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Destino Marcado

1ª edição 2019
Destino Marcado

Uma histórica de duas emboscadas para


assassinar dois líderes Maragatos no contexto
político do século passado.
Autor: Branco, Teobaldo
1ª Ed. 2019
Ijuí – RS – Brasil –
Editora
Revisora: Denise Ana Bassa Andrigheto
Capa
Diagramação:
Arte capa:
Serviços Gráficos:

Nota: Os nomes, situações e lugares idênticos são mera


coincidência; a história trata-se de pura ficção.

Catalogação na Publicação
Branco, Teobaldo
– Destino Marcado - Teobaldo Branco, cidade de Ijuí, Estado
do Rio Grande do Sul, Brasil.
– História dos imigrantes no Sul; Política de guerra entre
Chimangos e Maragatos, no município de Pitangal
- Episódios de Jose Saldanha e Bibiano Saraiva

ISBN –

– Estancieiros líderes políticos Maragatos no Rio Grande do


Sul
– Famílias entrelaçadas com filhos do mesmo pai

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou


transmitida por qualquer forma eletrônica, mecânica, fotocópia ou
gravação sem a permissão escrita do autor.
Destino Marcado

Um legado na vida dos imigrantes no contexto político,


socioeconômico e cultural na Região Sul
Agradecimentos

A história da vida das pessoas reflete o contexto da


sociedade de uma época. Ao escrever sobre o passado abre-
se um livro numa trajetória de um tempo cultural.
Procurei guiar-me pelas memórias de minha existência, por
meio de ideias que expressam a identidade no contexto da
sociedade no passado.
Por isso, cabe-me agradecer ao Criador e a todas as
pessoas pela colaboração, apoio nos trabalhos e participação
neste projeto, ajudando na qualidade literária da obra.
Com gratidão, dedico esta obra aos leitores, em
homenagem a todas as pessoas queridas da família e, em
especial, à eterna companheira de minha vida –Veronica –
minha esposa.
Sumário

Prefácio .......................................................................................
Marcas no tempo ........................................................................
Município de Pitangal .................................................................
Capítulo 1 – As imigrações ........................................................
Capítulo 2 – Legado dos pioneiros ............................................
Capítulo 3 – Igreja das Missões antes da destruição ................
Capítulo 4 – Memorável história de amor ..................................
Capítulo 5 – Sepé Tiaraju ...........................................................
Capítulo 6 – Um amor impossível ..............................................
Capítulo 7 – Os campos do Sul .................................................
Capítulo 8 – Memórias inesquecíveis ........................................
Capítulo 9 – A história da imortalidade ......................................
Capítulo 10 – A torre política ......................................................
Capítulo 11 – Epopeia gaúcha ...................................................
Capítulo 12 – Ventos do destino ................................................
Capítulo 13 – Prodígios do espírito ............................................
Mensagem ..................................................................................
Prefácio

Contar um capítulo da história do Rio Grande do Sul, mais


especificamente o modo como a política afetava as pessoas e suas
relações pessoais em um determinado tempo é o propósito principal da
obra de Teobaldo Branco.
Entretanto o livro não é de história. A obra está mais próxima de um livro
de ficção, de romance e de tragédia, com um roteiro que perpassa por
diversos momentos históricos com os quais os personagens se envolvem.
Esse pano de fundo também descreve um modo de vida que não existe
mais e que talvez o autor não tenha vivido diretamente, porém absorveu a
partir do que “lhe foi contado” e pela pesquisa biográfica realizada sobre
diferentes pessoas que tinha atuação política em algumas cidades do
interior do Rio Grande do Sul.
Não são personagens que assumiram protagonismo político nacional ou
que sejam conhecidos nos livros de história, porém foram pessoas
marcantes no interior do Rio Grande do Sul, muitos integrantes do folclore e
da cultura popular de diferentes localidades das cidades do noroeste do
Estado.
A cidade em torno da qual o enredo é desenvolvido pode ser uma ou
muitas das cidades do noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, local que
é objeto dos estudos do autor. A localidade de Pitangal não é um município
real, podendo ser qualquer cidade ou localidade, inclusive a própria vila de
Pitanga, no interior de Maurício Cardoso, lugar próximo de Horizontina,
onde o Autor viveu por muitos anos.
O enredo que perpassa a problematização histórica e política é uma
história de amor recheada de tragédias, de reviravoltas e com um final que
não pode ser percebido, exceto nas últimas páginas, quando a surpresa é
inevitável.
De um modo ou de outro os personagens estão conectados, seja pelo
momento, pelo local ou por relações de afeto correspondidas ou não.
Não há novidade na descrição da vida política do Rio Grande do Sul,
sendo evidente a forte influência de Aparício Silva Rillo e de Érico
Veríssimo sobre o pensamento de Teobaldo Branco ao descrever como a
política gaúcha se desenvolvia.
Todavia há uma descrição inédita, que é o conjunto de relações pessoais
que forma um determinado modo de compreender a vida cultural e política
no Estado do Rio Grande do Sul, em uma perspectiva que não é própria da
História, pois o tempo histórico não corresponde exatamente com o
desenrolar dos fatos, mas na perspectiva literária de quem percebe
características do gaúcho condensadas nas manifestações dos
personagens do livro.
O método utilizado também é inovador, pois a partir de histórias que o
Autor tomou conhecimento durante sua infância e adolescência, a partir de
“causos” contados, passou a pesquisar biografias, processos judiciais e
outras fontes que lhe deram subsídio para escrever o livro.
Embora os personagens sejam reais os nomes não o são, bem como
fazem parte da ficção a sua proximidade em torno da localidade de
Pitangal. Propositadamente não há linearidade temporal, pois muitos dos
eventos descritos no livro como contemporâneos a vida dos personagens
ocorreu em momentos distintos, vivenciados por pessoas diferentes que
tiveram como elemento comum a vinculação cultural local, identificadas
nas pesquisas biográficas pelo autor.
Por todas essas razões, escrevo essas breves linhas para indicar ao
leitor o que encontrará ao ler a obra “Destino Marcado” de Teobaldo
Branco. Boa leitura.

Gerson Luiz Carlos Branco


Advogado, Professor e Escritor.
Porto Alegre,09 de agosto de 2019

Nota: Minha gratidão ao meu filho de ter tamanha magnitude em prefaciar


meu livro.
Marcas do tempo

Em todas as épocas o passado sempre foi a base no


modelo de vida das sociedades para mudanças. As relações
sociais enriqueceram as experiências humanas, criando
recursos para o desenvolvimento sociocultural das gerações.
O mundo das ideias foi o principal instrumento libertário
que deu nova vida inspirada pelo pensamento revolucionário
que mudou os conceitos e valores de cada época.
A evolução científica revolucionou o mundo, adotando nova
filosofia nas pessoas, na família, na economia e na vida social,
criando um novo estilo de vida, que promoveu a renovação
cultural das sociedades.
Município de Pitangal

Florestas no início da colonização em Pitangal.

Na paisagem da fronteira onde se situam as terras de


Pitangal, ao longe se contempla uma bela imagem: um deserto
de matas ondulantes numa distância imensa.
Arselino Prestes, em sua montaria, cavalgava pelas
estradas pensando consigo mesmo: Pitangal era uma área
colonial que surgiu no meio das matas e campos, sendo ponto
estratégico de conexão com populações de outros Estados e
com países vizinhos, como Argentina, Uruguai e Paraguai e
outros pontos regionais de ligação.
Aproximando-se da cidade de Pitangal via-se a estrada
geral rústica, muito utilizada na região.
Estradas rurais

Deste lugar os homens buscavam riquezas e levavam para


outras partes do mundo. Mais ativa nessa busca era a
Companhia dos Padres Jesuítas, que, em sua passagem,
colhia ouro destinado aos centros das igrejas.
Houve luta entre espanhóis e portugueses por esta terra. A
zona de campo era povoada de bovinos e equinos, e habitada
pelos índios Guaranis e Caingangues.
Aqui a cultura foi construída pela fé religiosa, e isso
comprova-se pela participação expressiva na formação das
primeiras povoações com nomes de Santos.
Os índios também deram nomes às primeiras povoações e
lugarejos, o que se confirma em mapa elaborado por eles de
toda a região.
O cacique Caingangue sabia tudo sobre a região e os
limites da extensa área onde os índios viviam, mesmo numa
situação pouco desenvolvida, mas contribuindo com a
miscigenação da população regional. Eles sabem que este
continente era a sua nação antes do aparecimento do
colonizador.
O investigador Arselino dizia que a ocupação dos
portugueses e espanhóis na América do Sul causou radicais
conflitos que deram origem a genocídios de tribos inteiras de
índios.
A razão de certas incompatibilidades surgia porque
soldados europeus, aqui sem mulher, se apropriavam das
mulheres índias, quando ocorreu uma grande população
miscigenada, provocando uma aculturação forçada.
Os imigrantes que chegavam vinham com ideias do mais
elevado espírito de culto ao desejo de prosperidade.
Os imigrantes tiveram a iniciativa de fundar Pitangal,
município gaúcho com enorme área geográfica. O nome
nasceu por haver um capão de pitangas onde os viajantes se
acomodavam para pernoitar e descansar. Com o tempo, foi
construído um barracão, que passou a ser conhecido como
barracão do Pitangal. Alguns personagens tornaram-se líderes
em Pitangal, como José Saldanha, que tinha uma fazenda na
zona Oeste das Missões, e Bibiano Saraiva, que tinha na zona
Leste.
Representante indígena.

O cacique Guarani era o chefe indígena da área


Caingangue, que contava com uma população de cinco mil
famílias que, às vezes, se deslocava a Pitangal.
O distrito passou à cidade e teve a proteção de fazendeiros,
como José Saldanha e Bibiano Saraiva, que participavam da
política regional.
Arselino conta a história de Pitangal, sendo marcado pela
compra do título de coronel da Guarda Nacional, que, no
passado, era a autoridade que se instalava e mandava por
intermédio de armas, gerenciando, assim, o poder.
A terra era a principal fonte de vida que proporcionava o
sustento a todos. O meio de produção era a agricultura
diversificada, a erva-mate e a pecuária.
A exploração colonizadora teve bons olhos na vasta região
da bacia do Rio Uruguai e seus afluentes, com rios caudalosos
e grandes, onde havia peixes para alimentar o povo.
Pitangal transformou-se em cidade na região das Missões,
sendo rica em madeira de lei, com matas fechadas de imensas
extensões e áreas de campo.
A terra condicionou todas as atividades humanas no
processo de desenvolvimento.
O domínio da natureza pelo homem foi transformando, aos
poucos, com esforço para superar o lado bruto e hostil, as
matas em lavouras com plantações de cereais, criação de
animais de várias espécies e com agricultura diversa.

A região era vasta e não ocupada. O governo imperial


sentia a pressão dos invasores, pois havia uma abertura para
entrada e anexação de territórios pelos cisplatinos do Uruguai,
Argentina e Paraguai. Por essa razão houve acordos
imigratórios com países europeus.
Capítulo 1

As imigrações

Por mais longa que seja a caminhada, o mais


importante é dar o primeiro passo (Vinicius de
Moraes).
A imigração e posse no Sul

A corte de D. Pedro II do Império brasileiro criou propostas


para garantir o espaço conquistado na fronteira territorial.
Apelou a recursos pela imigração europeia, no início de 1824,
começando com imigrantes alemães para a Região Sul, no
sentido de ocupação gradual das terras e obstruir a ideia e
ambição de invasão e perda de território.
Os primeiros imigrantes acamparam nas margens dos rios,
porque os mesmos serviam de estradas para deslocamento e
comunicação. Assim, os Rios do Sino, Jacuí, Cai e Gravataí,
de leito navegável, foram ocupados pelos imigrantes,
concentrando-se a imigração alemã.
Em 1835, com a Revolução Farroupilha, forçou-se a
recorrer aos habitantes da casa e aos imigrantes, que fizeram
elevar seu preço como cidadãos brasileiros.
A política levou os barões do café a uma aposta no trabalho
livre em 1950. Com isto, o comércio sentia a necessidade de
aumentar o mercado consumidor, e valeu a iniciativa do
trabalho livre e remunerado. Nesse momento, São Paulo
tornou-se ponto de convergência dos imigrantes.
O Rio Grande do Sul teve apoio do governo central no
incentivo de receber imigrantes, considerando-se que os
colonos na Europa estavam em crise. As cidades começavam
a usar as máquinas que desempregavam e os artesãos não
conseguiam sobreviver; então, uma passagem garantia o
futuro em outras terras.
Em 1875 o Brasil começou a receber os imigrantes
italianos. Os alemães e italianos ocuparam áreas conhecidas
como colônias velhas. Com o tempo vieram outras etnias,
chegando até a região de Pitangal.
Primeiros imigrantes

Os deuses encaminharam muitas famílias em direção a


Pitangal, na Serra. Entre elas estava a de Ângelo Pedroni,
descendente de imigrantes da velha Roma, com sua mulher,
Agustina, da família Gutierres, descendentes de Espanhóis,
recém-casados e ainda jovens.
Eles engajaram-se na aventura das matas trazendo
consigo uma mudança de carroça, mas, para tomar posse de
sua propriedade no meio das matas, obrigaram-se a percorrer
distâncias por trilhas em transporte de cavalo, e lá se
instalaram para iniciar nova vida. Agustina reclamava durante
a viagem:
– Ângelo! Está me dando medo esse mato fechado.
Saímos da vizinhança amiga e com recursos para virar bicho.
– Agustina! Lá na colônia velha não tínhamos nada. Aqui
conseguimos uma propriedade para criar nossos filhos com
dignidade.
– Amor! Confio em você, mas sinto arrepios no meio da
floresta fechada. Certamente tem onças perigosas e cobras
grandes. Não tem estradas, não tem comércio para comprar
farinha, sal, açúcar e coisas para comer. Reclamava Agustina.
– Agustina, meu amor! Vamos prosperar na esperança de
um futuro feliz em nossas terras. Você vai ver.
– Ângelo! Eu não fico sozinha. Tenho medo. Aonde você
for eu vou junto.
– Amore mio! Não sairei de perto de você. Você é minha
vida. Falava Ângelo.
A lamentação continuava:
– Essa picada no meio do mato sem fim. Quando vamos
chegar? A nossa terra fica no fim do mundo. Queixava-se
Agustina.

– Não, Agustina! Estamos chegando. Veja aquele


descampado: vai ser o terreiro de nossa casa.
– Está bem. Então é aí? Meu Deus, e quando anoitecer,
onde vamos dormir?
– Calma Agustina! Ele sabia que eram difíceis os primeiros
momentos, mas tinha esperança e coragem de acomodar a
situação.
– Ângelo! Como vamos fazer comida? Era uma
preocupação intensa da jovem esposa, que saiu da casa dos
pais e partiu para uma vida nova de aventura.
– Agustina! Até o final de semana temos uma casinha com
cozinha e quarto para comer e dormir.
– Aqui não tem dia de semana. Só nos dois com os
bichinhos do mato.
– É. Só nós dois. Muito bom, amore.

O coração da bela jovem Agustina começou a sentir a


desventura do sofrimento, mas continuaram a maratona até
chegar num descampado, uma clareira, que era a sua
propriedade.
A mata parecia que dormia no silêncio. Os cipós, espinhos,
a lama dos córregos ao passar, dava a sensação de mistério;
daí vinha o medo, pois a picada era estreita e se defrontava
com a floresta virgem, dando a impressão que a escuridão da
noite seria um pesadelo.
Ângelo Pedroni veio antes com agrimensores para ver o
lote e para fechar o negócio com o governo. Agustina veio pela
primeira vez para ficar, junto com o desafiador e forte Ângelo
Pedroni, saudável e sorridente o tempo todo.
As matas faziam emergir na imaginação histórias de
assombrações, sobre lobisomem, caapora e boitatá, que
geravam medo no seu psicológico.
Agustina preocupada dizia:
– Aqui não tem nada. O que fazer? Não tem casa. Eu não
teria vindo se soubesse. Ela continuava queixando-se das
dificuldades em relação à natureza.

– Agustina meu amor! Você jurou que estaria comigo na


alegria e na tristeza e enfrentaria tudo na vida ao meu lado?
– Sim, Ângelo! Isto foi na igreja. Se soubesse que não tinha
casa eu teria ficado lá e você viria com meu irmão construir
nem que fosse um casebre.
– Nós dois somos jovens e temos ideais para superar as
dificuldades. Para dormir farei num instante um barraco de
palha. Eu te protejo.
– Agora o que fazer? Não dá para voltar depois de uma
cansativa viagem até aqui.
– Agustina, amore! A esperança deve ser a nossa força.
– No caso de uma doença, o que vamos fazer neste lugar
ermo no meio das matas, meu Deus?
– Não podemos enfraquecer antes de lutar. A luta restaura
as energias para a conquista de nossos objetivos. Isto nós
devemos ter em mente. Diz Ângelo.
O casal localizou uma vertente de água e, próximo dali,
escolheu um local para construir um agasalho para a primeira
noite. Eles chegaram quase ao meio-dia. Almoçaram
planejando as primeiras ações, que foram a partir do zero. Tudo
era novo. Encontraram árvores com frutas silvestres, alguns
pés de bananeira com cachos maduros e mandiocas silvestres,
que ia somar aos poucos alimentos trazidos na viagem.
As matas apresentavam-se com troncos de árvores
centenárias, um eterno verde que se perdia na ondulação e
planícies do infinito. Um cerrado que era visto como um céu
verde, aberto, onde se podia caminhar e ter um visual
longínquo. A paisagem era um mundo virgem onde nada tinha
sido tocado, a não ser os mistérios, os próprios fenômenos da
natureza, mostrando ser radiante e bela como uma donzela.
Ao entardecer, a casa onde iam passar a noite estava
pronta; um improvisado agasalho. Ângelo sorridente disse:
– Agustina! Venha junto de mim. Olhe para o céu e faça um
pedido.
– Ah, quero ser feliz com você. Somente isso.
– Eu, Agustina, sinto a minha felicidade começar nesta
terra. A terra prometida. A terra onde criaremos nossos filhos
para a posteridade.
– Ângelo! Já estou com saudade de casa.
– Agustina! A sua casa é esta. Ainda não está pronta, mas
quero construir uma bela casa para você. Você vai se orgulhar,
e poderá receber a visita dos pais e parentes aqui.
– Ai! Que cansaço, meu Deus.
– Agustina! Hoje vamos dormir que nem anjos, depois de
tanto trabalho, mas juro que estou feliz; estamos em nosso lar.
– Ângelo, amore mio! Estou solidária com a sua alegria. O
primeiro dia com os passarinhos.
– Agustina! Aves, alguns animais e peixes não vão faltar
em nossa mesa. Alimentos a natureza não deixa faltar; aqui
têm com fartura.
A lamentação continuava:
– Que medo de onça, cobra, animais perigosos que há
nestes lugares.
– Pode haver animais, mas não são perigos; o perigo é o
próprio homem. Os animais podem ser bravios, mas o homem
sabe se defender facilmente, não é mesmo Agustina?
– É, pode ser. Agora vamos arrumar a cama, já está
escurecendo. Vamos acender o lampião.
– Amanhã vai ser o segundo dia em nossa nova casa.
– Então vamos deitar. Apague o lampião e escute o barulho
da mata.
O sonho contempla a imagem do ideal. Ângelo e Agustina
sonham e sua imaginação se desenvolve por intermédio da
vida mental; a elaboração de projetos na arena da fantasia, que
é produto de profunda capacidade de criar ideias, interesses e
paixões, é reservada para alimentar o sentimento de alegria
com figuras pitorescas do bem e da felicidade.
O mundo novo vinha mostrando os corais e orquestras dos
passarinhos na madrugada e, ao entardecer, em revoada na
copa das árvores e pulando de galho em galho, como as
andorinhas de verão. Os bandos de outros animais e o ronco
feio assustador do bugio, faziam Agustina tremer nos braços
do marido.
O barulho das folhas secas denunciava qualquer presença:
podia ser cobras, ratos, quatis, tigre ou um simples inseto que
se aproximasse; o mundo sensível e misterioso a todos os
seres, inclusive o homem.
A mata dormia enquanto a chuva, o vento, o calor e o frio
chegavam e saíam para desconfortar o agouro da solidão.
Essa imagem desenhava os objetivos idealizados da
aventura de prosperidade do casal, dentro de um mundo
sonhado e desejado. A força espiritual é a ação construtiva,
organizada e real da vida, que faz parte do transcender da
existência.
Esse é o tamanho de cada ser humano; um mundo com
muitas cidades, florestas, rios e mares desconhecidos dentro
de si.

– Ângelo, é só nós que viemos residir por essas bandas de


mato?
– Agustina, não. Certamente vem mais gente. Na
Inspetoria de Terras tinha mais homens pedindo terra. Fica
tranquila meu amor; logo estaremos rodeados de vizinhos.
Disse Ângelo.

Na sequência, depois do casal Ângelo e Agustina, outros


vieram com os mesmos ideais e vontade de vencer e prosperar.
Estes seriam os pioneiros nas imensas matas impenetráveis e
misteriosas, com sua paisagem exuberante do mundo silvestre,
porém sem comunicação e transporte. Comparando ao campo,
as atividades pastoris agropecuárias se rendem aos esforços
do homem, e as matas são muralhas a serem obstruídas para
ocupar espaço para a produção agrícola.
Cultivar a terra e plantar vários cultivares, fazer limpeza e
exterminar insetos predadores, exige trabalho de sol a sol sem
trégua; isto implica disciplina e persistência e encharcar a
camisa de suor; essa é a genética cultural do tempo de uma
geração escrava do dever, marcas na alma do colonizador, que
jamais se pode esquecer. A mata era impenetrável e
misteriosa, antiga como o tempo, tão grande que tornava
temível o barulho que os pés faziam nas folhas secas,
amedrontando.
A fertilidade da terra favoreceu a prosperidade do
trabalhador rural e seu crescimento econômico e tecnológico,
promovendo o desenvolvimento cultural da civilização
desafiadora que tomou posse da terra prometida.
A visita

Ao cair das sombras do crepúsculo vespertino do dia,


observa-se a última iluminação do horizonte com listras
coloridas, reflexo do sol escondendo-se ao anoitecer.

