquim José da Cruz Secco havia demarcada a casa de Mariano dos
Santos (ver Figura ). A única referência que encontramos deste indivíduo foi a de que era
proprietário de terras na Serra dos Tapes, onde se achava estabelecido em 1819143, época em
que realizou a medição oficial destas terras, das quais havia recebido em 1815 a carta de data.
No ano de 1827, Mariano dos Santos possuía uma morada nas terras de Joaquim José da Cruz
143
Medição. Mariano dos Santos. A.572, M.14, E.7, Ano 1819. 2° Cartório Cível de Pelotas.
155
Secco, sendo que depois desta data nenhum documento a seu respeito foi encontrado, ficando
assim, como em muitos outros casos que aparecem nas fontes, perdida sua trajetória pela
região.
No extrato de título de 1827, aparece também o nome de Antônio Ferreira Fontes que
na época estava estabelecido com casa em terras Antônio Pereira da Cruz, tendo como vizinho
o preto forro Bartolomé Correa (ver Figura 4). Antônio Ferreira Fontes era proprietário de
uma morada de casas cobertas de capim (ou um “rancho coberto de palha” como é descrito
em outra parte do documento) em terras de José Teixeira144. Passados três anos desde então,
em 1830, quando faleceu, possuía uma casa coberta de telhas, forrada e assoalhada na rua do
Pito, na vila de Rio Grande. Segundo seu testamento, Antônio Ferreira Fontes era natural e
batizado na igreja de Nossa Senhora da Piedade da Freguesia da Ponta [Garça] na ilha de São
Miguel, casado com Joana Maria de Souza de quem não tinha filhos.145
Em seu enterro, Antônio Ferreira Fontes pediu que seu corpo fosse “acompanhado
pelas suas irmandades”146, embora sem “repartição de velas com está em costume, digo,
como está em uso”. O testamenteiro está aqui se referindo ao costume da época, segundo Reis
(1997), no qual nos melhores funerais fazia-se uma distribuição de velas para que a cera
nas trevas da morte. No entanto, segundo o autor, as velas que eram bastante caras no período,
atraíam os pobres que vinham aos funerais arrecadar estes preciosos objetos.
O inventariante também solicitou a viúva, como também era costume na época, que
mandasse rezar 28 missas por sua alma, 20 pela de seu pai e mãe e 6 pela do padre José
144
Ver capítulo II, p. 53, Figura 4.
145
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
146
Associação de caráter religioso.
156
Telles. Deixou cortado147 seu escravo Antônio de nação Mina, de 30 anos, sendo que “(...)
meu testamenteiro não poderá vender e logo que ele dê a outra metade de seu valor se lhe
passará a Carta (...).” Para sua esposa deixou 600#000 por “seu trabalho e ventura”.148
Antônio Ferreira Fontes possuía mais duas escravas: Juliana Cabinda, de 50 anos e Josepha,
casal retirava rendas para seu sustento além de outras atividades que Antônio Ferreira Fontes
Nas terras onde vivia Antônio Ferreira Fontes, propriedade do charqueador Antônio
Córdova havia comprado em sociedade com ele, terras na margem do arroio Pelotas, nas
quais possuía benfeitorias. Mais tarde Antônio Pereira da Cruz havia comprado a parte de
Córdova. Em 1849, quando ficou viúvo de sua mulher, Ana Maria do Nascimento, Córdova
vivia na serra dos Tapes em terras de sua propriedade. Na região do arroio possuía então “uma
braças mais ou menos de frente ao arroio Pelotas, oitenta de fundos afunilando com um
pomar(...)” além de um outro terreno no local denominado Estaleiro, próximo ao arroio Santa
Bárbara.150
147
Coartação de escravos – ou deixar cortado - era o costume de deixar o escravo livre do pagamento da metade
do valor total em que fosse avaliado para obter sua carta de alforria.
148
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
149
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
150
Inv. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
157
pastor). Entre seus bens materiais, haviam uma alavanca de ferro, 5 machados, 2 serras, um
serrote grande, uma pá de ferro, 3 foices, 4 enxadas e uma balança de cobre com pesos.
Somados a estas ferramentas havia mais 3 tachos de cobre grandes e uma caldeira de ferro
grande de fazer sabão, sugerindo que ele vivia de suas lavouras, corte de madeira na serra dos
Tapes e carpintaria, além da produção de artigos caseiros. O viúvo possuía também uma
canoa que deveria ser usada nas terras nas margens do arroio Pelotas.151
três mesas com gavetas, outra mesa lisa, três cadeiras de assento de sola, cinco caixas muito
usadas, três tamboretes, seis cadeiras, um armário e uma cômoda muito usada. Possuía
Manoel Rodrigues Córdova tinha três filhas. Rita de Cássia, era casada com João
Botelho. Ana Maria Carolina havia sido casada em primeira núpcias com José Teixeira de
quem havia ficado viúva. Casou-se então em segundas núpcias com José de Medeiros de
Almeida de quem estava separada. Vivia então no estado de “demente” na companhia do pai.
deixando uma neta de 11 meses, chamada Carolina, sob a tutela do avô. O pai da menina,
Caetano Corcino, estava em 1849 preso na cadeia da cidade de Rio Grande fazia mais de um
ano.153
Quase dez anos depois da morte da esposa de Córdova, este já não possuía mais
nenhum bem de raiz. Ao falecer em 1858, contava então com seis escravos, sendo dois deles
com mais de 60 anos e “quebrados”, um escravo carpinteiro, além de três menores. Não
151
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
152
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
153
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
158
foram arrolados em seu inventário os bens de raiz no arroio Pelotas, Serra dos Tapes e
Estaleiro. Estava empobrecido e restava pouca coisa a ser partilhada entre uma filha e uma
neta. Não há nenhuma referência ao local exato onde vivia na região de Pelotas, onde foi
inventariado.154
Outro agregado em terras de Antônio Pereira da Cruz foi Julião José da Silva que
aparece com casa nos mapas do extrato de medição das terras de Boaventura Ignácio
Barcellos, no arroio Pelotas, datado de 1827 (ver Figura 4).155. Embora desconheça-se sua
charqueador. Em 1834, em seu testamento Antônio Pereira da Cruz doou para seu compadre
Julião as terras nas quais ele vivia e possuía benfeitorias às margens do arroio Pelotas. Julião
José da Silva era pai de um menino chamado Antônio, afilhado do testador, para o qual este
deixou 25#600 réis de legado. No entanto, neste mesmo testamento, Antônio Pereira da Cruz
cobrou de seu compadre Julião José da Silva a quantia de 880#000 réis a qual lhe era
devedor. Como em inúmeros casos no período analisado, testar era o momento não somente
de deixar dádivas como também de ajustar as contas com os inúmeros credores e devedores.
Julião José da Silva, compadre de um abastado senhor, recebeu como dádiva as terras em que
Passados dez anos, Julião José da Silva vivia agora em uma casa na cidade de Rio
Grande local onde foi redigido o testamento de seu compadre o português natural da cidade
do Porto, José Domingues das Neves156. Sem filhos ou herdeiros naturais, José Domingues
das Neves, deixa todos seus bens para uma mulher de nome Victoriana Maria da Conceição.
Desta vez, quem se beneficia da herança são as duas filhas de Julião José da Silva. Maria,
154
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova. A.472, M.32, E.25/6, Ano 1858. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
155
Inv. Antônio Pereira da Cruz. N.204, M.14, E.6, Ano 1835.1° Cart. De Órfãos e Prov. Pelotas.
156
Test. José Domingues da Neves. A.228, M.16, E.25, Ano 1844.1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
159
afilhada do testador, recebe como legado de seu padrinho 50 patacões de prata enquanto que
Encontramos pela última vez o nome de Julião José da Silva novamente como
era natural da vila de São José do Norte, morador em uma casa de palha na ilha dos
“(...)uma mulher latina de nome Clementina Rosa da Conceição” os quais declarou seus
herdeiros, embora tão pouco tivesse a deixar. Julião José da Silva era aqui também compadre
sangüíneo ou por compadrio, com o morto. Podia este também representar algum tipo de
autoridade local, até mesmo como proprietário ou patrão do falecido. Neste caso, Julião José
da Silva ou sua família, não receberam nenhum legado do testador, muito provavelmente
devido a extrema pobreza em que se encontrava. Aqui neste caso, parece que era Julião José
dos mapas de terrenos do arroio Pelotas, será o de Joaquim José de Souza Sant’anna, morador
margens do São Gonçalo (ver Figura 7). Joaquim José de Souza Sant’anna era natural da Ilha
de Santa Catarina, havia sido casado em primeiras núpcias com Heliodora Joaquina de Jesus,
núpcias, com Ludovina Joanna de Sant’anna. Para ela deixou em seu testamento sua terça.159
157
Patacão – moeda de de prata que correspondia a 2#000 réis.
158
Test. Antônio Gonçalves de Jesus. A.2010, M.87, E.4, Ano 1864. 1° Cart.de Órfãos e Prov. Rio Grande.
159
Test. Joaquim José de Souza Sant’anna. N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
160
Na época de sua morte, em 1857, já não vivia mais nas margens do arroio. Morava
agora em um lance de casas “com sua pequena cozinha e mais benfeitorias” na rua da Igreja,
na cidade de Pelotas. Possuía também outro lance de casas e mais dois terrenos com cercados
de espinho contíguos.160
Na sua moradia possuía de mobiliário 12 cadeiras com assento de pau, uma cômoda
de jacarandá, 3 mesas, um espelho pequeno, dois bancos, uma caixa de pinho, um armário de
pinho, um baú pequeno, uma marquesa em mau estado, além de oratório com imagens. Sua
tralha doméstica era constituída de 6 colheres de prata para chá, 1 bomba de prata para mate,
3 tachos de cobre, uma bacia de arame, uma chocolateira, duas chaleiras de ferro, um
almofariz, uma bandeja, 6 panelas de ferro, 6 talheres de ferro, dois castiçais de casquinha em
mau estado. Para passeios havia uma carretinha. O viúvo possuía também uma caixa de pinho
com ferramentas de carpinteiro.161 O casal possuía apenas uma escrava que fora vendida no
tempo do inventário.
De seus doze filhos, quatro já haviam falecido na época de seu inventário. Outros
quatro a viúva inventariante ignorava suas residências. Segundo ela, um dos filhos, Joaquim
José “(...) separou-se moço da companhia do inventariado seu pai e até hoje não tem sabido
notícia alguma dele”.162 Esta aparente desagregação familiar deveria significar, no entanto,
que os filhos ao atingirem a idade adulta iam buscar sua sobrevivência em lugares distantes da
casa paterna e materna, partindo cada um para onde houvessem oportunidades de trabalho,
agregando-se em outras terras, alistando-se nas forças militares ou indo para as cidades.
160
Idem.
161
Inv. Joaquim José de Souza Sant’anna.N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
162
Inv. Joaquim José de Souza Sant’anna. N.436, M.30, E.6/25, Ano 1857.1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
161
trabalhadores livres que viviam como agregados em terras do arroio Pelotas ou de suas
proximidades, mostrou-se impossível recuperar mais que alguns anos de suas histórias,
incompletos e invariavelmente estes não encerram-se com a conclusão das causas. Terminam
abruptamente, após um número exíguo de páginas. Sobre estes grupos havia pouco com que
processos burocráticos.
arroio Pelotas, cujas casas foram registradas nos mapas de 1827, como agregados em terras
alheias, não permaneceram naquele local por muito tempo. Joaquim José Sant’anna em 1857
está vivendo com casa na cidade de Pelotas, Manoel Córdova em 1858 não possui mais
propriedades no arroio, Antônio Ferreira Fontes em 1830 está vivendo na cidade de Rio
Grande e Mariano dos Santos, por sua vez, não é referido em mais nenhum documento da
região depois de 1827. Nos documentos referentes a estes agregados acima e aos demais
referidos anteriormente, observamos que eles possuíam em média 4 escravos e alguns poucos
animais de criação. Estes grupos sobreviveriam de seu trabalho como carpinteiros, sapateiros,
da venda de parte de suas plantações de trigo ou o feijão, do aluguel de escravos, entre outras
pequenas atividades.
162
aumentando suas propriedades na área, foram de certo modo expulsando estes moradores que
buscaram na cidade um melhor meio de vida. Após a primeira metade do século XIX, com a
aquisição das terras pela compra, somente quem tinha condições apossou-se destas terras nas
burocratas e para seu abastecimento em produtos agrícolas e demais funções tinham sua
escravaria que em tempo de recesso, nos meses de inverno, trabalhavam nas hortas e pomares,
nas plantações em suas terras na serra dos Tapes, cortando madeira e fazendo pequenos
serviços de carpintaria, olaria, etc. Os novos grupos que porventura vieram a agregar-se em
terras destes charqueadores, passaram despercebidos pela documentação sendo que, como
vimos havia um ferreiro na costa do Pelotas, conforme o testamento do Barão de Butuí, citado
anteriormente, do mesmo modo que haviam diversos outros trabalhadores e agregados dos
quais não foi possível recuperar nenhuma documentação a seu respeito. A grande mobilidade
destes grupos e sua reduzida riqueza material, seriam os principais motivos para a exiguidade
Pelotas no século XIX eram, em sua maioria, de origem portuguesa, provenientes do norte de
eram originários de outras áreas como do litoral sul, no Algarve, da vila de Moura, da cidade
Na margem direita do arroio vivia José Pinto Martins, considerado o precursor das
Pereira da Cruz, havia sido batizado na matriz de São Miguel de Caixeiros, termo de Barcelos
e arcebispado de Braga no reino de Portugal e era vizinho e “(...) amigo de tantos anos (...)”
do padre Antônio Pereira, de quem foi testamenteiro e que havia nascido na vila de Valde
Assumpção, em Portugal. Em terras contínuas às suas, doadas por Antônio Pereira da Cruz à
José Teixeira, vivia de agregado Antônio Ferreira Fontes que, por sua vez, era natural da
163
Test. Ignácio José Bernardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Test. José Pinto
Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
164
Freguesia de Ponta Garça na Ilha de São Miguel. Domingos Soares Barboza, natural da
arroio Pelotas com sua charqueada, onde trabalhavam mais de 50 escravos, após casar-se com
Rasgado.164
O português Antônio José Gonçalves Chaves, bem como seu vizinho e amigo o
estabelecimento cada um. Os demais terrenos desta área do arroio Pelotas foram de
tinha ali sete estabelecimentos. Os irmãos Boaventura, Cipriano e Bernardino possuíam cada
um dois terrenos e Inácio Rodrigues Barcellos um. As demais terras do local tiveram diversos
164
Test. José Domingues das Neves. A.228, M.16, E.25, Ano 1844. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. e Test.
Antônio Pereira. N.147, M.11, E.6, Ano 1831. 1 Cart. Órf. Prov. Pelotas; Test. Antônio Ferreira Fontes.
A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Provedoria. Pelotas; Test. Antônio Pereira da Cruz. N.204,
M.14, E.06, Ano 1835. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
165
Figura 14: Charqueada Santa Rita de Ignácio Rodrigues Barcellos, construída em 1826,
margem direita do arroio Pelotas (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP)
de Braga, Portugal e casado com D. Thereza Francisca da Costa de quem tinha 7 filhos, tinha
Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos. Joaquim Guilherme da Costa era também pai
Em seu testamento deixou de tutor de seus filhos legítimos seu compadre o Barão de
muitos deles nobilitados pelo Império Brasileiro, também em sua maioria, eram de origem
portuguesa. José Antônio Moreira, nascido na cidade do Porto em 19 abril de 1806 e batizado
na freguesia da Sé, fez questão de esclarecer em seu testamento que havia vindo para o Brasil
em 1817 e que era agora um súdito brasileiro.166 Sua fidelidade ao Império, com suas obras
benemerentes e ajudas financeiras lhe havia garantido o título de Barão de Butuí em 1873. Do
165
Test. Joaquim Guilherme da Costa. N.1733, M.86, E.06, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
167
estancieiro, o título de Barão do Jarau em 1888, após contribuir para financiamento dos
conflitos nos quais o Império estava envolvido (MAGALHÃES, 1993, p.120).167 Também na
margem esquerda, além do Barão do Jarau e do Barão de Butuí, dono da fazenda Palma,
tinham suas propriedades o Visconde da Graça, João Simões Lopes; o Comendador Antônio
José de Oliveira Castro; José Maria e Manuel Bento da Fontoura donos da estância do
166
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
167
Test. Joaquim José de Assumpção. N. 595, M.27, E.12, Ano 1851. 1° Cart. Órf. Prov. Rio Grande.
