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Diversidade Étnica na Formação do Brasil Os europeus criaram a categoria “índios” após o

primeiro contato em 1492 com os povos nativos, que


1 Os indígenas e os contatos com os europeus
passaram a ser chamados assim. Essa nova categoria
O encontro
homogeneizou uma variedade de grupos
Início do Brasil?
etnolinguísticos em diferentes partes das Américas.

A chegada dos europeus às Américas foi


No Brasil, na ocasião da chegada dos portugueses,
determinante para a constituição de uma identidade
existiam aproximadamente mil povos e quase 5
americana, principalmente diante da exploração que
milhões de pessoas com etnias, idiomas e tradições
eles fizeram sobre os povos nativos. O contato deles
diferentes. Tudo isso foi apagado pelo colonizador,
com os nativos, mais especificamente dos
aprofundando-se na organização dos indígenas em
portugueses nas regiões do Brasil, marcava o início
aldeias, forma implementada pelos portugueses para
da formação de uma identidade americana que não
agregá-los e, com isso, mantê-los sob controle.
seria única. Pelo contrário, já que a diversidade étnica

é a principal característica dessa identidade.

Dessa maneira, é fundamental discutir primeiramente

quem eram os povos nativos que viviam no Brasil na

ocasião da chegada dos portugueses. Um dos


O desembarque dos portugueses no Brasil ao
primeiros pontos que devemos levar em consideração ser descoberto por Pedro Álvares Cabral em
1500, por Roque Gameiro.
é o apagamento das diversidades étnicas existentes

entre os povos indígenas.

Nessas aldeias, não eram consideradas as A história da ação dos indígenas, da negociação e da

diversidades étnicas, linguísticas, ritualísticas e sua resistência é sintetizada em argumentos de que

religiosas, sendo, assim, ignoradas as especificidades eles eram um grupo frágil, rebelde ou violento e que,

de povos tão distintos durante todo o processo da por esses motivos, foram sendo eliminados ao longo

colonização. Com a chegada de novos indígenas de de batalhas que, aos olhos dos colonizadores, eram

forma compulsória, esses aldeamentos, que poderiam justas. Sob o manto de tais argumentos, cerca de 90%

ser religiosos ou civis, não conseguiram se reproduzir da população existente no continente americano foi

biologicamente, e sim de forma predatória. eliminada no primeiro século de colonização.

Comentário
Além do apagamento das identidades étnicas e de As rivalidades interétnicas foram exploradas pelos

uma supervalorização do desempenho dos portugueses no processo de dominação. Uma delas

colonizadores, esse grupo social aparece na crônica era a existente entre os tupis e os tapuia.

da extinção como vítima passiva e em papéis Aproveitando-se dessas rivalidades, eles

secundários e depreciativos. Tal fator lhes causa uma reclassificaram os grupos e os denominaram como

dupla violência: a física e, em seguida, a histórica. “mansos” e “bravios”.

Os sobreviventes desse genocídio, inédito na história Os tapuias que ficavam no interior do território eram

da humanidade, lutaram para preservar suas tidos como selvagens, bárbaros e antropófagos, ao

identidades, histórias, memórias e tradições. contrário dos tupis, que viviam no litoral e eram

vistos como aliados pelos portugueses.


A diversidade étnica

Índios? Que índios? Formas de colonização

Reflexão
A autora Maria Regina de Almeida (2013) destaca

como é problemática a designação dos grupos étnicos Nos primeiros anos da colonização, os índios

por conta do desconhecimento dos portugueses em interagiram com os agentes presentes no processo de

identificar e compreender a etimologia indígena. construção da sociedade colonial buscando os

Os tupis próprios ganhos. Com negociações e perdas, as

aldeias tiveram outro tipo de vivência e de


No início da colonização, no século XVI, os tupis experiência de contato.
predominavam na costa e na bacia do Paraná-

Paraguai, estabelecendo mais contato com os A sociedade colonial se formou a partir de dois

portugueses. Uma hipótese dos pesquisadores é que movimentos:

esse grupo tenha se dispersado da região antes de sua


Miscigenação Adaptação cultural
conquista.

Os indígenas estiveram envolvidos nesses dois


Os tupinambás são um exemplo da dificuldade
processos. Ambos provocaram a reelaboração de
apontada por Almeida, que seriam um subgrupo dos
comportamentos, valores, crenças, interesses e
tupis que habitavam na região costeira do Ceará até
objetivos e a construção de histórias e identidades por
Iguape. A expressão “tupinambá”, contudo, também
parte de todos os sujeitos envolvidos, sejam eles
serve para designar tanto os vários grupos de tupis
colonizadores ou colonizados.
que habitavam o litoral quanto um de seus subgrupos.
Cabe reconhecer quão complexos eram os contatos Segundo Manuela Carneiro da Cunha (2012), ”o que

entre os índios e os demais agentes sociais, que é hoje o Brasil indígena são fragmentos de um tecido

muitas vezes tinham atitudes ambíguas e incoerentes, social cuja trama, muito mais complexa e abrangente,

sendo constantemente reformulados por suas cobria provavelmente o território como um todo”. De

experiências cotidianas na colônia. acordo com dados do IBGE, o país conta com 305

etnias indígenas e 274 línguas diferentes,


Na reflexão acerca da diversidade étnica do Brasil, os correspondendo a um percentual de 0,47% da

povos nativos também precisam ser protagonistas população.

desse relato, já que não foram anulados nem física, Atenção!

nem politicamente nos contatos com os europeus.


Esses números são constantemente alterados por
Desse modo, eles contribuíram para uma cultura e
fatores sociais, como à não realização do Censo
uma religião brasileira de diferentes modos.
(prevista para 2020) e os efeitos da pandemia da

covid-19, mas serve como referência e comparação a


Os indígenas conseguiram recriar suas identidades
números posteriores.
nos séculos seguintes a partir das diferentes formas

como viveram a colonização, seja como índios

aldeados, súditos cristãos ou simplesmente sem

contato com o colonizador. De toda forma, eles não

desapareceram nem foram totalmente assimilados,

como faz crer uma história que nos foi contada e que

deixa apenas no passado esse grupo.

