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Nessas aldeias, não eram consideradas as A história da ação dos indígenas, da negociação e da
religiosas, sendo, assim, ignoradas as especificidades eles eram um grupo frágil, rebelde ou violento e que,
de povos tão distintos durante todo o processo da por esses motivos, foram sendo eliminados ao longo
colonização. Com a chegada de novos indígenas de de batalhas que, aos olhos dos colonizadores, eram
forma compulsória, esses aldeamentos, que poderiam justas. Sob o manto de tais argumentos, cerca de 90%
ser religiosos ou civis, não conseguiram se reproduzir da população existente no continente americano foi
Comentário
Além do apagamento das identidades étnicas e de As rivalidades interétnicas foram exploradas pelos
colonizadores, esse grupo social aparece na crônica era a existente entre os tupis e os tapuia.
secundários e depreciativos. Tal fator lhes causa uma reclassificaram os grupos e os denominaram como
Os sobreviventes desse genocídio, inédito na história Os tapuias que ficavam no interior do território eram
da humanidade, lutaram para preservar suas tidos como selvagens, bárbaros e antropófagos, ao
identidades, histórias, memórias e tradições. contrário dos tupis, que viviam no litoral e eram
Reflexão
A autora Maria Regina de Almeida (2013) destaca
como é problemática a designação dos grupos étnicos Nos primeiros anos da colonização, os índios
por conta do desconhecimento dos portugueses em interagiram com os agentes presentes no processo de
Paraguai, estabelecendo mais contato com os A sociedade colonial se formou a partir de dois
entre os índios e os demais agentes sociais, que é hoje o Brasil indígena são fragmentos de um tecido
muitas vezes tinham atitudes ambíguas e incoerentes, social cuja trama, muito mais complexa e abrangente,
sendo constantemente reformulados por suas cobria provavelmente o território como um todo”. De
experiências cotidianas na colônia. acordo com dados do IBGE, o país conta com 305
como faz crer uma história que nos foi contada e que
de resistência e recriando suas identidades, sua De fato, o termo “tapuia” se referia, de forma
cultura e sua história. Essa atuação fez com que eles genérica, a um grupo de oposição aos tupis, fator que
sobrevivessem a despeito dos esforços de políticas influenciou o olhar europeu sobre esse grupo, dando-
públicas, desde os tempos da colônia, do Império e lhe características negativas e bárbaras.
mais fortemente na República, para eliminar essa
étnicas eram alimentadas por diferentes povos que viveram esses processos.
Sendo assim, muitas dessas nomenclaturas étnicas os portugueses permanecer os mesmos depois dessa
fixas, destaca John Monteiro: “o processo de Esse é um ponto importante para que possamos ver os
invenção de um Brasil indígena envolveu a criação de indígenas como grupo social em constante
um amplo repertório de nomes étnicos e de categorias movimento e seguindo uma lógica dos demais grupos
sociais que buscava classificar e tornar compreensível que por aqui chegaram. A reelaboração dos
o rico painel de línguas e culturas antes movimentos e da identidade faz parte de qualquer
desconhecidas pelos europeus” (ALMEIDA, 2013, p. sociedade — e, com os indígenas, não foi diferente.
51).
Na experiência dos aldeamentos, a convivência com
Os cronistas influenciaram a caracterização de grupo portugueses, jesuítas e uma mistura de grupos étnicos
“inimigo” e outro “amigo”, uma vez que os europeus não tirou desses aldeados a sua identidade indígena;
interferiram nas guerras intertribais e nas relações pelo contrário, ela os colocou numa condição distinta
interétnicas. Por isso, tais características foram dadas dos outros grupos sociais da colônia, sendo
a partir de uma conjuntura específica de conflito e submetidos a algumas regras e tendo alguns direitos.
A experiência desse contato fez com que os indígenas aprenderam novas práticas culturais e políticas, tendo
reelaborassem comportamentos, atitudes e valores, as aldeias um papel para a ressocialização dos povos
Soldados índios da província de Curitiba, “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao
escoltando índios prisioneiros, por Jean Baptist
status econômico e jurídico desses [habitantes] eram
Debret, 1834.
muito mais populares. Assim, os termos “negro da
A experiência do contato fez com que muitos terra” e “índios” eram utilizados com mais frequência
geograficamente indiferenciado.