168
Figura 16: Antigo sobrado do Barão do Jarau, Granja da Costa, margem esquerda do
arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000)
doados entre os anos de 1872 e 1888. A maior parte dos agraciados recebeu seus títulos
forma conservadora com que o Império via a questão da emancipação dos escravos. No
entanto para Magalhães (1993, p.119), por trás desta atitude haveria uma “estratégia política
de nobreza a uma parcela de abolicionistas (...) o Império pensava em garantir com isso a sua
fidelidade ao regime.”
Figura 17: Fachada do Sobrado do Barão do Jarau, voltada para a margem esquerda do arroio Pelotas,
frontão com data de 1830. (Foto da autora – 07/12/2000).
núpcias com Joana Maria Bernardina filha de seu vizinho, o também charqueador Manuel
Domingues. Recebeu em 1846 o título de Visconde de Jaguari, devido a sua ajuda econômica
170
ao Império. Do outro lado do arroio somente João Simões Lopes conseguiria galgar o título de
Visconde, em 1876, quatro anos após ter recebido o título de Barão da Graça. No entanto, em
que pese o fato de alguns charqueadores terem sido titulados pelo Império Brasileiro a
maioria dos proprietários das margens do arroio Pelotas, principalmente da margem direita,
Bem próximos dali, nas margens do canal São Gonçalo, possuía sua propriedade um
dos mais ricos comerciantes de carne seca local, o capitão Domingos Rodrigues ou Domingos
Sacramento. Vizinho a ele vivia Custódio Manoel Vieira, natural de São Bartolomeu da
Estaleiro.169
Muitos portugueses que vinham para o Brasil tentar fazer fortuna deixavam em
Portugal sua família como foi o caso de Domingos de Almeida que declarou em seu
testamento ser casado com Francisca da Silva com quem tinha três filhos os quais “viviam
comarca de Aveiro”, pedindo a seu testamenteiro que enviasse à eles sua pequena fortuna que
168
Test. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06, Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
169
Test. Custódio Manuel Vieira Araújo. N.1975, M.87, E.04, Ano 1862. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
170
Test. Domingos de Almeida. N.1684, M.86, E.06, Ano 1860. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
171
No decorrer do período, foram fixando-se nesta área unidos por sua origem e interesses
comuns bem como fortalecendo-se por laços de parentesco por meio do compadrio e dos
casamentos, formando assim uma rede na qual estavam interligados por negócios comuns e
vínculos familiares.
Durante todo o período colonial até meados do século XIX, os casamentos eram a
proprietário de bens ligados a posse da terra, fazia com que estes perdessem muito em termos
econômicos uma vez que no século XIX, principalmente a partir da segunda metade, após a
aspecto econômico, pelo seu significado social. Abandonar o comércio, profissão considerada
menor, para ser um senhor de terra e escravos lhe conferiria uma mudança significativa em
No processo de ocupação das terras ao longo do arroio Pelotas pelas diversas fábricas
de salgar, podemos perceber que a maioria dos casamentos se davam entre indivíduos que
pertenciam ao grupo charqueador, tanto entre proprietários, seus filhos e parentes, bem como
172
dentro das próprias famílias entre tios e sobrinhas e primos e primas. Segundo observou Faria
(1998), a estabilidade produtiva levava a endogamia, fazendo com que se desse preferência
aos casamentos entre primos e vizinhos conceituados. Os primeiros ocupantes das margens do
arroio Pelotas são portugueses ou de filhos de portugueses, muitas vezes vindos de famílias de
outras áreas como Rio Grande, Colônia do Sacramento, Estreito, etc. A partir da segunda
novamente passam a ocorrer alguns casamentos entre filhas e filhos de charqueadores locais
com indivíduos vindos de fora do grupo charqueador, no intuito de trazer nova dinâmica
Almeida, comerciante de mulas vindo de Minas Gerais, instala-se aqui no sul onde casa-se,
mesmo terreno Almeida e Bernardina constróem sua casa, charqueada e demais instalações
documento de 1824, endereçado ao Corregedor Civil na Côrte, onde relata os seus serviços
tanto em terra, como de alto mar por ter embarcações nas mais diferentes Praças” e
Ministério da Fazenda, onde solicitava “isenção de divisas nas matérias primas que necessito
para manutenção da fábrica de velas de sebo e sabão de minha propriedade” (NEVES, 1987).
173
Figura 18: Casa da charqueada de Bernardino Rodrigues Barcellos. Antiga Colônia de férias Mazza,
margem direita do arroio Pelotas. (Foto Klaus Hilbert – 15/06/2000)
filhos de parentes e proprietários locais, sendo que Luis Felipe de Almeida, casou com sua
prima Marcolina Chaves Barcelos que era filha de Joaquim Rodrigues Barcelos e Maria José
Oliveira Guimarães que era filha e neta de proprietários da região. Junius Brutus Cassio de
Almeida casou com Maria Joaquina Lopes filha do charqueador João Simões Lopes, pai do
visconde da Graça. Abrilina Decimanona Caçapavana de Almeida casou com seu primo irmão
Quincio Cincinato Barcelos, filho de Joaquim Rodrigues Barcelos e Maria José Rodrigues
Chaves. Maria Izabel de Almeida casou com Serafim da Costa Guimarães que era filho de
Manoel Portugal Guimarães, vizinho proprietário. Serafim ficou viúvo e casou pela segunda
do Ouro, comarca de Chaves, casou-se com Maria do Carmo Secco, filha de outro
charqueador português José Joaquim da Cruz Secco, de quem teve 10 filhos. Uma de suas
filhas, Marcolina, casou-se com Joaquim Antônio Barcellos, cujas filhas Maria Luíza casou-
se com seu tio João Maria Chaves e Marcolina casou-se com o outro tio homônimo de seu
Figura 19: Casa da charqueada São João de José Antônio Gonçalves Chaves na margem direita do
arroio Pelotas. (Foto da autora – 15/06/2000).
175
Figura 20: Atracadouro da charqueada de Antônio José Gonçalves Chaves nas margens do arroio
Pelotas, em frente à casa. (Foto da autora – 15/06/2000)
A teia de relações entre parentes e vizinhos dentro das famílias Almeida, Barcellos e
Chaves deixa entrever um sistema que se repete ao longo do século XIX em todo o núcleo
charqueador pelotense.
haviam recebido suas terras em troca de seus serviços militares, após galgar as patentes de
alferes, capitão-mor, tenente coronel, etc. nos sucessivos conflitos de fronteira. Estes
somavam suas fortunas e fortaleciam seus laços. Manoel Soares da Silva, sua trajetória e de
sua família na região é exemplo desta fixação e da busca do fortalecimento econômico deste
grupo.
176
O tenente-coronel171 Manoel Soares da Silva era natural de Rio Grande, casado com
D. Clara Soares Barboza, que havia vindo, por sua vez, de Porto Alegre172. O casal possuía 8
filhos, sendo dois já falecidos: Manoel Soares da Silva, homônimo de seu pai, falecido em
1847, com 46 anos173, deixando 3 filhos e D. Joaquina Soares Leivas que havia deixado 9
filhos. Manoel Soares da Silva havia sido proprietário de uma charqueada nos terrenos
próximo ao passo dos Negros, entre as margens do São Gonçalo e a boca do arroio Pelotas.
charqueada legando para seus herdeiros apenas os terrenos e benfeitorias174. Nesta época,
alguns de seus herdeiros já não viviam no local, como sua viúva que, juntamente com
Joaquina Soares, viúva de seu filho Manoel Soares, moravam na Capela do Boqueirão175
enquanto que Ismael, vivia em Bagé. Suas filhas D. Christina Amália casada com João
Gomes Mello, vivia em Rio Grande, enquanto que D. Anna Soares casada com Nicolau
Carneiro da Rocha Menezes, vivia na Província da Bahia. Apenas habitavam ainda na região
três filhas mulheres, que haviam feito casamentos com negociantes locais: D. Clara Soares
que era então casada com o fazendeiro Antônio de Castro Antiqueira, possuidor de 2 léguas
de campo com 500 crias em registro de 1858176, e D. Bernardina Maia casada com o
charqueador Antônio da Silva Maia. A terceira filha, D. Joaquina Soares Leivas, era viúva de
Luiz Gomes Leivas, e tinha 9 filhos. O único herdeiro homem que ainda vivia no local era
171
A hierarquia militar do primeiro Corpo de Dragões era: Coronel, Tenente-coronel, Sargento-mor, Ajudante,
Capelão, Cirurgião, Capitães, Tenentes, Alferes, Sargento ou furriéis, Cabos-de-esquadra, Tambores,
Soldados (MIRCO, 1987).
172
Inv. Manoel Soares da Silva. N.282, M.20, E.25, Ano 1847. 1 Cart. Órfãos de Pelotas. Segundo Rheingantz
(p.331), Manoel Soares da Silva era natural do Estreito e sua mulher de Triunfo.
173
Rheingantz (p.331).
174
Idem.
175
Atual São Lourenço.,
176
Relação dos Fazendeiros Existentes no 3 e 4 Distrito do Município de Pelotas em 1858 - Câmara de Pelotas –
anexos dos ofícios de 24/03/1858 e 09/04/1858, p.227. AHRGS.
177
Todos os filhos de Manoel Soares da Silva haviam recebido algum tipo de dote ao
casar. Os filhos homens receberam um escravo cada um. As mulheres receberam além de
escravos uma parte do terreno nas margens do São Gonçalo, em média com 16 braças de
frente, no lugar denominado passo dos Negros com fundos de 20 braças mais ou menos até a
estrada. Ou seja, o dote de suas filhas correspondia a datas de terras propícias a instalação de
estabelecimentos fabris, fazendo com que, ao associarem-se com outros negociantes locais,
entrassem com parte importante no patrimônio. Com estes dotes, Manoel Soares da Silva
garantiu bons casamentos para suas três filhas com homens da região. Bernardina, Clara e
Joaquina receberam faixas de terras de modo a serem vizinhas, com terrenos confrontantes, o
A herdeira Cristhina foi a única que recebeu parte do terreno que estava sendo
litigado com João Jacinto de Mendonça, que tinha suas propriedades, inclusive, edificadas
nele. Do mesmo modo Ana recebeu em dote apenas dois escravos. Isto por que
provavelmente ela, indo viver com seu cônjuge na Bahia, levaria consigo seu dote. Do mesmo
modo, Cristhina, vivendo em Rio Grande, não faria uso da terra para seu sustento e moradia,
As três irmãs casadas com homens locais receberam as melhores terras de dote,
enquanto os filhos homens necessitariam buscar uma companheira fora da região onde
haveria mais chances de obter um bom casamento. Para tanto levariam consigo seu
status social.
178
Devido a numerosa prole, era difícil fazer com que toda a família permanecesse
agregada em uma única área. Era preciso favorecer os bons casamentos e distribuir os bens de
modo que todos os filhos pudessem principiar uma nova família. Ao casarem com dois
importantes negociantes da terra, Antônio de Castro Antiqueira e José da Silva Maia, as filhas
propriedades nas mãos de um mesmo grupo, a coesão deste mantinha-se, também, por meio
propriedades onde havia um número elevado de escravos e estruturas voltadas para as mais
diversas atividades como olarias, hortas, pomares, vendas, navegação, gados e etc., toda a
serem supridas como alimentação, vestimenta, cuidado dos animais, educação dos filhos, etc.
faziam com que uma diversidade de indivíduos circulassem dentro de cada propriedade com
vínculos com indivíduos tanto dentro como fora da família que permitiam equacionar estes
1994, p.195-206).
escravos e forros, sendo que a tendência era sempre buscar no padrinho alguém com uma
1991).
Para auxiliar na administração dos negócios da casa era necessário contar com a
ajuda destes indivíduos que eram agregados à família por meio dos laços de compadrio.
Contava-se com a ajuda dos vizinhos com quem estabelecia-se laços de amizade e parentesco
por meio dos casamentos entre filhos ou na associação com negócios comuns. O charqueador
José Domingues de Almeida era vizinho e amigo de Antônio José Gonçalves Chaves, de
quem contava com apoio para os negócios de sua casa e charqueada assim como também
contava com seu compadre José Félix, que era professor de seus filhos e vivia estabelecido
em suas terras. Havia ainda outros indivíduos que viviam em suas propriedades como o
charqueador Leão Próspero Chastan, todos estes muitas vezes referidos nas cartas enviadas
por Domingos José de Almeida à sua esposa Bernardina, como podemos observar neste
trecho em que os cita após dar ordens em relação aos negócios da casa: “(...) O compadre
180
José Félix e o amigo Chastan, que em tudo sejam consultados e ouvidos, como também
externos. Muitas vezes os padrinhos foram parentes próximos no intuito não só de garantir a
proteção dos filhos em caso de morte dos pais, homenagear o parente escolhido para padrinho
bem como de preservar as propriedades na medida em que era costume o padrinho doar em
testamento uma soma em dinheiro ou propriedades como legado para seus afilhados.
padrinhos escolhidos para seus filhos. A madrinha de Bernardino Bráulio de Almeida era sua
avó materna Maria Francisca da Conceição; os padrinhos de Luis Felipe de Almeida era
Mascarenhas. João Rodrigues Barcelos foi padrinho de seu sobrinho Junius Brutus Cassio de
Almeida enquanto o outro irmão de sua mãe, Cypriano Joaquim Rodrigues Barcelos era
batizada por ninguém menos que Bento Gonçalves da Silva (NEVES, 1987).
O Barão de Butui, José Antônio Moreira, foi um dos testamenteiros mais generosos da
região, legando em seu testamento dotes para diversos afilhados que variavam de 2 contos de
réis, em geral aos que possuíam laços de parentesco sangüíneo ou eram filhos de outros
indivíduos importantes, à 500 mil réis para os outros filhos de seus compadres. Os afilhados
do Barão que não pertenciam ao primeiro grupo não foram citados pelo nome em seu
testamento mas apenas como “(...) ao meu afilhado, filho de (...)”. Provavelmente o Barão
177
Anais do AHRS, CV –195, vol.3
181
abastadas, sabendo apenas o nome de seus pais, indivíduos com quem mantinha laços de
lista de afilhados a quem deixavam legados demonstrando, na forma como estes eram
identificados, a relação de apadrinhamento e proteção que regia estes vínculos e que lhes
junto a comunidade. O Coronel Anibal Antunes Maciel, filho do Capitão Francisco Antunes
uma das mais ricas famílias da região, deixou em seu testamento para uma “menina de nome
Carolina, que me trata de padrinho, filha do senhor Manuel de Souza e sua mulher”, 20
contos de réis e para “um filho de meu compadre Francisco Moreira da Fontoura e sua
mulher, de nome Belisário, que também me trata de padrinho” também 20 contos de réis
enquanto que para “uma moça de nome Andréa e um irmão desta de nome Manuel, que me
tratam de avô e são filhos de Manoel Soares, já falecido e sua mulher Placidina de Oliveira
em cuja companhia se acham” legou 10 contos de réis a cada um. No entanto, esta situação
não era uma regra geral. O Visconde de Jaguari, Domingos de Castro Antiqueira, rico
proprietário, deixou em seu testamento legados para apenas duas afilhadas que eram
“Eufrasina, filha do falecido Joaquim Dias da Costa” para quem deixou 400#000 réis e
“Genuína, filha de Ferminiano da Costa” para quem deixou um pouco mais, 500#000 réis.179
quatro afilhados e afilhadas, para quem deixam uma soma em dinheiro que poderia variar de
178
Inv. Leonídia Gonçalves Moreira. N.647, M.41, E.25, Ano 1867. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
179
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
182
25#000 réis a 500#000 réis, sendo que muitas vezes estes eram também seus sobrinhos e
sobrinhas.
de que se constituía a vida cotidiana de mulheres, homens e seus filhos, sua tralha doméstica,
enfim, penetrar em parte, coletando fragmentos da vida comum, rotineira, destes indivíduos
que habitaram e construíram o maior pólo charqueador rio-grandense no século XIX. Para
retiramos algumas histórias pontuais que, hora são exemplos de casos rotineiros ora chamam
discutiremos vários aspectos das relações familiares e estratégias do grupo charqueador como
um todo. Por meio da história de três gerações da família Vinhas iremos somando exemplos
região.