Nos séculos seguintes, principalmente após a

independência do Brasil, em 1822, os indígenas


Índio Tupi, por Albert Eckhout, 1643.
permaneceram atuando em outras esferas como forma

de resistência e recriando suas identidades, sua De fato, o termo “tapuia” se referia, de forma
cultura e sua história. Essa atuação fez com que eles genérica, a um grupo de oposição aos tupis, fator que
sobrevivessem a despeito dos esforços de políticas influenciou o olhar europeu sobre esse grupo, dando-
públicas, desde os tempos da colônia, do Império e lhe características negativas e bárbaras.
mais fortemente na República, para eliminar essa

população. Por outro lado, os tapuias foram aliados dos

holandeses no período em que eles ocuparam a região

de Recife pelo fato de esse grupo indígena ser um


inimigo dos portugueses. Com isso, rivalidades históricos, alimentada pelas expectativas dos homens

étnicas eram alimentadas por diferentes povos que viveram esses processos.

europeus que ocuparam a região do Brasil em tempos


Com os indígenas tal processo não foi diferente,
distintos.
sendo impossível aos grupos que tiveram contato com

Sendo assim, muitas dessas nomenclaturas étnicas os portugueses permanecer os mesmos depois dessa

experiência. Assim, as etnias se reelaboraram, se


foram dadas por cronistas. A partir de algumas
rearticularam e construíram movimentos conforme as
situações específicas, elas acabaram por caracterizar
motivações do momento.
um grupo, mas não devem ser vistas como categorias

fixas, destaca John Monteiro: “o processo de Esse é um ponto importante para que possamos ver os

invenção de um Brasil indígena envolveu a criação de indígenas como grupo social em constante

um amplo repertório de nomes étnicos e de categorias movimento e seguindo uma lógica dos demais grupos

sociais que buscava classificar e tornar compreensível que por aqui chegaram. A reelaboração dos

o rico painel de línguas e culturas antes movimentos e da identidade faz parte de qualquer

desconhecidas pelos europeus” (ALMEIDA, 2013, p. sociedade — e, com os indígenas, não foi diferente.

51).
Na experiência dos aldeamentos, a convivência com

Os cronistas influenciaram a caracterização de grupo portugueses, jesuítas e uma mistura de grupos étnicos

“inimigo” e outro “amigo”, uma vez que os europeus não tirou desses aldeados a sua identidade indígena;

interferiram nas guerras intertribais e nas relações pelo contrário, ela os colocou numa condição distinta

interétnicas. Por isso, tais características foram dadas dos outros grupos sociais da colônia, sendo

a partir de uma conjuntura específica de conflito e submetidos a algumas regras e tendo alguns direitos.

sobrevivência na qual a presença europeia, seus


Nos aldeamentos, os aldeados conheceram outras
artefatos e sua “amizade” poderiam determinar o
culturas e histórias, convivendo não apenas com
destino de um grupo.
outras etnias, mas também com outros grupos, como
Hora de resistir
mestiços, colonos e missionários. Além disso, eles

A experiência desse contato fez com que os indígenas aprenderam novas práticas culturais e políticas, tendo

reelaborassem comportamentos, atitudes e valores, as aldeias um papel para a ressocialização dos povos

alterando relações, história e identidade. Essa indígenas.

reelaboração está dentro de uma concepção de cultura

que se forma e se transforma dentro dos processos


Documentos do século XVI algumas vezes se referem

aos habitantes indígenas como “os brasis” ou “gente

Brasília”, e, ocasionalmente no século XVII, o termo

Soldados índios da província de Curitiba, “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao
escoltando índios prisioneiros, por Jean Baptist
status econômico e jurídico desses [habitantes] eram
Debret, 1834.
muito mais populares. Assim, os termos “negro da

A experiência do contato fez com que muitos terra” e “índios” eram utilizados com mais frequência

indígenas adotassem hábitos dos colonizadores, do que qualquer outro.

alterando seus modos de vida e dando novas

interpretações ao seu sistema cultura já existente. No (SCHWARTZ, 2000)

entanto, essa situação não fez com que eles

deixassem de ser “índios” ou que se criasse uma ideia TEXTO II

de “índio falso” e “índio legítimo”.


Índio é um conceito construído no processo de
Tal ideia reforçaria a crença de que esse grupo estaria conquista da América pelos europeus.
condenado a um imobilismo histórico apesar das Desinteressados pela diversidade cultural, imbuídos
experiências de contato com outros grupos. Assim de forte preconceito para com o outro, os indivíduos
como qualquer outro agrupamento, os índios estão de outras culturas, espanhóis, portugueses, franceses
sujeitos a mudanças históricas, sem que, com isso, e anglo-saxões terminaram por denominar da mesma
precisem abandonar totalmente suas culturas e forma povos tão díspares quanto os tupinambás e os
identidades. astecas.

Todos os grupos que formaram o Brasil se


(SILVA; SILVA, 2005)
transformaram, mas o indígena parece condenando a

um imobilismo. Além disso, qualquer mudança é


Na comparação dos dois textos, as formas de
vista como uma falsidade e um movimento errado.
designação dos grupos nativos pelos europeus,
Vamos praticar alguns conceitos?
durante o período analisado, são reveladoras da
Questão 1
A

(Enem – 2016 – adaptada)


concepção idealizada do território, entendido como

geograficamente indiferenciado.
TEXTO I
B
percepção corrente de uma ancestralidade comum às charruas e marajoaras.

populações ameríndias. 2 Os europeus no Brasil

C A expansão colonialista

Navegar é preciso
compreensão etnocêntrica acerca das populações dos

territórios conquistados. A expansão marítima europeia permitiu uma

D circulação de diferentes povos europeus para outras

regiões — entre elas, o continente africano e as


transposição direta das categorias originadas no
Américas. Os primeiros a chegarem ao Brasil foram
imaginário medieval.
os portugueses, no entanto, outros europeus também

E estiveram nessa região e contribuíram para a


visão utópica configurada a partir de fantasias de formação da sociedade brasileira na sua diversidade
riqueza.
étnica.
Questão 2

A ideia de que, no Brasil, existiam “índios” faz parte

de uma visão equivocada sobre as organizações e os

povos aqui estabelecidos. Nesse ponto, é necessário

conseguir identificar os povos locais e suas

características. Eram povos nativos do Brasil no

século XVI
Desembarque de Pedro Álvares Cabral em
A
Porto Seguro em 1500, por Oscar Pereira da
Silva, 1922.
maias e astecas.

