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Teobaldo Branco
Teobaldo Branco
Além da Tocaia
Ijuí - 2007
Branco, Teobaldo
Rua Lulu Ingenfritz, 334
Bairro São Geraldo
Ijuí-RS 98700-000
Fone: (55) 3332-6221
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Capa: Elias Ricardo Schüssler
Revisão: Cleusa Schneider
Direitos de publicação, programação visual, editoração e impressão:
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do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
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Reprodução proibida sem a permissão, por escrito, do autor.
Nota: Os nomes, datas e lugares idênticos são mera coincidência, a história
trata-se de pura ficção.
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques
B816a Branco, Teobaldo
Além da tocaia / Teobaldo Branco. – Ijuí : [s.n.],
2007. – 232 p.
1. Literatura 2. Literatura brasileira 3. Terras 3. Posse
de terras I. Título
CDU : 869.0(81)
869.0
DEDICATÓRIA
PREFÁCIO ...................................................................................................... 9
PARTE I
Redenção ....................................................................................................... 11
PARTE II
A Tocaia ......................................................................................................... 81
PARTE III
Depoimentos .................................................................................................. 99
PARTE IV
Busca da Verdade......................................................................................... 125
PARTE V
O Jogo da Investigação ............................................................................... 147
PARTE VI
Desafios do Delito ....................................................................................... 177
PARTE VII
O Veredicto .................................................................................................. 193
PARTE VIII
Além da Tocaia ............................................................................................ 209
PREFÁCIO
É com orgulho de colega que apresento aos leitores mais uma obra do já reconhecido
escritor e professor Teobaldo Branco.
Esta obra relata a epopeia de famílias tradicionais de uma localidade interiorana, cujo título
“Além da Tocaia”, graças à habilidade de seu autor, esconde uma história real fantástica
ocorrida no início do século 20.
O enfoque dado à trama, que qualifica a capacidade do escritor, traduz com fidelidade as
acirradas lutas pelo poder de mando nos pequenos núcleos urbanos que surgiam no começo
do século passado, destacando a ousadia de Teobaldo Branco em abordar temas tão
apaixonantes e polêmicos como os enfrentamentos políticos que amiúde resultavam em
embates mortais, como o que ocorreu nesta novela que, pontilhada por atrativos tantos, se
quer ler de um só lance.
Destaca-se nesta obra a acuidade com que o autor detalha fatos históricos e os situa com
tal fidelidade na linha de tempo que o enredo se entrelaça com fatos históricos da época.
Destaca-se também, nas entrelinhas, que o autor mostra ser um apaixonado pela trama
política da localidade fictícia que serviu de cenário para o crime que inspirou esta obra.
Cabe um comentário final sobre este livro que tive a honra de prefaciar: o texto encerra o
inconformismo do escritor em relação à forma como foi conduzida toda a investigação sobre a
morte de uma figura proeminente da localidade na qual transcorre toda a trama e, mediante
esse inconformismo, vem provocar lembranças tantas naqueles que vivenciaram a história real
que inspirou este romance, e ao mesmo tempo provocar no leitor, que não vivenciou os fatos,
a perplexidade diante da envergadura desta obra que, graças à perspicácia do autor em florear
o enredo, torna a leitura provocante e agradável.
Redenção
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– Claro! Até as crianças dançavam. Era uma festa familiar. Deixou lembranças.
– Onde foi a festa, vovô?
– A festa foi na casa do Senhor Antônio, pai do noivo.
– Onde vovô?
– No interior do distrito de Degredo.
– Como foi o casamento?
– A cerimônia foi no civil e no religioso, realizou-se no povoado do
Degredo, por que lá havia registro civil.
– O que é registro civil?
– É uma repartição pública que registra e fornece documentos oficiais,
como registro de nascimento, de casamento e outros.
– Vovô, quem morava aqui antes?
– Ah, sim! – Aqui era uma região próspera, procurada por aventureiros,
por exemplo, os italianos vieram em busca de terra para trabalhar e produzir, no
sentido de construir patrimônio para viver com suas famílias.
– Vieram os italianos e quem mais?
– Aqui era terra dos índios. Vieram da Europa os portugueses, depois os
italianos, alemães, poloneses e outros, assim formaram uma grande colônia,
onde vivemos.
– O que são aventureiros?
– Aventureiros eram aqueles que vinham comprar terras. Estas terras
eram dos Coronéis As pessoas vinham pela riqueza da terra, que era cobiçada.
– Quem eram os coronéis, vovô?
– Eram grandes proprietários e autoridades, o coronel João Joaquim de
Lima e o coronel Constâncio Terra e outros. Era um problema.
– Que problemas?
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– Bom! A terra é a fonte da vida, deixada por Deus, onde as pessoas têm
sua casa, produzem alimentos, criam animais, têm seu sossego, por isso gerava
os conflitos.
– Conflitos como, vovô?
– Olha! São desacertos entre os homens pela propriedade da terra. Acontecia
muita violência, que culminava com a perda de vidas humanas. As matanças
eram comuns, com ou sem justa causa.
– Por que aconteciam essas matanças?
– Ora, por que! As pessoas valem pelo que têm. Aquele que mais tem,
manda mais. O dinheiro é o que diferencia as pessoas, até hoje.
-E daí, vovô?
– Bom! Essa é a causa de existirem pobres e os ricos.
– Vovô, quem é o melhor destes?
– Destes, quem?
– Pobres, ou ricos, vovô!
– Boa pergunta! Têm pobres e ricos bons. Têm pobres e ricos maus.
– Então, vovô, quem são os maus?
– Acontece que alguns pobres são submissos por necessidade e tornam-
se capangas. Naquela época defendiam com fé os interesses do patrão,
muitas vezes cometiam crimes a mando. Ou assumiam a culpa em troca de
pagamento, com isso defendiam os interesses dos outros. Dessa forma os dois
são maus.
– Vovô! Por isso que existe a guerra?
– Sim! São os interesses egoístas dos homens. Os homens constroem
sua história, que é o caminho dos filhos no futuro.
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O CRIME DO TENENTE
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A MISSÃO
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INCIDENTE DE SERVIÇO
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– Vocês deixem a sala limpa, com bancos e mesas nos cantos! – alertou
João de Deus.
– Então vamos, João de Deus! – convidou Setembrino – Vamos direto
ao povoado, lá encontramos mais pessoas, e podemos semear o aviso. Ao
mesmo tempo poderemos comprar a bebida.
– Setembrino! – chamou João de Deus – Devemos ter cuidado nos
avisos, pois o baile deve ser de forma quieta, sem alarme. Sabemos que se
alguém ouvir, seremos denunciados.
– João de Deus! – alertou o Setembrino – Aqui no povoado temos três
olheiros do delegado Arcelino Furtado.
– O Antônio Vitello, é um! – informou João de Deus – os outros são
apenas desconfiança.
– O Antônio, o Felipe e o ferreiro e também o sapateiro. Não tenho
certeza.
– O importante – falou o João de Deus – e trazer o Inácio Torresmo com
a gaita, sem ele não há baile.
– Vamos! Vamos avisar o Ponciano para que as filhas se façam presentes,
abrilhantando o espetáculo. – convidou Setembrino.
– O Ponciano vai! – alegou João de Deus – Ele é viúvo, com isso leva as
filhas, mais duas viúvas soltas, que se dizem da raça boa.
– Mas, João de Deus! – ironizou Setembrino – As danças no baile vão
ser conforme Adão e Eva?
– Sim! – confirmou João de Deus – Baile de damas soltas. Podemos
liberar as danças à vontade, enfim você é dono da casa, a sua mãe saiu, ninguém
precisa saber.
– Quero tirar os atrasados! – afirmou o Setembrino.
– Setembrino! – alertou João de Deus – Você é casado, não tem medo de
levar à breca seu casamento.
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AMOR PROIBIDO
Uma pequena fazenda situada no distrito do Degredo, no interior, de
propriedade do inspetor provincial de uma pequena região, chamado Germano
Lamarca. Era local de encontro para decisões políticas e de resoluções da população
local. O condado regional sob o comando do delegado Arcelino Furtado,
de sua província, era o distrito de Degredo, que pertencia à Comarca do
município de Redenção.
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– Bom! O recado tem uma proposta! Sei que ela cai na rede. Percebi nos
seus olhos a sua simpatia. Olhos pretos que nem cereja. Lábios grossos, de dar
inveja.
– Ah, sim! Você está de olho, senti firmeza, meu sobrinho. De fato é uma
menina de corpo cheio, um mulherão.
– Vamos devagar, tio Amélio! Ela é só para minha fisga. Cai fora.
– Oh, bem! Estou brincando. Então, o interesse é sério.
– De fato! Mas vamos ver o futuro, nada está definido.
– Oh, José! Amanhã à tarde vou visitar uma amiga e passarei na casa da
Camila, então direi o recado, certo?
– Conte-me tudo! Quem é a namorada, tio Amélio?
– Não! Estou visitando um amigo, mas como pretexto, de fato eu estou
de olho na irmã, a Marieta.
– Certo! Tio Amélio, vai em frente. A família é boa. Então vamos ao
trabalho.
– Acertado! Vamos.
Passavam-se os dias. Novos sonhos de esperança, perspectivas de um
futuro promissor no despertar da vida. As atividades agrícolas e pecuárias
eram a suas principais atividades da região. A população era de pequenos e
médios proprietários, cuja produção era diversificada: primeiro para subsistência
familiar; segundo, os excedentes eram comercializados. Na década de 30
emergiam as grandes revoluções sociais, levadas pelo impulso guerreiro dos
habitantes, que formavam o povo sulista e toda sociedade brasileira. Época das
revoltas, de revoluções de ideias, tempo que anunciava mudanças necessárias
na sociedade brasileira.