183
XIX sobre o arroio Pelotas, aponta o estabelecimento localizado na margem direita, na área
proprietários, e que havia pertencido a João Guerino Vinhas. Mais tarde havia passado, para
seu filho João Vinhas e deste para sua filha casada com seu irmão Pedro Lobo Vinhas.
Faro no Algarve, filho de Manoel Francisco Vinhas e D. Custódia dos Anjos Vinhas. Casou-
se com Mathilde da Silva Vinhas de cujo matrimônio teve cinco filhos: Mathilde Duarte
Vinhas, casada com José Joaquim Duarte Souza; João Vinhas; Boaventura da Silva Vinhas;
Em 1852, época em que realizou seu testamento, João Guerino Vinhas possuía duas
charqueadas: uma no Estado Oriental do Uruguai com casas de vivenda e chácara e outra
onde residia, nas margens do arroio Pelotas, com olaria e casas de vivenda. Possuía ainda
mais dois terrenos na costa do Pelotas, o patacho Paquete Ventura e o iates Cinco de Março,
66 escravos (sendo que haviam ainda dois que estavam fugidos e quatro que haviam sido
vendidos) e um longo arrolamento de bens móveis. Entre seus escravos havia 1 alfaiate, 2
salgadores e 1 marinheiro181.
180
Test. João Guerino Vinhas. N.1650, M.86, E.6, Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
181
Inv. João Guerino Vinhas. N.383, M.26, E.25, Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
184
O terreno onde estava instalada sua charqueada continha “(...) 90 braças de frete
pouco mais ou menos ao arroio Pelotas, e fundos até o logradouro público (...)”. João Guerino
Vinhas havia comprado parte de seus terrenos dos herdeiros de outro charqueador, já falecido,
José Ignácio Bernardes. Este, por sua vez, havia recebido este mesmo terreno em pagamento
de uma hipoteca feita a outro charqueador, José Joaquim da Cruz Secco182. Neste mesmo
senzala, quarto dos peões, escritório, armazém para sal, tafona, olaria coberta de telha e seu
forno, brete de tijolos, cancha, currais, varais (...)”. Anexo a este havia ainda outro terreno de
74 braças de frete ao arroio Pelotas que terminava na estrada da Boa Vista. 183
charqueadores e suas famílias, passam a dividir seu tempo entre as duas residências. Os
charqueadores deveriam permanecer mais tempo nas casas de moradia junto a seus
estabelecimentos nos períodos mais quentes, entre novembro e maio, época da safra quando
era necessário estar atento ao funcionamento do estabelecimento. Nos demais períodos do ano
poderiam dividir-se entre suas casas na cidade, na Serra dos Tapes, suas estâncias e chácaras
(GUTIERREZ, 1999).
182
Idem.
183
Ibidem.
185
então apenas uma porção de terras próximas a cidade situada no lugar denominado Terras
Altas. Oito anos depois, quando os bens do casal são novamente arrolados com o falecimento
da viúva Mathilde da Silva Vinhas, ainda nada havia sido edificado neste terreno e o casal não
possuía casas na cidade, possivelmente vivendo até então somente na casa da charqueada na
margem do arroio Pelotas. No entanto, seu filho João Vinhas, ao falecer em 1867, deixou à
seus herdeiros uma propriedade de casas de uma porta e quatro janelas de frente a praça
Pedro II mais dois lances de casas contíguos de 1 porta e 5 janelas de frente para a rua
Augusta e esquina com a rua 16 de Julho, com algibe e cocheira, e outra de 1 porta e 4 janelas
de frente para a rua Augusta com cozinha e fogão, sala de jantar e demais benfeitorias184.
Após os anos 60 dificilmente uma família charqueadora não possuiria um bem de raiz nas
investimento em propriedades urbanas, não somente como habitação para estas famílias mas
O casal João Guerino Vinhas e Mathilde da Silva Vinhas vivia, em 1854, em sua
casa de morada junto a sua charqueada nas margens do arroio Pelotas. O equipamento de seu
ambiente doméstico era constituído por alguns móveis sendo eles: 5 marquesas, 6 cadeiras, 5
talhas para água. Dentre seus objetos para o serviço de mesa havia uma coberta de louça de
porcelana e objetos em prata constituídos por talheres (12 colheres para sopa, 1 colher grande,
uma para arroz e 12 colheres de chá), 1 paliteiro e 1 salva. Para os passeios da família tinham
184
Inventários: João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas; Mathilde da Silva
Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov.. Pelotas; João Guerino Vinhas.
N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
186
enxadas, pás, uma balança assim como o sal, couros, tábuas e 70.000 tijolos de barro. Para o
transporte das mantas de charque havia uma carreta, 10 mulas de serviço além de seus dois
No inventário dos bens de João Guerino Vinhas, realizado em 1954, foram arrolados
grande número de bens que estavam em poder de sua filha Mathilde e seu esposo na cidade de
Rio Grande onde o casal então provavelmente vivia. Nesta lista há uma grande quantidade de
objetos em prata que sugerem um aparato de jantar e receber bastante refinado. A lista
luzes, 3 pares de castiçais grandes e 1 par destes para piano, 3 bandejas e tesouras de espiritar,
15 colheres de sopa, 1 colher grande, outra para arroz, 24 ditas para chá, 1 trinchante com
cabo de marfim, 2 descansos para o mesmo, 3 paliteiros, 1 cesta de filigrana, 1 caneca e salva
1 leiteira, 2 tigelas186.
Com este arrolamento somente dos bens em prata cedidos a filha Mathilde, podemos
inferir que em sua casa na cidade eram feitas grandes recepções, jantares e saraus ao piano, à
encerradas com café ou chá, tudo com bastante sofisticação. Anos depois no inventário de
sua mãe, em 1862, continuaria em poder de Mathilde e do co-herdeiro José Joaquim Duarte,
185
Inv. João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
186
Inv. João Guerino Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
187
grande parte desta lista de objetos em prata, somadas a ela todos os bens móveis187. Portanto,
os bens de uso cotidiano de seus pais eram de seu uso, provavelmente como um tipo de dote,
O casal possuía em sua casa de morada em Rio Grande, em 1862, móveis e outros
objetos que associados aos apetrechos de prata nos dão uma idéia do luxo de suas recepções e
seu modo de vida cotidiano. Junte-se a tralha em prata para mesa a duas mobílias completas
mesa redonda de meio, somadas a 1 campainha de metal dourado para chamar os serviçais, 1
quebra nozes, 1 mesa elástica de vinhático para jantar, 12 copos de água, 2 garrafas brancas.
Para servir um aparelho de louça azul para mesa mais outro de porcelana para o chá. Ao final
do jantar não poderia faltar o sarau no “piano inglez” onde, sentados com os pés em “um
tapete para sofá”, observariam os “14 quadros de moldura preta” enquanto tomariam o
Observe-se aqui que, dentre os objetos femininos em uma casa que desejasse ter
filhas prendadas, aptas a arranjarem um bom partido, o piano era peça importante no período.
As filhas de charqueadores abastados cedo tiveram acesso a este instrumento que foi uma
1997, p.45) o piano foi uma verdadeira mercadoria-fetiche desta fase econômica e cultural.
No entanto, conforme este autor, até meados do século XIX o piano só entraria em poucos
sobrados do Rio de Janeiro, Recife e Bahia sendo praticamente desconhecido em outras partes
(Idem) e até os anos de 1850 famílias importantes de senhores de engenho baianos não
haviam visto ainda este instrumento (TINHORÃO apud ALENCASTRO, 1997). Aqui na
187
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
188
Idem.
188
região sul, ao contrário, nos lares de abastados senhores charqueadores pelotenses cedo já
encontramos este instrumento fazendo parte de seus bens arrolados em diversos inventários
Cruz Secco, rico charqueador, já possuía um “piano forte”189 enquanto que Francisca
tinha em 1848 um “piano inglês” que estava em poder de José Antônio Moreira, o futuro
Barão de Butuí, viúvo de sua única filha.190 Devido a proximidade com os portos de
muitas vezes proprietários de terras e negócios no Uruguai, adquirirem estes objetos em geral
de origem inglesa. Um piano valia em 1854 por volta de 400#000 réis.191 Mais tarde
aparecerão nos inventários pianos mais sofisticados como o que Henrique Chaves comprou
para sua tutelada Antônia Chaves do comerciante de instrumentos Luiz Leivas para o qual
pagou “por um piano vindo da França” em troca de um outro que havia na casa arrolado como
“1 piano velho e dois bancos”192. Havia que modernizar-se com os novos modelos trazendo
para dentro da mobília doméstica este ítem que representava sofisticação e cultura e servia
para a realização de saraus ponto de encontro dentro do ambiente doméstico dos diferentes
indivíduos do grupo charqueador e demais poderosos da região fazendo do lar local também
de encontros sociais. Na casa de Francisco Anibal Antunes Maciel havia em 1777 um “piano
de cauda em meio uso e branco” que chegava substituindo provavelmente o outro “piano
velho”.193
Sempre atentos ao que estava em moda na Europa e que chegava aos portos do Rio
189
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
190
Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano 1848. 1° Cart. Órfãos e Prov.Pelotas.
191
Inv. Carolina J. da Câmara. N.373, M.26, E.06, Ano 1854. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
192
Inv. João Maria Chaves. N. 1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
193
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
189
de costura que chegavam como novidade vindas dos Estados Unidos e que traziam para as
atividades domésticas das senhoras mais abastadas novas facilidades. As esposas e filhas de
José Ignácio da Cunha em 1865, bem como a esposa de João Vinhas em 1867, a de João
Roballo Barcellos em 1875 e a de Francisco Aníbal Antunes Maciel em 1877 possuíam suas
pertencentes às mulheres que aparecem nos inventários eram os referentes a costura, em sua
maioria costureiros ou caixas de costura, sendo que as mais refinadas possuíam seus os seus
de charão195, havia também os teares nos dos primeiros anos do século XIX, sendo que a
esposa de Antônio dos Santos Coimbra tinha em 1828, um rico dedal de prata.196 Entre os
móveis havia o toucador e para os passeios e idas à missa seus selins bordados em prata, as
A filha de João Guerino Vinhas, Mathilde Duarte Vinhas, havia levado para seu
casamento todos os móveis, louças e prataria. A filha mulher estava garantida recebendo os
bens móveis da casa paterna e materna enquanto que os filhos homens deveriam formar seu
filhos homens mais velhos herdavam as propriedades rurais, visto que lá estavam os meios de
194
Inv. João Roballo Barcellos. N.986, M.46, E.12, Ano 1875. 1 C. Orf. Prov. Rio Grande. Inv. Francisco Anibal
Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Ausentes. Pelotas. Test. José Inácio da
Cunha. N.600, M.38, E.25/6, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
195
Verniz de laca originário da China e Japão.
196
Inv. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
197
Inv. João R. Lima Barcellos. N.124, M.10, E.6, 1828. 1 Cart. O. Prov. Pelotas; Inv. Cecília Rodrigues
Barcellos. A.83, M.7, E.6, Ano 1824. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Joanna Maria Bernardina. N.16,
M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Domingos Rodrigues. N.32, M.2, E.25/06,
Ano 1818. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Eugênia Ferreira da Conceição. N.100, M.09, E.25/06, Ano
1826. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano
1848. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Maria Josefa de Castro Moreira. N.331, M.23, E.06/25, Ano
1851. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart.
Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. José Martins Coelho. A.150, N.11, E.6, Ano 1831. 1°Cart. Órfãos e Prov.
Pelotas; Inv. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Órfãos e Prova.
Pelotas.
190
Vinhas, era casada com outro charqueador José Joaquim Duarte de Souza a quem, em 1847,
ele havia hipotecado todos seus bens existentes na província. No entanto, João Guerino
Vinhas antes de sua morte havia resgatado esta hipoteca, fato que tratou de deixar claro em
seu testamento198. José Joaquim Duarte e Souza possuía uma charqueada no Uruguai em
sociedade199 e também administrava a charqueada de seu sogro. Devido a seus “bons serviços
prestados”, José Joaquim Duarte e Souza recebeu em testamento de seu sogro João Guerino
Vinhas, uma letra no valor de 3:500#000. O genro neste caso entrava na família como
financiador dos negócios do sogro, fazendo empréstimo mediante a hipoteca dos bens deste.
Deste modo, ao realizar-se bons casamentos para as filhas trazia-se também um novo afluxo
administração como nas sociedades. Assim como ocorreu com João Guerino Vinhas e seu
genro José Joaquim Duarte de Souza, o charqueador João Maria Chaves também era sócio de
seu genro Jacintho Antônio Lopes Junior casado com sua filha Maria Salomé Chaves.200
Quando João Maria Chaves faleceu em 1887, seu inventariante solicitou ao juiz que, uma vez
198
Test. João Guerino Vinhas. N.1650,M.86,E.6,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
199
Sociedade com Manoel Gonçalves da Costa
200
Inv. João Maria Chaves. N.1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
191
próprio genro do falecido que continuaria com o negócio, pagando aos herdeiros 1 conto de
réis anuais pelo contrato. A família de Jacintho Antônio Lopes Jr também tinha negócios nas
margens do arroio Pelotas sendo que seu pai, Jacintho Antônio Lopes, era um próspero
charqueador.201
ausência de estabelecimentos de crédito na primeira metade do século XIX, sendo que durante
quase todo este século predominou entre este grupo os empréstimos concedidos por
particulares. Nos inventários, as dívidas à receber e à pagar muitas vezes comprometiam mais
da metade da fortuna, fazendo com que, segundo a autora, além de charqueadores, atividade
considerada na época como agrícola uma vez que estava vinculada a matéria prima animal,
charqueadores aparecem com freqüência nos inventários. A família Barcellos foi uma das que
mais realizou estas transações tendo em vista terem o maior número de estabelecimentos na
região. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos que havia sido sócio na charqueada do Capitão
201
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
202
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos. N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
192
seus herdeiros entregaram sua charqueada como pagamento de dívida a seus credores “(...)
tendo todos estes credores feito venda de suas partes a Joaquim Guilherme da Costa (...)”, que
Figura 21: Portal de entrada da charqueada do Barão do Arroio Grande, Francisco Gomes da Costa.
Fonte: Acervo fotográfico do Museu da BPP.
