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Monografia de Mestrado
Mestrado Profissionalizante em Gestão do Patrimônio Cultura l
Área de Concentração: Antropologia
GOIÂNIA
2003
2
Empadão Goiano
AGRADECIMENTOS
Durante toda a pesquisa, muitas pessoas colaboraram para que sua conclusão se
tornasse possível. Agradeço a todas, nomeando algumas em especial.
Aos colegas do Mestrado: Daura Rios, Leila Miguel Fraga, Maria Lúcia Pardi,
Paulo José, Rosaura Vargas e Silvio Bragato. A primeira, pelo empréstimo de livros. A
segunda, pela valiosa sugestão relativa à Folia do Divino, além de textos, livros e fotos
que gentilmente me cedeu. À Pardi, por mostrar o significado de Gestão. Ao quarto,
pela concessão do livro “Cozinha Goiana”. À Rosaura, pela incansável paciência e m
me ouvir. Ao último, pelas preciosas fotos do empadão.
Aos meus amigos, Kátia Lúcia e Márcio Antônio Telles, primeiro por me
incentivarem a prestar a seleção do Mestrado. Segundo, pelo empréstimo de livros e
textos. E por último, por terem me acompanhado na realização do trabalho de campo
relativo à documentação fotográfica.
minha sogra, pela doação dos livros de História de Goiás. Aos meus filhos, Tainá
Azeredo e João Bosco pelo apoio e auxílio no computador. Aos meus familiares que
acreditaram no meu esforço, em especial à Ana Paula por ter realizado a pesquisa no
Jornal O Popular.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................9
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12
Mudança/Continuidade: o significado de Tradição............................................12
Hábitos Alimentares e a Ação Globalizante.......................................................13
CAPÍTULO I...............................................................................................................21
O EMPADÃO E AS FAMÍLIAS DE GOIÁS..............................................................21
Relações de gênero: a mulher, a cozinha e o empadão.......................................21
A casa, a cozinha, o quintal: relações de empréstimos.......................................25
A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas..............................................................31
Memória, uma perspectiva teórica sobre o empadão.........................................42
CAPÍTULO II.............................................................................................................52
O EMPADÃO E AS FESTAS SOCIAIS E RELIGIOSAS..........................................52
O Empadão: “do profano ao mundo religioso”..................................................52
CAPÍTULO III............................................................................................................74
EMPADÃO E CERTOS ASPECTOS ECONÔMICOS E ECOLÓGICOS...................74
Disponibilidade de Gêneros Alimentícios no Século
XVIII................................74
Preferências e Consumo no Século XIX: O Empadão Goiano...........................78
Empadão Goiano: Continuidade e Alterações...................................................85
Empadão Goiano: resultado de uma simbiose entre homem e o
ambiente.......100
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................126
CENTRO DE REFERÊNCIA DO EMPADÃO GOIANO: DO USO SOCIAL À
PRESERVAÇÃO......................................................................................................129
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................134
ANEXOS..................................................................................................................142
8
Resumo
Abstract
This dissertation is based on research I carried out in the City of Goiás, the
former capital of the State of Goiás. Soon after I began this research, however, it
became clear my intention to show the relationship among the empadão-patty: big,
round, flattened cake of ground or chopped food-, the culinary art, and the function of
human genders in the City of Goiás in the last three decades of the nineteenth century.
Besides, one of the aims of this work is to examine the theorical reading on the
empadão, while it is seen as a product of local memory. Following the steps of this
research, I analyze the practices and conceptions of the vilaboenses in relation to the
meanings of empadão in the context of local religious and social functions. Finally, I
contextualize the concept of “tradition” in the perspective of change/continuity
according to the local residents. To start from the ethnographic data and the
bibliographic research, I tried to follow closely the relation between the individuals of
the community and the empadão, by means of the familiar, social, economic, and
ecological orientations that managed the organization of this research as a reference to
the local cookery.
10
APRESENTAÇÃO
1
Bueno, Francisco da S., 1974. “Grande Dicionário Etimológico” - Prosódico da Língua Portuguesa -
Vocábulos, Expressões da Língua Geral e Científica - Sinônimos contribuições do Tupi-Guarani. 3º vol.
E - F. Editora Brasília Limitada. Santos - São Paulo.
11
lugar (Pietrafesa,1998) e introduzimos para uma reflexão teórica que nos possibilita
entender como o empadão combina memória e tradição na dimensão passado/presente.
Ainda nesse mesmo capítulo, voltamos nossa atenção para a relação entre o
empadão e o meio ambiente, contribuindo, então, com a historiografia regional no que
12
se refere à conexão entre comida; meio ambiente e cultura para, enfim, mostrar como o
produto em questão está relacionado à cadeia operatória que, associada aos padrões
ecológicos, determina de maneira considerável a imbricação entre esses elementos que
denotam expressiva e significativa importância para a compreensão do “modo de fazer”
empadão goiano com a cultura local. Nos preocupamos também em estabelecer relação
deste produto, enquanto patrimônio de natureza imaterial, com todo o corpo de
informações relativo ao seu significado simbólico com a perspectiva de referência
cultural, sendo, portanto, primeiramente importante conhecê-lo para, em seguida, ser
preservado ou até mesmo Registrado. Neste sentido, sugerimos o projeto de criação do
“Centro de Referência do Empadão Goiano”, agregado a um espaço a ser ainda
sugerido, que além de expressar a importância deste patrimônio como produto da
memória local, possa dar significado de agregação e integração tanto à comunidade
vilaboense quanto ao turista que a visita.
13
INTRODUÇÃO
Para Hobsbawn e Ranger (1984) In: “As Tradições Inventadas”, a tradição pode
até mesmo remeter a um passado recente. E nas suas palavras por “tradição inventada”
entende-se “um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou
abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente; uma continuidade em relação ao passado” (Hobsbawn & Ranger;
1984: 09). A tradição precisa apresentar duas características: “ser, simultaneamente,
flexível o suficiente para conseguir responder às modificações inevitavelmente
ocorridas no grupo, e capaz de manter uma idéia de continuidade que sustente o vínculo
do presente com o passado” (Porto,1997). Ademais, “os hábitos alimentares
constituem um domínio em que a tradição e a inovação têm a mesma importância, em
que o presente e o passado se entrelaçam para satisfazer a necessidade do momento,
14
Este foi um dos trabalhos que muito nos provocou inquietações e que, sobretudo,
utilizamos como fio condutor para justificar o trabalho em questão. Em seu texto, Mintz
(2001), faz uma breve revisão acerca da comida em vários locais do globo. Assinala
“que a comida torna-se algo muito mais próximo daquilo que consideramos universal,
quando entendemos que a mesma pode representar um diálogo diplomático entre os
15
povos, através de sua inserção no mercado como intercâmbio cultural” (idem). Mintz
inicia sua discussão a partir da difusão mundial de certos alimentos, tais como o milho,
a batata, o tomate, a pimenta-do-reino, a mandioca, o pimentão, o amendoim, a castanha
que se propagaram tanto no Novo Mundo quanto no Velho Mundo. Segundo este
mesmo autor, “estes elementos são algumas lembranças da transformação
revolucionária dos hábitos alimentares, para o leste e para o oeste, há cinco séculos”
(Mintz; 2001:33). Neste sentido, cabe-nos concluir que a comida foi (...) um capítulo
vital na história ainda antes do capitalismo, muito antes dos dias de hoje: como
alimentar pessoas, e como fazer dinheiro alimentando-as. Entretanto, a despeito dessas
grandes mudanças, é verdade que as últimas duas décadas assistiram a uma difusão se m
precedentes de novos alimentos e novos sistemas de distribuição em todo o globo. A
invasão da Ásia pela fast food norte-americana é um importante exemplo dessa
mudança (ver Watson, 1997).
grandes conturbações americanas, sob forma de food courts. Tendo partido da América
para conquistar o mundo, o fast-food é aplicação do taylorismo, ou seja, da divisão e
racionalização do trabalho, à preparação de refeições servidas em restaurante” ( Fichler;
1998: 851).
Muito mais poderia ser dito sobre esse assunto, muitos outros exemplos
poderiam ser citados. Entretanto, verticalizaremos nossa atenção, agora, para um breve
histórico da comida brasileira, para, em seguida, como uma proposta útil, lançar um
olhar sobre o pão de queijo de Minas Gerais, como experiência da promoção do produto
em novas fronteiras.
18
“Em suas viagens, os portugueses trazem para o Brasil e daqui levam toda a
sorte de alimentos. A mandioca e o amendoim conquistaram a África, e os coqueiros e
novos bananais passaram a fazer parte da paisagem da América. Para o Brasil, també m
trouxeram novas fontes de proteínas: galinha, carneiro, gado bovino, pato, porcos e
gansos. Os índios não se adaptariam de pronto a todas elas. Criavam, por exemplo, as
galinhas, mas apenas para vender ovos e animais ao engenho, e não para comê-las. A
ave continuaria sendo considerada como iguaria dominical ou de festa, como indica
uma estrofe satírica, registrada em 1821 e cantada no Recife contra o governador: “A
mulher de Luís do Rego/ Não comia senão galinha; / Inda não era princesa/ Já queria ser
rainha”. 5
2
Folha de São Paulo. “O Tabuleiro do Brasil 500”. Especial 1. Domingo, 2 de abril de 2000.
3
Folha de São Paulo.2000. “Os Portugueses puseram sal na carne e na cozinha brasileira”. p.02.
4
idem.
5
idem.
6
idem.