B Os portugueses iniciaram sua empreitada de ocupação

do território que seria chamado “Brasil” após

tupinambás e guaranis. algumas questões relacionadas ao seu processo de

C expansão. Uma delas diz respeito a seu recuo em

algumas áreas do continente africano, principalmente


tupiniquins e apaches.
na região norte, diante da perda do controle dessa

D área para os muçulmanos. A decisão de ocupar o

Brasil ocorreu, entre outros motivos, devido ao perigo


toltecas e incas.
de perda do território para os franceses.
E
Essa ocupação foi realizada primeiramente por meio As pessoas que vieram para o Brasil eram de distintas

da doação de terras para particulares. O sistema regiões de Portugal, havendo períodos de maior

conhecido como “capitanias hereditárias” permitiu presença de povos da Norte ou das ilhas portuguesas.

uma divisão da área entre os burgueses e aqueles Tal fato é significativo, já que os próprios

dispostos a enfrentar o desafio colocado pela Coroa. portugueses eram um povo mestiço, afetando, assim,

Pouco sabemos acerca da ocupação dessas áreas, a própria concepção do que é ser “português”.

assim como sobre a totalidade de portugueses e a A ocupação europeia


origem dos que vieram para o Brasil.
Esta terra ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Atravessar o Atlântico para terras desconhecidas,


As famílias senhoriais portuguesas tentaram manter
afinal, era um desafio que nem todos estavam
uma linhagem e hierarquias, principalmente na região
dispostos a enfrentar, principalmente pela falta de
agrícola, formando alianças entre famílias que
recursos e de garantia da Coroa. A colonização, de
também se ajudavam com recursos, terras e esposas.
fato, se iniciou anos depois, quando houve uma
Muitas pesquisas mostram essa prática de casamentos
centralização administrativa graças ao
endógenos, isto é, entre portugueses, em contextos
estabelecimento do governo geral, tendo a cidade de
específicos — principalmente aqueles ligados à
Salvador como centro.
produção agrícola e presentes desde os tempos da

colonização.

Esses esquemas de casamentos também agregaram

famílias pobres e da classe senhorial a fim de criar

uma estabilidade na estrutura agrária. No entanto,

apesar da forte presença portuguesa no período

colonial, somente após a independência do Brasil o

fluxo migratório de portugueses atingiu o seu ápice,

Mapa de Luís Teixeira com a divisão da América havendo, no período republicano, outro auge da vinda
portuguesa em capitanias, 1574. desses povos para o país.

A vinda de portugueses não foi constante no período A chegada da família real em 1808 também gerou um

colonial. A Coroa portuguesa tinha dificuldades em impacto, uma vez que ela veio para o Brasil

acompanhada de uma grande comitiva de


atrair colonos para a região. Porém, com a descoberta
portugueses, incluindo os membros da família e seus
do ouro, o fluxo migratório de portugueses para o

Brasil se intensificou.
A presença de europeus diversos no Brasil
funcionários. Tal mudança atraiu alguns comerciantes
Espanhóis
e homens de negócio provenientes de Portugal.

Os espanhóis fizeram parte do processo da

colonização do Brasil no período da União Ibérica

(1580-1640), quando as coroas portuguesas se uniram

sob o rei espanhol. Nessa ocasião, a presença de

espanhóis (ou castelhanos) foi constante no Brasil,

voltando a ser presente nos séculos XIX e XX com as


Embarque da família real portuguesa, de artista imigrações de galegos.
desconhecido.

De acordo com alguns estudiosos, os portugueses que

vieram para o Brasil possuíam distinções em relação

à escolaridade e aos recursos, variando conforme o

contexto europeu, fator que, aliás, favoreceu essa

migração. Houve desde portugueses com alta

escolaridade, funcionários administrativos e da Coroa


A invencível armada, de autor desconhecido,
e missionários até pessoas mais pobres, sem
século XVI.
escolaridade ou recursos.

No período de domínio dos espanhóis, a expansão


Diante de tamanha diversidade, a questão que se
para o interior, se distanciando do litoral, foi iniciada

coloca nesses estudos sobre os imigrantes com a descoberta dos “sertões”. Ficaram conhecidas

portugueses se atém à manutenção de modelos como “bandeiras” as expedições de conhecimento de

culturais de tais imigrantes. A imagem do uma região, o aprisionamento de índigenas e a

ocupação do território.
colonizador português e a do imigrante não podem

ser vistas como modelos fechados nem superiores às A presença dos espanhóis foi marcante no território

dos demais povos aqui existentes. colonial, mas teve reduzido seu impacto com o fim da

União Ibérica no período colonial. Como apontamos,


O analfabetismo dos portugueses e a pobreza de
porém, a vinda deles se acentuou nos séculos
muitos deles interferiu, de algum modo, na forma
seguintes.
como eles agiram na sociedade da colônia e do
Holandeses
Império, assim como no legado deixado para a

formação da nacionalidade brasileira.


A região do Brasil atraiu outros povos europeus. Os alimento. Ganhar a confiança dos moradores da

holandeses estavam entre os povos que cobiçaram região garantiu a eles um grande lucro, além de

essa região das Américas. A primeira tentativa influenciar outros a assumir o judaísmo como

ocorreu na Bahia ainda no final do século XVI, religião, principalmente os cristãos-novos recém-

embora eles só tenham feito uma campanha de forma convertidos do judaísmo ao cristianismo.

mais efetiva em 1624 — só que sem sucesso.


As marcas da presença dos holandeses nessa região

permanecem até hoje nos pontos turísticos de Recife

e Olinda e alimentam a memória de um tempo da

colonização que não era empreendimento dos

portugueses, ainda que ela também fosse baseada na

exploração especialmente da mão de obra escrava

africana e indígena.
Batalha dos Guararapes, por Victor Meirelles,
1875. Judeus

Em 1630, os holandeses enfim chegaram a Entre aqueles que vieram para o Brasil desde os
Pernambuco e por lá permaneceram até 1654. Nesse primeiros momentos, estavam os judeus. Em um
período, eles atuaram de forma diferenciada na primeiro momento, eles eram identificados como
ocupação dessa região, produzindo os registros dela cristãos-novos diante da política inquisitorial do reino
por meio de obras de artistas e memorialistas que português. Após o início da colonização, alguns
marcavam a permanência desse povo em terras senhores de engenho não só tinham origem judaica,
anteriormente ocupadas por portugueses. como também eram traficantes de escravos, grandes

comerciantes e demais profissionais existentes na


A vinda dos holandeses está ligada a um contexto
colônia, como médicos, militares e artesãos.
específico na Europa: a visão da América como um

local atrativo para novos investimentos. A A presença de cristãos-novos na colônia foi tranquila
permanência deles em Pernambuco — até a vinda do visitador inquisitorial disposto a
primeiramente, em Olinda; depois, em Recife — encontrar aqueles que preservavam práticas
alterou a arquitetura da cidade e introduziu a judaizantes mesmo se intitulando cristãos-novos. Na
religiosidade judaica em um ambiente de época da ocupação da região de Pernambuco pelos
predominância católica por conta dos portugueses. holandeses, a comunidade judaica pôde ter uma

liberdade religiosa com o estabelecimento da primeira


Os judeus atuaram fortemente na região conhecida
sinagoga do Brasil.
como “Nova Holanda”, negociando escravos e
não tiveram sucesso. Essa tentativa marcou a

fundação da cidade, feita por Estácio de Sá em pleno

conflito entre portugueses e franceses no ano de

1565.

A mais antiga sinagoga das Américas,


localizada no Recife, foi fundada em 1636.