Em 1856 quando Albana dos Santos Barcellos faleceu deixando Boaventura da Silva
Barcellos com 8 filhos pequenos, o viúvo teve de arrendar sua charqueada para Delfino
Lorena de Souza por 3 anos. Ficou de fora do arrendamento o sobrado no qual continuou
residindo com sua família e escravos embora o contrato permitisse também que alguns
203
Inv. Boaventura Rodrigues Barcellos. N.409, M.28, E.6, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
193
quartos da casa fossem ocupados pelo arrendatário. Delfino Loreno de Souza pagaria pelo
Outro charqueador da região Joaquim José da Cruz Secco juntamente com sua
mulher, hipotecaram sua charqueada nas margens do arroio Pelotas, com todas as
Bernardes por 7:262#850 réis. O desembargador Joaquim José da cruz Secco, que no ano da
morte de sua mulher, tinha 20:698#389 réis para receber de devedores ao mesmo tempo devia
um total de 47:266#577 réis.205 Não conseguindo saldar sua dívida teve a propriedade
entregue e depois vendida pelos herdeiros de Ignácio José Bernardes para outro vizinho.206
fez João Guerino Vinhas à seu genro, ou até mesmo tiveram de entregá-los em pagamento de
dívidas com outros negociantes. Tanto as hipotecas, arrendamentos e vendas, bem como os
As dívidas dos Vinhas eram todas de elementos da própria família envolvendo seus
negócios. O pai, por exemplo, devia ao filho João Vinhas por uma letra creditada ao casal de
25:519#703, pagas pela viúva no acerto do inventário, assim como Boaventura da Silva
Vinhas, que devia a herança de seu pai uma letra firmada em 22:129#533, e Guerino da Silva
Vinhas que devia 152#740 réis bem como o genro José Joaquim Duarte de Souza, que devia
ao sogro 154#000 réis. O mesmo ocorria no caso do charqueador Jacintho Antônio Lopes que
possuía poucas dívidas passivas sendo a maior parte das dívidas ativas de elementos da
204
Inv. Albana dos Santos Barcellos. N.406, M.28, E.25, Ano 1856. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
205
Inv. Thereza Angélica de Sá. N.126, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
206
Inv. Ignácio José Brnardes. N.421, M.17, E.12, Ano 1838. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
194
família, sócios da Lopes e Cia., empresa pertencente a seus filhos e a seu genro que haviam
lista de devedores e credores que em sua grande parte eram vizinhos proprietários, fazendo
com que todos devessem algo a todos formando uma rede de dependências e vínculos
comerciais entre eles. A família Vinhas aumentou sua fortuna com as dívidas ativas de
pessoas que haviam feito empréstimos, negócio cujos lucros chegavam a 56:396#949 na
2#160, Ignácio Antônio da Silveira; 37#500 réis; Manoel Soares da Silva, 502#170 réis e José
Martins Coelho, 111 #602 réis, entre outros moradores da região. Eram devedores do casal
vários parentes de Joana Maria Bernardina, inclusive seu pai Manoel Domingues com um
débito de 994#380 réis. Deviam também seus parentes Luciano dos Santos Domingues,
329#635 réis, João Domingues, 30#200 réis, Veríssimo dos Santos Domingues, 55#240 réis,
Castro, em 1848, diversos charqueadores vizinhos, entre eles: Antônio Gonçalves Chaves,
207
Inventários: João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas; Mathilde
da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas; João Guerino
Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cartório de Órfãos e Provedoria. Pelotas.
208
Inv. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
195
121#892 réis; Boaventura Rodrigues Barcellos, 98#730 réis; José Ignácio Bernardes da Costa
Rodrigues Barcellos, 2:017#000 réis; Antônio Antunes da Porciúncula Costa, 4:800#000 réis;
João Rodrigues Barcellos 5:665#250 réis; Domingos Soares Barboza, 24:184#163 réis,
Domingos José de Almeida, 6:827#860 réis; José Pereira da Silva Brites (herdeiro de Eugênia
Entre os charqueadores havia muitas vezes a necessidade de pagar por serviços como
a compra e envio de gados para o abate, o pagamento de fretes nas embarcações que levariam
estabelecimentos, formando-se diferentes laços de dependência entre eles. José Pinto Martins
devia, em 1827, o pagamento de 184#000 réis pelo costeio de gados para sua charqueada e
frete de seus produtos feito por Joaquim José da Cruz Secco. Devia também, pelo costeio de
sua charqueada, 62#000 réis a Boaventura Rodrigues Barcellos.210 Portanto, era grande a
período. Frente a isto, também era grande a instabilidade econômica necessitando criar formas
Embora seu genro fosse também administrador e charqueador, João Guerino Vinhas
teve o cuidado de deixar de herança para sua única filha mulher, Mathilde Duarte Vinhas, 4
209
Inv. Francisca Alexandrina de Castro. N.293, M.21, E.06/25, Ano 1848. 1° Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
210
Inv. José Pinto Martins. N.1607, m.85, E.06, Ano 1827. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
196
contos de réis cuja quantia, salientou em seu testamento que “(...) sendo-lhe designada em
bens serão estes isentos de qualquer responsabilidade de dívidas ou fianças já contraídas por
seu dito marido ou que depois contrair (...)”.211 O pai procurava com isto não somente deixar
um benefício para proteção futura de sua filha como a resguardar dos perigos e vicissitudes
estabelecimentos. Era preciso proteger as mulheres de uma sociedade que vivia em constante
instabilidade.
Conselheiro do Império, proprietário de uma grande fortuna e cuja filha havia casado com o
Barão de São José. Em suas disposições procurou garantir os bens deixados para suas filhas
A preocupação dos pais, que legavam bens avultados para suas filhas, com a
possibilidade da posse destes por seus genros fica evidente nestes dois testamentos. Os genros
muitas vezes também proprietários charqueadores poderiam vir a fazer uso destes valores para
salvaguardar seus negócios em detrimento da filha beneficiária que deixaria de ter este dote
para seu sustento em caso de viuvez ou divórcio. As disputas entre genros com sogros, sogras
211
Test. João Guerino Vinhas. N.1650, M.86, E.6, Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
212
Test. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
197
e cunhados nas partilhas não eram pouco comuns como veremos mais adiante, apresentando-
se deste modo muitas vezes como uma ameaça ao patrimônio herdado pelas filhas destes
senhores.
solteiras ou que eventualmente pudessem ter algum problema que as impedisse de realizar um
bom casamento. Antônio dos Santos Coimbra tinha uma filha chamada Francisca que havia
ficado viúva para a qual, após ajudar todos os filhos com dinheiro “para sua precisões”, pediu
que estes dessem prioridade a ela para ficar com um terreno de capoeiras e matos na costa do
arroio Pelotas onde havia um moinho d’água e algumas árvores de frutos, garantindo assim
sua auto-suficiência. Declarou ainda que se “algum dinheiro que se tem a chegar a meu poder
ficará logo no poder da minha filha Francisca213.” Francisca, casou-se novamente mais tarde
com Manuel Antônio Pereira. Sua irmã, por sua vez, era casada com o importante
arranchados. Quando Antônio Pereira da Cruz faleceu, deixou em seu testamento para sua
cunhada Francisca o terreno em que vivia na costa do Pelotas onde tinham além da casa de
e porto de embarque “visto lhe seja preciso para seus embarques e desembarques”.214
Assim como Francisca diversas filhas, tias e irmãs viúvas foram amparadas com
legados nos testamentos. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos deixou em testamento para
sua cunhada Felisbina, viúva de Francisco Azevedo e Souza e para Micaela, viúva de seu
215
cunhado Manoel Rodrigues Barcellos, 200#000 réis para cada uma. Boaventura da Silva
213
Test. Antônio dos Santos Coimbra. N.119, M.10, E.06/25, Ano 1828. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
214
Test. Antônio Pereira da Cruz. N.204, M.14, E.06, Ano 1835. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
215
Test. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos. N.1863, M.88, E.06, Ano 1878. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas
198
Barcellos deixou para sua filha mais velha Cecília deixou 500#000 e para sua tia viúva
Micaela Rodrigues Barcellos, 400#000 réis.216 A viúva Eugênia Maria da Conceição apesar
de ter 7 filhos, deixou metade de sua Terça para sua filha Genoveva que era viúva além disso
legou um terreno de 5 braças de frente com 50 de fundos para sua afilhada Ignácia da
Costa.217
Havia nos testamentos femininos uma nítida vontade de ajudar suas congêneres
deixando legados para outras mulheres tanto pertencentes a sua família como de fora dela.
Ana Maria Bevilagua, falecida em 1865 solteira e sem filhos, legou em testamento para uma
prima “Lucinda, viúva de José de Tal” 50#000 réis e para outra prima Custódia “solteira, filha
218
de José Custódio” deixou também 50#000 réis, entre outros legados. Do mesmo modo a
viúva Balbina Maria Chaves da Silveira, que não havia tido filhos, deixou para sua cunhada
Maria Cesárea da Silveira Marins 1 conto de réis além de sua mobília, oratório e objetos de
uso diário.219
impedisse de realizar casamento também teriam de ser amparadas por pais e irmãos. O
Tenente José Gonçalves da Silveira Calheca tinha uma filha chamada Umbelina de 23 anos
que era aleijada e estava solteira, a qual instituiu como sua herdeira determinando que o
remanescente desta deveria ser “no lugar da Olaria” salientando também que era de sua
vontade que “se convencione minha herdeira com os mais para viverem juntos.”220
216
Test. Boaventura da Silva Barcellos. N.1716, M.86, E.06, Ano 1864. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
217
Test. Eugênia Ferreira da Conceição. N.100, M.09, E.25/06, Ano 1826. 1°Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
218
Contas de Test. Anna Maria Bevilagua. N.2008, M.92, E.26, Ano 1865.1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
219
Test. Balbina Maria Chaves da Silveira. N.1042, M.59, E.06, Ano 1886. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
220
Test. José Gonçalves da Silveira Calheca. N.56, M.5, E.06/25, Ano 1820. 1°Cart. Órfãos e Prov.
199
em garantir o futuro de suas duas filhas solteiras, Marcolina e Maria Luíza, lhes deixando 5
contos de réis além de “1 par de bichas de brilhantes para cada uma”. Para seu único filho
homem deixou seus objetos de uso pessoal e jóias. No entanto, as suas 4 filhas, solteiras e
casadas, dividiram entre si a sua Terça.221 Da mesma forma Francisca Alexandrina de Castro,
preocupou-se em garantir dote para uma sobrinha órfã ou seu futuro caso não arranjasse um
Com suas netas Francisca e Cândida teve a mesma preocupação legando à elas
200#000 réis para cada uma que no entanto, deveriam ser “metidos na Caixa Econômica do
rendimentos logo que se casem ou emancipem” por seu testamenteiro. Entre os demais
legatários de Francisca Alexandrina de Castro haviam ainda duas sobrinhas e uma irmã para
quem deixou a cada uma 400#000 réis; duas afilhadas e um cunhado para os quais deixou
200#000 réis para cada um; um afilhado, José Baptista de Oliveira e Silva, para quem deixou
300#00 réis; sua filha única D. Maria Josefa, para quem deixou 2 contos de réis mas que veio
a falecer antes dela. Os remanescentes de sua Terça deixou para seu marido223.
221
Test. João Maria Chaves. N. 1082, M.61, E.6, Ano 1887. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
222
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
223
Test. Francisca Alexandrina de Castro. N.1861, M.86, E.4/13, Ano 1859. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
200
também em deixar esmolas para assuntos religiosos e para caridade, aos seus afilhados e
compadres, bem como libertar escravos. As mulheres aparecem nos testamentos como as
maiores beneficiárias de legados denotando a fragilidade destas nesta sociedade. Havia uma
grande preocupação como o futuro de tias, irmãs e filhas viúvas, bem como com o futuro de
testamento, escrito em 1856, em libertar 3 escravos, legar 200#000 réis para a Santa Casa,
instruir sobre seu enterro e, principalmente, deixar dotes para as mulheres da família. Para sua
irmã D. Ana Rodrigues Barcellos deixou 200#000 réis a serem pagos em 4 prestações anuais
de 50#000 sendo que, na falta desta este valor passaria para sua filha que era sua sobrinha e
afilhada. Do mesmo modo deixou para a sua cunhada Maria Isabel 1 conto e 200 mil réis a ser
recebido em prestações anuais de 120#000 e na falta desta reverteria para sua mulher e um de
seus filhos. Boaventura Rodrigues Barcellos deixou também 600#000 réis para suas 4 netas.
Parece que o Comendador ao parcelar os legados de sua irmã e cunhada, tentava garantir que
este dinheiro doado não fosse gasto de uma vez, sendo recebido como um auxílio anual
O Barão de Butuí, José Antônio Moreira, cuidou em deixar de herança legados para
duas primas que viviam na cidade do Porto, em Portugal, no valor de 200#000 réis para serem
enviados em moeda de Portugal a cada uma.224 Mesmo distantes, os parentes que haviam tido
sucesso aqui no Brasil ajudavam seus familiares do outro lado do Atlântico, podendo assim
224
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
201
Antônio Rafael dos Anjos, rico proprietário de terras na região, era filho do Coronel
Antônio Francisco dos Anjos e de D. Maria Micaella do Nascimento e havia sido casado com
D. Thereza Angélica Braga dos Anjos de cujo consórcio não houve filhos. Ao aproximar-se
da morte redigiu seu testamento onde deixou para diversas mulheres de sua família os
seguintes legados:
sobrinho, chamado Emílio, recebeu 100#000 réis de herança. Embora os homens recebessem
legados nos testamentos, apareciam em menor número e, em geral, quando beneficiados eram
4.3.5 A Terça
O testamenteiro poderia dispor livremente da terça parte dos bens que lhe cabiam no
casal. Muitas vezes os remanescentes da Terça, ou seja o que restava após feitas as
225
Contas de Test. Antônio Rafael dos Anjos. N.2126, M.93, E.06, Ano 1880. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
202
disposições testamentárias a cerca de enterro, missas, legados etc, eram oferecidos a esposa
ou marido sempre acompanhados de uma justificativa que, em geral, referia-se aos cuidados
tidos com o moribundo em sua vida e suas doenças. João Roballo Barcellos justificou que
“sendo sempre tratado com carinho [sic] minha mulher Maria Carolina Barcellos tanto na
minha saúde como nas minhas enfermidades das quais estive por 2 vezes a morte [sic] disso
lhe deixo minha terça.”226 Do mesmo modo Antônio Ferreira Fontes, agregado em terras de
José Teixeira, deixou em 1830 para sua esposa 600#000 réis de sua Terça por “seu trabalho e
ventura”.227 Antônio José Gonçalves Chaves, por sua vez, havia feito contrato de casamento
com sua esposa no qual lhe devia 20 contos de réis por escritura de arras. No entanto, pediu a
seu testamenteiro que lhe entregasse também mais 10 contos de réis e dois escravos “em sinal
de meu amor e reconhecimento pela afeição e extremo em que me tem tratado” 228O Visconde
de Jaguari deixou para sua segunda mulher todos os remanescentes de sua Terça “em atenção
do muito que me tem tratado nas minhas moléstias, estimação e zelo com que tem usado com
meus filhos.”229
As mulheres também deixavam para seus maridos zelosos parte de sua Terça como
fez Joana Maria Bernardina em 1810 que deixou-a para Domingos de Castro Antiqueira “(...)
Em seu testamento, João Guerino Vinhas deixou sua terça para sua esposa pedindo
que, caso ela viesse a falecer sem usufruí-la que o valor desta passasse para suas netas. Em
1862, ao falecer, Mathilde Vinhas Lopes deixou o valor integral de seu legado para suas netas
226
Test. João Roballo Barcellos. N.986, M.46, E.12, Ano 1875. 1 C. Orf. Prov. Rio Grande
227
Test. Antônio Ferreira Fontes. A.144, M.11, E.25, Ano 1830. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
228
Test. Antônio José Gonçalves Chaves. N.1791, M.87, E.06, Ano 1871.1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
229
Test. Visconde de Jaguary. N.348, M.24, E.06/25, Ano 1852. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
230
Test. Joanna Maria Bernardina. N.16, M.1, E.6/25, Ano 1810.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
203
charqueada, que totalizavam 4:185#462 réis da terça deixada por seu avô231.