19
A propósito, o pão de queijo está para Minas como o empadão está para Goiás.
Ao pesquisar sobre o pão de queijo9, confesso que fiquei impressionada ao saber que,
embora tenha sua origem secular, somente passa a ser produzido em escala nacional a
cerca de uma década. Sendo muito recente, o mais curioso é saber que, hoje, aos
poucos, vai ganhando o mundo. O produto já é comercializado nos Estados Unidos,
Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Portugal, Espanha, Japão e Argentina.
Segundo a mesma fonte (p.59), estima-se que existam hoje cerca de 500
indústrias de pão de queijo no Brasil, 70% delas em Minas. Entre as empresas
responsáveis pela expansão do mercado, nacional e internacional, encontramos a Forno
de Minas. Esta chegou a ter 10 mil pontos de venda espalhados pelo Brasil e a produção
alcançou respeitáveis 2,8 milhões de unidades por dia. O negócio chegou a faturar R$
65 milhões por ano. Segundo a fonte de pesquisa, o sucesso foi tanto que chamou a
7
Lima, Andrea. “Ciclo”. Folha de São Paulo.Domingo, 2 de abril de 2000. Especial.p.07
8
idem.
9
Fonte extraída da Revista Sebrae nº4-Maio/Junho 2002.,pp.59.
20
(...) Pratos que enriquecem a história da alimentação brasileira, do trivial ao requinte, nas
reuniões familiares e nas festas tradicionais, como a Empada Goiana (empadão) , o Peixe na Telha
(Prêmio Cheques Cardápio) , a Pamonhada, a Galinhada, o Bolo de Arroz, o Arroz com Pequi, a
Tigelada de Guariroba, o Alfenim, o Licor de Jenipapo, para citar apenas uma dezena destas maravilhas
gustativas, que constituem a cabeça, o carro chefe da culinária goiana (...) ” (Ortencio; 2000:369).
CAPÍTULO I
Durante as etapas de campo, pude perceber nas narrativas uma série de casos
relacionados ao empadão ligados ao aspecto de família. Maria José Goulart Bittar
(2002) , em seu romance As Três Faces de Eva na Cidade de Goiás, por exemplo, nos
trouxe à luz de sua pesquisa alguns elementos que estão em consonância com os dados
coletados por mim na Cidade de Goiás. Segundo a autora, as famílias vilaboenses que
se instalaram no local, seja pelo concubinato ou por raras exceções legitimadas pelo
santo matrimônio, viveram as mais adversas condições de vida do início da colonização,
passando por um certo período de opulência até as três últimas décadas do século XIX.
Brito, (1982), se refere à mães que, enviuvadas, muitas vezes passavam por
sérias privações, indo para a cozinha da casa da família fazer quitandas “para fora”.
Segue sua narrativa:
Uma questão se torna pertinente discutir aqui. Primeiro, a mulher quando ligada
à comercialização do empadão em especial, implanta sua pequena “empresa” de
maneira informal dentro de casa, onde contribui com o orçamento do lar, ou então,
assume diretamente o papel de sustento da casa. O homem, ao contrário, quando
envolve com o comércio de iguarias, quitandas, empadão etc, usa a cozinha como
espaço profissional, constituindo geralmente fora do recinto familiar uma empresa,
adquirindo assim, um caráter formal.
cobertos por alvas e bordadas toalhas brancas, para obter o sustento do diploma de seus
filhos no Rio ou São Paulo”. 10
10
Rodrigues, Maria Augusta Calado de Saloma. 1982. A Modinha em Vila Boa de Goiás.
Goiânia:UFG.p.36.
11
A expressão “quitanda” deriva de um dialeto africano, o quimbundo, se refere ao tabuleiro em que se
expõem mercadorias nas feiras livres (Lancelloti, apud Abdala;1997:01). Segundo Rodrigues (1982,42),
“quitandas” em Goiás é dado à série de bolachas caseiras de sal e doce. Supõe-se que “as mulheres” ora
mencionadas vendendo quitandas fossem escravas domésticas que saíam às ruas para vender as empadas.
26
dos dias, nas festas íntimas, durante visitas, como também na rua, no comércio
ambulante ou das vendas, cabia à mulher toda a função relacionada à comida” (Abdala;
1997:71). “No comércio que se estabelecia nas ocasiões especiais de visitas ou festas
em casa, as mulheres de família, sobretudo aquelas que tinham alguma posse, eram
responsáveis por verdadeiros rituais que se iniciavam na cozinha, na confecção de
pratos, especialmente os doces, e culminavam no arranjo de mesas fartas. Tais rituais
operavam uma transição de fora para dentro da casa, acolhendo aqueles que vinham da
rua - visitas, hóspedes, convidados - através de um código herdado da tradição reinol”
(Abdala; 1997:72).
quintal terminava num beco, num córrego ou no rio” (Rodrigues; 1982:20). ( ver foto
nº01 do quintal atual)
12
Vale ressaltar que, na cozinha “limpa”, se costumava cozinhar arroz, “verdurinha”, comida rápida.
Quanto a cozinha “suja”, se costumava cozinhar feijão, feijão com pele e como foi exposto acima,
funcionava para cozimentos mais demorados.
13
Informante: Srª Laís Munhoz, 62 anos, do lar. Local de nascimento: Arinos-MG. Entrevista realizada
em 11/12/02. Goiânia-Go.
14
Grifo meu. Este forno era reaproveitado. Isto nos sugere, a parcimônia e maximização, cerne da
economia doméstica.
28
durava horas... AH! Ela tampava o suspiro com um pano úmido...” (L.M. 62 anos, do
lar).
A narrativa acima enfatiza dois aspectos que gostaria de discutir neste momento
visando, a uma relação com o empadão: 1º) “cada família se esmerava e ficava famosa
numa determinada receita” como, por exemplo: Dª Sílvia Curado que, a qualquer
recinto que se chega, todos citam-na como referência do empadão, além é claro, do
alfenin. E Dª Antônia - doceira, uma das Irmãs Martins, que na Cidade de Goiás é
famosa pelos “docinhos de limão, recheado com doce de leite”. 2º) “um segredo que
passava a ser da família” como, por exemplo: o miolo de pão que é salpicado no molho
para que fique grosso.
Quanto ao segundo item, notei que muitas das empadeiras guardam consigo “um
segredinho”, que não é passado para qualquer pessoa, principalmente quando é de
“fora”. É o exemplo de uma descendente de família tradicional, que se negou a repassar
a receita, temendo que eu fosse uma concorrente. Interessante ressaltar que esta receita é
uma das poucas referências sobre a massa folhada. Neste caso, pude, então, concluir que
a receita somente é “doada” no âmbito da família, o que significa uma “herança”
passada de mãe para filha. A “nora” somente recebe a receita e o “segredinho” quando
também é vista como mais uma filha que foi agregada ao núcleo familiar. A justificativa
encontrada para tal questão é sempre a mesma: “Ah! ela não serve para fazer isso não.
(...) Não se interessa...”.
Maria Martins (ver foto nº 05) chama atenção para a vocação e o amor. Segundo
ela, “não adianta, se a pessoa não tiver amor”. Conta, também, que muitas pessoas
reclamam que ela fornece a receita errada. “Várias pessoas falam para mim assim:
30
‘você não me deu a receita certa’. E eu respondo que dei sim. Mas se não tem vocação
e amor, não faz o empadão correto!” (M.M.,52 anos, cozinheira, casada).
A relação entre vocação, amor e segredos culinários, no meu ponto de vista, são
muito próximos. Ao afirmar isso, quero dizer que, à medida que a pessoa se dedica,
aperfeiçoa no processo de combinações alimentares, ela vai criando novos códigos que
são, muitas vezes, guardados com o intuito de ganhar mais prestígio sobre aquela
iguaria. No nosso caso, em especial o empadão, pude constatar tal fato a partir dos
dados levantados em campo. Além disso, a narrativa a seguir confirma esta projeção:
“A cada dia que você vai fazendo o empadão, você aprende um novo ‘segredinho’ e faz
sucesso!” (R.M.P. 48 anos, salgadeira).
A impressão que tenho das mulheres vilaboenses que atuam com o “modo de
fazer” empadão é que, maioria, são de origem “tradicional”. A história objetivada de
cada uma dessas mulheres nos dá sustentação para evidenciar uma conjuntura específica
para cada caso que se segue. Todas as entrevistadas que participam deste processo
foram e são ponto de apoio e referência para atitudes importantes nos momentos
decisivos. Elas consolidam, ao longo de décadas, uma função de protagonistas que
dirigem muito mais que a cozinha. Considere-se, inclusive, que “a própria cozinha,
numa cidade típica do interior de Goiás, já exerce um papel fundamental na vida social,
posto que nas casa é que ocorrem as reuniões políticas” (Ribeiro; 1998:306).
15
Chamo atenção para a carne bovina, porque este é o primeiro dado encontrado entre as narrativas que
apresenta o ingresso deste produto no empadão goiano. Subentende-se, portanto, que pelo fato de o
empadão ser um prato para dias especiais, ou seja, característico de um ritual, isto pode siginificar a
combinação dos ingredientes como símbolo de fartura.
31
matriarca vem do latim - mater - e significa mãe, aquela a quem é socialmente atribuído
o papel de mãe, pessoa muito boa, dedicada, desvelada. Neste sentido, considera-se
matriarca, a mulher/mãe que exerce autoridade significativa na família. Na interpretação
de Bittar, o contexto que origina a vilaboense-matriarca - a economia de subsistência -
também intensifica e consolida esse papel, uma vez que leva o homem a ausentar-se de
casa e das decisões do dia-a-dia, forçando-o a buscar trabalho como tropeiro, boiadeiro
ou soldado.