Uma noite Amélio encontrava-se no seu quarto, para um pequeno descanso
antes da janta, pois havia trabalhado em serviço pesado e cansativo. De
repente percebeu:
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– Não! Quero casar de grinalda e véu. Assim não dá. Não há necessidade,
ou talvez você queira casar com a noiva grávida, seu maluco?
– Não, não... Tudo é brincadeira, com todo respeito, agora podemos ir a
pé, o cavalo vai puxado.
A Marieta era uma bela moça de cabelos pretos e longos. Tinha bons
modos e disposta, falava à vontade, era alegre e delicada. Suas mãos grandes e
macias, lábios cheios, olhos grandes, cuja aparência transbordava desejos de
vida. Ela era firme nas decisões, mas não deixava de ser uma mulher fina. Essa
jovem tinha paixão pelo Amélio. Naquela noite, numa mesa farta de comida, com
toda a família:
– Um brinde! Viva! Saúde e felicidade para todos! Que Deus abençoe
esta mesa. – falou a mãe de Marieta.
Amélio pensou na vitória do torneio de futebol, no qual seu time e dos
filhos da família conseguiram ser campeões. As pessoas da grande família estavam
com um copo de vinho na mão, confraternizando;
– Muito bem! – saudou o senhor Odorico Nilison, pai de Marieta.
– Um brinde ao Amélio! – anunciou Marieta ao seu lado.
– Que a felicidade acompanhe a todos nós! – brindou Amélio.
Houve um bate copos até que todos sentaram para começar a refeição
da noite. O pai da Marieta, já sentado, levantou-se novamente.
– Em nome da Marieta e da família, quero dirigir-me ao nosso simpático
amigo Amélio. Percebemos que nossa filha gosta dele, pergunto se de sua parte
há reciprocidade nessa amizade?
– Sim! – demorou um pouco: – Gosto da Marieta. Ela agrada-me e tenho
interesse. Em meu nome dou a minha palavra que terei todo respeito a sua
família. – confirmou Amélio.
– Esse namoro arrasta-se por um certo tempo. Sentimos, por outro lado,
que o Amélio manifestou interesse, sabemos que é um moço direito. Pergunto:
– Pode nos honrar marcando a data de noivado?
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– Amélio!
– Pronto, Germano!
– Amanhã você vai até o Degredo, de jardineira, buscar a santinha.
Contigo vão a Bruna e a Laia. Certo!
– Que horário, Germano? Deve ser de tarde, não?
– É, isso mesmo! Então se preparem ao meio dia.
– Está bem!
Era uma tarde quente de verão. Após o meio dia, eles foram até o distrito
do Degredo, onde ficaram esperando um coletivo que trazia passageiro. Foram
até a vila e por coincidência permaneceram sozinhos.
– Amélio, você é carinhoso! Ah! Como gosto de você!
– Bruna! Eu também gosto de você! Mas é pecado. Sabe que nosso
amor é proibido. E muito proibido. Estamos correndo risco.
– Eu sei! O que fazer? Você me ama, eu te amo. Você é meu tio, isso eu sei,
mas o que importa?
– Se você me ama, então me dê um beijo!
– Aqui? Alguém pode nos ver! Vamos procurar um lugar mais oculto,
disfarçar uma visita nos fundos dessa casa, e daí?
– Então vamos.
Assim, os amantes passavam os dias, falando baixo, comunicando-se
por gestos, era um cerimonial do amor proibido, era um sorriso, o gosto de uma
fruta, a brisa dos ventos, o sabor da lida no trabalho, as muitas indagações.
– Amélio, aonde vai?
– Vou tomar um banho no riacho! – Deu um sorriso malicioso – Quer ir
junto? Levo toalha e sabonete.
– Quero! Mas... Mas! Disfarce. Vai à frente, depois vou por outro caminho.
– Não acredito!
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– Amélio! Parece que estou num paraíso! Que sensação? Meu Deus!
Chegou disparar meu coração. Ai, que emoção. Deu-me medo.
– Sinto o mesmo! Bruna. Um arrepio no corpo. Acho que sei o significado
disso!
– O que significa?
– O arrepio no corpo significa amor proibido, pecado. Podemos ser
excomungados pelo padre e pelas nossas famílias.
– Meu Deus! E agora!
– Podemos fugir e viver em paz num outro lugar. Você aceita?
– Sim! Aceito. Não sei como.
– Bruna! Cada momento é um momento. Vamos aproveitar este. Depois
pensamos outros e no nosso futuro.
– Amélio! Espero que você saiba das coisas, ou não?
– Pode confiar em mim, não deixarei acontecer nada contigo. Garanto.
– Se for assim, tudo bem.
A cada momento as reflexões das idéias faziam emergir o contraditório: de
um lado a força dos desejos atraídos pela paixão, de outro, a censura moral que
não permitia a consumação de um amor considerado proibido, ante a realização
dos sonhos de jovens. A luta dos contrários criava um duelo entre dois mundos,
a hesitação de enfrentar a verdade, pelo medo da frustração, que iria causar
danos morais, físicos, psicológicos, reflexos de uma sociedade conservadora. O
processo amoroso entre Amélio e Bruna teve continuidade naquela relação escondida,
ilícita pelos padrões sociais e morais da época. Um pequeno descuido
que fosse flagrado por alguém da família poderia trazer prejuízos inevitáveis:
– José! Amanhã tem jogo de futebol. Vamos jogar?
– Onde?
– Na Cidreira! O Nenê vai junto. Vamos botar esse guri para jogar no
segundo time. Deve começar novo.
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– Cala a boca, canalha! Levou a arma (um revólver calibre 38) a testa de
Amélio, engatilhou, colocou o dedo no gatilho – Você merece uma bala! Covarde!
Ingrato com teu próprio irmão. Saia desta casa agora, traidor. Senão te mato.
– Germano! Por favor... Por favor. – Apavorado, afastava-se devagar,
mas a mira do revólver em punho o acompanhava, ora em direção à cabeça, ora
no peito – Me perdoe! Nunca desejei mal nenhum a você, ou a sua família,
quero reparar o que fiz. Meu Deus! Calma! Sou teu irmão, filho dos mesmos
pais. Um irmão mais novo. Nascemos juntos.
– Não confunde teu tempo e espaço com o meu! Arraste-se pelo que fez,
traidor. Você feriu a sua própria consciência e deverá pagar pelo que fez. Que
espécie de homem é você? Vai ter um filho com a própria sobrinha, ela ainda
menor! Pense, Amélio!
– Germano! Sou teu irmão de corpo e alma, que pensa, tem emoção e
sentimentos, por isso podemos resolver com amor, não com ódio. Desejo reparar
esse mal casando com a Bruna. Iremos embora. Assumo tudo.
– Meu irmão, meu genro! Pouca vergonha! Você não aprendeu a lição de
nossos pais sobre respeito. Diz-se conhecedor da vida, não poupa nem a sobrinha,
seu mau caráter. Merece uma bala.
– Germano! Não... Não, por favor! Se você me matar termina tudo. Quero
ajudar a solucionar o problema! Meu irmão, liberte o teu pensamento! Entenda! Com
violência não se consegue estrada limpa. Eu assumo, não importa o que somos.
– Vou acertar com a Bruna, essa cadela, puta. – falou Germano. – Dentro
de uma hora não quero lhe encontrar em minha casa. Se isto acontecer será um
homem morto.
– Por favor, não cometa uma leviandade, será ruim para todos. Ninguém
está fugindo da responsabilidade, Germano! Por favor, calma! A Bruna não
cometeu crime contra ninguém.
– Junte teus pertences e suma para longe. Espero que meus olhos não te
vejam nunca mais para o resto da vida. Irá pagar o que fez! Saia... Saia de perto
de mim! Ande... Ande! Senão te mato.
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O DISTRITO
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– Meu nome é Isaura Fontana, nasci neste distrito, conheço todos daqui.
Desejo ser sua amiga no futuro, somente, para unir nossas forças contra
esses anjinhos.
– Como está a festa? – perguntou Leone.
– Encontramos um camarada vomitando atrás de uma árvore. Falava
somente no Hugo... Hug... Hug... – ironizou Luiz Carlos.
Todos riram da simulação de vômito que Luiz Carlos dramatizou. Um
grupo de jovens alegre e brilhante achava graça de qualquer coisa. Logo saíram
em rumos diferentes, mas próximos do pátio onde se realizava a festa da igreja.
– Nádia! Quanto tempo falta para te formar?
– No fim deste ano estou formada!
– E daí? O que vai fazer, para onde vai? – perguntou Leone.
– O meu desejo depois de formada é pegar o diploma de professora, vir
para casa, pois sou única filha, ficar um pouco com meus pais. Depois arranjar
uma escola para lecionar.
– E depois?
– E depois não sei! Aguardar o futuro, para ver o que está escrito no
destino para mim.
– Nádia! Desejo continuar a ter contato contigo, mesmo que seja por
carta. Se for de seu agrado! – propôs Leone.
– Se for de interesse, podemos continuar.
– Nádia! Gostei de você desde o primeiro momento que meus olhos
pousaram sobre sua pessoa. Senti que você vai fazer parte do meu destino.