Silveira de Ávila que tinha 9 filhos de dois casamentos, deixou para o primogênito de seu
segundo casamento, Tito, sua Terça alegando que fazia isto “em atenção aos muitos e
repetidos benefícios que ele para comigo tem despendido.”232 Do mesmo modo Ignácio
Rodrigues Barcellos deixou sua Terça para três de seus filhos, Eleuthério, Boaventura e Luís,
em detrimento dos outros, justificando que estes eram “(...) os filhos que mais o tem muito
cuidado.”233 O Coronel Anibal Antunes Maciel, dono de uma grande fortuna legou em 1874 o
excedente de sua Terça para seus filhos Francisco Anibal Antunes Maciel e José Anibal
Antunes Maciel uma vez que no seu entender os dois haviam sido os filhos que, segundo ele,
negócio que envolvia e sustentava toda a família, elegiam os filhos que estavam diretamente
ligados a atividade, em geral os filhos mais velhos, privilegiando-os com a Terça, que poderia
alcançar valores bastante altos conforme a fortuna do falecido e que os manteria como cabeça
231
Inv. João Guerino Vinhas. N.383,M.26,E.25,Ano 1854. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
232
Test. Manuel Silveira de Ávila. N.1700, M.86, E.6, Ano 1862. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
233
Test. Ignácio R. Barcellos. N.554, M.36, E.25/6, Ano 1863. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas
234
Test. Anibal Antunes Maciel. N.1814, M.87, E.6, Ano 1874. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
204
Havia sempre o risco de contendas entre os herdeiros sendo que muitos chefes de
dos negócios, tomava medidas precautórias em seus inventários. Para evitar disputas entre os
Declaro que com todos os meus filhos e genro estou justo de contas
no que respeita ao que com eles tenho despendido e dádivas que lhes tenho
feito até o presente e por isso não poderão em caso algum questionar entre si
diferenças e valores ou reclamar direitos, excluindo-se por essa razão tudo
quanto se pretenda em contraposição a esta minha declaração que quero se
cumpra (...)235
charqueada na costa do Pelotas havia sido registrado em cartório em nome de seu filho João
Vinhas. Este fato havia ocorrido porque, segundo o pai em seu testamento, o terreno em que
havia a charqueada
(...) sendo por mim mandado comprar por meu filho João Vinhas,
este por equívoco e manifesta ignorância, fez passar o título de venda em seu
próprio nome e assim esteve até o dia vinte e seis de maio próximo passado
em que por prevenção e para evitar dúvidas futuras declarou conveniente
com sua mulher, o referido equívoco e engano por escrito particular
devidamente autenticado, cujo documento existe em meu poder para
corroborar esta declaração e desvanecer qualquer interpretação forçada e
menos justa que por ventura se quisesse dar por meu falecimento (...)236
O filho varão mais velho, João Vinhas, havia registrado a charqueada da costa do
Pelotas em seu nome, por “ignorância”, segundo o pai. Na verdade, João Vinhas era sócio de
235
Idem
236
Test. João Guerino Vinhas. N.1650, M.86, E.6, Ano 1854. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
205
seu pai no negócio da charqueada na costa do Pelotas e, possivelmente, bom comerciante pois
inviabilizar a charqueada enquanto empresa familiar. Isto porque era preciso manter terras,
O mesmo ocorreu com o charqueador José Inácio da Cunha que havia realizado em
vida diversas doações a seus filhos. Em seu testamento José Inácio da Cunha fez questão de
dispersando a família e seu patrimônio. O testador havia dado ainda em vida para suas três
filhas escravos, sendo que Umbelina, já falecida havia recebido 2 cativos, Maria Praxedes 3 e
Arminda 4 escravos. Dividiu também um terreno no arroio Sta. Bárbara entre os filhos
Possidônio e Felisberto e o genro Felisberto Gonçalves Braga. Havia também sido sócio de
seu filho Possidônio em diversas transações. Eram sócios ainda na estância do Serro feio, na
qual seu filho tinha a metade de tudo e na da Palma, na qual Possidônio era sócio nos animais
“que existem com a marca desta fazenda”. Possidônio Mâncio da Cunha era seu filho mais
206
velho e mais tarde tornou-se Comendador e charqueador no Cascalho. José Inácio da Cunha
auxiliava também o neto Carlos que era órfão de pai e mãe o suprindo “com uma mesada para
José Antônio Moreira, Barão de Butuí também teve a mesma preocupação quando
solicitou a seus filhos maiores que “depois do meu falecimento façam às vezes de bons irmãos
para com os seus menores” pedindo também que “(...) aos meus herdeiros que se por ventura
tiverem alguma dúvida entre si, seja esta decidida por árbitros idôneos e nunca por justiça.”238
começarem brigas e disputas pela herança por parte dos filhos e demais herdeiros. Os pais que
ficavam viúvos tinham que enfrentar muitas vezes os próprios filhos, na disputa pelos bens
para não perder seus meios de sustento e sua fortuna. Os filhos poderiam representar neste
momento uma ameaça a manutenção do patrimônio familiar. Da mesma forma todos tinham
questões comerciais a resolver no momento da partilha uma vez que, cedo, já viviam destes
mesmos bens e tinham seu ofício e sustento muitas vezes dependente do negócio familiar.
Uma briga entre pai e filho deu-se na disputa pela herança deixada por Carolina da
Câmara Barcellos. O viúvo Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos foi questionado por seu
filho mais velho, Catão da Câmara Barcellos, a cerca do inventariamento dos bens
considerando que havia erros intencionais nele. O pai responde as acusações do filho em juízo
dizendo
237
Test. José Inácio da Cunha. N.600, M.38, E.25/6, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
238
Test. José Antônio Moreira. A. 677, N. 41, E.06, Ano 1867. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
207
(...), mas fique o herdeiro bem tranqüilo de que jamais será gravada
a sua herança por essa lacuna; porque como pai extremoso por meus filhos
procuro desempenhar meus deveres e com sacrifício de meu repouso para
que seja vizinho [sic] o seu futuro. 239
brigaram com a madrasta no inventariamento dos bens de seu pai, fazendo com que acabasse
por ocorrer mais de uma sobrepartilha. Os filhos Franklin e Washington acusaram a madrasta,
órfãos denunciavam:
Somente após uma longa disputa o inventário foi encerrado. O mesmo ocorreu em
1847 quando Boaventura Ignácio da Silva Barcellos por cabeça de sua mulher D. Estela de
Lima Barcellos, embargam a partilha dos bens de Boaventura Inácio Barcellos reclamando
esta ser “desigual, injusta e lesiva” e que um dos herdeiros, Israel, havia ficado apenas com
239
Inv. Carolina J. da Câmara. N.373, M.26, E.06, Ano 1854. 1 Cart. Orf. Prov. Pelotas.
240
Inv. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos. N.2, M.1, E.28, Ano 1870. 2 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
208
bens de raiz (no arroio Pelotas e na Serra dos Tapes) e que o terreno havia sido dividido de
Até mesmo Domingos José de Almeida, durante a partilha dos bens de seu sogro
Bernardino Rodrigues Barcellos envolveu-se em litígio com sua sogra Maria Francisca da
Conceição Barcellos. Domingos José de Almeida como cabeça de casal de sua mulher
O litigante estava sugerindo que havia alguém dentre os herdeiros que estaria
apelar ao juizado contra sua sogra, Jeremias Soares da Silva como cabeça de sua mulher D.
Francisca Soares Barcellos, irmã de Bernardina, já haviam entrado com uma petição ao juiz
o seqüestro dos bens e indicação de outro inventariante.242 Portanto, ao que parece a disputa
pelos bens deixados por Bernardino Rodrigues Barcellos também envolvia vários segmentos
da família.
241
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, Ano 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
242
Inv. Bernardino R. Barcellos. N.430, M.29, E.06, Ano 1857. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
209
por João Vinhas em seu nome, os problemas envolvendo a herança de João Guerino Vinhas
não ficaram apenas na confusão do filho sócio. As disputas entre os herdeiros pelo patrimônio
deixado pelo pai iam mais longe. A viúva pediu em ofício ao juiz, em 1854, que seu filho
Guerino da Silva Vinhas que estava ausente no porto da cidade do Recife em Pernambuco,
onde servia na Barca Nacional Itamaracá, fosse considerado pródigo. Mathilde da Silva
Vinhas argumentou que seu filho “(...) por seus, infelizmente, constantes desregramentos tem
prodigalidade e incapacidade (...)”243 e portanto solicitou que lhe fosse fornecido um curador
para administrar seus bens. O juiz considerou que o réu “(...) Guerino da Silva Vinhas sob a
perniciosa influência de uma embriaguez habitual, gasta desordenadamente seus bens (...) não
tendo (...) discernimento para se corrigir (...) seja citada sua mãe (...) a fim de ser instituída
curadora (...).”244
pronunciou em carta ao juiz defendendo-se das injustiças que supostamente estava até então
sofrendo de seus familiares, mãe e irmãos. No ofício endereçado ao juiz curador seu
procurador argumentava
A decisão de despachá-lo para longe e vetá-lo de ter acesso aos bens da família que
lhe eram de direito foi tomada com a morte do pai que, em momento algum de seu
testamento, refere-se ao filho como pródigo ou de forma a diferenciá-lo dos outros, retirando-
lhe algum direito. Ao que parece a decisão foi da mãe e do irmão João Vinhas, futuros
Se Guerino era em verdade pródigo naquele momento não sabemos mas, anos
depois, com a morte da mãe, ele reivindicou seus direitos, embora não tenha sido atendido e
seu irmão João Vinhas foi então instituído seu novo curador. Segundo Guerino defendeu-se,
Supostamente Guerino da Silva Vinhas fora largado a própria sorte, doente e com
uma pensão no valor do salário de um peão. Segundo seu procurador a parte na charqueada de
Guerino não estava sendo arrendada por seu irmão João Vinhas, a fim de coletar os
245
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25, Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
246
Idem.
211
Importante salientar aqui que o irmão citado no ofício ao juiz, chamado Boaventura
da Silva Vinhas que, ao passar por Pernambuco, fora lhe entregar uma mesada, havia recebido
qual, segundo o testador, Boaventura tinha especial interesse. Deste modo, supõe-se que
deveria estar em Pernambuco devido a ser este, juntamente com o Rio de Janeiro, um dos
principais portos para onde eram enviados as mantas de charque para comercialização.
familiar após a morte de seu pai, Boaventura ficou com parte do terreno no Uruguai e o
paquete. Do mesmo modo sua irmã, casada com charqueador, ficou apenas com parte no
terreno no Uruguai. João Vinhas já era sócio e proprietário de sua parte nas terras da
charqueada do arroio Pelotas e somente sua mãe, Pedro Lobo e Guerino, o pródigo, herdaram
partes da charqueada no Pelotas. Mais tarde, Pedro Lobo venderá sua parte, ainda dentro do
inventário, para investir em gados que, segundo argumentou ao juiz (uma vez que era ainda
apenas emancipado por suplemento de idade, sem ter chegado a idade legal) nesta época já
tratasse com criação247. Portanto, um irmão era sócio da mãe na administração da charqueada,
um cuidava da parte de navegação, outro de gados para custeio. A única irmã havia feito
Voltando ao caso de Guerino, após este ofício, parece que seu irmão João Vinhas
pretendia vender partes dos bens e, finalmente, arrendar outras, enviando o dinheiro para os
cofres da Tesouraria, quando foi então requerido seu impedimento e a cessação da curadoria.
247
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas.
212
pertencente a uma das maiores famílias charqueadoras da região, não permitiu a liberação de
curadoria justificando não constar que o suplente tivesse melhorado o seu procedimento de
modo a poder assumir seus bens e “(...) que nada se deveria conceder antes de achar-se
Neste mesmo ano de 1863 seu irmão João Vinhas, justificando ter de ir à Campanha
tratar de negócios, pediu a liberação da curadoria. A partir daí Guerino teve como curador o
Tenente Coronel Eliseu Antunes Maciel, de família charqueadora. Neste momento, passou a
obter seus direitos nos juros vencidos, em mesadas, etc. Quatro anos depois, em agosto de
1867, seu novo curador Prudêncio José da Silva, comunicou ao juiz o casamento de Guerino:
“(...) consta-me que o pródigo Guerino da Silva Vinhas de quem sou tutor, tomara estado com
uma mulher com quem ele vivia amasiado nesta cidade, cujo consórcio dizem-me que tivera
juízo e discernimento para administrar seus bens, sendo na mesma sentença ordenado que lhe
entregassem tudo que lhe pertencia de direito.250 Coincidentemente ou não, nesta mesma data,
seu outro irmão Pedro Lobo Vinhas entrava com ofício ao juiz de órfãos para dar inventário
ao então recém falecido irmão e administrador dos bens da família João Vinhas. Com a morte
livre para assumir seus bens. Imediatamente Pedro Lobo Vinhas, o herdeiro da administração
familiar, promoveu, ainda dentro do inventário de seu irmão, a compra pelos herdeiros da
parte da charqueada que pertencia a Guerino. Esta perfazia, neste momento, segundo os autos
248
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
249
Idem.
250
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567,M.36,E.25,Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
213
“cerca da metade” do empreendimento. A partir deste momento Guerino não seria mais uma
seus bens por motivo de prodigalidade. No inventário de Carlota Baptista Teixeira, que
possuía 3 filhos, o mais velho Manuel Baptista Teixeira de 37 anos, era curador de seu irmão,
Antônio Baptista Teixeira, de 31 anos, que era “por sentença deste juízo julgado pródigo”,
havendo ainda um irmão mais moço, de 21 anos, chamado Luiz Baptista Teixeira. No entanto,
uma charqueada na margem esquerda do São Gonçalo e um potreiro na estrada de baixo, uma
casa na cidade e uma chácara em Caçapava. Na partilha dos bens estes foram assim
divididos: o pródigo herdou a casa na cidade e a chácara enquanto que o menor ficou com
ficasse sem o controle de seus bens, apenas ao mais velho coube o controle dos bens
produtivos da família.
filho homônimo quando em 16/07/1868, foi dada entrada no Juizado de Órfãos de Pelotas um
251
Inv. João Vinhas. N.642,M.41,E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
252
Inv. Carlota Baptista Teixeira. N.733, M.44, E.25/6, Ano 1871. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
214
Na época em que faleceu o pai, Joaquim Guilherme da Costa, que era o filho mais
velho, estava completando 21 anos, ou seja sua maioridade e poderia vir a requisitar em juízo
sua parte nos bens do inventário. Como testemunhas de sua prodigalidade foram chamados
Como conclusão o juiz delegou um tutor para a administração dos bens da legítima do
mesmo pródigo. Um ano depois Joaquim Guilherme da Costa havia se casado com D. Maria
de Antônio Barboza de Freitas de Portugal e sua finada mulher D. Caetana Joaquina Ferreira
de Pernambuco. Solicitou então ao juiz uma vez que “(...) estando o suplente hoje casado
como prova o documento junto, e limitado na quantia mensal de 50#000, que por este juízo
lhe foi arbitrado para suas despesas ordinárias e extraordinárias, está claro que não lhe é
possível subsistir-se com essa quantia e requer portanto a que V. Sra. se sirva ordenar
(...)..”255
253
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
254
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
255
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
215
O Curador Geral dos Órfãos, considerando suas alegações delegou que “ (...) a vista
das razões apresentadas pelo suplente, a vista ainda de sua morigerada conduta, depois que
casou-se, sou de opinião que ele está no caso de reger a administração a sua pessoa e bens,
porque tem para isso a precisa inteligência e capacidade (...).”257 livrando-o de sua
ser partilhado com a morte de um dos pais ou cabeça de casal. Caso fosse a vontade de um
dos filhos de afastar-se dos negócios de charqueada era necessário que se garantisse ao
restante da família a manutenção de sua parte por compra ou impedimento caso contrário
poderia ser vendida para um novo sócio estranho ao grupo ou pior, fragmentar o
Desde a morte de João Guerino Vinhas, em 1854, português que havia construído um
215:240#556 réis, haviam se passado 13 anos. Sob a administração de seu filho João Vinhas o
256
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
257
Inv. Joaquim Guilherme da Costa. N.599, M.38, E.06/25, Ano 1865. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
216
patrimônio aumentara fazendo deste possuidor de bens calculados, em 1867, num montante
de 329:952#359.