O papel central que a cozinha assume aqui neste trabalho torna-se possível pelo
fato de a cozinha materna na Cidade de Goiás, permanecer viva, constituindo elemento
importante na pauta da identidade local. A cozinha é investida da responsabilidade de
resgatar a identidade local. Portanto, ela aparece como elemento agregador, mesmo
daqueles que vivem fora da sociedade em questão.
“Quem faz o melhor empadão aqui é minha sogra. Toda vez que
a gente vem para Goiás, ela faz um especial” (I.R.L. 40 anos,
publicitário).
Vimos, portanto, que a cozinha materna representa uma referência viva mesmo
na memória daqueles que migraram. À seguir, veremos como esta cozinha materna, em
consonância com concepções vilaboenses, traduz em si histórias de vida que expressam
práticas e valores tradicionais.
16
A respeito do debate teórico sobre memória, ver Halbwachs(1990).
33
A entrevistada revela que, aos dez anos de idade, se lembra de uma “morena
muito antiga” e que entregava empadão em casa, para seu avô, por encomenda. “Ela
chamava Maria Nazaré. Ela morava lá na rua Boa Vista, ela fazia um tabuleiro grande,
que as empadas era desse tamanho18. E não era fôrma de barro não porque a fôrma de
barro é muito pesada, era de lata”.
17
Sobre esta questão, tratarei mais adiante com maior propriedade mostrando a relação entre os produtos
da natureza/quintal/fazenda/comércio.
18
Quando questionei sobre o tamanho do empadão, ela mencionou cerca de 20cm. A informante disse
ainda que as fôrmas eram feitas no latoeiro.
34
Sobre a geração de mulheres mais velhas que não se casaram e não tiveram
filhos - as celibatárias-, constatou-se que muitas não fazem empadão. “Sabem de cor a
receita”, mas não o fazem devido a algumas razões que merecem análise. Primeiro, não
constituíram famílias. Segundo, ocuparam-se com outras especialidades culinárias,
como, por exemplo, os doces. Terceiro e último, porque ac ham que não são pessoas
“apropriadas”. Entretanto, há aquelas que o fazem, e assessoram diretamente a vida
escolar dos sobrinhos e sobrinhos-netos, com parte do lucro proveniente da venda do
empadão.
Essas justificativas nos parecem procedentes, mas pensamos que é preciso situá-
las, com algumas peculiaridades, em relação ao fato dos não-casamentos na Cidade de
Goiás até meados do século XX. Em geral, alguns argumentos nos permite m
compreender as razões que definiram este aspecto: “a) a falta de rapazes di sponíveis; b)
dedicação aos pais na velhice; c) dedicação aos irmãos e sobrinhos; d) inexpressividade
dos pretendentes; e) fidelidade a um namorado distante; f) temperamento inadequado ao
casamento” (Ribeiro; 1998:304).
Goiandira do Couto, 86 anos, celibatária, (ver foto nº 06) não faz empadão.
“Sabe de cor a receita”, porque presenciou várias vezes sua avó fazê-lo. No entanto,
observei, no seu depoimento a crença de que a mulher não pode comer empadão quando
está de resguardo. Vejamos, portanto, o seu relato:
19
Nunes, Heliane Prudente. 2001. “Histórias da Família no Brasil e em Goiás: Tendências e Debates”.
In: Goiás: Identidade, paisagem e tradição/ Nasr Fayad Chaul; Paulo Rodrigues Ribeiro(Orgs.). Goiânia:
Ed. da UCG. p.69.
20
“É durante o resguardo, período de reintegração simbólica e de restabelecimento do equilíbrio
orgânico, que são seguidas uma série de restrições alimentares. Durante o resgurado cumpre restabelecer
o equilíbrio. Por isso são interditados os alimentos definidos como “quentes”. Igualmente não deve a
35
Com menor freqüência, observei que muitas das mulheres vilaboenses não
fazem empadão quando de resguardo. A causa é sempre explicada como um período em
que o corpo está em convalescença e que não deve haver contato com fogo, forno, fazer
esforço para abrir a massa. Com maior freqüência, não comem o empadão, justificando
que é uma comida “quente” e “reimosa”. Transcrevo outro exemplo:
Woortmann (1978) , considera que “em muitas culturas, se não em todas, o ciclo
fisiológico da mulher é apreendido simbolicamente e tornado critério definidor de sua
posição nas respectivas sociedades. A menarca 22, a menopausa, a menstruação, a
gravidez e o puerpério são mais do que momentos ou estados fisiológicos - ‘são
mulher comer alimentos “fortes”, pois seu organismo está fraco, e o resguardo é análogo a uma
convalescença. Ademais, são-lhes interditados quaisquer alimentos ‘reimosos’” (Woortmann;1978:164).
21
Vale lembrar que Brandão (1981) realizou sua pesquisa em Mossâmede-GO, cidade vizinha a Cidade
de Goiás, portanto, o seu estudo se aproxima da realidade regional.
22
Primeira menstruação
36
Ademais, aqui, torna-se pertinente apontar uma questão ainda não dimensionada
anteriormente: a distinção entre empadão especial/familiar; empadão familiar e
empadão. O primeiro se refere, ao que tudo indica, à uma ocasião especial, quando a
matriarca vilaboense prepara o empadão de acordo com o gosto de cada filho ou
membro da família no âmbito do privado e que tem uma conotação de “ritual” de
comensalidade.
23
Coxa chata = sobrecoxa do frango.
38
ou um “X” em cima para o diferenciar dos demais. Percebe-se, então, uma certa
“linguagem de sinais” que é criada para estabelecer certas diferenças entre os empadões.
Em sua trajetória de vida, Sílvia Curado conta a morte de seu pai, em 1944.
“Meu pai morreu cedo, em 44. Ele cozinhava divinamente bem”. Isto sugere que, antes
da década de 40, há registro de homens na cozinha, o que desconstrói toda concepção
naturalizada de que somente as mulheres cozinhavam na Cidade de Goiás. Nesta mesma
direção, constatei que, quanto ao empadão, os homens também participaram da tarefa de
buscar e cortar lenha, buscar guariroba, contribuindo, então, com a divisão de tarefas.
O que vale destacar aqui são dois aspectos importantes: 1º) a relação entre
história e cotidiano; 2º) a divisão de tarefas. Ao longo da história, foi naturalizado que o
homem esteve sempre vinculado à esfera de produção, da vida pública e em “chefes de
família”, ao contrário das mulheres, fixadas à esfera doméstica enq uanto mães de
família. No entanto, após o levantamento dos dados, observei que, diferentemente deste
posicionamento, alguns homens; estiveram, sim, ligados às tarefas domésticas,
principalmente em dias de festa ou em ocasiões excepcionais. O que sugere estabelecer,
aqui, uma distinta comparação entre a mulher que cozinha cotidianamente, em oposição
ao homem que cozinha em dias especiais, em uma reunião familiar ou de amigos ou aos
domingos. Tal fato nos permite considerar que há uma imbricação com relação à divisão
de tarefas, sobretudo quando este imenso campo da vida privada e cotidiana se define
como um lugar derivado de historicidade, mas, principalmente, espaço produtor de
história- história do homem que sai para lenhar, buscar a guariroba, carregar a argila
entre outras atividades em relação ao “modo de fazer” empadão.
24
Grifo meu.
25
Dª Sílvia Curado é doceira reconhecida internacionalmente e só faz empadão para a família.
26
Grifo meu.
40
“Éramos onze, então era muito filho, pra minha mãe cuidar e
meu pai. Ele era muito rico e quebrou. Então ele ficou meio
desequilibrado, não se conformou com nada. Então minha mãe que
pegou o peso da casa... É, ela vendia empada, eu comecei a fazer
empada com sete anos. Eu comecei a fechar. Ela colocava os menores
pra ir fechando. Ela mandava a gente fazer com o dedo. Modelando a
empada pra ficar bonita. (...) Então com sete anos, a minha mãe
colocava eu e a minha outra irmã de seis... cinco anos, pra gente
aprender primeiro a modelar. (...) ” (Dª O. L. 47 anos, comerciante).
27
Ribeiro, Paulo Rodrigues. 2001. Sombras no Silêncio da Noite: Imagens da Mulher Goiana no Século
XIX. In: Goiás: identidade, paisagem e tradição/Nasr Fayad Chaul; Paulo Rodrigues Ribeiro (Orgs.). -
Goiânia: Ed. da UCG. p. 46.
28
Foi necessário instituir este termo ‘Patrimônio da Humanidade’ aqui neste momento, para estabelecer
um referencial do antes e depois. Apesar de como veremos nos aspectos econômicos, a
mudança/continuidade relativa ao modo de fazer empadão se acentua a partir dos anos 70 no século
passado.
29
O termo grupo é aqui utilizado num sentido generosamente lato e com alguma flexibilidade de
significado, de forma a incluir tanto as pequenas sociedades, em que todos se conhecem, como as
sociedades territorialmente extensas, em que a maior parte dos seus membros não se pode conhecer
pessoalmente (Connerton;1999:01). Devo lembrar que a Cidade de Goiás vive hoje esta flexibilidade,
dado à complexidade alcançada pelo título de Patrimônio da Humanidade.