Ângelo e Agustina comemoravam com um olhar a sua casa


simples, mas com segurança contra as intempéries; casa de
sua propriedade, iluminada pelo brilho das matas.
Passados dois anos, com uma filha e poucos vizinhos
imigrantes, distantes uns dos outros, com estradas vicinais
para trânsito de carroça e roças de coifaras abertas, era ainda
pouco o espaço cultivado. Ângelo sofria dificuldades,
socorrendo-se com outros colonos para a solução de
problemas.
Agustina cuidava da vaca de leite mansinha, das galinhas
no terreiro, de alguns patos, um porco no chiqueiro, um casal
de cabritos que muito incomodavam; ela se lembrava da casa
da mãe para tocar a vida.
A filha de um ano ficava dentro de uma caixa de taquaras
feita por Ângelo para sua segurança contra picada de insetos,
cobras e para não cair.
Em uma manhã cheia de sol refletindo nas matas, próximo
ao meio-dia chegaram os compadres Orlando e Lucia Salvatti,
moradores das Águas Brancas, que ficava a três horas de
carroça. Foi uma alegria. Logo foi abatida uma galinha para o
almoço. Orlando trouxe um quilo de arroz e uma garrafa de
vinho para comemorarem.
Lúcia, entusiasmada, dizia: comadre Agustina! Você sabe
notícias da colônia velha?
Agustina respondeu que não.
E Lúcia: eu soube sobre os parentes do pai, um sobrinho!
Vamos falar dos parentes. Você sabe que o Luciano fugiu de
casa com uma china indo para o Mato Grosso. Ele foi embora
e deixou a mulher e uma filha de três anos. Enlocou por rabo
de saia, perdeu o juízo.
– E o nosso tio Valdir, pai dele, como está enfrentando o
problema, Lúcia?
– Sim! O tio Valdir sofre porque ele é muito religioso,
defensor da família e moralista, vendo que o seu próprio filho
aprontou tamanha sem-vergonhice.
– A Felícia, esposa do Luciano, é bem-equilibrada. Olha, a
Felícia é filha de gente de bem, com boas propriedades, são
bem de vida. A Felícia podia chutar aquele mala, pois ela tem
apoio dos pais. É nosso primo, mas é um baita bostão. Diz
Agustina.
Lucia conta que a mãe do Luciano diz que a menina só
clama pelo pai a toda hora; fala que tudo é do pai.
– Ela está mantendo contato com o filho no sentido de
salvar seu casamento. A nora, a Felícia, é uma pessoa de
comportamento sereno diante do que o marido aprontou; ela é
sensata; uma razão para seus sogros, Valdir e Silvia, tentarem
salvar o casamento do filho.
– A Selma, casada com um sobrinho do Valdir, contou que
ficou impressionada com a menina, filha do Luciano. A menina
mostra seus bens e diz que tudo é do pai. Pediu para a Selma
ir até a lavoura do pai para ver se o encontrava lá na roça.
Mostrava o pomar e dizia que foi o pai que plantou e que
desejava comer uma fruta das bergamoteiras do pai. A filha,
tão criança, está sofrendo com a separação dos pais. Ela disse
ficar arrepiada ao ver a obsessão da menina pelo pai que fugiu
de casa. Conta, ainda, que a menina pergunta para a sua mãe:
– “Mãe, a senhora e o papai não vão mais dançar juntos? ”
“O pai deixou de ser seu namorado? ” Indagações constantes
para os familiares, avós e pessoas amigas.
– O avô Valdir sofre pela neta. Ele é pessoa de boas
relações familiares, calmo, sabe falar com diplomacia e sabe
conduzir os assuntos para a solução dos problemas. Ele está
mantendo contato com a nora e com seu filho lá no Mato
Grosso, na tentativa de diálogo.
– Sabe-se também que o pai da Felícia é da família Jung,
imigrante, que construiu uma casa boa no centro da vila onde
ela mora, mas a propriedade consta ser dos pais dela. Dizem
as más línguas que os pais da Felícia não apreciavam o genro
e prometem deserdá-la se ela aceitar o marido de volta.
Agustina questionou: – O Luciano não está em situação
muito boa?
Lucia continua dizendo o porquê: – primeiro ele está no
Mato Grosso, muito longe, onde assinou um contrato de
trabalho com tempo determinado e, se não cumprir, os
jagunços enterram ele lá mesmo. Diz que mandou pedir
dinheiro para o pai e também que a mulher que fugiu com ele
está voltando. Luciano encontrou-se com ela enquanto
estudava; agora ela desistiu da aventura inconsequente.
Ao lado, numa bela sombra de uma guabiroba, Ângelo e
Orlando cortavam fumo amarelinho para fazer um cigarro e
fumar depois da refeição, enquanto Lucia e Agustina lavavam
a louça e fofocavam sobre os parentes.
Orlando falou: – A minha roça precisava de um mutirão
para descoivarar e limpar para facilitar a plantação de milho e
feijão. Estou com boa organização de chiqueiro de porcos,
galinheiro e potreiro para os animais, com alguns pés de frutas
já florescendo.
Ângelo voltou ao assunto das mulheres e disse:
– Por que o Luciano abandonou a família e seus bens para
ir bater cabeça?
– Ângelo, soube que a vida do casal não estava indo bem,
não se sabe o porquê, mas o Luciano fraquejou, se
enfeitiçando por uma puta. Tudo surgiu porque ele foi fazer um
curso sobre extensão rural. Foi o que disseram. Por lá, em vez
de estudar, ia correr china. Agora a família, pai e mãe, estão
tentando salvar o casamento do elefante branco.
Ângelo olhou para o céu onde apareciam pequenas nuvens
brancas e perguntou: Onde mesmo o Luciano tinha ido?
Orlando respondeu: – pois é, dá mais de dois mil
quilômetros. Por que fugir tão longe?
Ângelo explicou: – porque ele tem parentes naquela região.
Lá é uma região que a bala funciona; o jagunço passa o
estanho no sujeito por prato de comida num bom restaurante.
Ele se meteu em maus lençóis, pois por ser mimosão da mãe
e soberbo pensa que é o bom, o melhor. Lá ele pode se ferrar.
Na cozinha Lucia dizia: – tudo que é homem é assim,
convencidos por mulher, onde deu confiança e abriu as pernas
– eles são fracos –, já se arrastam para trepar tipo cachorro. Eu
avisei o Orlando, se eu souber qualquer coisa sobre ele, jurei:
eu mando capar; ele não arrisque fazer isso.

Agustina ficou alerta, mas disse: – aqui não temos esse

tipo de problema.
Assim, passaram o dia até que as visitas foram embora.
Capítulo 2

Legado dos pioneiros

O que arrasta o mundo não são as máquinas, mas as ideias


(Vitor Hugo).
Causas da emigração Europeia ao
Brasil

Voltando ao passado distante, podemos analisar a


humanidade a partir da vida primitiva e a sequência dos ciclos
existenciais no tempo.
O espírito na história das civilizações concentrou-se em
grandes impérios em cada época. No ocidente, o Império
Romano de (27 a.C.-476 d.C.), formado na península Itálica, foi
o maior no mundo ocidental, e permaneceu durante cinco
séculos atingindo vários continentes com seu poder político e
militar. O Império era um sistema no qual o poder político
estava nas mãos de uma única pessoa: o imperador.
O Império caracterizou-se por ter um governo autocrático
nas mãos dos imperadores, mas, no decorrer do tempo,
desgastou-se, enfraqueceu e, finalmente, sofreu sua queda,
demolição total, exterminando seu poder sobre outros países e
extinguindo-se como Império Romano.
Em toda a Europa continuou o mesmo regime sociopolítico
e cultural, que se dividia em duas classes sociais: nobres e
plebeus; isto é, os nobres tinham direitos, dinheiro, terras,
educação, casas, bem-estar e poder. Pessoas com títulos de
príncipe, conde, duque, general, etc., alugavam suas terras aos
agricultores chamados de plebeus, ditos, teoricamente,
escravos, porque trabalhavam a meia nas terras dos
proprietários. As propriedades eram de poucos hectares para
cada agricultor, sem garantias e sem direitos de saúde ou
educação; eram trabalhadores com famílias grandes que
trabalhavam para seus patrões. O sistema gerou, ao longo da
história, um regime de escravidão disfarçado, criando
diferenças sociais crônicas.
As mudanças começaram a existir com a Revolução
Francesa em toda a Europa, com a ideia maior de liberdade e
igualdade. Os nobres, as elites do tempo, foram radicalmente
contra as mudanças que se projetavam, mas a história
continuou mexendo, assim, com o sistema em toda a Europa,
expandindo-o para outros continentes. Os franceses foram os
pioneiros da revolução pela democracia no mundo ocidental.
O sistema mudou o poder político, que passou para as
mãos da burguesia e do clero, e depois dominou as
propriedades; logo, surgiu a burguesia industrial. Os Estados
se isentavam dos serviços do bem comum, que se tornaram
fáceis aos interesses de novos donos do poder.
Os atos dos governos eram desfavoráveis às classes
trabalhadoras. Os preços agrícolas sofreram queda brutal na
época, havendo dificuldade da população campesina, que
crescia sem ser dono de uma propriedade. Surgiu uma crise
forte em toda a Europa.
O surto da industrialização de produção em série
desempregou o mundo artesanal, que tinha famílias grandes
envolvidas. Com isso, as dificuldades aumentaram, e a
carência de alimentos, a desnutrição, as doenças e o
analfabetismo constituíram-se em consequências graves.
A pobreza foi uma causa profunda da emigração dos
europeus para a América Latina e, principalmente, para o
Brasil, de 1875 a 1914. Os europeus queriam se livrar de uma
população pobre que não podia ajudar; por outro lado, o
Império Brasileiro, no governo de D. Pedro II, tinha interesse
nestes imigrantes, pois, com o fim do tráfico de escravos, houve
a necessidade de povoar seu imenso território em grande parte
desabitado na Região Sul, o que protegeria as fronteiras contra
invasores latinos que queriam aumentar seus territórios; ainda,
os imigrantes aumentariam o processo dos meios de produção
nacional brasileiro, favorecendo a imigração.
Sonho de imigrante

A região das matas tem seus deuses com suas profecias


habitando a morada das assombrações; esse é o recanto
misterioso do mundo feroz da natureza em Pitangal.
O medo é a forma natural da preservação da vida, que, por
vezes, é agonizante e feroz pela simples piada agorenta de
uma coruja, ou o deslizar de uma cobra sobre as folhas secas,
fazendo arrepiar a espinha humana; pior é o urro de animais
bravios, como o leopardo e a onça, que transformam o mundo
da floresta num palco fantástico, constituindo uma bela história.
Aos parceiros de colonização vindos das colônias velhas,
Justo Carloni – com sua família: Carla Romel, sua esposa, e
dois filhos, Simão de 4 anos e Fabiana de 6 –, diz: – A mata
tem seus mistérios, mas não há perigo e nem ameaça.
Já João Schneider e Carlos Sikalski, companheiros de
colonização, sentem o mar verde das matas como o breu
escuro em seus olhos. O vento frio da floresta é como Deus
diante deles: faz tremer.
Pedro Petrov, um russo, e sua esposa alemã, Nair Frank,
confraternizam com o sonho de prosperar na nova terra, tendo
um casal de filhos: Romeu de 6 anos e Natalia de 4.
Justo Carloni, enquanto todos caminhavam com suas
famílias por picadas até chegar em seus lotes para ali
construírem suas residências, espanta o medo declarando: – o
machado, a foice, o serrote, a enxada e o facão irão transformar
essa imagem de matas em áreas de plantações e de
progresso.
João Schneider e sua esposa, Elga Wink, tinham uma filha:
Alice, menina de 5 anos. Carlos Sikalski e sua esposa, Joana
Majel, tinham duas filhas: Marta, de 6 anos e Maria, de 4.
A estrada era longa, e, por picadas estreitas, eram levadas
as mudanças com cavalos.
Elga perguntava: – Quando aqui vai ter estrada para os
viajantes e quando aqui terá comércio para podermos comprar
as coisas de casa, comida, ter uma casa boa? Em resposta,
Joana Sikalski questionava: O que vamos fazer em caso de
doença? Meu Deus. Penso em voltar.
– Calma! Dizia Justo Carloni. A colônia velha era assim.
Hoje lá é uma colônia rica ao lado da cidade, com recursos. Os
homens de poder lá são aqueles que iniciaram a colonização,
o que estamos fazendo hoje.
– Joana não se calava: Homem! Você é um convencido
querendo convencer nós, mulheres, neste fim de mundo. Eu
não quero poder, eu simplesmente quero vida.
Recebeu apoio de Elga, que disse: esses homens nos
trouxeram para passar trabalho em nome de aventura; eu
preferia ficar lá, pobre, mas com recurso. Queremos ver a casa
que vocês vão oferecer para sua família!
João Schneider queixava-se da distância e da demora para
chegar e organizar a choupana, já construída anteriormente
para agasalhar as coisas da mudança. Da mesma forma,
Carlos Sikalski estava ansioso para chegar ao seu lote e
ampliar sua choupana, visto ser pequena para acomodar a
família.
A maratona da viagem ocorreu desde o destacamento do
Agrimensor até os lotes de cada colono. Começou ao nascer
do sol e foi até sua entrada, quando escureceu.
Mata virgem com rios, lagos, atoladouros e lombadas na
trilha tinham de passar, exigindo avançar e recuar com as
famílias, mas, mesmo com lamúrias, eles continuavam em
frente.
A sorte naquele dia foi que “São Pedro não abriu as
torneiras” ao passarem nas matas.
Durante a viagem, Alice, filha de João e Elga, foi mordida
por um inseto, ficando com o pé inchado. Foi feita uma parada
do grupo para dar atendimento ao incidente. Houve alarme em
razão da inexistência de recurso, mesmo que alguma coisa foi
trazida como prevenção. O alarme, no entanto, era maior. Até
Carla, esposa de Justo, estava forçando um retorno. Depois de
um atendimento e reflexão sobre o destino das famílias,
acharam melhor dar continuação à viagem.
A viagem já estava acontecendo por duas semanas.
Acampavam na estrada ou em pequenas pensões, posando
em trânsito, numa comitiva de três carroças com cavalo e vaca
no cabresto, cesto de galinhas e mantimentos; uma mudança
em cada carroça, trazidas para o começo da vida no sertão das
matas. As carroças foram até a entrada da mata; dali os
mantimentos foram transportados em cavalos e a pé. Logo os
moradores abriram picadas amplas para a passagem das
carroças.
No primeiro lote era o acampamento do Carlos Sikalski,
que havia construído provisoriamente a primeira morada. Ali
houve uma parada de todas as famílias.
– Vamos fazer um mate. Esquentar a chaleira e arrumar a
cuia é rápido. Propôs Carlos Sikalski.
Pedro Petrov, o russo, não se adaptou ao chimarrão. Já
Nair, sua esposa, amava uma cuia, e estava com vontade de
tomar mate. Sugeriu, então, aos companheiros a parada.
– Pedro! Aqui é a Rússia? Parece que tem gelo, neve.
Estou com frio. Queixava-se Nair.
– Amor, estamos indo para um mundo novo. A nossa
propriedade é no Brasil. Vamos formar uma cidade com nossos
filhos.
Foi uma viagem de percalços com todas as famílias até
chegarem a suas propriedades demarcadas pela Inspetoria de
Terras.
– Nair! Aqui é nossa terra. Esta é a cabana que construí ao
conhecer nossa propriedade. Falou Pedro Petrov.
– Grande coisa, Pedro! La na colônia velha havia
segurança. Aqui um leão derruba e nos come com as crianças.
Retrucou Nair.
– Mãe! Romeu disse: eu gostei. Tem passarinhos e tem
espaço para brincar.
– Ouviu, Nair, o seu filho falando!? A Natalia também
gostou da floresta, com locais curiosos para descobrir.
Justo Carloni alegou que, antes do mate, ia instala-se em
sua casa. Depois, sim. Já João Schneider ficou sem dar
resposta. As mulheres optaram por seguir até suas residências,
que eram um simples acampamento.
Assim fizeram. Cada um em sua casa procurou adequar-
se, acomodando seus pertences nos lugares, recolhendo
vasilhas de água e lenha para o fogo, que seria num fogão
improvisado para fazer a comida.
Os novos moradores eram vizinhos de lotes rurais ligados,
muito próximos.
Como será que foi a passagem da primeira noite ao
ouvirem o espírito das matas?
Os fenômenos estranhos do universo humano lá no interior
das matas mexiam com a sensibilidade, principalmente, das
mulheres, sem explicar o mundo natural e sobrenatural que a
natureza expressa.
A história das origens provocava fantasmas, criando um
clima de medo do desconhecido e de animais agressivos.
A constante pergunta: A troco de que nós estamos neste
cafundó?
Parece que Deus havia de começar o juízo final.
O contexto ia dando o entendimento de valores sobre Deus
do bem, o Diabo do mal, fenômeno presente.
Ali o medo está na mistura do sagrado religioso com a
magia, que extrapola e exagera a imaginação, fazendo parte
do conjunto de fenômenos cujo sentido é difuso, pouco nítido e
de múltiplos mistérios. Significa muitas coisas, representa
várias ideias a serem usadas em diversos contextos, tornando-
se uma conjuntura num estado real de forma ilusória,
fantasiosa e contraditória, com significativo papel no
comportamento das pessoas.
O elemento mítico e religioso entrelaçava-se ao fantástico
na relação com o poder do além ou do sobrenatural no
imaginário dos imigrantes.
Foi, no entanto, desaparecendo o medo psicológico ao
chegarem mais moradores, formando um espigão de famílias
com estradas e benfeitorias coloniais.
Os mascates eram comerciantes ambulantes e começaram
a fazer visitas aos moradores para vender especiarias e
utilitários.
Capítulo 3
Igreja das Missões antes da destruição

As grandes ideias surgem da observação de pequenos


detalhes (Augusto Curi).
Missões jesuíticas no Sul

Desde 1626 havia em terras brasileiras uma guerra de


conquista e domínios de espaço e poder. Conta-se que o padre
Roque Gonzáles criou a redução da Candelária do Ibicuí,
entretanto índios infiéis destruíram esse povoado.
Em 1628 o padre Roque é morto pelos índios.
Os Sete Povos das Missões têm uma história trágica com
a destruição da sociedade missioneira em 1756, que
influenciou decisivamente o pensamento moderno.
De 1763 a 1776, as terras localizadas entre a Vila de Rio
Pardo e Rio Grande se transformaram em zonas de guerrilha e
roubo de gado.
Em 1777 o Tratado de Santo Ildefonso deu uma trégua à
guerra no Cone Sul, porém somente até 1801.
Os episódios do Sul contam histórias que devem ser
lembradas às gerações do futuro.
A fronteira do reino Português estendeu-se de Rio Pardo
até o Rio Uruguai e o Ibicuí. O mapa do Cone Sul americano
vinha sendo desenhado por constantes guerras no século 19.
A maior foi a Guerra do Paraguai, em 1864.
No povoamento das Missões, aqui na Região Sul, índios
que sobraram das Missões e negros foram trazidos por luso-
brasileiros para serem peões campeiros nas estâncias e
fazendas de gado.
A guerra Cisplatina foi um conflito ocorrido entre o Império
do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, no período
de 1825 a 1828, pela posse da Província Cisplatina, a região
da atual República Oriental do Uruguai.
Na Região Sul, as invenções culturais aparecem há 2 mil
anos e a vida era construída em aldeias por seus habitantes.
Os índios domesticavam animais, aves e cavalos, estes
últimos utilizados como veículo de transporte e para a guerra,
e ainda cultivavam hortas, com milho e outras espécies de
cereais.
A Região Sul foi invadida pelos Guaranis, havendo
intercâmbio econômico e cultural com habitantes das tribos Gê
e Caingangue. As suas habitações eram casas pequenas em
forma de vila. Ao meio havia uma construção cilíndrica grande,
com cobertura de palha e capim, que era o centro
administrativo e religioso da tribo.
Um dia marcado

José Saldanha era neto de um advogado, Alcides


Saldanha, e de Ana Alves Saldanha, de Cachoeira do Sul. Foi
político em Caçapava.

Alcides Saldanha, avô de José Saldanha.

Teodoro Saldanha, pai de José, era homem austero, que


contestou a presença de Bibiano Saraiva, amigo de seu filho,
ambos estudantes na Escola Militar em São Paulo, vindos ao
Sul, em sua casa por causa de sua filha, que era quase da
mesma idade, por precaução paternalista.
A filha Andreia era uma menina com aparência delicada,
sensível e meiga. Ela era jovem, bela e encantadora. Bibiano
Saraiva, ao vê-la com seus olhos verdes e brilhantes e com
longos cabelos castanhos, apaixonou-se à primeira vista pela
jovem.
A bela Andreia também se tornou cativa do seu amor, pois
Bibiano tinha porte atlético, era estudante da escola militar em
São Paulo, elegante e de grande charme.
José Saldanha e Bibiano Saraiva eram amigos
inseparáveis, o que tornou difícil seu afastamento pelo
surgimento de recusa do pai, que não admitiu uma relação de
Bibiano com sua filha Andreia, que, antes de conversar com
ele, já estava apaixonada.
Os amigos dialogavam, e José perguntou a Bibiano quem
era seu avô.
Bibiano disse: – meu avô era José Antônio Saline Saraiva.
Ele veio de Portugal. Sua mãe era romana e ele era advogado
e político da Bahia, em Salvador.

Avô de Bibiano Saraiva.

– Lá na Bahia o que fazia? Perguntou José Saldanha.


– Meu avô foi deputado provincial, presidente da Província,
ministro de governo. No império foi nomeado presidente de
várias Províncias.
José quis saber mais: – Bibiano, e seu pai?
Bibiano respondeu: – olha José, meu pai é Roberto,
arquiteto e jornalista em São Paulo; ele queria que eu fosse
militar. Minha mãe é Luiza Salazar; estou com saudade dela.
Ressaltou Bibiano.
José seguiu: – agora fala de você Bibiano.
– Olha José! Fui a São Paulo para a Escola Militar com 17
anos, e lá nos encontramos, nos tornamos amigos e vim para
cá, Rio Grande do Sul, contigo e estou aqui.
– Veja Bibiano! Você é de família nobre. Exclamou José.
– José! Você também é de família ilustre, porque são
pecuarista dono de campos, com futuro garantido aos filhos.
Retribuiu Bibiano.

José Saldanha e seu amigo Bibiano Saraiva saíram, numa


tarde de sol, até a vila próxima e lá cada um foi para um lado
em busca de seus objetivos. Foi quando ocorreu o encontro
com Andreia, pois ela e sua mãe, Juliana Fontana Saldanha,
foram à vila fazer compras. Bibiano avistou Andreia e, com
astúcia, chamou:
– Andreia, Andreia! Falou aos cochichos de fora da loja. Ela
voltou-se e viu Bibiano, e logo saiu da loja às escondidas da
mãe.
– O que Bibiano!?
– Andreia! Você tem um bonito nome.
– O que tem a ver meu nome. Porque me chamou? Ele
ficou sem jeito, olhou para os lados buscando resposta,
tentando se justificar:
– Nada! Eu quero apenas conversar com você. O José seu
irmão é meu amigo e desejo contar sobre a minha vida,
conversar com você.
– Está bem. Não posso ficar muito tempo. Minha mãe vai
sentir minha falta. O que tem a sua vida?
Viver momentos mistos de felicidade e de amor, como no
encontro de dois rios, no remanso suave e sereno ao interpretar
as metáforas da vida.