É preciso notar que João Vinhas havia adquirido seus próprios bens ao associar-se a
seu pai e, depois da morte deste, à sua mãe, no empreendimento nas margens do arroio
Pelotas. João Vinhas arrendou de sua mãe sua parte no terreno da charqueada, pagando
contestada por seu cunhado José Joaquim Duarte de Souza, durante o inventário de sua mãe.
Primeiramente o cunhado reclamou das contas e valores arrolados pelo inventariante que
estariam falhas. Em outros dois ofícios reclama ao inventariante não ter incluído a herança de
sua mãe em terras em Bagé que ela havia herdado de seus pais, bem como do terreno em
Montevidéu. João Vinhas retrucou dizendo que já havia comprado de sua mãe tais terras e que
os terrenos em Montevidéu estavam provavelmente perdidos, contestados por uma fiança que
seu pai havia feito a seu tio dando elas como garantia a que seu tio não havia quitado258. Não
contente, José Joaquim Duarte de Souza ainda entrará com outro ofício ao juiz do inventário
258
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567, M.36, E.25, Ano 1862. 1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
259
Idem.
217
O cunhado sugeria que João Vinhas havia lucrado com a sociedade durante os sete
anos entre a morte de seu pai e a de sua mãe, administrando a propriedade, e que havia
embolsado estes lucros. Isto porque, como argumentava José Joaquim Duarte de Souza,
O inventário de Mathilde será concluído em 1864 sem que se tenha mais nenhuma
notícia desta refrega. Nenhum ofício a mais foi anexado aos autos. Se João Vinhas havia sido
realmente ardiloso ao garantir sua parte nos lucros da sociedade, livrando-se do contrato
aproveitando-se da doença da viúva, não é possível saber ao certo. No entanto, não seria de
estranhar que, novamente ele interferisse para garantir seus lucros e seu comando à frente dos
negócios da família. Ao que parece, o poderoso charqueador havia usado de sua influência
para acelerar na justiça tal processo antes do falecimento de sua mãe, fazendo uso do que,
260
Inv. Mathilde da Silva Vinhas. N.567, M.36, E.25, Ano 1862. 1 Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas.
218
possuía 3 filhos, Joaquim, Antônio e Maria, esta segundo o testamento de seu pai era “casada
com José Victorino de Resende e que promove seu divórcio.” O genro José Victorino de
Resende havia sido sócio do cunhado Antônio e do sogro em uma charqueada e durante o
inventário promove uma ação contra o inventariante questionando entre outras coisas valores
e bens não devidamente arrolados, ação esta que terminará por perder.261
João Vinhas fez fortuna, visível no luxo ostentado em sua indumentária arrolados em
homem atualizado com a moda do século XIX, João Vinhas possuía também seus estribos e
bocais bem como seu par de esporas e freios em prata todos objetos bastante freqüentes nos
inventários dos charqueadores. Usava ainda ora um pregador com brilhantes ora outro de ouro
sendo que não poderia faltar em sua indumentária seu facão com bainha de prata. Maria
Carolina Gomes Vinhas, sua esposa, também possuía um rico acervo em jóias que iam desde
uma pulseira com dezesseis brilhantes, um par de bichas de brilhantes sendo dois grandes e
mais dois pequenos, um anel de brilhantes, um alfinete de brilhantes, uma corrente com
passador e um brilhante, um relógio e corrente para senhora, um dedal de ouro além de cinco
A mobília da casa de João Vinhas bem como sua tralha doméstica apontavam a
família Vinhas como uma entre as mais sofisticadas da região no período. Constituía-se dos
inúmeros objetos em prata, entre talheres, salvas, castiçais, bacias, serpentinas, que somavam-
se a um mobiliário luxuoso contando com mesas, consoles, guarda louças, tapetes, marquesas,
cabides, baús, camas, guarda roupas, lavatórios, toucador, cadeiras e etc. todas em madeiras
de lei como mogno, jacarandá, cedro e guajuvira. Na decoração lustres de cristal, vasos de
261
Test. Joaquim José de Assumpção. N. 595, M.27, E.12, Ano 1851. 1° Cart. Órf. Prov. Rio Grande.
219
mulheres uma máquina de costura, um costureiro, dois pianos. Para os homens uma mesa
para jogos.262 Havia dentre os móveis de João Vinhas um berço de criança, utensílio apenas
documentos de todo o período, sendo que apenas no inventário de Francisco Anibal Antunes
Maciel foram arroladas “duas cadeiras para crianças”, isto já em meados da segunda metade
do século XIX
vidro, panelas, bandejas, sopeiras além de um moinho para café e um pilão de pedra. Para
seus passeios a família de João Vinhas fazia uso de uma carruagem de 4 rodas bem como de
arroio Pelotas e na serra dos Tapes, onde criava um grande número de animais entre reses,
Com a morte de João Vinhas, administrador dos negócios da família, e de sua mulher
Maria Carolina Gomes Vinhas, ficaram 6 filhos. Maria Isabel Vinhas que viria a casar com
262
Inv. João Vinhas. N.642, M.41, E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
263
Idem.
264
Inv. João Vinhas. N.642, M.41, E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
220
seu tio Pedro Lobo Vinhas, Francisco de Paula Vinhas, de 13 anos; Mathilde Vinhas, de 12
anos; Carolina Gomes Vinhas, de 10; Líbio Vinhas, 7 e Corinha Vinhas, 4 anos.265João
Vinhas ao casar sua filha primogênita com seu irmão Pedro Lobo, garantiu a manutenção da
administração e os bens da charqueada da família em poder dos Vinhas por mais uma
geração. Pedro Lobo tinha então, com a morte de seu irmão, que não só administrar os bens
como garantir seu patrimônio e de seus sobrinhos. A charqueada agora seria comandada por
Pedro Lobo e estava dividida entre ele, sua mulher e seus 5 enteados, portanto, permaneceria
no comando da família.
Jacintho Lopes, filho do charqueador Jacintho Antônio Lopes, pediu ao juiz de órfãos a
autorização para casar-se com Mathilde Vinhas, então com 16 anos, sobrinha e tutelada de
Pedro Lobo Vinhas. O noivo fez o requerimento direto ao juiz argumentando que o tutor da
menor não poderia fazê-lo pois estava “bastante enfermo”. Passados dois meses, em
15/07/1872, Manuel Jacintho Lopes fez requerimento ao juiz pedindo prazo de 5 dias para que
Pedro Lobo Vinhas fizesse a entrega dos bens de sua tutelada que lhe couberam em legítima
no inventário de seus pais. Parece que o noivo tinha muita pressa, como o tutor Pedro Lobo
Um ano depois, em 1873, Mathilde morreria deixando uma filha, Carolina Mathildes,
265
Inv. João Vinhas. N.642, M.41, E.25, Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
266
Inv. João Vinhas. N.642,M.41,E.25,Ano 1867.1 Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
221
período. As mulheres geralmente morriam deixando filhos ainda muito pequenos, após vários
partos consecutivos. Mathilde Vinhas Lopes, ao contrário da maioria, havia morrido de parto
em seu primeiro filho, já sua mãe Maria Carolina Gomes Vinhas ao morrer havia deixado
além dela mais cinco filhos órfãos sendo que os dois menores tinham as idades de 7 e 4 anos.
Isabel Dorothéa da Fontoura, casada com o comendador João Simões Lopes, morreu em
1844, deixando entre seus cinco filhos, três deles casados , os dois menores Ildefonso Simões
Lopes com 14 anos e Cândida Clara da Fontoura, com 9 anos. Isabel havia casado com o
Comendador em 1815 e, quase 29 anos depois, tinha uma filha pequena de 9 anos que havia
nascido após 20 anos de casamento. As mulheres enquanto fossem férteis tinham filhos o que
deveria comprometer sua saúde e fazer com que acabassem por vir a falecer dos diversos
partos consecutivos deixando filhos pequenos órfãos, como Maria Luíza Chaves que era
casada com seu tio João Maria Chaves, e que faleceu em 1872 deixando 6 filhos: D. Maria,
com 17anos, D. Julieta, com 15, Henrique, com 11, Marcolina, com 9, Joana, com 8 e Maria
já falecidas deixando netos herdeiros muito pequenos ou menores de idade. Cecília deixou seu
filho Antônio, no momento da morte do avô com 7 anos enquanto Estela filha de Semiana
Muitas vezes os filhos ficavam órfãos de pai e mãe ainda muito pequenos como foi o
caso da viúva Maria Manoela Barcellos de Amorim, filha de Manoel Rodrigues Barcellos,
que deixou 6 filhos menores órfãos: Ernesto, com 15 anos, Frederico, com 12, Felinto, com
267
Inv. Maria Luíza Chaves. N.770, M.46, E.25, Ano 1872. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
268
Inv. Boaventura Inácio Barcellos. N. 253, M.18, E.6, 1846. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas; Inv. Semiana de
Lima Barcellos. N.1835, M.88, E.6, Ano 1876. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
222
10, Rodolfo, com 7, Antenor, com 5 e Maria Frederica de 3 anos.269 Luis Rodrigues Barcellos
faleceu durante o inventário de sua esposa Jacintha Joaquina de Almeida deixando 6 filhos
menores órfãos nas idades de 26, 24, 23, 21, 10 e 3 anos.270 Francisco Anibal Antunes Maciel
e sua mulher Maria Augusta de Rezende Antunes, faleceram no mesmo ano de 1877, ela em
fevereiro ele em outubro, deixando 6 filhos órfãos nas idades de 15, 14, 12, 11, 10 e 8 anos.271
A média de filhos entre os casais que viviam nas margens do arroio Pelotas em seus
estabelecimentos de charqueadas durante o século XIX era de 5,5 filhos por casal (Tabela 5).
269
Inv. Manoel Rodrigues Barcellos. N.528, M.35, E.6, Ano 1861. 1 Cart. Órfãos e Prov. Pelotas.
270
Inv. Jacintha Joaquina de Almeida. N. 574, M.26, E.4, Ano 1850. 1 Cart. Órfãos e Prov. Rio Grande.
271
Inv. Francisco Anibal Antunes Maciel. N.3063, M.108, E.6, Ano 1877. 1 Cart. Órfãos e Aus. Pelotas.
223
Tabela 5
O número de filhos aumentou a partir dos anos 40 sendo que entre 1860 e 1880 a
média foi de 6 filhos por casal. Isto deve-se, no nosso entender, a dois fatores: a qualidade de
vida que havia melhorado na segunda metade do século com melhores condições de higiene e
habitação e ao aumento das fortunas dos charqueadores neste período, não somente em função
inventários aqui analisados272. No período de 1881 a 1898, o Barão do Jarau foi o mais bem
aquinhoado com 3:510:191#000 réis de monte mor. As fortunas vão ao longo do século XIX
aumentando gradativamente sendo que até 1849 Emerenciana Maria Teixeira tinha o maior
272
Os valores totais não são exatos na medida em que alguns referem-se ao monte-mor e outros ao partilhável já
excluídos gastos, taxas e demais débitos. No entanto as diferenças são pequenas o que nos permite ter uma
225
montante com 156:189#216 réis e José Rodrigues Barcellos em 1850 já havia conseguido
Tabela 6
noção do montante total de cada inventariado. Não foi possível igualar os montantes uma vez que nem todos
os documentos oferecem estes dados completos e ou referidos de modo uniforme.
226
Quando a sobrinha de Pedro Lobo Vinhas, Mathilde Vinhas Lopes, faleceu, o viúvo
Manuel Jacintho Lopes ficou com a metade dos bens do casal, sendo que o total de seu
patrimônio foi calculado em 107:964#600, divididos entre ele e a filha.273 Manuel Jacintho
Lopes que era arrendatário da charqueada de seu pai juntamente com seu irmão e seu
cunhado, formando a Lopes & Cia., teve aberta sua falência dois anos depois quando então
teve de passar a tutela de sua filha para o avô. Anos depois, em 1883, Manuel Jacintho Lopes
pediu a tutela de sua filha tendo em vista estar “reabilitado por sentença” de suas dívidas com
a justiça. A partir daí travou uma longa disputa na justiça com seu pai, avô de Carolina
Mathildes, na casa de quem estava sendo criada. O avô, o charqueador Jacintho Antônio
273
Inv. Mathilde Vinhas Lopes. N.775, M.46, E.25, Ano 1873.1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
227
Lopes, negou-se a devolver a tutela de sua neta argumentando em juízo, por meio de seu
advogado, que
Além das questões morais aqui levantadas, o que estava em jogo era uma suposta
herança que Carolina possuiria e que estaria em poder de seu avô. Segundo os autos, a menor
não havia herdado nada devido as dívidas de seus pais serem anteriores a morte de sua mãe. O
avô havia criado a neta sozinho e Manuel Jacintho Lopes, que havia falido anos atrás, queria
resgatar não somente sua filha, com 9 anos na época, como as rendas de aluguéis de escravos
e de uma casa que supostamente estariam em poder de seu pai e que comportariam um valor
total de 100:786#213.275
Segundo seu pai argumentou em juízo os bens de sua neta haviam ficado com o
próprio Manuel Jacintho Lopes que por procedimento “escandaloso” que com “verdadeiro
disfarce e cinismo e com a mais requintada traição e assalto a verdade, apresenta-se sob a pele
de homem de bem e vítima (...)”.276 Isto porque, segundo ele seu filho havia ficado com os
274
Idem.
275
Inv. Mathilde Vinhas Lopes. N.775,M.46,E.25,Ano 1873.1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
276
Idem
228
1883 com a morte da menina Carolina, aos 10 anos de idade, vítima de febre tifóide.277
Jacintho Antônio Lopes. Ainda que desfeito os laços de parentesco entre as duas famílias,
Vinhas e Lopes, com a morte de Mathilde e de sua filha, no entanto será interessante observar
Jacintho Antônio Lopes ao falecer em 1885, deixou para ser dividido entre seus 10
filhos, uma fortuna no valor de 457:981#010. Além de sua charqueada na costa do Pelotas
onde vivia em seu sobrado juntamente com 36 escravos (contratados por 5 anos), possuía
dois iates, terras na serra dos Tapes com currais, galpões, arvoredo, casa e demais benfeitorias
Grande, terrenos em Santa Isabel e ilha do Contrabandista no rio Piratini. Em Arroio Grande,
3000 alqueires de cal e galpão de depósito. Entre os bens de Jacintho Antônio Lopes havia
também apólices do comércio do Rio Grande e ações do rebocador Piratini e do Jockey Club
277
Inv. Mathilde Vinhas Lopes. N.775,M.46,E.25,Ano 1873.1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
278
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas
229
Pelotas foram arrolados um oratório com 5 imagens, um piano usado, um par de escarradeiras,
baixelas, salvas e castiçais de prata, juntamente com 2 dúzias de colheres de prata para sopa
mais 24 para chá. Interessante observar aqui que, novamente, apenas os alimentos líquidos
foram contemplados com talheres mais sofisticados, do mesmo modo que não era dispensado,
cristal, os objetos correspondentes não foram arrolados no inventário. Pode-se inferir que
estes objetos talvez tivessem sido doados em vida a uma das filhas como parte do dote e
portanto não estava disponível na herança. Os bens de uso doméstico apresentam-se bastante
modestos, tendo em vista sua fortuna. No ano de seu inventário, dentre suas 7 filhas 5 já
estavam casadas sendo que uma, Francisca Lopes dos Santos Castro, vivia na Corte. Portanto,
estas filhas casadas, vivendo em outras partes ou na cidade de Pelotas, deviam ter sido
contemplados com boa parte dos bens como jóias, louças e pratarias, como ocorreu no caso
dos Vinhas. Corroborando esta suposição, observe-se que a filha Carolina Lopes Bezerra,
casada com o major José da Costa Bezerra, que havia ficado viúva durante a realização do
inventário de seu pai Jacintho Antônio Lopes, teve alguns dos bens em seu poder arrolados no
mesmo auto como sendo pertencentes ao patrimônio de seu pai, sendo que dentre eles havia
uma casa na cidade de Pelotas, 12 escravos contratados e uma lista de objetos em prata entre
eles: talheres de prata, castiçais, salvas, bule para chá, açucareiro, paliteiro. Portanto, ao que
parece os bens de valor que constituíam a tralha doméstica circulavam nas heranças
279
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas.