– Olha, Leone, sinceramente, você encantou-me também, mas vamos
devagar. Entendo que devemos nos conhecer mais e melhor, mesmo porque
devo me formar, para depois decidir nossa relação no futuro. Mas, de qualquer
forma, podemos continuar em contato durante as férias, ou então por carta.
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– E você?
– Eu também o amo de todo coração. Nada poderá nos separar.
– Está bem, Nádia. Vou falar com seu pai sobre vocês. Fique confiante,
vou apoiá-la.
– Mãe! O pai pode reagir, será? Penso assim por causa das brigas na
Delegacia e na subprefeitura. O pai é muito enérgico, como dizem, por isso tem
inimigos. Tenho medo.
– O seu pai vai apoiar, porque ele é bom pai, pode ter defeitos, mas com
certeza não vai ligar as questões públicas com a família. Em casa sempre está em
paz, não é?
– É, mãe! Espero que sim. Às vezes meu coração tem pressentimentos.
– Pressentimento do quê, menina?
– Mãe! Sinto sensações de angústia em certos momentos.
– Filha! Deve confiar em Deus. Você é boa menina, vai se formar no final
do ano. No próximo ano vem para casa como professora formada, seu pai vai
arrumar uma escola para você trabalhar. Daí poderá pensar no seu futuro.
– Obrigada, mãe.
O estigma do ódio entre as famílias pode romper um grande amor. O
desejo do amor brotou logo ao primeiro encontro. Em pouco tempo, Leone e
Nádia começavam a viver uma paixão avassaladora. Mas eles começaram a ficar
preocupados com certas histórias de ódio e rancor que separavam as famílias.
Intrigas apegadas a certas tradições que preservavam na memória, que poderia
ignorar o florescer de um amor pleno entre dois jovens.
MUNICÍPIO
Redenção era um município do Estado do Rio Grande do Sul, muito
grande em extensão territorial, e no tempo das agitações políticas surgiram
tantos distúrbios e entraves que ocasionaram o seu progresso e a sua evolu
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CASAMENTO
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P a r t e II
A tocaia
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desarmou-o. E com seu revólver em punho atirou contra a sua cabeça, para ter
certeza definitiva da execução, um compromisso de jagunço a serviço de um
mando, o que levou à morte Arcelino Furtado.
O cavalo saiu em disparada estrada afora ao sofrer o sobressalto provocado
pelo tiro, que lhe causou um instintivo sentimento de inquietação ante o
perigo real ou imaginário de ameaça. O animal, repentinamente, em estado de
pavor, assustado, disparou correndo a toda velocidade, chegando apressado e
fogoso na sede da Vila Nova. O cavalo fez um retorno e aproximou-se da residência,
com aspecto estranho e espantado. O estado nervoso e bravo em que
se encontrava o animal, não se deixando pegar, bufando e agredindo quem se
aproximasse, expressava os reflexos de uma cena de terrorismo.
Terrorismo de uns que condenam e executam outras pessoas. Uma forma
de ação política que combate seu rival mediante o emprego da violência. O
impacto do acontecimento deixou o animal em estado de espanto, de pavor e
apreensão, pelo modo simbólico de reagir, impondo sua vontade, como sentimento,
pelo uso da violência com terror.
A sorte dos povos merece a bênção dos céus, para iluminar com a estrela
da sabedoria e com aventura, para aumentar a longevidade humana no tempo,
como privilégios de paz para a felicidade das pessoas. As leis naturais
reconhecem que a essência do existir é a vida. Somos enquanto temos vida.
Sem vida ninguém pode ser.
A NOTÍCIA
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O PROCESSO
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RELATÓRIO DA POLÍCIA
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quando seguia para sua residência. O crime foi premeditado, cometido de emboscada,
no mato que margeia a estrada geral. Os malfeitores prepararam a
cilada, organizando um roçado e removendo todos os obstáculos que pudessem
prejudicar a visibilidade ou pontaria contra quem cruzasse na frente; desse
lugar ao centro da estrada há uma distância de vinte metros da “tocaia”. Ali
foram encontrados sinais evidentes de longa espera, bem como três cartuchos
de arma de guerra 7 mm, vazios de 1913, e uma vareta nº 2216, de fuzil Mauser,
tipo 1895. Conforme investigações procedidas, o primeiro tiro de fuzil atravessou
o tórax da vítima, havendo um segundo tiro, o qual assustou o cavalo que
arrancou com furor, derrubando o ferido dez metros mais adiante, uns trinta
distantes da “tocaia”. Caído sobre a estrada, mortalmente ferido, Arcelino Furtado
recebeu mais dois tiros na cabeça; esses tiros foram de revólver calibre 32,
sendo as balas encontradas no chão, sob a cabeça da vítima; quando o tiro foi
desfechado Arcelino já deveria estar morto. O seu chapéu estava ao lado do
corpo e não apresentava vestígios algum ou orifício de bala. A vítima foi despojada
de seu dinheiro, calculado em 800,00 cruzeiros, bem como de seu revolver
calibre 38, cano longo, de madrepérola, a cinta com fivela de prata, segundo
informações da família.
Arcelino Furtado desenvolveu atividade política no 2º distrito do Degredo,
anterior e posteriormente às eleições municipais de novembro de 1933;
muitas vezes procedeu com rigor e até com excesso de autoridade, por isso
surgiram inimizades e um elevado número de desafetos, como é público e notório;
essa situação agravou-se em fins de 1934 e janeiro de 35, como nos dão
notícias as cartas expedidas por Arcelino; tanto é que a administração municipal
havia determinado a transferência dessa autoridade para outro distrito e
designado o dia 15 de janeiro para esse ato. Tanto era o ânimo contra Arcelino
Furtado que na noite anterior ao assassinato mãos criminosas praticaram o ato
hediondo de lançar veneno na água do poço de sua casa, inutilizando a água;
essa tentativa de horroroso crime não produziu efeito imediato em virtude da
quantidade de a água existente no poço; o médico Dr. Vilibaldo Carvalho viajou
a Porto Alegre com amostras da água e lá constatou a existência de “cianureto
de potássio”, em quantidade suficiente para uma ação rápida.
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O CORONEL E A ORDENANÇA
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– Que plano?
– Armar uma emboscada e fazer o inimigo estrepar-se. Tem de precaverse,
em campo raso ninguém pode com político. – o coronel dizia “político” para
não pronunciar o nome do desafeto.
– Assunto de interesse, coronel?
Como era possível que o capataz se referisse ao lugar? Isso fez o coronel
sentir o coração pulsar; por acaso Hermenegildo tinha o dom de ler os
pensamentos? Em se tratando de gente de sangue índio nunca se pode saber.
Antes que o coronel abrisse a boca:
– Uma tocaia na curva da estrada, coronel, lugar que conheço.
Pensou, sem dúvida, não havia outra explicação. Hermenegildo adivinhara
o pensamento. Era uma lástima, um cabra de tanta competência, vagando
nas estradas. Serviu o coronel durante muitos anos, com uma lealdade repetida
por várias vezes, pôs à prova a sua confiança nas lutas passadas, por várias
ocasiões lhe salvara a vida. Na cidade de Redenção havia matado um comerciante
numa casa de prostituição. Era homem novo, quase sem barba, ninguém
daria nada por ele, na época. Hoje sem nome, ele foi para os jornais, defendido
a dinheiro por alguns e odiado por outros. O coronel arrepende-se de lembrar:
– O lugar da tocaia, coronel!
– O lugar da tocaia? Do que você está falando, explique-se melhor!
– Andam dizendo por aí que o capitão, o delegado do Degredo, vai
reforçar a escolta com homens de Campal, contratou mais cinco, são andarilhos,
gente sem memória e sem fé.
– Esperamos a chuva parar, o tempo voltar à calma, depois vamos dar um
jeito nessa jornada; sei como cortar o mal pela raiz, acho que você está com
medo da política, Hermenegildo. respondeu o coronel.
– Estou pondo sentido para o senhor não perder a liderança, coronel!
Estas terras são férteis, com um pouco de esforço e algum dinheiro se pode
abrir estrada e construir cerca.
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hora todos temeram pela vida do negro, que era rapaz trabalhador e reservado,
muito estimado. Era carpinteiro, ferrador de animal de mão cheia, ferreiro engenhoso
na profissão. Ele tinha um defeito sério, apenas um: era bicudo até não
poder mais, metia o bedelho no que não devia, dando palpite e querendo resolver
tudo. Ia pagar caro pelo atrevimento, quem mandou ser intrometido? De
certo modo não tinha competência nem traquejo, não passava de um peão
ingênuo e folgazão. Naquela ocasião Torresmo escapou com as batatas nas
mãos. Nessas alturas é melhor que a gente, por prevenção, se faça de cego,
surdo e mudo.
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Depoimentos
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ENIGMA DE UM CRIME
A tarde cai no horizonte limitado pelo fio azul e branco do céu, numa
passagem de radiação solar desde o nascer ao poente. Dias de sol, noites sem
bruma, o progressivo endeusamento das trevas. No arraial da serra, sobre a
ondulação dos campos, aumentavam as ocorrências derradeiras numa luta dos
opostos humanos.
A formação do sistema social no cotidiano da população bramia de
orgulho, sobrepondo a mania do mando, cujo atrevimento e confiança da própria
força avultavam a convicção de competição e invencibilidade.
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DEPOIMENTOS
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dão, e não houve a identificação dos criminosos. Ainda envolto em trevas, sem
saber os autores, o que está a desafiar a autoridade judiciária, mesmo assim o
Dr. Juiz decretou a prisão, por entender fazer justiça.