Na ocasião, esses judeus também se dedicaram ao

comércio de açúcar e escravos e atuavam em cargos

de administração. Tal presença judaica permitiu que

muitos daqueles que se apresentavam como cristãos- Chegada da esquadra francesa na baía da

novos se sentissem seguros para assumir o judaísmo Guanabara, em 12 de setembro de 1711.

como prática religiosa.


Décadas depois, em 1612, os franceses investiram

A política modernizadora de Marquês de Pombal, novamente no Brasil, mais precisamente na Região

responsável pela expulsão dos jesuítas do Brasil, Norte, fundando a cidade de São Luís, no Maranhão,

eliminou a marca de sangue e, consequentemente, a com o objetivo de criar a França Equinocial. Antes

diferenciação entre cristãos-novos e velhos, marcando dos franceses, essa região era dominada pelos

o fim da primeira fase da história dos judeus no tupinambás, que chamavam a área de “ilha grande”.

Brasil, aponta Keila Grinberg (2007, p. 130). Contra eles, lutaram lado a lado espanhóis e

portugueses.
Exemplo

No entanto, a presença dos franceses não durou muito


A constituição do Império que estabeleceu a
na região, que também contava com a presença de
liberdade religiosa no Brasil favoreceu a vinda de
holandeses e portugueses. Toda essa região do norte
imigrantes judeus de origem inglesa, francesa e
da colônia foi ocupada por europeus (franceses,
marroquina. Com atuações no comércio e em outras
holandeses, espanhóis e portugueses): eles montavam
atividades, eles fixaram residência em variadas
núcleos urbanos ao lado de religiosos, os quais, por
cidades do Império.
sua vez, se empenhavam no processo de catequização
Franceses
dos indígenas.

Os franceses também se interessaram na região das Migrantes e aventureiros

Américas. Eles tentaram ocupar o local onde Em busca da riqueza


atualmente se situa a cidade do Rio de Janeiro, porém
Após o auge do período colonial e nos primeiros O núcleo de ocupação por parte desses imigrantes era

momentos do século XIX, houve um incentivo à em médias propriedades de terras. Essas pessoas,

vinda de imigrantes para a ocupação de algumas áreas portanto, serviriam para ocupar regiões inexploradas.

até então desocupadas do Brasil. O incentivo foi


As atividades desses primeiros colonos se
provocado pelo fim do tráfico de escravos e a
concentravam na lavoura de subsistência e no
perspectiva de falta de mão de obra para a lavoura de
comércio local. Os suíços em Nova Friburgo/RJ e os
café, que estava em ascensão na segunda metade do
alemães em São Leopoldo/RS e Blumenau/SC são
século XIX.
exemplos disso.

Por outro lado, é importante frisar que a vinda de

imigrantes europeus para o Brasil foi um reflexo das Além da ocupação da região com atividades

condições políticas e econômicas desses países de agrícolas, a chegada desses povos prometia promover

origem. O caso dos imigrantes alemães é um desses a “civilização” do país de acordo com os padrões

exemplos diante da realidade da guerra franco-


europeus. Esses povos também interferiram em uma
prussiana, da formação do Estado Nacional e da
prática religiosa existente no Brasil, principalmente
decomposição das características feudais ainda
na influência da religião protestante e na implantação
existentes nessa região.
das suas igrejas, como é o caso da Igreja Luterana,

Migrar da Europa, portanto, poderia ser uma opção existente em várias partes do Brasil.

para famílias inteiras destituídas de terras e de um

futuro. Outros povos que se encaixavam nessa A cultura brasileira também foi afetada pelos

dinâmica de crise em seus países de origem também diferentes povos que aqui estiveram, como alemães,

vieram, como, por exemplo, os próprios portugueses italianos, judeus e suíços, além de outros.

e suíços. A fuga dos conflitos

Os italianos chegaram ao Brasil no final do Império,

por volta da década de 1870, também influenciados

pela crise política e econômica no seu país de origem.

No Brasil, eles se tornaram um tipo ideal de

imigrante, chegando a corresponder a quase 50%

deles.

A Imperatriz Leopoldina incentivou a imigração


alemã ao Brasil.
para a diversidade étnica. Sendo assim, seria possível

dizer que o Brasil é formado por “três raças”?

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

(UEL-PR) "Como não se tratava de regiões aptas para


Os emigrantes, por Antonio Rocco, 1910.
a produção de gêneros tropicais de grande valor

comercial, como o açúcar ou outros, foi-se obrigado


A presença dos italianos se assemelhava à dos
para conseguir povoadores [...] a recorrer às camadas
portugueses e espanhóis pelo fato de eles também
pobres ou médias da população portuguesa e
serem de origem latina, diferentemente de alemães e
conceder grandes vantagens aos colonos que
japoneses. Além disso, eles cumpriam o aspecto da
aceitavam irem-se estabelecer lá. O custo do
política de branqueamento do governo brasileiro
transporte será fornecido pelo Estado, a instalação
tanto do Império quanto da República.
dos colonos é cercada de toda a sorte de providências

Por isso, eles se tornaram o imigrante “adequado” destinadas a facilitar e garantir a subsistência dos

para os desafios que o Brasil colocava sobre a política povoadores; as terras a serem ocupadas são

imigrantista. A presença dos italianos se deu na previamente demarcadas em pequenas parcelas, [...]

região da cafeicultura, principalmente em São Paulo. fornecem-se gratuitamente ou a longo prazo auxílios

Em seguida, atuaram em fábricas e indústrias, vários (instrumentos de trabalho, sementes, animais

compondo um importante quadro do operariado no etc.)."

Brasil recém-industrializado.

(PRADO JÚNIOR, 1982, p. 95-96)


Desse modo, no período imperial, o movimento

migratório para o Brasil foi apoiado como política de Com base no texto, é possível afirmar que o autor se

Estado, havendo regras e leis a fim de favorecer a refere

vinda de povos estrangeiros para o trabalho em A

sintonia com os interesses das elites agrárias. Isso


à colonização do sertão nordestino por meio da
permitiu uma integração do país na ordem capitalista
pecuária.
e no mercado mundial que se conformou no bojo do
B
imperialismo.

à ocupação da Amazônia por meio das drogas do


Além disso, a vinda de diferentes povos para o Brasil
sertão.
afetou a formação da cultura nacional e contribuiu
C D

à expansão para ocupação e manutenção de uma o acompanhamento dessas atividades: primeiramente,

presença europeia — em especial, a portuguesa. como complemento da atividade açucareira; e

D posteriormente, como núcleos abastecedores da

atividade mineradora e seus desdobramentos.

à colonização do Sul por meio da pecuária.


E

E
a estagnação econômica da capital da colônia em

ao povoamento das capitanias hereditárias. função do desenvolvimento do cultivo de café.