Bibiano naquele momento empacou. Ele era um pouco


tímido, por isso perdeu as palavras e gaguejou para responder.
Ele mesmo, que era um jovem valente e corajoso, encabulou,
demonstrando vermelhão no rosto. Ela também se mostrou
atrapalhada; não tinha assunto, a calma alterada; assim se
portaram os dois. O que ele mais desejava era estar em estado
livre, espontâneo, mas estava envergonhado, pois a força de
uma primeira paixão o deixava inquieto e assustado, e
responde sem pensar:

– É um modo de dizer. Vida é vida. Nós estamos juntos, eu


gosto disso. Disse Bibiano meio sem rumo, mas conseguindo
não se contradizer.
– Eu também. Respondeu ela. – Vamos deixar para outro
dia. Meu pai já anda de olho. Concluiu Andreia.
– O seu Teodoro está de olho em mim, por quê?
– Ha, você deve imaginar.
– Então quando e onde podemos conversar, isto se for do
seu agrado.
– Bibiano! Dê tempo ao tempo. Se for para ser, será. Não
atropele o tempo.
– Está bem, Andreia! Sinto-me satisfeito com sua atenção.
Até amanhã, Andreia. Eu gostei deste encontro.
– Até amanhã. Eu também.
A vida real é uma verdade dos sonhos que se contempla
lutando e vencendo desafios no dia a dia de forma destemida
e persistente, seguindo o caminho do bem em busca de
realização, numa batalha insistente para vencer com alegria e
amor.
Bibiano ficou zonzo ao aproximar-se de Andreia. Ela era
um modelo de beleza, uma princesa saudável e bem-vestida.
O senhor Teodoro Saldanha soube do encontro entre
Bibiano e Andreia e não gostou; logo, falou a sua mulher,
Juliana, da intenção de internar a filha num convento. A esposa
Juliana concordou, pois se tratava de dar continuidade em sua
educação. Os preparativos foram rápidos e Andreia se mudaria
para um convento numa cidade da região.
Bibiano obrigou-se a abrir seu coração para seu amigo
José, irmão de sua pretendente, dizendo não achar justo
interná-la num convento por conta de um encontro apenas.
José falou:
– Amigo! Eu faço gosto de tê-lo em nossa família, mas o
papai não.
– José! Não nego que gostei de sua irmã. Ela é muito
bonita, mas não houve nada. Contou Bibiano.
– Meu pai é rígido. Cuidado!
– Cuidado por que José?
– Bibiano! Ele faz qualquer coisa por essa filha. Ou por
qualquer um da família.
– O seu Teodoro está sonhando. Não existe nada. Disse
Bibiano.
– Bibiano! Mas pode existir. Tenha calma. Você vai para
outra fazenda. Irei te ajudar por prevenção.
– É o que vou fazer imediatamente. Hoje à tarde vou seguir
outro caminho. Concordou Bibiano.

Os jovens amigos aproveitaram a ausência do pai, que


viajou em busca de mantimento com peões no interior, e
partiram.
José acompanhou Bibiano Saraiva até uma fazenda do
coronel Ubaldino Machado, um político Maragato, oponente do
republicano general Firmino de Paula.
Ubaldino Machado era um Monarca inteligente e generoso
com os fracos, duro com os poderosos, sereno na paz e
destemido na guerra. Sua casa não tinha portas fechadas para
quem precisava. Era um centauro de fronte erguida na
mitologia do gaúcho, na demarcação dos limites de sua pátria.
O jovem José Saldanha acompanhou e dialogou com
Ubaldino para receber Bibiano em sua estância com serviço e
estadia. Ubaldino foi receptivo, aceitando-o para trabalhar em
sua fazenda.
Depois de tudo acertado, José perguntou:
– E agora Bibiano?
– Vamos até a fazenda buscar a minha mala com a
mudança para a estância do Ubaldino.
– Durante a viagem de volta, José disse a Bibiano: a nossa
amizade continua.
– Sim, José! Quero visitá-lo em sua casa. E diga a Andreia
que ela será a mesma para mim. Afirmou Bibiano.
– Bibiano! Se a minha irmã desejar namoro, eu sou
favorável. Faço muito gosto, porque sei que você é um bom
moço. Falou José.
– José! Antes de sair devo falar com sua mãe. E depois que
seu pai voltar de viagem, eu falarei com ele. Explicar a razão
da minha saída e dizer que foi de minha livre e espontânea
vontade, sem problemas. Justifica Bibiano.
– Está bem, Bibiano! Não precisa aventar a questão de
convento ou namoro com a Andreia, para não provocar atrito.
Recomendou José.
– Não, José! Sempre me dei bem com seu pai. Ele me
tratou com muito respeito, assim como eu.
José disse: – você pode se mudar amanhã. Amanhã meu
pai está, e daí pode falar com a mãe e o papai ao mesmo
tempo. Vamos de charrete, pois a estrada é longa.
– Certo, aceito. Fica para amanhã, então.

Em todos os tempos a vida feliz sempre foi vivida com


sabedoria. O sol e a chuva são conduzidos pelo vento. As flores
e os frutos são produtos do tempo.

Na manhã do dia seguinte o pai de José chegou e, depois


de acomodado, enquanto o senhor Teodoro e a esposa Juliana
estavam juntos tomando chimarrão, houve a aproximação de
Bibiano, na presença de José, seu amigo, para tratar sobre a
mudança.

– Senhor Teodoro! Venho falar com o senhor e sua esposa,


Juliana, que fui bem-tratado aqui, mas, visto outros interesses,
estou me mudando para a fazenda do coronel Ubaldino. Uma
proposta de trabalho. Por esse motivo, desejo acertar contas
das despesas de minha pessoa; gostaria que fizessem preço.
Propôs Bibiano.
– Bibiano! Você é um bom moço. Não deve nada. Não é
Teodoro? Juliana responde, pedindo confirmação do marido.
– É verdade, Bibiano. Você é amigo do nosso filho José.
Colega de Escola Militar e veio parar no Rio Grande do Sul,
talvez, para fazer futuro. Nós temos de te ajudar. A sua
presença em nossa casa foi bem-vinda e sempre será.
Capítulo 4
Memorável história de amor

Uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida (Sócrates).
A despedida

Dona Juliana, com expressão de simpatia, alegou que


Bibiano podia permanecer na sua residência porque trabalho
não faltava na fazenda. Também entendia que, no fundo, a
resolução de Bibiano de mudar-se era pelo motivo de
contestação do seu namoro, e pela decisão de os pais
mandarem ao convento a filha Andreia, afastando-a dele.
Bibiano, no início daquela tarde, despediu-se da família e
das pessoas que trabalhavam na fazenda. Todos já estavam
acostumados juntos, e ele sabia que ia sentir saudades dos
meses vividos em companhia dos amigos. Muitos ficaram sem
entender o porquê de, de uma hora para outra, ele ter decidido
ir embora, sem motivo, um moço de tantas graças.
Naquela tarde de sol, partiu acompanhado de seu amigo
José numa charrete de cavalos. A saída foi a passos lentos,
num gesto de adeus, devagar, ao destino, representando uma
imagem pálida de angústia ao deixar Andreia. Quando já um
pouco afastado, se virou para olhar, com uma expressão de
despedida, como se estivesse deixando na memória algo para
sempre.
É difícil imaginar a liberdade da vida quando nos cumpre
honrar os desafios como filhos de uma terra na lonjura dos
sonhos.
O tempo torna-se infinito para quem ama. O tempo cura e
transforma como uma flor que murcha e cai, nascendo nova
flor. Assim se abria uma janela para Bibiano, um novo sonho.
Na viagem, em alta estrada, Bibiano ia tenso, quieto:

– Bibiano! Seu amigo José chamou atenção. – Você vai tão


quieto. Parece um pouco triste; não tem motivo, nada houve;
tudo em paz.
– É verdade, meu amigo José! Agradeço pela força,
conduzindo-me por estradas que não conheço. Obrigado. Este
é meu destino. O futuro não se vê e ele é incerto. Estou
imaginando como será amanhã... Refletiu Bibiano.
– Veja Bibiano! Amanhã é outro dia; talvez melhor dos que
você viveu. O tempo é a medida da eternidade. Tenha
paciência. Aconselhou José.
– Olha José! O tempo é curto para a vida, para o amor.
Passa tão rápido e a gente envelhece. Hoje estou sendo um
aventureiro nestas terras graças à solidariedade de pessoas
iguais a você e sua família. Tem gente boa neste mundo. Tem.
Estou curioso para ver o novo mundo que enfrentarei de hora
em diante. Salientou Bibiano.
– Estamos chegando à fazenda de um Maragato, coronel
Ubaldino Machado. Alertou José.
– Certo José. Espero sua visita.
Despediu-se pedindo que seu amigo viesse visitá-lo, mas,
no fundo, queria que trouxesse notícias de Andreia. Ele sentia
que não devia voltar tão logo.

O enigma do tempo na vida de um jovem, que se sente


apreensivo para ver seus projetos, na ânsia do provável, da
prosperidade, da felicidade e do amor, torna-se uma
preocupação. As lembranças da família, a distância, a
separação, tudo envolve sentimentos e angústias que
tumultuam o seu mundo imaginário. As obras, o trabalho, a
propriedade, o capital da vida, necessário para existir, mexe
com os pensamentos de Bibiano Saraiva.
Em uma manhã com algumas nuvens de verão, no mês de
dezembro, Bibiano Saraiva avistou, ao longe, na estrada que
vinha à fazenda onde trabalhava, um cavaleiro que não se
reconhecia e, ao aproximar-se, percebeu que era seu amigo
José Saldanha.
Bibiano foi, então, até a frente da casa da fazenda para
recebê-lo.
José Saldanha era um moço com 20 anos de idade, que
florescia na sua juventude, igual a Bibiano.

– Apeia José! Amarre seu cavalo para depois desencilhar


e tratar o animal. Bibiano recebeu seu amigo com alegria.
– Bibiano! Não parece, mas faz alguns meses que nós não
nos vemos. Alegou José.
– É, José! Como está a Andreia, sua irmã? Desculpe
perguntar.
– Tudo bem, Bibiano! Ela foi para o convento, de verdade.
Foi uma insistência do papai e minha mãe concordou.
Respondeu José.
– Como está se sentindo aqui na fazenda, Bibiano?
– Olha, estou me saindo bem. Já consegui algumas
cabeças de gado e um cavalo de minha propriedade. O senhor
Ubaldino Machado cedeu-me uma área de campo para meu
gado. O cavalo está na estrebaria dos peões.
– Bibiano, como você conquistou tanto em pouco tempo! É
o coração desse Maragato? Perguntou José.
– Bem! Não me lembrei de contar que sou um técnico
agropecuário. Eu propus ao senhor Ubaldino um projeto de
reprodução de gado de corte e melhoramento do plantel da
fazenda. Já começamos adquirindo reprodutores de raça.
Elaborei o projeto e li junto ao capataz, que também gostou, e,
assim, fui recompensado e bem-pago. O senhor Ubaldino é um
homem sensato, inteligente e acreditou no projeto. Explicou
Bibiano.
– Bibiano, Bibiano! Você já conquistou espaço. Parabéns!
Deus te proteja. Amanhã, na missa, vamos rezar pela sua
sorte. Estou feliz por você meu amigo. Acreditei na sua
capacidade de trabalho. Você vai ser fazendeiro. Quero
aprender contigo, disse José.
– Está bem, José! Você já é fazendeiro. Moço modesto que
eu admiro. Desculpe eu te dizer: não posso esquecer a sua
irmã Andreia. Declarou Bibiano.
– Hoje estou aqui para irmos amanhã a uma festa de Igreja
em Águas Brancas; uma vila na serra colonizada por
imigrantes, no interior rural de nosso município de Pitangal.
Convidou José.
– Estou curioso. Falou Bibiano. E continuou:
– Pois bem, José! Estou aguardando para amanhã irmos à
dita festa, nas Águas Brancas. Você conhece?
– Sim! Águas Brancas é uma pequena vila na serra,
rodeado de agricultores imigrantes que vieram da Europa.
Você vai gostar das pessoas de lá, são gente boa. Respondeu
José.
– Estou curioso para conhecer. Afirmou Bibiano e
perguntou: Que distância daqui?
– Umas duas a três horas de viagem. Explicou José.
– Vamos levantar cedo amanhã, tomar café e partir até a
festa. Disse Bibiano.
– Bibiano! Para você saber. Devemos ir à missa. Depois
providenciar churrasco e bebida. Festa típica do interior rural.
Lembrou José.
– A festa é amanhã. Vamos para a cama descansar para
levantar cedo. Inquiriu Bibiano.
O encontro

A igreja expressava o ideal religioso do povo. A igreja


católica foi instrumento da vida cultural do povo imigrante.
Era uma festa comunitária num domingo de final de
primavera. De manhã missa, e o restante do dia comida,
bebida, jogos e música (banda colonial) para animar o povo. A
festividade era apreciada até pelas comunidades vizinhas.
Aquele dia os amigos viajaram a cavalo até Águas
Brancas, uma povoação de Pitangal, e conversavam na
estrada:

– Bibiano! Quero contar um pequeno segredo. Falou José.


– Conta, conta José. Estou curioso. Que segredo?
– Bem, em outras festas eu encontrei com uma loirinha
muito bonita. Ela é filha de um colono, gente boa, descendente
de alemão e russo. Contou José.
– Ótimo. Então não é mais segredo. Estou sabendo, e, não
tendo para quem te denunciar, permanece segredo. Gostaria
de saber o nome dela? Disse Bibiano.
– Ah, sim, ela se chama Natalia; ela é linda, filha de Pedro
Petrov, um russo, e esposa alemã, Nair Frank. – Irei lhe
apresentar. Aguarde e apresentarei outras meninas a você.
Respondeu José.
– Sabe José, parece estar apaixonando pela menina; por
outro lado, não pensei sobre isso, estou na expectativa, mas
tenho certo medo.
– Medo é preconceito; uma insegurança Bibiano; o que
você acha? Perguntou José.
– O que é preconceito? Nem sei o significado. Replicou
Bibiano.
– Penso que as pessoas são preocupadas consigo sem
perceber os outros. Respondeu José.
– Olha! Aprendi a respeitar, trabalhar e obedecer. Não sei
lidar com mulher; não sei ser conquistador ou aventureiro.
Afirmou Bibiano.
– Sabe Bibiano! Aventureiro você é por estar aqui, longe de
sua terra. Uma coisa eu vejo nas relações das pessoas da
cidade: as pessoas se esbarram sem se verem e andam
apressadas, isoladas. No interior é diferente, todos se
cumprimentam, as pessoas são receptivas. Você vai gostar de
novas amizades. Explicou José.
– Tomara que sim. Aqui somente percebi a falta de
recursos, mais dificuldades, mas, sem fingir, gosto daqui.
Adorei. Declarou Bibiano.
– Talvez uma coisa compensa a outra. José puxa o relógio
e se preocupa em acelerar o passo para chegar. – Vamos
acelerar o passo do cavalo, Bibiano.
– Olha José! Esse deserto me impressiona; parece outro
mundo; mas aqui a liberdade parece maior. Sentenciou
Bibiano.
– O que é liberdade, Bibiano?
– Ah, sim. Aquilo que está na nossa vontade de realizar
algo sem interferência dos outros. Respondeu Bibiano.
– Eu tenho paixão pela liberdade. Disse José.
– Você tem paixão. O que é paixão? Questionou Bibiano.
– Paixão, paixão é tudo que se deseja; o que acha belo,
atraente; no caso de mulher, é ter amor. Respondeu José.
– Sim, mas qual a diferença de paixão e amor? Perguntou
Bibiano.
– Bibiano, você diz amor. Tem amor e amor. Por exemplo,
amor platônico ou amor impossível. Como alguns poetas
costumam dizer. O amor é belo. Viver ele que é nobre. Explicou
José.
– E amor platônico? Outra pergunta de Bibiano.
José filosofa dizendo: – aquele que precisa ser vivido a
distância também é importante. Eu sei de quem você fala, da
Andreia, minha mana. Isso não é somente fantasia; é o mais
profundo da alma e do coração de amante. Um dia o tempo vai
julgar.
– Olha José! Senti que aqui tudo é simples, onde existe
franqueza e confiança. Gostei. Percebi que a noite, a chuva, o
campo, os animais e a vida são diferentes de São Paulo. Falou
Bibiano.
– É pura verdade, Bibiano. Você é um amigo de estima, um
quase irmão, que encontrei lá na Escola Militar em São Paulo.
Aqui no campo a liberdade é mais ideal para a vida. As ideias
tornam-se reais. Explica José.
– José! Vou escrever aos meus pais sobre o mundo do Sul
e também do patrimônio que conquistei na fazenda do coronel
Ubaldino Machado. Sabe, o Brasil é um continente grande.
Proferiu Bibiano.
– Vendo a imensidão ao contemplar a natureza, penso que
sou feliz. Estamos chegando à vila de Águas Brancas.
Declarou José.
Festa da igreja
O livro da vida se inspira na fé de cada um, no percurso de
cada destino. Ambos os jovens, em suas fantasias, viam a
religião da vida incluindo seu passado como projeto do futuro.

Bibiano, em outras terras, somava experiências, assim


como o escultor polindo a pedra. No fundo, uma fantasia
simbólica como a sombra, que reflete a imagem como os raios
do sol. Todo o homem é um artista, obreiro, com a função de
construir sua arte, que é a sua própria vida, uma história.
Os dois jovens acompanhavam o ritual da missa numa
manhã de vento fresco, efeito da chuva em dias anteriores.
De dentro da igreja, pelo vidro da janela, via-se que o céu
parecia azulado, escondendo o brilho solar, como se nublado.
O padre capuchinho falou de Moisés e da terra prometida.
A grande sombra das árvores de um pomar esperava todos
para comemorarem o dia de festa.
Os jovens conversavam na saída da igreja:
– E agora José? O que faremos?
– Venha, Bibiano, irei apresentar minha pretendente e suas
amigas.
– Muito bem, vamos lá. Disse Bibiano.
No pátio com árvores, onde tinha sombra para agasalho do
sol na frente da igreja, estava o padre Amâncio, juntamente
com um grupo de moças, pois, após a missa, todos saíram da
igreja e estavam no pátio.
– Natalia, como está?
– Bem, padre Amâncio.
– Você está uma linda moça!
– Obrigada, padre.
Nesse momento chegou José, que saudou o padre, Natalia
e as outras meninas. Na oportunidade ele apresentou Bibiano
Saraiva, seu amigo, vindo de São Paulo, que encontrou na
Academia Militar.
– Padre! Eu lhe apresento José Saldanha e seu amigo.
Disse Natalia. Após a saudação.
– José Saldanha e Bibiano Saraiva são novos por aqui?
São dois moços elegantes. Estão convidados a fazer parte da
nossa paróquia. Falou o Padre.
– Sim! Obrigado padre. Respondeu José. Falou sobre suas
famílias e que conheceu Natalia.
– Ah! Já sei. São namorados. Falou o padre Amâncio.
– Padre! Estamos nos conhecendo. Disse José.
– E você Natalia! O que diz? Você é nossa paroquiana.
Afirmou padre Amâncio.
– Ah, padre! Eu gostei do José. Vamos deixar o tempo
passar. Respondeu Natalia.
Todos riram com ar malicioso vendo em seus olhares uma
relação atrativa de namorados. O padre Amâncio pediu licença
para retirar-se dizendo: um dia quero abençoar o casamento
da Natalia e saiu.

– Natalia! Você está convidada para almoçar com nós.


Falou José.
– Devo falar com meus pais. Disse Natalia.
– Natalia! Podemos churrasquear todos com sua família.
Participamos nas despesas. Esclareceu José.
– Está bem José! Podemos ir juntos acertar com meus pais.
Falou Natalia.

Natalia levou-os até seus pais, a família Petrov, quando se


cumprimentaram e acertaram almoçar em família. No ato da
refeição houve diálogo de conhecimento que agradou a todos.
A relação de José e Natalia Petrov concretizou-se com
confirmação de compromisso e declarações de ambos aos
familiares. Assim, durante a tarde, como namorados, José e
Natalia passeavam na festa. Bibiano, então, se encantou por
Fabiana, amiga de Natalia.

– Bibiano! Quem é você? Perguntou Fabiana Carloni.


– É complicado explicar Fabiana! Sou de São Paulo e vim
aqui com José por que nos tornamos amigos na Escola Militar.
– Ah sim! Você é militar?
– Hoje não, Fabiana! Tanto eu quanto José pedimos a
baixa da Escola, e vim com ele. Estou trabalhando na fazenda
do coronel Ubaldino Machado. Disse Bibiano
– O que você faz lá? Perguntou Fabiana.
– Fabiana! Sou trabalhador peão e também sou técnico em
zootecnia. Meus pais têm fazenda em São Paulo. Afirmou
Bibiano.
– Se você é filho de fazendeiro porque veio trabalhar de
peão? Questionou Fabiana.
– É caminho do destino Fabiana! Vim aqui para te
conhecer. Agora é você quem fala.
– Sou neta de imigrantes italianos. Meu pai é Justo Carloni
e minha mãe é Carla Romel, descendente de alemão. Meu
irmão chama-se Simão.
– Que chique. Tem sangue nobre. Do império romano e do
general raposa do deserto. Brincou Bibiano.