43
Para Connerton (1999), toda recordação, por muito pessoal que possa ser,
mesmo a de acontecimentos que só nós presenciamos, ou a de pensamentos que ficaram
por exprimir, existe em relação com todo um conjunto de idéias que muitos outros
possuem: com pessoas, lugares, datas, palavras, formas de linguagem, isto é, com toda
48
vida material e moral das sociedades de que fazemos parte, ou das quais fizemos parte 31.
Isto, aplica-se diz Halbwachs, tanto às memórias recentes como às distantes, pois aquilo
que une as primeiras não é o fato de serem contíguas no tempo, mas antes o fazere m
parte de um conjunto de pensamentos comuns a um grupo. Para evocar essas memórias
é suficiente, mais uma vez, orientarmos a nossa atenção para as recordações que
ocupam um lugar principal nos pensamentos do grupo (Halbwachs,1990).
* * *
31
Connerton, Paul. 1999. Como as sociedades se recordam. 2ª edição, Ed. Celta.
49
A memória ocupa lugar no espaço, cria vínculo que une o espaço privado ao
espaço público. Neste sentido, os domínios da rua se diferenciam dos domínios da
cozinha. Na rua se faz o empadão no estabelecimento da esquina, no mercado, no posto
da “patricinha”, na praça. Na cozinha se faz o empadão no fogão de barro construído
pelo seu Francisco ou pelo seu Du, se faz no tacho de cobre da vovó, com a colher de
pau feita pelo “negão ”, se faz com o mesmo carinho e dedicação da avó que
personalizava os seus empadões, se faz com a panela de ferro herdada pela mãe, se faz a
massa na mesma mesa secular fabricada por seu pai, se guarda a farinha de tr igo na
prateleira da mãe. Entretanto, o domínio privado se abre para o público. É na cozinha
que se trocam receitas, é na cozinha que acontecem as reuniões, é neste espaço que a
neta aprende com a avó, com a mãe e assim sucessivamente. Pois é através deste espaço
que a vizinhança fica sabendo quem melhor faz o empadão.
Ademais, o esboço teórico acima nos possibilita, portanto, perceber como as noções de
tradição, memória e identidade se interrelacionam. E mais: “se memória é um discurso,
este se dá num espaço específico. Esses espaços possibilitam memórias distintas”
(Woortmann; 1998:106).
52
CAPÍTULO II
Conforme afirma DaMatta, “... o mundo das comidas nos leva para casa, para os
nossos parentes e amigos, para os nossos companheiros de teto e de mesa. Essas pessoas
que compartilham intensivamente da nossa vida e intimidade. Intimidade que se faz na
casa e na mesa, onde somos sempre e necessariamente tratados como alguém e temos
direitos perpétuos de cidadania” ( DaMatta; 1986:53-54). Nesse sentido entende-se que
a alimentação humana é um ato social e cultural (Molina,2001).
32
“ A copa e a sala de jantar usada somente nas festas aparecem nas primeiras décadas do século XX.
Até meados desse século, portanto, os espaços onde se preparavam ou se comiam alimentos
permaneceram centrais, aglutinadores da intimidade e da vida doméstica. Nesses espaços, a mulher
permaneceu sendo a agente principal, coordenando as atividades centradas na cozinha, no cuidado com a
casa e com as crianças, quando não sua responsável direta”(Abdala;1997:104).
53
“Situada na parte de trás da casa, ali se prepara e se serve a comida. Além disso, mesmo
fora dos horários das refeições, é um local de descontração, onde a conversa deixa
transparecer intimidade e se desenrolam inúmeros “causos”” (Molina; 2001:130). Não
por acaso, Bariani Ortencio (2000) chama atenção:
Neste sentido, “compreendemos a cozinha goiana num contexto mais amplo, não
somente como um conjunto de hábitos alimentares como também de um importante
espaço onde se desenvolve o convívio e as relações sociais” (Molina,2001:130).
Continua a autora:
Regina Lacerda (1977) 33, que pesquisou sobre o folclore goiano, deixou
registrado que nos dias festivos, a empada goiana é de presença obrigatória. Brandão (
1981 ), conta que, em nenhum outro momento, a não ser durante as festas de Igreja, há
tantos e tão insistentes convites para “ pamonhadas ” feitas nas fazendas ou na cidade.
Ele não menciona o empadão.
33
Lacerda, Regina.1977. Vila Boa, história e folclore. Goiânia: Oriente. 2.ed. p.39.
54
Vivência Bretas Tahan (1995) filha de Cora Coralina que em seu livro Cora
Coragem, Cora Poesia, reporta às primeiras décadas do século XX, quando do
casamento da irmã mais velha de Cora Coralina, também de nome Vivência, descreve o
referido momento:
Albernaz (1992), em seu livro Reminiscências relata que sua avó paterna [mãe
Ita] aniversariava no dia 6 de janeiro, dia dos Santos Reis, e que havia sempre um jantar
festivo para comemorar o evento. Segue abaixo sua narrativa:
34
Grifo meu. No casamento foi servido empadão adaptado, esta é a primeira vez que é mencionado.
35
Grifo meu. A narrativa sugere que estas empadas sejam individualizadas, típicas de reuniões sociais
familiares.
55
Tudo isso revela que a comida se refere a algo que ajuda a estabelecer uma
identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa. O empadão
enquanto produto da comida 40 regional, expressa algo que diz respeito a um prato que
tem peso social muito importante, pois inventa a sua própria ocasião social. Ademais,
também se refere a algo que exprime possibilidades simbólicas e por isso permite
realizar uma importante mediação entre a sua forma e função.
36
Carvello, Ciça. 2001. “Economia & Desenvolvimento”. Ano II nº 8 julho/setembro.p.71.
37
idem.p.74.
38
A respeito de receitas relativas à comida típica goiana ver: Ortencio,2000.
39
grifo meu.
40
Mais adiante, farei a distinção entre comida e alimento. No entanto, vale ressaltar que, neste momento,
o empadão ainda nos é entendido como algo que se refere à comida, já que tem uma propriedade que
define um domínio e põe as coisas em foco, por exemplo, a sociabilidade.
56
41
Grifo meu. A expressão usada pela informante “franguinho” e “empadinha” sugere que sejam
produtos pouco valorizados. No capítulo III, retomarei esta discussão, mostrando a relação entre frango
caipira, criação doméstica x “franguinho” congelado de supermercado.
57
“Veja aqui a minha formona, que eu ainda faço até hoje. Essa é
para festa de Natal. Esse ano passado (2001) fiz quatro formona de
empadão. Agora foi diminuindo... Eu tenho cinco tamanho de
empadão. Varia de todo tamanho. Mas antigamente só fazia grande.
O empadão não era comercializado. O empadão foi surgindo como
um prato, para reuniões de família. Para não fazer várias iguarias.
Então, minha mãe falava... que eles então inventaram um prato que
tinha todas as carnes, todas as coisas num prato só e com uma massa.
(...) ( Dª M.M., 52 anos cozinheira).
“Potages
Vermicelle. Consomé, Orge perlè.
Hors d’ouvre
Croquettes aux pommes de terre. Petits patès de viande. Patès
de poisson.
Rele vès
Poisson a la goyene. Roast-beef aux petits pois.
Mayonnaise de poulets. Filets de boeuf a la Custodie. Perdrix
farci
Rotis
Pigeons au cresson. Paca aux olives. Salade aux oeufs.
Legumes
Haricots verts. Petits pois.
Dessérts
Pouding à la federation des provinces. Gelleé aux oranges. Crême
à la Sainte Therese.
Café, cognac, liqueurs.
60
Vins
44
Goyaz, 15/06/1888 apud Bittar; 2002:136.
45
Voz do Povo, 02/10/1931 apud Bittar 2002.
46
Especificamente sobre a Marcha para o Oeste e a Criação da Fundação Brasil Central. Ver: Lima
Filho, Manuel Ferreira. 2001. O desencanto do Oeste: memória e identidade social no médio Araguaia.
Goiânia: Ed. da UCG.
61
47
Diário da Tarde de 11 de dezembro de 1961 apud Ortencio; 2000: 408.
62
“ (...) teve um dia que nós fizemos duas mil formas de empadão
para ir para o clube em Goiânia, que foi lá a festa do negócio de
título de Patrimônio, então, a festa foi lá (...) ” ( Dª E.C.S., 65 anos,
ceramista).
48
DaMatta; 1986:63/64.
49
No aspecto econômico, mostrarei também a relação do empadão com o comércio. A sugestão aqui
presente torna-se necessária para caracterizar a distinção entre forma e função.
63
empadão redondo especial (36 cm) = Natal; Semana Santa; Dias das Mães =
agregação familiar e ritual de comensalidade familiar.
50
O sistema de “curtir ou curar” faz-se necessário, pois a panela que não é curada antes de ser usada
pode arrenbentar ao ser levada ao fogo diretamente com os alimentos. Mais adiante, tratarei com maior
propriedade esta questão da cerâmica vilaboense e tratamento de “cura”.
51
É necessário salientar que as condicionantes ligadas ao preparo e confecção do Empadão de Goiás,
sobretudo no que se refere ao receituário, depende de um conjunto de variantes que veremos mais adiante.
Isto é, os ingredientes usados na confecção do empadão, depende do gosto de cada família, ou então, do
gosto da freguesia, o que permite afirmar que o empadão tem em si um conjunto de “adaptações” e que
estão ligadas a um complexo de fatores econômicos e culturais.
