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Historia e Folclore

Co '&üil
O -' C & 1C S7-
AMARlUO GONÇALVES TA­
VARES, filho de José Gonçalves
Leite e Lfdia Alves Tavares, nasceu
em Aurora-CE, a 07 de agosto de
1922. Seus avós paternos foram
Manuel Gonçalves Ferreira e Josefa
Leite de Macedo. Pelo lado materno,
é neto de Sebastião Alves Pereira
e Rosa Alves Tavares. Vindo para
Fortaleza, em 1937", fez seu s estu­
dos básicos no Colégio Castelo
Branco e no Liceu do Ceará. Iniciou
a sua vida bancária em Fortaleza, no
Banco dos Proprietários, em 1941.
Aprovado em concurso do Banco do
Brasil, foi trabalhar em Natal, em
meados de 1945, servindo, a seguir,
nas agências de Senador Pompeu,
Crato e João P essoa. Nesta s e apo­
sentou, em 1975, e escreveu o livro
"A Outra Face da Moeda". Em João
P esso a , onde fixou residência, ba-
*arelou-se em Direito pela UFPB,
.urma de 1977, É casado com Tere-
sinha de Sá Barreto Gonçalves, Li­
cenciatura Plena em Educação Ffei-
ca, Professora da Disciplina no Co­
légio Estadual - Liceu Paraibano.
A publicação deste livro contou cora
Opiniões sobre A OUTRA FACE
o apoio da Prefeitura Municipal de Au­
DA MOEDA.
rora, administração Alcides Jorge
“O livro é um misto de memória Evangelista Ferreira^ 'e do deputado
e romance, em que o autor narra a s­ Antônio Tavares.
pectos de sua vida bancária, num
painel de trinta anos. Uma narrativa
envolvente que nos conduz a um la­
birinto de p e sso a s dos mais diver­
so s caracteres. Uma visão cômica
do mundo bancário. Descrição de
episódios pitorescos. Rico em infor-
Dedicatória

À minha esposa, Teresinha de Sá Barreto

Gonçalves, companheira exemplar, e aos

filhos, Ulisses, Waleska e Valéria; aos gen­

ros, Sérgio e Ricardo.

In Memoriam

Aos meus pais, José Gonçalves Leite

e Lídia Alves Tavares, aurorenses

de boa cepa.
S U M Á R I O

Página

INTRODUÇÃO ............................................. 9
1. ORlGENS DO NÜCLEO URBANO .......................... 12

2. FORMAÇAO POLÍTICA, RELIGIOSA E ADMINISTRATIVA .... 18

3. PIONEIROS DO DESBRAVAMENTO ........................ 24

4. PRIMEIRAS RUAS DE AURORA .......................... 41

5. O COMÉRCIO: APOGEU E DECLlNIO - Antigos negociantes

- Meios de Transporte ............................. 48

6. AURORA, 1908: ATAQUE, INVASAO E SAQUE .............. 53

7. O a l g o d Ao E AS MAQUINAS DE DESCAROÇAR................ 71

8. A CANA-DE-AÇÜCAR: OS ENGENHOS DE PAU E OS DE FERRO. 74

9. BOTICÁRIOS E FARMACÊUTICOS - MÉDICOS ANTIGOS - ME­

DICINA POPULAR (MEIZINHAS) ........................ 78

10. OS PRECURSORES DA EDUCAÇAO ........................ 90


11. CAFÉS ANTIGOS, BARES E JOGOS - MEIOS DE ILUMINAÇÃO

- DIVERSÕES ....................................... 94
12. RELIGIOSIDADE - MISTICISMO - AS FESTAS RELIGIOSAS . 102

13. OS FOLGUEDOS ....................................... 107

14. A CRÔNICA DOS PAULINOS ............................ 120


15. LAMPlAO NO MUNICÍPIO DE AURORA .................... 138

16. FOLCLORE ................... 147


NOTAS E REFERÊNCIAS ................................... 190
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................... 211
AURORA
(HISTÕRIA B FOLCLORE)

I N T R O D U Ç Ã O

A cidade cearense de Aurora está situada ã margem es­

querda do Rio Salgado, na microrregião do Sertão do Cariri,

distando de Fortaleza 473 kn^., pela BR-116, ã qual se tem

acesso pela rodovia CE-286, recentemente construída.

Tendo a contornar-lhe, pelo lado norte, a linha sinuo

sa de morros, margeando a via férrea, e pelo nascente, a fím-


bria do Rio Salgado, a sede municipal assenta—se em terreno

relativamente plano, que vai ligeiramente se elevando na dire

cão do poente, onde a topografia, tanto por este como pelo la

do de lá do rio, apresenta-se bastante favorável a um plano

de expansão da cidade.

Embora predominem os terrenos de tabuleiros, geralmen


te pedregosos e de vegetação rasteira, encontram—se no muni­

cípio extensas camadas aluvionais, constantes de baixios ã ju


I
sante dos açudes e das várzeas que se alongam na ribeira do

Salgado e dos riachos tributários daquele curso d'água, pelo

que. podemos afirmar que os solos do município se prestam, para

todas as culturas tropicais.


Nas quadras invernosas, em que a natureza se transfor

ma, como por encanto, e o verde volta aos campos, é de admi­


rar a fartura advinda do labor rural, prodigalizando-nos com

9
os produtos da roça e da pecuária, cuja produção leiteira é lacuna, no que diz respeito à divulgação da história de nos­

notável pelo fabrico de queijos, que são famosos até fora do sa cidade. Nele procurei mostrar, de forma clara e concisa,

a evolução histórica do município, a partir da Capela e da


município.
Como ocorreu com a maioria dos municípios cearenses, Venda construídas à beira da estrada que ligava Xcó ao Cari­

observa-se, desde os primórdios, que o trabalho de coloniza­ ri ; o desbravamento do território, as famílias pioneiras, a

ção do território aurorense foi dirigido para as atividades agricultura e a criação, o comércio, cafés antigos e bares,

agropastoris, quais sejam, a criação de gado e a agricultura religiosidade, folguedos, algumas curiosidades do lugar, algo

de subsistência, seguida do cultivo do algodão e da cana-de- do seu folclore.

açúcar. Sendo um livro baseado, em sua maior parte, em pes­

Conquanto não figure entre as maiores do Ceará, Auro­ quisas orais junto a uma dezena de informantes, dentre os

ra é uma cidade que já foi palco de acontecimentos de relevan mais antigos do município, esta obra não tem a pretensão de

te valor histórico. Como as suas co-irmãs da região, Aurora ser completa nem acabada. Dificuldades outras impossibilita­

tem uma história para contar. Basta que nos reportemos ãs ram a obtenção de dados mais ricos e ilustrativos. A não ser

duas primeiras décadas deste século, um período de grande tur um capitulo - o de no 18 - do livro "Padre Cícero, Mito e Rea
l
bulência, em que a população viveu dias de duras provações. En lidade", de Otacllio Anselmo, em que deblatera contra a fac­

tre as brumas do passado, ressaltam os trágicos acontecimen­ ciosa demarcação das terras do Coxá e a rumorosa Q fizitã o d z í,

tos de dezembro de 1908, e a primeira metade de 1909, quando bem como um relato sumário do historiador Joaryvar Macedo so­

a então Vila de Aurora foi invadida e saqueada por bandolei­ bre as origens do núcleo urbano e das famílias Leite e Macedo,

ros, a mando de potentados do Cariri. pouco ou nada se publicou sobre o que aconteceu em Aurora.

Malgrado os desditosos anos que se seguiram àquela in Por outro lado, o livro representa uma contribuição

vasão e que foram de atraso para o progresso do município, o ao estudo da história da cidade que nos serviu de berço; e

povo aurorense soube superar o infortúnio, mostrando-se heró^ embora seja uma obra puramente regional, espero que possa in­

co diante da adversidade. Mas o tempo do bacamarte já passou. teressar não só o leitor aurorense, como também qualquer es­

Aquilo são coisas do passado, e hoje Aurora é uma cidade onde tudioso da nossa região.

reina a paz e a fraternidade entre os habitantes.

Este livro foi elaborado com a finalidade de estimu­ Novembro de 1993.

lar o conhecimento dos fatos, lendas e episódios que nem sem­


pre são conhecidos do público aurorense, vindo preencher uma

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vrense Joaryvar Macedo, em seu livro "Temas Históricos Regio­

nais", a primeira referência à Venda data do último quartel


do século XVIII, quando o Pe. Antônio Leite de Oliveira já

1. ORIGENS DO NÚCLEO URBANO era proprietário do sitio "Logradouro", na "Venda do Salga­

do", que ele houvera por compra a Antônio Lopes de Andrade,

pela quantia de cem mil réis. No referido sitio, o Pe. Antô­


Em meio aos historiadores, existe certa controvérsia nio Leite de Oliveira instalou um Oratório ou Casa de Oração,

sobre a fundação e o fundador da cidade cearense de Aurora. onde realizava batizados e outros oficios religiosos, fato
/o)
A povoação que deu origem ã cidade propriamente dita que evidencia a presença de pessoas habitando por ali. '

e que, primitivamente, se chamou "Venda", teve origem na anti Do mesmo modo que discordam os historiadores sobre o

ga fazenda "Logradouro", do Pe. Antônio Leite de Oliveira, a fundador de Aurora, existe também divergência de opiniões so­

qual por sua morte ficou pertencendo aos herdeiros, alferes bre qual teria sido o primeiro templo fundado no local. De

João Luís Tavares e Davi Cardoso dos Santos. Segundo a tradi­ acordo com Renato Braga - Dicionário Histórico e Geográfico

ção, o arraial teria sido fundado por Francisco Xavier de Sou do Ceará - o primeiro foi a capela que Francisco Xavier man­

za, cearense de Aracati, que, tendo chegado ã região por vol­ dou erigir no ano de 1837, em sua fazenda "Logradouro", dedi­

ta de 1831, casou-se com Maria dos Santos Xavier, filha do ci cada ao Senhor Menino Deus, atual padroeiro da Matriz de Au­

tado Davi Cardoso dos Santos. Por morte deste, a parte que ti rora, tendo doado trezentas braças de terra para formação do
nha na referida fazenda transmitiu-se, por herança, ao genro seu patrimônio. A citada capela foi erigida no mesmo local da
Francisco Xavier, que, para cumprir voto de sua mulher, man­ atual Igreja Matriz.
dou edificar em sua fazenda uma capela dedicada ao Senhor Me­ Todavia, na opinião dos historiadores Antônio Martins
nino D e u s . ^ Filho e Raimundo Girão, a primeira capela teria sido levanta­

A denominação de "Venda" prende-se ao fato de que, da por um preto chamado Benedito José dos Santos, com esmolas

precisamente no local da Aurora Velha, existia antigamente tiradas entre os moradores da ribeira do Salgado, tendo São Benedi
uma taberna de comestíveis e bebidas, cuja proprietária teria to por padroeiro. Já o escritor Renato Braga afirma que esta ca
sido uma mulher chamada Aurora. A Venda era um ponto estraté­ pela data do Segundo Império (1840-1889), sendo posterior ã da
gico para pousada e reabastecimento, colocada ã beira da es­ fazenda "Logradouro". O pesquisador Deoclécio Leite de Macedo
trada que do Icó demandava o Carirí. parece esposar essa opinião quando escreve: "Capela de Sao Be
Entretanto, o nome "Venda" é anterior ã chegada ali nedito, na Aurora Velha, hoje desaparecida, construída em mea
de Francisco Xavier de Sousa. Conforme registra o escritor la

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numa sala do Hospital de Aurora.
dos do século XIX".
A lógica dos fatos nos conduz a essa dedução. Se o Quanto áo padroeiro Menino Deus, da Matriz de Aurora,

Mestre Benedito, conforme reza a tradição, originário da pro­ a primeira imagem era de gesso e veio da França. A atual, que

víncia da Bahia, chegpu à nossa região por volta de 1845, co­ se acha no altar-mor, é de madeira e foi esculpida em 1954,

mo escravo alforriado, obviamente que a construção de sua ca­ por um escultor português, de nome Joaquim de Sousa, residen­
te no Rio de Janeiro.
pela foi posterior ã da fazenda "Logradouro", que data de

1837. Se a capela de São Benedito fosse anterior à do Menino Próximo da Igreja Matriz, pelo lado esquerdo, ainda

Deus, como podemos entender que aquela somente fosse conclui, existe o sobradinho que o Cel. Xavier mandou edificar em 1831,

da muitos anos depois, ou- seja, quando Mestre Benedito regres. no qual residiu até mudar-se para o Crato, ande faleceu em 1847.

bou do Rio de Janeiro, para onde viajara pouco antes de 1870,


Quanto ao sobradinho - primeiro prédio ali construído - é cu-
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a fim de avistar-se com o imperador Pedro II e pedir-lhe aju­ rioso observar o seguinte: as linhas, caibros e ripas são de

cedro, e os pinos com que se pregaram as ripas são de pau-


da para conclusão da capela?
E foi o que ele fez, por ocasião do término da Guerra d'arco. As tábuas do soalho, medindo 19 palmos de comprimento

do Paraguai. No Rio de Janeiro, o lealdoso preto conseguiu fa e meio de largura, também são de cedro, tendo sido essa madei^

lar com o imperador, e este, após ouvir Benedito, presenteou ra tirada nas proximidades, entre o cemitério e o rio, numa

a capela com algumas imagens, alfaias e paramentos necessá­ evidência de que era sobremodo rica a flora da região.

rios à celebração de ofícios religiosos. Deu-lhe também um s^ Como vimos, dois fatores concorreram para a formação

no com o brasão do Império, retratos a óleo dos soberanos e do núcleo urbano: um de natureza religiosa - o oratório e as

algum dinheiro. capelas; o outro, de natureza sócio-econõmica, representado

Em torno da capela de São Benedito, é verdade, for­ pela quitanda/pousada de dona Aurora.

mou-se o vilarejo, para o que contribuiu o "barracão" de d. Au O representante do fator religioso vem a ser o Pe. An

rora, existente nas proximidades. Quando a "Comissão Cientí­ tônio Leite de Oliveira, que exercera as funções sacerdotais

fica de Exploração" por ali passou, em 1859, integravam o po­ na Paróquia de Missão Velha, ora como pároco interino - de no

voado a Capela de São Benedito e as casas adjacentes, ou seja vembro de 1805 até agosto de 1808 -, ora como vigário, de ago£

a "Aurora Velha". Da referida capela, que se erguia entre o to de 1808 até novembro de 1809, e que figura em documentos

rio e a estrada, restam o sino, que se encontra na Igreja M a ­ de 1817 e 1818, como oficiante de batizados, em seu Oratõtio

triz, e duas imagens: uma do Senhor e outra de Nossa Senhora da Venda.(3)

dos Remédios, estando a primeira na Igreja Matriz e a segunda O fator sõcio-econõmico é representado pela Venda

14 15
V i n d a
que, como se sabe, foi iniciativa do Cel. Xavier. A propósi­

to, cabe-nos reproduzir o episódio narrado por João Brigido,


Quem ê que não bebe em noites serenas, (bis)
que nos dá uma idéia das intenções do fundador de Aurora.
Até as morenas, na Venda,
"Indo atrás dos bens deixados pelo falecido pai, Xavier via­
Na Venda, vendinha, na Venda.
jara ao Rio de Janeiro, e enganando com suas lábias a madras­

ta, obteve o que queria. Voltando ao Ceará, ai pelo ano de


Os homens casados, que não têm seu carinho, (bis)
1831, Xavier negociou, montou fazenda de plantar e disse a um
Vão beber sua caninha, na Venda,
amigo que ia fazer de suas terras uma povoação.
Na Venda, vendinha, na Venda.
— Como? — perguntou o amigo.

— Facilmente — respondeu Xavier. — Mandarei estabe


Os frades e as freiras, quando saem do convento, (bis)
lecer uma Vinda de bebidas, colocarei algumas mulheres da vi
Vão fazer seu juntamento, na Venda,
da e farei dizef uma missa aos domingos. A rapaziada acudirá
Na Venda, vendinha, na Venda.
e dentro de pouco tempo estará começada a povoação." ^

A Venda ficava na margem direita da estrada de almo­


Era assim a paisagem do arraial: de um lado da estra­
creve, com frente para o rio, nas proximidades do riachinho
da, a Venda de d. Aurora; do outro, entre a estrada e o rio,
que separa a cidade do bairro de Aurora Velha. Foi o primeiro
a capela de São Benedito, o cruzeiro e uma dezena de casas de
ponto de diversão do lugarejo. Ali se divertiam, a seu modo,
taipa, quase todas cobertas de palha de carnaúba, por entre
os viajantes e varões do povoado. Nos fundos da taberna havia
árvores e o carnaubal. Do local histórico, em dezembro de
uns quartinhos para encontros amorosos. A situação deu origem
1859, o pintor José dos Reis Carvalho fez uma aquarela, que
ao seguinte trocadilho: os casados, querendo enganar as espo­
foi reproduzida na parte final do livro "História da Comissão
sas diziam que iam para a V inda. Lá havia festa na capela. Os
Cientifica de Exploração", do escritor Renato Braga. Conforme
solteiros diziam que iam para Aurora, isto é, para a Taberna
de d. Aurora. registrou a referida Comissão, já naquele ano, Venda era po­

voação, também conhecida como São Benedito da Venda Grande,


A Vinda foi ponto de diversão bastante conhecido na
tendo a integrar-lhe a Capela de São Benedito e as casas adja
redondeza, tendo sido motivo da seguinte modinha, que esteve
centes, ou seja, a Aurora Velha. ^
em voga até a segunda década deste século:

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do pela Lei nQ 2.141, de 29 de julho de 1889. Em 1931, um maj.

fadado decreto que extinguiu vários municípios, atingiu o de

2, FORMAÇÃO POLÍTICA. RELIGIOSA E ADMINISTRATIVA Aurora, suprimindo a sua autonomia, sendo o seu território

anexado ao de Lavras, donde havia sido desmembrado. A injus­

tiça seria reparada, anos depois, na interventoria do major

Em sua formação política. Aurora passou por altos e Carneiro de Mendonça, que fez restaurar, junto com outros, o

baixos, por isso que o município foi extinto ’duas vezes e município de Aurora, através do decreto nO 1.156, de 4 de de­

duas vezes foi restaurado. zembro de 1933, constando, em sua divisão administrativa, dos
(7)
Antes de se tornar município, o passo inicial foi a distritos da sede, de Ingazeiras e Boa Esperança. ' Com boa

criação, em 1858, do Distrito Policial de Venda, fazendo par­ extensão territorial, o município de Aurora limitava-se com

te do Termo de Lavras. Em outubro de 1870, em virtude ãâ Lei Vãrzea-Alegre, Lavras da Mangabeira, Missão Velha, Milagres,

no 1.318, foi criado o Distrito de Paz da Venda, integrado ao Alagoinha, Cajazeiras e Jatobá de Piranhas, os dois últimos

Termo de Lavras, mas já com limites definidos pela Câmara Mu­ na Paraíba.

nicipal. Tendo em vistji o desenvolvimento satisfatório da po- Pelo decreto no 448, de 20 de dezembro de 1938, Auro­

voação, o Dr. sátiro de Oliveira Dias, presidente da Provínr- ra conquistou os foros de cidade. Em virtude da criação do iíiu

cia do Ceará, sancionou a Lei no 2.047, de 10 de novembro de nicípio de Barro, em novembro de 1951, Iara (ex-Boa Esperan­

1883, criando o município com sede na Povoação da Venda, en­ ça) foi desmembrada de Aurora, passando, com Cuncas, a compor

tão elevada ã categoria de Vila, com a denominação oficial de o novo município. Atualmente, o município de Aurora é compos­

Vila d'Aurora. to do distrito sede, do Tipi e Ingazeiras.