Como pode alguém se refugiar de um crime que praticou da tocaia, com
ausência de testemunha, vai chegar pelos fundos de uma casa comercial, em
vez de preferir entrar pela frente, de modo que todos ouçam: “Matamos o
veado”. Como se vê, os indícios são vagos, leves e remotos. A vítima tinha
elevado número de inimigos no distrito. Eram muitos os moradores do distrito
que possuíam armas de guerra, arrecadadas pelo Exército. No dia do crime
Pedro Moura viajava de Igrejinha para Vila Nova, tendo almoçado ao meio dia
em Santa Fé, distante cinco léguas do local.
Diante do exposto, os impetrantes esperam que Vossa Excelência se
digne conceder a ordem ora impetrada, mandando expedir alvará de soltura a
favor de Honorato Vitello e Pedro Moura, por direito. Redenção, 16 de agosto
de 1936.
O juiz deu concessão à liminar.
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P a r t e IV
Busca da Verdade
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QUARTA CONVOCAÇÃO
PARA DEPOIMENTOS
PRIMEIRO “CONFESSOR”
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bala de fuzil, acertei debaixo do braço, atravessou o peito, foi tudo muito rápido.
Ele permaneceu ainda a cavalo, atirei novamente e recebeu um segundo
tiro, daí ele caiu da sua montaria, levando um tombo no solo. Vi que perdeu a
força, seu cavalo disparou em direção à casa, ele ainda tentou sentar e puxar
seu revólver num instinto de defesa, mas eu saí rápido da tocaia, sem dar
tempo, indo até a estrada onde estava caído. Já com o revólver em punho dei
mais um tiro na cabeça para assegurar, porque diziam que esse delegado era
uma fera. Olhei para os lados da estrada não havia ninguém, peguei dele alguns
objetos: carteira com dinheiro, que continha CR$ 1.700,00, o revólver, outros
objetos e retornei para o esconderijo da tocaia, fugindo depois do local. Apresentei-
me ao Sr. Honorato em sua casa.
– Ao se apresentar ao Honorato Vitello, onde foi e o que foi dito na
ocasião, quais as pessoas que entraram em cena? perguntou o juiz.
– Eu entrei pelos fundos da casa até a loja.
– O que você disse na chegada ao senhor Honorato Vitello? voltou o
juiz.
– Disse que o veado estava morto.
– O que Honorato respondeu?
– Ele disse que custamos, mas matamos o veado.
– Quem se encontrava na ocasião e o que foi dito? quis saber o juiz.
– Achava-se na ocasião um menino, que perguntou: – O veado era
gordo? Honorato não gostou da atitude daquele menor.
– O que mais foi dito na ocasião? perguntou o juiz.
– Não lembro!
– O que fez seu irmão Manoel? voltou a perguntar o juiz.
– Depois do serviço Manoel, meu irmão, um tanto apavorado, tomou
rumo ignorado pelo interior da mata, sumindo do distrito. Eu fui receber o
prometido na última conferência que ocorreu na mesma noite, no mesmo lugar,
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PRISÃO PREVENTIVA Nº 02
DEPOIMENTOS
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ADITAMENTO DO RELATÓRIO
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O REENCONTRO
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meio-dia. Ela, com um vestido rosa, de cabelos compridos e uma pasta na mão,
acompanhada de outra senhora, entraram num restaurante. Leone passou e
observou, percebeu que era realmente Nádia. Encantado, Leone atreveu-se a
entrar no restaurante e enfrentar o destino que o atraía. Rodeou a mesa onde
Nádia estava sentada e pediu licença:
– Nádia! Quanto tempo. Não pude passar sem vê-la.
Com receio de dar-lhe a mão para a saudação de chegada, apenas olhou
e sorriu, enquanto que Nádia levantou-se, inicialmente empalideceu, e um pouco
trêmula disse:
– Leone! Como vai?
– Nádia! Nádia!
– Leone! Saímos lá do distrito porque o ambiente era péssimo. E você,
como está?
O momento transformou-se num sepulcro de lembranças, entre as imagens
da esperança do amor que nascia entre os dois jovens. Ao mesmo tempo
revoava o episódio funesto que separou os destinos de Leone e Nádia. Ambos
de pé, Leone ofereceu a mão para saudá-la, dizendo:
– Bom dia, Nádia! Fico feliz em falar contigo.
– Bom dia, Leone! Também gostei de encontrá-lo, mesmo que tenha
alguma mágoa do que aconteceu lá no passado.
– Nádia! Eu senti perdê-la naquele instante, você era o meu sonho.
– O destino separou-nos, Leone!
– Nádia, você perdeu o seu pai, eu perdi mais. Eu falei com a minha mãe
sobre nós. Ela apoiou-me, mas um tormento atravessou o nosso caminho. Penso
que tudo tem conserto.
– Leone! Não há possibilidade de voltar como antes. Há uma rocha
muito grande na estrada, que não permite o mesmo fim.
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Aquela senhora que acompanhava Nádia era sua tia, que assistia ao
diálogo e limitava-se escutar, mas percebeu que houvera amor no passado
entre os dois jovens. Convidou-os a sentarem:
– Nádia! Convide o moço para sentar.
– Desculpa! Leone, puxe a cadeira e sente-se.
– Obrigado!
O restaurante comportava um extenso espaço, no qual havia várias mesas
com muitas pessoas. Permaneceram sem assunto por algum tempo; a expectativa
era de continuar o diálogo sobre os sentimentos de ambos, mas flores
com espinhos arranhavam a alma da esperança.
– Leone, o que faz agora?
– Trabalho na loja como antes, sou motorista.
– Que bom!
– E você, agora formada, o que faz?
– Sou professora numa escola do município.
– Nádia! Gostaria de saber uma coisa.
– Que coisa?
– Você aceita que eu te visite?
– Leone! Terminou tudo. Desculpe sem ofendê-lo, vá embora, nunca
mais me procure, lamento, mas é assim que deve ser.
– Nádia! Não acredito. Lembra do nosso juramento? Nada podia nos
separar. Podemos recomeçar.
– Leone, existem coisas que você não sabe. São problemas que atingem
a nossa relação. Nem o tempo soluciona.
– Gostaria de saber! Está na hora do ônibus, tenho que sair. Vamos até a
porta, lá você me diz. Nádia conte-me o que não sei, fiquei curioso.
– Não, Leone! O futuro vai lhe dizer. Eu não posso falar, são apenas
lembranças. Leone, adeus. Quero que seja feliz.
– Nádia! Diga a sua tia que eu a amo. Adeus, até breve.
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DEPOIMENTOS:
ParteV
O Jogo da Investigação
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seu revólver e de valores que trazia, foi de imediato à casa de Honorato Vitello,
a quem deu conhecimento de haver consumado o selvagem e brutal homicídio.
Recebeu, passados alguns dias da prática do fato, das mãos de Calone, parte
da paga que lhe havia sido prometida, a importância de cinco mil cruzeiros.
A Promotoria Pública assegura o direito de aditar à presente denúncia
novos esclarecimentos trazidos pelo sumário de culpa e passa a indiciar outros
participantes, da trama sanguinária, em que ficaram devidamente elucidadas as
demais ocorrências delituosas referidas pelo denunciado Ramiro Moura nas
suas declarações. Requer contra os indiciados que se instaure o competente
processo, ouvindo-se as testemunhas. Novo Horizonte, 20 de maio de 1940.
Severino Eugenio Machado, promotor público. Confirmado: Eduardo João
Bueno, juiz municipal de Redenção / RS.
DEPOIMENTOS
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resposta me disse: – “Quem nasce para ser cachorro morre acuando”. Assim,
afastou-se sem mais nada dizer. Alguns dias depois fui obrigada viajar no seu
automóvel, junto com o soldado Perceverano Peçanha e Manuel Moura, para
prestar depoimento.
Nada mais a declarar o juiz encerrou o depoimento.
*21º depoimento – de Luiza da Silva Dalmer, 52 anos, casada, doméstica,
casada com Adolfo Dalmer, residente no distrito.
Juiz: – O que sabe sobre o inquérito? Ela respondeu:
– Sou católica apostólica romana por esse motivo estou aqui, antes
morava trabalhava e em Santa Fé, no hospital com Dr. Honório Lisboa. Antes
do assassinato de Arcelino Furtado.
– Dona Luiza, o senhor Antonio Giardino estava doente de fato?
– Ah! O Antonio Giardino ficou em tratamento durante dias, ele recusava-
se a observar a dieta receitada pelo médico. Ele comia carne assada, lingüiça
e fazia uso de bebidas alcoólicas, vinho. Ele disse ao Dr. Lisboa, que não
pretendia se tratar, pois tinha outros interesses.
– Então se tratava de motivos escusos?
– Certamente era disfarce com intenção de eliminar Arcelino Furtado.
Não queria estar no Degredo quando fosse praticado o serviço, para não recaírem
suspeitas.
– O que observou lá no hospital?
– O Dr. Honório Lisboa o estimava. Na ocasião disse ao Giardino: “Não
permita esse ato”. O médico procurou avisar a vítima, mas não tinha nada de
concreto e nem quem fosse rapidamente avisá-lo.
– Dona Luiza, e depois? perguntou o juiz.
– Depois de alguns dias chegou sua esposa Maria Giardino, no hospital.