O diálogo entre ambos deu sequência numa tarde de


descontração e conhecimento, quando os jovens começaram a
marcar a história de suas vidas para o futuro.
Fabiana, filha de descendente de italiano com mãe de
origem alemã, era loirinha e extrovertida, uma bela menina,
mas segura em seus desígnios. Filha de colonos, estudou
numa escola primária e estava cursando o ginásio, pois o seu
desejo era ser professora.
Bibiano Saraiva estava mais do que à vontade, mais do que
no impulso vital, na imaginação; era a própria vida real que
criava sonhos. Os limites dos sonhos, porém, eram quem
desenhavam os confins do espírito.
O sonho era o ensaio de uma experiência, que
transformava as formas que iam buscar o segredo das energias
do seu espírito. Ele, Bibiano, entrou no mundo conturbado da
emoção e perguntava a si mesmo: Para ser feliz é preciso
pensar na felicidade? Como é possível se ter um futuro
esquecendo o passado? Como conseguir que a paixão se
ilumine?
Pela fresta de uma janela é visto uma nesga estreita do
céu, longa e turva, em que as estrelas cintilam, fazendo lembrar
do passado e pensar no futuro.
Capítulo 5

Sepé Tiaraju

O homem é do tamanho dos seus sonhos (Fernando


Pessoa).
Civilização indígena

Os primeiros habitantes que povoaram a Região Sul, a


partir da bacia do Rio da Prata e todo o continente sul-
americano, foram atraídos pela paisagem vegetal, flora e fauna
criadas há milênios, com condições concretas e ambientais
adaptáveis à vida.
As planícies e elevações do planalto meridional no Sul do
Brasil, com clima temperado entre o gelado inverno e o verão
quente, oferecem horizontes aos olhos humanos com imensas
extensões continentais de terra e paisagem com ondulados
campos, mostrando condições de vida, primeiro aos índios que
povoaram esta terra das missões e, posteriormente, aos
colonizadores europeus.
Desde a Patagônia, província do Chaco, Argentina, em
direção à bacia dos Rios Paraguai, Uruguai e Paraná, a imensa
massa de água marca a riqueza vegetativa regional, que foi
cobiçada pelos primeiros habitantes – os índios –, que
formaram a grande civilização que povoou com diversidades
múltiplas, com meios de sobrevivência dedicados à caça,
pesca e agricultura familiar, dentro de uma filosofia coletiva
nesta região.
Os antigos povoadores de ocupação humana no continente
de São Pedro, representados pelos índios, deixaram marcas
culturais que, posteriormente, foram descortinadas pelos
europeus na chegada ao continente em 1493 e, depois, em
1500, no Brasil. Os portugueses abordaram e se consagraram,
legando a sua vida cultura demarcando os limites da nação
brasileira de 8,5 milhões de Km².
Os portugueses encontraram, desde a bacia do Prata, um
espaço habitado por centenas de grupos indígenas,
organizados em diferentes etnias, em tribos, com seu modo de
vida diferenciado, onde todos viviam de forma socializada e
tinham organização política e sociocultural distintas uma da
outra. Assim era no Brasil.
O legado do Convento

Numa noite de primavera, no silêncio, a memória de


Bibiano não descansava revendo a presença da inesquecível
Andreia. Depois de refletir sobre seu destino, numa despedida
a sua imagem de saudade e angústia ao deixar Andreia, ali na
cama, na escuridão da noite, resolveu voltar no tempo e fazer
uma visita ao convento para encontrar a moça. Não podia ser
uma despedida para sempre.
O tempo estava se tornando infinito para quem ama.
Assim, se abria uma janela para Bibiano, um novo sonho. Na
viagem em alta estrada, Bibiano ia tenso, mas continuava;
havia saído ao nascer o dia e seu meio de transporte era o
cavalo.
Apresentou-se no convento como primo de Andreia,
alegando, para conseguir falar com ela, que estava de
passagem e devia levar notícias aos familiares.
A freira, em companhia de Andreia, disse: – Seu primo,
Andreia. E ela saudou-o como tal. Quando conseguiram sair do
convento, Andreia perguntou:
– Bibiano, o que veio fazer aqui?
– Não resisti sem te ver, Andreia. Certamente você não
esqueceu de mim.
– Claro que não, Bibiano. Mas daí, se meu pai descobrir o
que vai acontecer? Meu Deus!
– Eu te amo Andreia, por isso estou aqui.
– Eu também te amo, Bibiano.
Saíram do convento com o pretexto de ir até um
restaurante do povoado. Aproximaram-se de uma praça
deserta, de árvores com sombras frescas, numa tarde quente.
Sentado na sombra Bibiano perguntou:
– Andreia, você está estudando para ser freira, para ser
religiosa?
– Olha Bibiano, estou aqui por que meus pais cismaram de
nós; é por isso que estou aqui.
– Andreia, se eu a pedisse em casamento você aceita?
– Bibiano, é complicado. Eu teria de ter aval dos meus pais,
porque tudo pode acontecer, mas eu te amo.
– Andreia, penso que algum dia terei você do meu lado na
vida.
– Eu também gostaria Bibiano.

O tempo foi curto naquela tarde inesquecível. Na sombra


das árvores os jovens não resistiram à força do prazer e
rolaram na intimidade do amor proibido, aproveitando todo o
tempo distante do mundo, no encontro do corpo e da alma.
Momentos marcantes na vida de dois jovens apaixonados
que não permaneceu muito tempo, pois logo Andreia teve de
retornar ao convento e Bibiano voltou para sua casa e seu
trabalho. Lá a vida de sonhos seguiu numa escala de
saudades.
Naquela tarde, Bibiano se despediu de sua amada para ir
embora com semblante alegre, partindo a cavalo, e Andreia
indo direção ao convento, com passos lentos, devagar, vendo
um afastamento sem destino, sentiu uma imagem sem volta.
Várias vezes ele virou para trás a olhar, com uma expressão
de saudade.
A sua despedida foi como mexer na alma do seu ser, e algo
seria para sempre. Ela, com olhos longínquos no espaço,
esperou até ele desaparecer no horizonte sem fim. Algumas
lágrimas da alma rolaram no seu rosto, não escondendo a
tristeza no coração da separação.
O tempo para ambos se tornou infinito. Ela parecia uma flor
que começava a desabrochar; porém começou a sentir algo
estranho – enjoos, ânsias e apetite por comidas –, mas
permaneceu calada. Falou, então, para uma irmã que era sua
amiga, sobre o que estava sentindo. A freira disse:

– Isso é passageiro, vamos tomar chás.


O tempo foi passando e Andreia desconfiou de sua barriga
e contou a sua amiga freira, que disse:
– Andreia, é gravidez se você deitou com algum homem.
– Sim, com meu namorado, Bibiano.
– Ele não era seu primo?
– Ah, irmã, ele inventou somente para me ver.
– Tudo bem, agora temos de chamar seu pai e contar a ele.
– Meu Deus, ele me mata, o que fazer? Vamos chamar
meu irmão, José.
– Vamos falar com a madre superiora e agora não sei o que
vai acontecer.

Num consenso, mandaram chamar José, que compareceu


e tentou que Andreia permanecesse interna, mas as leis não
permitiam e seu pai foi informado, tendo de ir ao convento.
Teodoro Saldanha veio acompanhado de seu filho José ao
internato falar com a Madre, e, furioso, acusou ela de
cumplicidade. Chamaram Andreia e ela, encolhida de
vergonha, sabendo da bravura de seu pai, veio até o gabinete
da reitora, pálida sem levantar os olhos.
Teodoro, seu pai, perguntou:
– Menina, porque desonrou nossa família? Perguntou
várias vezes e ela não respondeu, permanecendo quieta,
soluçando.
– Andreia, fale por que senão terei de te surrar aqui.
– Não, senhor Teodoro, isso não soluciona o problema.
Com violência somente se cria problemas. A menina errou,
mas não merece maltrato. Falou a madre diretora do Convento.
– O que devemos fazer dona madre?
– O senhor vai ter de levar ela para casa e criar seu filho.
– Eu vou acabar com a vida daquele maldito. Irei mandar
ele para São Paulo num caixão.

Teodoro Saldanha saiu e autorizou seu filho José a fazer o


encaminhamento da mudança de Andreia para casa. Assim,
chegaram no recinto familiar, quando sua mãe, triste, abraçou
Andreia e, ambas chorando, perguntou:

– Andreia porque fez isso? Todos estão sofrendo.

Andreia não conseguia falar, mas José, com bom senso,


tentava conciliar a situação. Andreia pediu que essa gravidez
ficasse em segredo sem dar notícias ao Bibiano, pai do seu
filho, porque ele corria perigo.
O tempo passou e Andreia deu à luz a um belo bebê, a
quem deu o nome de Joel. Joel cresceu um bonito menino na
fazendo do avô até ir para a escola.
Andreia, com os olhos na imensa planura que se estendia
à frente no horizonte, permaneceu presa às duras recordações
por muito tempo.
Longe de seus sonhos, abria caminhos na solidão de seus
pensamentos e na história de sua vida.
Sem sorrisos e sem respostas, os fatos de sua história
transmitiam sofrimento, construindo, com suor, lágrimas e
sangue, uma vida de sacrifícios, pois era o seu destino.
Águas Brancas

Numa tarde quente, Bibiano, sem imaginar quem era, viu


um cavaleiro que vinha ao longe, mas logo conheceu seu
amigo José, que foi recebido com muita alegria, no entanto
pensou deixar em segredo a visita ao convento onde sua mana
Andreia estava.
– José, meu amigo, meu irmão, como está, porque veio?
– Bibiano, vim te convidar para irmos em Águas Branca,
pois estou de namoro com uma menina de lá. Falou José.
– Sei, é com a Natalia Petrov, muito linda a menina;
parabéns, amigo José. Parabenizou Bibiano.
– Vamos Bibiano?
– Claro que vamos; então vamos lá.

Era sábado, os jovens se prepararam e saíram na manhã


seguinte, pois lá na vila sempre tinha eventos, onde havia
reunião do pessoal da redondeza. Chegaram e José foi direto
ao encontro de Natália, acompanhado de Bibiano, e Natalia
estava em companhia de sua amiga Fabiana. Os quatro jovens
saíram a passear na vila e dialogar sobre a vida pessoal dos
mesmos.

– Natalia, perguntou José, a sua amiga Fabiana será que


gosta do Bibiano?
– Meu Deus, ela está apaixonada por ele. Respondeu
Natalia.
– Mas com poucos encontros já se apaixonou? Questionou
José.
– Pior que sim. E ele será que gosta da Fabiana?

José lembrou do passado e de algumas declarações de


Bibiano sobre sua mana, e apenas afirmou que ele é um jovem
discreto, tímido, mas carinhoso com as pessoas.

– Fabiana, fale de sua vida. Disse Bibiano.


– Da minha vida não tenho nada a dizer, por quê? Por
acaso você gosta de mim?
– Claro Fabiana, desculpe as perguntas. Respondeu
Bibiano.
– Bibiano, eu tenho vergonha, mas gostaria de lhe contar
um segredo.
– Ah, Fabiana, pode falar, diga qual segredo, me deixou
curioso.
– Outro dia, Bibiano, eu te conto, está bem? Alegou
Fabiana
– Não, agora; gostaria de saber Fabiana, pois segredo é
um compromisso.
– Pois bem, se é compromisso irei te dizer. Compromisso
seu também. Eu estou apaixonada por você, Bibiano, e
gostaria de saber de você.
– Fabiana, Fabiana! Eu gosto de você. Eu acho você muito
bonita, serena e doce. Declarou Bibiano.
– O que quer dizer com serena e doce? Perguntou Fabiana.
– Fabiana, você é meiga, delicada, carinhosa e muito
amável. Sinto-me bem em sua companhia.
– Obrigada, Bibiano. Estou te convidando para conhecer a
minha família. Vamos na casa do meus pais, fica bem pertinho.
Meu pai é Justo Carloni e minha mãe é Carla.
– Porque você está me convidado, Fabiana?
– Porque eu te amo; parece que não entende, meu Deus.
Respondeu Fabiana.
– Tudo bem Fabiana, mas não daria para ser outro dia?
Alegou Bibiano.
– Porque não quer ir? Perguntou Fabiana.
– Não, não. Atrapalhou-se, mas continuou. – Ah, sim,
podemos ir; então vamos, estou de acordo. Confirmou Bibiano.

A história dos homens se constrói a partir de eventos;


encontros desde uma festa religiosa pode marcar o início da
uma amizade entre dois jovens, que foi o que aconteceu no
caso de Bibiano Saraiva e Fabiana Carloni.

José Saldanha avisou seu amigo Bibiano que seu pai


soube da visita no convento e ficou furioso, lhe ameaçando de
morte, sem revelar, porém, a gravidez de Andreia, sua irmã.
Bibiano, com o tempo, foi esquecendo e entrou numa
relação com Fabiana; ambos começaram a rir e brincar,
descobrindo os segredos de um amor que estava no berço. Um
romance que nascia com força dentro da realidade imaginária
destinada a uma vida desprovida de preconceitos, de
interesses políticos, econômicos, presentes na sociedade,
identificada apenas no sonho do amor.
O tempo registra a história das vidas no percurso de uma
caminhada. O sonho de José e Natalia foi uma história
deslumbrante de encontros e acertos, caminhando para uma
união sagrada estável, de família.

– Natalia, você aceita casar comigo, estou apaixonado.


– José, meu amor. A coisa que mais quero é construir uma
família e ter nossos filhos.
– Então podemos marcar a data de casamento?
– Sim. Quero ser feliz a seu lado, não podemos esperar
mais. Meus pais e familiares estão de acordo. Declarou Natalia.

Conforme planejado, a igrejinha recebeu os noivos com a


realização de uma harmoniosa e feliz festa, na qual Bibiano
Saraiva esteve presente, festejando e parabenizando os
amigos pelo grande evento, junto com Fabiana, que constituía
a essência de uma boa relação de amor entre ambos. Os pais
de José não puderam comparecer.
Ao passar do tempo, germinava e enriquecia cada vez mais
a relação entre Bibiano e Fabiana. Ela, então, não resistiu a
paixão incontida e tomou a iniciativa.
– Bibiano você quer ser meu marido, casar comigo?
– Olha, Fabiana, porque tanta pressa, desconversou
Bibiano.
– Bibiano, estamos há algum tempo namorando. É sério ou
apenas está brincando comigo?
– Fabiana, namoro contigo com boa intenção.
– Então, você quer ou não casar comigo, decida logo,
porque não posso ser um passatempo sua. Advertiu Fabiana.
Bibiano atrapalhou-se, gaguejando nas respostas, mas
refletiu sobre sua condição humana moral e ética, e
compartilhou uma afirmação de respeito àquela que é uma
eterna apaixonada por ele.
– Fabiana, eu te amo. Tenho grande apreço por seus pais
e familiares.
– Bibiano, você quer casar comigo? Seja claro na sua
decisão.
– Quero casar contigo Fabiana. Eu te amo. Você é meu
amor.
– Fabiana levantou as mãos para o céu e disse gritando: –
Deus atendeu meu pedido nesta vida, formar uma família
contigo Bibiano.
Foi apaixonante a condição de tranquilidade de Fabiana,
que sentiu correr lágrimas de alegria em seus olhos, num final
feliz, ao consagrar a sua real paixão numa história de legado
em sua vida.
Os jovens trocaram abraços e beijos, configurando mais
um capítulo do mundo sentimental, elevando o espírito de
felicidade deles, que, em breve, marcaria uma união definitiva
na história do casal.
Bibiano estava reconstruindo seu passado de forma
consciente como numa aventura sublime de coragem, podendo
olhar no espelho de sua alma rumo a um futuro brilhante em
sua missão terrena.
– Bibiano, vamos casar na igreja?
– Sim. Fabiana. Conforme sua vontade. Farei todos os
seus gostos, pois vamos viver a vida inteira juntos, um para o
outro.
– Bibiano! Declarou Fabiana: – Você é o maior tesouro de
minha vida; é como se eu estivesse comendo o pão da paz. O
casamento será um banquete com taças de vinho, com alegria
e amor, para comemoração da glória da nossa união, que
reinará sobre a terra para sempre. Aclamou Fabiana.
– Fabiana! De onde tirou essas ideias lindas.
– Eu, Bibiano, me preparei para esse momento, por isso
que decorei os meus sentimentos. O nosso casamento vai ser
a maior festa da nossa vida.

O tempo mostra a verdade nos olhos dos homens; a


palavra relembra a expressão da memória; a natureza da
criação vê o momento de sorrir e ter a visão de uma paisagem
de sol, da fecunda terra, das matas, sob a chuva das estações;
a primavera das flores; o verão do calor, dos rios e do mar; o
outono e as folhas com sua chuva formosa; o inverno úmido e
frio, período de aconchego.
Nas terras de Pitangal, belo é contemplar com o espírito a
bonita imagem da vida e sentir a bênção celestial, como forma
simples de perceber que este mundo é bom e vale a pena viver
bem.
Muitos anos se passaram, e os deuses transformaram o
meio e o mundo dos homens mortais. Assim viviam José
Saldanha e Bibiano Saraiva, cada um em sua fazenda; o
primeiro no distrito de Águas Brancas, e o segundo no distrito
de Campo Largo, povoado de Cerro Grande, no município de
Pitangal. Ambos já homens maduros com suas famílias,
distantes uns 30 quilômetros um do outro, construindo suas
estâncias e assumindo lideranças política e sociais. Os
encontros dos velhos amigos aconteciam seguidamente,
contudo a gravidez de Andreia continuava em segredo de
Estado.

Certa vez Bibiano, casado, já com uma filha adolescente


de nome Mariana e um menino de 12 anos, perguntou sobre
Andreia.
– Amigo José, desculpe lhe perguntar sobre sua irmã
Andreia, minha primeira paixão.
– Bibiano! A Andreia vive na fazenda. Hoje nossos pais
estão velhos; ela administra a fazenda. Eu herdei parte da
fazenda, mas vivo separado.
A verdade sobre seu filho Joel, que já está cursando
Direito, ficou em segredo.

José se omitiu de revelar a verdade. Eles se encontravam


esporadicamente para o debate político e administrativo e
negócios de suas fazendas, cada um com piquetes de
soldados para proteção pessoal e de suas estâncias. José
Saldanha e Natalia tinham dois filhos adolescentes que
estavam internos em escolas preparando seu futuro.

Certa vez Fabiana disse:


– Bibiano, nossa menina, a Mariana, tem que continuar os
estudos. Eu gostaria que ela fosse médica, mas ela quer ser
professora.
– Ah, Fabiana! Devemos deixar ela escolher sua vida.
Disse Bibiano.
– Então vamos matricular ela numa faculdade, pois ela está
concluindo seu curso técnico para seguir num curso superior.
Falou Fabiana.
Bibiano concordou: – certo, então teremos de levá-la para
matrícula e achar um lugar para ela morar próximo da
Faculdade.
Capítulo 6

Um amor impossível

O amor é a força mais poderosa que o mundo


possui e, ao mesmo tempo, é a mais humilde que se
possa imaginar (Gandhi).
Distrito de Campo Largo

Campo Largo, distrito de Pitangal, expressava, na sua


vasta extensão territorial, os abrangentes campos e serras
coloniais, com vários povoados na sua jurisdição.
Enquanto sede distrital, Campo Largo representou um
passado de epopeia, e também lembra com saudade e
esplendor a contemplação de desbravadores imigrantes que
abriram caminhos com suas obras e ideias que merecem
elogios e aplausos pela sua história.
Os eventos eram brilhantes, com destaque da imaginação
monumental erguida na povoação; as praças, as escolas, as
igrejas, identificavam o progresso de um novo tempo.
O tempo foi adiante e Bibiano Saraiva, já casado com
Fabiana Carloni, foi residir numa área de campo que adquiriram
em Cerro Grande, povoação próxima do distrito Campo Largo,
onde começou a formar sua família com dois filhos – uma
menina, Mariana, e um menino menor –, vivendo como
pecuarista e aumentando a extensão de sua fazenda.
Em Pitangal os índios foram os primeiros a povoar, e
depois vieram os portugueses e colonizadores europeus,
imigrantes italianos, alemães, russos, espanhóis, poloneses e
outras etnias.
Uma marca que se consagrou identidade gaúcha foi a
herança jesuítica. As missões fincaram raízes, que se tornaram
memorial histórico pela consequência das guerras, o que as
transformou em ruínas da capital das Missões.
A presença indígena era constante em todas as partes.
Com o tempo, a população indígena passou a ser reprimida
e expulsa dos campos gaúchos, sobrando pequenas áreas
indígenas garantidas pelo governo.
Os padres praticavam a doutrina, criaram as missões,
construíram escolas e fizeram a iniciação para o trabalho
independente, afastado dos portugueses.
A política da oligarquia na época regrava que todo o rico
tinha escravo.
Cerro Grande era uma vila próxima da área Missioneira, e
centralizou a ordem administrativa do Cacique Caingangue,
localizada na fronteira com o município de Pitangal.
A luz de um passado

As águas do tempo lavam todos os desenganos e os


segredos escondidos de cada época, e renovam-se numa
transformação transcendental, culminando com novas
gerações.
Assim aconteceu na vida de Bibiano e Andreia,
desembocando num enredo de encontro com a relação de seus
filhos.
Aquela paixão do passado fez com que o futuro cruzasse
os destinos de duas pessoas que sonhavam estar na mesma
estrada, mas, por vontade dos homens, houve uma separação
definitiva desligando suas vidas.
Andreia matriculou seu filho, Joel, e o acomodou numa
pensão de pessoas conhecidas. La o moço expandiu amizades
com estudantes e a vizinhança.
Aconteceu que Bibiano, no ano seguinte, levou sua filha
Mariana para a mesma cidade para estudar, onde a mesma
resolveu ser advogada, tornando-se colega de Joel, sem saber
do parentesco.
A menina Mariana, tímida, mas uma jovem bela e loira, ao
responder a chamada disse seu sobrenome, Saraiva. Joel
interessou-se em falar com ela por se tratar de um sobrenome
que ouvia seu tio José falar.
– Mariana, podemos ser amigos? Perguntou Joel.
– Sim. Como é seu nome e de onde vem? Respondeu
Mariana.
– Mariana, você é muito bonita, e já sei seu nome. O meu
é Joel Saldanha.
– Obrigada por me achar bonita.
– O tio José fala sobre um amigo seu, Bibiano Saraiva.
Comentou Joel.
– Meu Deus Joel. O meu pai é Bibiano Saraiva, e ele tem
certa ligação de parentesco com Gumercindo, aquele
revolucionário. Já ouviu falar dele? Perguntou Mariana.
– Mariana, esse mundo é pequeno. O meu pai pertence ao
partido Maragato do Gumercindo Saraiva. Disse Joel.
– Veja, Joel! Estamos tão perto em nossas ligações, antes
de nos conhecermos. Falou Mariana.
– Mariana! A nossa família também é de Maragatos e tem
soldados para defender a fazenda. Contou Joel.
– Vocês são fazendeiros? O meu pai também tem soldados
para a defesa da família e da nossa fazenda. Disse Mariana.
– Ah, Mariana; nós dois somos filhos de fazendeiros, por
isso devemos ser amigos. Gostei de você. Falou Joel.
– Eu também. Concordou Mariana.

Hoje, no limiar de uma vida madura, enveredando para a


idade das experiências, quase 20 anos depois daquele
encontro no convento, tanto Andreia quanto Bibiano deixavam
no esquecimento aqueles sentimentos de sua juventude. Com
o passar dos dias, no entanto, surgiam novos fatos na vida
deles.
A solidão que os acompanhou durante toda a vida veio,
naquelas alturas, surpreendê-los, ao verem os filhos serem
ungidos pelo amor que eles não viveram.
Certa vez, no interior do colégio, em certo momento
Bibiano viu entrar uma senhora que lembrou o charme e a
beleza de Andreia. Ele sentiu uma sensação diferente no
corpo, despertando a sua atenção e curiosidade. Foi, a
distância e rápido, seguindo-a no corredor. Ela entrou numa
sala.
Será que é destino confrontar-me com uma lembrança
perdida que há quase 20 anos não vejo? É ou não é ela?
Pensou: Se for, o que farei? Os encontros aconteciam com seu
irmão, José, longe de sua família. Depois de certo tempo, na
formalização e pagamento da faculdade de sua filha, surge
uma pergunta: – O que estaria ela fazendo aqui? Bom! Seja o
que for.
Bibiano chegou em casa e confabulou com Fabiana, sua
esposa:
– Fabiana na faculdade da Mariana, ao pagar as
mensalidades, me surpreendi com uma visão de uma pessoa.
Declarou Bibiano.
– Que pessoa? Quem você acha que é? Perguntou
Fabiana.
– Penso que vi a irmã do meu amigo José. Afirmou Bibiano.
– Eu não a conheci; somente José Saldanha. Porque não
falou com ela? Disse Fabiana.
O segredo de Bibiano escondia-se em sua alma com
relação à grande paixão por Andreia e a separação pelo
impedimento dos pais dela.
O tempo dá outros rumos aos destinos das pessoas,
mudando as páginas e deixando no imaginário o vivido em
cada época no passado.
A verdade floresce no momento certo.