O município foi instalado a 30 de maio de 1885, oca­ Consoante notícia existente no Livro do Tombo da Pa­

sião em que foi empossada a sua primeira Câmara Municipal, róquia, a história religiosa de Aurora deve ser contada a par

composta dos seguintes membros: tir da Capela mandada construir, em 1837, por Francisco Xa­
.I
Presidente: Manuel Leite de Oliveira; vier de Sousa, ao lado de sua residência, na fazenda "Logra­

Vereadores: Antônio Francisco Carneiro Monteiro, Antõ douro" .

nio Leite Teixeira Neto, Francisco Bezerra de Medeiros, João A atual Igreja Matriz advém da antiga capelinha, que

Francisco Leite e José Antônio de Carvalho Rios. passou por sucessivas ampliações e reformas. Ocorrendo a mor­

A autonomia teve duração efêmera, visto que, a 12 de te do Cel. Xavier, em 1847, a capela passou a ser. administra­

dezembro de 1885, era extinto o município, para ser restaura- da pelo Ten. Manuel Joaquim Carneiro, que, auxiliado pelo po-

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vo, procurqu dar maior acréscimo ao pequeno Templo. A primei­ ração de Jesus, São Sebastião, N. S. das Dores, N. Senhora da
ra melhoria ocorreu em 1864, quando, na condição de Cura - o Conceição, N. S. do Carmo, N. Senhora dos Remédios, N. S. do
primeiro -, apareceu o Pe. Agostinho Afonso Ferreira, que em­ Perpétuo Socorro, Santa Margarida e Santa Teresinha.
preendeu alguns acréscimos, contantes de corredores, pequeno 0 atual vigário da Matriz ê o Pe. Vicente Luís dos
Consistório e um Cemitério nos fundos da Igreja, como era de Santos, que conta no vicariato com a colaboração do Pe. José
costume antigo. Vinte anos depois, acrescentaram os arcos e Gonçalves Landim.
alguns altares. Quanto à formação judiciária, teve início com a cria­

Mesmo depois de declarada a sua emancipação política, ção do Termo de Aurora, ao mesmo tempo da do município, em no

em novembro de 1883, eclesiasticamente Aurora continuou subor vembro de 1883. Com a extinção do município, em dezembro de

dinada à Freguesia de São Vicente Férrer de Lavras, como sim­ 1885, foi também supresso o Termo, reduzido a Distrito. Anos

ples capela filial. Até que, atendendo às súplicas que lhe depois, ou seja, em junho de 1891, veio a supressão da Comar­

dirigiram os habitantes do lugar, através dos irmãos da Con­ ca de Lavras, passando Aurora, com aquela, a constituir Termo

ferência de São Vicente de Paulo, o então Bispo do Ceará, d. da Comarca de Icõ.

Joaquim José Vieira, por provisão de 27 de junho de 1893, Em 10 de janeiro de 1922, com base na Lei no 1949, de

resolveu criar a Paróquia do Menino Deus de Aurora, compreen 23 de dezembro de 1921, Aurora foi erigida em Termo Judiciá­

dendo em seu território partes desmembradas das Freguesias de rio, contando com um Juiz Municipal Togado e três suplentes
/
Lavras, Missão Velha e Milagres, e nomeando seu primeiro vi­ leigos, subordinados à Comarca de Lavras. Até pouco antes de
gário o Pe. Vicente Pinto Teixeira, que atuou de 1893 até 1947, Aurora era Termo da Comarca de Lavras. Tendo em vista
1898.
a Reforma Juidicãria do Estado, efetuada pela Lei no 213, de
Ao Pe. Vicente Pinto Teixeira sucederam, no paroquia- 09 de junho de 1948, que transformou em Comarca todos os Ter­
to, os seguintes vigários: Pe. Vicente Augusto Bezerra, de mos Judiciários, Aurora ficou classificada como Comarca de 1®
1906 a 1954; Pe. Francisco Luna Tavares, de 1954 a 1971; Pe. Entrãncia. O 10 Juiz do Termo Judiciário foi o dr. Walter
Francisco França, de 1971 a 1987; e Frei Jeremias Teles, de Spindola. O dr. Francisco Augusto de Oliveira foi o último
1987 a 1989.(8) Juiz Municipal e o primeiro da Comarca (1948). Atualmente Au­
A última e substancial reforma foi realizada pelo Pe. rora é Comarca de 2® Entrãncia, composta dos Distritos da Se-
Francisco Luna, com o fito de aumentar o espaço para os , . (9)
de, de Ingazeiras e Tipi.
fiéis. Mas a Igreja ficou privada dos altares, onde se entro- Até ã nomeação de um Juiz Togado, a justiça era miniss
nizavam as imagens de São Francisco, São Vicente de Paulo, Co trada pelos suplentes de Juiz Substituto. Não havia bacharéis

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para ocupar os cargos âe Juiz Togado. Os cargos eram bxerci José Gonçalves Leite de 1956 a 1960

dos por cidadãos escolhidos entre os letrados e de boa repu­ Antônio Gonçalves Pinto 1960 1962

tação. Em Aurora, foram suplentes de Juiz Substituto: José Francisco Bezerra.Santos 1962 1966

Leite de Oliveira, Reinaldo Leite, Cândido Ribeiro Campos, Ma Anastácio Pinto Gonçalves 1966 1970

nuel Gonçalves Ferreira, José Francisco de Sales Landim, Se­ Teotõnio Gonçalves Neto 1970 1972

bastião Alves Pereira, Justino Alves Feitosa, Antônio Pinto Francisco Bezerra Santos 1972 1976

Ferreira e Antônio Jaime Araripe.(10) João Antônio de Macedo 1976 1982


Cel. Antônio Vicente de Macedo 1982 1988
João Antônio de Macedo 1989 1992

PREFEITOS DB AURORA
0 atual prefeito é o dr. Alcides Jorge Evangelista Ferreira,

A partir de sua emancipação, em 10 de novembro de que assumiu no dia 01 de Janeiro de 1993.

1883, teve Aurora os seguintes Prefeitos:

Manuel Leite de Oliveira de 1885 a 1899


Antônio Leite de Oliveira 1899 1904
Antônio Leite Teixeira Netto 1904 1908
Cândido Ribeiro Campos 1908 1914
Manuel Teixeira Leite 1914 1919
Antônio Landim de Macedo 1919 1921
Cândido Ribeiro Campos 1921 1926
José Gonçalves Leite 1926 1928
Paulo Gonçalves Ferreira 1935 1942
Raimundo R. Correia Lima 1942 1944
Antônio Temxstocles de Oliveira 1944 1945
Paulo Leite Teixeira 1945 1947
Antônio Jaime Araripe 1947 1952
Antônio Gonçalves Pinto 1952 1956

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23
percurso de 162 kmf.

De algum tempo para cã, tem-se observado certo inte­

resse pelo aproveitamento das terras ãs margens do menciona­


3. PIONEIROS DO DESBRAVAMENTO
do rio, visto que, ao longo do seu curso, foram construídas
I várias barragens de pedra e cal. Essas barragens beneficiam

uma área irrigãvel de mais de 4.000 hectares de terras apro­


Quando se vai discorrer sobre a conquista e o povoa­
priadas para o cultivo de arroz, milho, cana, batata doce e
mento da Região Sul do Ceará, é oportuno salientar a profunda
banana.
influência do Rio Salgado, que forma com o Riacho dos Porcos

e outros afluentes a bacia hidrográfica mais importante do Ca


II
riri. Uma região dotada de terras férteis, até então cobertas

de matas, para onde acorreram colonos atraídos pelas condi­


A colonização da parte meridional do Ceará remonta ao
ções favoráveis ã expansão da atividade pecuária.
primeiro quartel do século XVIII, embora, antes disso, já se
Após drenar o Vale do Cariri, onde tem origem nas fon
verificasse, no Vale do Cariri, a presença de elementos bran­
tes do Batateira, Grangeiro e Miranda, que brotam do pé da
cos ou cruzados. Datam desse tempo as concessões de sesmarias,
Serra do Araripe, o Salgado atravessa o município de Aurora,
que eram instrumentos de posse, pelos quais os capitães-mores
no sentido sul-norte. Seu maior afluente é o Riacho dos Por­
doavam terras aos colonos, geralmente portadores dos títulos
cos, que desembpca perto de Ingazeiras, e que figura em vá­
de coronel, major, capitão, tenente, alferes e sargento-mor.
rios registros de datas e sesmarias. Ainda pela margem direi­
No que tange ao povoamento do território que deu ori­
ta, são afluentes do Salgado: o Salamanca, o Riacho dos Cava­
gem ao atual município de Aurora, a tradição faz referência a
los, das Antas, o Cuncas, o Pendência, o Tipi, o Pau-Branco e
duas correntes sertanistas: uma provinda da região do Jaguari^
o Riacho do Bordão de Velho. Pela margem esquerda, entram o
bre, e outra que desceu pelo Riacho dos Porcos, tendo conver­
Caras, o Jenipapeiro I, o do Meio, o Riacho do Juiz, o São
gido para o sertão do Salgado, na fase de concessão das pri­
João, o São Miguel, dos Mocõs, da Caiçara e o Janipapeiro II,

tudo isso formando uma imensa bacia, cobrindo uma área de meiras sesmarias, ou seja, no início do século XVIII.

10. 500 kma, e que se constitui de terras propícias para agri No que diz respeito ã ribeira do Médio Salgado, as

cultura e criação. O Rio Salgado - o maior afluente do Jagua— sesmarias, em sua maior parte, foram concedidas na primeira

ribe - começa no município de Crato e segue banhando as cida­ metade do século XVIII, e tinham origem no mencionado rio. Os

des de Missão Velha, Aurora, Lavras da Mangabeira e Icõ, num motivos alegados pelos requerentes eram, quase sempre, a ne-

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asendentes-' e desendentes e receberah mce."
cessidade de tejrras para "acomodar seus gados vacuns e cava-
Eis a carta de concessão:
lares" como diziam nas petições.
"Hej por bem de conceder (como pela presente o faço),
Para conhecimento do leitor, transcrevemos alguns dei»
em nome de sua Magestade q DE goarde, as terras que os Supli­
ses Registros, encontrados no "Livro de Datas e Sesmarias",
cantes pedem em sua petisam, não prejudicando a terceiro, aqual
mandado publicar em 1920 pelo dr. João Thomé de Saboia e Sil­
lhes dou e concedo para as suas criaçons com todas as agoas,
va, presidente do Estado do Ceará. Vale lembrar gue as sesma­
campos, matos, testadas, logradouros, e mais uteis que nellas
rias ora transcritas foram as localizadas na ribeira do Médio
se acharem, das quais pagaram dizimo a DE dos fruitos q nel­
Salgado e, portanto, faziam parte dos antigos territórios de
las houverem, goardando em tudo as ordens de sua Magestade e
Lavras e Icó, considerando que a região "das Ingazeiras para
por ellas darão caminhos livres ao Concelho para pontes, fon­
baixo" — expressão encontrada em alguns registros — perten­
tes e pedreyras etc."
cia àquelas Freguesias.

"Rezistro da Data e Seismaria dé Nicolau Lopez Fiúza


"Rezisto da Data do Thenente Coronel Antônio Mendes
e seu companheiro João Lopez Fiúza".
Lobato e Lyra e o Alferes João Mendes Lobato, das terras do

Riacho Genipapeiro, em 7 de Julho de 1718".


"Petisam.

Senhor Capitam Mayor.


"Petisam.
Dizem Nicolau Lopez Fiúza e João Lopez Fiúza, morado­
Sr. Capitam Mayor.
res na Capitania da Bahia, que elles suplicantes tem muitos
Dizem o Thenente Coronel Antônio Mendes Lobato e Lyra
gados asim Vacuns como Cavallares, nesta Capitania do Seara,
e o Alferes João Mendes Lobato, q elles tem seus gados Vacuns
e não tem terras em que os posam acomodar e por que em o Rio Sal^
e Cavallares, e não tem terras em q os acomodar, e porq no
gado estão humas terras dezertas e dezaproveitadas e porque
riacho do Genipapeiro q nasce no Rio Salgado, entrando hum
convem ao Serviso de sua Magestade que se povoem as ditas te»r
brejo q desagoa no dito riacho e nelle se podem acomodar com
ras pello que pedem a Vosa Merse lhe faça merse dar de seis­
tres Legoas de terra de comprido pelo riacho asima, com huma
maria três legoas da dita terra a cada hum delles suplicantes
de largo, meya para cada banda para cada hum delles Suplican­
etc."
tes, pello q pedem a VM seja servido conceder-lhe por data e
(Segue-se a Carta mandada passar pelo Capitão-mor Jo£
sesmaria, em nome de sua Magestade q DE goarde, a terra q pe­
dem em sua petisam para elles Suplicantes e seus herdeiros ge de Barros Leite, em 28 de Agosto de 1704) .

26 27
e Lima, em 7 de setembro de 1733.
"NO 36 - Rezisto de Datta de Sesmaria dos ajudantes

Manoel Martins e Antônio Pinto."


NQ 136 - Registro da data e sesmaria do Licenciado

Manoel Ribeiro do Valle, de uma sorte de terra de três legoas


"Dizem os ajudantes Manoel Martins e Antônio Pinto,
do riacho do Papa, que corre para o nascente e faz barra no
que elles suplicantes tem seus gados vacuns e cavalares e
Rio Salgado, concedida pelo Capitão-mor Domingos Simões Jor­
não tem terras bastantes para os poderem criar, e como de pre
dão, em 25 de Junho de 1734.
sente descubriram hum riacho por nome Coroatá, que nasse na
Obs.: Tudo foi copiado obedecendo a ortografia e re­
serra do Genipapeiro e corre do poente para o nascente e desa
dação, encontradas no livro.
goa no Rio Salgado, na testada da datta dos padres de São Ben
to, etc."
Ê oportuno salientar que não foram os sesmeiros que
(Segue-se a Carta expedida pelo Capitão-Mor Manoel
cuidaram de colonizar as terras a eles doadas, mas sim os que
Prancez, em 15 de Julho de 1722) .
aforaram ou compraram pedaços de sesmos e sobras de datas, fun
NQ 47 - Registro da data e sesmaria de Félix da Fon­
dando seus sítios e fazendas. Ê o que se verifica, examinando
seca Jaime e mais companheiros, de uma sorte de terra de três
os registros retro mencionados, relativos ãs sesmarias do Rio
léguas de comprido a cada um deles, com uma de largo para ca­
Salgado, cujos concessionários não apareceram ou não se fixa­
da banda, concedida pelo Capitão-Mor Manoel da Fonseca Jaime,
ram por estas bandas. Estes, provavelmente, ao requererem as
em as ilhargas do Rio Salgado, pegando das Ingazeiras, em
26-02-1717. sesmarias, as retalhavam e vendiam os lotes, em seguida.

No caso de Aurora, não se tem notícia de que alguma

propriedade tenha sido doada. Todas as terras constitutivas


NO 55 - Registro da data e sesmaria de Salvador Fer­
dos sítios e fazendas do município foram compradas.
reira Gomes, de uma sorte de terra de três legoas, em São Ben
Diretamente relacionada com o povoamento do territó­
to, consedida pelo Capitão-mor Leonel de Abreu e Lima, em 16
de Fevereiro de 1733. rio aurorense foi a doação da "Fazenda do Juiz", feita por

Gil de Miranda, considerado por alguns o primeiro colonizador

' da região, aos frades do Mosteiro de São Bento, da cidade de


NO 72 - Registro de data e sesmaria do Capitão Ma-
Olinda, capitania de Pernambuco, em 13 de Junho de 1709.
theus Pinto da Costa, de uma sorte de terra de três legoas de
"A escritura foi passada no Termo da Vila de São José
comprido por toma de largo, em o Riacho das Aningas, nas ilhar
do Ribamar, ribeira do Banabuiú, Capitania do Ceará Grande. O
gas do Rio Salgado, consedida pelo Capitão-Mor Leonel de Abreu

28 29
objeto da doação foram três léguas de comprido por uma de lar III

gura, para cada banda do Rio Salgadof que deságua no Rio Ja

guaribe. Denominada de 'Fazenda do Juiz', a Data de Sao Bento Aqueles que adquiriram pedaços de sesmOs e sobras de
era uma grande área, abrangendo vários sítios que hoje têm datas foram os primeiros povoadores do município. E a criação

as denominações de Várzea Redonda, Mocós, Juiz, Maracajã, Can de gado foi a primeira atividade dos colonizadores. No Médio

jica, Volta, Carro Quebrado, Cabrito e Pavão. Salgado, lavra de cana e criação de gado eram atividades con-
A referida gleba havia sido antes doada, por Sesmaria sorciadas. Os primeiros núcleos de colonização foram as fazen
de 1702, ao citado Gil de Miranda e Antônio Mendes Lobato pe­ das de criar. Sítios com os nomes de Logradouro^ Curral Quei^
lo Capitão-Mor da Capitania do Ceará, 'em nome de sua Majesta mado, Curralinho, Boiada, Malhada Funda e Malhada Vermelha in
de, que Deos guarde'. Reza a escritura de doação: 'que hora dicam ser bastante antiga a exploração pecuarista. Posterior­

por bem deste instrumento público, na melhor forma que em Di­ mente, vieram as lavouras de cana, de algodão e cereais, estas

reito havia lugar, as dava e doava, cedia e transpassava por consorciadas.

esmolla, que por amor de Deos fazia aos religiosos do Conven­

to e Mosteiro de Sam Bento da Cidade de Olinda, Capitania de Família Leite


Pernambuco, por assim ser última vontade e lhes haver prome­

tido, pelo sobredito Sam Bento Patriarcha, Pai dos Religio­ As estirpes pioneiras do desbravamento do território
sos, o haver ajudado athé o presente tempo, e daqui por dian­ compreendido pelo atual município de Aurora foram os Leites e
te o esperava ajudasse em todos os seus bens e pessoa...' 'que os Gonçalves Ferreira, cujos patriarcas, Antônio Leite Teixei
ria que elle outhorgante que valesse esta Escriptura de Doa­ ra, conhecido como Leite Velho ou Vavá, e Antônio Gonçalves
ção como se presente estivera para aceitar por si, e em nome Ferreira, foram os primeiros a chegar e sentar moradia nesses
dos Religiosos do dito Convento que rogava mais além disto ao tratos do Salgado, fundando fazendas de criar e de plantar.
reverendo Padre Collegial e Theologo Frei Luiz do Rosário, Ao apresentar uma breve notícia biográfica desses dois
que presente estava, quizesse aceitar pela sua parte e dos colonizadores do território aurorense, comecemos por Antonio
Religiosos do dito Convento esta forma de doação.' Leite Teixeira, considerado o fundador da família Leite. De
Seguem-se as assinaturas dos outorgantes, testemunhas onde e de quem procedia Vavá?
e do tabelião Crispim de Sousa Caspo."*11* Para responder esta pergunta, precisamos remontar ao

tempo da administração do Marquês de Pombal que, a partir de

1757 - ano em que houve um atentado contra o Rei D. José I,

30 31
1830, transfere-se para a povoação da Venda, onde adquire meia
de Portugal -, moveu perseguição aos jesuítas e seus seguido­
légua de terras, de um lado e outro do Rio Salgado,
res, expulsando-os daquele reino, sob a alegação de cumplici­
sentando moradia no Sítio Santo Antônio. Trabalhador e econô­
dade naquele atentado.
mico, adquiriu mais terras.
Diz a tradição que, por aquele tempo, procurando fu­
Posteriormente, as terras de Vavá passaram para os
gir da perseguição de Pombal, emigraram para o Brasil dois ir
seus descendentes, tiveram outros donos e outras denomina­
mãos e um primo, fugitivos do Colégio dos Jesuítas, tendo apor
ções, como, a seguir, vão descritas:
tado e desembarcado em Aracati, província do Ceará. Eram mari.
Pela margem direita do Rio Salgado:
nheiros brancos, de olhos azuis. E por serem brancos como lei
Cachoeira (Manoel Homem), Santa Bárbara (Né Tavares), Barro
te, çontrastando com as castas da terra, na maior parte de
Vermelho (de um e outro lado do rio) , Santo Antônio (Carneiro
crioulos, mestiços e pardos, os nativos os apelidaram de Lei­
Leite).
te. Como eram fugitivos e perseguidos pela justiça do Mar­
Pela margem esquerda do mesmo rio:
quês de Pombal, trataram de encobrir as verdadeiras identida­
Califórnia (Zuza Leite), Várzea da Cruz (João Leite), Barra
des e adotaram os nomes de Antônio Pereira Barbosa, Paulino
do Jenipapeiro (Antônio Leite) e Santo Antônio (Joaquim Mi­
de Campos Dias e Anastácio do Rego, respectivamente. Os três
guel) .
adentraram a província do Ceará, localizando-se em Crato, on­
Antonio Leite Teixeira casou-se duas vezes. A primei­
de foram mascates.
ra foi com Rosa Maria de Brito, paraibana de Sousa, quedes­
Ao cabo de alguns anos, o mais velho dos irmãos —
frutava elevado conceito, pelo fato de ser irmã de três pa­
aquele que se autonomeou de Antônio Pereira Barbosa — foi mo
dres. Em segundas núpcias, casou-se com uma viúva de nome Isa
rar na Freguesia de Flores, província de Pernambuco, e ali ca
bel Macedo (Zabilinha), tendo sido este o primeiro casamento
sou-se com uma das filhas do Barão de Pajeú (Andrelino Perei­
de um Leite com uma Macedo. Foram filhos de Vavá: Barnabé,
ra) . 0 nome Leite viria aparecer, pela primeira vez, no pri­
José Maroto, Ana, Paulina, Ioiô, Maria, Reinaldo, Valdevino
mogênito de Antônio Pereira Barbosa, registrado com o nome de
e Vicente Leite Teixeira (Alferes). Falecendo a primeira espo
José Pereira Leite, o qual ganhou do pai uma boiada, com a re
sa e aberta a sucessão hereditária, todos os filhos receberam
comendação de que fosse vendê-la e arranjasse um casamento.
herança. Entretanto, por morte da segunda esposa, só quem her
E assim fez. Cavalgou muitas léguas, vendeu o gado e
dou foi um neto de Vavá - Antônio Leite Teixeira Neto -, em
fixou-se na Freguesia do Icõ, onde se matrimoniou com uma m o ­
virtude de este haver casado com a enteada do patriarca,de
ça da família Teixeira. Do casal, proveio Antônio Leite Tei­
nome Ana Isabel de Macedo (dona Naninha) .
xeira. Ao alcançar a maioridade, o moço Antônio, por volta de