Então Antonio manifestou o desejo de regressar, mas ela lhe disse que
ficasse para evitar a presença no distrito. Eles saíram, mas não sei se regressa
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Além da Tocaia
ram ao distrito ou foram para outro lugar. Alguns dias depois passaram ele e a
esposa num automóvel guiado por Pedro Moura. Lembro-me, que o Dr. Lisboa
perguntou ao Giardino: “Como vai com o brabo?”, ao que ele respondeu rindo:
“Aquele não incomoda mais”. Nesse momento Maria puxou seu marido pelo
braço, dizendo-lhe: “Cala a boca homem, você fala demais”. Giardino disse em
nossa presença que ia para Igrejinha, ou para outros dois lugares. Depois do
fato eu, como religiosa, sinto-me cúmplice desse crime.
– Dona Luiza! As suas informações são importantes, continue, insistiu o juiz.
– Antes do assassinato Antonio Giardino e João Calone insistiram para
que eu fosse residir em definitivo no 2º distrito de Degredo.
– Que tipo de serviço fazia no hospital?
– Naquela época tinha licença de parteira. Depois do assassinato, certa
ocasião estava na casa de João Calone, que exercia a Subprefeitura e
Subdelegacia de Polícia. João voltou da casa de Giardino com galinhas assadas,
porque não se realizou um baile por causa da chuva. Eu fui convidada para
comer a dita galinha assada, ao que respondi: – “O que vem do Giardino não
aceito”. A mulher do Calone disse: “O meu marido queria construir uma casa de
material, mas eu me oponho, porque este lugar não pode progredir; aqui eles
são capazes até de matar”. Ela disse mais: – “João combina com aquele gato
seco e faz tudo de acordo com ele” (referindo-se ao Giardino).
– A senhora residiu no distrito?
– Sim!
– Dona Luiza, conte os detalhes.
– Está bem! Outra ocasião, falando com a mulher de Honorato, ela fazia
declarações de desabono a conduta do finado Arcelino, e eu disse: – “Deus
devia descobrir o matador”. Ela respondeu: – “Deus nos livre, dona Luiza,
Deus não permita que se descubra, esse que fez o serviço, permita que goze
bastante”. O meu filho menor, junto como filho de Marcelino Veiga, contou que
ouviu na casa de Vitório Denarde, Honorato Vitello, João Calone, Antonio
Giardino combinarem a eliminação de Arcelino Furtado.
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– Amélio, desculpe, mas não posso dizer-lhe nada, sei que vai ser uma
surpresa agradável. Peço que me acompanhe.
– Então aguarde. Vou tomar um banho e mudar-me. Em breve estarei
pronto para acompanhá-lo. Enquanto isso aproveite para comer frutas. Vá até o
pomar e apanhe o que desejar para levar a sua família.
– Certo. Deixe comigo, Amélio.
O povoado ficava a dez quilômetros de sua residência. Tão logo chegaram
ao local entraram num restaurante e Rozalho apresentou um rapaz de 20
anos de idade, que aguardava sentado. Ele levantou-se e ficou observando
Amélio e permaneceu encarando-o nos olhos. Rozalho disse:
– Amélio! Este jovem é Abel.
– Prazer em conhecê-lo, Abel!
– Com todo prazer, senhor Amélio Marasca, das terras do Degredo.
– Ah, sim! Tantos anos. Tempo de juventude, respondeu Amélio.
– Quantos anos faz, Amélio, que residiu no Degredo, quando jovem?
perguntou Rozalho.
– Não lembro, mas ultrapassou os 20 anos, se não me falha a memória,
explicou Amélio.
– Olha, Amélio! Veja 20 anos, esta é minha idade, que coincidência. –
falou Abel.
Rozalho procurou uma mesa, chamou um garçom para servir alguma
bebida para passar o tempo. Amélio, curioso para descobrir a surpresa, um
tanto desconfiado tentava disfarçar, pois era de sua natureza ser alegre, sorridente,
mas algo abalou seu coração como nunca antes. Sentia que algo vinha
mexer com suas estruturas, mas não imaginava o quê era. Enquanto isso Rozalho
preparava a acomodação para terem tranqüilidade e com isto poderem expressar
a verdade desconhecida, que pairava no ar. Logo Rozalho disse:
– Amélio! Este moço me procurou no local de meu trabalho, na prefeitura,
informando-se de sua residência, pois ele tem algo importante para lhe dizer.
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– Sei que Ramiro Moura roubou um boi de João Calone, quando este era
autoridade do distrito. Ramiro devolveu o boi e João Calone deixou por isso. Na
mesma ocasião o distrito ficou sem policiais destacados.
– Luiza Dalmer receitou remédios para sua esposa?
– É verdade que minha esposa foi atendida pela parteira Luiza, que
receitou dois pequenos vidros de remédio, mas ela não melhorou. Chamamos o
médico para resolver o problema. Daí, eu fui ter com Dona Luiza e ela apresentou
uma conta de CR$ 290,00, mas achei exagerado esse preço. Fui pedir dinheiro
ao Antonio Giardino e ele deu-me CR$ 50,00 e disse: “Ela vai ficar satisfeita
com essa importância”, como de fato, ocorreu antes apresentei a conta ao
subprefeito João Calone. Ele também falou que solicitasse diferença. O marido
de Dona Luiza disse que não podia fazer abatimento, aquilo era de sua mulher.
O subprefeito João Calone encaminhou a conta para o médico Dr. Geraldo
Correia. O médico foi até o distrito, mas Luiza já havia mudado de residência.
– Qual é o seu conceito da vítima?
– A vítima era pessoa autoritária, andava acompanhado de escolta e
costumava ter em sua companhia capangas à paisana.
– Conhece o Cel. Constancio Terra?
– Conheço, ele é o maior fazendeiro da região. Há um ano trabalhei para
ele como carroceiro, antes para Antonio Giardino.
– Qual sua opinião sobre Ramiro Moura?
– Nasci e me criei no distrito, mudei-me para São José, no interior, em
1926. Seguidamente falava com Ramiro Moura, mas nunca o vi em terras de
João Calone. Depois o vi na casa de Fiorelo Cardinal, na Ponte Velha.
Nada mais, o juiz encerrou o depoimento.
*29º depoimento – de Paulino Juvenal dos Reis, 39 anos, casado, agricultor,
residente no distrito.
Interrogado sobre o inquérito, respondeu:
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afastando-os ao cruzá-lo. Mas, ao olhar para o céu, quando aparecia seu rosto,
diziam ser encantado, surpreendendo as pessoas que observavam. Muitas
pessoas iam até o local para ver a “Mulher Lua”, mas não conseguiam satisfazer
a sua curiosidade, tal era a expectativa de apreciar de sua beleza feminina.
Com a intensificou do desmatamento e o surgimento das máquinas na
agricultura, ausentou-se o mito da “Mulher Lua”.
SÉTIMA CONVOCAÇÃO PARA DEPOIMENTOS
Aos 15 de setembro de 1940, na sala de audiências do edifício do Foro
da cidade de Redenção, presente o juiz Eduardo João Bueno, um Escrivão;
Promotor Leão Vizinewski; defensores dos denunciados: Dr. Humberto Campos
e Paulo Macedo; e assistente de acusação, Dr. Célio Paixão, foi aberta a
audiência nos termos da lei, sendo ouvidas as testemunhas.
*32º depoimento de Antonio Vitello, 56 anos, natural da Itália, casado,
criador e comerciante e residente do Povoado de Centro Novo, distrito de
Degredo.
Interrogado pelo Juiz, respondeu.
– Sou indiferente com os desumanos.
O advogado dos denunciados, Humberto Campos, pediu a palavra:
– Solicito que Antonio Vitello providencie a apresentação dos documentos
de legalização de estrangeiro no Brasil, pois em decorrência da guerra a
Itália pertence ao “Eixo”.
O advogado de Assistência pediu a palavra:
– Declaro que a ausência do promotor público da Comarca, a quem cabia
se manifestar sobre o requerimento da defesa, por importar o mesmo com a
ordem pública, pois se trata de crime comum e não está nos autos. O Juiz deve
preparar o esclarecimento, que é estranha a matéria em debate, uma vez que é
verdade, não é inimigo dos denunciados, nem mesmo de seu irmão Honorato
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Teobaldo Branco
Vitello. O juiz vai indeferir o requerimento dos denunciados, no que diz respeito
à não inquirição da testemunha para a mesma ser referida nos autos. É de
grande interesse para o esclarecimento da verdade, portanto a Justiça continua
seu interrogatório.
– Sobre o aliciamento de testemunhas pagas?
– Nunca viajei com José Francisco da Silva, nem mesmo falei sobre o
processo. Há uns cinco meses esteve em minha casa comercial para pagar seus
impostos. Sobre o conflito com o Fabrin apenas soube por outros. Certa vez
José Francisco da Silva falou do o assassinato de Arcelino, que julguei crime
hediondo. Nunca paguei ninguém para depor, nem a José Francisco da Silva e
nem a Marciano Peres.
– Viajou com Ramiro Moura?
– Viajei com Ramiro no meu automóvel porque dei carona, como dou a
qualquer pessoa que necessitar. Não é verdade o depoimento de Vergílio Magio
sobre desentendimentos com meu irmão Honorato, nem sobre afirmações de
investir dinheiro em lambanças. Não é verdade que procurei Pedro Padilha
numa carreira para pedir a seu irmão depor contra os mandantes.
– Sobre o transporte de testemunhas?