TEXTO I
B
percepção corrente de uma ancestralidade comum às charruas e marajoaras.
C A expansão colonialista
Navegar é preciso
compreensão etnocêntrica acerca das populações dos
século XVI
Desembarque de Pedro Álvares Cabral em
A
Porto Seguro em 1500, por Oscar Pereira da
Silva, 1922.
maias e astecas.
da doação de terras para particulares. O sistema regiões de Portugal, havendo períodos de maior
conhecido como “capitanias hereditárias” permitiu presença de povos da Norte ou das ilhas portuguesas.
uma divisão da área entre os burgueses e aqueles Tal fato é significativo, já que os próprios
dispostos a enfrentar o desafio colocado pela Coroa. portugueses eram um povo mestiço, afetando, assim,
Pouco sabemos acerca da ocupação dessas áreas, a própria concepção do que é ser “português”.
colonização.
Mapa de Luís Teixeira com a divisão da América havendo, no período republicano, outro auge da vinda
portuguesa em capitanias, 1574. desses povos para o país.
A vinda de portugueses não foi constante no período A chegada da família real em 1808 também gerou um
colonial. A Coroa portuguesa tinha dificuldades em impacto, uma vez que ela veio para o Brasil
Brasil se intensificou.
A presença de europeus diversos no Brasil
funcionários. Tal mudança atraiu alguns comerciantes
Espanhóis
e homens de negócio provenientes de Portugal.
coloca nesses estudos sobre os imigrantes com a descoberta dos “sertões”. Ficaram conhecidas
ocupação do território.
colonizador português e a do imigrante não podem
ser vistas como modelos fechados nem superiores às A presença dos espanhóis foi marcante no território
dos demais povos aqui existentes. colonial, mas teve reduzido seu impacto com o fim da
holandeses estavam entre os povos que cobiçaram região garantiu a eles um grande lucro, além de
essa região das Américas. A primeira tentativa influenciar outros a assumir o judaísmo como
ocorreu na Bahia ainda no final do século XVI, religião, principalmente os cristãos-novos recém-
embora eles só tenham feito uma campanha de forma convertidos do judaísmo ao cristianismo.
africana e indígena.
Batalha dos Guararapes, por Victor Meirelles,
1875. Judeus
Em 1630, os holandeses enfim chegaram a Entre aqueles que vieram para o Brasil desde os
Pernambuco e por lá permaneceram até 1654. Nesse primeiros momentos, estavam os judeus. Em um
período, eles atuaram de forma diferenciada na primeiro momento, eles eram identificados como
ocupação dessa região, produzindo os registros dela cristãos-novos diante da política inquisitorial do reino
por meio de obras de artistas e memorialistas que português. Após o início da colonização, alguns
marcavam a permanência desse povo em terras senhores de engenho não só tinham origem judaica,
anteriormente ocupadas por portugueses. como também eram traficantes de escravos, grandes
local atrativo para novos investimentos. A A presença de cristãos-novos na colônia foi tranquila
permanência deles em Pernambuco — até a vinda do visitador inquisitorial disposto a
primeiramente, em Olinda; depois, em Recife — encontrar aqueles que preservavam práticas
alterou a arquitetura da cidade e introduziu a judaizantes mesmo se intitulando cristãos-novos. Na
religiosidade judaica em um ambiente de época da ocupação da região de Pernambuco pelos
predominância católica por conta dos portugueses. holandeses, a comunidade judaica pôde ter uma
1565.
muitos daqueles que se apresentavam como cristãos- Chegada da esquadra francesa na baía da
responsável pela expulsão dos jesuítas do Brasil, Norte, fundando a cidade de São Luís, no Maranhão,
eliminou a marca de sangue e, consequentemente, a com o objetivo de criar a França Equinocial. Antes
diferenciação entre cristãos-novos e velhos, marcando dos franceses, essa região era dominada pelos
o fim da primeira fase da história dos judeus no tupinambás, que chamavam a área de “ilha grande”.