33
32
Os filhos de Antônio Leite Teixeira casaram-se e se
mosteiro, resolveram tentar, como muitos outros portugueses, a
estabelecerem» no município, dando formação ã família Leite,
vida no Brasil, para onde emigraram na segunda metade do sécu­
tida como a mais numerosa de Aurora. Verificou-se u m constan­
lo 18.
te entralaçamento dos Leites com outras famílias pioneiras
Antônio Gonçalves Ferreira, antes de vir para o Cea­
Gonçalves, Macedo, Xavier, Tavares e Santos — , de tal forma
rá, adentrou a província da Paraíba, estabelecendo-se, por ajl
que podemos considerar os aurorenses como sendo uma só famí­
guns anos, no sertão de Pombal. Supostamente envolvido em que^
lia.
tão de sangue, viu-se perseguido pela justiça, fato que o le­
vou a retirar-se em direção à fronteira com a província do
Família Gonçalves
Ceará. A forma de livrar-se da perseguição seria atravessando

a fronteira entre as duas províncias, e assim fez. Chegando ã


Os mais antigos são os Gonçalves Ferreira, radicados
povoação da Venda do Salgado, adquiriu uma sobra de terra no
no município há quase dois séculos. O seu representante mais
lugar Jitirana, onde sentou moradia. Na Jitirana, plantou e
remoto, Antônio Gonçalves Ferreira, era natural da província
criou gado, tendo feito um bebedouro no córrego da Barrela —
de Pernambuco, onde nasceu presumivelmente em 1770, tendo che
confluência com o riacho Bordão de Velho.
gado à povoação da Venda, então município de Lavras, no come­
Antônio Gonçalves Ferreira casou-se com uma viúva de
ço do século passado. Faleceu aos 82 anos, em sua casa, no sí
nome Ana Tereza de Jesus, tratada na intimidade por Iaiá. Nas
tio Jitirana.
cida em 1797, no município de Patos, Iaiá era filha de Simpl_í
Pouco se sabe a seu respeito. 0 pai era um português
cio Carneiro de Oliveira, natural da província da Bahia, e de
do mesmo nome, natural da província de Trãs-Os—M o n t e s , tendo
Maria Joaquina do Amor Divino, paraibana, â época moradores
emigrado para o Brasil mais precisamente para a província de
na comarca de Icõ. Filhos do casal: Maria (Sinhara), que se
Pernambuco, oncte chagou na segunda metade do século 18.
casou com Barnabé Leite Teixeira; Antônio, casado com Orsula
Segundo a tradição, foram três os irmãos Gonçalves
Tavares de Jesus; Simplício Carneiro de Oliveira, que se ca­
Ferreira que vieram para o Brasil. Tinham razoável instrução.
sou, em Lavras, com Pombinha (Dulcêria Augusto de Oliveira);
Em Portugal, naquele tempo, os pais tinham o costume de en­
Joana, casada com Miguel Gonçalves; Bárbara, que se casou com
viar os filhos para os conventos, a fim de se educarem. Antes
Torquato Gonçalves Ferreira; e Dona, casada com o paraibano
de virem para o Brasil, os irmãos Gonçalves Ferreira estive­
de nome Jerônimo Carneiro Guerra.
ram estudando num mosteiro da Ordem de São Bernardo, de onde
Filho do casal - anteriormente citado, Antônio GonçaJL
saíram irmãos leigos, após seis anos de estudo. Egressos do
ves Ferreira - o terceiro com este nome -, mais conhecido por

34
35
Capitão Sinhôzinho, era natural de Aurora, onde nasceu a 6 de Tavares), também vindo de Misaão Velha para o Tipi;

janeiro de 1839, e ali faleceu em 1904. Foi presidente da Câ­ - Joaé Franciaoo de Sales Landim, que se casou com Joana Lei­
mara de Lavras, de 1887 até 1889. Sinhôzinho era casado com te Landim. Foi suplante de juiz, em substituição a Manuel
Orsula Tavares de Jesus, filha de Manuel Joaquim Carneiro e Gonçalvea, apóa a destituição do intendente Totonho Leite;

Maria Tavares de Jesus. D. Orsula era neta do alferes João - Antônio João da Cruz, caaado com a aurorense Joaquina de Je

Luis Tavares, um dos herdeiros do Pe. Antônio Leite de Olive^i aua Tavaraa. Não morou no município.

ra, na Fazenda Logradouro. Do seu casamento com Sinhôzinho, Cazuzinha do Tipi era o décimo-quinto filho do casal

advieram os seguintes filhos: Maria (Sinhara), Antônio, José, Manuel Antônio de Macedo e laabel Maria da Conceição. Irmão

Ana, Manuel, Vitória, Gregório, João, Moisés, Paulo, Joaquim, de Cazuzinha era Joaquim Antônio de Macedo, sogro de Totonho
Maria e Esperança. do Monte Alegre, que d. Marica derrubou da Intendência, em

dezembro de oito, com o apoio de seus parentes do Cariri.

Família Macedo Irmão dos citados José e Joaquim Antônio, e que se de

ve incluir no rol dos primeiros Macedos emigrados para Auro­

Outra família que também deu sua contribuição ao po­ ra, foi João Antônio de Macedo (Vigário Macedo), iniciador de

voamento do município de Aurora foi a dos Macedos, os quais destacado ramo familiar, tendo casado três vezes. João Antô­

se localizaram em terras banhadas pelos riachos do Tipi e Bor nio eatudou no seminário para ser padre. Não se ordenou, de-

dao de Velho. Oriundos da Missão Velha, chegaram ao município cidiu-se pelo casamento e ganhou o apelido de Vigário. 0 ca­

aurorense, nos dois últimos decênios do século passado. sal Cazuzinha/Marica Macedo teve os seguintes filhos: Rai­

A Matriarca da família chamou-se Maria da Soledade mundo (Mundooa), Augusto, João, Silvino, Felinto, Antônio e
Landim (Marica Macedo) , casada com José Antônio de Macedo, co­ Joana, os quais Be casaram com pessoas dos Leites, Gonçalves
nhecido por Cazuzinha do Tipi. Foi figura central do hediondo e Santos.
episódio de dezembro de 1908.- Cessada a rumorosa questão, a

referida matriarca passou a exercer o seu domínio sobre a po­ Família B atista/Santos
lítica de Aurora, como verdadeira mandona até 1924, ano do

seu falecimento. Natural de Missão Velha, d. Marica era filha 0 desbravamento da parte sul do município, ou seja, a

de João Manuel da Cruz - Joca da Gameleira -, que também era região de influência de dois importantes afluentes do rio Sal
pai dos seguintes: gado - os riachos de Antas e dos Cavalos - deu-se com a fixa­

- Amâncio João da Cruz (casado com a aurorense Maria de Jesus ção, ali, das famílias Santos e Saraiva, que, gradativamente,

36 37
foram-se mesclando com Fernandes, Feitosa, Macedo e Ribeiro sé Pereira, do sítio Várzea de Contas. Mulher de temperamento

Campos. De início, estabeleceram-se os Santos nos sítios An­ forte, tdrnou-se famosa, por ser mãe dos Paulinos: Antônio

tas e Taveira, na divisa com o município de Milagres, e os (1885-1942), João (1886-1927), Zim (José) (1888-...) e Fran­

Saraivas, no eixo Coxá/Diamante, terrenos estes encravados em cisco (1895-...).

áreas litigiosas. Com o correr do tempo, essas famílias foram crescendo

0 mais antigo do clã foi Manoel dos Santos, originá­ e se fixando nos lugares hoje denominados Antas, Espinheiro,

rio do baixo Jaguaribe, que chegou ao nosso município por vol Coxã, Diamante, Grossos, Baixa Verde, Volta, Patos, Carro Que

ta de 1830, assentando moradia no sítio Antas. Eram filhos de brado, Maracajã, Marimba, Canjica, Cabrito, Mocós, Santa Cruz,

Manoel dos Santos: José, João, Justino e Antônio, todos com Várzea Redonda e Pavão.

o sobrenome de Batista dos Santos. O de mais prestígio na família foi o "coronel" Cândi­

José Batista dos Santos, conhecido por "capitão" José do Ribeiro Campos (1861-1936), natural do sítio Antas, sendo

dos Santos, do Taveira, era natural do município de Aurora, filho do casal Matias Fernandes da Silva e Antônia da Encarna
onde nasceu em 1831 e faleceu em 1918. Casou-se com Severina ção Monteiro. Por ocasião de "qualificar-se" para tirar o tí­

Saraiva, natural de Cajazeira do Farias, havendo desse casa­ tulo de eleitor. Cândido achou de mudar o sobrenome, substi­

mento os seguintes filhos: José dos Santos Filho, João, Ma­ tuindo o Fernandes da Silva por Ribeiro Campos. Quanto ao pai

noel, Antônio (da Caneira), Raimundo e Raimunda, todos, exce­ Matias Fernandes, era pedreiro, tendo trabalhado na ampliação

to o primeiro, assinando com Saraiva dos Santos. Filhos de da igreja de Aurora, ocorrida em 1864.

João Saraiva dos Santos eram Francisco e Miguel Saraiva. Ao casar-se com Ana dos Santos, conhecida como Nani-

João Batista dos Santos, irmão do "capitão" José dos nha. Cândido Ribeiro instalou-se no sítio Martins, em terreno
Santos, também era natural das "Antas", onde faleceu em 1904, do tio João Monteiro. Em 1902, mudou-se para o sítio Pavão,
com a idade de 72 anos. Eram seus filhos: Agostinho, Saturni­ da Data de São Bento. Durante vários anos, foi encarregado da
no, Manoel, Joaquim e José Batista dos Santos, vulgo Zé <3a cobrança dos dízimos dos que ocupavam terras da Data de São

Bestinha. João Batista era pai das seguintes mulheres: Maria Bento, na época em poder do padre Cícero Romão Batista. Essa

Cota, que se casou três vezes, a primeira com Normando Feito— grande fazenda, que pertenceu ao Mosteiro de São Bento de
sa, procedente dos Inhamuns. Normando Feitosa fez a campanha Olinda, media três léguas de comprido por uma de largura, de
da Guerra do Paraguai, da qual participou como Alferes; Ana, um e outro lado do Rio Salgado, e estendia-se do riacho dos
que se casou com o agricultor Cândido Ribeiro Campos; Tereza, Mocós até o do Juiz.
casada com Manoel Raimundo, e Idalina, casada com Paulino Jo- Por força da amizade com o padre Cícero, Cândido Ri-

38 39
beiro conseguiu do mesmo o arrendamento do sitio Pavão, na

verdade, uma das melhores propriedades da região. Tanto assim

que a sua produção dava para atender, com sobra, ã manutenção


PRIMEIRAS RUAS DE AURORA
da família do patriarca, que, embora não fosse numerosa, esta

va sempre acrescida da parentes e aderentes, de maneira que,

diariamente, à mesa da casa grande sentavam-se, em mãdia, trin


A mais antiga foi a da Estrada, depois rua Grande,
ta pessoas. Na verdade, foi o sitio Pavão, durante muitos anos,
atual Coronel Xavier.
um dos maiores produtoras de cereais do município (milho, fedL
Esta rua começava no lado laete do Quadro da Matris
jão e arroz) , além de fumo e algodão. A criação de niunças
(ou simplesmente o Quadro), tendo como ponto de referência o
também era destaquei "seu" Cândido chegou a possuir mais de
beco que dava acesso para o Rio Salgado. Esta ara a parta bai­
duzentas cabeças, contando com ovinos, caprinos e suinos. Va­
xa, com poucas casas de um lado e outro da Estrada, cerca de
le salientar que, em 1904, ano de bom inverno, o Pavão apre­
oito casas, que se sucediam até o beco onde hoje se localiza
sentou a recordista colheita de trezentas cargas de milho e
a mercearia de José Bernardo. Dal para cima, casas esparsas
quinhentas quartas de arroz.
onde moravam o major José Leite de Figueiredo, Hermene-
O "coronel" Cândido Ribeiro ocupou cargos importantes
gildo de Sá Cavalcante, o ferreiro José Timóteo, os marchan­
em Aurora, desde suplente de juiz substituto, até prefeito mu
tes João Mariano e Antônio Grande, e, mais além, a do mestre
nicipal. Por força dos acontecimentos de dezembro da 1908,
Apolinário, que trabalhava da ferreiro e de pedreiro.
3ue culminaram com a deposição do Intendente Antônio Leite
No trecho inicial, a partir da casa de Vicente Ribei­
Teixeira Netto, o "coronel" Cândido foi quem substituiu aque­
ro, estavam localizadas as casas de Caboclo Leite (Sebastião
le, na Intendência Municipal de Aurora.
Leite Teixeira), de Antônio Pereira Lobo e o Café da Sabina.
No lado leste do Quadro, na mesma linha da rua da Es­

trada, as casas existentes eram as de Firmino Leite, Cune-

gundes Leite, Augusto Macedo - nesta morou posteriormente Jo­

sé Gonçalves Leite, quando se casou - e as de Justino Alves

Feitosa e José Gonçalves Ferreira.


No lado norte do Quadro, encontravam-se as casas de

José Gonçalves Saburá e de Luiz Gonçalves Maciel - esta tendo

pertencido ao sogro José Rabelo, antigo sacristão do Mons.

40 41
• Vicente Pinto Teixeira; as de Antônio Leite Gonçalves, Barna-
Voltemos ao Quadro. Com vista para o nascente, ao la­
bé Leite Teixeira (o antigo), Joaquim Gonçalves Ferreira (Joa
do da Matriz, -da qual é separado por um beco, ergue-se o so­
. quim Miguel) e Vicente Bernardo. Ai existia um beco que dava
brado mandado edificar pelo Cel. Xavier, tendo sido o primei­
acesso ã rua do Comércio, conhecido como Beco da Teimarinda.
ro prédio construido em Aurora. Neste sobrado residiram, su­
ApÓB o beco, que foi alargado, havia as residências de Antô­
cessivamente, os srs. Cazuza Clemente e Paulo Gonçalves.
nio Leite Teixeira Neto (Totonho do Monte Alegre) , na qual
Anos depois, instalou-se ali o sr. Napoleão Quesado, com o
residência morou posteriormente o filho Vicente Leite de Ma­

cedo, de Manoel Leite de Oliveira (Né Leite) , do padre Vicen­ Cartório. Por algum tempo, a Prefeitura ocupou o andar supe­

te Augusto Bezerra e mais uma casa de pessoa da família Al­ rior, e em baixo funcionaram as Escolas Reunidas. No mesmo

ves. quarteirão localizavam-se as residências do comerciante Sebas^

No sul do Quadro, os prédios então existentes eram o tião Alves e dos herdeiros do finado Manoel Joaquim Carneiro.

de Cândido Ribeiro Campos, o do quartel do destacamento de Tempo depois, esta casa foi adquirida e reformada por Gregó-

policia e cadeia, o do Cartório - este foi incendiado por oca rio Gonçalves e sua irmã Maria Gonçalves. A da esquina, no ãn

sião do ataque de 1908 -, as casas de Silvino Macêdo, José guio formado pelo beco, era uma das casas mais antigas de Au­

Soares de Albuquerque, Antônio Pinto, João Coelho e de João rora, que pertenceu, primeiramente, a Manoel Homem de Figuei­

Paulino dos Santos, a qual casa, apôs a morte do dono, foi redo, passando depois a pertencer a Manoel Teixeira Leite. A

vendida pela viúva Tapuia, e a de Joaquim Alves, que foi toma casa em apreço era onde se hospedava o padre Agostinho FerreáL

da pelo Estado em pagamento de um débito fiscal, tendo sido ra, quando vinha "curar" a paróquia. Nela residiu, por algum

posteriormente demolida para no local ser construida a Cole- tempo, a sra. Amélia de Alencar Araripe, e ali nasceu Jaime

toria Estadual. Seguiam-se as residências do padre José Gon­ Alencar Araripe, que chegou a desembargador, na Corte de Jus­

çalves e de Joaquim Antônio Gonçalves. tiça do Ceará. Até há pouco tempo, foi sede da agência do

Prosseguindo pelo lado direito da Matriz e entrando Correio. Foi demolida recentemente, para alargamento do beco.

pelo beco - atual rua São Vicente - iamos encontrar duas ca­ A rua do Comércio mudou de nome várias vezes. Primi­

sinhas baixas e escuras, onde moravam as beatas Donana Carnei^ tivamente, foi batizada de rua Nova, e depois, das Flores.

ro e Nininha (Ana Saburá) . As duas casinhas eram de taipa, co Não faz muito tempo, chamou-se Santos Dumont, tendo sido, re­

bertas de telhas, e foram demolidas para dar lugar à Casa Pa­ centemente, rebatizada de pref. Antônio Landim de Macedo. Ne­

roquial. As casas seguintes, da rua São Vicente, pertenciam la havia poucas casas, quase todas de taipa, isso até o final

a João Batista Neto (João Cândido), José Ribeiro Campos, João do século passado. Com o passar do tempo, foram sendo substi­

Cândido (Preto) e Justino Alves Feitosa. tuídas por construções de alvenaria de tijolos, cobertas de

42 43
telhai. Na primeira década deate aéoulo, aa casas exietentea
onde Be vendiam cereais e "variedades", ficavam o quarto de
eram de "Major" Torquato Gonçalves, Cícero Calixto, Alexan­
José Lourenço, o de Francisco Torres, e as bancas de Antônio
dre Correia e Manoel Teixeira Leite, na qual oaaa morou o gan
Duarte (artigos de couro) e de José Romeiro (José Quirino),
ro Antônio Landim da Macedo, todaa olhando para o naacente.
vendedor de miudezas, raizes e temperos.
Maia adiante, localizavam-ae caaaa pertencentea a Joaquim Gon
A parte externa do mercado formava um quadrilátero
çalvaa, Moiaéa Vilela e Firmino Valdevino Leite.
com vários quartos, onde funcionavam lojas, cafés e bodegas.
Quanto ao Mercado Público, façamos uma descrição à
Pelo lado da Santos Dumont, a começar do beco, ficavam a loja
parte. Com duaa frentes - uma para a rua Santos Dumont e ou­
de Cícero José do Nascimento (Cícero Cecé), as bodegas de Ca­
tra para a Cel. Xavier - erguia-ae o, velho mercado, que poa-
zuza Gregório, de João Sabino, e, na esquina, ao norte, a far
aula vários quartos onde negociavam pequenos comerciantes. Ha
mãcia de Edson Zinet. Dal, pelo lado norte, localizavam-se o
via um setor para venda de carnes, e outro com pequenas barra
Café de Maria Gabino, a mercearia de Mundoca França, a loja
caa onde eram vendidos cereais, frutas e "variedades".
de sapatos de Tonheta França e a bodega de Zeca Tavares. No
Na ala que dava para a rua Santos Dumont, localiza­
lado sul, ficavam a garapeira de Sinhô Arruda, a oficina de
vam-se as lojas de Sebastão Alves Pereira e Antônio Leite de
artesanato de couro pertencente a Antônio Duarte, a bodega de
Oliveira, iaso no começo do presente século. Continuando, na
Manoel Gregório e a citada loja de Cícero Cecé:
mesma rua ficavam as antigas casas de Antônio Leite Gonçalves
Na gestão do prefeito Antônio Vicente de Macedo (Cel.) ,
e de José do Valle Júnior. Bate, em 1902, mantinha ali uma es,
o mercado recebeu a terceira e substancial reforma.
cola de primeiras letras e era escrivão da coletoria esta­
Nos anos 40, a rua Santos Dumont ou rua do Comércio
dual, sendo coletor Manuel Antônio Leite de Macedo.
sediava os principais estabelecimentos comerciais da cidade.
O referido mercado passou por três reformas. A primei
De frente para o leste, descendo, contavam-se os seguintes es
ra foi ralizada em 1942, no tempo em que foi prefeito biôni­
tabelecimentos: lojas de tecidos de Solon Alves e de Vicente
co o sr. Raimundo Raul C. Lima.(16)
Gonçalves; a padaria de Antônio Padeiro (AntOnio Leandro), a
Em 1948, o prefeito Antônio Jaime Araripe procedeu ã
quem sucedeu José Leite Teixeira; na esquina, ao lado, a far­
segunda reforma, que, na verdade, foi conclusão da anterior.
mácia de Barbosa Lima; continuando, encontravam-se a loja de
Após essa reconstrução, a situação do mercado ficou assimi
tecidos de Sebastião Alves, o bar de Elvira Sã, a loja de João
o setor norte ficou reservado ã venda de carnes, cujas ban­
Leite e a de Vicente Tavares; a partir do beco, íamos encon­
cas eram de João Aleijado, Antônio Grande - depois Beu filho
trar as casas de residência de Antônio Macedo e de Joaquim de
Mandu -, Cícero das Cobras e Joaquim Pisco. No outro setor,
Lira, o bazar de Cícero Calixto, que tinha de tudo um pouco,

44
45
da ferragem ao tecido, do papel ao livro didático; o bar de ocupar os espaços da Boulevard Joaquim Távora,a saber: o pré­
Júlio Carvalho e a Casa Pernambucana. dio da usina de beneficiamento de algodão da Exportadora Cea­
A atual avenida Antônio Ricardo, que, primitivamente, rense, a casa ào gerente da mesma (Augusto Jucá), a da usina
se chamou senador Epitácio Pessoa, mudado, tempo depois, para elétrica de Antônio Pinto, a casa de Emídio Cabral - esta foi
Bouvelard Joaquim Távora, praticamente não existia, no come­ adquirida por José Gonçalves Leite, que nela passou a resi­
ço deste século. Começou a se desenvolver a partir de 1918, dir -, a do Correio, a de Ana Tavares de Aquino, a da profes­
quando estavam construindo a estrada de ferro. Até 1918, as sora Nazaré Brígido, a de Vicente Pereira e a pensão de Toi-
casas existentes naquela rua eram as de José do Valle Júnior nha Rodrigues. A última das casas citadas foi demolida para,
(Tabelião e professor primário), de Nenenzinha Alves, Solon no local, ser construído o Colégio Paroquial.
Alves e a de um cidadão de Várzea-Alegre, casa esta que foi

adquirida e demolida por Paulo Gonçalves, para no local cons­

truir a sua residência. Por essa época, construíram ali as

suas residncias os srs. José Soares e Antônio Pinto - antes

moravam no Quadro - e o mestre Francisco Torres.