Novos encontros entre os jovens Joel e Mariana:


– Mariana! Voltei ao seu apartamento para discutirmos as
aulas. Disse Joel.
– Joel! Eu quero aprender contigo. Você está um ano antes
na faculdade e pode me ajudar.
– Mariana! Você é uma bela companhia. Gosto de estar
com você. Afirmou Joel.
– Você, Joel, também é.
– Mariana! Eu também sou belo, ou apenas companhia?
Questionou Joel, pois estava se encantando pela menina
Mariana.
– Olha Joel, tudo o que você sente por mim, eu sinto por
você. Declarou Mariana.
– Gostei de sua resposta. Gostei de ti desde o primeiro
momento que te vi.
– Eu também. Respondeu Mariana.
Joel lembrou: – A minha mãe vem aqui esta semana para
trazer comida e umas roupas e também pagar a faculdade.
– Desejo conhecer sua mãe, e gostaria que você me
apresentasse. Falou Mariana.
– Com todo prazer. Confirmou Joel.
– Mariana! Você tem avô e avó. Como se chamam?
Perguntou Joel.
– Meu vovô chamava-se Roberto Saraiva e a vovó Luiza
Salazar Saraiva. Respondeu Mariana.
– E os seus avós, Joel?
– Sim. O vovô chama-se Teodoro Saldanha e a vovó
Juliana Fontana Saldanha.
– Juliana, igual o nome de minha mãe. Falou Mariana.
– E o nome de seus pais Joel? Perguntou Mariana.
– Ah, minha mãe chama-se Andreia, mas pai não tenho.
Disse Joel.
– Não, o nome do seu pai, Joel? Perguntou Mariana.
– Eu não tenho pai, Mariana. Respondeu Joel.
– Como não tem pai Joel? Não existe filho sem pai e mãe.
Afirmou Mariana.
– Olha, Mariana, lá em casa todas as pessoas são túmulos,
até meus avós. Tentei descobrir com outras pessoas, mas não
consegui. Já sofri preconceito por isso, ninguém me ajudou a
saber a verdade. Quando aperto minha mãe, ela diz que ele
morreu, mas não me mostrou seu túmulo. Todo mundo tem pai
e eu não tenho. Explicou Joel
– Joel, irei te ajudar a descobrir a verdade sobre a história
de sua vida. Replicou Mariana.
Capítulo 7

Os campos do Sul

As coisas simples da vida são as mais


extraordinárias; só os sábios conseguem vê-las (Paulo
Freire).
O interesse dos colonizadores

Os portugueses tinham interesse na colonização pela


ambição de contrabando de ouro e prata, o que facilitava a
negociação por escravos. Eles viajavam distâncias longas
usando o transporte de cavalos e mulas, sendo sua trajetória
do Rio de Janeiro a Minas Gerais, onde a exploração do metal
(ouro) de valor era cultivada.
A vinda para a Região Sul visava a buscar o abastecimento
do charque e couro para negociar na região aurífera de Ouro
Preto e açucareira de São Paulo.
Os portugueses eram comerciantes e passaram a ser
compradores de terras. Ocupavam sesmarias e, para isso, a
região de campo do Sul era ótima opção. Ali instalavam suas
estâncias com respaldo militar, que, posteriormente,
legitimavam as terras ocupadas.
A posse da terra acelerou com o tratado de Tordesilhas,
em 1750, que fortaleceu o exército de defesa e o
abastecimento econômico. Logo vieram os Açorianos, mas não
foram assentados nas terras das Missões.
O latifúndio pastoril tornou-se independente, pois, por meio
de padrinhos, conseguiam a expropriação de muitos ocupantes
de pequenas áreas. Assim, a produção do charque aumentou
e garantiu a continuidade do processo de colonização.
Qual o interesse dos imigrantes da Europa, além dos
portugueses?
Os imigrantes alemães, italianos, poloneses, russos,
holandeses, franceses e outros vieram encontrar um mundo
novo e prosperidade. Aqui tinham espaço para se dedicarem à
exploração agrícola predominantemente. Foram construídos
centros culturais (escolas, igrejas), econômicos (comércio,
indústrias), estradas e fundados centros urbanos com recursos
diversos de desenvolvimento humano.
A surpresa do segredo

Quem sabe o verdadeiro destino de cada um?


Cada pessoa tem uma história, assim como José Saldanha
e Bibiano Saraiva, constituída de acontecimentos, e sua
importância está na influência que poderá exercer no futuro.
Aconteceram muitas surpresas no destino de Bibiano
Saraiva. Enquanto se passavam os dias, havia novos sonhos
de esperança e perspectivas de um futuro promissor no
despertar da vida.

Ocorreram mais encontros entre os jovens Joel e Mariana,


até que, certo dia, Andreia, mãe de Joel, chegou.
– Mãe, vamos até a pensão da Mariana para a senhora
conhecê-la. Fica perto, somos vizinhos, por isso vivemos quase
juntos.
– Que história de vivemos juntos? Quis saber Andreia.
– Mãe, somos amigos. Ela é uma loirinha muito bonita. A
senhora vai ver com os próprios olhos.
– Então vamos, Joel. Convidou Andreia.

Em poucas quadras chegaram e bateram na porta. Mariana


veio receber o amigo Joel e sua mãe, Andreia, com alegria,
expressando a simpatia de uma linda jovem, e Andreia ficou
agraciada ao vê-la.
Joel apresentou Mariana a sua mãe, dizendo: – Mãe, esta
é a Mariana.
– Que bela menina essa loirinha Joel, falou sua mãe com
imensa simpatia.
– Obrigada, dona Andreia. O Joel fala muito na senhora.
Eu também fiquei encantada com a senhora. Respondeu
Mariana.
– A sua mãe deve ser muito bonita Mariana. Inquiriu
Andreia.
– A minha mãe é de origem de pai italiana e mãe alemã.
Meu avô é Carloni e avó é Romel, e meu pai é português.
– Meu Deus, que mistura, Mariana. Por isso que você é tão
bonita assim, elogiou.
Andreia lembrou da família quando jovem, e pressentiu
alguma coisa que estava a acontecer. Ficou pensativa.
Mariana agradeceu e disse: – Eu gosto de seu filho Joel,
dona Andreia.

Aos poucos foram dialogando sobre estudos, livros,


professores e faculdade. Andreia logo se encantou pela
menina, e quis saber sobre seus pais, perguntando:

– Mariana! Quem são seus pais? Qual o nome de seu pai


e de sua mãe?
Ela logo foi informando: – minha mãe se chama Fabiana
Carloni Saraiva e meu pai se chama Bibiano Saraiva.
Respondeu Mariana.
Andreia se surpreendeu com o destino. Não pode continuar
a conversa vendo a filha do pai de seu filho. Perturbou-se
diante do filho Joel. Sentiu um calafrio que mexeu com as suas
emoções. Algo de muitos anos de esquecimento reacendeu o
passado como um delirante sonho.

– Mãe! Por que a senhora mudou de feição? A senhora


conheceu o pai de Mariana? Joel interrogou a mãe ao perceber
sua perturbação emocional.
– Filho! Não, não. São outras coisas que lembrei. Devemos
voltar e deixar a Mariana em suas lidas. Alegou Andreia.
– Dona Andreia, fique tranquila. Aconselhou Mariana.
– Tudo bem, devemos voltar em sua pensão Joel. Disse
Andreia.
– Então vamos mãe. Com licença Mariana, devemos nos
retirar. E obrigado pela sua atenção. Falou Joel.
– Sempre às ordens, as portas estão abertas dona Andreia.
Gostei da senhora. Declarou Mariana.

O ambiente encheu-se de uma expectativa misteriosa.


Alguns dias, depois Joel foi até a pensão de Mariana trocar
ideias sobre sua mãe.
– Mariana, estou chegando, abre a porta. Gritou Joel.
– Entra Joel, pois estava te esperando. Falou Mariana.
– Mariana, deve ser o mesmo assunto que quero falar com
você, sobre minha mãe. Disse Joel.
– É, isso mesmo, Joel. Percebi que sua mãe, Andreia,
quando falei o nome do meu pai se transtornou, se fechou, pois
estava sorridente e alegre, depois ficou nervosa e
emocionalmente abalada, demonstrou claramente. Lembrou
Mariana.
– Mariana, percebi a mesma coisa. Quando chegamos na
minha pensão ela procurou agilizar viagem de volta, alegando
serviços na fazenda do vovô. Completou Joel.
– Joel, meu pai e minha mãe vêm aqui na próxima semana.
– Tudo bem, Mariana. Virei conhecê-los. Falou, Joel.

Os dias passaram com aulas na faculdade, estudos dos


conteúdos jurídicos e com encontros e mais encontros entre os
dois jovens.
Capítulo 8

Memórias inesquecíveis

O futuro do homem está oculto no saber (Francis Bacon).


Capítulo de um baile

No interior de Pitangal os eventos eram festas de igreja, de


escola e bailes; era um ritual da sociedade da época.
Ocorreu, na oportunidade, uma festa de igreja. De dia era
diversão geral e de noite baile.
O salão paroquial era ocupado como sala de aula e
aproveitado para salão de baile.
A referida festa e o baile aconteceram num povoado
chamado Picada Grande, interior do distrito de Cerro Grande,
município de Pitangal.
A povoação era rodeada de agricultores, onde as estradas
eram vicinais e, para chegar, se passava por picadas de mato.
Na ocasião do baile, Vicente Cardoso foi tirar uma moça
para dançar e ela deu carão, negando-se à dança. Ela, ao
retirar-se, foi presa pelo braço e chamada atenção pelo
desaforo.
Estava próximo um irmão, que pegou Vicente por trás em
defesa da irmã.
Os dois agarraram-se numa briga, quando vem outro
irmão, que atirou na nuca de Vicente, causando sua morte na
hora, este caindo morto no meio do salão.
Houve um choque nos presentes, calando o ambiente com
afastamento tumultuado das pessoas.
Mais tarde os dois moços envolvidos foram presos e
conduzidos de ônibus para a delegacia de polícia de Pitangal.
Nesse meio tempo, João Pessoa avisou o irmão do morto,
de nome Juvenal, e este avisou outro irmão que era militar e
estava em posto de serviço, de nome Salvador.
Juvenal convidou Salvador para irem até o local onde seu
irmão fora assassinado e Salvador alegou que estava de
plantão. Juvenal, então, chamou atenção com uma pergunta:
– Hoje vale mais a farda ou um irmão?
Juvenal lançou-se na estrada para ir ao encontro dos
assassinos de seu irmão, quando Salvador, fardado, resolveu
acompanhá-lo.
Foram informados que os assassinos de seu irmão vinham
presos trazidos de ônibus. Eles fretaram um caminhão e foram
ao encontro dos assassinos. Na estrada, em certo momento,
avistaram um ônibus vindo na direção deles, e,
estrategicamente, atravessaram o caminhão na estrada
forçando a parada.
Entraram no ônibus, revistaram e não encontraram os
presos procurados por eles, e, logo, o liberaram para seguir em
frente.
Era, aproximadamente, 9 horas da manhã.
Seguiram de caminhão na estrada e logo adiante avistaram
o segundo ônibus, realizando o mesmo procedimento para
atacar. Depois de parado o ônibus, ao tentarem entrar, o
motorista não aceitou, temendo por estarem presentes o
delegado e dois homens presos.
Salvador Cardoso, na postura de militar, ameaçou-o com o
revólver em punho, obrigando o motorista a abrir a porta do
ônibus para eles entrarem.
Salvador desarmou o delegado e, no momento, Antônio,
um dos presos, pegou uma manivela de ferro e acertou a
cabeça do policial Salvador.
Na sequência, mesmo ferido, mas com o revólver na mão,
mandou as pessoas não envolvidas no crime se retirarem do
ônibus, ficando somente os dois cúmplices.
Com a arma em punho, o policial desferiu dois tiros à
queima-roupa, derrubando morto um deles, o irmão preso
inocente, e Juvenal deu cinco tiros no outro, que se fazia de
morto; seu nome era Vasco.
Fato consumado e a sentença de vingança cumprida, os
dois (Salvador e Juvenal) saíram a passo pela estrada, a pé,
deixando o caminhão e o ônibus no local.
Depois da execução, e ao saírem, o delegado Lourival
Santos disse: – Estamos perdidos.
Após o episódio, Salvador e Juvenal, os irmãos, seguiram
em frente, a pé, em direção ao município de Pinhais, passando
por Pitangal.
Chegaram numa Vila e receberam comida de familiares.
Vieram para outro povoado vizinho, onde era a residência de
ambos.
Depois os irmãos separaram-se. Juvenal emigrou para a
Argentina e Salvador apresentou-se à justiça. Foi julgado e
pegou 11 anos de prisão condicional.
Juvenal voltou da Argentina depois de três anos e meio, e,
em Pitangal, foi preso, mas, acostumado com liberdade, não
aguentou e fugiu, saindo pela porta da frente do presídio,
voltando para a Argentina.

Salvador, ex-policial, depois de cumprir pena, vivia na


região com sua família. O delegado Lourival Santos, por
perseguição, intimou várias vezes Salvador sem justa causa, e
ele não comparecia, por que achava o delegado implicante.
Certa vez Salvador foi a cidade vizinha de Pitangal fazer
uma consulta médica. O médico era amigo do delegado
Lourival e sabia dos problemas da delegacia. Na hora da
consulta mandou Salvador tirar a roupa, sendo contestado pelo
cliente; o médico alegou que era necessário e saiu fechando a
porta.
O médico foi ao telefone e informou ao delegado quem era
o cliente, depois abriu a porta e entrou. Viu, então, o revólver
de Salvador em cima da mesa, e, rapidamente, se apossou da
arma. Salvador entendeu que foi traído e entrou em luta
corporal com o médico pela posse da arma.
O delegado entrou correndo, sacou a arma e atirou em
Salvador. Salvador, ao perceber a mira do revólver, esquivou-
se, sobrando o médico, que levou o tiro.
Houve um tumulto pelo inesperado que assustou a
vizinhança.
Salvador fugiu saltando um muro de três metros de altura,
mas, depois de algumas horas, foi preso.
Uma senhora amiga da família de Salvador foi avisar
familiares em são José, quando reuniram-se cinco homens
armados e foram na delegacia onde estava o preso e o
libertaram.
O médico, que levou o tiro, depois de quatro meses acabou
falecendo em consequência do ferimento da bala na virilha. O
delegado Lourival foi transferido.
Estes são os acontecimentos da época.
Surpresa

Os pais de Mariana chegaram na sua pensão e entraram


com a saudação: – “Deus te Abençoe”, abraçando a filha com
grande alegria. Descarregaram comida, roupas, cobertas,
calçados e utensílios para sortimento da filha. Logo os pais
foram interrogando Mariana sobre seus estudos e como se
sentia em sua vida universitária. Ela relatou detalhadamente
sobre estudos e professores que mais gosta, assim como a
turma da sua classe e sobre seu amigo Joel, contando que
realizam trabalhos em parceria e que ele é de uma pensão
próxima. Contou também da visita da mãe do Joel, a qual
achou muito bonita e simpática.
– Mariana, minha filha! Que família é a mãe do seu colega?
Fabiana perguntou na presença de Bibiano. Ambos se
encontravam sentados numa poltrona.
– Mãe, o nome dela é Andreia.
– Mariana! Andreia do quê? Perguntou seu pai Bibiano.
– Ah, deve ser Andreia Saldanha, porque o Joel, seu filho,
se assina com esse sobrenome.

Bibiano se surpreendeu com a notícia. Ele pensou: Será


que os caminhos se encontram? Ele mudou de conversa vendo
a filha falando com entusiasmo sobre aquela visita. Perturbou-
se emocionalmente com o assunto que pensava estar no
esquecimento. Mexeu com seus nervos relembrar relações
antigas que estavam no esquecimento, reacendendo um
passado.
– Mae! O Joel disse que gostaria de conhecer vocês. Posso
chamá-lo pai?
– Ah, sim. Fique à vontade Mariana. Respondeu Bibiano.
– Então, vou e já volto. Ela saiu e voltou acompanhada de
seu colega Joel.
– Joel, estes são meus pais, é um prazer apresentá-los.
Disse Mariana.
– Muito prazer ao senhor e à senhora, que são os pais de
minha colega de universidade. Saudou Joel.
– Muito bem. Retribuiu Fabiana.
– Joel disse: O meu tio José fala de Bibiano Saraiva... que
fazem encontros de negócios. É o senhor?
– Sim, Joel. Sou eu mesmo. Ele é meu amigo de negócios,
pois a pecuária é nosso ramo, daí trocamos ideias do ramo.
Nos encontramos seguidamente.

Ao voltar para casa, em sua fazenda, ele mesmo, Bibiano,


se recomendava, mas uma nuvem branca e muito alta se
elevava, desde o sol do amanhecer ao poente. O seu
pensamento permanecia como um encanto de um passado que
tentou esquecer. Nas horas de trabalho, no repouso,
configurava o silêncio que seguia crescendo como uma árvore.
Os fatos inesquecíveis surgiam como vendavais nos caminhos
de sua vida, surpreendendo seu destino.
Capítulo 9

A história da imortalidade

Quando a morte está distante não conhecemos o medo.


Somente quando vencemos o medo podemos lutar com a
morte (Autor anônimo).
A lendária história de um Maragato

Arselino Prestes relata o episódio de uma cena cruel das


tropas do general Firmino de Paula de Cruz Alta. Conta que
Firmino descobriu a sepultura de Gumercindo Saraiva, no
cemitério dos Padres Capuchinhos de Santo Antônio, dois dias
depois de sua morte, em 10 de agosto de 1894.
O general ordenou sua profanação. Desenterrou os restos
mortais de Saraiva e mandou amarrar numa cruz improvisada
e expor no portal do cemitério. Firmino de Paula mandou as
tropas desfilar em frente aos despojos do inimigo com uma
faixa com a inscrição "o bandido do Gumercindo", a quem as
forças governistas perseguiam sem descanso há 17 meses.
Muitos republicanos, pelo ódio que os consumia, cuspiram
sobre a carne putrefata do morto, por que Gumercindo Saraiva
havia atazanado o governo de Júlio de Castilhos.
Veja o que Pinheiro Machado, senador da República, eleito
de São Luiz Gonzaga, ao vê-lo morto, teria dito: "Parece
mentira que esse trombeta chegou a estremecer a República!"
Gumercindo percebeu que a guerra deveria ser modificada.
A cavalaria, com lanças e facões, não competia contra
metralhadoras e peças de artilharia. O espaço para travar a
guerra encurtara. Os caudilhos não dispunham mais da
liberdade de ação dos tempos dos farrapos, quando os
entreveros eram comuns.
O telégrafo e as estradas de ferro começaram a dominar a
região da campanha, e os exércitos dos rebeldes rapidamente
podiam ser localizados e lançados às forças repressivas do
governo.
Gumercindo Saraiva dispersara seus 400 homens
maragatos rebeldes, transformando-os em pequenos corpos
de combate. Fez deles uma infernal guerrilha montada, com
armas de fogo nos arsenais do governo. O exército de
Gumercindo estava, ao mesmo tempo, em todos os lugares e
em nenhum.
Sua maior façanha militar foi contra o governo do
presidente Floriano Peixoto. Ele chegou ao Rio de Janeiro e
pessoalmente apeou do seu cavalo, a quem via como símbolo
da tirania positivista que desgraçava a vida do país.
Ficou desiludido pela falta de apoio popular, o que o levou
a concluir que "o povo brasileiro é indiferente, só luta quando o
maltratam”.
Gumercindo Saraiva entendeu que as forças políticas que
lhe apoiavam não incentivavam o povo das cidades ou vilarejos
por onde suas tropas passavam, o que também mereceu crítica
à população urbana: "A cidade corrompe as pessoas",
assegurou ele, "...lá só cuidam de si mesmos".
Gumercindo Saraiva era federalista.

Retirando-se do Rio de Janeiro, Gumercindo volta ao Sul,


recorrendo ao trem de ferro e aos cavalos, atravessando rios e
densos matagais. Ele fez uma viagem de uns 600 quilômetros
(no total ele percorreu 3 mil quilômetros a cavalo)!
Atrás dele, um vespeiro furioso para capturá-lo: todos os
chefes republicanos. Alcançaram e abateram-no, finalmente,
no Arroio de Nhã Capetum, interior do Rio Grande do Sul.
O guerreiro Aparício Saraiva, irmão mais novo, carregou-o,
ferido. Os perseguidores encontraram-no sepultado e
deceparam a sua cabeça.
Um oficial, o major Ramiro Oliveira, da Brigada Militar,
recebeu ordens do General Firmino de Paula de levar a cabeça
de Gumercindo, numa caixa de chapéu, como troféu ao
governador.
Júlio de Castilhos, sabendo do gesto bárbaro, proibiu o
oficial de aproximar-se do Palácio. Entregaram a cabeça de
Gumercindo a "estudo da ciência" para encontrar nas
saliências do seu crânio os mistérios da alma de um homem do
Sul.1 Comentado [DABA1]: Colocar no rodapé onde se encontra esta
ata.
O major Ramiro mandou lançar a cabeça do guerrilheiro
num rio. O restante do corpo de Gumercindo foi devolvido à
família Saraiva muitos anos depois, quando pacificados os
ódios.
Assim era a vida política aqui no Sul.

1
Para mais detalhes, ver "Ata do recolhimento do crânio de Gumercindo Saraiva", 8 de outubro de
1894.
Um líder na imortalidade

A tarde caía no horizonte limitado pelo azul e branco do


céu, numa passagem à nascente. Nas terras de Pitangal
aumentavam as ocorrências derradeiras numa luta entre os
humanos.
A política sempre foi um instrumento de poder e causa de
episódios dramáticos com registros marcantes.
Há a história de um personagem das terras do continente
de São Pedro, no início de século passado. Ele era um líder
que comandava o seu mundo sob o fascínio de um olhar. Tinha
a formação de homem do campo, deslumbrado em perseguir
seu destino a partir de seus princípios, voltado à preocupação
com o mundo. Ele era honesto e preocupado, mas pretendendo
ser um justiceiro em seu meio.