230
principalmente pela via feminina da família, sendo que as residências na cidade eram melhor
XIX é a de que, por volta de 1884, Pedro Lobo Vinhas estava falido e o maior de seus
Nesse ínterim, sua cunhada e tutelada Carolina Vinhas casou-se, aos 15 anos, com
Vicente Simões Lopes de família charqueadora, herdeiro do Barão do Jarau. Observa-se então
entre diferentes famílias charqueadoras. Portanto, supomos que as mulheres garantiam, por
meio do casamento com indivíduos tanto da sua própria família como de outra, os elos que
Carolina Vinhas, ao casar com Vicente Simões Lopes, tornou-se nora do Visconde
do Jarau. No entanto, ela não teve muita sorte neste enlace. Seu marido morreu em 1884,
sendo que somente em 1887 foi aberto seu inventário, isto porque nada havia para ser
(...) ela foi intimada por mandado deste juízo para no prazo de 5
dias dar começo ao inventário dos bens deixados por falecimento de seu
marido Vicente Simões Lopes, mas que não pode fazer isso visto que seu
dito marido morreu em estado de pobreza tal que as despesas do enterro e
funeral foram feitas por seu pai o Visconde da Graça e sendo assim nada há
a inventariar a não ser algumas peças de roupa de uso e algumas dívidas.
(...).
280
Inv. Jacintho Antônio Lopes. N.1028,M.58,E.25, Ano 1885. 1° Car. de Órfãos e Prov. Pelotas
231
Vicente era herdeiro de uma das mais ricas famílias da região, os Simões Lopes. Seu
avô, o português João Simões Lopes fora Comendador e seu pai, de mesmo nome, era
Visconde. Seu sobrinho homônimo viria a ser um dos maiores escritores gaúchos.281
A história dos Simões Lopes oferece dados interessantes sobre a vida cotidiana do
Em 1815, o português João Simões Lopes, batizado na igreja de Nossa Sra. da Graça
em Lisboa, casou-se com Isabel Dorothéa da Fontoura em Pelotas na capela de N. Sra. das
dos Prazeres, no Laranjal. Isabel Dorothéa da Fontoura era sobrinha-neta e afilhada de Isabel
1989).
Segundo Massot, o comendador João Simões Lopes, era dono de uma pequena frota
de barcos mercantes que zarpavam para a Europa com artigos da Província e retornavam com
onde iniciaram uma charqueada com mais de 100 escravos arrematados em um navio em Rio
Grande (Idem). Após a morte de Isabel Francisca da Silveira, em 1822, Isabel Dorothéa da
281
João Simões Lopes Filho, que viria a ser Barão e mais tarde Visconde da Graça, foi pai de Catão Bonifácio e
avô do ilustre escritor gaúcho Simões Lopes Neto. Além de sua importante obra literária, Simões Lopes Neto
escreveu uma série de artigos publicados na “Revista do 1° Centenário de Pelotas”, entre os anos de 1911 e
1912, sobre a história da fundação de Pelotas e de suas charqueadas
232
Fontoura herdou a parte das terras em que já vivia e que passaram a denominar-se estância da
Figura 22: Sobrado na estância da Graça, onde foi a charqueada, com fundos para a margem esquerda
do arroio Pelotas. (Foto: acervo fotográfico do Museu da BPP)
Isabel Dorothea da Fontoura de Oliveira que casou-se com Antônio José de Oliveira Leitão;
Vicência Maria da Fontoura casada com Manoel Antônio Lopes Correia; João Simões Lopes
Filho casado com Euphrásia Gonçalves Lopes; Ildefonso Simões Lopes e Cândida Clara da
Fontoura.
Em 1844, D. Isabel Dorothéa da Fontoura faleceu deixando entre seus filhos dois
viúvo coube na partilha a fazenda da Graça, com sua casa de morada, estabelecimento de
233
charqueada, olaria e quinta com arvoredos. João Simões Lopes ficou também com a morada
de casas térreas que o casal possuía na cidade de Pelotas de frente a rua do Comércio e fundos
a rua da Igreja, mais um terreno e uma parte de campo entre os arroios Contagem e Pelotas.
sendo que entre eles haviam 14 mulheres e 15 crianças (nas idades que iam de 12 a 2 anos).
costureiras. Possuíam também, além de um terreno no Areal, uma casa em Rio Grande,
partilhada entre Vicência, sua moradora, e seus dois irmãos menores Ildefonso e Cândida
Clara.283
nomes de dois conhecidos seus, os também charqueadores Joaquim José de Assumpção, que
viria a ser seu genro, e Antônio José Ribeiro Guimarães. Novamente tudo se resolvia entre
22:773#370 réis, ou seja mais de 60% do total, pertencia a dívidas dos herdeiros João Simões
282
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
283
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
284
Idem.
234
Lopes Filho, Manoel Antônio Lopes Correia e Antônio José de Oliveira Leitão. Portanto,
novamente aqui os parentes serão os maiores devedores da herança, dinheiro este que
circulava entre os negócios da própria família e que era pago nos acertos de inventário.285
recebido de seus pais como dote de casamento. Vicência Maria da Fontoura havia ganho um
de dote 6:000#000 enquanto que Isabel Dorothéa da Fontoura havia ganho a quantia de
6:613#600 réis.286
homens da família maiores de idade, João Simões Lopes Filho, Antônio José de Oliveira
Leitão e Manoel Antônio Lopes Correia, estavam todos “ausentes em lugar ocupado pelos
na região. Na época, faltava então apenas um ano para o final da Revolução Farroupilha, que
não constavam louças, cristais, copos de vidro, quadros e móveis. Apenas foram listados os
bens em prata que constituíam-se de vários objetos de mesa como açucareiros, bules, salvas,
etc. além de um faqueiro completo.288 Curioso observar que além do faqueiro completo foram
sugerindo que, em determinadas situações, eram apenas necessários talheres para alimentos
líquidos ou pastosos e para a cerimônia do chá. O faqueiro completo, parece ter sido, mesmo
285
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
286
Inv. Isabel Dorothéa da Fontoura. N.500, M.22,E.12, Ano 1844. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
287
Idem.
288
Ibidem.
235
Comendador João Simões Lopes deixando um patrimônio que havia aumentado em muito,
apólices do Mercado Público, uma conta corrente no Rio de Janeiro, 1820 rezes entre outros
Massangano com 5000 reses entre outros animais mais benfeitorias, diversos devedores no
Estado Oriental, a charqueada do arroio Pelotas e demais terrenos, uma casa em Rio Grande e
somavam-se uma coberta de louça de porcelana mais meia coberta de louça azul, um aparelho
possuía em sua indumentária, um relógio com caixa de ouro e todos os aparatos para montar
em prata: um par de esporas, um freio, um par de estribos, um rabicho prateado, um relho com
bocais de prata, um faca com bocais de dita. Para o momento de matear, uma cuia e duas
289
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
290
Idem.
291
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
236
estabelecimento dois barcos (o iate Marquês e o iate Graça), carretas, couros, sal, madeiras de
“difíceis de cobrar” e “julgadas perdidas”, uma vez que eram de indivíduos que viviam no
Estado Oriental. Entre as dívidas “cobráveis” está a de um morador da Serra dos Tapes de
nome Antônio Francisco, de 36#240. Parece que dos indivíduos agregados, sem sobrenome
conhecido, devedores de pequenos montes, parece ter sido fácil obter seus rendimentos de
retorno, uma vez que estes eram dependentes destas famílias e da terra onde viviam. Entre as
dívidas ativas arroladas há também um preto chamado Irineu Filho, que devia 1:000#000
quantia para obter sua carta de alforria e recibo. A dívida do preto forro não foi arrolada
As dívidas familiares prosseguiram, sendo que as duas filhas Vicência e Isabel, ainda
deviam meio dote, visto que somente a outra metade havia sido descontada da herança de sua
mãe. Os genros também tinham contas a acertar: Antônio José de Oliveira Leitão devia
292
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
293
Idem.
294
Ibidem.
237
casas de vivenda, charqueada, 2 olarias, quintas e outras benfeitorias, ficou dividido entre
dois herdeiros, sendo que metade deste, ficou para João Simões Lopes Filho juntamente com
o iate Marquês. Enquanto que a outra metade do estabelecimento de charqueada ficou com
Ildefonso Simões Lopes. As terras da fazenda da Graça ficaram divididas entre os dois irmãos
charqueadores e sua irmã Vicência. As terras no Uruguai, gados e demais benfeitorias foram
Vicência, herdou outra parte da casa de sobrado da família em Rio Grande, da qual
tornou-se proprietária, além da terça parte nos campos da fazenda da Graça e a quinta parte
nos campos castelhanos da fazenda Massangano, no Estado Oriental. Entre 1853 e 1857
Vicência tratou de vender, com autorização judicial, tanto a casa em Rio Grande como os
campos e benfeitorias no Uruguai, juntamente com algumas apólices da dívida pública que
Em 1847, Manuel Antônio Lopes Corrêa casado com Vicência Maria da Fontoura,
foi “privado da administração de seus bens” pois se achava “na condição de menor” devido a
295
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
238
anos, natural desta Província, vive nesta cidade de seu negócio; Custódio Manuel de Oliveira,
de 36 anos, natural de Portugal, casado, vive nesta cidade de seu negócio; José Antônio
Moreira, de 40 anos, viúvo, natural de Portugal, negociante nesta cidade e Antônio José
Granja, de 46 anos, casado, natural de Portugal, vive de seu negócio nesta cidade.
incômodo, ou porque realmente estivesse insano, ou porque fosse alcoólatra, ou porque fosse
sifilítico ou, talvez, porque fosse considerado inoportuno, logo os maiores da região uniam-se
alcance dos bens familiares. Se as mulheres, muitas vezes, garantiam uniões com homens que
296
Inv. João Simões Lopes. N.366,m.26,E.6, Ano1853. 1°Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas
239
inconvenientes que viessem a dilapidar seu patrimônio. Neste caso, parece que todo a
Cinco anos depois, em 1855, reiterando seu protesto Manoel Antônio Lopes Correia
servir-lhe de pagem. Por ordem judicial, Vicência passou então a pagar pensão alimentícia a
sob o comando de seu filho homônimo. Isto porque, pouco depois da morte do comendador,
João Simões Lopes Filho comprou a parte de Ildefonso tornando-se o único proprietário do
297
Idem.
298
Inv. Euphrásia Gonçalves Lopes. A. 432, M.29, E.25, Ano 1857. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
240
Figura 23: Sobrado do Visconde da Graça, na estância da Graça, onde localizava-se a charqueada, na
margem esquerda do arroio Pelotas (Foto da autora – 08/12/2000)
João Simões Lopes Filho, que no terceiro quartel do século XIX tornaria-se Barão da
Graça (1872) e, passados mais alguns anos Visconde (1876), ficou viúvo em 1857, de sua
primeira esposa Euphrásia Gonçalves Lopes. O casal teve dez filhos, sendo que no ano da
morte da mãe o mais velho, João Paulino, tinha 19 anos, Catão Bonifácio, 18, Isabel e Maria
Joaquina, 14, Francisco, 11, Evaristo, 9, Vicente, 8, José, 7, Francisca, 3 e a menor, Eufrasia,
2 anos.299
morreram na época também da doença. Poucos anos depois o viúvo casou-se novamente, de
299
Idem.
241
Na época em que faleceu sua primeira mulher, Euphrásia Gonçalves Lopes, João
Simões Lopes Filho, mantinha a charqueada da Graça funcionando com 61 escravos (4 deles
eram crianças), dois barcos, 3 galpões de olaria, uma quinta com árvores frutíferas, terrenos
na cidade e no arroio Santa Bárbara. Neste período possuía apenas de dívidas 29:800#000 réis
que devia a João Agostinho de Rio Grande e mais 29:800#000 réis que devia a seu irmão
Ildefonso Simões Lopes, pela compra de seus campos e por um suprimento que este lhe fez
Simões Lopes Filho ficou novamente com a charqueada enquanto que os demais terrenos
foram divididos entre os filhos. Os dois filhos mais velhos, João Paulino e Catão Bonifácio,
herdaram apenas terras vizinhas a de seu pai, comprados do tio Ildefonso Simões Lopes, e
partes do terreno nas margens do Santa Bárbara. As filhas e herdeiros menores ficaram os
terrenos na cidade e demais bens. Nesta divisão já estava sendo garantida a primazia nos
negócios dos dois filhos varões mais velhos em detrimento das mulheres e dos menores de
Vicente Simões Lopes, por sua vez, que viria a casar com a filha de João Vinhas, como foi
discutido anteriormente, vindo a morrer em estado de pobreza, havia perdido sua mãe na tenra
idade de 8 anos e herdou desta também partes nos terrenos do Santa Bárbara e do Pelotas
(MASSOT, 1974).
Bonifácio, tendo obtido a sua por suplemento de idade, ambos receberam a posse de seus bens
herdados da mãe e solicitaram em juízo a venda destas terras, no intuito de “(...) vender os
242
ditos bens ao seu pai [...] para empregarem seu produto em gado de criar a fim de aumentarem
uma invernada que os suplentes tem empreendido e que lhes produzirá maiores vantagens
(...).” Paulino e Catão cuidavam de criar gados para costeio da charqueada de seu pai,
Catão Bonifácio Simões Lopes viria a casar-se com D. Tereza de Freitas Lopes, filha
Catão tiveram 5 filhos: Isabel, Eufrázia, Ildefonso, Manoel, João e Augusto. Seu filho João
Simões Lopes Neto tornaria-se um dos maiores escritores gaúchos (MASSOT, 1974).
Maria Joaquina Lopes casou-se em 1864, aos 21 anos, com Junio Brutus Cassio de Almeida,
filho do charqueador e político Domingos José de Almeida. Mariazinha Simões Lopes, como
ficou conhecida, criou após a morte de Tereza, a filha de seu irmão Catão Bonifácio, Maria
Isabel. Esta, por sua vez, se casaria com Pedro Leão Almeida Barcellos, neto de Domingos
José de Almeida.301 Estavam assim unidas umas das mais importantes famílias da região: os
300
Inv. Euphrásia Gonçalves Lopes. A. 432, M.29, E.25, Ano 1857. 1° Cart. de Órfãos e Prov. Pelotas.
301
Idem.