Próximo da estação da R.V.C., o sr. Cândido Ribeiro,

que antes morava no Quadro, fez construir uma casa que tinha

dezesseis quartos e que, por vários anos, serviu de hospeda­

gem para as pessoas que vinham da região sul (Barro, Milagres,

Brejo dos Santos e Missão Velha) , para apanhar o trem em Au­


rora, em demanda ã Capital do Estado.
Defronte ã casa do sr. Cândido e a poucos metros da

estação ferroviária, foi construído um prédio - de linhas ar­

rojadas para a época - que serviu de residência para os enge­

nheiros da estrada de ferro. Durante anos, foi a construção

mais imponente de Aurora. Alí residiram os engenheiros Barre­

to, Plínio Pompeu, Paleta, Feijó, Urbano de Almeida e Guedes


Martins.

Durante a década de vinte, várias cosntruções vieram

46 47
Guarda Nacional - localizou-se, inicialmente, na antiga rua

das Flores ou do Comércio, numa ala do velho mercado público,

de onde se mudou, anos depois, para a rua Coronel Xavier. Por

5. 0 COMÉRCIO: APOGEU E DECLÍNIO esse tempo, teve como sócio o genro Paulo Gonçalves. Pouco de

Antigos Negociantes - Meios de T ran sp orte pois de 1930, transferiu o estabelecimento para a rua Santos

Dumont, onde permaneceu até 1948, ano do seu falecimento.

A loja dividia-se em duas seções: a de tecidos, cha­

De pouca expressão, o comércio de Aurora, no inicio péus e calçados, e a de secos e molhados. Na primeira, havia

deste século. Limitava-se a duas lojas de tecidos, uma dezena fazendas para todos os gostos e posses: casimiras, linhos,

de mercearias ou bodegas, onde se vendiam estivas, cereais brancos e cáqui (o famoso Rock-smith), sedas, voiles, brim

e bebidas, duas boticas, uma alfaiataria e meia dúzia de ca­ Jofre, cáqui Floriano, mescla Jangada, riscado Ceará, chitas,

fés. murim e alpaca; calçados para homens e senhoras, chapéus de

0 mercado se chamava "arapuca" , um barracão onde os palhinha e de massa, das marcas Prado e Ramenzoni. Na seção

marchantes Antônio Grande, João Aleijado e Joaquim Pisco ti­ de secos e molhados, o freguês podia comprar desde louça chi­

nham bancas de vender carne. Dentro da "arapuca" havia umas nesa à bacia de agath, dos vinhos Ramos Pinto e Pedro II ã

barracas onde se vendiam frutas e "variedades". cerveja Bock-Ale.

0 mais antigo negociante, na verdadeira expressão do

termo, foi Sebastião Alves Pereira (1866-1948). Nasceu no lu­ Até 1920 - ano de inauguração da estrada de ferro -,

gar Serra do Mato, município de Missão Velha, procedente de eram muito precários os meios de transporte entre o sul e o

uma família de agricultores, tendo sido seus pais Manuel Rai­ norte do Estado. Viajar, naqueles tempos, era um sacrifício.

mundo Alves Pereira e Maria Joaquina de Santana. .Trazido para Viajava-se a cavalo, por caminhos que não tinham mais do que

a povoação da Venda, quando tinha apenas onze anos, trabalhou dois metros de largura. Num livro sobre estradas antigas, o

com o pai na agricultura, no sítio Várzea do Meio, região da historiador paraibano Sabiniano Maia descreveu, assim, uma

Caiçara, perto do Rio Salgado. Logo cedo, iniciou-se no comér viagem com animais de carga, em meados do século 18: "Os ani­

cio, trabalhando na pequena loja de Manuel Leite de Oliveira, mais marchavam um atrás do outro, sendo que o da frente, cha­

de quem adquiriu o negócio, por volta de 1890. De grande tino mado de guia, devia trazer ao pescoço uma campa. Isso evita­

comercial, conseguiu, em poucos anos, desenvolver a sua casa va que os animais andassem emparelhados, abalroando a carga
comercial, que chegou a ser uma das mais afamadas da região. com os arvoredos da beira do caminho, tal a estreiteza deste,
A loja do Major Sebasto - ele tinha essa patente da enquanto que o toque da campa do guia evitava o impasse do en

48 49
I
contro de duas tropas, em sentido contrário, numa curva fe­ tempo, em que tudo era atraso, muito concorreram para o desen

chada ". volvimento da cidade. Considerando a precariedade dos trans­

As mercadorias eram transportadas, ora em carros de portes daquele tempo, Sebastião Alves foi um dos propulsores

boi, ora em costas de animais, sendo acoridicionadas em sur- do progresso de Aurora, dada a iniciativa de manter uma loja

rões de couro e cangalhas de albarda. Os produtos exportáveis com tão variado acervo de mercadorias. Para ir â Fortaleza,

eram algodão, fumo e rapadura, que eram vendidos nas praças viajava a cavalo, fazendo-se acompanhar de dois comboieiros,

de Icó, Russas e Aracati. Dentre os antigos vendedores desses a tanger os burros carregados de sacos de algodão e rolos de

produtos, destacaram-se os seguintes: Antônio Leite Teixeira fumo, que Major Sebasto vendia em Quixadã e na capital cearen

Netto, que levava para vender em Fortaleza, ã firma Leite Bar se. Em suas primeiras viagens, tomava o trem na estação de

bosa, a pluma produzida em sua bolandeira; Justino Feitosa, Canoa, hoje Aracoiaba. A medida que os trilhos avançavam na

que também possuía bolandeira, levava idêntico produto para direção sul do Estado, foram diminuindo as caminhadas a cava­

vender em Aracati, que era porto movimentado, onde atracavam n a lo. Passou a apanhar o trem em Quixadã e, depois, em Senador

vios ingleses; Antônio Leite Gonçalves, que comercializava o Pompeu, nesta a partir de julho de 1900. A partir de 1910, em

fumo produzido em suas terras, bem como o que lhe vinham ven­ barcava na estação de Iguatu. Na viagem de regresso, os ani­

der os lavradores de Aurora e até de outros municípios. Condu mais de Major Sebasto vinham carregados daquelas mercadorias

zia o produto para Aracati, vendendo-o ã firma Costa Lima 6 necessárias ao sortimento da sua loja.

Myrtil, especialista na compra de fumo e algodão para os in­ Um acontecimento da maior significação para o municí­

gleses. Outros exportadores foram Joaquim Bernardo de Albu­ pio foi a inauguração, em meio ã grande festa, da estação da

querque e Joaquim Moreira, que, na década de 20, levavam fumo estrada de ferro, no dia 7 de setembro de 1 9 2 o .

para vender em Russas, Limoeiro e Aracati. Antônio Pereira Lo Com as pontas dos trilhos em Aurora, o comércio tomou

bo levava aguardente para vender naquelas cidades. No regres^ notável impulso, para o que concorreu também a instalação,

so, esses negociantes traziam querosene e sál, produtos que nos anos 20, de duas usinas de beneficiamento de algodão, sen

faltavam em Aurora. Vicente Leite de Macedo negociava com ga­ do uma de Paulo Gonçalves Ferreira e outra da Exportadora Cea

do e algodão. No interior do Piauí, comprava "partidas" de no rense. Teve início, então, a fase de apogeu do comércio auro-

vilhotes e bois de ano, que eram soltos nos campos do Bordão rense, que passou a contar com nove lojas de tecidos, uma lo­

de Velho e adjacências, para "reformarem" e serem vendidos na ja de calçados, várias mercearias, dois bazares de miudezas

Paraíba (Campina Grande e Capital) . e ferragens, uma livraria/papelaria, duas farmácias, duas pa­

Mais do que em outras épocas, os comerciantes daquele darias, duas alfaiatarias, um pequeno salão de barbeiro, dois

50 51

I
hotéis, vuna ferraria/funilaria, uma carpintaria e um curtume,

que usava cinza e cascas de angico^, para beneficiamento das


peles de animais.

A feira, como hoje, se realizava aos sábados. Antiga­


6. AURORA, 1908: ATAQUE, INVASA0 E SAQUE
mente, ela ocupava um trecho da rua Coronel Xavier, conhecida
INTRODUÇÃO
como feira da rapadura, e a travessa que hoje tem o nome de
Marçal Pinto, onde eram vendidos feijão e farinha. Na rua San

tos Dumont, eram colocadas as bancas de missangas, miudezas,


Quem quer que se disponha a escrever sobre o passado
artigos de artesanato, etc. Naquele tempo, uma rapadura custa
histórico de Aurora, necessariamente terã que se reportar aos
va $ 100 e uma cerveja $ 800.
trágicos acontecimentos de dezembro de 1908, quando o "major"
Na época da comercialização do algodão. Aurora pare-

cia uma
„festa", com tropas de burros transportando o produto
José Inácio de Souza, vulgarmente conhecido como Zé Inácio do

Barro, chefiando um verdadeiro exército de cangaceiros - cer­


para as usinas, e estas injetando dinheiro no comércio vare­
ca de seiscentos -, ocupou a vila e depôs o chefe situacionis^
jista. Os agricultores recebiam o dinheiro das vendas do algo
ta, "coronel" Antônio Leite Teixeira Netto.
dao e se abasteciam, no comércio local, dos mais variados ar­
Ao comentar o clima social e político do Cariri cea­
tigos: da mescla Jangada ao linho irlandês, da chita ã seda
rense, tomando por base o ano de 1901, o escritor Irineu Pi­
ramona, do calçado qq pó de arroz. Esta fase de relativa pro£
nheiro assegura que era "agitadíssima a política sul cearen­
per idade durou cerca de quaténta anos. O comércio de Aurora,
se, especialmente a do Cariri propriamente dito, seguindo-se
que era bastante ativo, começou a declinar nos anos setenta,
umas às outras, entre elementos do mesmo partido, o governis
quando ocorreu o fechamento das usinas, vindo depois a desati^
. - (19)
vação dos trens da Rede de Viação Cearense. O forte da agri­ ta, inúmeras lutas armadas".

cultura era o algodão, mas foi dizimado pela praga do "bicu­ "No Cearã, como em outras unidades federativas, o su­

do . Começou, então, o desemprego, e muitos aurorenses emigra^ premo poder político concretizava-se na pessoa do chefe do

ram para o sul do pais e para a capital do Estado. partido situacionista. O próprio presidente do estado nada f a

zia em desacordo com ele. No que concerne ao Cariri, os che­

fes municipais eram, na verdade, umas espécies de senhores feu

dais que prestavam homenagem política, em Fortaleza, ao chefe

do partido a que pertenciam. Nos municípios sul cearenses, os

negociantes, os donos de sítios, os fazendeiros, excetuados

52
53
poucos, auxiliavam, incondicionalmente, com seus parentes e dor vitorioso.

amigos, os mandões locais, não sõ nas eleições, mas também Analisando o quadro sócio-político da época, escreveu

nas lutas armadas". ,20) 0 fato é que, não se podendo fazer pe Joaryvar Macedo: "Ã época em que, no Ceará, se instalou a ol_i
i
lo voto, num tempo em que as eleições eram a "bico de pena", garquia aciolina, os municípios cearenses, como, de resto, os

por força dos entrechoques de interesses pessoais, as mudan­ do Nordeste, não passavam de valhacoutos de cangaceiros, onde

ças de chefias municipais eram feitas "ao fragor das balas o prestígio dos chefes, geralmente rudes e protetores de ban­

dos bacamartes e trabucos". Assim sendo, era com esse deside- didos, dependia da cangaceirada de que dispunham. Foi quando,

rato que os coronéis de fazenda armavam de rifles e bacamar­ no sul do Ceará, recrudesceu o banditismo, atingindo a sua fa

tes os cabras que habitavam nas suas terras, na condição de se apoteótica, com o mais visível prejuízo do progresso de
(21 )
moradores ou agregados, ou contratavam cangaceiros profissio­ muitas de nossas comunas". '

nais, como fizeram os "coronéis" Antônio Joaquim de Santana e Prossegue Joaryvar Macedo: "Naquela quadra tenebrosa
José Inãcio de Sousa, responsáveis pela deposição, a bala, em de nossa história, era a terra o sertão das deflagrações san­

1901, do seu correligionário Antônio Róseo Jamacaru, e em grentas e das surpresas dolorosas; sertão esquadrinhado dos

1908, do chefe situacionista de Aurora, Antônio Leite Teixei­ espíritos turbulentos e infestado de elementos exaltados;
ra Netto. A ambição maior era a conquista do poder municipal, sertão de assaltos e conflitos, pondo em desassossego a popu­

e, movidos por essa ambição, brigavam entre si os correligio­ lação; sertão do troar do famoso bacamarte e do pestanejar da

nários do mesmo partido dominante, naquele momento. lâmina do punhal; sertão das emboscadas sinistras e do desre^

Em Aurora, foi exemplo dessas brigas a do "Coronel" peito à propriedade alheia; sertão de bandidos e
de coitei-
- * (22 )
Antônio Leite Teixeira Netto, conhecido como Totonho do Monte ros; sertão sem polícia, sem justiça e sem autoridade".
Alegre, com d. Marica Macedo (Maria da Soledade Landim) , que Na região sul do Ceará, como, de resto, nos sertões
apoiavam a mesma facção, no âmbito estadual. do Nordeste, imperava o primitivismo político e a prepotência dos

A época dos acontecimentos que vitimaram a então Vila chefes locais. Era o tempo do mandonismo, em que tais chefes pro

de Aurora, o Ceará vivia sob o jugo oligárquico do comendador curavam resolver as questões de toda natureza através do po­

Antônio Pinto Nogueira Aciõli, instalado no poder desde 1896. der das armas, para eles o poder que realmente prevalecia.

Ê certo que Nogueira Aciõli prestigiava os detentores de che­ Ao analisar o comportamento de chefes do cangaço, co­

fias municipais, mas quando qualquer deles era derrubado pela mo Antônio Silvino, Lampião e Sinhô Pereira - os dois primei­
força das armas, o oligarca, que foi apelidado de Babaquara, ros favorecidos, algumas vezes, com acoitamento por Antônio

dada a sua fraqueza de caráter, passava a dar apoio ao conten Joaquim de Santana, do Cariri cearense, e o terceiro, aliado

54 55
do "major" José Inácio, do Barro - o historiador Frederico matar e roubar representam as maiores violações da lei penal,
Pernambucano de Melo, em seu livro "Guerreiros do Sol", afir­ podemos concluir que os cangaceiros representavam a total ne­
mou: "há que se mencionar a formação de alianças entre chefes gação da ordem e da lei.
de cangaceiros e chefes políticos, valendo salientar que esse Quanto às formas de cangaço, adotamos a classificação
relacionamento não estabelecia vínculo de subordinação para feita pelo citado historiador pernambucano, cingindo-nos ãs
qualquer das partes". Mais adiante, ele acrescentou: "O que duas modalidades que nos pareceram de maior freqüência no Nor
prosperava era uma tradição de simbiose entre as figuras do deste, quiçá no sul do Ceará: o cangaço meio-de-vida, ou pro­
cangaceiro e do coronel, representada por gestos de constan­ fissional, e o cangaço de vingança. Esta modalidade, em que
te auxílio recíproco". "Por força dessas alianças, não poucas a ação dos seus militantes se voltava basicamente para o ob­
vezes o bando se colocava a serviço do fazendeiro ou chefe po jetivo de vingança, foi de ocorrência menos freqüente. 0 can­
lítico". gaço meio-de-vida, de surtos endêmicos no Cariri, foi tipo de
Em seu estudo acerca da origem do cangaço, o citado maior freqüência, praticado por aqueles que o adotaram como
escritor esclarece que o fenômeno encontrou habitat natural meio de superar os problemas de sobrevivência, para uns, e de
na região serteneja do Nordeste, estando presentes fatores de ascensão sócio-econômica, para outros. Foi o banditismo de
desorganização social, tais como revoluções, disputas locais, profissão, com aspirações de ganhos materiais ou notoriedade,
agitações de fundo místico ou político ou social, lutas de fa que teve em Antônio Silvino e Lampião os seus maiores repre­
mílias e as longas estiagens causadoras de ociosidade ou de­ sentantes.
semprego. (24) Acrescente-se a isso a impunidade que, e m rela­ Os moradores ou agregados eram, na realidade, dabras
ção ao banditismo, campeava no Nordeste, particularmente no ou guarda-costas dos seus patrões, desempenhando, quase sem­
sul do Ceará.
pre, mandados de ordem defensiva. 0 agregado, pela ocupação
Por oportuno, trazemos algumas noções que considera­ da terra, pagava ao patrão com auxílio de seu braço e de sua
mos necessárias para melhor entendimento do fenômeno cangaço, arma, quando chamado a defendê-lo. Na opinião do escritor
que é muito falado, mas pouco conhecido. Podemos defini—lo Ariano Suassuna, não raro o cabra é o morador, mas o perfil
como sendo a atividade específica dos bandoleiros, que, durari deste - desempenhando, quase sempre, mandado de ordem defen­
te várias décadas, infestaram os sertões do Nordeste, rouban­ siva - evoluiu para o jagunço ao executar mandados de ordem
do, matando e seqüestrando, enfim, trazendo o desassossego as ofensiva.
populações sertanejas, Uma atividade em que prevalecia a vio­ O historiador Frederico P. de Melo faz distinção entre
lência, cuja marca registrada eram a morte e a rapina. Como o jagunço.e o cabra. Agrupado em exército particular e tendo

57
escolhido o ofício das armas como meio de vida, o jagunço é z a f Raimundo Cardoso dos Santos, padre Augusto Barbosa de Me­

um cangaceiro, só que se inclui na categoria do cangaço subor nezes, Gustavo Correia Lima e Cândido Ribeiro Campos.

dinado. Segundo o citado autor, a característica principal do Sendo um documento em que o seu idealizador. Padre Cí

cangaceiro é a ausência de patrão. No mais, o jagunço se con­ cero, procurou "firmar seu prestígio junto à oligarquia dos

funde com o cangaceiro, entendido que a ação de ambos envolve Aciolys", o famigerado pacto, entre outros artigos, continha

violência. Só que, quanto ao segundo, a violência é insidio- os seguintes:

sa. A ação do cangaceiro pressupõe maldade e torpeza, o que "Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual

não é comum ocorrer com o jagunço. O capanga e o cabra atua­ for a hipótese".

vam mais comumente na esfera municipal, enquanto o jagunço "Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, ter­

chegou mesmo a ser empregado em movimentos de plano estadual, minará por completo a proteção a cangaceiros..."

como o que ocorreu em 1914, no Cearã, depondo o governo cons­ Observe o leitor o quanto havia de incoerente no citado convê­

tituído do coronel Franco Rabeloi2®* No caso específico de Au nio: os "coronéis" assumiram o compromisso de que nenhum che­

rora, atacada que foi por elementos de outros municípios, eles fe devia depor•outro chefe, somente depois que por eles ti­

eram jagunços e cangaceiros, não se sabendo qual dos dois ti­ nham sido depostos, de 1901 a 1909, os intendentes de se.te

pos foi o que predominou. municípios, inclusive o de Aurora.