João Grande conversava sobre seu avô com seu filho, que
não o conheceu.
– Papai! Quem eram os amigos do vovô (falecido) que ele
mais falava?
– Ah! Ele não tinha amigos especiais, respeitava todos de
maneira igual.
– Pai! Qual era o esporte do vovô?
– Filho! Se, o seu mundo era as matas e campos, seu
esporte era a caça. Ele gostava de ouvir o vocal de dois cães
a perseguirem a caça numa corrida. Também lidar no campo
com animais.
– Que tipo de roupas o vovô usava?
– Usava, de preferência, bombachas listradas, escuras,
camisas brancas ou claras. Também usava chapéu de abas
largas e botas, mas, em casa, andava de tamancos. Seu lenço
era vermelho, por ser do Partido Maragato, seguidor de Silveira
Martins.
– Ele usava?
– Não.
– Por quê?
– Os motivos eram os reveses políticos. Ele escondeu seu
lenço por muito tempo. Os movimentos revolucionários não
perdoavam políticos contrários.
– Como era a casa do vovô?
– Ah! Ele possuía uma propriedade de terras que ganhou
de herança. Ali construiu sua casa e criou cinco filhos.
– O vovô não usava seu lenço por caso da política, por
quê?
– Sobre política eu gostaria que ele mesmo respondesse,
mas ele já foi embora deste mundo.
– O senhor pode contar?
– Sim! Ele tinha dois companheiros, líderes políticos e
revolucionários. Eles eram do Partido Maragato (do império),
oposição ao Partido político do governo (republicano),
chamado de Chimango.
– Eles eram os amigos do vovô?
– O seu avô contava que os líderes que frequentavam a
sua casa eram José Saldanha e Bibiano Saraiva. Os mesmos
eram perseguidos pelas autoridades do governo.
– Como eu gostaria de ter conhecido o vovô!
– Bem! Não foi possível; assim foi o destino.
Sobre José Saldanha, há uma história inesquecível
contada por João Grande, conhecedor do mundo regional: ele
dizia que José Saldanha era um fazendeiro no distrito de Águas
Brancas e líder político disciplinado, que sabia tratar os
adversários políticos. Na sua fazenda tratava todos com
respeito nas revoltas com seu exército. Quando rendia o
inimigo, ele procedia a interrogatórios, mas com respeito, não
maltratava. Era um soldado, tinha preparo físico e treinava as
habilidades e destrezas caso houvesse precisão de uso em
combates, mas era um homem amoroso para a família e
pessoas de suas relações em sua fazenda e com qualquer
cidadão.
Ao perguntarem como era este seu amigo, João Grande
dizia:
– José Saldanha era um homem alto, elegante, de
bigodinho, de barba aparada; seus cabelos eram castanho-
claros e lisos, às vezes compridos. Nas jornadas pelos campos,
com tropas, ele usava uma fita vermelha amarrada na cabeça.
Sempre sorridente, dentadura natural, de olhar hipnotizante, de
cabeça erguida, lábios cerrados, de olhos fitos ao horizonte,
como se fosse elevar o pensamento para o futuro imaginário,
pressentindo o bem-estar ou o adverso; até parecia pressagiar
o futuro de seu caminho.
Continuava dizendo:

– José Saldanha era um cidadão que gostava das


aventuras; elas eram próprias do seu ser, e, nas lutas armadas,
que eram constantes na época, sempre tentava evitar
encontros, mas, se fosse preciso era estrategista nos
combates. Tratava bem seus homens, que se distribuíam em
sua fazenda, formando uma grande população.
João Grande contou sobre um contratempo consigo, numa
das jornadas do Saldanha:
– José Saldanha tinha um filho, chamado Marcos. Este era
crítico e gostava de ser justiceiro. Ele formou-se em Direito,
mas gostava de ser soldado no exército do pai. Certa vez
Marcos tentou levar uma gaita – acordeom – emprestada de
minha pessoa, então morador de São Pedro – povoado –,
distrito de Águas Brancas, porém o mesmo negou-se a
emprestar ou alugar, e isto ocorreu na ausência de seu pai. Na
ocasião, Marcos não gostou da negativa e ameaçou,
prometendo que, em outra oportunidade, levaria a gaita,
mesmo sem a permissão, alegando que pretendia devolvê-la.
João Grande aguardou a volta do pai que vinha de Águas
Brancas. Ao chegar, denunciou ao pai, que chefiava um
piquete de soldados, sobre o caso do filho.
José Saldanha, na hora, mandou chamar o rapaz, seu filho,
que se apresentou elegantemente, dizendo:
– O que foi meu pai?
– Filho, você desrespeitou um amigo nosso, por quê?
– Desejava tocar gaita e seu João negou-se a emprestar-
me.

João Grande contou que José Saldanha, como pai e líder


comandante de um pelotão de soldados, chamou a atenção do
filho na frente de todos, aconselhando-o a respeitar os amigos
ou qualquer cidadão.
O moço ouviu e aceitou quieto, simplesmente com sinais
de atenção e obediência ao chefe, portando-se de modo
exemplar e com encanto, cativando os presentes. Aquele
jovem era, de um lado, másculo e forte, e, de outro, um menino
educado e fino, que, muitas vezes, demostrou ser líder; aceitou
sua integração disciplinar no coletivo pelo respeito e obediência
às regras de grupo.
O fato negro da história, envolvendo José Saldanha, que
adquire maior relevo foi pela circunstância ligada à ação
principal do incidente que culminou no seu tombamento. O fato
pode ser considerado uma tragédia, que, por sua natureza,
classifica-se como digna de uma epopeia, pelo espírito audaz
de valente guerreiro, aguerrido líder no anonimato, que tombou
como um herói político que desejava manter valores de
respeito à liberdade e à igualdade entre os homens da
sociedade na época.
João Grande conta:
– Certo dia, José Saldanha, Maragato, vinha pela estrada
dos campos, próximo da vila de Águas Brancas, com destino à
povoação de São Pedro, interior de Águas Brancas. Ele andava
com um pelotão reduzido de soldados, e seu filho Marcos não
estava presente. Não imaginou, pela determinação dos seus
próprios desígnios, que seria atacado de surpresa e obrigado
a lutar mais de cinco horas com os agentes do governo,
formado por um grupo de soldados da Provisória. Não resistiu,
em razão de ser um ataque surpresa, uma emboscada.
O piquete de soldados do Saldanha aos poucos foi
aniquilado. Ele e alguns companheiros que restavam,
arrastando-se em campo aberto, tentavam uma retirada,
defendendo-se de um tiroteio cerrado, e, valendo-se de uma
lagoa no campo, mergulharam nas águas para se defenderem.
Os soldados arrochavam o cerco, de modo que, numa
longa tarde, em campo aberto, lutavam com muitos fuzis no seu
encalço, provocando um enorme cansaço. José Saldanha e
poucos companheiros que restavam debaixo das águas, não
conseguiam pontaria para contra-atacar e proceder, assim, sua
defesa. Aos poucos foi ficando fácil a pontaria dos caçadores.
Os homens do governo foram encurralando os remanescentes
da força de Saldanha.
João Grande conta ainda:
– José Saldanha, já dizimado, com os companheiros
abatidos, veio até a flor das águas da lagoa utilizando-se de um
pedaço branco de suas roupas como bandeira da paz, pedindo
trégua. Levantou a bandeira branca e gritou:
– Em nome da lei queremos acordo, me entrego em paz.
– Hoje não tem paz, bandido! Respondeu o comandante
militar, atacante.

Aos gritos de vitória, a resposta foi um ataque mais feroz,


sem compaixão contra um inimigo dominado, vencido.
A ação foi tão cruel, que ele não resistiu.

O julgamento definiu-se com “destino marcado”, com a


condenação e a execução sumária de muitas vidas. Nas águas
da histórica lagoa, onde se firmou o tombamento de um líder,
restou um colorido do sangue vermelho do monarca José
Saldanha, como testemunho da história dos homens.
A família foi informada do trágico ataque e fuzilamento de
José Saldanha. Seu pai, Teodoro, encontrava-se doente,
sendo providenciado os trâmites por sua irmã Andreia, a
esposa Natalia e o filho Marcos, e, acompanhados por forte
pelotão da fazenda, foram ao local para proceder o translado
do corpo. Chegando lá não havia ninguém, somente sangue.
Na estrada uma carruagem transportava um homem. O sol
entrava entre a terra e o céu exalando a grandeza da impetuosa
estrutura da natureza.
Uma memorável tragédia que maculou a história da vida
familiar dos Saldanha e da sociedade local, desviando o olhar
para o infinito na inclemência do tempo.
Os fantasmas do sobrenatural não duvidam, porque é um
ambiente espiritual em que a literatura e até a filosofia se
recolhem e se aprimoram no conhecimento da história da
humanidade sobre uma vida com um “destino marcado”.
Capítulo 10

A torre política

Nunca existiu guerra boa ou, então, uma paz má


(Benjamim Franklin).
Os coronéis da república

Na época, a política brasileira era regionalista e no Rio


Grande do Sul era controlada e comandada pelos coronéis
(ricos fazendeiros). Algumas características do coronelismo
eram: Voto de Cabresto: na República Velha o sistema eleitoral
era muito frágil e fácil de ser manipulado; no Estado tinha dois
partidos: Maragatos, que eram favoráveis à monarquia e ao
parlamentarismo, ligados à coroa; e os Chimangos, que eram
legalistas e defendiam a república, na qual o presidente era
Floriano Peixoto
O coronelismo foi um período de grande violência. Na
época eram os políticos, os fazendeiros e os militares que
tinham o poder.
A República Velha compreende o período de 1889 até
1930. Inicia-se com a Proclamação da República, em 15 de
novembro de 1889, e permanece até 1930.
O episódio de José Saldanha compreende esse hemisfério
político que levou ao seu assassinato cruel e desumano,
deixando familiares e uma rede de cidadãos patriotas
angustiados e em sofrimento pela perda de uma liderança
inesquecível de sua terra.
Bibiano Saraiva, fazendeiro e amigo de José Saldanha, ao
saber da notícia do assassinato covarde de seu amigo,
preparou um forte pelotão de soldados e foi até o local da tocaia
para revisar os arredores onde ocorreu o assassinato. O
ataque surpresa da tocaia da Brigada do governo ocorreu de
forma despótica, impetuosa e violenta. Bibiano Saraiva foi
preparado para responder do mesmo modo os seus inimigos,
mas revisaram os arredores da tocaia e não encontraram
ninguém. Voltaram, mas em estado de alerta.
Na época eram lançadas todas as formas de tropelias, atos
vis, torpes e odiosos, para se perpetuar no poder:
espancamentos, assassinatos, violências de toda ordem e
desrespeito ao homem e aos seus direitos contra quem
ousasse fazer parte de uma posição política.
A alma do tempo

O imaginário faz surgir figuras inesquecíveis de um


passado, que leva a compreender os propósitos gerados por
interesses e por egoísmo moralista que não são capazes de
entender uma paixão de amor.
Ninguém, todavia, pode mudar o percurso do futuro,
porque ele é imprevisível.

Andreia era uma mulher com aparência de intelectual, mas


demonstrava inquietação, pois andava com olhar baixo,
preocupada, sem explicação. Caminhava de um lado para
outro onde estava. A sua preocupação era seu destino. No
trabalho e nas lidas mostrava-se nervosa, pois dava
demonstração de um peso emocional.
O tempo passou e, já no segundo semestre, Andreia foi à
cidade para visitar o filho Joel, levar comida, roupas e pagar a
faculdade. Chegou e interrogou Joel sobre como estavam o
curso e suas notas.

– Joel! E a Mariana? Perguntou Andreia.


– Daqui a pouco ela chega, daí a senhora pode conversar
com ela.
Mariana já estava chegando e Joel abriu a porta para ela
entrar.
– Dona Andreia, que surpresa agradável a senhora ter
vindo. E foi dando-lhe um abraço.
– Ah, Mariana! Você é uma menina muito querida. Eu
comecei a te amar igual meu filho Joel. Afirmou Andreia.
– Mãe, vamos comer alguma coisa. A senhora trouxe coisa
boa da fazenda igual os pais da Mariana. Falou Joel.
– Está bem Joel. Eu vou arrumar um café para nós lanchar.
Disse Andreia.

Nesse momento, enquanto Andreia arrumava a mesa, os


jovens foram para outra repartição e a mãe viu Joel abraçar
Mariana e beijar a menina na boca.
Andreia desviou o olhar demoradamente e virou para o
infinito das nuvens, passando a divagar em voz pousada do
pensamento.
Ela, então, gritou com tanta loucura que assustou os
jovens. – Não, não…

– Joel! Por favor não façam isso. Por favor não e não.
Gritou Andreia.
Eles correram na cozinha onde estava Andreia e:
– Mãe, por que gritou desse jeito. Nós somos namorados
mãe. O que a senhora viu? Fiquei preocupado. Disse Joel.
– Filho do céu. Essa menina é sua irmã. Ela é sua irmã.
Vocês são filhos do mesmo pai. É um segredo que guardo há
muitos anos, filho. Eu guardo no meu coração por quase 20
anos, a sua idade, Joel.
– Mãe. Diga que não é verdade isso que a senhora está
dizendo. Alegou Joel.
– Dona Andreia, explique melhor esse assunto para nós
entender. Eu estou pasma com essa notícia. O meu pai nunca
falou nada. Declarou Mariana.
– Joel, Mariana: Eu irei contar toda a verdade. Eu pensei
que o José, meu irmão, tivesse contado ao Bibiano, porque
eles eram muito amigos. Querido irmão José, que teve um final
trágico, infelizmente, que deixou todos nós tristes de
sofrimento.
– Dona Andreia, o seu irmão José era muito amigo do meu
pai. Eu pouco sabia disso. Poucas vezes vi ele, mas não sabia
quem era, agora estou sabendo. Que coisa triste. Ouvi meu pai
falar do dito assassinato, pois ele organizou um exército de
soldados e foi lá. Mariana informou.
– Mãe, explique isso de dizer que eu e Mariana somos
irmãos. Tenho o direito de saber. Porque a senhora não me
contou quem era meu pai? Me escondeu todo esse tempo.
Reclamou Joel.
- Desculpa, mas eu tenho que declarar meus sentimentos.
O Bibiano veio com meu irmão José da academia Militar de São
Paulo, eles eram ainda jovens. O Bibiano morou quase um ano
lá em casa, na fazenda, e eu me apaixonei por ele, acho que
ele também. Meu pai, para romper a nossa amizade, enviou-
me para um convento e, certo dia ele foi me visitar. Saímos fora
do convento num espaço isolado, num pequeno bosque, e nos
rolamos na intimidade do amor. Ele foi embora e eu fiquei
grávida. Quando minha barriga começou a crescer a freira
mandou chamar meu pai. O seu avô, Joel, prometeu matar
Bibiano. Preocupada, combinei com seu tio José para avisar
da ameaça a Bibiano. Por isso permanecemos no silêncio e ele
não sabe. É um segredo de todos lá em casa. Eu fui levada
para a fazenda e você nasceu e cresceu e hoje está aqui. Peço
que me perdoe. Declarou Andreia.
– Mãe, e nós como ficamos? Perguntou Joel.
– Filho, o amor de vocês é amor de irmãos. Devem se
respeitar como irmãos. Hoje o segredo foi descoberto. Não é
mais segredo. Veja, o destino é uma estrada que devemos
passar, e este é traçado por Deus.
– Dona Andreia, e o meu pai? Estou pensando nele; eu
amo meu pai. O que devemos fazer? Eu não quero deixá-lo
nervoso. Queixou-se Mariana.
– Mariana, a verdade existe como coisa real de um sistema
de valores que está dentro de cada pessoa. Portanto ninguém
consegue escondê-la. Siga seu coração, seu pensamento, sua
razão. Respondeu Andreia.
– Mãe! Agora tenho pai? Será que ele não foi avisado?
– Sim, você tem pai, meu filho. Penso que ele não foi
avisado. Eu me arrependo de ter guardado tanto tempo este
segredo. Peço perdão por isso.

Andreia examinou com clemência aquela tarde despertar


para uma noite que dorme na transcendência da natureza, ao
sentir uma realidade de luz para os mistérios das sombras.
O mistério dos tempos imemoriais empolga homens de
uma epopeia, numa luta de glória, que compartilham com a
humanidade.
Homens toscos diante da guerra numa luta pitoresca da
vida e da morte, sendo escrita como bárbaro no enredo dos
historiadores.
A lenda de Lidiane
Lidiane Sales era filha de pai Caingangue e de mãe
Guarani. Nasceu no Oiapoque, Amapá, na aldeia de Caripuna.
Sua mãe era funcionária da Funai, técnica em enfermagem na
tribo.
A avó materna de Lidiane Sales era alemã, da família
Schneider, que fora raptada em criança e criada pela tribo
Guarani, recebendo o nome de Eneida Páscoa dos Santos.
A mãe de Lidiane voltou para a área Caingangue no Sul,
com a família, por ter cumprido o intercâmbio com a Funai.
Lidiane, ainda menina, no Estado do Amapá,
acompanhava sua mãe observando as pessoas, o mundo e a
vida. Foi crescendo no mundo rústico das matas, mas
acompanhava as relações da vida urbana pelo trabalho de sua
mãe como enfermeira.
Na reserva indígena a vida étnica de sua gente era de
humildade, com vestígios de pobreza, que determinava muitos
limites humanos.
Assim, via sem perceber o mundo real desenvolvido na
população brasileira.
Após sua mãe ter cumprido o intercâmbio com a Funai, saiu
da Região Norte viajando de ônibus até o Sul do Brasil com a
família, trazendo Lidiane para Cerro Grande, terra Caingangue.
Lidiane, ainda menina, de seis anos, acompanhava os
novos hábitos do seu povo étnico. Começou a ir à escola e se
alfabetizou com uma professora não índia, de origem italiana,
da cidade próxima de Pitangal.
Concluiu o curso básico e Ensino Médio numa escola da
cidade de Pitangal.
Certa vez, nas séries inicias do Ensino Fundamental,
Lidiane conheceu o filho da professora, menino de sua idade,
que tinha características e estilo de imigrante europeu. Ela se
afeiçoou ao menino de nome Luiz Paulo, causando ciúmes aos
amigos meninos índios.
A amizade com o filho da professora formatou as imagens
de seus sonhos.
Uma tarde, na hora do recreio, ambos se afastaram no
pátio e Lidiane, na inocência, perguntou a Luiz Paulo:

– Você me ama?
– Ele perguntou: Por quê?
– Porque eu te amo. Respondeu Lidiane.

Assim foi confirmando o imaginário sem limites de Lidiane,


rompendo as tradições convencionais da etnia. Lidiane via o
mundo em horizontes além do seu meio.

Ivan Koslov tinha pai Russo. Os avós vieram do leste


europeu, da antiga União Soviética, mais propriamente da
Ucrânia. Do lado da mãe, alemã, era de sobrenome Frank e
Leber. As bisavós vieram durante a Primeira Guerra Mundial.
Ivan Koslov era descendente de Alemão Russo.
Ivan foi casado com uma moça de origem alemã durante
três anos e separou-se; não teve filhos. Alugou um
apartamento térreo e começou a cursar Economia.
Lidiane concluiu o Ensino Médio e sua mãe encaminhou-a
para uma cidade onde tinha faculdade para cursar curso
superior.
Ela tinha um namorado índio há dois anos. Em Pitangal,
Lidiane e um grupo de amigos, numa república, decidiram
mudar-se e foram até o prédio onde morava Ivan Koslov.
Eram cinco colegas: três homens e duas mulheres.
Ao chegarem no prédio foram recebidos por Ivan Koslov do
apartamento térreo. Ele informou e encaminhou ao
apartamento de cima.
Houve pouca conversa.
Ivan foi para a casa da sua mãe e disse: – Hoje chegou lá
para alugar o apartamento de cima uma moça muito bonita.

Lidiane, ao voltar para a república, no caminho disse para


sua colega: – que moço galã nos recebeu! A colega riu e falou:
– mas não é índio.

Lidiane e seus colegas transferiram-se para o mesmo


prédio de Ivan.
Os encontros de Ivan e Lidiane eram de forma simples e
formal, até porque Lidiane tinha namorado.
O diálogo era diário. Muitas vezes confraternizavam com
almoços, jantas e bebidas.
O dia de São João foi marcante. Fizeram uma festinha com
comidas e bebidas. Lidiane não percebia o interesse de Ivan,
pois este não demonstrava, talvez porque ela tinha namorado.
Naquela noite, porém, Ivan recebia mensagens de Lidiane com
declarações.
A noite estava chuvosa, uma garoa. O pessoal começou a
se retirar pelo adiantado da hora, mas Lidiane permaneceu.
Ivan criou coragem e convidou Lidiane para se retirarem, pois
eram quase os últimos. Ele de moto; ela aceitou. Numa
esquina, Ivan parou e desligou a moto, pois a garoa tinha
cessado. Voltou-se a Lidiane para saber seu interesse por ele.
Ali aconteceu o primeiro beijo. O beijo que deu início a uma
vida a dois.
Assim, após encontros e mais encontros, Lidiane rompeu
com seu namorado e caiu de paixão por Ivan, o que a levou a
declarar seu amor a ele, um alemão russo, de etnia europeia.
A bela índia Lidiane mudou o rumo de sua vida, e o
imigrante recebeu-a em seus braços ao terminar sua
faculdade. Juntos, fizeram um juramento em seus destinos:
viveriam um para o outro até seus últimos dias de vida.
Em comum acordo, foram viver no mesmo apartamento em
plena vida conjugal. Hoje, em casa de sua propriedade, eles
têm dois belos filhos, Mateus e Helena, que criam e educam
com amor.
Ivan sempre afirmou que seus familiares foram receptivos
a sua união com Lidiane, índia Caingangue. Também os
familiares de Lidiane não se opuseram a sua escolha por um
homem branco europeu.
Alguns amigos índios de Lidiane diziam: – índia gostou do
branco.
A miscigenação faz parte da cultura brasileira. Um exemplo
é que a irmã de Ivan Petrov, uma mulher branca, era casada
com um homem mulato.
A lenda do império das conquistas e do poder tem “destino
marcado”. O juiz da história é o tempo, que conta as glórias e
derrotas na sucessão das gerações.
A trajetória da vida de um povo é rica em passagens
inesquecíveis de valor significativo em seu desenvolvimento
econômico e sociocultural.
Os primeiros imigrantes se depararam com um ambiente
de selva rústica e hostil, matas densas, com dezenas de
árvores centenárias por quadra, onde o cultivo implicou na sua
derrubada, e tudo isso era realizado manualmente, pois tinham
poucos recursos, além da inexperiência.
Pioneiros corajosos.
Capítulo 11

Epopeia gaúcha

Quem nunca errou, é por que nunca tentou acertar


(Albert Einstein).
A lendária história do Partido Maragato
O mundo político regional vivia em uma guerra competitiva
pelo poder. De um lado o partido Chimango, alcunha dada no
Rio Grande do Sul aos partidários do governo da Revolução de
1923; usavam lenço branco, foram chamados ave de rapina e
eram republicanos que detinham o poder no Estado; de outro,
havia o Partido Maragato, nome dado aos sulistas.
A Revolução Federalista foi um conflito, de caráter político,
ocorrido no Rio Grande do Sul entre os anos de 1893 e 1895,
que desencadeou uma revolta armada. A revolta atingiu
também o Paraná e Santa Catarina.
As principais causas da Revolução Federalista foram:
– Insatisfação dos federalistas com o domínio político de
Júlio de Castilhos (presidente do RS) do Partido Republicano
Rio-Grandense.
– Disputa política entre dois grupos políticos gaúchos: os
Chimangos (pica-paus) eram defensores do governo de Júlio
de Castilhos, da centralização política, do presidencialismo, do
positivismo e do governo federal. Já os Maragatos
(federalistas) queriam tirar Júlio de Castilhos do poder do RS e
instituir um sistema descentralizado, baseado no
parlamentarismo.
Em fevereiro de 1893 os federalistas pegaram em armas
para derrubar o governo de Júlio de Castilhos. Floriano Peixoto,
presidente do Brasil, se colocou ao lado do governo gaúcho.
Os federalistas tiveram algumas vitórias no começo do
movimento. Sob a liderança de Gumercindo Saraiva, os
federalistas avançaram sobre Santa Catarina.
Em janeiro de 1894 os federalistas se uniram aos
participantes da Revolta da Armada. Entraram, então, no
Estado do Paraná e tomaram a cidade de Curitiba.
No final de 1894 o movimento federalista perdeu força. Na
batalha da Lapa, no Paraná, as forças federais de Floriano
Peixoto venceram os revoltosos. Os federalistas tiveram de
recuar.
A paz foi assinada em 23 de agosto de 1895, na cidade de
Pelotas, que selou a derrota dos federalistas.
A Revolução Federalista, embora não tenha conquistado
seus objetivos, nos mostra que a Proclamação da República,
com seu sistema político, não foi aceita de forma unânime no
Brasil.
A transparência da verdade

Passavam-se os dias com novos sonhos de esperança e


perspectivas de um futuro promissor no despertar da vida. As
atividades agrícolas e pecuárias eram fortes na região. Na
época emergiam as grandes revoluções sociais, levadas pelos
guerreiros que formavam o povo sulista e toda a sociedade
gaúcha. Época de revoltas, de revoluções de ideias; tempo que
anunciava mudanças necessárias na sociedade brasileira.
Final de ano. Os dois acadêmicos foram aprovados em
todas as disciplinas. No ano seguinte reiniciam as aulas da
faculdade, ambos retornando das férias com muitas novidades.