Brasil, aponta Keila Grinberg (2007, p. 130). Contra eles, lutaram lado a lado espanhóis e
portugueses.
Exemplo
momentos do século XIX, houve um incentivo à em médias propriedades de terras. Essas pessoas,
vinda de imigrantes para a ocupação de algumas áreas portanto, serviriam para ocupar regiões inexploradas.
imigrantes europeus para o Brasil foi um reflexo das Além da ocupação da região com atividades
condições políticas e econômicas desses países de agrícolas, a chegada desses povos prometia promover
origem. O caso dos imigrantes alemães é um desses a “civilização” do país de acordo com os padrões
Migrar da Europa, portanto, poderia ser uma opção existente em várias partes do Brasil.
futuro. Outros povos que se encaixavam nessa A cultura brasileira também foi afetada pelos
dinâmica de crise em seus países de origem também diferentes povos que aqui estiveram, como alemães,
vieram, como, por exemplo, os próprios portugueses italianos, judeus e suíços, além de outros.
deles.
Questão 1
Por isso, eles se tornaram o imigrante “adequado” destinadas a facilitar e garantir a subsistência dos
para os desafios que o Brasil colocava sobre a política povoadores; as terras a serem ocupadas são
imigrantista. A presença dos italianos se deu na previamente demarcadas em pequenas parcelas, [...]
região da cafeicultura, principalmente em São Paulo. fornecem-se gratuitamente ou a longo prazo auxílios
Brasil recém-industrializado.
migratório para o Brasil foi apoiado como política de Com base no texto, é possível afirmar que o autor se
E
a estagnação econômica da capital da colônia em
3 Os africanos no Brasil
Questão 2
Uma escolha econômica
colônia.
pelos próprios africanos ao se reagruparem ou No entanto, é importante ressaltar que, apesar das
ressocializarem sob a escravidão. opressões vividas por tais povos durante o período da
terminologia que homogeneíza todos os que vieram Graças a isso, eles puderam contribuir com a
do continente, mas que sequer se identificavam como formação da sociedade brasileira — especialmente na
Isso fez com que “africano” se tornasse sinônimo de milhões de homens e mulheres. Esses números têm
“escravo”. Resultado: toda uma pluralidade cultural, sido constantemente atualizados à medida que as
estética, de costumes e religiosa foi desprezada por pesquisas sobre tráfico de escravizados descobrem
intelectuais que interpretavam o Brasil Colônia e o novas cifras e a contabilidade desse comércio, que
na lavoura e em outras atividades, por exemplo, no recíprocas e complementares. A Bahia era uma
serviço doméstico ou no comércio das grandes e importante fornecedora de tabaco, oferecido em troca
pequenas cidades. De acordo com João José Reis de escravos. De acordo com Pierre Verger (2021), os
(2007), os africanos que aqui chegaram eram, entre africanos escravizados na Bahia eram provenientes de
Monjogos
ele faz mais referência à experiência dos traficados
Moçambiques
Os africanos no Atlântico puderam redefinir suas
Dogomés
Jejes
Calçadores, por Jean-Baptiste Debret, 1824.
Ussás
Citando Robert Slenes, um importante historiador,
Bornos
João José Reis indica que:
Tapas
Nagôs
[Slenes] propõe que os escravos da África Centro- como “minas”, eles recebiam os nomes dos seus
línguas e outros elementos culturais próprios daquela e fruto das mudanças que afetaram a escravização dos
área geográfica africana teriam um substrato bantu africanos nas Américas, principalmente no Brasil.