3 Os africanos no Brasil
Questão 2
Uma escolha econômica

(Fuvest-SP – adaptada) O que levou ao As costas africanas

desenvolvimento e à ampliação das atividades


A introdução da escravização de africanos no Brasil
econômicas periféricas da colônia, tais como a
fez com que recebêssemos cerca de um terço dos
pecuária, o tabaco, as drogas do sertão e mesmo o
africanos trazidos para as Américas. Esse grupo veio
pau-brasil, em detrimento da lavoura de cana-de-
da região das seguintes regiões:
açúcar, após a expulsão dos holandeses, em 1654, foi

a criação de um mercado interno fomentado pelo

descobrimento das minas de ouro no final do século

XVI e sua ampliação para as cidades litorâneas da

colônia.

B Costa ocidental (Costa da Mina, principalmente)

a inversão significativa da utilização da mão de obra

escrava pela mão de obra livre na região das minas,

criando, assim, um mercado consumidor expressivo.

estagnação econômica do Centro-Oeste em função do

renascimento agrícola no Nordeste ao longo do


Centro-Ocidental (Angola e Congo)
século XVII.
Uma forma de perda de identidade foi a substituição

de seus nomes de origem pelos do colonizador ou do

senhor. Nomes africanos foram substituídos pelos de

portugueses, ingleses, espanhóis, holandeses e

franceses, ou seja, de todos aqueles que participaram

da escravização desses povos, principalmente no

Costa oriental (Moçambique) Brasil.

A identificação étnica dos africanos que vieram para

o Brasil poderia responder sobre a experiência da

escravidão e sobre como eles viveram a diáspora. No

entanto, muitos registros de nação encontrados nas

documentações são apenas categorias criadas por


Festa do Senhor do Bonfim, em Salvador (BA).
senhores e comerciantes ou identidades adotadas

pelos próprios africanos ao se reagruparem ou No entanto, é importante ressaltar que, apesar das

ressocializarem sob a escravidão. opressões vividas por tais povos durante o período da

escravização, a resistência em manter suas


A denominação “povos africanos” é uma identidades culturais e religiosas foi predominante.

terminologia que homogeneíza todos os que vieram Graças a isso, eles puderam contribuir com a

do continente, mas que sequer se identificavam como formação da sociedade brasileira — especialmente na

cultura, na religiosidade e na política.


“africanos”. As diferentes regiões do continente

originaram povos distintos, porém, ao chegarem ao A dinâmica de comércio de homens e mulheres


africanos
Brasil, eles se viram identificados a partir de algumas
A tentativa de apagar as identidades
condições impostas a eles. A principal delas é a

O comércio de homens e mulheres africanos para as


condição de escravizados.
Américas fez com que chegassem ao Basil cerca de 4

Isso fez com que “africano” se tornasse sinônimo de milhões de homens e mulheres. Esses números têm

“escravo”. Resultado: toda uma pluralidade cultural, sido constantemente atualizados à medida que as

estética, de costumes e religiosa foi desprezada por pesquisas sobre tráfico de escravizados descobrem

intelectuais que interpretavam o Brasil Colônia e o novas cifras e a contabilidade desse comércio, que

Império ainda dependente da escravidão. durou séculos.


Toda essa “mercadoria” veio para o Brasil trabalhar O tráfico de escravizados se fazia com trocas

na lavoura e em outras atividades, por exemplo, no recíprocas e complementares. A Bahia era uma

serviço doméstico ou no comércio das grandes e importante fornecedora de tabaco, oferecido em troca

pequenas cidades. De acordo com João José Reis de escravos. De acordo com Pierre Verger (2021), os

(2007), os africanos que aqui chegaram eram, entre africanos escravizados na Bahia eram provenientes de

outros, povos chamados de: nações guerreiras.

 Congos Apesar de todos os estudos sobre os africanos no

 Angolas Brasil, não é possível precisar a origem e as etnias

dos que foram escravizados no país, já que o termo


 Benguelas

“nação” não corresponde necessariamente a grupos


 Cabindas
étnicos constituídos, e sim a alguns critérios e
 Cassanges
variáveis que aparecem em determinada rota. Ou seja,

 Monjogos
ele faz mais referência à experiência dos traficados

 Rebolos com a escravidão.

 Moçambiques
Os africanos no Atlântico puderam redefinir suas

identidades e as fronteiras que os separavam,


Alguns deles predominaram em alguma região, como
surgindo, assim, as organizações conhecidas como
é o caso dos angolas, que saíram do Porto de Luanda
“nações”. As identidades étnicas se transformaram
e desembarcaram, em sua maioria, no Rio de Janeiro.
com a própria experiência da escravidão e se

Vindos da região do Golfo do Benin (sudoeste da tornaram etnicidades africanas no Brasil.

atual Nigéria), os que chegavam à Bahia, por sua vez,

eram chamados de:

 Dogomés

 Jejes
Calçadores, por Jean-Baptiste Debret, 1824.
 Ussás
Citando Robert Slenes, um importante historiador,
 Bornos
João José Reis indica que:

 Tapas

 Nagôs
[Slenes] propõe que os escravos da África Centro- como “minas”, eles recebiam os nomes dos seus

senhores ou de outras origens diferentes da original.


Ocidental que povoaram as fazendas e cidades do

Centro-Sul do Brasil teriam aqui desenvolvido uma Atenção!

‘protonação bantu’ a partir de características culturais


Para alguns autores, a identidade “mina” — e até
convergentes, sobretudo linguísticas, ou seja, as
mesmo a africana — é uma identidade em construção

línguas e outros elementos culturais próprios daquela e fruto das mudanças que afetaram a escravização dos

área geográfica africana teriam um substrato bantu africanos nas Américas, principalmente no Brasil.

que facilitou a formação de uma identidade comum


Muitos africanos tidos como “minas” emigraram da
no Brasil, a identidade bantu.
Bahia para o Rio de Janeiro. Eles eram vendidos por

seus donos pelo temor de revoltas semelhantes à


(REIS, 2007, p. 84)
ocorrida em 1835 (conhecida como Revolta dos

As identidades étnicas foram construídas com base Malês). Parte desses migrantes contava com as

em determinados elementos da cultura de um grupo e mulheres minas, as quais, aliás, já vinham com a

conforme a necessidade em relação ao outro. A prática do comércio em Salvador.

identidade desses africanos, fossem eles escravizados


No Rio de Janeiro, eles continuaram nessa atividade e
ou libertos, estava em constante transformação —
ocuparam as ruas da corte, vendendo panos da costa,
seja ela a ocorrida na travessia entre África e Brasil,
alimentos e outros produtos. Essas características
seja a que se deu dentro de nosso próprio país. A
gerais não conseguem definir todas as mulheres tidas
viagem atlântica provocou, portanto, a ruptura e a
como “pretas-minas” que atuavam no comércio no
redefinição das identidades étnicas.
Rio de Janeiro.
Reconstruindo identidades

Os minas De acordo com Carlos Eugênio Soares (2007), o

termo “mina” talvez tenha sido usado de forma


Os minas são exemplos da mudança anteriormente
generalizada para a população escrava no Rio de
descrita. Povos de origem da África Ocidental, eles se
Janeiro, referindo-se, na verdade, a todos os africanos
fixaram, em grande parte, na Bahia para a
ocidentais vindos da Bahia.
substituição daqueles vindos da África Centro-

Ocidental. Os contornos dessa identidade são complexos. Pelo

enfoque nas quitandeiras, podemos entender que esse


Muito que sabemos sobre esse grupo vem dos
novo movimento de redefinição transétnico relaciona-
batismos realizados por seus senhores. Classificados

se com a cultura de gênero, o mercado de trabalho e


os espaços urbanos reinventados. Pensamos,

inclusive, esse movimento num cenário transnacional,

no sentido do retorno à África e da articulação com

outros cenários étnicos.