Como sabemos, o município de Aurora está encravado na Pelo exposto, o leitor pode fa?er idéia da força e do

Par^e sul do estado do Ceará, uma região onde recrudescia o poder que possuía o Padre Cícero, a cujo aceno prestava obe­

banditismo, cuja fase apoteótica foi atingida quando o Padre diência imediata todo o Juazeiro e redondezas, e cuja influên

Cícero Romão Batista reuniu todos os prefeitos, presidentes cia se fazia sentir por dezenas de léguas em derredor. Sem

de Câmaras e demais chefes eleitorais da região, em número de aquiescência do "Patriarca", não se movia uma palha, no âmbi­

dezessete, para assinatura de um curioso "pacto da paz", que to dos seus domínios.

ficou conhecido como "pacto dos coronéis". O interessante nes "Em termos mais precisos, a influência e dominação do

sa historia, é verificarmos que, aa lista» dos que assinaram o Padre Cícero, através de tantos outros chefes políticos subor

referido pacto, no dia 4 de outubro de 1911, isto é, três dinados a ele, se lançava sobre os municípios de Missão Ve­

anos após o ataque ã Aurora, constam os nomes de oito "Coro- lha, Crato, Araripe, Jardim, Santana do Cariri, Assaré, Vár­

neis“, dentre os dez que forneceram armas e jagunços para o re zea Alegre, Campos Sales, Caririaçu, AURORA, Milagres, Portei^

ferido ataque, a saber: Antônio Joaquim de Santana, João Rai­ cas, Lavras, Barbalha, Quixará e Brejo dos Santos".

mundo de Macedo, Domingos Leite Furtado, José Inácio de Sou- Aurora estava cercada de maua vizinhos: no Barro, in^

58 59

se tornaram inimigos, sendo que a malquerença mais se agra­


talara-se o quartel-mestre do "major" José Inácio; em Milagres,
vou, pelo fato de que, ao serem convocados por Totonho Leite,
pontificava Domingos Furtado, chefe político de grande prestí^ |
os filhos de d. Marica foram por ela exortados a não se ali­
gio; em Missão Velha, se agitava o valhacôttto de Antônio Joa­
nharem com ele, no empenho de derrubar Leite de Oliveira. Es­
quim de Santana; em São Pedro do Cariri, o Padre Augusto Bar­
te, por sinal, tinha uma irmã casada com José Francisco de
bosa combinava dois papéis antagônicos: o de sacerdote com o
Sales Landim, irmão de d. Marica.
de chefe de capangas; nas Lavras de Gustavo Correia Lima, o
Em seu livro, Vad/ts. (UxieAO - U ito e. RtuJLidade., dissertando
cenário não era diferente. Aurora estava, assim, dentro de
sobre a Questão de 8, Otacílio Anselmo escreveu o seguinte:
um círculo de ferro e fogo. Como escreveu Joaryvar Macedo:
"O município de Aurora limitava-se com o de Milagres
"Dentro desse cenário cruento, nenhuma vila ou cidade da re­
no sitio Taveira. Ali viviam os Santos, que- pertenciam ao
gião foi mais sacrificada do que Aurora, bastando relembrar
rebanho eleitoral do "Cel." Domingos Furtado. Bafejados pelo
alguns de uma série de trágicos acontecimentos".
poderoso chefe de Milagres, tais indivíduos tentavam constan­

temente apoderar-se de terrenos de fazendeiros de Aurora, pra

ticando, além disso, espancamentos e arrombamentos de açudes,


ANTECEDENTES
conforme declarações de Gustavo Barroso ã Gazeta de Notícias,
do Rio de Janeiro".
Em 1908, exercia a Intendência Municipal de Aurora 6
Havia certa ambição do Padre Cícero sobre as terras
coronel" Antônio Leite Teixeira Netto (1858— 1918) , que havia
do Coxá, cuja demarcação estava sendo conduzida por dr. Floro
substituído o seu sobrinho Antônio Leite de Oliveira, grande
Bartolomeu da Costa, procurador e advogado do padre, ante a
amigo de José Antônio de Macedo, finado marido de d. Maria da
perspectiva de exploração da jazida de cobre. Em nome do Pe.
Soledade Landim, que residia no Tipi, onde se tornara políti­
Cícero, chefiando um grupo de jagunços, dr. Floro jã havia se
ca de grande influência.
apoderado de uma ãrea de 600 braças, ou seja, a parte onde fi^
Até então, d. Marica Macedo, como era conhecida a
cava a mina. Foi logo depois desse apossamento que chegou ao
proprietária do Tipi, e o "Cel." Totonho Leite eram correli­
riacho das Antas, vinda do Recife, uma comissão de engenhei­
gionários no âmbito estadual, de vez que apoiavam a mesma fac
ros chefiada pelo dr. Frochot, cuja incumbência era reconhe­
ção política, que era a de Nogueira Aciõli, presidente do Es­
cer e negociar os terrenos, fazendo parte dessa comissão o
tado. A nível municipal, eram adversários, pois havia dispu­
"Conde" Adolfo Van den Brule, que era agrimensor.
ta pela chefia do município. Por motivo da derrubada de Antô­
Conduzindo para o local o juiz da comarca de Barba-
nio Leite de Oliveira, da intendência do município, aqueles

61
60
lha, dr. Gomes de Matos, dr. Floro conseguiu que fosse reali­ mento de que fora vítima um correligionário do "Cel." Toto­

zada a singular "audiência de demarcação", para garantia da nho, de nome José Gonçalves Pescoço, praticado por dois fi­

qual o "n\ajor" José Inácio esteve presente com uns cinqüenta lhos de d. Idalina dos Santos, cunhada de "Seu" Cândido do Pa

cangaceiros. O restante do trabalho - medição e colocação dos vão, revidando agressão sofrida tempos atrás. Ante a queixa

marcos - ficou a cargo do agrimensor Adolfo, e assim que fos­ apresentada por Gonçalves Pescoço, o delegado Róseo Torquato

se concluído o trabalho deste, a "demarcação" seria levada ao fez o processo e tratou de prender os Paulinos. O "Cel." Do­

Juiz para "homologação". Nesse ínterim, Antônio Joaquim de mingos Furtado, de Milagres, veio em auxílio do "Cel." Cândi­

Santana e Domingos Furtado irrompem subitamente na questão pa do, que transferiu os sobrinhos para o Sítio Taveira, onde o

ra rebater os marcos do Coxá. A demarcação do Coxá, feita "Cel." Domingos os garantiria.

assim de maneira facciosa, abateu-se como verdadeiro esbulho

sobre os proprietários daquelas terras, que eram de Aurora

As autoridades de Aurora, que eram Antônio Leite Tei­ O Fogo dO Taveira

xeira Netto (Intendente Municipal), Manuel Gonçalves Ferrei­

ra (lo suplente de Juiz) e Róseo Torquato Gonçalves (Delega­ Em dezembro de 1908, observou-se movimentação de ja­

do) , e que já faziam plano de cercar o Taveira, tendo em vis­ gunços na faixa Taveira/Coxã, em vista do trabalho de "demar­

ta a prática, por pessoas dali, de agressões, ora ãs pessoas, cação" coordenado por dr. Floro Bartolomeu. Por esse tempo,

ora ao patrimônio de correligionários do "Cel." Totonho - re­ correram rumores de que os homens reunidos no Taveira prepara

pita-se, essas autoridades não tinham mais o que esperar, dian vam-se para atacar Aurora, ém represália ã ofensa causada a

te do esbulho causado pela "demarcação" do Coxá. Além disso, Joaquim dos Santos. As autoridades da vila foram avisadas. Ma
devemos considerar dois incidentes de natureza pessoal, envol nuel Gonçalves chamou Róseo Torquato e lhe disser "Antes que
vendo pessoas "ligadas" ao "Cel." Cândido Ribeiro Campos, vul^ eles venham tomar o café aqui, vamos tomar lá”. Tempos atrás,
go Cândido do Pavão. dada a incômoda intromissão de Domingos Furtado nos assuntos

0 primeiro foi o ataque ao sítio Pavão, empreendido de Aurora, Manuel Gonçalves lhe havia enviado um bilhete em

pelo Delegado de Aurora e pelo lo suplente de Juiz, acima re­ que dizia; "Domingos:, Veja o erro que está cometendo. Tire o
feridos, cumprindo diligência de que resultou a prisão de Joa paninho dos olhos, para enxergar que Aurora é dos Leites e
quim dos Santos, pessoa influente da família Santos. Este in- dos Gonçalves". Domingos ficou irritado.
(32)
cidente acirrou o ôdio dos inimigos (Santos e Paulinos). O número de capangas a serviço de Totonho Leite era
O outro incidente - este mais grave - foi o espanca- insignificante. Sem um número suficiente de guarda-costas com

62 63
1

os quais pudesse enfrentar um inimigo que se sabia ser extra­ Conquanto o número dos que estavam no Taveira fosse

ordinariamente forte, Teixeira Netto pediu e conseguiu do pre inferior ao dos atacantes, ali havia farta munição. A diligên­

sidente Nogueira Acioli a vinda dos destacamentos policiais cia que saiba de Aurora tinha, como dissemos, setenta homens,

de Iguatu e Lavras, num total de 62 praças, sob o comarido do mas pouca munição, que logo se esgotou. Avisado do conflito,

tenente Florêncio. A pretensão do "Cel." Totonho era capturar, Zé Inácio partiu para o Taveira, conduzindo cerca de 50 canga

os homens que haviam espancado seu correligionário Gonçalves ceiros. Lá chegando, ãs duas da tarde, já os atacantes haviam

Pescoço e que se achavam refugiados no Taveira, em casa do batido em retirada. Na marcha de retorno, ao passarem pela

"cap." José Batista dos Santos. Furna da Onça, ouviram tocar a corneta. Era a tropa de José

Preparou-se a diligência que iria cercar o Taveira. Inácio, que se aproximava do Taveira.

Para lá seguiram a força de polícia comandada pelo tenente A morte do filho, naquelas circunstâncias, desenca­

Florêncio e um grupo de oito civis, tendo à frente Manuel Gon deou a fúria de d. Marica, que, incontinenti, foi se valer

çalves e o delegado Róseo Torquato, perfazendo um total de se de dr. Floro, que se encontrava nas imediações. Dr. Floro foi

tenta homens armados. com d. Marica até a presença de Domingos Furtado, alegando

D. Marica Macedo - peça chave do episódio - foi avisa Floro que o seu município, Milagres, tinha sido invadido por

da pelo genro, Vicente Leite de Macedo, de que a sua proprie­ elementos de Aurora, e que ele, Domingos, reagisse. Num ges­

dade Tipi seria atacada. Retirou-se com a família, a cavalo, to de ignorância e truculência, Domingos Furtado fez que se

para o Cariri, pernoitando no Taveira. Quando a força poli­ redigisse um telegrama para o presidente do Estado, Nogueira

cial chegou no Taveira, na madrugada do dia 17 de dezembro, Acióli, no qual despacho, comunicando a morte do filho de d.

foi recebida a bala. Houve um tiroteio que durou <las três ho­ Marica e ferimento em José dos Santos, os signatários pediam

ras da manhã até uma da tarde. Não conseguiram prender os Pau a retirada da força estacionada em Aurora. No referido tele­

linos. o "fogo" coincidiu com a "demarcação" do Coxá. Ali per grama, que foi assinado por Domingos Furtado, José Inácio e

to, no lugar chamado hoje "Barracas", estavam dr. Floro com Antônio Joaquim de Santana, os signatários não pediam - exi­

müitos jagunços e o "conde" Adolfo, encarregado da medição. giam, uma vez que o seu propósito — isso eles revelaram no

No tiroteio houve um grave incidente: ferido a bala, veio a despacho - era destruir a sede do município. Imediatamente,

falecer o filho de d. Marica Macedo, de nome José Antônio, na mais evidente demonstração de pusilanimidade, Nogueira

de 14 anos de idade, tendo sido sepultado na povoação de Boa (34)


Acioli ordenou a saída do contingente policial.
Esperança. O dono da casa, "cap." José dos Santos, foi balea­
do no pé. *33*

64
65
A Invasão (Pe. Augusto Barbosa de Menezes).
Por ordem do presidente Acióli, a tropa foi evacuada

Por sua vez, d. Marica Macedo, no Cariri, contava com na manhã do dia 23 de dezembro, de modo que, ás 4 horas da

o irrestrito apoio dos seus parenteB Antônio Joaquim de Santa tarde, um verdadeiro exército de bandoleiros pôde facilmente

na e João Raimundo de Macedo, bem como dos amigos Domingos entrar na sede municipal, sob o comando do "major" José Iná­

Leite Furtado e Zé Inácio do Barro, junto aos quais instou pa cio, tendo como subchefes Raimundo dos Santos, Neco do Bate­

ra que atacassem Aurora e derrubassem da chefia municipal o dor, Praxedes, Belo Lacerda, Firmino Pescoço, cândido Ribei­

"Cel." Teixeira Netto, devendo, para esse fim, reunir o maior ro Campos e Francisco Pereira de Lucena, o já citado Chico

número possível de homens armados. Chicote.(35)


Os grandes coiteiros do Cariri, dada a proximidade A jagunçada entrou em Aurora sem encontrar qualquer

dessa região com áreas de fronteira dos Estados de Paraíba e resistência. E não podia encontrar. Com a retirada do contin­

Pernambuco, possuíam muitos cangaceiros; mas quando queriam gente policial, o intendente Teixeira Netto, em via de ser

mais, era só mandar buscar nas ribeiras do Navio e do Pajeú. deposto, não tinha condições de enfrentar aquele exército de

0 cabrual do riacho do Navio, por exemplo, era bastante famo­ bandoleiros armados até os dentes.

so. De grande atividade durante a última década do século pa£ Um esclarecimento: a vila de Aurora tinha uma popula­

sado e nas duas primeiras do presente, ele atuava não só em ção de pouco mais de mil pessoas, distribuída pelos seus du­

sua ribeira de origem como em todo o vale do Pajeú e nas viz^L zentos e poucos fogos, valendo notar que a maior parte da po­

nhanças, inclusive sul do Ceará, penetrando por Belmonte, Ma­ pulação morava nos sítios e fazendas. No dia da invasão, pou­

capá, Jardim e Brejo dos Santos. cas pessoas estavam na vila. A situação de abandono era tão

Assim sendo, na véspera do ataque â Aurora, estavam evidente que, quando os cangaceiros entraram na Igreja, onde

concentrados no Barro cerca de 600 homens armados — do cabra passar iam a morar, só encontraram uma beata e uma gata. Os

ao cangaceiro - vindos dos valhacoutos do Cariri, a saber: atacantes entraram em Aurora atirando. Como não havia contra

Milagres (Domingos Furtado) , Missão Velha (Antônio Joaquim de quem atirar, deram descargas para fazer "fita", numa demons­

Santana), Barbalha (João Raimundo de Macedo, vulgo Joca do tração dé euforia de quem conquista uma presa fácil, no caso,

Brejão) , Barro (José Inácio de Souza), Juazeiro (Floro Barto- a vila indefesa.
lomeu) , Brejo dos Santos (Chico Chicote), Porteiras (Raimundo Foi muito fácil ocupar o lugarejo. A começar daí, im­

Cardoso dos Santos) , Santana do Cariri (Felinto da Cruz Ne­ plantou-se um regime de terror em Aurora, "totalmente entre­

ves) , Lavras (Gustavo Correia Lima) e São Pedro do Cariri gue ã sanha, ã fereza e ã bestialidade de uma multidão de cr_i

67
66
Ceará, havia três lojas de tecidos e variedades, pertencentes
minosos".*37^
Verificada a impossibilidade de resistir, Totonho Lei a Sebastião Alves Pereira, Paulo Gonçalves e Antônio Leite de

te, com a sua gente, cuidou de fugir, o mesmo fazendo as pes­ Oliveira, as quais foram impiedosamente saqueadas. A loja de

soas representativas do lugar. ^38^ major Sebasto era a mais sortida; nela havia um bom estoque

Manuel Gonçalves, genro do "Cel" Totonho, permaneceu de vinhos e cerveja, que os saqueadores beberam, deixando os

na Vila até um pouco antes da invasão. Pensou em resistir, mas "cascos" espalhados pelo chão. Antes de ter a sua loja invadi,

viu que seria inútil, ao ser informado por Róseo do número de da. Sebastião Alves conseguiu salvar parte das mercadorias,

invasores. Retirou-se com a família para o sítio Tunga, anti­ que ele transportou em costas de animais, quando se retirou

ga moradia dos Gonçalves, e dali saíram para São Francisco, com a família para o Carirí.

hoje Quitaiús. Aconselhado pela família, pois havia ordem do Depois do assalto, apareceram pessoas ostentando lu­

inimigo para matá-lo, Manuel Gonçalves resolveu mudar-se para xo, pessoas com roupas de fazendas que, antes, não podiam com

a capital do Estado. De Fortaleza, onde morou cerca de seis prã-las. A louça chinesa do major Sebasto, retirada de sua lo

meses, emigrou para o Estado do Pará, a fim de cumprir o exí­ ja, foi vista na casa de um conhecido invasor. As principais

lio forçado.*39' residências, que eram de Sebastião Alves, Paulo Gonçalves,

Ocupada a Vila pela jagunçada, começaram as persegui­ Joaquim Miguel e Antônio Leite, foram arrombadas. Nada esca-
(41)
ções aos parentes e amigos do intendente deposto. Os invaso­ pou a sanha e a fereza dos bandoleiros.

res entregam-se ã rapina e ã pilhagem, em ações próprias de A Igreja se tornou morada de cangaceiros, de onde

cangaceiros, pois se revestem de maldade e torpeza. Os bando­ saíam para dançar samba na casa de Zé Pretinho, na estrada do

leiros não se limitam ao furto, pois destróem e depredam o Jatobá. Dançavam com as filhas de Zé Pretinho, que eram qua­

que não podem conduzir. tro morenas faceiras, elas com as asas que os bandidos haviam

O primeiro ato dos invasores foi varejar as casas dos tirado dos anjos da Igreja.
mais abastados, no intuito de se apoderarem de objetos de va­ "Mas o terror não se restringiu ã vila", — escreveu

lor, de amas, de munição e até de gêneros alimentícios. Con­ o historiador Otacílio Anselmo — "estendeu-se ã zona rural,

forme escreveu Otacílio Anselmo, houve assaltos a residências onde foram depredadas, pilhadas e varridas por incêndio, nada

e casas comerciais, cujas portas foram arrombadas a coices de menos de vinte e cinco fazendas, em cujo número se incluíam

rifle e a golpes de machado, convindo salientar que os roubos todas as propriedades do Chefe local, Antônio Leite Teixeira

se estenderam ãs propriedades rurais.


maior
Em Aurora, que era uma das vilas mais florescentes do Antônio Leite Gonçalves, que, na epoca, era o

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proprietário do município, foi o mais prejudicado pelo canga­

ço que tomou conta de Aurora, a partir daquele fatídico dezem

bro de 1908. Suas fazendas — principalmente as maiores, Jiti

rana e Jerimum — foram pilhadas e incendiadas. Na Jitirana, 7. o a l g o d Ao e a s m á q u i n a s d e d e s c a r o ç a r

ob invasores saquearam os depósitos de arroz e rapaduras, ar­

rombaram o açude e queimaram as c e r c a s . ;

Com a deposição de Antônio Leite Teixeira Netto, as­ Cultivado secularmente em nossa região, onde as con­

sumiu a intendência municipal o sr. Cândido Ribeiro Campos, dições de clima quente e seco lhe são favoráveis, foi o algo­

pessoa da confiança de Domingos Furtado e representante da dão, durante muitos anos, a base da economia cearense, e em

parcialidade agressiva. Estava consumada a vingança dos inimi particular, do município de Aurora. Numa região que, de tem­

gos de Teixeira Netto, na verdade, uma vingança muito despro­ pos em tempos, é castigada pelo flagelo das secas, o algodão

porcional à ofensa de que dona Marica se considerava vitima. era uma garantia contra os efeitos dessa calamidade. 0 serta­

0 processo pelo qual se fez a substituição do inten­ nejo que possuía uma área cultivada com essa matéria-prima ve

dente de Aurora, conquanto fosse violento e ilegítimo, para getal, podia considerar-se imune ao flagelo climático. E os

os invasores foi tido como um ato político normal, que sõ en­ agricultores que se diziam abastados eram os que possuíam gran
des roças de algodão.
contraria respaldo na lei do fato consumado. A chefia munici­

pal foi tomada pela força, pondo-se em prática um "modus fa- Semeava-se o algodoeiro nas duas variedades conheci­

ciendi" bem ao gosto da tradição política e ao estilo dos das: o "branco" ou herbáceo, nos terrenos frescos ou baixios;

mandões da época. e o "mocõ" ou arbóreo, nos terrenos secos, consorciado com o

O que aconteceu em Aurora, naquele 23 de dezembro de milho e o feijão.

1908, foi uma invasão. Um ato de violência que fez submeter Em tempos remotos, descaroçava-se o algçdão em maqui-

a vila a uma ocupação infame, com toda aquela seqüência de nismos de madeira (bolandeiras). Estas eram puxadas por uma

selvagerias, sem que, contra tal estado de coisas, fosse toma junta de bois. Eis a sua descrição: "A bolandeira se compunha

da qualquer providência. A ocupação somente terminaria graças de uma roda dentada, feita de braúna, de cerca de vinte pal­

ã irtterveniência de uma autoridade religiosa, o Bispo Coadju— mos de circunferência, e de outra menor, da mesma madeira, me

tor de Fortaleza, D. Manuel Antônio de Oliveira Lopes, que, dindo quatro ou cinco palmos, cujos dentes se engrenavam com

ao passar por Aurora, em agosto de 1909, em visita pastoral os da primeira. As almanjarras — dois paus compridos de pau-

ao sul do Estado, "exortou os bandidos a que abandonassem o d'árco a que se, atrelava a junta de bois - fixavam-se um pou­
(43) co acima da bolandeira, a roda maior. Esta girava em torno de
infeliz lugarejo, o que conseguiu com admirável habilidade'.'.