64
52
Bariani Ortencio(2000), em seu trabalho “Cozinha Goiana”, escreveu sobre “Tabus e Crenças
Alimentares Existentes em Nosso País”. Desta forma, faz referência quanto à carne vermelha: “
Incompatibilidade ou obrigatoriedade de alimentos, por imperativos religiosos: Proibidos: Carne durante
a Semana Santa ‘ofende a Deus’; Carne na quartas e sextas-feiras santas ‘é pecado’ (...). Obrigatórios:
pescados na Semana Santa, ‘porque não têm sangue’.(...) (Ortencio; 2000:482/483).
53
“ Frango e festa: O frango é comemorativo. Numa mesa que se preze não pode faltar o frango. Quando
chega uma visita no interior já se põe os meninos correndo atrás dos frangos. A galinha é mais usada para
as coxinhas, as empadinhas e os resguardos, por serem maiores. A carne da galinha também desfia-se
melhor. Um resguardo de parto, antigamente, constava de 40 galinhas, uma cada dia
”(Ortencio;2000:433).
54
A Folia do Divino Espírito Santo na Cidade de Goiás ocorre no Domingo de Páscoa. Com relação à
Festa do Divino Espírito Santo, esta ocorre 50 dias, ou seja, 7 semanas após a Páscoa.
65
É justamente para uma imbricação deste tipo que se pode analisar a empadinha
da Folia do Divino Espírito Santo como algo que significa comunhão. A palavra
55
Vale ressaltar que a Festa do Divino Espírito Santo para a comunidade vilaboense é dividida em
momentos: 1º os vários dias do giro da Folia (três finais de semana consecutivos que se iniciam no
domingo de páscoa; 2º os dias de pré-novena (nove dias antes de iniciar as novenas; 3º os dias de novena
(nove dias antes do dia de pentecostes) e por último o dia da festa que é o domingo de pentecostes (50
dias após a Páscoa). Estas informções foram cedidas gentilmente por Leila Miguel Fraga que está
estudando a Festa do Divino Espírito Santo na Cidade de Goiás.
67
Se, por um lado, sabemos que o significado de empada = pão, por outro lado,
sabe-se que o pão pode significar o símbolo do sagrado na Folia do Divino, pois para
Santo (1988) que escreveu “Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa”, no ato
da ceia do culto do Divino: “trazem então para a mesa o mais sagrado e o mais Santo de
todos os alimentos: pão comum” (p.129). Para Mayol (1998) 57, o pão, “não é tanto um
alimento básico mas sobretudo um “símbolo cultural” de base, um monumento sem
cessar restaurado para conjurar o sofrimento e a fome” (p.133). E continua o autor: “o
pão suscita o respeito mais arcaico, é quase sagrado. Jogá-lo ao chão, pisá-lo é visto
como sacrilégio. O pão é um memorial”58. Pode-se afirmar, o empadão é um memorial.
Baseado no que foi apresentado acima, proponho-me, então, a fazer uma relação
entre o sentido etimológico da palavra comunhão com a Santa Ceia, afim de mostrar
como a expressão tem no bojo da questão o propósito de consagrar e unir um grupo e m
torno da comida. Logo, se comunhão = comm~un~i-one, não poderia escapar de nossa
atenção a representação simbólica da Santa Ceia em relação ao significado etimológico
da palavra empadão = pão o que pode simbolizar o Corpo de Cristo no ato da eucaristia.
56
Bueno, Francisco da S., 1974. “Grande Dicionário Etimológico” - Prosódico da Língua Portuguesa -
Vocábulos, Expressões da Língua Geral e Científica - Sinônimos contribuições do Tupi-Guarani. 3º vol.
E - F. Editora Brasília Limitada. Santos - São Paulo .
57
Mayol, Pierre. 1998. O Pão e o Vinho. In: A Invenção do Cotidiano: 2. morar, cozinhar/ Michel de
Certeau, Luce, Pierre Mayol.-Petrópolis, RJ: Vozes.
58
idem
68
* * *
59
Para maiores detalhes a respeito da Festa do Espírito Santo na Cidade de Goiás, ver: Fraga, Leila
Miguel. 2003. O Divino Espírito Santo na Cidade de Goiás. Uma festa para o Patrimônio e a Memória.
Dissertação de Mestrado. UCG.
69
60
Ressalta-se que nossa preocupação consiste em entender o processo de manufatura dos utensílios
cerâmicos da Cidade de Goiás, ligados ao preparo e consumo do empadão a partir do século XIX, com a
finalidade de caracterizar o tamanho da fôrma utilizada em cada momento do contexto de festas sociais e
religiosas. Através da análise tipológica do utensílio cerâmico, torna-se possível reconstituir alguns
elementos característicos do processo de confecção e preparo dos alimentos. Ademais, Souza (2000),
apresenta em seu trabalho, algumas discussões ligadas à forma como os grupos domésticos se
estruturaram em Goiás no século XVIII, sobretudo por meio da identificação das relações de gênero.
70
Na Cidade de Goiás, havia uma legião delas que faziam parte da família. Não
por acaso o depoimento abaixo retrata esta questão:
“Eu tinha uma ‘ preta’ lá em casa, que era ‘peão’. Ela era
cozinheira e fazia as fôrmas de barro” (B.G.89 anos, do lar).
Dona Eva Carneiro dos Santos, nascida em 1937 na cidade de Goiás, profissão
ceramista. Proprietária da Cerâmica Arte à Mão, em entrevista, relatou que, desde os
sete anos, aprendeu a fazer cerâmica, sendo ela descendente de africanos e tendo toda a
sua família envolvida no processo do “modo de fazer” cerâmica, como apresenta o seu
depoimento:
Conta ainda que a cerâmica popular local hoje abandonou o padrão decorativo,
utilizando-se de raras exceções. Nesta perspectiva, a informante acrescentou també m
que a fôrma cerâmica para o preparo do empadão possui vários tama nhos (ver foto nº 16
e 17). O que pode variar entre 38cm de diâmetro; 14 cm a 10cm de diâmetro, como
declara o seu depoimento:
61
Entrevista concedida à Leila Miguel Fraga em 16/04/1998.
71
63
Por um lado temos tigelas tamanho família (com 38cm de diâmetro) . Por
outro, a exumação de tigelas com motivos decorativos confeccionadas por escravas no
século XVIII (Souza, 2000). Assim, levanto aqui uma questão que a considero
pertinente: quem sabe a cerâmica do empadão goiano “antigamente” não tinha motivos
decorativos? Relembrando as palavras de Dona Eva ceramista, “curiosamente a
cerâmica hoje deixou os motivos decorativos” (ver foto nº 19). Ademais, com as
“adaptações” do empadão sofridas ao longo dos anos, o seu recipiente, foi també m
sendo modificado de acordo com a ocasião.
62
Dª Eva nos informou também que, atualmente, em sua residência, ela faz empadão em uma fôrma
retangular de cerâmica, que se aproxima à uma fôrma Duralex com aproximadamente 28cm de largura e
38cm de comprimento (ver foto nº 18).
63
Durante a pesquisa de campo encontrou-se na casa de Dª Maria Martins, uma cerâmica utilizada para
fazer empadão em festas de final de ano com 36cm de diâmetro(ver foto nº 20).
72
somente em dias especiais. Ao mesmo tempo que, na rua, esta prática é reforçada
através da expansão dos restaurantes de comida típica. Assim sendo, a produção do
utensílio cerâmico na Cidade de Goiás, hoje, atende mais à uma dimensão de
comercialização em grande escala com o intuito de atender aos restaurantes do que
necessariamente aos habitantes que a usam esporadicamente no preparo dos alimentos.
64
A marmelada de Santa Luzia-GO, é registrada por Sant-Hilaire(1975) no século XIX.
73
CAPÍTULO III
65
Fonte: Folha de São Paulo - Especial 1. Domingo, 2 de abril de 2000. In: “Tabuleiro do Brasil
500”.p.06.
66
idem.
67
op cit.
68
idem.
69
idem.
75
Bertran (1978) em seu livro “Formação Econômica de Goiás”, afirma que, “em
Goiás, o comércio desenvolvera-se consideravelmente. Em 1741 compunha-se de 253
estabelecimentos de que citam-se 146 vendas (capital de aproximadamente 2
quilos/ouro) e o restante lojas ( capital de uns 5 quilos/ouro) resultando como fundo de
comércio da capitania uns 800 quilos de ouro. Ainda no mesmo ano a renovação de
estoques importados atingia de 350 a 700 quilos/ano (entradas) a que se pode acrescer
uns 50% da produção agrícola do ano, atingindo o todo uns 500-700 quilos de ouro de
giro de mercadorias e o encerramento do ano com uns 30% de estoques” (p.39). Nas
palavras de Silva e Souza (1998) 70, durante o século XVIII:
“Os generos de importação são o sal, que se calcula em 1000 alqueires (...) ”
(Silva e Souza apud, Teles; 1998:161).
70
Teles, José Mendonça. 1998. “Vida e obra de Silva e Souza” . 2ª edição - Goiânia: Ed. UFG.(Coleção
Documentos Goianos nº 31).
71
Ver: os principais caminhos coloniais do século XVIII in Rocha, Leandro Mendes(Org.). 2001.“Atlas
Histórico: Goiás pré-colonial e colonial. Goiânia: Editora do CECAB. p. 51.
72
Callefi, Gislaine Valério de Lima.2000. Preferências e Possibilidades de Consumo em Goiás nos
Séculos XVIII e XIX. Dissertação de Mestrado, Faculdades de Ciências Humanas e Letras, UFG.