– Transportei Emilio e Laudelino Moraes, Luiz e Julia Vieira Aguiar por
requisição e responsabilidade do delegado de Polícia. Antonio Vitello disse: o
Arcelino residiu em minha casa gratuitamente, porque fui amigo dele, pois
éramos do mesmo Partido Liberal. Na ocasião de desacertos com meu irmão
Honorato, o qual me esbofeteou, pedi que Arcelino mandasse intimá-lo e desse
conselho, mas ele não obedeceu e foi preso. Conselhos para não agredir um
irmão, foi isto que aconteceu. Esta é a diferença.
O juiz perguntou: – O Senhor conduzia testemunhas contra os acusados
em seu automóvel até esta cidade, sempre acompanhado de Severiano
Peçanha, guarda da Subdelegacia do Distrito?
– É verdade que em meu poder tinha um cartão fornecido pelo delegado
de Polícia para que meu automóvel prestasse serviço à Polícia.
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– Depois fui procurado em casa pelo soldado, que deu-me voz de prisão;
conduziu-me à Subdelegacia do distrito, novamente fui interrogado sobre
o furto de uma badana. Logo fui conduzido para a propriedade de Alfredo dos
Reis; deram-me uma picareta para trabalhar na praça do distrito. Ao escurecer o
soldado disse: – “Se não fugir pode pernoitar em minha casa”. Fui à casa do
soldado e estava dormindo à noite, quando fui acordado por Julio Casieri. que
disse: – “Dário mande o preso levantar”. E perguntou: – “O outro já veio?” –
Sim – respondeu. O “Guri” havia amarrado outro pela perna. Ao fazê-lo, disse:
– “Tenho pena de amarrá-lo. Você é um pobre diabo que nem eu. Mas sou
mandado (falou em voz baixa)”. Um dia depois chegou João Calone, titular
subprefeito e subdelegado. Euclides Schneider seu substituto, disse: – “Bilo
Prestes está libertado depois de devolver produtos de roubo, uma badana e um
revólver Nagão 44, militar”. Ele era peão de João Calone e costumava beber
cachaça com Dário, soldado da Subdelegacia. Somente isso que sei.
Não havendo mais nada, o juiz encerrou o depoimento.
CARTA PRECATÓRIA
P a r t e VI
Desafios do delito
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BUSCA DE ARMA
DECLARAÇÃO DE ACHADO
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ver a arma, ao vê-la, teria dito: “Deixa estar, até parece o revólver do Arcelino”,
Pegou uma caderneta e anotou o número do revólver, e comentou: “Foi deixado
em suas terras a fim de envolvê-lo no crime, certamente”. Perguntado de alguma
suspeita, declarou que não tinha ninguém suspeito. Degredo, 25 de novembro
de 1940. Joel da Paz – subdelegado.
CONFISSÃO RETRATADA
Os autores confessos do crime, Ramiro Moura e Manuel Moura,
incriminaram João Calone, Antonio Giardino, Julio Casieri e Honorato Vitelo
como mandantes do “crime da tocaia”; depois da prisão preventiva e de algum
tempo no cárcere, Ramiro Moura retratou-se, negando a confissão inicial, em
depoimentos posteriores, alegando um ato de vingança pela acusação do roubo
de um boi da fazenda de João Calone, então subprefeito e subdelegado no
distrito. Ramiro Moura declarou que no dia do crime estava em Santa Fé. Reconhece
que esteve preso e foi processado pela morte de José Padilha sendo
absolvido, mas não sabe quem foi o autor do assassinato da Arcelino Furtado,
afirmando que mantinha boas relações com os acusados e testemunhas. Assim
foram os depoimentos de todos os denunciados, com a alegação de que não
havia testemunha no flagrante do crime, que as provas constituíram apenas
hipóteses falsas, portanto não havia prova material do delito.
A liminar de defesa dos réus diz: “Desce o pano, afinal, da hilariante farsa
denominada crime do Degredo, lugar em que residem os pseudo-protagonistas.
Numa manhã de sol de janeiro Arcelino Furtado fora chamado a prestar contas ao
demônio pelos crimes cometidos, com requintes de selvageria. Diz o ditado árabe:
“Quem semeia vento colhe tempestade”. Por isso enquanto autoridade no
distrito, num dos períodos mais agitados da história política do Rio Grande,
tantas tropelias cometidas com prisões e espancamentos, que certo dia veio a
colher o fruto de sua messe. Não aplaudimos o ato que culminou na morte daquela
infortunada autoridade, se não houvesse razões, mas sim pela maneira como
fora praticado, tão incompatível com o heroísmo do povo gaúcho, que sempre
enfrenta com nobreza o seu inimigo, não se valendo nunca dos refúgios de
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emboscada. De qualquer modo, Arcelino Furtado foi vítima de sua própria imprudência.
Deveria supor que se assim agindo, algum dia uma de suas vítimas não
deixaria adormecer o seu ódio e chamá-lo-ia a prestar contas, como aconteceu.
Cinco anos se passaram quando surgiu o processo anterior a este, já havia como
centro de gravitação do mesmo “crime do Degredo” outros autores. A figura
sinistra de Antonio Vitelo, inimigo mortal de seu irmão Honorato, um dos acusados,
que veio a morrer na cadeia. Antonio Vitelo, homem rico, residente em Centro
Novo, era visto em todas as diligências do processo, acompanhando testemunhas
em seu automóvel, acusando sob a luz hedionda da trama, subornando e
instigando pessoas para deporem contra os denunciados acima citados”.
Nada é incontestável, para uns e para outros, pode ter sido apenas uma
desgraça.
Considerando o enredo, mediante elementos probatórios, de uma confissão
defeituosa, do volume de informações, vemos a ineficiência da integridade
de caráter e de honradez das pessoas, revelando o quilate moral da sociedade
da época, dos atos cometidos pelos políticos e homens; neste caso, designaram
o fato com o nome de “crime da tocaia”. Parece que ninguém aplaudiu o
gesto brutal da eliminação do capitão Arcelino, mas quem foi o autor, ou autores,
certamente um dia a Justiça surgirá para por ordem nos desmandos históricos
que permeiam a sociedade.
O GRANDE JÚRI
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e Manoel José Moura, consta dos autos de corpo de delito o teor seguinte:
Auto de corpo delito. Aos 5 de janeiro do ano de 1935, na sede do 2º distrito de
Degredo, município de Redenção, RS, presentes o delegado de Polícia, o cidadão
Manoel Mostarda, comigo escrevente, Pedro Martins, abaixo-assinado,
tendo prestado neste ato o compromisso legal o perito notificado Dr. Vilibaldo
Carvalho, médico profissional, e as testemunhas, os cidadãos: Marciano Peres,
Protásio do Nascimento e Laudelino Moraes, residentes todos na Vila de Degredo,
do município de Redenção.
Julgamento realizado no dia 9 de março de 1941, com início às 10 horas,
na Câmara de Vereadores do município de Redenção/RS.
– Presidente do júri: Dr. Mauricio Dorneles Pena.
– Promotor: Dr. Rosalino Siqueira; auxiliar assistente: Dr. Célio Paixão.
– Oficial de Justiça: Dr. Lauro Matos.
– Sorteio dos jurados: (7) sete dos 21 (vinte e um) convocados.
– Defesa dos réus. Advogados Dr. Humberto Campos e Paulo Macedo.
Leitura do Relatório do Processo
A Justiça pública, por seu representante abaixo-assinado, denuncia
Ramiro Moura, brasileiro, com 44 anos de idade, casado, jornaleiro, residente
neste município de Novo Horizonte. Manoel José Moura, brasileiro, branco,
casado, com 39 anos de idade, residente no 2º distrito deste município; João
Delfino Calone, brasileiro, casado, com 43 anos de idade, criador, residente no
2º distrito; Antônio Luiz Giardino, brasileiro, casado, com 50 anos de idade,
industrialista, residente no 2º distrito deste município; Julio Silvestre Casieri,
brasileiro, casado, com 38 anos de idade, funcionário público estadual, residente
no distrito, pelo fato delituoso, com fundamento nas investigações.
Informação ao Tribunal do Júri.
Certidão de óbito do acusado Honorato Vitello.
Livro 4, folha 171, Termo de Assentamento e Óbito. Registro Civil do
Cartório de Redenção, Estado do Rio Grande do Sul. Atesta o assentamento de
óbito de Honorato Vitello, aos 15 de outubro de 1940, falecido no Hospital
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Santo Antônio, nesta cidade. Foi vitimado por colapso cardíaco fulminante na
cadeia pública, com 39 anos de idade, profissão comerciante, filho de Ângelo e
Antonia Vitello, naturais da cidade de Palermo, Itália, ambos falecidos, casado
com Adelaide Mazele Vitello, pai de cinco filhos, não deixou bens de herança.
Oficial do Registro Civil de Redenção, 15 de janeiro de 1940, Joel Garcia.
– Depoimento dos réus: Ramiro Moura, Manuel José Moura, João
Delfino Calone, Antonio Luiz Giardino e Julio Silvestre Casieri.
– Depoimento das testemunhas.
Debate:
Acusação, o promotor, Dr. Rosalino Siqueira.
– Senhor juiz e senhores jurados!
– As agitações políticas transformaram o distrito de Degredo e geraram,
em 1935, rivalidades acentuadas, que, alimentadas pelo ódio, criaram certo tumulto
na vida daquele lugar. Os interesses da ordem se comprometeram diante
das exigências da autoridade distrital, a ter atuação mais enérgica, eficiente e
real. O capitão Arcelino Furtado, que se encontrava à testa da Subprefeitura e
da Subdelegacia de Polícia daquele distrito sentindo os imperativos da reclamação,
passou a desenvolver enérgica campanha, procurando fazer com que a
lei fosse respeitada na sua jurisdição.