(SOARES, 2007, p. 200)

Por isso, a identidade mina e todas as outras africanas


Punição por açoitamento, por Jean-Baptiste
devem ser pensadas num contexto dinâmico e não
Debret, 1830.
estático, sendo afetadas principalmente pela

escravidão e pela resistência a esse sistema na busca A escravidão nas cidades foi constante e necessária

por liberdade. para o desenvolvimento de muitas delas. Os

escravizados estavam presentes como trabalhadores


Resistência e cultura
em vários setores da economia das cidades e dentro
Ressignificações
das residências, sendo a escravidão uma parte da

Os africanos trouxeram da África vários de seus cultura da cidade e dos seus moradores.

costumes, crenças e objetos, incorporando-os, em um


Os habitantes das cidades coloniais e imperiais
movimento circular, à cultura local e imprimindo-
conviveram tanto com os escravizados quanto com
lhes, por vezes, novos significados.
seus descendentes, livres e libertos, no cotidiano das

festas e das manifestações religiosas e culturais.

Apesar dessa convivência, ser homem negro e mulher

negra durante a vigência da escravidão significava

não ter respeitado seu direito de existência e de

compartilhamento de valores, já que grande parte da


Encontro estadual de maracatus, no Carnaval
do Recife, em Pernambuco. religiosidade dessas pessoas era perseguida por ser

uma manifestação exótica aos olhos das autoridades


O discurso europeu a respeito dos africanos, vistos
cristãs. Tais manifestações religiosas eram
como sem cultura, costumes e religião — e, por isso,
reminiscências das práticas africanas aprendidas no
incapazes de contribuir para a formação de nossa
seu local de origem ou na diáspora, isto é, na
sociedade —, foi desmontado pela realidade
experiência da escravidão.
brasileira, que também se baseia nesses diversos
Identidades
grupos étnicos.
As identidades étnicas e de nações também podem ter permaneceu escravizada até 1888, ano em que, de

sido reforçadas na experiência da violência da fato, acabou a escravidão por meio de uma curta lei.

escravidão e nas possibilidades de resistência a esse A força da identidade local


sistema. Durante todo o período da escravidão, os

escravizados resistiram. Alguns grupos se revoltavam O Brasil foi formado pelos africanos escravizados e

com mais frequência, principalmente os nascidos na por seus descendentes, mestiços e crioulos, que

África, enquanto outros escolhiam novas formas de interferiram na forma como a cultura brasileira é vista

resistência, como fugas, aquilombamentos e hoje em dia, assim como na religiosidade e em outros

violência. costumes culturais e políticos. Um dos pontos

fundamentais desses encontros de diferentes povos

A resistência do cotidiano, como o atraso no trabalho, (portugueses, africanos e indígenas), o sincretismo

as mentiras sobre doenças e outras negociações, religioso há muito tem sido objeto de estudos de

historiadores, antropólogos e etnólogos, além de


também fizeram parte das estratégias de resistência
outros profissionais.
de africanos escravizados e de seus descendentes

(chamados de crioulos por terem nascido no Brasil). A resistência dos povos africanos em preservar algum

tipo de religiosidade original marcou os séculos de


As alforrias também eram um mecanismo para
sua escravização e afetou as demais religiosidades,
amenizar a violência da escravidão, sendo destinadas,
principalmente a cristã. Assim como a religiosidade,
em maior frequência, às mulheres e aos nascidos no
outras práticas culturais africanas sobreviveram à
país. Tal realidade permitiu o aumento de uma
escravidão, por exemplo, algumas danças, batuques,
população livre “de cor”, que correspondia a uma
comidas e outras manifestações culturais.
significativa parcela da sociedade urbana.

Homens e mulheres negros e negras se tornaram

médicos, professores, escritores ou advogados. Entre

eles, estão nomes ilustres, como Luiz Gama, José do

Patrocínio, Machado de Assis e Maria Firmina dos

Reis.
Escravos dançam em uma plantação de açúcar,
por Dirk Valkenburg, 1707.
A população afrodescendente do Brasil cresceu após

1850, fazendo com que o país tivesse o maior Anteriormente reprimidas, essas manifestações

contingente de afrodescendentes do mundo. Houve atualmente são reconhecidas como patrimônios

uma nacionalização da população escrava, que culturais.


Apesar do grande número de homens e mulheres trata, portanto, do resgate ingênuo do passado nem do

seu cultivo nostálgico, mas de procurar perceber o


negros no Brasil hoje em dia, eles não aparecem com
próprio rosto cultural brasileiro. O que se quer é
tanta frequência na mídia como sujeitos produtores de
captar seu movimento para melhor compreendê-lo
cultura, tampouco como intelectuais, cientistas e
historicamente.”
artistas, apenas para citar algumas participações na

sociedade. Pelo contrário: ainda hoje, essas pessoas (MINAS GERAIS, 1988)

estão destinadas a ocupar um gueto social que não

corresponde à realidade. Com base no texto, a análise de manifestações

culturais de origem africana, como a capoeira ou o


Mesmo com o sucesso das políticas de cotas nas candomblé, precisa considerar que tais manifestações
universidades, ainda é pífia a participação mais
A
efetiva de homens e mulheres negros em posições de

poder ou ocupando altos cargos na administração de permanecem como a reprodução dos valores e

empresas e em cargos executivos, legislativos e costumes africanos.

principalmente no Judiciário. As causas para tão


B
pouca participação podem ter várias origens, mas

sabemos que o racismo ainda é o grande motivo para perderam a relação com o seu passado histórico.

eles, mesmo sendo a maioria da população, ainda não C


terem uma posição de destaque.

derivam da interação entre valores africanos e a


O Brasil é formado majoritariamente por esse grupo e
experiência histórica brasileira.
não pode deixar de reconhecer que uma minoria
D
branca ainda domina uma maioria de homens e

mulheres negros. Conhecer a origem dessa contribuem para o distanciamento cultural entre

discrepância é essencial para que possamos mudar negros e brancos no Brasil atual.

essa realidade em um futuro próximo.