As identidades étnicas foram construídas com base Malês). Parte desses migrantes contava com as
em determinados elementos da cultura de um grupo e mulheres minas, as quais, aliás, já vinham com a
escravidão e pela resistência a esse sistema na busca A escravidão nas cidades foi constante e necessária
Os africanos trouxeram da África vários de seus cultura da cidade e dos seus moradores.
sido reforçadas na experiência da violência da fato, acabou a escravidão por meio de uma curta lei.
escravizados resistiram. Alguns grupos se revoltavam O Brasil foi formado pelos africanos escravizados e
com mais frequência, principalmente os nascidos na por seus descendentes, mestiços e crioulos, que
África, enquanto outros escolhiam novas formas de interferiram na forma como a cultura brasileira é vista
resistência, como fugas, aquilombamentos e hoje em dia, assim como na religiosidade e em outros
as mentiras sobre doenças e outras negociações, religioso há muito tem sido objeto de estudos de
(chamados de crioulos por terem nascido no Brasil). A resistência dos povos africanos em preservar algum
Reis.
Escravos dançam em uma plantação de açúcar,
por Dirk Valkenburg, 1707.
A população afrodescendente do Brasil cresceu após
1850, fazendo com que o país tivesse o maior Anteriormente reprimidas, essas manifestações
sociedade. Pelo contrário: ainda hoje, essas pessoas (MINAS GERAIS, 1988)
poder ou ocupando altos cargos na administração de permanecem como a reprodução dos valores e
sabemos que o racismo ainda é o grande motivo para perderam a relação com o seu passado histórico.
mulheres negros. Conhecer a origem dessa contribuem para o distanciamento cultural entre
discrepância é essencial para que possamos mudar negros e brancos no Brasil atual.
B
4 Interpretações sobre o Brasil
Quem são os brasileiros? seus membros, completa Alencastro, só se tornaram
Diante de uma formação do Brasil com muitos povos No entanto, tamanha diversidade não parecia
de origens variadas, é normal identificar a diversidade interessar aos intelectuais e ao próprio Estado,
de identidades regionais no período colonial e que se desejosos de construir no país uma identidade que
manteve no Império e no período republicano. Povos pudesse definir o “brasileiro” de norte a sul. No
do Rio de Janeiro não compartilhavam os mesmos Império, houve um incentivo à formação dessa
costumes e hábitos — e até mesmo a linguagem — de identidade, o que gerou o aprofundamento de estudos
pernambucanos, paulistas, baianos e pessoas de e incentivos para aqueles que pudessem apontar e
Luiz Felipe Alencastro (2009) como “brasílico”, pois Edifício Pedro Calmon, sede da mais antiga
instituição cultural do país, fundada em 1838.
Entretanto, não era possível deixar de formar o país Varnhagen acreditava que os indígenas eram um
na sua “gente”. Para isso, foi criado um concurso para exemplo de “raça perdida” pelo fato de sua
premiar quem fornecesse um esquema de “como organização física ser incompatível com o “mundo
partir de um estudo sobre o cruzamento/fusão das três As obras de José de Alencar são exemplos dessa
raças formadoras da nacionalidade brasileira: a literatura que idealizou os indígenas, o que indicava
atlântico que trazia africanos para a escravização. Autor de obras literárias de síntese e livros didáticos,
Como ele poderia exaltar esses sujeitos como Silvio Romero viu como positiva a “mestiçagem
Depois de Martius, outros autores tentaram sintetizar vencedores no futuro, anulando uma perspectiva de
a história do Brasil sem deixar de mencionar quem os silenciamentos e apagamento intencional de culturas
Esse foi o caso das obras de Adolfo de Varnhagen, Tal ideia se aproximava do que seria chamado mais
que também escreveu uma grande síntese em meados tarde de “democracia racial”, o que se dá quando a
Diferentemente de outros autores, na obra Casa- culinárias, culturais, cantos... enfim, de todo tipo de
problemas que essas obras hoje em dia possam sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as
humanas.”
Nos anos seguintes, autores de variadas correntes se
As primeiras décadas do século XXI mostraram que o brancos sendo o grupo principal.
(Adaptado de: BLOCH, 2001, p. 79.) alemães, italianos, judeus e, mais tarde, chineses,
Esse viés investigativo sobre o que se produz marca a Apontamos, portanto, que o país é formado por
A religiosos.