70 71

>
um eixo, o "gigante", também de braúna. A roda menor era liga tes na cidade, levando ao desemprego centenas de pessoas. Atu
da por um varão de madeira, chamado "sarilho", a uma peca de almente, a •agricultura do município se resume às lavouras de
madeira, o "zabumba", a que se adaptava uma correia de sola. subsistência, basicamente milho e feijão, e em menor escala,
Esta correia, que era ligada a uma polia de ferro, acionava cana-de-açúcar, arroz e mandioca.
o descaroçador. A prensa era acionada pela força de dois ho­

mens. Os fardos eram amarrados com cipó de mucunan (depois


fios de arame), e pesavam em média, cinqüenta quilos." (44)

No município de Aurora, foram três os possuidores de

bolandeira de descaroçar algodão: Paulo Gonçalves, na Aurora

Velha; Justino Feitosa, na fazenda Ipueiras, e Totonho Leite,

no sítio Cruz. Posteriormente, ao mudar-se para o Monte Ale­

gre, Totonho levou a sua bolandeira. Em 1904, pagava-se 2$000


por uma arroba de algodão em rama.

Por volta de 1909, Paulo Gonçalves instalou, no mesmo

local da Aurora Velha, um descaroçador acionado por locomovei

(caldeira a vapor) . Logo após a inauguração da estrada de fejÇ

ro, em 1920, a Exportadora Cearense instalou a sua usina de

beneficiamento de algodão, na então boulevard Joaquim Távora,


sendo Augusto Jucá o primeiro gerente. Foi substituído por

Antônio Ricardo que, anos mais tarde, adquiriu a usina. Em

1925, Antônio Pinto montou pequena usina, que vendeu a Bernai:


do Jucá, e teve pouca duração.

0 município de Aurora já foi um dos grandes produto­


res do chamado "ouro branco", e cultivá-lo, já foi vim bom ne­

gócio. Entretanto, a partir de 1975, quando apareceu a praga

do "bicudo", que dizimou a cultura no Nordeste, os agriculto­

res deixaram de plantar algodão, optando por outras culturas.


Em conseqüência da praga, fecharam-se as duas usinas existen-

72
73

u_
Monte Alegre; de Nelo Pereira dos Santos, nas Antas, também

no fim do século passado; de Manoel Raimundo Rodrigues, no Ca

boclo; de Zuza Leite, no Olho d'Agua. Em sua propriedade Al­


8. A CANA-DE-AÇÚCAR: OS ENGENHOS DE PAU E OS DE FERRO
percata, Dizinho Soares montou um engenho de pau, que ele pró

prio confeccionou; de braúna, fez as moendas, que mediam 1,50

m de comprimento e 80 cms. de dimensão; as caixas de rapadu­


Muito antiga, a lavra de cana-de-açucar na região do
ra eram de genipapo ou de craíba.
Cariri Cearenèe, de onde foi trazida para o município de Au­
Com o passar dos anos, os engenhos de pau foram sendo
rora, em meados do século passado.
substituídos pelos de ferro, puxados também por bois, com bo-
A principio, a moagem se processava nos engenhos de
landeira e almanjarra. Três moendas de ferro, dispostas hori­
pau puxados a bois. Era um engenho composto de três moendas
zontalmente, sendo a do meio mais longa, espremiam as toras
de braúna ou de âmago de jatobá, postas na vertical muito j _
de canas. A bolandeira — uma grande roda feita de pau-d'arco
tas, sendo a do meio mais alta que as outras. Duas almanj
com dentes de braúna — girando também.na horizontal, engre­
ras de pau-d'arco se fixavam ao eixo da moenda maior, ã q
nava-se com o rodete, o qual fazia acionar a moenda maior, e
se adentavam- as outras moendas. Duas juntas de bois puxa
esta as duas menores. Sentado na almanj arra, o tangedor empu­
uma das almanjarras, acionando a moenda maior, e esta, P
nhava a vara de ferrão com que fustigava os bois, no seu tra­
sua vez, fazia mover as outras. Um homem, de um lado, metia
balho de puxar o engenho.
as toras de canas. Outro metedor, do outro lado, fazia passá
Os primeiros engenhos de ferro apareceram no começo
las pela segunda vez, espremendo o bagaço. Das canas, ass
deste século e foram instalados nos seguintes sítios; Jitira­
esmagadas, era extraído o caldo que, por sua vez, era le
na (Antônio Leite), em 1903; Tipi (Marica Macedo); Recreio
a cozinhar na fornalha, para ser transformado em rapadur
(Manoel Teixeira); Carro Quebrado (Manoel Cândido) . A partir
As antigas, fornalhas, como as de hoje, se compunh
dessa época, os lavradores de canas, em sua maioria, foram
de cinco vasilhas grandes, feitas de ferro (uma resfriadeira,
substituindo o tosco engenho de pau pelo de ferro.
uma limpadora, um caldeirote e dois corta-méis) , além de
No decorrer dos anos 30, a força animal foi sendo gra
tacho de cobre, denominado tacho-de-ponto.
dativamente substituída por máquinas a vapor (locomovei) e por
Os mais antigos engenhos de pau foram os de Antônio
motores a óleo diesel ou óleo cru. Quem primeiro instalou en­
Leite Gonçalves, nos seus sítios Jitirana e Jerimum, de Vice_
genho de ferro, movido a locomovei, foi Silvino Macedo, em
te Leite Teixeira (Alferes) , no sítio Angicos; de José Batis­
1937, no sítio Mel, tendo sido esse maquinismo fabricado por
ta dot' Santos, no Taveira; de Antônio Leite Teixeira Neto, em

74

um nível de intermediação que abocanha boa parte da sua ren­


Antônio Linard, de Missão Velha. Nesse tempo, tiveram também
da. O fato é que o lavrador anda na contramão: quando ele ter
motorizados os seus engenhos, os seguintes proprietários: Jo­
mina de vender a sua safra de rapaduras, o preço do produto
sé Leite Gonçalves, na Jitirana; Antônio Landim de Macedo, no
começa a subir.
Recreio; Manoel Cândido, no Carro Quebrado, e Romão Sabiá, no

Olho D'Âgua.

A construção de açudes possibilitou o plantio de ca­

na-de-açúcar nos baixios, à jusante daqueles, ensejando, con­

seqüentemente, a montagem de engenho para o fabrico de rapadu

ras e aguardente.

Quanto às variedades semeadas, durante muito tempo

preponderou a cana caiana, de cujo caldo se fabricavam rapa­

duras de um sabor inigualável, sem uso de "blankit". São des­

ta fase as canas rosa, fita roxa, fita amarela, cabocla, san-


garola e Flor de Cuba.

Nos anos 30, uma doença, o mosaico, andou atacando os

canaviais, de modo que a produção de rapaduras foi reduzida â

metade. No entanto, foi mais pela conveniência de substituir

aquelas variedades por outras de maior rentabilidade, que se

introduziu a semeadura de outras canas, já cultivadas no Caril


ri, quais sejam as variedades javanesas P.O.J. e Coimbatore,

que se adaptaram bem aos baixios aurorenses.

Os fabricantes de rapaduras, não raro, estão a braços


com um problema, que é o aviltamento do preço dos seus produ­

tos. Dentre os fatores que concorrem para a diminuição da pro

cura e, conseqüentemente, o baixo preço do produto, podemos

citar a generalização do consumo de açúcar entre as camadas

pobres da população, até então consumidoras quase que exclu­

sivamente de rapadura. Por outro lado, os produtores sofrem

77
76


O mais antigo boticário foi Luiz Gonçalves Maciel,

oriundo do município de Sousa, Paraíba, tendo chegado à nossa

vila quando esta se chamava Venda, um pouco antes de 1880.


9. BOTICÁRIOS E FARMACÊUTICOS - M É M C O S ANTIGOS Chegou para abrir uma botica. Na profissão de boticário, "seu"
- MEDICINA POPULAR (MEIZINHAS) Maciel era bastante acreditado. Tinha bastante habilidade pa­

ra preparar não só poções e xaropes, como também, pílulas e

cápsulas, para cujo mister possuía a balancinha e o capsula-


Até uns cinqüenta anos passados, a população de Auro­
dor. As cápsulas, feitas de farinha de trigo, tinham os tama­
ra era assistida, quase que exclusivamente, por boticários ou
nhos 1, 2 e 3 (pequena, média e grande) . Quantos não se lem­
farmacêuticos práticos, que manipulavam os remédios conforme
bram das pílulas de "seu" Maciel? A um matuto, a quem se sa­
os sintomas das doenças. Raramente aparecia um médico na cida
bia haver estado doente, alguém perguntou se estava melhor. O
de, como era o caso do dr. José Dias, que vinha do Xcô e pas­
matuto respondeu: "Fiquei bom, tomei as piula de "seu" Ma­
sava semanas em Aurora, atendendo ã reduzida clientela. Quan­
ciel".
do esta escasseava, o médico ia embora.
Nas duas primeiras décadas deste século, João Pinto,
Doutor José Dias receitava os remédios e prescrevia
Altino Farias e Antônio Meireles tiveram boticas em Aurora.
as fórmulas. Era meio surdo e um tanto apressado no andar e
Em seguida a estes e por período mais longo, a população pas­
no falar. 0 paciente começava a contar a sua história, e o
sou a ser assistida pelos farmacêuticos práticos Vicente Ma­
bom médico o interrompia, fazendo um gesto com a mão: "Já sei
ciel, que sucedeu ao pai; Barbosa Lima, Edson Amorim Zinet e,
o que você tem", e escrevia na receita a fórmula, que o pa­
após a morte deste, a esposa Tertulina Timót.eo, valendo res­
ciente levava para o boticário manipular.
saltar que todos estes, como os anteriores, manipulavam remé­
Antigamente, havia poucos medicamentos fabricados por
dios orientando-se pelo Chernoviz.
laboratórios. A maior parte dos remédios era preparada pelos
Até bem pouco tempo, a farmacêutica Teresinha Alves
boticários. Estes possuíam um bom estoque das substâncias qui
Pinto andou preparando fórmulas tiradas do "Manual de Trata­
<• micas utilizadas no processo de manipulação, as quais eram
mento das Moléstias", organizado pelo prôfessor-farmacêutico
guardadas em grossos frascos de vidro, onde se lia o nome, no
Heitor Luz.
rótulo. Orientados por um volumoso livro chamado Chernoviz,
Para conhecimento do leitor, transcrevemos^ seguir,
que continha a descrição das doenças e as fórmulas adequadas
as receitas que eram de uso mais freqüente, por ordem alfabé­
ao tratamento, os boticários preparavam xaropes, poções, emul^
tica das moléstias, valendo salientar que várias das fórmulas
sões, cápsulas, pílulas, pós, pomadas, misturas e tinturas.

78
78

WL
mente louvados em prosa e em verso. Incutia-se nos filhos o
culto pela valentia. Era assim com dona Idalina Santos, mae

14. A CRÔNICA DOS PAUL!NOS dos Paulinos. Quando estes eram rapazolas e vinham para a fei

ra de Aurora, a mãe armava-os com uma garrucha ou "reiúna" e

INTRODUÇÃO lhes recomendava: "Vocês vão pra rua de Aurora, evitem bri­

gar. Se brigarem, não apanhem, porque se algum de vocês apa­

Quem escrever a história de Aurora não pode deixar de nhar, quando chegar aqui apanha de novo". Conselho dado, con­

dedicar algumas páginas às estripulias dos Paulinos. selho tomado. E assim, começaram as estripulias.

Na opinião do historiador Joaryvar Macedo, que escre­ Numa fase tenebrosa de nossa história, o cangaço era

veu um pouco sobre esse assunto, "os Paulinos formavam uma uma atividade criminosa, mas bastante tolerada. Digamos que

irmandade numerosa, que se constituiu, por bastante tempo, no chegou a ser uma atividade profissional, assim adotada por

terror não só de Aurora, mas também dos municípios vizinhos". bandoleiros famosos como Antônio Silvino e Lampião, que fize­

A fama de sua valentia vinha do tempo em que eram co­ ram do oficio das armas um meio-de-vida. Quanto aos "guerrei­

nhecidos como "Os Idalina", um grupo inicialmente composto de ros" das Antas, a vocação para o oficio das armas deve ter

quatro irmãos - Antônio, João, Zim (José) e Francisco — mas despontado na juventude. Mas não consta que os Paulinos te­

que no auge da contenda entre eles e Isaías Arruda, os Pauli­ nham exercido a atividade do canqaço no sentido estrito da pa

nos e seuB fâmulos já eram quinze ou mais que isso. Consti­ lavra. O cangaço profissional envolvia, naturalmente, açoes

tuindo uma família numerosa e muito coesa em suas ações — le de rapina, e não consta que qualquer deles tenha praticado

gltimas ou não — , os Paulinos mourejavam na agricultura, em ação desse tipo. Eram homens voltados para os trabalhos de la

pequenaB propriedades localizadas na zona de influência do voura, em pequena escala, sim; mas sendo destemidos e turbu­

Riacho das Antas, a ribeira que ficou famosa pela valentia lentos, andaram metidos em estripulias, como veremos a se­
dos seus filhos.
guir. Deste modo, a vida dos Paulinos foi uma sucessão de ri­

Na família Paulino/Santos, ser valente era um atribu­ xas, confrontos, tiroteios, emboscadas e mortes.

to sobremodo valorizado, o indivíduo tinha que ser corajoso, Como a maioria dos que habitavam a ribeira das Antas,
ser bom na pontaria do rifle e no manejo do punhal. Assim os Paulinos eram dispostos, porém violentos e vingativos, não
sendo, o homem se tornava alvo da admiração dos parentes e deixando passar nada... Qualquer intriga ou desfeita era moti
amigos. Ali se apreciava ouvir as façanhas de cangaceiros fa­ vo de briga, mesmo entre os parentes, como aconteceu em 1918,

mosos, como Antônio Silvino, Lampião e Sinhô Pereira, ampla- quando houve uma briga envolvendo seis pessoas da família,

120
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das quais três perderam a vida. sor que ia embora dali, mas voltaria para se vingar. Nesse ín
Da famosa irmandade, Antônio Paulino era o mais des­ terim, uma família que ia para o Parã levou o rapaz para aque

temido, de uma valentia racional. João era o mais briguento e le estado do norte. Antônio tinha 22 anos, quando voltou do

e o de mais prestigio na família. Valentão afamado, toda oca­ Pará, no começo de 1908, trazendo um rifle e um facão (terça­
sião era válida para exibir a sua valentia, ele que tinha do) - Alguém foi avisar a José Gonçalves: "Antônio de Idalina
gosto pelas soluções violentas. Qualquer motivo era bastante chegou, tenha cuidado". Foi então que Antônio juntou-se ao
para um confronto, a bala. irmão João, foram ao sitio Baixa Grande, onde morava José Gon
João Paulino era analfabeto, mas tinha Beus ditos çalves, e lhe deram uma surra, tio violenta que o surrado fi­
chistosos, como essa tirada característica: cou rouco.
"0 cavaleiro que arrisca, trisca, petisca e belis­

ca... 0 cavaleiro arriscando, triscando, petiscando e belis­ M orte do c a p ." Jose dos Santos e de Zé da B estinha
cando. .. arriscou, triscou, petiscou e beliscou. Mas é mio

que o cavaleiro arrisque, trisque, petisque e belisque". Francisco Saraiva, genro de Zé da Bestinha, havia for
Moral da história: é melhor beliscar do que ser beliscado. mado um adjunto" - calculadamente de 15 homens - para desman
Segue-se um relato dos principais episódios. cerca divisória entre a sua terra e a de Raimundo dos

Santos. Do adjunto" faziam parte o sogro de Chico Saraiva e


CRONOLOGIA DOS A C O N T E C I D O S primo Chico Paulino, que havia chegado das Antas com al-

homens. Iniciado o trabalho de desmancha da cerca, chega


1906, no sítio Pacote Raimundo dos Santos com seu grupo, do qual fazia parte o seu
genitor Jpsé Batista dos Santos, tio de outro José dos San-
José Gonçalves Pescoço, píoprietãrio do sitio Pacote, , o Zé da Bestinha. Raimundo chegou e tratou de empatar a
havia deixado Antônio - filho mais velho de d. Idalina - pas- smancha aa cerca, surgindo um forte "bate-boca" entre ele e
torando a plantação de arroz. O rapaz teria botado ou deixado co Saraiva, zé da Bestinha propõe um acordo. Nesse momen-
o animal (besta) entrar na "baixa" do arroz, causando estra­ , Raimundo se ampara atrás de uma árvore e manda o pai fa-
gos. José Gonçalves, com ajuda de um agregado, espancou o ra­ com Zé da Bestinha. Este convida o velho José dos Santos
paz, que foi se queixar ã mãe. Disse dona Idalina: "Isso é ^ ir ã sua casa, fazer o acordo, no que é atendido e se­
de filho que não tem pai", referindo-se a Paulino José Perei­ guem para a casa: Zé da Bestinha, atrás, e o "cap." José dos
ra, o marido, do qual estava separada. Antônio disse ao agre£ Santos na frente. Surge então Branca, filha de Zé da Besti-

122 123
trado no açougue-, derrubando uma banda de boi que estava pen­
nha, e grita para este: "Pai, se abaixe, que Raimundo vai
durada ã sua passagem. E havia parado na banca de Francisco
atirar". Nisto, Zé da Bestinha se abaixa, e o tiro disparado
Torres, a quem havia entregue, para guardar, o revólver e a
por Raimundo vai atingir o próprio pai, que morre ali mesmo.
faca ponta-de-espada.
Zé da Bestinha se livra dos tiros e salta sobre Raimundo, to­
Após haver sido admoestado pelo sargento, João Pauli­
mando deste o rifle, com ajuda de Chico Paulino. Neste momen­
no foi rearmar-se. Voltou ã banca de Torres e lhe disse: Me'
to, chega Zuza dos pantos, que, de faca em punho, fere Zé da
dê o meu "mocotó de bode" e o meu "espim de mandacaru" era
Bestinha e Chico Paulino, ocasião em que Raimundo aproveita
assim que ele chamava os seus apetrechos de combate.
para fugir. De posse do rifle de Raimundo, com a última bala,
No meio do Mercado, reencontrando Assis Nonato, João
Zé da Bestinha atira nele, mas não mata. No final, a briga
amparou-se num pilar e passou a trocar tiros com o militar.
resultou na morte dos dois José Batista dos Santos e de um ca
Com uma bala, arrancou o distintivo do quepe do sargento.
bra de Raimundo dos Santos.
Quando acabou a munição dos dois, chegou o soldado Beija-Flor,

que sacou de sua pistola FN, de dois tiros, e que, ao primei­


João Paulino enfrenta o sgt. Assis Nonato
ro disparo, chamuscou o debrum da camisa de João. Beija-Flor

ia apertar o gatilho pela segunda vez, quando Antônio de Li­


Por volta de 1923, chegou em Aurora o sargento Assis
ma, cabra de João, gritou: "Olha a bala nos quartos, patrão!
Nonato, da Força Pública do Ceará, para comandar um destaca­
Nisto, João pulou para a frente, livrou-se da bala e correu
mento de uns oito soldados, cujo quartel era uma casa situada
para a casa do seu tio Cândido. Na casa de "seu" Cândido, per
no lado sul do Quadro da Matriz. No primeiro sábado, dia de
to do quartel, estavam os irmãos e os fâmulos de João Pauli
feira, o sgt. botou as mangas de fora. Ao encontrar-se cora
no, em número de nove, a que ele chamava de minha "comandi
João Paulino, no Mercado, achou de admoestá-lo. Aproximou-se
do dito e perguntou: ta". Assis Nonato reuniu os soldados e dirigiu-se para a casa

de "seu" Cândido, que ficava no beco, pegada ao quartel. Este


— Você é que é João Paulino?
veio até â porta e falou com o militar, convencendo-o a desi£
— Sou, todo inteiro, sem faltar um pedaço. Tem negó­
cio? tir de prender o sobrinho. O sargento voltou com o seu grupo

para o quartel, enquanto João Paulino saiu na direção das An


— Pois ande direito — advertiu o sargento.
tas, acompanhado do irmão Zim.
— E eu estou torto? — disse João, entortando os om­
bros, num gesto de menosprezo.

Pouco tempo antes, João Paulino, a cavalo, havia en­

124 125
A rixa entre Isaias Arruda e os Paulinos Ao deflagrar-se a contenda de Missão Velha, João Pau­

lino e os irmãos tomaram posição ao lado do "Cel." Sinhô Dan­

Começou quando "esquentou" a questão entre o "Cel." tas, como seu defensor, no caso de ataque por parte de Isaías.