Encontro:
– Mariana! Como foi de férias? Perguntou Joel.
– Olha Joel, pensei muito no que aconteceu. Também falei
sobre a nossa relação com minha mãe e com o vovô. Informou
Mariana.
– O que seu avô disse Mariana? Questionou Joel.
– Ele levou um choque, ficou perturbado, por que nunca
esperava que um fato desses podia acontecer com a família
dele. Ficou muito nervoso, mas hoje não tem aquele mesmo
poder de autoridade que tinha; está velho. A única coisa que
disse sobre nós é que irmãos não podem se casar, é contra a
lei de Deus. Respondeu Mariana.
– E você Joel? Falou em casa sobre isso; que somos
irmãos.
– Falei e me disseram o mesmo.
– E o seu pai, Mariana?
– Olha Joel, relutei muito, pois eu amo meu pai. Passei
todas as férias e, já no final, resolvi contar para meu pai. Pedi
para ele me levar na biblioteca a fim de uma pesquisa que tinha
de entregar no início das aulas. Ele estranhou e até me
perguntou: – Porque, se outras vezes você ia sozinha, e hoje
eu tenho de ir junto? Inventei que o assunto era sobre militares.
Ele aceitou e fomos. Contou Marina.
– Mariana, fale logo como você contou e qual foi a reação?
Insistiu Joel.
– Está bem. Perguntei se ele tinha um filho fora do
casamento. Ele disse que não. Daí comecei a relatar toda a
história desde nosso namoro, se é que havia mesmo. Ele
perturbou-se, tendo um choque emocional em saber de uma
notícia que, inicialmente, não aceitou como verdade. Depois
disse que sentiu um calafrio que mexeu com as suas emoções,
algo de muitos anos passados. Explicou Mariana.
– E daí? O que falou sobre minha pessoa, seu filho? Quis
saber Joel.
– Ele quer falar com sua mãe, mas sente-se mal Joel, para
averiguar a verdade. Ele lembra-se com dor o que aconteceu
no passado entre eles e disse que vai ser pesado enfrentar o
real; que no seu imaginário o passado voltou como uma
cobrança. Relatou Mariana.
– Eu estou ansioso para conhecer meu pai, mas, ao mesmo
tempo, receoso do que poderá vir pela frente em nosso destino.
Declarou Joel.
– Joel, devemos pensar numa data para esse encontro
familiar. Propôs Mariana.
– Certo, Mariana. Vamos fazer mais rápido possível para
sairmos desse impasse ansioso. Concordou Joel.

Os dias passaram e chegou o momento solene do retorno


de um passado quase lenda, que volta a um real simbolismo
na vida das pessoas.

– Mãe, vamos até a pensão da Mariana. Disse Joel.


Andreia respondeu: – vamos.
Assim saíram mãe e filho e, ao chegarem, Mariana veio
receber as visitas. Entraram.

Na sala estava um homem de pé, nervoso, numa


expectativa indecisa e desconfiada aguardando imagens de um
passado que permanecia somente na memória. Entrou Joel,
um jovem elegante e atlético; logo atrás sua mãe, uma mulher
elegante e bonita, que manteve a sua bela aparência jovem.
Em seguida, sua filha Mariana apresentou Joel ao seu pai,
que estendeu o braço para sua primeira saudação, legado de
um passado distante; um de frente para o outro no silêncio do
olhar, frente a frente, pois não havia palavras. O filho
permaneceu imóvel, e Bibiano e Andreia apenas
cumprimentaram-se pelo olhar. Uma saudação no tempo, na
saudade de uma paixão que ficou na lembrança. Depois de
algum tempo sem palavras, Mariana disse:
– Pai, lhe apresento dona Andreia, mãe de Joel. Pai,
cumprimente a dona Andreia. Insistiu Mariana.
– Andreia, quanto tempo, meu Deus! Saudou Bibiano. E
apertaram-se as mãos num cumprimento lento.
– É verdade, Bibiano. Quanto tempo! Até parece que
morreu no esquecimento a nossa história, mas brotou tudo em
minhas lembranças. Declarou Andreia.
– A minha filha Mariana contou uma história, e eu gostaria
de saber a verdade por isso estou aqui. Andreia gostaria saber
de sua boca para saber a verdade verdadeira. Disse Bibiano.
– Bibiano, lembra de sua visita ao convento. Depois
daquele dia você conte nove meses e veja a data de
nascimento do Joel. Advertiu Andreia.

O diálogo foi na frente dos filhos e eles permaneceram


escutando a história. Mariana observou o nervosismo do pai ao
falar com dona Andreia. Estava com o raciocínio bloqueado
pelas emoções fortes, gaguejava com a boca seca, pois foi
muito forte o impacto emocional.
Reacendeu um passado como um delirante sonho.
Andreia, engasgada, falava trêmula e pálida, pois sua alma
estava em choque emocional pela saudosa ilusão que estava
em sua frente.

– Eu acredito, mas você devia ter mandado alguém me


contar que estava grávida, gostaria de te ajudar. Talvez a
minha vida seguiria outra estrada, bem como a sua. O José,
seu irmão, avisou-me que seu pai me ameaçou de morte, por
isso evitei lhe procurar. Declarou Bibiano.
– É verdade Bibiano. O meu pai, muito moralista e
autoritário, prometeu mesmo. Não tinha o que fazer naquele
momento, e para lhe proteger mandei o José te avisar da
ameaça e não revelar sobre minha gravidez. Contou Andreia.
– Eu gostaria de abraçar o meu filho. O que está
acontecendo para mim é um sonho. Disse Bibiano.
– Pode abraçar agora. Eu arrependo-me de guardar este
segredo até hoje sobre o pai do Joel, e ele sempre me
cobrando, até que fui obrigada a revelar. Declarou Andreia.
– Eu quero um abraço de todos: do Joel, meu filho, da
minha filha Mariana e de você Andreia, para desafogar meu
coração. Pediu Bibiano.
Bibiano deu um passo em direção aos filhos e Andreia, e,
num impulso, abraçou Andreia com gesto de ternura,
expressando um passado recôndito no tempo. Depois abraçou
Joel e disse: – meu filho; e também abraçou Mariana, sua filha
amada.

– Bibiano, que bom, meu Deus! Um peso sai dos meus


ombros; estou aliviada. Agora posso voltar com a consciência
limpa e tranquila. Falou Andreia.
– Eu, Bibiano Saraiva, também irei para minha casa curado
de uma doença que me fazia sofrer por muitos anos.

Em outra oportunidade Bibiano foi visitar a filha e,


casualmente, Andreia veio até a pensão de seu filho Joel.
Enquanto os filhos assistiam aulas, aconteceu um encontro
entre Bibiano e Andreia.
O encontro entre os dois, na imensidão do silêncio, causou
uma reflexão somente nos olhares. Andreia sentiu-se tímida,
com sinal de lágrimas; arredou-se, sentida pelo forte impacto
emocional ao reencontrar uma paixão que não teve êxito em
seus sonhos de amor; tudo deu errado e ela sofreu as
consequências com dureza.
Os olhos de ambos revelavam uma inesquecível relação
de amor. Ele, com a voz embargada, no impulso de uma
atração que lhe dominou a razão, jogou-se numa alucinada
fantasia do passado, ressentida pelo tempo, que, naquele
momento, reacendeu, e ali estavam duas múmias arrebatadas
pelo desamor, na frente uma da outra. Então, Andreia falou:

– Bibiano! Não esperava este momento. Com o lenço


limpou as lágrimas.
– Nem eu, Andreia! Destino enganoso; prega cada peça na
gente. Bibiano falou emocionado.
Reanimada, Andreia pergunta:
– Há quantos anos?
– Há quase 20 anos. Você não esqueceu?
– Não!
– Eu também não.
– Como está?
– Estou casado e tenho dois filhos. A filha estuda aqui, a
Mariana. Respondeu Bibiano.
– A Mariana é uma linda menina. Parabéns pela filha que
tem. Respondeu Andreia.
– Sim! Não esperava tudo o que vem acontecendo. Parece
que estamos desenterrando um passado que era tão lindo. Isso
está mexendo com a gente de forma arrasadora.
– É verdade, Bibiano!
– E você, Andreia? O que aconteceu com você durante
esses anos?
– Estou administrando a fazenda do meu pai e continuo
solteira.

Andreia lançou-se em seus braços, e, assim como dois


adolescentes, apertaram-se abraçados por longo tempo, como
se tivessem voltado ao estado juvenil do passado.

– Andreia, lamento o assassinato do meu amigo e seu


irmão José Saldanha. Um mês antes do acontecido nos
encontramos em São Pedro, e nos despedimos com um
abraço. Ele me disse na saída: – Bibiano te cuide. E eu: – o
mesmo te peço. Falamos dos riscos de perseguições políticas
que estava acontecendo. Foi uma desgraça em nossas vidas.
Com lágrimas, Bibiano falava.
– Deus sabe o quanto sofremos com essa tragédia. Um
irmão querido, homem de bem e justo. O papai ficou doente
depois disso. Disse Andreia.
– Andreia, vamos mudar de assunto. Vamos falar um
pouco de nós. Declarou Bibiano.
– Bibiano! Hoje “nós” não está em pauta. Você é um
homem casado e deve honrar seu matrimônio. Além do mais,
sua filha Mariana já considero como minha filha. Falou Andreia.
– Andreia! Você era minha paixão, penso que eu era o
mesmo para você; era ou não era verdade?
– É verdade! Mas você tem uma mulher e vive em família,
será que não vai ter consequências? Por isso deve pensar
como vai contar sobre nosso passado para a sua esposa e
seus familiares. Disse Andreia.
– Andreia, você tem razão! Mas penso que não devemos
esconder a verdade nunca de nós mesmos. Confirmou Bibiano.
– Certo, Bibiano! Eu vou, mas não esqueço deste encontro,
assim como você, não é?

Depois de um abraço satisfazendo uma triste saudade do


passado, se despediram.

– Sim! Está bem. Então até outro dia.


– Até amanhã.

A despedida foi num clima de descontração. Aquela tensa


expectativa se transformou numa relação cordial e agradável
entre Bibiano e Andreia. Ambos caíram das nuvens, porque
ocorreu uma surpresa inédita em suas vidas. O referido
encontro marcou a vida de duas pessoas com uma reflexão
sobre a história cultural da sociedade humana. A vida é bela
até de olhos fechados se o coração está em paz com o mundo;
será mais bela se for de qualidade. A verdadeira vida está no
belo da justiça e na vontade de viver com integridade e
consciência. A sociedade humana vive sob duas extremidades,
um dominador e outro dominado; a causa das desigualdades
está no poder dos interesses.
Capítulo 12

Ventos do destino

Quem comete uma injustiça sempre é mais


infeliz que o injustiçado. (Platão).
O infortúnio político

Pitangal era um município grande em extensão territorial, e


no tempo das agitações surgiam tantos distúrbios que
ocasionavam entraves no progresso e na sua evolução. A luta
partidária assumia aspectos gigantescos.
A luta regionalista do caudilhismo lançava-se desvairada e
impacientemente na ordem política, postulada na autoridade
em detrimento do individualismo, por meio do despotismo
impetuoso, impulsivo e violento. Assim foram lançadas todas
as formas de tropelias, assassinatos violentos de toda ordem e
desrespeito sobre os homens e seus direitos, contra quem
ousasse fazer parte da posição política na época.
Naquele recanto, no município de Pitangal aparece a figura
de José Saldanha e Bibiano Saraiva, dois líderes dos distritos
Águas Brancas e Cerro Grande.
O município de Pitangal completava a sua extensão de
campos e serras coloniais com vários povoados em sua
jurisdição.
Foi um passado de epopeias, que lembra com saudade e
esplendor a contemplação dos desbravadores que abriram
caminhos com suas obras e ideias, que merecem elogios e
aplausos pela sua história. O evento principal e brilhante era
destaque pela imaginação monumental erguida nas vilas,
praças, escolas, igrejas, identificando o progresso de um novo
tempo.
A história de um destino marcado

Bibiano Saraiva, um fazendeiro de Cerro Grande, interior


do distrito de Campo Largo, era político e sua família era:
Fabiana, a esposa, e dois filhos: uma menina de nome Mariana
e um menino menor chamado Júlio. Ele foi um personagem que
escapou da emboscada, pois, na ocasião, não acompanhou
seu companheiro José Saldanha porque tinha outros
compromissos, e estava em tempo de paz. O historiador João
Grande conta que:

– A revolução entre Maragatos e Chimangos era constante.


As Missões eram o ponto estratégico para impor interesses,
onde havia combates entre forças rebeldes e militares do
governo. Neste episódio político estavam presentes líderes que
geralmente eram fazendeiros, como Borges de Medeiros e
Firmino de Paula, do governo, do lenço branco, e, de outro
lado, Gumercindo Saraiva, Gaspar Silveira Martins, Honorio
Lemes, José Saldanha e Bibiano Saraiva, entre outros, que
eram Maragatos, do lenço vermelho, oposição ao governo.

Bibiano Saraiva era um homem de bem, que respeitava as


pessoas em qualquer situação; apenas tinha o instinto
guerreiro. Ele sempre demonstrava, nos combates, quando
vencia, que tratava os presos vencidos com respeito, não
maltratava e não humilhava ninguém. Somente obrigava os
presos a o acompanharem, engrossando a tropa ou piquete,
conforme eram chamados na época. João Grande dizia que as
revoluções armadas aconteciam como decurso normal na
história da Região Sul, pela busca de uma definição política
centralizada, pois as regiões de todos os quadrantes do país
eram gerenciadas com regras locais ou regionais, havendo
muitas contradições em termos de unidade nacional.
Continua o historiador contando que os combates ocorriam
entre forças políticas, sendo lideranças armadas de oposição
contra o pessoal do governo, e alguns grupos paramilitares,
formados pelos coronéis ou capitães, também contra as forças
militares oficiais do Estado. Normalmente os combates
aconteciam em tocaias, propiciando surpresa. Os combates
iniciavam com tiroteios, e, na medida em que os inimigos se
aproximavam, partia-se para o entrevero, com arma branca,
espada ou baioneta de fuzil quando a tropa era infantaria. Na
cavalaria aconteciam entreveros com cavalos, companheiros
de guerra, tanto para avançar quanto para recuar.
João Grande conta que a culminância ocorria no encontro
de corpo a corpo, tornando os guerreiros encarniçados, até um
vencer. No final era uma carnificina, e sobravam poucos
soldados, tanto de um lado quanto de outro.
Ao relatar sobre a vida de Bibiano Saraiva, João Grande
contava que Bibiano tinha um capanga, muito hábil na espada
e que era atirador de faca com muita precisão. Era chamado
Leonel Moura, um moço de altura média, rosto sardão, cabelos
de fogo; dizem que era filho de gringa; fazia o papel de guarda-
costas de Saraiva; moço novo, sempre de bombachas, tinha
um bonito cavalo preto, muito esperto, sendo benquisto pelo
grupo.
Quem era Bibiano Saraiva? João Grande explica:
– A pessoa de Bibiano Saraiva era de índole tranquila,
calma, falava baixo, suave e pausadamente. Ele sabia ouvir os
subordinados, ou qualquer pessoa. Pedia opiniões e discutia
os problemas em grupo; observava em silêncio as discussões
ou diálogos entre grupos ou pessoas, individualmente. Ele era
um homem elegante. Os seus cabelos eram pretos e lisos;
apresentava-se sempre barbeado e bem-vestido; era de altura
média, porém tinha um jeito magnífico, uma forma de encanto
e simpatia. Ele sabia contemplar o belo; fazia amigos
facilmente e todos confiavam nele, pois era sereno, tranquilo e
seguro. Os próprios companheiros, nas palavras de Policarpo
de Amorim, diziam:

– Ele não era religioso, nem ateu, apenas era um sábio da


vida. Sabia pressentir as reações da natureza.
Era determinado quando andava com a tropa de soldados,
e sempre aconselhava seus homens:
– Soldados! Ao pressentir forças inimigas devemos
esconder os cavalos, deixar que os inimigos passem em paz,
sem confronto. Em caso de descobrirem os cavalos, procurem
esconder-se, não se oporem, para evitar consequências,
choques sangrentos, fuzilamentos, perdas humanas. A
tentativa era de poupar sempre, ao máximo, os homens da
tropa, bem como evitar genocídios com seus inimigos (rivais
políticos).

João Grande contava que Bibiano Saraiva e José Saldanha


eram fazendeiros, cujas propriedades ficavam próximas da
fronteira, em zonas de campo. Vinham de lá, passando pelos
campos das Missões em direção à serra, com piquetes de 20
a 30 homens militarizados.

Os dois fazendeiros eram aliados políticos e ambos sempre


chegavam na casa de João Grande e acampavam em sua
propriedade para se abastecer, pois eram correligionários
políticos. Na redondeza compravam milho e alfafa para os
animais (cavalos), porco gordo, banha, mel, feijão e outros
alimentos para seus homens. Compravam e pagavam, pois
eram de respeito e sérios nos negócios.
Algumas vezes os dois líderes viajavam juntos, com
somente uma tropa de homens reforçada, indo para uma ou
várias regiões; noutras, eles andavam próximos com dois
piquetes, estrategicamente, e, de vez em quando, deslocavam-
se para lugares diferentes, cada qual com sua força, em busca
de investigações, sondagens ou negócios na região.
Bibiano Saraiva, um personagem prodigioso, marcado pelo
poder, pelo seu ímpeto de homem libertário, lutava contra a
submissão e defendia a justiça em favor dos fracos, pela
liberdade e igualdade das pessoas de todos os lugares que
eram de suas relações. Era um político fraterno e amoroso com
o povo da terra; amava as coisas da natureza, respeitava os
animais, tinha a capacidade de expressar a arte do essencial,
do real, do verdadeiro e valorizava os direitos locais, com
benigno espírito nacionalista em defesa do seu meio. João
Grande conta que:
– Certo dia chegava o seu veredicto, tramado por meio de
uma emboscada. Recebera um convite de casamento não
muito longe de sua fazenda, no interior. Sua mulher, Fabiana,
lhe avisara, insistentemente, que não fosse ao dito casamento,
pois não podia acompanhá-lo, e estava prevendo algum perigo.
Bibiano Saraiva era amante da música e participante dos
eventos da sua comunidade; não resistiu e foi. Lá, a festa
apresentava-se pacífica e alegre entre os convidados.
A noiva, de véu e grinalda, estava linda; o noivo, um jovem
elegante, bem-vestido, tudo às mil maravilhas. Havia comida e
bebida à vontade à disposição do povo presente. Depois da
cerimônia, no início da noite, começou a dança no baile. A
diversão entre os pares era apreciável; todo o povo no ritmo da
música que embalava a sala como um todo. Os encontros
propiciavam a magia de muitos romances, que nasciam aos
olhos de muitos jovens como sonhos imaginários na
construção de um novo futuro.
A fantasia do enlace matrimonial gerava alegria, até o
esquecimento de qualquer prevenção. O historiador continua:

– Em certo momento, na madrugada, notaram-se


movimentos estranhos, e, de fato, não tardou a surgiram
cochichos de que algo estava por acontecer. De repente,
boatos recentes trouxeram o recado de que a casa estava
sitiada por militares. A notícia tornou o ambiente do baile tenso
e temeroso, gerando certa confusão no ar entre os presentes.
Havia desconfianças de um cerco político armado dos
Chimangos do governo querendo caçar Maragatos. Logo veio
um recado direto da polícia, confirmando que a casa estava
sitiada. A informação definiu que a escolta da polícia estava
sitiando a casa para pegar o chefe Maragato Bibiano Saraiva.
A notícia de terceiros alertava que sua cabeça estava a prêmio
e prometiam que ele não escapava.
Já na madrugada, quase clareando o dia, Bibiano Saraiva
decidiu, depois de muita espera, resolver o problema sozinho.
Saiu pela porta da frente, e, mesmo tendo um grupo de amigos
prontos a lhe ajudar, ele rompeu o cerco; enquanto o grupo de
pessoas permanecia na porta, ele saiu na frente da casa, com
passos leves e macios, bem devagarinho. Olhou de um lado, a
procura de seu cavalo, e observou um bonito pomar, e, de
outro, um parreiral do qual a família fazia vinho. Em frente, no
pátio, havia um pequeno jardim. Viu logo adiante uma
invernada de pastagens, organização de pequenas fazendas.
João Grande conta que Bibiano Saraiva percebeu que seu
cavalo tinha desaparecido do local onde deixara, e pretendia
utilizar-se de seu veloz animal para escapar em defesa da vida.
Naquele momento, Bibiano Saraiva certamente sentiu um
vazio, era uma hora amarga, com poucas alternativas; no
escuro, pouco podia ver; ficou sem visão, cego, desorientado,
por algum tempo, pelo ato de sair da luz do salão. Ficou no
silêncio, deu alguns passos em frente, sem pensar numa
surpresa, e gritou:

– Estou à disposição seja quem forem vocês!