– Senhor presidente e senhores jurados!
– Os ambiciosos pelo poder e pelo mando não se conformaram com a
ação, decidida e enérgica, da referida autoridade. O ódio os levou a se reunir em
complô para eliminar aquela autoridade, crime que hoje se encontra desvendado.
Fizeram parte da emboscada criminosa as pessoas que, por sua posição
social e situação econômica, poderiam viabilizar a empreitada assassina. Faziam
parte desta: João Delfino Calone, pecuarista e pessoa de larga influência no
distrito, que faz declarações em jornais, por quê? Com que propósito procurou
a reportagem de um jornal para desfazer boatos alarmantes e infundados? A
Justiça e a sociedade, nesse emaranhado de provas, não conseguem ofuscar a
verdade, porque a verdade é como a luz, que entra pelas frestas; Julio Silvestre
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Além da Tocaia
Teobaldo Branco
– Senhor presidente!
– Por que acusam os irmãos Moura? E também, João Calone, Antonio
Giardino, Julio Casieri e Honorato Vitello (já falecido)? Qual a razão para assim
procederem? Não é difícil a resposta a tais perguntas. Se os irmãos Moura
foram instrumentos utilizados pelos mandantes, estes, inimigos que eram da
vítima, a quem temiam e combatiam pelas costas, porque não tinham coragem
de atacá-lo de frente, é natural a procura de terceiros para eliminar a vítima,
posto que lhes faltava coragem, mas sobrava dinheiro para indenizar quem
fizesse o serviço. Ramiro Moura antigo empregado de João Calone, pessoa de
confiança, tanto que não vacilou em ir procurá-lo no município de Campal, a
duzentos quilômetros de distância, para executar o hediondo e macabro plano
de eliminar a vítima.
– Senhores jurados!
– O momento esperado pelos facínoras apresentou-se, por fim, quando
em 5 de janeiro de 1935, antes do meio dia, Ramiro Moura e seu irmão Manoel
Moura foram informados, lá na tocaia, pelo Honorato Vitello (falecido), que o”
veado vinha corrido e sozinho”. Esta era a expressão combinada como senha
para aquele fim. Advertidos da aproximação, Ramiro e Manoel Moura tomaram
posição no esconderijo, aguardaram na tocaia a passagem pelo local da espera.
E, no momento em que a vítima defrontou-se naquele ponto, ao alcance da mira,
foi traiçoeiramente alvejado por Ramiro Moura, que utilizou um mosquetão,
apoiado numa forquilha de árvore, arma que lhe fora fornecido por João Delfino
Calone. Desferido o tiro, Arcelino Furtado foi atingido em cheio, ainda uma
segunda vez, e caiu de seu cavalo. Ramiro Moura saiu da tocaia e chegou bem
perto do homem caído e, com um revólver, fez o último disparo. Consumado o
delito, com a morte quase instantânea da vítima, Ramiro Moura, depois de lhe
haver despojado de seu revolver e dos valores que trazia, foi até a casa de
Honorato Vitello, a quem informou haver realizado o selvagem e brutal homicídio.
Passados alguns dias recebeu das mãos de João Calone, como parte da
paga que lhe havia sido prometida, a importância de cinco mil cruzeiros.
– Senhores jurados!
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Além da Tocaia
Teobaldo Branco
Além da Tocaia
Para concluir, ponderando bem a prova dos autos, limpando-a das suas
impurezas e elementos estranhos, chegamos à conclusão e perguntamos: Matá-lo
por vingança? Vingança do quê? Matá-lo, para com isso afastá-lo do cargo? Não,
pois Arcelino Furtado, dentro de alguns dias seria substituído. Palavra que não
atinamos com o fundamento da acusação! Dos muitos inimigos que possuía a
vítima, por mortes, espancamentos, violências sem fim que praticou, não poderia
um deles assassiná-lo por vingança, nada mais? Apenas por vingança?
Dirigimo-nos ao presidente da Egrégia Câmara de Tribunal, aos nobres
jurados e pedimos a absolvição dos acusados.
Após o debate sobre os autos, de réplica e tréplica, fundamentando o
tema para esclarecer a verdade, o presidente do Tribunal procedeu ao trâmite
dos quesitos ao conselho de jurados para avaliar o julgamento.
Teobaldo Branco
APELAÇÃO
P a r t e VII
O veredicto
Teobaldo Branco
Além da Tocaia
Teobaldo Branco
Além da Tocaia
Teobaldo Branco
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Teobaldo Branco
PRISÃO PREVENTIVA 03
JULGAMENTO POPULAR
Além da Tocaia
Teobaldo Branco
Além da Tocaia
Teobaldo Branco
Furtado, em sua jurisdição, não era uma autoridade zelosa e enérgica, conforme
se procurava acreditar. É triste e prejudicial à ação da justiça, enveredar para a
paixão que tolda os espíritos. Outra razão baseia-se na vontade que o indivíduo
usa como expressão da verdade, Artur da Rosa nunca negou sua confissão, ao
passo que Ramiro Moura arrependeu-se do seu orgulho vingativo e voltou
atrás, negando a sua afirmação.
– Senhores jurados!
Finalmente, o menino-prodígio Laudelino Moraes, testemunha de acusação,
possuidor de privilégios, continua a se contradizer nos seus depoimentos.
Diz que entrou no recinto o cara pintado acompanhado de Pedro Moura, de
nariz comprido, meio moreno, aparentando 30 anos, que disse: “Matamos o
veado”, sendo que Pedro estava em outro lugar. Afirma também que poderia ser
Ramiro Moura, a fisionomia era parecida. Tudo isso há sete anos. É incrível o
estilo da cena que se desenvolveu no processo do “crime da tocaia”.
Em nome justiça pedimos a condenação do acusado, Artur da Rosa,
como norma democrática da sociedade em que vivemos.
Debate
Defesa do réu: (não compareceu)
Indicado o advogado auxiliar da Promotoria:
Defesa do réu: Dr. Roque Lopes Aires.
– Senhor presidente e senhores jurados!
– Na minha profissão de advogado, exercida sem muito brilho, mas já um
tanto longo nos debates forenses, jamais havia encontrado um caso com este:
um segundo julgamento. Julgamento em que a acusação mostrou, de forma
inédita uma postura diferenciada no presente processo. O terceiro réu confesso
com absoluto desdém pela justiça. Isto ainda não é nada: Este drama criou
personagens responsáveis pela tragédia, que torna fantástico a um romance de
ficção, bem diversa da realidade.
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Além da Tocaia
Teobaldo Branco
DECISÃO DO JÚRI
Além da tocaia
Teobaldo Branco
– Meu Deus! Não esperava uma surpresa dessas! (com voz embargada).
– Amélio! Lembra de mim? (voz suave)
– Bruna! É você? (lágrimas).
– Sim! Sou Bruna. Deus atendeu meu último desejo nesta vida, – afirmou.
– Bruna! Eu sou culpado de tudo...
– Não, não! Não fale em culpa. Hoje é outro tempo, Amélio.
– Bruna! Não sei o que dizer. Fui um irresponsável. Cometi uma desgraça.
– Amélio! Queira acalmar-se, pois você não teve culpa; ninguém teve
culpa do que houve entre nós.
– De qualquer modo, Bruna, peço perdão pelo mal que lhe fiz, provocando-
lhe enorme sofrimento.
– Céus! Você não mudou. Amélio! O nosso segredo foi revelado (lágrimas).
– Sei, Bruna! Nosso filho Abel. O segredo.
– Sim! Nosso filho Abel.
Bruna olhava para Amélio, sem falar, com um leve sorriso.
Em silêncio, ambos permaneceram de pé, frente a frente, com olhares
fixos, refletindo sobre seu passado longínquo. A vida é um espetáculo de
raríssima beleza. Só a aprecia quem é capaz de escrever capítulos, nos momentos
mais difíceis da sua história. Amélio desfigurou-se ao sofrer um nocautear
de emoção, embargou a voz, gaguejou num atrapalho sentimental, o seu espírito
sentiu uma névoa de felicidade, ao mesmo tempo de angústia, por não poder
reconstruir seu passado.
Bruna, aquela senhora que não perdera suas características de beleza,
com que fazia Amélio cair de paixão, estava presente de forma madura, mais
malhada e experiente pelo sofrimento da vida. Ela recobrou os sentidos e num
momento percebeu aquele jovem do passado, ao qual entregara seu corpo e
sua alma. A vida estava sendo uma aventura sublime para eles.
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Além da Tocaia
Teobaldo Branco
uma paisagem de sol, da fecunda terra, das matas, sob a chuva das estações; a
primavera das flores; o verão do calor, dos rios e do mar; o outono e as flores
com sua chuva formosa; o inverno úmido e frio, período de aconchego. Contemplar
com o espírito a bela imagem da vida e sentir a bênção celeste é uma
forma simples de perceber que este mundo é bom e vale a pena viver bem.
Muitos anos se passaram, e não houve um em que Nádia não tivesse
lágrimas nos olhos, chorado para os deuses imortais e pelos homens mortais,
sentimento entregue às chamas de consolo ungido pelos perfumes do esquecimento.
Um destino fadado a saborear a doçura dos anos juvenis da primeira
paixão, desfrutando emoções com alegria.