243
Figura 24: Sobrado do Visconde da Graça na margem esquerda do arroio Pelotas (Foto da autora –
08/12/2000)
proprietário da charqueada a Graça enquanto que sua filha mais moça, Cândida Clara contraiu
matrimônio com Joaquim José de Assumpção, o charqueador que viria a ser Barão do Jarau,
unindo assim duas famílias da nobreza pelotense e, mais que isto, duas grandes famílias
proprietárias da região.
traziam novo incremento aos negócios familiares. Se, por um lado, eram frágeis devido ao
grande número de filhos, ao perigo da viuvez ou de não arranjar um bom casamento, por
outro, estas mulheres eram protegidas de diversas formas pelo grupo. Apesar disto,
mostravam sua força como administradoras dos bens familiares após a morte dos maridos
244
excluindo do acesso aos bens filhos pródigos e maridos indesejáveis ou administrando os bens
herdados de seus finados maridos em detrimento de outros parentes como no caso da viúva de
Cipriano Rodrigues Barcellos e seus enteados. Apesar do grande número de filhos das
produção familiar. Os demais filhos deveriam contentar-se com escravos e dinheiro, vivendo
com a morte de um dos cabeça de casal. Superados os conflitos, seguia-se com o mesmo
mantendo a família voltada para o interesse comum, o centro congregador desta sociedade, a
atividade charqueadora.
CONCLUSÃO
propriedades voltadas para o fabrico do charque, constituídas por múltiplas estruturas, nas
geográfica, buscamos compreender como se dava a dinâmica pela qual se formou e manteve
ao longo do século este agrupamento, quais as estratégias para a sua manutenção nas mãos
dos diferentes comportamentos dos grupos e sua forma de viver seu cotidiano dentro do
trabalhadores livres e agregados, interligadas por estradas e passos, onde circulavam homens
e mercadorias, formando um conjunto que pareceria, aos olhos dos viajantes, verdadeiras
estabeleceu-se o núcleo charqueador pelotense, observamos que para além de uma análise
simplificadora de uma sociedade polarizada em senhores e escravos, havia toda uma gama de
indivíduos que viviam em torno deste agrupamento executando as mais diferentes atividades e
encontrada a seu respeito, foi possível vislumbrar uma história fragmentada onde sujeitos
transitavam em curtos períodos de tempo de uma área para outra, talvez em parte expulsos
pela instalação dos estabelecimentos de charqueio no princípio do século, sendo que sua
pobreza favoreceria a informalidade das relações, fazendo com que poucos registros
documentais chegassem até nós. Estes homens livres, mesmo de profissões mais
entanto alguns, como os administradores e capatazes, poderiam chegar a ter uma melhor
casamentos e compadrio com outras famílias proprietárias e com trabalhadores livres. Para
estes grupos mais abastados, donos das fábricas de salga, havia que manter a estrutura
familiar que fomentasse e mantivesse a industria funcionando. Para tanto fizeram uso dos
como controlando filhos e genros que porventura viessem a ameaçar a empresa familiar. Toda
família partilhava do negócio, trabalhando nos diferentes ramos necessários a atividade, sendo
eram protegidas, principalmente por meio dos testamentos, pelos homens do grupo. Aos
filhos era necessário evitar que disputassem o patrimônio fazendo com que este se
charque nas margens do arroio Pelotas estruturou-se, por um lado, assentada nas estratégias
do grupo dominante para manter seu patrimônio, ligado fortemente entre si por laços de
geral pelo compadrio, mantiveram-se durante algum tempo vinculados a estes, no entanto sem
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Contas de Testamento. Antônio Raphael dos Anjos (testor.). N. 2126. M. 93. E. 6/26. 1°
Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1880.
Contas de Testamento. João Maria Chaves (testro.). N.2202. M. 94. E. 06. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1888.
Inventários
Inventário. Joanna Maria Bernardina (invdo.). N. 16. M.1. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1810.
Inventário. Anna Bernarda de Bittencourt (invdo.). A. 67. M.3. E.97. Órfãos e Ausentes.
Jaguarão, 1825.
Inventário. José Pinto Martins (invdo.). N. 114. M.10. E.25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1827.
Inventário. Antônio dos Santos Coimbra (invdo.). N. 119. M. 10. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1828.
Inventário. Antônio Ferreira Fontes (invdo.) N. 147. M.11. E.6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1830.
Inventário. Antônio Pereira da Cruz. N. 204. M.14. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas,
1835.
Inventário. José Domingues da Neves (invdo.). N. 228. M. 16. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1844.
Inventário. Bartholomeu Corrêa (invdo.). N. 69. M.3. E. 19. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1849.
Inventário. José Rodrigues Barcellos (invdo.). N.15. M.1. E.30. 1° Cartório Cível e Crime.
Pelotas, 1850.
259
Inventário. Joaquim José de Assumpção (invdo.). N. 595. M. 27. E.12. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Rio Grande, 1851.
Inventário. Joaquim José de Souza Santanna (invdo.). N. 436. M. 30. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1857.
Inventário. Antônio Pereira da Silva (invdo.) N. 451. M. 30. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1858.
Inventário. Manoel Domingues de Oliveira (invdo.) N. 150. M.6. E. 16. 1° Cartório Cível. Rio
Grande, 1863.
Inventário. Antônio José Gonçalves Chaves (invdo.). N. 754. M. 45. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1872.
Inventário. Francisco Aníbal Antunes Maciel (invdo.). N. 3063. M. 108. E.6. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1877.
Inventário. Domingos Soares Barbosa (invdo.). N. 943. M. 54. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1881.
Inventário. Balbina Maria Chaves da Silveira (invda.). N. 1042. M. 59. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1886.
Inventário. João Maria Chaves (invdo.). N. 1082. M. 61. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1887.
260
Inventário. Joaquim Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 54. M.2 E. 12/4. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Rio Grande, 1806.
Inventário. Francisco Antônio de Ávila (invdo.). N. 11. M. 1. E. 97. Cartório de Órfãos e Aus.
Jaguarão, 1811.
Inventário. Francisco Antônio (invdo.). N. 36. M.3. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1819.
Inventário. Damázio Vergara (invdo.). N. 51. M.3. E. 15. Órfãos e Aus. Jaguarão, 1820.
Inventário. Antônio Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 62. M.3. E. 97. Cartório de Órfãos e
Aus. Jaguarão, 1822.
Inventário. Manoel Soares de Lima (invdo.). N. 79. M. 4. E. 94. Cartório de Órfãos e Aus.
Jaguarão, 1826.
Inventário. Anna Joaquina de Jesus (invda.). N. 301. M. 12. E. 12/4. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1829.
Inventário. Damázio Vergara (invdo.). A. 67. M. 3. E. 97. Órfãos e Aus. Jaguarão, 1830.
Inventário. Anna Joaquina de Jesus (invda.). N. 315. M. 22. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1831.
Inventário. Jose Martins Coelho (invdo.). A. 150. M. 11. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1831.
Inventário. Ignácio José Bernardes (invdo.). N. 421. M. 17. E. 12. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Rio Grande, 1838.
Inventário. Serafim da Costa (invdo.). N. 458. M. 20. E. 12. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Rio
Grande, 1841.
Inventário. Maria Clemência (invdo.). N. 478. M.21. E. 4/12. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Rio Grande, 1842.
Inventário. Ana Joaquina de Jesus (invda.). N. 229. M. 16. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1844.
Inventário. Isabel Dorothéa da Fontoura (invdo.). N. 500. M. 22. E. 12. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Rio Grande, 1844.
Inventário. Joaquim José Tavares (invdo.). N. 274. M. 19. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1847.
262
Inventário. Manoel Soares da Silva (invdo.). N. 282. M. 20. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1847.
Inventário. José Teixeira (invdo.). N. 315. M. 22. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1850.
Inventário. Manoel Soares da Silva (invdo.). N. 318. M. 22. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1850.
Inventário. Maria Josepha de Castro Moreira. (invda.). N. 331. M. 23. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1851.
Inventário. Joaquim José de Assumpção (invdo.). N. 95. M.4. E.4/16. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Rio Grande, 1852.
Inventário. João Simões Lopes (invdo.). N. 366. M. 26. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1853.
Inventário. João Guerino Vinhas (invdo.). N. 383. M. 26. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1854.
Inventário. Joaquim Antônio Chaves (invdo.). N. 1. M.1. E. 28. 2° Cartório de Órfãos e Aus.
Pelotas, 1855.
Inventário. Albana dos Santos Barcellos (invda.). N. 406. M. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1856.
263
Inventário. Sinhorina Silveira da Silva (invda.). N. 449. M.30. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1857.
Inventário. Anna Maria do Nascimento (invda. Em 1849). A. 472. M. 32. E. 25/6. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas,1858.
Inventário. Manoel Rodrigues Córdova (invdo.) A. 472. M. 32. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1858.
Inventário. Francisco Pereira de Souza (invdo.). N. 721. M. 34. E. 12. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Rio Grande, 1860.
Inventário. Manoel Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 528. M. 35. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1861.
Inventário. Anna [preta forra] (invda.). N. 533. M. 35. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1862.
Inventário. João Pinto Martins (invdo.). N. 538. M. 35. E. 6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.
Inventário. Mathilde da Silva Vinhas (invda.). N. 567. M. 36. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1862.
264
Inventário. João Vinhas (invdo.). N. 642. M. 41. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1867.
Inventário. Leonídia Gonçalves Moreira (invda.) e s/m. N. 647. M. 41. E.6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1867.
Inventário. Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 02. M. 01. E. 28. 2° Cartório
Órfãos e Aus. Pelotas, 1870.
Inventário. Carlota Baptista Teixeira (invda.). N. 733. M. 44. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1871.
Inventário. Maria Luíza Chaves (invda.). N. 770. M. 46. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1872.
Inventário. Eulália Barbosa de Azevedo Barcellos (invda.). N. 10, M.1. E. 28. 2° Cartório
Órfão e Aus. Pelotas, 1873.
Inventário. Luis Teixeira Barcellos (invdo.). N. 777. M. 46. E. 06/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1873.
Inventário. Mathilde Vinhas Lopes (invda.). N. 775. M. 46. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1873.
Inventário. Annibal Antunes Maciel (invdo.). N. 815. M. 48. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1875.
Inventário. João Roballo Barcellos (invdo.). N. 986. M. 46. E. 12. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1875.
Inventário. Maria Angélica (invda.). N. 86. M.3. E.30. 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas,
1875.
Inventário. Silvana Eulália de Azevedo Barcellos (invda.). N. 916. M. 53. E. 6/25. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas, 1879.
Inventário. José Joaquim da Cruz Secco (invdo.). N. 1129. M. 53. E. 12. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Rio Grande, 1883.
Inventário. Bernardina Soares Maia (invda.). N. 995. M. 57. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1884.
Inventario. Jacintho Antônio Lopes (invda.) N. 1028. M. 58. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1885.
266
Inventário. Vicente Simões Lopes (invdo.). N. 3074. M. 108. E. 6/26. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1887.
Inventário. Joaquim José de Assumpção. (invdo.) Br. Jarau. N. 228. M. 6. E. 7/25. 2° Cartório
Cível. Pelotas, 1898.
Medições
Medição. Manuel Domingues (notificado). A. 444. M. 12. E. 25. 2° Cartório. Cível. Rio
Grande, 1796.
Medição. Damázio Vergara (autor). A. 523. M. 13. E. 5. 2° Cartório Cível. Rio Grande, 1808.
Medição. Damázio Vergara (autor). A. 512. M. 13. E. 19. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1808.
Medição. Mariano dos Santos (autor). A. 572. M. 14. E. 7. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1819.
Medição. Manoel Domingues (notificado). N. 549. M. 13a. E. 306. 1° Cartório Cível e Crime.
Pelotas, 1827.
Notificação de Inventário
Testamentos
Testamento. Ignácio José Bernardes (tesdor.). N. 4183. M. 118. E. 13. Cartório de Prov. Rio
Grande, 1838.
Testamento. Isabel Francisca da Silveira (testdra.). N. 1631. M. 85. E.6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1850.
Testamento. Custódio Manuel Vieira Araújo (testor.). N. 1975. M. 87. E. 4/13. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Rio Grande, 1862.
Testamento. José Antônio Moreira (testor.). N. 647. M. 41. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1867.
Testamento. Mathilde Vinhas Lopes (testra.). N. 1812. M.87. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1873.
Testamento. Annibal Antunes Maciel. (test.). N. 1814. M.87. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1874.
Testamento. Joanna Corrêa (testra.). N. 2349. m. 90. E. 4/13. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Rio Grande, 1885.
Testamento. Semiana Lima Barcellos (invda.). N. 87. M. 5. E. 28. 2° Cartório Órfãos e Aus.
Pelotas, 1877.
269
Testamento. Maria Magdalena (testra). N. 1966. M. 91. E. 26. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1855.
Testamento. Anna Maria Bevilagua (testra.). N. 2008. M. 92. E. 26/6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1864.
Testamento. Antônio José Gonçalves Chaves (tetor.). N. 2087. M. 93. E. 26. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.
Testamento. Antônio Raphael dos Anjos (testor.). N. 2126. M. 93. E. 6/26. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1877.
Testamento. Joanna Maria Bernardina (invdo.). N.16. M. 1. E.6. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1810.
Testamento. Domingos Rodrigues (invdo.). N.32. M.2. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1817.
Testamento. Anna Bernarda de Bittencourt (invdo.). A. 67. M.3. E. 97. Órfãos e Ausentes.
Jaguarão, 1824.
Testamento. José Pinto Martins (invdo.). N. 114. M. 10. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1824.
Testamento. Antônio dos Santos Coimbra (invdo.). N. 119. M. 10. E 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1821.
Testamento. Antônio Ferreira Fontes (Invdo.) A. 144. M. 118. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1827.
Testamento. Antônio Pereira (invdo.) N. 147. M. 11. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e Prov.
Pelotas, 1830.
Testamento. José Domingues da Neve (invdo.). N. 228. M. 16. E. 25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1842.
Testamento. Bartholomeu Corrêa (invdo.). N. 69. M. 3. E. 19. 2° Cartório Cível. Rio Grande,
1847.
Testamento. José Rodrigues Barcellos (invdo.). N. 15. M. 1. E. 30. 1° Cartório Cível e Crime.
Pelotas.
Testamento. Joaquim José de Souza Santana (invdo.). N. 436. M. 30. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1846.
Testamento. Antônio Pereira da Silva (invdo.). N. 451. M. 30. E. 25/6. 1° Cartório de Órfãos
e Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1858.
Testamento. Manoel Domingues de Oliveira (invdo.). N. 150. M.6. E. 16. 1° Cartório Cível.
Rio Grande, 1863.
Testamento. Antônio José Gonçalves Chaves (invdo.). N. 754. M. 45. E. 6/25. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1862.
Testamento. Francisco Aníbal Antunes Maciel (invdo.). N. 3063. M. 108. E.6. 1° Cartório de
Órfãos e Prov. Pelotas, 1877.
Testamento. Balbina Maria Chaves da Silveira (invda.). N. 1042. M.59. E. 6/25. 1° Cartório
de Órfãos e Prov. Pelotas, 1885.
Testamento. João Maria Chaves (invdo.). N. 1082. M. 61. E. 6/25. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1887.
Tutelas
Tutela. Antônio José Gonçalves Chaves (tutor). N. 2965. M. 99. E. 13/43. 1° Cartório de
Órfãos. Rio Grande, 1843.
Tutela. Antônio José Gonçalves Chaves (tutor). N. 2375. M. 97. E.6. 1° Cartório de Órfãos e
Prov. Pelotas, 1° Cartório de Órfãos e Prov. Pelotas, 1866.
272
Tutela. Maximiniano Antônio de Souza (tutor). N. 766. M. 32. E. 28. 2° Orphãos de Pelotas.
Pelotas, 1887.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DENISE OGNIBENI