E

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1 demonstram a maior complexidade cultural dos

africanos em relação aos europeus.

“A recuperação da herança cultural africana deve

levar em conta o que é próprio do processo cultural:

seu movimento, pluralidade e complexidade. Não se


Questão 2
houve uma diversificação no tocante aos africanos

Os principais grupos vitimados pelo comércio introduzidos no comércio de escravos ao longo da

nefando da escravidão foram os bantos e sudaneses. história.

Segundo Reginaldo Prandi, em De africano a afro- C

brasileiro (2000), “os sudaneses constituem os povos


os europeus tinham o cuidado em selecionar os
situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao
negros que seriam introduzidos, principalmente na
Chade e do sul do Egito a Uganda, mais ao norte da
Europa, a fim de diminuir a miscigenação.
Tanzânia”. Quanto aos bantos, eram povos “da África

Meridional, estão representados por povos que falam D

entre 700 e 200 mil línguas e dialetos aparentados,


o domínio português em Angola, parte do Congo e
estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites
Moçambique explica que suas características se
sudaneses, compreendendo as terras que vão do
centrem em especial nesses grupos, representando
Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança”. O
cerca de 40% de toda a população africana
termo “banto” foi criado em 1862 pelo filólogo
escravizada para o Brasil.
alemão Willelm Bleek e significa “o povo‟, não
E
existindo propriamente uma unidade banto na África.

Assim, “bantos” e “sudaneses” são definições


sudaneses e bantos chegaram a propor uma aliança no
genéricas e imprecisas produzidas no contexto da
intuito de minimizar os deslocamentos de suas tribos
apropriação europeia do continente e dos povos da
para a América.
África. Estudos mais aprofundados acabam por notar

que os entrepostos dialogam intensamente com os

centros estabelecidos entre as costas africanas

brasileira e africana. Dessa forma,

os principais povos africanos trazidos ao Brasil via

tráfico foram aqueles localizados na costa leste da

África devido à unidade na língua e no dialeto.

B
4 Interpretações sobre o Brasil
Quem são os brasileiros? seus membros, completa Alencastro, só se tornaram

IHGB “brasileiros” ao longo do século XVIII.

Diante de uma formação do Brasil com muitos povos No entanto, tamanha diversidade não parecia

de origens variadas, é normal identificar a diversidade interessar aos intelectuais e ao próprio Estado,

de identidades regionais no período colonial e que se desejosos de construir no país uma identidade que

manteve no Império e no período republicano. Povos pudesse definir o “brasileiro” de norte a sul. No

do Rio de Janeiro não compartilhavam os mesmos Império, houve um incentivo à formação dessa

costumes e hábitos — e até mesmo a linguagem — de identidade, o que gerou o aprofundamento de estudos

pernambucanos, paulistas, baianos e pessoas de e incentivos para aqueles que pudessem apontar e

outras regiões. identificar o que era o Brasil.

A criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro


O que diferenciava esses povos e o que os
(IHGB), em 1838, confirmava essa direção, já que o
aproximava? Essas são questões difíceis de
IHGB apoiou viagens de exploração científica e
responder, uma vez que a vida no período colonial e
publicava esses relatos, formando o país por meio do
no Império tinha nuances que poderiam ligar povos
reconhecimento científico do seu território, de suas

distintos e separar povos irmãos. águas e de suas diversidades topográficas.

A linguagem que os povos do Brasil praticavam em

seu português era distinta daquela realizada por seus

patrícios em Portugal, gerando o chamado

preconceito linguístico. O que conhecemos

atualmente como sociedade colonial é designado por

Luiz Felipe Alencastro (2009) como “brasílico”, pois Edifício Pedro Calmon, sede da mais antiga
instituição cultural do país, fundada em 1838.
Entretanto, não era possível deixar de formar o país Varnhagen acreditava que os indígenas eram um

na sua “gente”. Para isso, foi criado um concurso para exemplo de “raça perdida” pelo fato de sua

premiar quem fornecesse um esquema de “como organização física ser incompatível com o “mundo

escrever a história do Brasil”. civilizado” e que, por isso, tendiam ao

desaparecimento. No mesmo século em que era


O vencedor foi o austríaco por Karl Martius, o qual,
considerado inapto para o mundo civilizado, o
no seu texto, já indicava uma “miscigenação racial”.
indígena aparecia na literatura romântica de forma
Nessa obra, esse naturalista e botânico afirmava que,
também peculiar.
para escrever a história do Brasil, era necessário

partir de um estudo sobre o cruzamento/fusão das três As obras de José de Alencar são exemplos dessa

raças formadoras da nacionalidade brasileira: a literatura que idealizou os indígenas, o que indicava

branca, a indígena e a negra. um movimento de deixá-los para a posteridade como

figuras míticas, distantes da realidade e sem estar


Nesse cruzamento, a contribuição branca — mais
integrados ao mundo desses autores. No século XIX,
precisamente, a portuguesa — teria um peso maior,
as pinturas históricas também retrataram os indígenas
segundo Martius. Já o índio seria secundário; além
distantes de uma realidade de resistência à dominação
disso, Martius pouco tratou da contribuição negra.
colonial. Pelo contrário: o índígena, nessas pinturas,

está morto ou longe do centro da ação.


Não é de se admirar esse tal “esquecimento” de
Mestiçagem brasileira
Martius, já que ele escreveu seu texto em pleno
Capistrano de Abreu
período da escravidão, ainda dependente do tráfico

atlântico que trazia africanos para a escravização. Autor de obras literárias de síntese e livros didáticos,

Como ele poderia exaltar esses sujeitos como Silvio Romero viu como positiva a “mestiçagem

contribuintes da nacionalidade brasileira se eles só racial”, principalmente no que se refere aos

indígenas, que seriam o resultado da fusão de vários


serviam para o trabalho escravizado?
povos. Nesse caso, não haveria vencidos e

Depois de Martius, outros autores tentaram sintetizar vencedores no futuro, anulando uma perspectiva de

a história do Brasil sem deixar de mencionar quem os silenciamentos e apagamento intencional de culturas

formava, isto é, os diferentes povos, mas sempre e identidades.

colocando em ordem de importância os portugueses.

Esse foi o caso das obras de Adolfo de Varnhagen, Tal ideia se aproximava do que seria chamado mais

que também escreveu uma grande síntese em meados tarde de “democracia racial”, o que se dá quando a

do século XIX. tensão entre os diferentes povos é anulada a fim de


formar uma identidade. Ela seria brasileira Além disso, ele retoma a ideia de Martius sobre as

três raças e insere a discussão sobre o conceito de


exatamente por conta da miscigenação, que anulou
cultura, influência dos seus estudos em antropologia
conflitos e tensões, gerando uma originalidade de
culturalista nos EUA.
povo.