Manuel Dantas de Araújo, conhecido como Sinhô Dantas, líder Bastou isso para que Isaías declarasse guerra aos Paulinos.

político em Missão Velha, e Isaías Arruda de Figueiredo, lí­ Sucedeu que, no começo de 1926j chefiando um grupo de

der em Aurora. doze homens armados, João Paulino atacou José Gonçalves de F_i
Antes, da querela, os Paulinos eram amigos de Isaías, gueiredo, primo de Isaías, no lugar Morro Dourado, entre as
muito embora^no começo dos anos vinte, tenham se verificado estações de Ingazeiras e Missão Velha. Durante a refrega, foi
alguns atritos pessoais que denotavam certa rivalidade entre baleado um cabra de João Paulino, de nome Saturnino de Lima,

João Paulino-— o mais ousado da família — e Isaías, sendo que foi acabar de morrer na casa de Antônio Cândido, no sí­
este membro de outra família temida — os Arrudas. tio Várzea Redonda* "O ataque se constituiu em evidente desa­

Em 1921, Isaías Arruda era delegado de polícia em Au­ fio ao novo prefeito de Missão Velha". Assim escreveu Joary-
rora. Após a tumultuada eleição daquele ano, em que dissol­ var Macedo, em sua obra citada, concluindo: "Ficou, destarte,
veu, a bala, a seção eleitoral, Isaías foi refugiar-se em Juêi selada a rumorosa rixa entre Paulinos e Arrudas, que acarre­
zeiro. Dali, passou a residir em Missão Velha, então dominada tou mais desassossego ãs populações das duas localidades, mui
por Sinhô Dantas, eleito prefeito. Na época, contendiam dois to mais, porém, à de Aurora".
partidos: o democrata e o conservador, sendo este o que aca­

bara de subir, com o desembargador José Moreira da Rocha na Emboscada em Várzea de Contas
presidência do Estado.
Em Missão Velha, Isaías Arruda granjeou prestígio, Em represália ao ataque de Morro Dourado, Isaías Ar-
cresceu na política e passou a conta- com o apoio de Moreira da e seus parentes, José Gonçalves de Figueiredo e José Car
da Rocha. Este confiou a Isaías a missão de derrubar da che­ os°. Passaram a preparar emboscadas para dar cabo de João
fia de Missão Velha o "Cel." Sinhô Dantas, até por meio de Paulino.
armas, caso preciso fosse. 0 dia escolhido para a deposição Uma dessas tocaias foi posta por José Cardoso no lu­
foi o da inauguração da estação ferroviária de Missão Velha: gar Várzea de Contas, por onde, segundo se previa, João Pau­
10 de setembro de 1925. Houve uma luta que durou meses, ter­ lino deveria passar. Acompanhado do irmão Zim e do cabra João
minando com a queda de Sinhô Dantas e com Isaías Arruda assu­ Vieira, João Paulino havia saído do sítio Baixa Verde, nas An
mindo a prefeitura de Missão Velha. as, com destino a Missão Velha, a fim de tentar uma acomoda-

126 127
ção com Isaías Arruda. Atendia ao chamado de Sinhõ Dantas, Arruda viria de Missão Velha com a sua cabroeira para atacar

que queria acabar com a rixa entre João e Isaías, tendo dado Aurora, o "Cel." Cândido mobilizou cerca de duzentos homens

como prêmio ao primeiro um touro mestiço de Zebu. Sucedeu armados, recrutados entre amigos do Barro, de Juazeiro, La­

que, na entrada de Aurora Velha, João Paulino foi emboscado, vras e Milagres, para a defesa da cidade. Na oportunidade,

mas conseguiu furar o cerco. No cavalo em que ia, com o pé apareceu um mediador na pessoa do Cel. Antônio Luiz Alves Pe­

enganchado no estribo, João furou o cerco, atirando e gritan­ queno, chefe político do Crato, que, através de entendimen­

do: "Viva o Menino Deus de Aurorai". No tiroteio de Várzea de tos com as partes, conseguiu evitar que se realizasse o san­

Contas, morreu João Vieira, capanga de João. Não obstante ha­ grento confronto. (Irineu Pinheiro, 0 JuazeÁAo do Pe. CZeeAo e a

ver sido emboscado, João Paulino estava querendo fazer acor­ Revo&tçao de. 1914, pp. 185/186).

do, o que foi tentado através de uma carta endereçada a Antô­

nio Macedo, a esse tempo aliado aos Arrudas. O acordo não se A Morte de João Paulino

realizou. 0 que se falava, em Aurora, era numa ameaça de ata­

que por parte de Gonçalves de Figueiredo aos Paulinos, em In- O plano era dar cabo de João Paulino, o quanto antes,

gazeiras. ias de março de 1927, sabedor de que João Paulino estava

Volta , José Cardoso foi à Aurora, onde recrutou alguns

Ataque a Ingazeiras cabras João Marinho, Manoel Antônio, Zé Pemba, Chico Cae­

tano e Raimundo Banda Preta, e juntou-os ã cabroeira de Isaías

Em dias de junho de 1926, chefiando elementos forne­ rruda, um total de vinte cabras, entregues ã chefia de José

cidos por Isaías Arruda, José Gonçalves de Figueiredo atacou çalves de Figueiredo, para que, juntamente com Benjamin Fi^

os Paulinos entrincheirados na povoação de Ingazeiras, conse­ g eiredo e José Cardoso preparasse emboscadas para abater João

guindo expulsá-los dali, depois de br,:ve luta. Tomado o luga­ aulino. Foram armadas duas tocaias: uma na catacumba velha,

rejo, os atacantes saquearam os estabelecimentos comerciais que ficava na estrada do Diamante para a Serrota, e a outra

de Antônio Paulino, Saturnino Campos, Manoel Cândido e João na Serrota.

Pedro. Na refrega, foi morto um marchante de nome João Da­ Joao Paulino havia saído com o filho José, para pro­

niel. curar uma vaca (de bezerro), que havia fugido, indo encontrá-

Vencidos, os Paulinos refugiaram-se em Aurora, ã som­ la na Baixa-Verde. Deste sítio, acompanhado do filho José e

bra do prestígip de seu tio, o "Cel." Cândido Ribeiro Campos, do irmão Francisco, João Paulino retirava-se conduzindo a va­

então prefeito do município. Diante da ameaça de que Isaías ca, na direção do Estado da Paraíba, pois o seu propósito era

128 129


postaram-se na calçada da estação.
esconder-se no sitio Riacho do Padre, perto do povoado de Ca-
Ao parar o comboio, às duas e meia da tarde, Isaías
tingueira, hoje Cachoeira dos índios. Naquele sítio^ os Pau-
linos tinham amigos, e ali costumavam esconder-se quando se foi inopinadamente agredido a tiros de revólver, disparados

por seus inimigos figadais supracitados, os quais lhe desfe­


viam perseguidos.

No começo da noite, João Paulino caiu na tocaia arma­ charam sete tiros. No momento, Isaías achava-se na platafor­

da na Serrota, um sítio perto da Vila de Boa Esperança. José ma, com um pé apoiado no carro de ia classe e o outro firmado

e Chico Paulino correram para dentro de um cercado. Ao trans­ no carro de segunda, conversando com Nenéu Leite. Era o dia

por um passadiço, o rifle de Chico caiu. Gravemente ferido, de agosto de 1928. O ataque foi feito de surpresa, quase ã

João Paulino ainda pôde arrastar-se por uns vinte metros, che queima roupa. Apesar de estar armado com um revólver, o ofen

gou perto da cerca onde estava José e disse: "Não deixem me dido nenhuma ação pôde fazer, porquanto teve logo o braço es­

matar". José nada pôde fazer. E quando João Paulino, morren­ querdo rebentado por dois tiros deflagrados contra si. Feri-

do, pediu água, o cangaceiro lhe ofereceu sangue na caneca de o, ainda pôde descer do carro pelo lado do poente e andar al.

zinco. guns passos, indo cair na'calçada de Cícero Ferreira. Foi en­

tão que proferiu as seguintes palavras: "Mataram-me, Viana.

O trágico fim de Isaías Arruda Como é que não me avisaram que meus inimigos estavam aqui?"

Logo após a descarga feita em Isaías, seu primo José

A morte de João Paulino gerou grande revolta no seio Vicente de Oliveira travou luta corporal com Francisco Pauli­

dos irmãos restantes, os quais juraram vingança. no, tentando tomar-lhe a arma; não pôde fazê-lo, por haver An

Após haver passado alguns dias em Fortaleza, t Isaías t o m o lhe apontado o revólver. José Vicente correu na direção

Arruda empreende a viagem de volta ã Missão Velha, onde era lmoxarifado da R.V.C. , com os irmãos Paulino perseguindo-

prefei.to municipal, tomando o trem de sexta-feira (3 de agos­ fazendo com que ele saltasse um muro e se pusesse em fu­

to) , em companhia do seu primo Manoel Furtado de Figueiredo ga.

(Nezinho de Milica) . De Fortaleza, avisando a viagem de Isaías, Da calçada, onde caíra baleado, Isaías foi transporta

alguém passou para Antônio Paulino o seguinte telegrama: "An­ do para a residência de Augusto Jucá. No dia seguinte, foi a s

tônio, algodão hoje sobe". sistido pelos médicos Antenor Cavalcante e Sérgio Banhos, mas

Na tarde do dia seguinte (sábado), .como de costume, o estes pouco puderam fazer no sentido de salvar a vida de

povaréu se aglomerava na estação de Aurora, ã espera do trem. Isaías, que terminou falecendo no dia 8 de agosto, pelas 6

Armados até os dentes, os irmãos Antônio e Francisco Paulino horas da manhã.

130 131
Após abaterem Isalas Arruda, os irmãos Paulino evadi-
tônio Jaime Araripe) , com base no qual o referido Juiz decre­
ram-se para a Várzea do Martins, a meia légua de distância da
tou a prisão preventiva dos acusados, ordenando que se expe­
cidade, de onde mandaram avisar ao tenente Antônio José dos
disse o competente mandado de prisão. Vale lembrar que os
Santos, delegado militar de Aurora, que ali se achavam e que
indiciados livraram o flagrante.
queriam entregar-se ã Justiça. No dia seguinte, domingo, às
Em 31-08-1928, o promotor-adjunto de justiça (João
16 horas, o tenente Santos prendeu-os e os recolheu ã cadeia
Gonçalves Sobrinho) apresentou denúncia contra os irmãos Pau­
de Aurora. Na ocasião, Chico Paulino entregou ao tenente a
lino, como incursos no art. 294 § 1Q do Código Penal da Repú­
sua arma: um revólver Smith & Wesson, calibre 38, de seis ti­
blica (homicídio do 10 grau) . Julgando procedente a denúncia,
ros, no 215.614.
o Juiz Raimundo Carvalho Lima pronunciou os indiciados. Por
(Dados extraídos do processo-crime contra os irmãos Paulino,
despacho de 09^-05-1932, estando os réus foragidos, o Juiz An-
arquivado no 10 Cartório de Aurora, Ceará; titular: Vicente
tonio Galeno determinou que fossem os mesmos submetidos a jul­
Jerônimo da Silva).
gamento na próxima sessão do júri, de acordo com a Lei n°

Proceaso-crime contra Antônio e Francisco Paulino 3.771, de 20-11-29.

Por ocasião do júri realizado no dia 11 de junho de

Recapitulemos algumas passagens do famoso processo. 1932, somente Francisco Paulino esteve presente, pois se en­

No dia 4 de agosto de 1928, o então Secretário de Po­ contrava preso na cadeia de Aurora. Mesmo estando ausente, An

lícia e Segurança Pública do Ceará, dr. Mozart Catunda Gon- tônio Paulino foi julgado na mesma sessão de júri, tendo em

dim, designou o 20 delegado de polícia da Capital para se vista o que dispunha a lei processual supracitada. 0 júri foi

transportar, de trem, ã Aurora, com o escrivão daquela dele­ presidido pelo dr. Antônio Galeno da Costa e Silva, tendo fun

gacia, para dar início ãs diligências e proceder ao inquéri­ cionado na acusação o promotor de justiça Stênio Gomes da Sil
va. A defesa dos réus foi feita pelo advogado José Bernardino
to. Foram arroladas as seguintes testemunhas: João Viana R.
Carvalho Leite. Francisco Paulino foi condenado a vinte e no­
Monteiro, Manoel Furtado de Figueiredo, Manoel Leite Teixei­

ra, José Vicente de Oliveira, Vicente Férrer de Oliveira, ve anos de prisão simples (art. 294 do Código Penal da Repú­
blica) , e Antônio a vinte e dois anos. Foi designada a cadeia
Waldery Botelho, Eduardo da Silva Leite, Moisés Vilela de Oli
pública de Aurora para cumprimento da sentença. Houve apela­
veira. Cândido Ribeiro Campos e José Gonçalves Leite.
ção para o Superior Tribunal do Estado, e o júri foi anulado.
No dia 9 do mesmo mês, o delegado especial entregou o
Os réus foram levados a novo júri no dia 02 de dezem-
seu relatório ao 1Q suplente de Juiz Municipal de Aurora (An-
bro de 1932; como da vez anterior, somente compareceu Fran-

132
133
levá-la ao cunhado Antônio Paulino. Este entendeu a mensagem:
cisco Paulino, que se achava preso em Lavras. Desta vez, os
-feijão vai descer", significava que a polícia ia levar Chico
réus foram defendidos pelo advogado Manoel Fernandes Tãvora.
Paulino para Fortaleza. "Fazer adjunto para apanhar feijão",
Ambos foram condenados a sete anos de prisão, tendo sido de­
q ia dizer que juntasse um grupo de homens para tirá-lo da
signada a cadeia pública de Fortaleza, para cumprimento da pe
cadexa. Decifrada a mensagem, Antônio Paulino cuidou de cum-
na. Francisco Paulino ficou preso na cadeia de Lavras, enquan
P ' issão, partindo para Lavras com cinco homens armados.
to aguardava ser transportado para a Capital.
o chegar perto da cadeia, por volta de seis horas da
O júri teve lugar no salão de um prédio público situa
•manhã, Antônio Paulino mandou Osório Batista, trajado de tra-
do ã rua Santos Dumont, hoje no 32. Por ocasião do júri, acon
de roça e com uma enxada no ombro, passar por trás
teceu um incidente grave. Na calçada, frente ao citado pré­
P ~o, para se certificar de que Chico Paulino estava den
dio, Vicente Arruda alteroou com José Paulino, que estava ali
fora da cela. Osório olhou e viu que Chico estava var-
dando cobertura ao tio Francisco. José Paulino deu em Vicente
corredor da cadeia, vigiado por um soldado. Chico viu
uma bruta facada, que quase lhe atinge o coração. Enquanto Vi
lhador e o reconheceu. Ficou de frente para o solda-
cente Arruda era socorrido pelo farmacêutico Barbosa Lima, o
m as mãos nas costas, fez sinal com três dedos, dizen
agressor saiu correndo pela rua do Comércio, na direção do
q antos soldados estavam ali. Foi então que Chico Paulino
rio, e conseguiu atravessã-lo sem que a polícia pudesse de­
tê-lo. 9 tOU‘ Ban<3idos I Querem me matar 1" A uma ordem de Antônio
Paulino, os cinco elementos do grupo - amigos de Chico, ê

tiraram para cima. Nisto, os soldados foram para o


Chico Paulino é resgatado da cadeia de Lavras
cadeia, procurando abrigo, ao mesmo tempo que Chi
aulino corria para juntar-se aos libertadores. Nesta oca-
O fato aconteceu no dia 26 de maio de 1933.
Chico recebeu um revólver do irmão Antônio. Tomando a
Fazia alguns meses que Chico Paulino estava na ca­
ada para Aurora, todos saíram caminhando, naturalmente,
deia de Lavras, quando ouviu dizer que ia ser removido para a
com OS rif lf»e a 4-í
tlracoi°» sem que fossem incomodados pela po­
Detenção de Fortaleza. Chamou um soldado e mandou fazer uma
lícia.
carta para a sua esposa, em Aurora. Ditou a carta desta, manei^
ra: "Júlia: 'Feijão vai descer'. Faça um 'adjunto' para apa­
Antônio Paulino versus ten. Alfredo Dias
nhar 'feijão' e contrate gente de confiança, que eu quero pe­

gar 'preço'.
Em dias do ano de 1937, viajando num trem de carga,
A carta chegou ãs mãos da destinatária, que logo foi

139
134
chegou a Ingazeiras o tenente Alfredo Dias, a fim de prender mandada pelo tenente Antero, da mesma fazendo parte os sargen

Antônio Paulino, indo encontrá-lo no café da irmã, Amélia Me­ tos Josias Pedrosa e João Pereira de Sousa, vulgo João Vaquei^

deiros. O militar da polícia tinha fama de agarrar cangaceiro ro, bem como dezoito soldados, todos em treje de vaqueiro,

a unha. Chega para Antônio Paulino e lhe diz: "Você não preci que foram distribuídos pelas estradas das Antas. Para o sitio

sa estar fugindo. Eu vou resolver a sua situação. Vamos comi­ Patos, onde se sabia encontrar-se Antônio Paulino, foram o

go ali." sargento Josias e os soldados Joaquim Francelino, José Ildefon

Era uma cilada. Os dois foram para uma casa vizinha so, Manoel Calangro, Osório Batista e Antônio Ismael.

ao café; ao mesmo tempoj duas sobrinhas de Antônio — R. A. e Antônio e o irmão Chico Paulino haviam passado a noi­

R. D. — vieram nas pontas dos pés e ficaram encostadas na te no mato. As cinco da manhã, tendo o rifle a tiracolo e o

cerca, pelo lado de fora, espreitando. Os dois estavam de có­ pequeno pote na mão, Antônio caminhava em direção ao curral,

coras, um de frente para o outro, quando, de súbito, o tenen­ para tirar o leite da vaca. Vinha por uma elevação do terre

te saltou sobre Antônio, tentando segurá-lo pelas bitáculas. no, beirando o córrego. Antes da cerca, o caminho se bifurca

Na luta corpo a corpo, os revólveres de ambos caíram ao chão, va: uma vereda dava para a cancela, uma outra para o passadi

sendo recolhidos pelas duas moças. Os dois já estavam cansa­ ço. Ao transpor o passadiço, Antônio deparou-se com o grupo

dos, quando chegou Amãncio Pereira para separá-los, ocasião de soldados, no momento chefiados pelo sargento Josias. Este

em que Antônio aproveita para fugir na direção das Antas, dê perguntou: "Quer ir nas cordas pra cadeia, ou na rede pro ce

onde voltaria mais tarde... Neste ínterim', Alfredo Dias foi mitério?" Antônio Paulino respondeu: "Morto, sim; preso, não ,

aconselhado a deixar Ingazeiras. E quando Antônio Paulino vol^ e saltou para o córrego, onde tombou com vários balaços, sem

tou, acompanhado de alguns parentes, e procurou o tenente Al­ ter tido tempo de fazer uso da arma que conduzia. Tinha 57

fredo por toda a Ingazeiras, este já havia se mandado para anos.


Missão Velha, num trole cedido pelo agente da estrada de fer­
ro.

A morte de Antônio Paulino

Havia uma determinação do Chefe de Polícia do Ceará

para capturar os Paulinos. Para esse fim, em dias de junho de

1942, deslocou-se para o município de Aurora uma volante co-

137
136
to — tinha em mente assaltar a agência local do Banco do Bra

sil e seqüestrar uma filha do Cel. Rodolfo Fernandes. 0 bando

15. LAMPIÃO NO MUNICÍPIO DE AURORA de Lampião que chegou à Aurora era composto de uns cinqüenta

cangaceiros, dentre os quais Rouxinol, Jararaca e Severiano,

os quais jã se encontravam, há dias, na aludida fazenda, açoi^

Era virtude da amizade com o "coronel" Isaías Arruda, tados por José Cardoso. De Aurora, Lampião levou José de Lú­

na verdade um dos grandes coiteiros de Lampião no Ceará, o cio, José de Roque e José Cocô (José dos Santos Chumbim) , todos

Rei do Cangaço., como era chamado, esteve, mais de uma vez, no naturais da região de Antas, tendo sido incluídos no subgrupo

município de Aurora. Em suas incursões pelo município sul-cea de Massilon.

rense, o bandoleiro se açoitava na fazenda Ipueiras, de José No dia 13 de junho de 1927, Lampião ataca a cidade de

Cardoso, cunhado de Isaías. Mossoró, a mais importante do interior do Estado potiguar.