76
A mesma autora acrescenta ainda que, além, das metrópoles mencionadas acima,
as províncias brasileiras que se dedicaram ao abastecimento das áreas de mineração
foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e a região platina. Com efeito, esta nova
realidade provocou algumas situações negativas nas regiões abastecedoras, como, por
exemplo, a falta de produtos para o abastecimento da população local, e a especulação
de preços. Zemella (1990) ao escrever sobre “O Abastecimento da Capitania das Minas
Gerais no Século XVIII” nos relata os produtos exportados para as regiões mineradoras:
toucinho, aguardente, açucar, trigo, entre outros73. “As carnes de porco e o toucinho
eram mantidos em bom estado pelo processo da defumação” 74. E conta ainda que,
“outro fator que contribuía para as demoras dos fornecimentos e para o encarecimento
de todos os artigos - além das estradas, era a multiplicidade de barreiras onde se
pagavam impostos e se procedia à revista e contagem das mercadorias”. Conta ainda
que na travessia dos rios também pagavam as mercadorias direitos de passagem. E
lembra a impossibilidade de abertura de novos caminhos (Zemella; 1990:197).
Entre os principais produtos importados de Portugal no século XVIII
destacavam-se: alho; azeitona; azeite; bacalhau; nozes; sal; sabão; vinhos e aguardente
(Callefi; 2000:36) 75. Ressalte-se que, entre estes ingredientes, o toucinho, o trigo, assim
como o sal, a zeitona, são ingredientes básicos do empadão.
Segundo, Leandro Mendes Rocha (2001) os produtos que chegavam até
Goiás, no sistema colonial, saíam de Lisboa chegando até os portos de Belém; Salvador;
Rio de Janeiro e São Paulo para posteriormente seguirem viagem até Vila Boa.
Souza (2000) 76 assinala o referêncial sobre a alimentação utilizada na mineração
em Goiás durante o século XVIII, ao tecer considerações a respeito do feijão
combinado com toucinho, o eventual consumo de galinha, porco, gado e caça. Além
disso, o arroz, os derivados de milho, com destaque para sua farinha e como suplemento
os vegetais encontrados no cerrado. Ao que tudo indica, desenvolveu-se, então uma
cozinha própria, adaptada à conjuntura resultante das dificuldades na aquisição de
produtos provinientes de fora e aos altos preços77. Vale lembrar que, devido as altas
73
Zemella, M.P.1990. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo:
HUCITEC.p.59.
74
Zemella;1990: 198.
75
Grifo meu.
76
Souza, Marcos André Torres de. 2000. Ouro Fino. Arqueologia Histórica de um Arraial de Mineração
do Século XVIII em Goiás. Dissertação de Mestrado, Faculdades de Ciências Humanas e Letras, UFG.p.
99.
77
Zemella conta que, “ outro fator que contribuía para as demoras dos fornecimentos e para o
encarecimento de todos os artigos - além das estradas, era a multiplicidade de barreiras onde se pagavam
77
taxas cobradas pela Coroa, somente os ricos senhores tinham acesso aos artigos de luxo
(Abdala; 1997:61).
Para encerrar o nosso cenário alimentício dos anos da mineração, sem ainda
fazer alusão ao empadão goiano, continuo in Bertran (1994), que comenta que a
culinária inicial era fundamentalmente carnívora e atesta que o arroz viria mais para o
fim do século XVIII, quando já se cultivava em escala no sul de Minas, e que,
curiosamente conforme, Suzane Chantal, nesta mes ma época o arroz com feijão era um
prato muito apreciado em todas as classes, em Portugal.
impostos e se procedia à revista e contagem das mercadorias”. Conta ainda que, na travessia dos rios,
também pagavam as mercadorias direitos de passagem. E lembra a impossibilidade de abertura de novos
caminhos(Zemella;1990:197).
78
produtos das nações amigas. Outras questões, aqui presentes e, que, por conseqüência
estão ligadas à preferência e consumo em Goiás de produtos importados, é o retorno de
D. João VI a Portugal em 1821 e o pós-22, pois, considerando os termos que se deu à
Independência, observa-se que não houve uma queda significativa no setor de
importação.
Sabe-se que, ao fugir para o Brasil em 1808, D.João VI trouxe em sua comitiva
especialistas em cozinha. Entre os cardápios oferecidos, encontra-se empadas78. No
mesmo ano, com a abertura dos portos, ocorre o ingresso de novos comerciantes e
novos produtos. Ademais, um número crescente de imigrantes também chegou ao país.
Os novos imigrantes introduziram massas de toda a espécie (Ornellas,2000). Dessa
forma, contribuíram grandemente para tornar muito maior o consumo do trigo, quer
para as massas, quer para o pão branco (Ornellas,2000).
78
Ornellas, Lieselotte Hoeschl. 2000. A alimentação através dos tempos. 2.ed. - Florianópolis: Ed. da,
UFSC. p. 240.
79
outro dia. No outro dia amanhecia lisa, macia que era uma beleza. É,
ficava folhada... Hoje ela fica é ressecada, dura” (B.M.S. 89 anos,do
lar).
79
Alencastro, Luiz Felipe de. 1998. “ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista”. In: História da Vida
Privada no Brasil. vol.2. Império: a corte e a modernidade nacional. Companhia Das Letras.
80
A palavra aseitona foi escrita conforme a fonte pesquisada (Callefi,2000), o que sugere que no anúncio
original deve ter sido desta forma.
81
Para maiores informações ver: Correio Official, n.20, 16/03/1878.p.4. E anúncios dos jornais “Correio
Official” e “ A Província de Goiás” correspondente ao período de 1865 a 1889. - Arquivo Histórico
Estadual de Goiás(AHEG).
82
Entre os anos de 1780 a 1822 os dados da cobrança de dízimo revelam, com mais segurança, os gêneros
que eram produzidos localmente. Os principais eram: milho, mandioca, feijão, arroz, aguardente, açúcar,
rapadura, algodão ( Salles, 1992 apud Callefi; 2000:59).
81
licores, louças, latarias, manteiga, camarões e peixes secos” (Brito; 1982:176). Nesta
mesma direção, Paulo Bertran (1978) completa as seguintes referências, ao apontar a
importância do setor de importações no século XIX: “Via Belém os produtos [de
importação] chegavam a Goiás por menos da metade do preço do que pela via da Corte”
(p.54).
Cabe ressaltar que, aqui em Goiás, o empadão sofreu ‘adaptações’ como por
exemplo, a introdução da guariroba como será visto mais adiante. As primeiras
referências do tipo mais anti go, indicam que o empadão goiano, tenha sido introduzido
inicialmente no espaço doméstico. Atribuí-se a este empadão “dos antigos” os seguintes
ingredientes: farinha de trigo; banha de porco; ovo; salmoura; galinha; toucinho; carne
de porco; azeitona; queijo; pão; lingüiça e guariroba. Sobre o processo de abertura da
massa, inclui-se também, a utilização da folha de bananeira ou uma toalha molhada,
sendo o preparo de véspera caracterizado por uma massa folhada a partir do fermento
caseiro.
83
Gomes, Margareth. 2001. Sabores que são nosso Patrimônio. In: Jornal “O Popular”. Goiânia,
segunda-feira, 17 de dezembro.
84
Em entrevista concedida, Goiandira do Couto, informou que esta receita do fermento caseiro é de pelo
menos, primeira metade do século XIX. A informante não soube com precisão informar ao certo a data da
referida receita.
82
“FERMENTO CASEIRO
5 colheres de farinha de trigo
2 colheres de água
Coloque todos os ingredientes numa cuia de cuité e misture bem. Deixe descansar por
12 horas. Quando a massa crescer e azedar está pronta para ser usada em bolos e pães”
85
A especificidade do fermento caseiro nos sugere que ele pode ter sido uns dos
elementos que fizeram parte da confecção do empadão, sendo usado na fermentação da
massa. Embora as evidências nos apontem para um processo natural de fermentação,
considerando seu preparo de véspera. Outra questão a que se dedica esta ressalva é que,
no caso do empadão, na Cidade de Goiás, a sua receita, ao que tudo indica, é transmitida
oralmente, portanto, não há cadernos de receitas “antigo” que contenha-o, quando há, a
receita é “modificada”. ( Ver foto nº 21 e 22)
Todo este corpo de informação nos levam para uma nova dimensão: a relação
entre os pratos do cotidiano e os pratos especiais de festa, de domingo, de visitas.
Abdala (1997) que analisou a relação entre a cozinha e a construção da imagem do
mineiro em seu livro “Receita de Mineiridade”86, levantou um quadro considerável de
pratos do dia-a-dia, durante o século XIX e que acredito ser também indicativo para a
realidade goiana. Entre estes destacam-se o angu, o frango com quiabo, o feijão, o tutu,
o lombo a leitoa e a galinha assada. Sendo os primeiros pratos cozidos e os últimos,
assados e destinados para as festas e finais de semana (Abdala; 1997:66).
No caso nosso, soma-se o empadão goiano, que além de assado não é prato do
cotidiano. Nesta relação entre cozido e assado, a autora utilizou-se da reflexão de Lévi-
Strauss (1968) para nos mostrar como é entendido por ele tal oposição. Para a autora,
segundo esse autor, cozinhar, assar, fritar e defumar não são meras técnicas de
elaboração dos alimentos, nem resultado de simples preferências ligadas a um gosto
subjetivamente determinado. Cozido (bouilli) e assado (rôti) representam as formas
fundamentais de cozer em inúmeras culturas. O contraste entre bouilli e rôti é indicativo
de oposições de natureza cosmológica ou sociológica. O assado está mais próximo da
natureza, diretamente submetido à ação do fogo, enquanto o cozido requer mediação de
85
Grifo meu.