Pela lógica freyriana, existiria uma interpenetração


Outro grande autor que interpretou o Brasil foi
das culturas portuguesa, indígena e africana para
Capistrano de Abreu, que considerou os indígenas
formar o Brasil e sua sociedade, dando um caráter
antes da chegada dos portugueses e pensou a
positivo à miscigenação do período colonial. Tal
sociedade colonial na sua diversidade, mesmo não
lógica não se limitava, contudo, a esse autor: ela fazia
rompendo com os estereótipos sobre negros e
parte de um movimento anterior que pensou as artes e
mestiços. Os mestiços, aliás, eram vistos por ele
a literatura nacionais, assim como outras
como perigosos para a civilização que se queria
manifestações culturais, estendendo esse pensamento
construir.
à ideia das três raças como formadoras da nação.

Capistrano não estava totalmente longe de uma teoria


Essa lógica provém da década de 1920, época em que
elaborada na Europa que recebeu a adesão da
houve uma movimentação de autores, como Mário de
intelectualidade brasileira: a “raciologia cientificista”.
Andrade, na pesquisa pelas “raízes do Brasil”.
Os autores das primeiras décadas do século XX

reproduziam a ideia de inferioridade de algumas

“raças”, estando a negra no patamar mais baixo.

Por isso, a miscigenação era tão perigosa segundo

essa lógica, já que impediria o desaparecimento do

negro. Ela era, assim, tratada como um problema

moral ou patológico por uma intelectualidade

brasileira que também interpretava o país.

Democracia racial? Gilberto Freyre em 1956.

Gilberto Freyre e os debates do século XX


Essa pesquisa se deu por meio do registro de práticas

Diferentemente de outros autores, na obra Casa- culinárias, culturais, cantos... enfim, de todo tipo de

grande & senzala, de Gilberto Freyre, publicada em contribuição.

1933, a miscigenação não aparece criminalizada nem


Nessa busca, o autor encontra o africano, também
é um crime associado apenas ao negro e ao indígena.
retratado em pinturas e outras obras literárias. Um
exemplo é Monteiro Lobato, apesar de todos os reflexivo mostrar como no desenvolvimento

problemas que essas obras hoje em dia possam sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as

suscitar. condições para o aperfeiçoamento de três raças

humanas.”
Nos anos seguintes, autores de variadas correntes se

esforçaram em interpretar o Brasil a partir da sua


(MARTIUS, 1982, p. 89)
diversidade étnica, tentando criar parâmetros e

modelos de interpretação que pudessem se encaixar


Considerando o texto escrito por Martius e publicado
nas diferentes etapas de formação do país. No
em 1845 pela Revista do Instituto Histórico e
entanto, sabemos até que ponto o estabelecimento de
Geográfico Brasileiro, assinale a alternativa correta.
modelos e interpretações possui intencionalidade e
A
hierarquias.

O autor demonstra que o branco português não


Grande parte dessas obras sobre o país foi feita por
obteve participação tão significativa na formação
homens brancos, sendo eles provenientes, em sua
histórica do Brasil quanto o africano ou o indígena.

maioria, da Região Sul e da Sudeste. Isso afetou o


B
lugar ocupado pelos homens negros, mestiços e

O autor procura, em uma perspectiva evolutiva da


indígenas, assim como pelas mulheres e pelos povos
humanidade, demonstrar que a história do Brasil é o
das regiões Norte e Nordeste, na formação étnica do
resultado do cruzamento gradativo entre brancos,
Brasil que inventavam.
indígenas e africanos de forma hierarquizada, com os

As primeiras décadas do século XXI mostraram que o brancos sendo o grupo principal.

Brasil não possui uma “cara” nem apenas uma C

origem. Por isso, é urgente dar voz a outros autores,


O aperfeiçoamento das três raças no Brasil é
homens e mulheres, para que seja possível entender
resultado de um conjunto de políticas de
esse país de dimensões continentais a partir de várias
branqueamento populacional, ao mesmo tempo que
ideias — e não apenas de um modelo.
se extinguem as populações africanas e indígenas.
Vamos praticar alguns conceitos?
D
Questão 1

O branco teria de aprender a cultura e a língua do


(UFU, 2011)
indígena para sobreviver no Brasil, assim como

“[...] devia ser um ponto capital para o historiador


Considerações finais
deveria aprender a cultura do trabalho com o africano

para desenvolver-se economicamente. Quem são o brasileiro e a brasileira? Essa difícil

E resposta não pode ser dada por quem conhece apenas

uma região do país. Tivemos primeiramente povos


A identificação de uma democracia racial equilibrada
nativos que sequer se viam como “indígenas”, mesmo
pelas relações afetivas marca a concepção de três
sendo classificados desse modo pelo colonizador. Por
raças no Brasil.
sua vez, o colonizador português já vivia uma

Questão 2 mestiçagem de origem e não tinha uma definição

sobre sua identidade. Ele trouxe africanos para serem


“A diversidade dos testemunhos históricos é quase
escravizados e os classificou a partir de alguns
infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o
critérios distantes de uma lógica já preexistente.
que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar

sobre ele.” Além de indígenas, portugueses e africanos, vimos

que outros povos formaram o Brasil, como espanhóis,

(Adaptado de: BLOCH, 2001, p. 79.) alemães, italianos, judeus e, mais tarde, chineses,

japoneses e turcos, entre outros exemplos.

Esse viés investigativo sobre o que se produz marca a Apontamos, portanto, que o país é formado por

produção de qual autor brasileiro? diferentes troncos étnicos, linguísticos, culturais e

A religiosos.

Vanhargem No entanto, apesar da diversidade, destacamos o

esforço de criar uma identidade para o Brasil.


B
Encabeçadas por intelectuais — nem sempre

Capistrano de Abreu brasileiros — que interpretaram a nação a partir de

C suas lentes, essas interpretações continuaram no

período republicano: até hoje existem autores que


Gilberto Freyre querem entender o país a partir de poucas lentes sobre

D alguns poucos lugares.

Caio Prado Jr. Apontamos ainda a existência de discursos que não

consideram a cultura e a religiosidade de alguns


E
desses povos, principalmente dos indígenas, que

Martius estão em constante luta por sua sobrevivência e

direito de alteridade. Tais discursos também não


entendem que os africanos foram escravizados, mas

que resistiram à escravização, tendo, ainda assim,

contribuído para a formação do Brasil.

Esse desprezo ainda é estendido a trabalhadores e

mulheres, as quais, aliás, foram o elo mais forte dessa

formação do Brasil, mesmo que elas sequer sejam

consideradas pelos intérpretes do país, todos eles

homens. Por isso, a diversidade étnica brasileira é de

difícil definição por ser complexa e dependente das

lentes que usamos.

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