Uma dessas vezes foi nos primeiros dias de Junho de Após quarenta minutos de fogo, jã tendo tomado duas ruas,

1927. Na fazenda Ipueiras, onde já se encontrava Massilon Lampião ordena a retirada. Fracassara o seu maior plano".

Leite, que chefiava pequeno grupo de cangaceiros, Lampião foi Após o frustrado ataque à cidade norte-riograndense,

incentivado a atacar a cidade norte-riograndense de Mossoró Lampião bate em retirada, entrando no Ceará pela cidade de Li

— um plano que o bandoleiro poria em prática no dia 13 do ci moeiro, onde não é importunado. Ali fez dois reféns a resgate

tado mês. Em razão do incentivo, Lampião adquiriu do "coro­ pessoas idosas e de destaque social — e teve a petulância

nel" um alentado lote de munição de fuzil que, de mão beija­ de, com seu grupo, posar para uma foto, no dia 16 daquele

da, Isaías havia recebido do Governo Federal (Artur Bernar- mês.

des) , quando este promoveu farta distribuição de armas a "co­ Ante a ameaça de invasão das cidades da zona jaguari-

ronéis" "para alimentar o combate dos 'batalhões patrióti­ bana e já havendo um plano de combate ao famigerado bando, jun

cos' ã coluna Prestes".*54* taram-se contingentes policiais de três estados — Ceará, Rio

Presente àquela negociação, que rendeu ao "coronel" Grande do Norte e Paraíba — numa quixotesca campanha contra

Isaías a considerável quantia de trinta e cinco contos de Lampião, tendo sido nomeado "comandante geral das forças em

réis, esteve o cangaceiro Massilon, que teve valiosa influên­ operações" o oficial cearense, Moisés Leite de Figueiredo (ma

cia junto a Lampião, no sentido de atacar Mossoró, cujos pre­ jor) .

parativos tiveram lugar na fazenda Ipueiras. Consta que Mas­ No dia 16 de junho, a força paraibana havia seguido

silon Leite — associado a Lampião no sinistro empreendimen- para Limoeiro, mas ao chegar ali, Lampião já tinha levantado

138 139
no lugar Olho D'Agua das Éguas. E que ali perto, no lugar Ri­
acampamento. Prosseguindo em sua retirada pelo território cea
beiro, já se encontravam as forças dos tenentes Agripino Li­
rense, com o grupo reduzido a trinta e poucos homens, em vir­
ma, José Guedes e Manoel Arruda — o primeiro, da polícia do
tude da morte de dois dos mais temíveis cangaceiros — Jarara
Rio Grande do Norte, e os dois últimos, da polícia paraiba-
ca e Colchete — e das deserções que se seguiram ao malogrado
na — , valendo salientar que tais contingentes totalizavam
ataque, inclusive a de Massilon Leite e seu sub-grupo, Lam­
"cerca de duzentos homens, bem aparelhados", no dizer do ma­
pião é perseguido por volantes, com as quais trava combates.
jor Moisés. A tropa que teve encontro com os bandoleiros foi
Dentre estes, o mais intenso foi o travado no dia 25 de ju­
a do tenente Arruda, empiquetada no sítio Ribeiro, onde acon­
nho, na Serra da Macambira, município de Riacho do Sangue, no
teceu um fato tão misterioso, quanto engraçado: não obstante
qual Lampião, mais uma vez, provou a sua invencibilidade. En­
o lugar se achar "bem guarnecido", ao clarear a barra, "o gru
frentando uma força de mais de trezentas praças, sob o coman­
po de bandoleiros, sem sofrer o menor revés, passou entre as
do exclusivo do tenente Manoel Firmo, este sendo auxiliado
trincheiras, nas quais os soldados dormiam, para só desperta
por nove tenentes — José Bezerra, õzimo de Alencar, Luís
rem depois, com cerrada fuzilaria, quando os bandidos não es-
David, Veríssimo Alves, Antônio Pereira, Germano Solon, Gomes
tavam mais ao alcance da pontaria da polícia". 0 grupo ocul­
de Matos, João Costa e Joaquim Moura, Lampião pôs-se em fuga,
tou—se no vale do Bordão de Velho. Do local onde estava, Lam
incólume, deixando quatro soldados mortos. Seguiram-se comba­
pião enviou dois cabras à casa de João Cabral, morador aÜ
tes menores em Cacimbas (Icõ) , Ribeiro, no vale do Bordão de
perto, convidando-o a vir à sua presença. João Cabral aten
Velho, e Ipueiras, os dois últimos no município de Aurora,
deu, e Lampião disse-lhe estar com fome e sede, pedindo ali­
com o Rei do Cangaço levando a melhor.
mento e água para o grupo, no que foi atendido.
No dia 28 de junho, Lampião contorna a serra do Perei^
Marchando pelo pé da serra da Várzea Grande, Lampiao
ro, passando pelas serras Vermelha, Michaela e Bastiões — o
chega à fazenda Malhada Funda, onde faz "alto", sendo recebi­
grupo marchava a pé, por veredas e nunca por estradas — ten
do por Gregõrio Gonçalves, que, após saber com quem estava fa
do a tropa em seu encalço. É aí que Lampião resolve derivar
lando, perguntou a Lampião em que podia servi-lo. Este respon
para o lado do Cariri e continuar a retirada em direção ao mu
deu: "Só quero comida para a minha rapaziada". Gregõrio man­
nicípio de Aurora, onde esperava encontrar refúgio no valha-
dou matar o boi que estava no curral, e duas ou três ovelhas.
couto do seu "amigo" Isaías Arruda.
Os cangaceiros estavam com tanta fome, que não esperaram: co­
Em seu livro "Lampião no Ceará", narra o major Moisés
meram as carnes sapecadas. Os quartos de ovelha, eles coloca
Leite de Figueiredo que, no dia 10 de julho de 1927, Lampião
ram nos bornais sobressalentes, junto com farinha e rapadura.
com seu grupo estacionava no alto da serra da Várzea Grande,

141
140
Ao retirar-se, Lampião levou João Teófilo como guia. Este saiu
operações", chegava em Aurora o contingente comandado pelo te
montado num burro que o bandoleiro havia tomado de um cidadão
nente Agripino de Lima, que conduzia trinta e quatro animais
que estava comprando rapaduras. O bando saiu na direção sudes^
de montaria, tomados a fazendeiros de Icó, Pereiro e Jaguari-
te do município. Lá muito adiante, o guia foi substituído por
be. Quando o major pensava que o oficial vinha em seu auxí-
outro de nome David Silva, tendo Lampião recomendado a João
nente Agripino comunicava-lhe que resolvera abando-
Teófilo para só voltar quando escurecesse, e que não fosse
ampanha e voltar para o Rio Grande do Norte. Diante
pelo mesmo caminho.
o Major Moisés apreendeu os referidos animais, entre-
Continuemos a narrativa, baseados no livro do major.
s ao sr. Vicente Leite de Macedo, com a recomendação
"Em sua marcha, Lampião procurou a Serra do Coxá, na
aos respectivos donos. Além dos animais toma-
divisa do município de Aurora com o de Milagres, burlando a
ejos, o major Moisés constatou outras irregulari­
vigilância dos policiais, de tal modo que estes se afastavam
dades na tropa do tenente Agripino, como a venda de munição
do ponto em que estavam os bandidos, tomando o rumo de Boa Es>
P Praças e muitas destas se entregando à embriaguez.
perança. Serrote do Cachimbo, Riacho dos Cavalos, Ingazeiras
de do tenente Manoel Firmo, viajando para Jua-
e Milagres". Como se vê, Lampião era vim perito em estratégia
Crato, arrastando o grosso da tropa e quatro tenen-
militar. Uma de suas táticas consistia em ludibriar a polícia
o comandante Moisés "num mato sem cachorro". 0
que andava no seu encalço, como fez, quando procurou a Serra
na contingência de pedir ajuda — imagine o lei­
do Coxá. Deste modo, tornou-se inócua a providência do major
tor a quem — ao "coronol '• t
1 Isaias Arruda, o mesmo que, tempos
Moisés, designando o tenente Caminha para colocar piquetes
atrás, havia .coitado h ™ pii0 , qu._ ,JO„ _ ds
nas estradas, uma vez que, por estas, não passaria o grupo de
perseguidor do bandoleiro, po„d„ oitenta e-sete cabra, à dis-
bandidos. Enquanto Lampião ficava escondido na Serra do Coxá,
posição do major Moisés e~
• no combate travado com os bandi—
o tenente Manoel Firmo seguia para o lado oposto, isto é, com
da Macambira, havia cerca de 400 praças, como
a sua tropa, passava de trem por Aurora, em demanda ao Cari-
o major Moisés levado para Ipueiras apenas quir»
ri, sem dar satisfação ao seu chefe, major Moisés, que naque­ ze soldados?
les dias se encontrava em nossa cidade, em tratamento de saú­
erto o paradeiro de Lampião no alto da serra do
de. Com o tenente Manoel Firmo, viajavam os tenentes Luís Le^
caram-se elementos de confiança para, aproximando-
te, Laurentino, Moura e Germano, em passeio a Juazeiro e Cra-
se do grupo, conhecerem melhor a sua posição, dentre eles Mi-
to, totalmente despreocupados com os bandidos.
tio de um dos bandoleiros e morador nas proxi^
Para piorar a situação do "comandante das tropas em
então que o major Moisés e Isaías Arruda conce-

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143
beram um estrategema, que consistiria em preparar um almoço tado livro. Entretanto, existe outra versão para o episódio.

para Lampião e seus cabras, na casa de José Cardoso, em Ipue^ Segundo nos contaram os velhos Róseo Ferreira e Vicente Ri—

ras, e, juntos, abaterem o bandido na hora conveniente. "Mi­ carte que» na época, moravam nas proximidades da fazenda

guel Saraiva se faz acompanhar de oito homens que se apresen­ Ipueiras, a coisa aconteceu assim:

tam a Lampião, fingem que são perseguidos pela policia; e pa­ O major Moisés Leite e o "coronel" Isaías Arruda com­

ra melhor comover o chefe dos bandoleiros, lamentam e choram binaram um plano de acabar com Lampião, assim que este chegas^

a sua desgraça, tentando,com isso, infiltrar-se no bando. Al­ se em Ipueiras, pois sabiam que o grupo vinha desmuniciado e

guns bandoleiros aceitaram a presença dos novos companheiros, bastante desfalcado, em conseqüência da derrota sofrida em

mas Lampião logo fez sentir que não acolhia em seu grupo pes­ Mossoró e das deserções que se seguiram ao frustrado ataque

soas que lhe fossem estranhas". Os oito homens de Miguel Sa­ àquela cidade norte-riograndense.
raiva tinham recebido instruções para atacar os bandidos na Lampião ficara na manga com a cabroeira. Convidado pa
hora em que o grupo "descançasse" as armas para almoçar. Si­ ra almoçar na casa de José Cardoso, na citada fazenda Ipuei—
multaneamente, os soldados e jagunços puseram-se discretamen­ ras, o Rei do Cangaço compareceu com alguns dos seus "rapa­
te em volta da casa, prontos para fechar o cerco aos bandi­ zes . Quando Miguel Saraiva chegou e pôs sobre a mesa o algui
dos, no momento oportuno. Mas o ardil fracassou, porque Lam­ dar contendo o almoço envenenado, Lampião tirou do bornal uma
pião, sagaz, arisco e desconfiado, chegou e rejeitou o almoço colher de latão e meteu-a na comida. Quando puxoü a colher,
oferecido por Miguel Saraiva. E colocou sua gente em pontos o bandido notou mudança <fe cor e deu alarme: "Ninguém come des
diversos e estratégicos. ta comida. Esta comida está envenenada 1". Nisto, Lampião e os
Eis como o major Moisés descreveu o tiroteio: seus cabras conseguem romper o cerco de um cordão de jagun­
"Conhecido o fracasso do estrategema, fomos impelidos ços e soldados ã paisana que se formara em volta da casa, e
a atacar os bandidos, com ímpeto, de sorte que, em pouco tem­ correm para a manga onde ficara a maior parte da cabroeira.
po, estavam debaixo de cerrada fuzilaria. A luta teve início sendo atacados pelos cabras de Isaías e soldados do major Moi
pouco mais ou menos às 12 horas do dia 7 de julho, tendo uma sés. Ao mesmo tempo em que estrugiu a fuzilaria, os atacantes
duração de mais de três horas; terminou, infelizmente, porque lançaram fogo na manga, por todos os lados do local em que es^
os bandidos caíram em fuga, e no campo deixaram dois mortos: tavam os cangaceiros. Lampião investiu várias vezes contra
um queimado, que recebeu vários ferimentos, e o outro também os atacantes, conseguindo, por fim, escapar por um corredor*
morto na ocasião em que fugia". Lampião perdeu dois cangaceiros: um queimado e ferido por oca
Essa foi a história narrada pelo major Moisés, no c i sião do ataque. O outro, com ferimento no ouvido, ficou em

144 145
Ipueiras, em tratamento, mas os coiteiros acabaram de matã-

lo, tocando fogo no cadáver...


Ao escapar do cerco de Ipueiras, Lampião tomou o rumo
16. F O L C L O R E
da serra do Góes, perto de São Pedro do Cariri, atual Cariria

çu. Veja o leitor o zig-zag feito por Lampião para confundir


INTRODUÇÃO
a polícia. No dia 7 de julho, saiu de Ipueiras, desceu pelo

riacho do Pau-Branco, atravessou o rio Salgado no lugar Barro


A Sociologia define o Folclore como sendo o conjunto
Vermelho, passou pelos sítios Jatobá e Brandão, fazendo "al­
das tradições, conhecimentos ou crenças de um povo expressas
to" em Vazantes. Na Serra dos Quintos, fez um refém — o si­
em suas lendas, contos, poesias, canções e costumes. Um com­
tiante Joaquim de Lira — para ensinar o caminho para a serra
plexo indiferenciado de tradições, práticas, artes, diverti­
do Góes, onde chegou, no início da noite. Na manhã do dia 9,
mentos e conhecimentos populares.
Lampião deixou a serra do Góes e rumou para o município de
Conquanto, em Aurora, as manifestações folclóricas se
Milagres, atravessando a via-férrea no lugar Morro Dourado.
jam de pouca expressão, elas estão presentes em pequenas his­
O major Moisés havia mandado tomar as ladeiras da serra do
torias como "A Botija", "0 comprador de sapos", "0 Delegado e
Mãozinha e São Felipe, por onde poderia passar o bandoleiro.
a Prosódia" e na poesia "A.B.C. da Garrota Bargada". Quem não
Mas Lampião, mais uma vez, conseguiu burlar a força policial
conhece um "causo" ou uma anedota envolvendo o Pe. Vicente Be
e penetrou no Estado da Paraíba, pela serra de Santa Inês, no
zerra? São conhecidas várias histórias pitorescas do antiqo
rumo de Conceição do Piancõ, de onde prosseguiu em fuga para
Vigário de Aurora, bem como de outras figuras populares, como
Pernambuco.
Antônio Duarte, o chapeado Antônio Justino, o delegado Alexan

dre e a raizeira Maria Precisão, pessoas simples e boas, bas­

tante estimadas por nossa gente.

147
146

-
miio pegou nos frutos e disse: quadra para Maria Pinto:

— Que bonitos pequis, são do arisco. "Lã vêm nossos pais.


— Não são do arisco, são da serra — contestou Ma- Maridos de nossas mães.
noel Teles. Pais de nossos filhos,
Teimaram muito. A certa altura, Damião disse que co­ Nossos maridos são".
nhecia o Cariri mais do que o outro. E provocou Manoel Teles: Deixo ao leitor a tentativa de decifrar esse troca­
— Você não conhece nada. Diga onde nasce o Rio Sal­ dilho "sui generis".
gado? Houve um tempo em que funcionou na cidade um jogo de
Nova teima: um dizia que o Salgado nascia no Crato, vispora (meia-meia) . O bancador do jogo ia chamando as Pe_
com o Batateira. 0 outro assegurava que era em Barbalha, com dras ' a lgumas delas pela gíria dos jogadores. Assim sendo,
o Salamanca. Teles rebateu: o numero 22 era chamado de "dois patinhos na lagoa"; o 44
— Você não conhece mais do que eu, que vim nadando ele chamava "bala de rifle"; o 55, "dois gringos jogando ta-
por dentro do rio e saí em Aurora, quando aqui vim morar. Pas , e 66 era "a besta fera". Quando a "pedra" era 69, ele
A turma que assistia ã discussão aplaudiu Manoel Te­ dizia: "Napoleão e Sebasto, tanto faz pra cima como pra bai-
les : vn"
— Você ganhou, Manoel — disse um deles — pois se

veio nadando até Aurora, é porque era de lã mesmo.

O Delegado e a Prosódia

ENTRELAÇAMENTO FAMILIAR mpo em que era interventor ao


tempo do Ceara o «.ajoi ■—

Mendonça, era delegado de polícia de Aurora o bode-


Napoleão Quesado era casado com Maria Pinto, filha de 9Ueiro A. c l * ' n°mem
v, rude, mas justo no desempenho do car-
Sebastião Alves (major Sebasto). Este era casado com Maria ha Sle um m°do bastante original de falar, mormente ao
Quesado (Bada), filha de Napoleão. Quer dizer, eram, ao mesmo ar palavras proparoxítonas e vocábulos estrangeiros.
tempo, sogro e genro um do outro. Mas não havia consanguinida pitul°' em vez de capitulo; paragrafo, em vez
Pronunciava
de. Paragrafo. As pessoas achavam graça.
as duas estavam na calçada, palestrando. Vendo os ma­ A - C. l . era simpatizante do Eixo. Certa ocasião,
ridos que, juntos, vinham para casa, Bada disse a seguinte hversando com um adversário, ele disse:

164 165
53 - Hino do Nascimento de Jesus:

Adeste, fidelis - Laeti, triunphantes: BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Venite, venite in Bethleheml Natum

Videte - Regem Angelorum": ANSELMO, Otacílio. Pad/Lí CZceao, Mito e Realidade.. Rio de Janei­

ro: Civilização Brasileira, 1968.


Venite, adoremusl Venite, Adoremusl
FEITOSA, Pe. A n tô n io . Falta um Perfenao/i paaa o Padae Claetio. sã o
Venite, adoremus Dominum.
Paulo: Edições Loyola, 1983.
En grege relicto - Humiles ad cunás FIGUEIREDO, Moisés Leite de. Lampião no CejoJví. Fortaleza: 1927.
Vocati pastores adproperantl Nosque LIMA, Raimundo Raul Correia. Minha HióiõaLa. Fortaleza: 1982.
Ovantes Gradu festinemus: LIVRO do Tombo da Mataiz de. Aioioaa.
MACEDO, Joaryvar. Temai H l& tÕ aicoi R eg io n a ii'. Fortaleza: Imprensa
Venite, adoremusl Venite, adoremus...
Oficial do Ceará, 1986.
Aeterni Parentis - Splendorem aeternum MACEDO, Deoclécio Leite de. NotoaLado do Ceaaã, 1 ° volume. Rio

- Velatum sub carne videbimusl Deum Janeiro.

Infantem - Pannis involutum: MELLO, Frederico Pernambucano de. GueAAeJjioi do S o l. Recife:

Editora Massangana, 1985.


Venite, adoremusl Venite, adoremus...
PINHEIRO, Irineu. 0 Caauii. Fortaleza: 1950.

Pro nobis egenum - Et foeno cubantem


- Piis foveamus amplexibus! Pesquisa Oral
Sic nos amantem - Quis non redamaret (?) Adauto Campos
Barnabe Leite Teixeira
Venite, adoremusl Venite, adoremus__
Francisco Leite Gonçalves

Ivonete Leite
54 - Frederico Pernambucano de Mello, op. cit. p. 32.
Maria Beatriz Gonçalves

Osório Batista dos Santos


55 - Ibidem, p. 116.
Pretextato (Zôda) Quesado

Sebastião Alves Pereira Filho


56 - Os versos foram cedidos por Teresinha Almeida, neta deFe
Vicente Ricarte da Silva
lismino.

210
211
ífl
2 ^ ' vwaiçtes o u sa d a s, o ^vro e único ifo
gênero. Até então, ninguém havia
relatado, com tanto realism o e e s p i­
rito critico, certos fatos q u e ocorre­
ram nos bastidores d e um B a n co , a
que deu o nome de “B a n co da Na­
ção”. Uma obra útil s o b vários a s ­
pectos: tanto pode servir d e orienta­
ção a elem entos n o v o s, co m o s e
destina a melhorar a m entalidade de
certos dirigentes”. (R ev ista d a A s­
sociação d os Antigos Funcionários
do Banco do Brasil).
“. . . narrativa até certo ponto
memorialista, à qual o autor deu tra­
tamento rom anesco com um a forte
dose de sátira sobre o qu e s e p a ssa
nos bastidores de um b an co. É esta
a sua visão do universo bancário:
um mundo povoado d e p e s s o a s que
s e movem em p ersegu ição a dois
objetivos: dinheiro e notoriedade".
(José Rangel, jornal O Povo,
07/03/89).
“. . . o autor faz, com bastante
realismo, alternado por humor e sáti­
ra, uma narrativa no melhor estilo li­
terário". (Jornalista João Manoel de
Carvalho, O Norte, 0 5 /0 3/89).
“Considero o livro de Amarflio
Gonçalves de uma leitura rica em
informações o u sad as, onde o autor
consegue, usando de uma lingua­
gem própria dos bancários, atingir
seu s objetivos de comunicação,
contando experiências vivencladas
multas v e z e s difíceis demais para
driblar e vencer". (Jornalista Cristia-
ne Silveira, Jornal de Natal,
03/04/89).

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