86
“ A culinária goiana e mineira divergem em detalhes e em alternativas
combinantes”(Bertran;1994:175).
83
água e recipiente, que é um objeto cultural. E adverte ainda que o cozido evoca a
conservação integral do alimento e seu suco, ao passo que o assado é acompanhado de
perda. Esse é aristocrata, marca o ponto culminante do banquete, o outro é popular,
econômico, evoca a cozinha caseira, íntima (Lévi-Strauss, apud Abdala; 1997:66-67).
Da forma como percebo o empadão goiano, este conota duas ações, pois,
primeiro cozinha-se os ingredientes (frango, guariroba etc) e em seguida assa-se a
massa recheada com os ingredientes. Uma relação que estabelece um procedimento que
está associado a uma ritmação lenta, que marca longos processos de preparação e
confecção de alimentos, e exigia da mulher, atriz principal da cozinha no século XIX e
início do século XX, dedicação total e praticamente exclusiva. Este ritmo lento assinala,
portanto, o espaço da cozinha domínio de boa parte da vilaboense desde o processo
colonizador, durando até que a praticidade da vida contemporânea impusesse mudanças.
Vejamos à seguir o depoimento abaixo que melhor ilustra esta questão:
Ao analisar o depoimento acima, logo percebi que seria viável uma estimativa de
datação da receita, principalmente se levarmos em consideração a idade da mãe da
informante. No ato da entrevista, a informante mencionou que sua mãe apreendeu com a
sua avó. Sendo assim, se calcularmos a data de nascimento da sua mãe 1909, e se
recuarmos mais um pouco no tempo, levando em consideração que a avó de Dª Sílvia,
provavelmente teve sua mãe com mais de dezoito anos, o que nos permite afirmar que
esta receita é de pelo menos final do segundo Império. Ver a receita a seguir, fornecida
oralmente pela informante:
84
“ Massa:
-pão;
-queijo;
-azeitona;
-pimenta de cheiro;
-carne de porco ou lingüiça de carne de porco;
-frango;
-guariroba;
-ovos.
Modo de fazer:
Derreta a banha de porco, coloque-a em um lugar fresco e
deixe coalhar. Reuna os ingredientes da massa em uma gamela,
depois, sove-os com a banha de porco coalhada. Enrole a massa na
folha de bananeira ou pano húmido. No outro dia, corte a massa e
tire os pedaços e vai abrindo a empada. Forre o fundo com molho.
Coloque uma rodela de pão ou esfaqueie o miolo para o molho não
vazar. Coloque o queijo por cima e bem no meio, uma azeitona e uma
pimenta de cheiro, ‘para soltar aquele aroma’. Em seguida o frango,
a carne de porco, a guariroba e por fim um pedaço de ovo. Por último
o molho grosso, a tampa e vai fechando” (S.C. 70 anos, doceira).
87
Fonseca, M. L. 1998. Coronelismo e Cotidiano: Morrinhos(1889-1930). In: Coronelismo em Goiás:
estudos de casos e famílias. (coord) Chaul, Nasr Fayad. - Goiânia: Mestrado em História/UFG.p.146.
Editora Kelps.
88
A Colônia de Uvá e a CANG ( Colônia Agrícola Nacional de Goiás ), exerceram grande influência,
relativa a política econômica no Estado de Goiás. A primeira tinha como iniciativa trazer imigrantes. A
segunda visava, intensificar e aumentar a produção de alimentos no Centro-Oeste. A esse respeito ver,
BRITO, Maria Helena de Oliveira. 1992. A colônia de Uvá: uma tentativa de colonização em
Goiás(1924-1954). Goiânia: Cegraf. ( Coleção Documentos Goianos). Ver também: DAYRELL, Eliane
Garcindo. 1975. Colônia Agrícola Nacional de Goiás: análise de uma política de colonização na
expansão do Oeste. Dissertação ( Mestrado em História) - Departamento de História, Universidade
Federal de Goiás, Goiânia.
89
Vale lembrar que, dentro do conjunto de empadões, estou trabalhando o da Cidade de Goiás.
86
1 kg de farinha de trigo;
4 ovos;
2 colheres (sopa) de manteiga;
1 copo de gordura ( banha de porco) ;
1 colher (sopa) de sal;
1 colher (sopa) de pó Royal.
Recheio:
90
Desta receita não consta carne de porco. Em certos depoimentos, percebeu-se a exclusão da carne
bovina e suína na Semana Santa e durante o período de resguardo pós-parto.
91
O Popular, Goiânia, 26/12/1986.
92
Em 1937, registro da produção do Fermento Fleschman e Pó Royal no Brasil.
87
Óleo;
Alho, cebola e pimenta de cheiro;
Massa de tomate ou tomates bem maduros;
Pimenta do reino, cheiro verde em geral ( a gosto) ;
Maisena (para engrossar) ”.
* (Fonte: Ortencio, 2000)
93
Especificamente sobre as características do altar do Divino Espírito Santo, Ver: Fraga, Leila Miguel.
2002. O Divino Espírito Santo na Cidade de Goiás. Uma festa para o Patrimônio e a Memória.
Dissertação de Mestrado. UCG.
94
O Restaurante Dali funcionava, antes da enchente de Dezembro de 2001, na própria residência de Dª
Alicinha. O que se observa é que, quando o restaurante se muda da unidade doméstica, ele é transformado
em espaço profissional.
88
significar que ela foi eleita pela família do esposo como uma especialista no “modo de
fazer” empadão.
95
Nesta receita não tem azeitona.
96
Ressalta-se que Goiás integra-se à economia nacional com advento da malha ferroviária a partir de
1913. A este respeito ver: Borges, Barsanufo Gomides. 2000. “Goiás nos quadros da economia nacional:
1930-1960. Goiânia. Ed: da UFG.
89
97
A respeito da “Era Rodoviária em Goiás” ver: Nunes, Heliane Prudente.1984. A era rodoviária em
Goiás. Goiânia. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Goiás.
98
Recorde-se que o tomate, básico na alimentação de hoje, era quase desconhecido, ou pouco explorado,
cerca de cinqüenta anos atrás.
90
Por volta dos anos 40/50, do século XX, de acordo com o levantamento dos
dados orais, surge na Cidade de Goiás um ou outro restaurante e lanchonete que vendia
esporadicamente empadão goiano. A maneira como esses estabelecimentos
funcionavam se dava da seguinte forma: primeiro, faziam a “encomenda” de uma
quantidade “x” do produto à empadeira, repassando-o em seguida ao freguês - turista ou
para o próprio vilaboense. E nessa dimensão, a empadeira, fornecendo o produto,
contribuía com o orçamento doméstico. O depoimento a seguir mostra esta realidade:
99
A partir dos anos 70 do século XX, a economia goiana é reforçada pelo plantio de soja, principalmente
com o acelerado processo de migração de “catarinenses” para o nosso Estado. “Catarinenses” é como são
chamados os migrantes do sul ( que inclui gaúchos e paranaenses).
100
Melo, Josimar. “ Restaurantes surgem para matar fome de convívio”. In: “O Tabuleiro do Brasil 500”.
Folha de São Paulo- Domingo, 2 de abril de 2000. Especial. p.10.
101
Segundo Bariani Ortencio em entrevista concedida à Revista Economia & Desenvolvimento
(julho/setembro 2001) “ Antigamente não havia interesse pela comida típica goiana, como ocorre hoje.
93
A empada “light” do Posto da Patricinha sugere que as pessoas têm feito tal
opção, porque é menos calórica do que as demais. Entretanto, devo ressaltar,
Na década de 60, porém, houve um aumento da curiosidade por pratos regionais, comportamento
influenciado pelo turismo que começava a crescer em todo o País”.
102
Patricinha é o nome da proprietária da lanchonete. Hoje o termo “patricinha” é usado para classificar
adolescentes do sexo feminino, que adotam um estilo compulsivo por moda. Entretanto, no Posto da
Patricinha, encontrou-se uma categoria heterogênea de comensais de empadas. O que nos sugere que a
empada “ligth” está sendo consumida por todas as classes de idade e identidade.
103
O tamanho da empada à Patricinha é de 10cm, e é servida em uma fôrma de alumínio batido,
comprado na própria cidade. Mais adiante, veremos uma análise acerca da relação entre empadão goiano
e meio ambiente, onde farei a descrição do processo de fabricação artesanal do referido utensílio.
104
Carvello, Ciça. In: “ Economia e Desenvolvimento”. Ano II. nº 8. Julho/Setembro de 2001.p.74.
94
excepcionalmente, muitas pessoas optam pelo gosto de manter a tradição mesmo que
contrarie a saúde do corpo. E “as mudanças não provocam o desaparecimento da
referência a um modelo tradicional, a um modelo idealizado, mesmo que esse padrão se
restrinja a festas e a um ou outro final de semana” (Abdala, 1997).Um exemplo relativo
ao empadão calórico é o torresmo, que muitas vezes, só é consumido em ocasiões de
extrema excepcionalidade. O depoimento a seguir conta como isto acontece nos dias
atuais:
Para Abdala (1997), “além das exigências que o preparo de pratos típicos
demanda, e que contribuem para a restrição de seu consumo, recai sobre eles a
atribuição de serem perniciosos à saúde e à silhueta. A dieta dita as regras da boa saúde.