Hoje está no limiar da vida madura, enveredando para a velhice. Vinte anos
depois daquela tragédia, o pai de Leone perdeu a visão na cadeia, o que o levou
precocemente para o túmulo; sua mãe anos depois também faleceu. Ele formou
família e continuava comerciante, sucedendo seu pai em outra cidade vizinha, mas
foi obrigado mudar-se pelo desfecho do assassinato do delegado pai de Nádia.
Leone acompanhava sua filha Luzia ao internato “Normalista” para a
matrícula na cidade satélite regional, onde Nadia estudou. Ele lembrou de alguns
encontros juvenis com sua grande paixão, assim como quem diz: – Momentos
lindos de uma desilusão bela de amor, mas se tivesse a sorte de reviver
esse passado, nem que fosse tarde eu ficaria muito feliz.
No interior do colégio, em certo momento entrou uma senhora que lembrou
o charme e a beleza de Nádia. Leone sentiu um arrepio no corpo, despertando
a sua atenção e curiosidade. Ela voltou-se a distância e fitou rápido em
seus olhos, seguiu um corredor e entrou numa sala. Leone assustou-se num
pressentimento: – Será que é destino encontrar uma lembrança perdida que há
20 anos não vejo? É ou não é ela? Pensou: Se for, o que farei? Depois de certo
tempo na formalização e acerto da matrícula de sua filha Luzia, surge uma pergunta:
– O que estaria ela fazendo aqui? Bom! Seja o que for.
O ano escolar se iniciou e os habitantes envolviam-se no trabalho, em
convivência com suas famílias, cada um em seu lugar. Na escola do internato
Luzia estudava com aplicação. Certo dia, no final das aulas, uma professora
bateu em seu ombro e disse:
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Além da Tocaia
Teobaldo Branco
Além da Tocaia
sando por um corredor dentro de um jardim e pomar até a rua onde tinha deixado
o automóvel. Ao sair na rua sob a sombra de árvores de plátano e de cipreste
exalando um cheiro agradável, sai por outro portão uma mulher e vem em sua
direção. Leone tremeu na alma ao suspeitar que fosse Nadia, a deusa do passado
de sua paixão. Ela aproximou-se e foi reconhecida pelo mesmo estilo e elegância,
mesmo que com a maturidade dos anos: É ela – pensou Leone. Parou e
ficou na expectativa, observando a sua aproximação e percebeu que ela o reconheceu.
Naquela expectativa Nádia não conseguiu cruzar por ele pela atração
de um olhar que a fulminou. Parou e calada olhava em seus olhos. Leone,
engasgado, não conseguiu falar. Ficaram alguns momentos em silêncio, admirados
em delírio.
Leone perguntou:
– Você é a Nádia?
– Sim!
Numa postura delirante Leone abriu os braços e se aproximou sem palavras.
Instintivamente Nadia lançou-se em seus braços, assim como dois adolescentes
e apertaram-se abraçados por longo tempo, como se tivessem voltado
ao estado juvenil do passado. Depois ela, acanhada, com sinal de lágrimas,
arredou-se, sentida pela precipitação de seus atos incondicionados. Nos olhos
de ambos revelava uma inesquecível relação de amor. Ele, com a voz embargada,
no impulso de uma atração fatal, que lhe dominou a razão, jogou-se numa
alucinada fantasia do passado, ressentida pelo tempo, que naquele momento
reacendeu e ali estavam duas múmias arrebatadas pelo desamor, em frente uma
da outra. Então Nádia falou:
– Leone! Não esperava este momento. – Com o lenço limpou as lágrimas
– Nem eu, Nádia! Destino enganoso, prega cada peça na gente. – Leone
falou emocionado.
Um encontro emocionante, com muitas páginas em branco, mas com
uma história muito forte de sonhos e paixão, que ficou no imaginário por uma
descrença e pela discórdia social vivida na época. Reanimada Nádia pergunta:
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Teobaldo Branco
– Há quantos anos?
– Mais de vinte anos. Você não esqueceu?
– Não!
– Eu também não.
– Como está?
– Estou casado e tenho uma filha que estuda aqui, respondeu Leone.
– A Luzia! Uma linda menina, parabéns pela filha que tem. Já falei com
ela. Ela te contou?
– Sim! Não esperava tudo o que vem acontecendo. Parece que estamos
desenterrando um passado que era tão lindo. Isso está mexendo com a gente de
forma arrasadora.
– É verdade, Leone!
– E você, Nádia? O que aconteceu com você durante esses anos?
– Casei-me e tive um filho. Meu marido tornou-se alcoólatra e morreu
vítima da bebida. Resido nesta cidade com meu filho.
– Qual a idade de seu filho?
– Ele tem a idade de sua filha e chama-se Ulisses. Um lindo moço, ele
está estudando.
– Nádia! Fico feliz em te encontrar. Muito feliz mesmo. Os dois deviam
ser nossos filhos.
– Leone! Eles são nossos filhos. Mas estou entendendo, você está
voltando ao nosso passado, infelizmente é passado. Nada podemos fazer.
– Mas podíamos ter feito. Se quiséssemos. Eu queria, mas com razão
você foi envolvida pelos males da política de nossos próprios familiares. Houve
muitas mágoas e ressentimentos que não devemos lembrar.
– Leone! Gostaria de conversar mais com você, mas tenho um compromisso,
devemos continuar em outra oportunidade, se fica bem assim.
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Além da Tocaia
– Nádia! Rogo pela bênção do céu. Desejo continuar a vê-la para matar
uma saudade amargurada do meu coração.
– Leone! Você é homem casado e deve honrar seu matrimônio. Além do
mais, a sua filha Luzia está aqui e deve mantê-la até formar-se professora, assim
como eu.
– Certo, Nádia! Eu vou, mas não esqueço deste encontro, assim como
você, não é?
– Sim! Está bem. Então até amanhã.
– Até amanhã.
A despedida foi com beijos e num clima de descontração. Aquela tensa
expectativa chegou ao fim e se transformou uma relação cordial e agradável
entre Leone e Nádia. Ambos caíram nas nuvens, porque ocorreu uma surpresa
inédita em suas vidas. O referido encontro marcou a vida de duas pessoas com
uma reflexão sobre a história cultural da sociedade humana. A vida é bela até de
olhos fechados se o coração está em paz consigo e com o mundo; será mais
bela se for de qualidade; a verdadeira vida está no belo da justiça e na vontade
de viver com integridade e consciência. Os desentendimentos são confirmados
pelo pensador Marx, que diz: “A sociedade humana vive sob dois pólos, um
dominador, outro dominado; a causa das desigualdades é provocada pela exploração
do homem pelo homem”.
Certo dia Nádia recebeu uma visita de Luzia. Ela descobrira o endereço
da professora e caminhou por algumas quadras, à tardinha, depois do expediente.
Em frente à porta apertou a campainha. Nádia estava no banho, por isso seu
filho Ulisses foi atender a porta. Não esperavam ninguém, curiosamente abriu a
porta para ver quem era e ao ver Luzia, Ulisses teve um sobressalto, encantou-se
com a menina, e falou:
– Entre, por favor! Convidou-a, a entrar numa sala e a sentar numa
poltrona.
Luzia sentou-se e olhou ao redor, deu um pequeno sorriso, arrumou uma
sacola no colo, deu um pequeno pigarro de satisfação e aguardou a iniciativa
do jovem que a recebia. Ulisses perguntou:
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Teobaldo Branco
Além da Tocaia
– Mamãe, a senhora fala de mim para suas alunas? Que coisa feia?
– Filho! O que soube sobre isso?
– Mamãe! A Luzia já sabia o meu nome antes de me conhecer.
– Foi por acaso. Um encontro com a Luzia, aluna da escola, e nessa
conversa falei do seu nome. Nada mais.
– Mamãe! Estou caçoando com a senhora. Por sinal gostei da sua aluna.
– A Luzia não é minha aluna por enquanto. Mas serei feliz no momento
que for. Nádia dirigiu-se a Luzia e perguntou:
– Luzia, como está?
– Estou bem, professora. Vim para continuar nossa conversa, se a senhora
quiser. Aquele dia nós não conseguimos concluí-la, não é?
– É verdade! O tempo continua sendo o melhor remédio para o entendimento
dos desencontros entre as pessoas no passado.
– Mamãe! inquiriu Ulisses. – O que a senhora quer dizer com isso?
A afirmação de Nádia preocupou os jovens, levando Ulisses a estranhar
as palavras de sua mãe e fazer o questionamento: “O que a Senhora quer dizer
com isso?”. Nádia caiu num deslize, tendo de se explicar. Naquele momento da
vida, não podia esconder um passado que estava vindo à tona. Luzia e Ulisses
ficaram aguardando com curiosidade o que a professora Nádia ia dizer. Ela
pensou e tentou falar, gaguejou com um pequeno pigarro, estendeu o assunto
para ser esclarecido, que ainda permaneceu como segredo bem guardado, apenas
disfarçou com uma explicação, dando a entender sobre uma teoria geral
sobre o tempo, que não havia nada obscuro no que havia dito.
– Ulisses! A mãe falou no tempo como grande julgador dos atos humanos.
– Mãe! A senhora falou dos desencontros do passado. Parece que a sua
referência era de um caso pessoal. Era ou não era, mamãe?
– Filho! Não! A nossa vida é um livro aberto.
– Tudo bem, mamãe!
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Teobaldo Branco
Editora Unijuí