Ninguém, no entanto, respondeu ou apareceu. Continuou


em pleno silêncio. Apenas a brisa da madrugada contaminava
movimentando o ar com seu aroma, que umedecia as folhas
das árvores e da grama; as pessoas se agrupavam nas portas
e janelas observando, na expectativa de algum acontecimento
pelo prometido.
Bibiano Saraiva não imaginava que os soldados
estivessem na tocaia e tão envenenados com ódio de vingança
que fossem causar um mal a alguém, com tamanha
temeridade, em nome de um poder sem ganhar nada.
Resolveu seguir em frente e gritou novamente:

– Apareçam se vocês são do governo!


Esperava uma resposta para ele saber onde estavam e
quem eram.

Num instante, entrincheirados por detrás de árvores e


arbustos, surgiram, de todos os lados, rajadas de balas como
um raio de fogo, clareando tudo, de modo surpreendente, que
daria para ver e juntar uma agulha no chão, tudo em direção ao
popular líder, Bibiano Saraiva.
Os disparos foram tão rápidos, detonando em forma de
bomba, que não deu tempo de perguntar a razão de tal ato. Era
uma tocaia. Assim consumou-se mais um crime, com
derramamento de sangue e pleno êxito.
O pelotão da tocaia desapareceu depois da execução.
Um julgamento de um “destino marcado”; uma sentença de
pistoleiro; uma execução encomendada. Era o princípio do fim
da figura de um homem líder do seu tempo. Bibiano Saraiva,
sem falar, olhou para o céu ao amanhecer do dia, tentou
levantar os braços e tombou.
Tombou lentamente, num ato de despedir-se, insistindo em
levantar o braço direito, mesmo já caído, como quem, num
gesto de dar um adeus, tem o desejo de transmitir alguma
mensagem para deixar ao povo que presenciava o drama.
Ali na terra ficou a marca do seu sangue no terreiro da
casa; uma mancha que permaneceu por muito tempo como
testemunho da história da vida de um personagem anônimo,
que ficará viva na memória das gerações de sua gente.

Amigos presentes avisaram a família e providenciaram o


translade do corpo até sua fazenda, o que chocou a todos: sua
gente e a comunidade regional.

Homens incompreendidos no tempo, num percurso


imemorial no caminho de epopeias de lágrimas que registram
a história de uma época.
Centauros que não temiam a guerra, como poetas em seus
delírios românticos, significando inteligência de homens
superiores de poder e força.
Na casa da estância, num dia radiante de brisa fresca e
cerrada, de mata e campos a se perderem no horizonte, surge
a memória da família na formação da sociedade de Pitangal,
com as configurações étnicas e geográficas do Rio Grande do
Sul.
Não faltava a casa grande registrando o sol da pecuária
como força de trabalho de um tempo histórico.
Capítulo 13

Prodígios do espírito

A grandeza não consiste em receber honras, mas em


merece-las (Aristóteles)
Guerra política da República

Rio Grande do Sul, região das Missões, 1894.


O coronel federalista Maragato, Ubaldino Machado, deixa
o Estado do Paraná, reúne os correligionários da Vila da
Palmeira, hoje Palmeira das Missões, se arma e prepara-se
para combater as forças do governo castilhista. Com 500
homens armados, marcha sobre Santo Ângelo. Ao aproximar-
se da cidade, um contingente Chimango de 300 homens,
fortemente armados, tenta impedir-lhe o avanço. Dá-se o
combate. O coronel Ubaldino Machado derrota o inimigo, que
perde 40 homens, além de muitos feridos. O coronel Maragato
se apossa da cidade. No fim do mês, o coronel Ubaldino deixa
Santo Ângelo e ocupa novamente a Vila da Palmeira. O grosso
da sua brigada acampa no Capão do Boi Preto, distante umas
três léguas da Vila.
O general Francisco Rodrigues Lima deixa Passo Fundo,
alcança Nonoai e ordena ao coronel Chimango, Fermino de
Paiva, chefe da Quinta Brigada da Divisão do Norte, que
ataque a Vila da Palmeira. Nas imediações do Boi Preto, onde
se acha acantonada parte da Brigada do coronel Ubaldino
Machado, o coronel Chimango surpreende e aprisiona um
piquete maragato que se encontrava de vigia. Por ordem de
Fermino de Paiva, que já praticara diversas atrocidades, como
violências desmensuradas e crimes hediondos e
desnecessários, todos são degolados, salvo um soldado, sob
a promessa de revelar o local do acampamento Maragato.
Em 5 de abril, ainda madrugada, o acantonamento do Boi
Preto é sitiado. Os soldados são apanhados de surpresa e
poucos deles hão de escapar com vida. O tenente-coronel João
Gabriel, de Santo Ângelo, e alguns bravos companheiros,
lutam desesperados e morrem lutando para não serem
aprisionados, pois conhecem a fama de Fermino de Paiva e
sabem que, se aprisionados, perderão a vida sob a faca do
algoz.
O coronel Ubaldino não se encontrava no acampamento
por ocasião do ataque. Na madrugada anterior ao ataque
Chimango, saíra para testar um cavalo em uma cancha perto
da Vila. Isso salvara-lhe a vida. Se lá estivesse, todavia, por
certo morreria peleando ao lado de João Gabriel e seus bravos;
uma porque era homem de reconhecida e manifesta coragem,
outra porque não entregaria o pescoço à faca dos degoladores
da Quinta Brigada da Divisão do Norte.
Assim era o comportamento político no interior gaúcho.
O primeiro encontro

Os tesouros do templo são os despojos de guerra.


Profunda é a atmosfera sombria, misteriosa, como a raiva de
sua impotência. Daí vem o castigo hediondo. Ninguém resiste
ao poder.
O vinho, ópio da sofreguidão dos excluídos, era o próprio
gado redil do poder, considerado um flagelo lendário dos
exércitos humanos. Nos domínios da terra a autoridade nada
sofre; tudo é consoante com a sua vontade caprichosa e
despótica.
Os fracos são os que sofrem os tormentos e a rigidez do
inverno; são milícias inconscientes de seus problemas, que,
caladas, lutam pelo centauro, monstro famoso, na esperança
de conseguir o castiçal de luz para a salvação.

O município de Pitangal perdeu dois filhos de sua terra:


José Saldanha e Bibiano Saraiva, numa execução assassina,
prejulgados e mortos impiedosamente pelo poder político da
época, por eles serem de um Partido político de oposição ao
governo do Estado, com seus “destinos marcados” para a
morte.
A vida de seus familiares seguiu num pesadelo com
lágrimas e muito sofrimento.
Na faculdade, Joel, sobrinho de José Saldanha, e a jovem
Mariana, filha de Bibiano Saraiva, ambos irmãos, estavam se
preparando no mundo jurídico para, ao se formarem em Direito,
proceder uma investigação e descobrir os mandantes,
buscando levar os criminosos à justiça.

– Joel, minha mãe está arrasada pela perda do meu amado


pai. Isso não vai ficar sem uma resposta. Eu quero assumir a
fazenda e o exército do meu pai. Meu pai confiava e descuidou-
se, por isso aconteceu. Declarou Mariana.
– Lá em casa todos vivem a chorar, até mesmo as famílias
da fazenda. Prometo levar essa causa adiante. Nós vamos
enfrentar juntos as investigações para descobrir os chefes
mandantes e os que comandaram a tocaia traiçoeira. Depois
vamos ver o que fazemos. Falou Joel.
– Meu irmão, teremos de responder com a mesma moeda.
Existe muito ódio no coração dessas pessoas. Inquiriu Mariana.
– Mariana, não condene porque é perigoso. O poder militar
do governo é maior do que o nosso. Um confronto armado
podemos ganhar num momento, mas o Estado tem um exército
maior em número de homens e de armamento. Depois eles
vêm com todas as forças, daí, com certeza, não resistimos.
Devemos descobrir os cúmplices assassinos e colocá-los na
cadeia, anunciando em todos os jornais do país para sermos
ouvidos e conseguirmos a sensibilidade jurídica; isto poderá
nos ajudar. Joel explicou.
– Você tem razão Joel. Estamos quase nos formando e
seremos advogados, daí podemos começar a batalha em
breve, pois o nosso espírito vai buscar no infinito forças para
conseguirmos tudo o que é de direito e com sucesso.
Concordou Mariana.
– Mariana, eu te amo, como vamos ficar? Joel perguntou.
– Joel, o amor de namorado é uma coisa, de irmão e outra.
Eu também te amo, hoje como irmão, um amor estável e eterno
para toda a vida, e nunca vai haver separação. Diferente de um
casal como marido e mulher. No amor pode haver traição, ódio,
falsidade e separação. Nós somos filhos do mesmo pai e nossa
consciência deve entender. Mariana explicou.
– Concordo Mariana, você tem razão. Mexeu comigo
quando você disse: somos filhos do mesmo pai; então somos
uma família, essa afirmação vai me ajudar. Pactuou Joel.
– Quando você falou somos uma família, me inspirou de
fazermos um encontro familiar. Minha mãe, meu irmão Júlio,
sua mãe, nossos primos e seu avô e outros. Poderá ser em
qualquer de nossas casas. Propôs Mariana.
– Certo, mas deverá ser em nossa fazenda por causa do
vovô. Podemos marcar a data com nossas mães. Depois
comemorar para conseguirmos mais forças e estratégias para
nossas vidas. Falou Joel.

O maior tesouro de uma vida é quando se come o pão da


paz, banquete com taças de vinho, no reino da alegria e do
amor, em comemoração à glória entre os deuses justos que
reinam sobre a Terra.
O tempo põe a verdade nos olhos dos homens e a palavra
relembra a expressão da memória, vendo a natureza da
criação, o momento de sorrir, de ter a visão de uma paisagem
de sol, da fecunda terra, das matas, sob a chuva das estações.
Contemplar com o espírito a bela imagem da vida e sentir
a bênção; isto é uma forma simples de perceber que este
mundo é bom e vale a pena viver bem.
Um destino fadado a saborear a doçura dos anos juvenis
da primeira paixão, depois desfrutar emoções com alegria no
futuro.
Hoje, no limiar da vida, 20 anos passaram com alguns
momentos lindos de uma desilusão bela de amor. Ah... mas se
tivesse a sorte de reviver esse passado.
Sempre se volta no tempo de uma lembrança perdida
transformada em saudade, que revive no imaginário humano.

– Mãe, a senhora concorda visitar meu irmão Joel, por que


ele é Saraiva de nossa família. Falou Mariana.
– Mariana, sofri com esse segredo de seu pai. Pelo menos
Bibiano devia ter contado que teve um caso com Andreia.
Retrucou Fabiana.
– Mãe, o pai não sabia desse filho, também não foi avisado.
Não tem culpa. O pai quis lhe poupar. Aconteceu antes do pai
lhe conhecer. Alegou Mariana.
– Você defende seu pai, aliás sempre defendeu, mas por
tudo o que aconteceu irei contigo até a fazenda dos Saldanha.
Seja lá o que Deus quiser. Concordou Fabiana.

Lá na fazenda, Andreia foi avisada pelo seu filho sobre o


referido encontro familiar, que considerou normal, não se
opondo ao pedido. Providenciou, convocando funcionários da
fazenda, para organizar um ambiente aconchegante com
mesa, comidas e bebidas para passarem um dia de diálogo
sobre a vida que envolvia a história das pessoas e das famílias.
– Mãe! As visitas estão chegando, vamos receber. Irei junto
com a senhora. Falou Joel.
– Está bem, estou indo. Estou ansiosa para conhecer a
família do seu pai. Confirmou Andreia.
– Mãe, a Mariana e o Júlio, veja: os dois são meus irmãos.
Também eu não conheço o Júlio e sua mãe.

Desembarcou da jardineira Fabiana, a filha Mariana e Júlio,


mais dois primos dos filhos. Andreia recebeu-os com boas-
vindas e os acolheu em sua casa com a presença de Teodoro
e Juliana, seus pais. Também Natalia, esposa do José,
cunhada de Andreia, chegou com sua família: dois filhos. Foi
um encontro familiar.

– Fabiana, sinta-se à vontade. É uma honra recebê-la em


nossa casa. Um abraço Mariana, considero-a filha também e
ao Júlio. É um prazer conhecer o filho do Bibiano, pois tem
muita semelhança com o pai. Saudou Andreia.

Fabiana também saudou com abraços a todos da família


Saldanha, demostrando que foi bem-recebida por Andreia. Aos
poucos entraram no assunto palpitante que desferiu
curiosidade em todas as pessoas das famílias no referido
encontro.
– Natalia! Quero um abraço da minha amiga desde criança
e na juventude. Lembro as festas em Águas Brancas quando
conhecemos o José e o Bibiano; eles sempre andavam juntos.
Que tempo bom. Falou Fabiana.
– Fabiana, meu amor, amiga de nossa juventude, quanto
tempo! Um abraço de coração. Quanta saudade da nossa vida
de solteira, sem compromissos, só sonhar, sonhar. Disse
Natalia.
– Feliz encontro é o nosso hoje. Parece que primeiro devia
acontecer o que aconteceu com o José e o Bibiano, para depois
nos encontrar. Estamos voltando no tempo. Evento
maravilhoso. Vamos continuar nos visitando. Enfim, não é tão
distante nossas residências. Declarou Andreia.
– Andreia, vamos falar sobre nós. Fiquei sabendo que
Bibiano tinha um filho há pouco tempo; ele obrigou-se a me
contar porque o assunto estava sendo descoberto e não podia
esconder mais, e alegou que também não sabia de nada. Falou
Fabiana.
– Fabiana, quero primeiro declarar os nossos sentimentos
pelos episódios que ocorreram com meu irmão José e seu
marido Bibiano, eles amigos de muitos anos, sendo
assassinados cruelmente pela Brigada do governo de forma
traiçoeira, por meio de uma tocaia. Sofremos muito com a
perda deles; de um lado meu irmão, de outro o pai de meu filho.
Declarou Andreia.
– Olha, Andreia, o mesmo sofrimento passamos quando
Bibiano foi emboscado por caso de política. Ele era do Partido
Maragato e, muitas vezes, pedi a ele que não se envolvesse
com política, mas deu no que deu. Quando ocorreu o
assassinato do amigo José, seu irmão, pedi, por nosso amor,
que se afastasse. Na ocasião do assassinato do seu irmão
José, ele ficou louco, organizou força máxima de um exército e
foi até lá para uma vingança, mas não encontrou ninguém, eles
tinham se retirado. Ao voltar disse que ia se prevenir. Isso
ocorreu, mas, depois de algum tempo, relaxou e tudo
aconteceu. Declarou Fabiana.
– Olha Fabiana, eu não tenho nada contra você; sei que
sua vida foi amar Bibiano. Faz parte de um destino. De minha
parte tenho consciência tranquila porque a minha vida foi
cumprir uma missão que Deus me deu. Falou Andreia.
– Andreia, gostaria de saber a história sobre o seu filho Joel
e Bibiano. Solicitou Fabiana
– Fabiana, desculpa, mas eu tenho que abrir meu coração
para explicar meus sentimentos. O Bibiano veio com meu irmão
José da academia Militar de São Paulo; eles eram ainda jovens.
O Bibiano morou quase um ano lá em casa, na fazendo, e eu
me apaixonei por ele. Minha primeira paixão, acho que ele
também. Meu pai, para romper a nossa amizade, enviou-me
para um convento e, certo dia, ele foi me visitar. Ele saiu lá de
casa e foi morar e trabalhar numa fazenda de um tal coronel
Ubaldino Machado, por sinal do Partido Maragato. Daí nós lá,
no dito passeio, ele chegou como primo e a madre acreditou,
liberando para sairmos fora do convento, num espaço isolado,
num pequeno bosque e nos rolamos na intimidade do amor.
Ele foi embora e eu fiquei grávida. Quando minha barriga
começou a crescer tive de confessar e a freira mandou chamar
meu pai. O avô do Joel prometeu matar Bibiano. Preocupada,
combinei com meu irmão José para ir avisar Bibiano da
ameaça. Por isso permanecemos no silêncio e ele não ficou
sabendo. Foi um segredo de todos lá em casa. Eu fui levada
para a fazenda e o Joel nasceu e cresceu, hoje está aqui com
nós. Penso que não pequei. Declarou Andreia.
– Meu Deus Andreia. Você não tem nenhuma culpa. Não
sabia, mas estou envolvida nesse enredo. O mundo é tão
grande, mas também é tão pequeno, que tudo isso nos une por
laços estranhos e desconhecidos. Eu conheci Bibiano e na
primeira vista me apaixonei e hoje venho encontrar você,
Andreia, que teve o primeiro romance com ele e ganhou um
filho seu. Parece um sonho, coisa de outro mundo. Nossos
filhos são irmãos. Falou Fabiana.
– Fabiana! Hoje nós três, eu, você e a Natalia somos uma
família, e devemos viver mais próximos, com visitas frequentes.
Que Deus nos proteja. Afirmou Andreia.
– Mãe, vamos trocar de assunto. Combinei com a Mariana
que, depois de nós formados e com registros da OAB,
queremos entrar na justiça e botar na cadeia os mandantes e
executores do assassinato do meu pai e do tio José. Sabemos
que a verdade ninguém pode esconder ou tirar os olhos da
história; essa vai ser nossa batalha por um novo mundo de
mudanças para uma sociedade mais justa no futuro. Afirmou
Joel.
– Minha família chorou e eu chorei muito, mas sei que
nenhum vento pode desviar ou mudar um destino. Confirmando
o conceito sobre verdade dito por Joel. Penso que somente a
infinita inteligência jurídica é que vai nos guiar a um caminho
certo, no caminho de uma democracia para que tenhamos
sucesso. Filosofou Mariana.
– Dona Andreia! Veja nossos belos filhos grandes e sábios,
que nos honram com seu conhecimento. Gostei deste
encontro. Tudo acontece com as pessoas não por acaso. Peço
a Deus muita luz para nossos filhos e a todos nós, e que
sejamos livres de acontecimentos trágicos como os que
ocorreram com Bibiano e José, que emudeceu o nosso espírito.
Falou Fabiana.
– Com licença; eu, Andreia, também estou muito grata ao
receber visitas tão nobres. Hoje somos todos da mesma
família. Peço a Deus que a paz de espírito conduza nossos
filhos e todos nós por caminhos do amor, com sentimentos de
harmonia, verdade e justiça, assim como toda a sociedade em
que vivemos; que haja uma democracia de eterna coexistência
pacífica.
– Hoje, houve um feliz encontro que reinará nova vida em
nossos corações para todo o SEMPRE. Finalizou Andreia.

O amor é a alma da vida


Mensagem

A estrada da vida tem infinitas e imprevisíveis confluências


onde caminhamos. Quando aparecem, devemos prevenir o
espírito, com amor e sabedoria, para conquistar nossos sonhos.
São fundamentos para sermos felizes durante a vida. O mundo
pertence ao reino superior da mãe terra, nossa casa, que gera
flores eternas como obra suprema da vida.
(4ª capa)

Teobaldo Branco (1941), natural do povoado de São Pedro, segundo distrito


de Inconfidência, (hoje Joia), município de Tupanciretã, Estado do Rio
Grande do Sul, Brasil.
Professor formado em letras pela Universidade de Ijuí, Unijuí, RS.
Cresceu no município de Horizontina, na localidade de Escola Branca.
Foi interno numa escola de religiosos, no município de Cerro Largo / RS.
Dedicou-se ao magistério desde o início de sua carreira, percorrendo a
região noroeste do estado.
Atuou em turmas de alunos em escolas incompletas no interior rural,
escolas de primeiro e de segundo graus, trabalhou em Coordenadorias de
Educação e foi diretor de escolas.
Hoje aposentado integra o grupo de escritores na cidade de Ijuí/RS,
dedicando-se a pesquisa histórica da cultura.

Obras editadas:
1- A Dama Estrela: Romance infanto-juvenil. Editora e Gráfica GD, Ijuí/RS,
1999. 2 Ed. 24horas, 2018, SP.
2- Poemas e Recordações. Coletânea de poesias. (Gráfica, Ijuí/RS), 1999.
3- Memórias de um Soldado: Romance histórico regionalista. Editora,
iEditora, São Paulo, 2002.
4- A Improvisação na cultura do Gaúcho: Livro acadêmico. Editora Unijuí
/ RS, 2006.
5- Além da Tocaia: Romance histórico. Editora Unijuí, RS / 2007.
6- Confidências de um guerrilheiro: Documentário. Editora do Maneco,
Caxias do Sul / RS, 2008.
7- Odisseia de um subversivo: Documentário romântico. Ed. do Maneco,
Caxias do Sul / RS, 2009.
8- O Fantástico no mundo literário de Erico Veríssimo: Livro acadêmico.
Editora do Maneco, Caxias do Sul, RS, 2010.
9- Legado Eterno de uma Existência. Autobiografia, Editora Lexia, SP,
2010.
10- Passado sem conserto. Conserto. Um conjunto de contos e poemas,
editora24horas, SP, 2014.
Orelha 1
Aos olhos da história vemos o passado como um mistério ao observar
e ler os destinos das pessoas e da sociedade de uma época.
Esta obra percorre um período de tempo de várias décadas de história
da sociedade, presenciando as reviravoltas de fatos e acontecimentos de
confrontos humanos sob o poder do mundo político partidário, refletindo os
erros e acertos na formação cultural das gerações.
Neste contexto, os imigrantes também participaram do
desenvolvimento da sociedade, que mostra as imagens da comédia
humana representadas pelas conjunturas sociais por intermédio das
ousadias e dos desafios dos homens em busca de seus interesses e pelo
egoísmo de seus ideais.
Esperamos que a obra “Destino Marcado” seja um conjunto de
memórias com conteúdo que possa identificar um contexto na história
cultural de um novo tempo.
A partir desta história pensamos ter retratado um enredo de fatos e
acontecimentos de uma sociedade que representou o mundo político de
uma época.
Desejamos que o tema seja útil como informação e sirva de incentivo
para fortalecer o estímulo à leitura e à escrita.

Orelha 2
As civilizações do mundo sempre foram pautadas pelo poder político,
que marcou, em todos os momentos, o domínio idealizado como centro
gerador dos conflitos humanos. Esta é a verdade no contexto universal da
história dos homens em todos os tempos. Assim ocorreu nesta história
literária.

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