A moda dita o corpo esguio. O colesterol e a gordura são os maiores inimigos nestes
tempos. Uns perdem diante da praticidade de alimentos congelados, outros perdem pela
acusação que pesa sobre eles” (Abdala; 1997:147).
105
O FICA - Festival Internacional de Cinema Ambiental teve início em 1998 .
96
106
Jornal O Popular. 26.05.1996
97
dentro em breve, dela restarão o formato e o nome” (Mendonça (1996) apud Ortencio;
2000:371).
Aponto agora, para outra dimensão, a venda de empadas congeladas (ver foto nº
25). Na Cidade de Goiás, algumas empadeiras vendem empadas congeladas em casa ou
nos estabelecimentos comerciais. Em Goiânia, capital do Estado, já é possível encontrar
em rede de supermercados ou em empórios empadão e empadas congeladas107. O que
nos sugere uma outra característica da ‘reapropriação’ comercial aliada aos novos
padrões econômicos, como a inserção do freezer108 micro ondas e da própria dinâmica
do cotidiano - comida rápida e prática. Outra alternativa também que merece destaque
na atualidade na Cidade de Goiás é a venda do empadão no utensílio cerâmico, ou seja,
o cliente compra o empadão goiano e leva para casa o vasilhame, possibilitando,
portanto, o surgimento de uma nova fonte de renda tanto para a pessoa que confeccio na
o empadão quanto para a ceramista, pois aumenta sua escala de produção.
107
O processo, portanto, leva ao uso de novos utensílios para a confecção e preparo do empadão as
forminhas de alumínio (one way) ou seja, descartável. Registrou-se também a venda de empadão sem
fôrma, principalmente em postos de conveniência.
108
O mecanismo de congelamento através do freezer surgiu por volta dos anos 80 do século passado.
98
Neste sentido, hoje, temos uma variada cozinha goiana, em geral, e vilaboense,
em particular que, além dos vinhos, queijos, licores, quitandas e o empadão, prima pela
qualidade dos pratos de sabor exótico feitos com espécies do cerrado goiano, como
pequi e guariroba. Sem falar dos doces e sucos feitos com os frutos da região e, até
mesmo, com as cascas desses frutos, resultado de uma verdadeira e perfeita simbiose
entre o homem e seu meio ambiente.
99
Para Brandão (1981) , “em todo o Mato Grosso Goiano, é mais nas matas do que
no cerrado e no campo que a população encontra frutos silvestres: (...) guariroba,
araticum, marmelada-de-cachorro, (...) jenipapo, curriola, (...) cagaita. Mas os frutos
naturais de maior consumo e maior agrado são encontrados no campo e no cerrado: os
pequenos “cajus-do-campo”, o murici e a mangaba” (Brandão; 1981:100).
109
grifos meu.
100
quer dizer que o vinho contém, pelas virtudes próprias que lhe são atribuídas, por um
consenso cultural, um dinamismo social que o pão não tem: o pão se reparte, o vinho é
oferecido” (Mayol; 1998:138).
“Alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para menter uma
pessoa viva; comida é tudo que se come com prazer, de acordo com
as regras mais sagradas de comunhão e comensalidade. Em outras
palavras, o alimento é como uma grande moldura; mas a comida é o
quadro, aquilo que foi valorizado e escolhido dentre os alimentos;
aquilo que deve ser visto e saboreado com os olhos e depois com a
boca, o nariz, a boa companhia e, finalmente, a barriga...” (DaMatta;
1986:55).
110
Almeida, S.P.; Proença, C.E.B.; Sano, S.M.;Ribeiro, J.F. 1998. Cerrado: espécies vegetais úteis.
Planaltina,DF:EMBRAPA-CPAC.
101
Quanto a mangaba, que em tupi-guarani significa “coisa boa de comer”, tem boa
aceitação alimentar na região. Quando madura pode ser consumida no estado natural ou
sob a forma de doces, compotas, sorvetes ou mesmo refresco. Esta planta comum e m
terrenos arenosos e de baixa fertilidade, produz frutos até duas vezes por ano 111. Já a
curriola, apesar de fornecer pouco material comestível, a polpa gelatinosa e doce, de cor
amarelada que envolve as sementes é apreciada ao natural ou sob forma de suco pela
população regional. E finalmente, a cagaita, o seu uso alimentar é bastante difundido na
região, entretanto, devendo apenas ser tomadas algumas precauções em relação à
quantidade ingerida, porque pode tornar-se laxante. A polpa é usada com boa aceitação
em doces, geléias, sorvetes e sucos. A sua frutificação ocorrem no início do período das
chuvas, entre agosto e outubro 112.
111
idem.
112
idem.
113
Jornal O Popular. 26/12/1986.
102
EMPADÃO
Manteiga Tomates
Ovos Cebola
Salsa
Palmito (doce)
Lenha
Antiplástico (origem
vegetal)
EMPADÃO
103
Queijo Tomate
Frango Azeitona
Salsa Ervilha
Palmito
Óleo
Fermento em pó
Margarina
Milho (enlatado)
Madeira (combustível)
Cerâmica
Lata de goiabada
Alumínio batido
Um dos ingredientes incluso nas receitas do empadão que veio de uma área
direta da natureza, sem a mediação do trabalho do homem como um produtor foi a
guariroba.
A Guariroba
Dos frutos de coleta natural da terra, relativo aos “comeres antigos”, o primeiro
lembrado é o palmito de “guariroba”, tão substancioso que foi, o que deu fôlego ao
Anhangüera, no período da mineração em Goiás.
Durante o século XIX e parte do XX, na antiga Vila Boa às margens dos rios
Bagagem, Bacalhau, Vermelho e outros sempre repletos de guarirobas, pessoas
coletavam-na para serem vendidas na Vila para com o produto da venda se alimentarem.
Outros a coletavam no quintal da fazenda para o próprio consumo.
Rara é a festa de roça, como a “folia”, o casamento, que não tem a guariroba, ou
como molho, ou misturada no arroz. O tutu de feijão é indispensável, pois como se diz,
“molho de guariroba com tutu de feijão vai muito bem”. Na cidade usam a guariroba
temperada com massa de tomate e fazem também o pastel, o que não se vê na zona rural
(ORTENCIO, 2000).
A Cerâmica
Antigamente o barro tinha em qualquer lugar. E não era preciso pagar pelo
mesmo. Hoje, coletar barro é proibido. O sábado é o melhor dia da semana, porque, no
sábado a lua não governa.
Existe na cerâmica popular de hoje a crença de que a mulher não pode coletar
argila quando menstruada, o que acarretaria na quebra posterior do recipiente. O que
seria, a continuidade da tradição dos grupos Bantu, observada em Camarões (SOUZA,
2000).
Lata de Goiabada
O Alumínio Batido
A Lenha
Nos anos de 1970, esta realidade se intensificou com a derrubada dos cerrados e
dos campos para a abertura de novas áreas de lavoura ou de pastagens. Esta realidade
afeta por assim dizer, os produtos que condicionam o homem a outros meios de
111
A madeiras úteis para o fogão à lenha são: Angico; Ipê; Tinguí; Aroeira; Jacaré;
Vinhatico ou Amarelinho; Chapadinha ou Unha-Danta. Toda esta madeira contém cerne
(cerne é o miolo da madeira). Madeiras ideais para construção de casa: Aroeira; Jatobá;
Angilim e Ipê. Principalmente na confecção de baldrame, esteio e viga.
Para Lacerda (1972) a lenha usada para o aproveitamento não pode ser forte.
Cerne não serve, dá fogo forte. As melhores são vinhático e angico. Vinhático é a mais
forte que se pode usar. Existe um conhecimento diferenciado sobre a madeira. Costuma-
se usar um tipo de madeira para o forno de barro, geralmente, onde se assa o empadão
goiano. Usa-se outro tipo de madeira para a queima da cerâmica e outro tipo para o
fogão a lenha ou fogão caipira.
áreas extensas na época chuvosa e, na época seca, os solos avermelhados sem qualquer
cobertura vegetal proporcionavam uma paisagem de deserto.
O uso das espécies nativas pode ser uma alternativa econômica para o
aproveitamento sustentado da região. Além, é claro, do reflorestamento. Várias são as
espécies que possuem utilização regional e muitas delas enquadram-se em mais de um
tipo. Entretanto, o usuário comum ainda é a população regional cuja atividade é
essencialmente extrativista. Neste sentido é que procuro abordar o potencial econômico
destes elementos, cujos dados disponíveis mostraram sua importância para a confecção
e preparo do empadão goiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fica aqui demonstrado que o empadão goiano, como uma expressão simbólica
complexa imbuída de práticas e valores tradicionais, exprime o habitus, que expressa
uma maneira de ser, um estado habitual. Mas que está constantemente sujeito às
modificações.
O tema proposto ainda tem muitos aspectos a serem desvendados. Dessa forma,
a reflexão aqui realizada não deverá ser vista como uma conclusão. A dinâmica
mudança/continuidade implicada no “modo de fazer” empadão que acontece em todos
os níveis - tecnológico, econômico, cultural, ligada à complexidade do mundo da
cozinha e diversidade da vida social, tem, sobretudo alterado o quadro dessa prática
alimentar em Goiás.
O total de obras sobre culinária goiana ainda é pequeno, mas tende a crescer,
gradativamente, pelo próprio interesse que o tema vem despertando. Os pontos aqui
discutidos são apenas algumas pistas para posteriores pesquisas. O empadão é uma
referência da culinária regional e neste sentido deve ser pensado como um Patrimônio
Imaterial que tem como expressão o saber fazer repassado de geração a geração.
114
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