Os bastidores da prática profissional: dimensão técnico – operativa da
condições de trabalho e respostas profissão ocorrerá quando você iniciar o
profissionais estágio. Este é um momento de grandes questionamentos e surpresas, pois é 1 Introdução quando se depara com questões do Esta aula compreende uma reflexão em cotidiano profissional. Mas não se torno da prática profissional. Quais são esqueça, é no estágio você terá as possibilidades e limites da oportunidade de recuperar o que foi intervenção profissional? Quais estudado, ou melhor, fazer a relação questões permeiam o debate acerca da entre a teoria e a prática do Serviço operacionalidade da ação profissional? Social. Quais dificuldades são Quais os aspectos constitutivos da enfrentadas pelos profissionais? Quais dimensão técnico – operativo do as alternativas de enfretamento para os Serviço Social? Como o profissional entraves ao trabalho do serviço Social tem articulado a análise teórica da nas diversas áreas de atuação? Esta aula, realidade com a intervenção crítica? é um convite para um passeio e reflexão Estas questões são inesgotáveis, e sobre os bastidores da ação profissional. devem ter como premissa a relativa 2 Serviço Social: parada obrigatória? autonomia que o assistente social dispõe Ao longo da trajetória profissional o em sua intervenção profissional. As Serviço Social sofreu com o estigma da técnicas e instrumentos, a tais como execução, o que foi reforçado sobre entrevistas, reuniões de grupo, tudo pelas demandas postas pelo Estado orientações, encaminhamentos, visitas no período de sua gênese. domiciliares, desenvolvimento e No espaço institucional, os usuários propostas de programas e projetos continuam sendo direcionados para o dependem das especificidades das assistente social, sem que se tenha instituições empregadoras, que conhecimento sobre quais são as interferem na forma como são competências do profissional naquele efetivados. Como salienta Iamamoto espaço de atuação. Como preservar a (1999, p. 99): “O assistente social, em identidade profissional, num espaço em função de sua qualificação profissional que se mantém uma imagem dispõe de uma relativa autonomia equivocada do profissional do Serviço teórica, técnica e ético política na Social como mero repassador de condução de suas atividades. Todavia informações. O que podemos perceber essas demandas dependem de meios e com uma certa frequência é que os condições em que se realiza o trabalho – assistentes sociais ao direcionar a sua como por exemplo, as diretrizes ditadas atuação para as demandas postas pela pelas políticas sociais públicas ou dinâmica institucional acaba limitando- empresariais, as relações de poder se a prestação de determinados institucional, as prioridades políticas esclarecimentos e informações estabelecidas pelas instituições, os pertinentes a rotina e ao funcionamento recursos humanos e financeiros que se de um setor de serviço, orientação possa mobilizar, as pressões sociais, etc previdenciárias e trabalhistas, - não se afiguram como condicionante encaminhamentos e recursos externos ao trabalho profissional. Ao institucionais, entre outras atribuições. contrário são condições e veículos de sua realização, indispensáveis como elementos constitutivos desse trabalho”. A Lei de Regulamentação da Seu primeiro contato enquanto Profissão (Lei n. 8.662, DE 7 de junho estudante de Serviço Social com a de 1993) no Art. 4º apresenta como competências do Assistente Social: I - elaborar, implementar, executar e II - planejar, organizar e administrar avaliar políticas sociais junto a órgãos programas e projetos em Unidade de da administração pública, direta ou Serviço Social; indireta, empresas, entidades e III - assessoria e consultoria e órgãos da organizações populares; Administração Pública direta e indireta, II - elaborar, coordenar, executar e empresas privadas e outras entidades, avaliar planos, programas e projetos que em matéria de Serviço Social; sejam do âmbito de atuação do Serviço IV - realizar vistorias, perícias técnicas, Social com participação da sociedade laudos periciais, informações e civil; pareceres sobre a matéria de Serviço III - encaminhar providências, e prestar Social; orientação social a indivíduos, grupos e V - assumir, no magistério de Serviço à população; Social tanto a nível de graduação como IV - (Vetado); pósgraduação, disciplinas e funções que V - orientar indivíduos e grupos de exijam conhecimentos próprios e diferentes segmentos sociais no sentido adquiridos em curso de formação de identificar recursos e de fazer uso regular; dos mesmos no atendimento e na defesa VI - treinamento, avaliação e supervisão de seus direitos; direta de estagiários de Serviço Social; VI - planejar, organizar e administrar VII - dirigir e coordenar Unidades de benefícios e Serviços Sociais; Ensino e Cursos de Serviço Social, de VII - planejar, executar e avaliar graduação e pós-graduação; pesquisas que possam contribuir para a VIII - dirigir e coordenar associações, análise da realidade social e para núcleos, centros de estudo e de pesquisa subsidiar ações profissionais; em Serviço Social; VIII - prestar assessoria e consultoria a IX - elaborar provas, presidir e compor órgãos da administração pública direta e bancas de exames e comissões indireta, empresas privadas e outras julgadoras de concursos ou outras entidades, com relação às matérias formas de seleção para Assistentes relacionadas no inciso II deste artigo; Sociais, ou onde sejam aferidos IX - prestar assessoria e apoio aos conhecimentos inerentes ao Serviço movimentos sociais em matéria Social; relacionada às políticas sociais, no X - coordenar seminários, encontros, exercício e na defesa dos direitos civis, congressos e eventos assemelhados políticos e sociais da coletividade; sobre assuntos de Serviço Social; X - planejamento, organização e XI - fiscalizar o exercício profissional administração de Serviços Sociais e de através dos Conselhos Federal e Unidade de Serviço Social; Regionais; XI - realizar estudos sócio-econômicos XII - dirigir serviços técnicos de com os usuários para fins de benefícios Serviço Social em entidades públicas ou e serviços sociais junto a órgãos da privadas; administração pública direta e indireta, XIII - ocupar cargos e funções de empresas privadas e outras entidades. direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades Já no Art. 5º apresenta as atribuições representativas da categoria privativas do Assistente Social: profissional. I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, Com base nas atribuições previstas para pesquisas, planos, programas e projetos o assistente observamos que a atuação na área de Serviço Social; profissional nas instituições não se restringe ao caráter meramente órbita do poder e da reprodução do informacional e, por vezes, coercitivo capital”. da ação profissional. “É necessário estabelecer a Como destaca Veloso, (1992, p. 35): intercomunicação entre as teorias e “tal posição demarca um papel ativo opiniões, assegurando a pluralidade, a para o assistente social, que detém os diversidade de informações e práticas. dados informativos, em contraste com Só assim a proposta de ação educativa uma posição pouco participativa da encaminhada pelo assistente social população usuária, que ora aparece poderá garantir de forma mais como simples respondente das democrática o acesso amplo ao perguntas que lhe são feitas, ora com conhecimento e crítica e ,não apenas, mera expectante do discurso como tem sido a tônica no cotidiano informacional que lhe é transmitido, institucional, a veiculação de um pela via da ação educativa. E isto tem discurso ideológico empobrecido, sido objeto de um certo mal-estar entre porque repetitivo, fechado e mutilador os profissionais de serviço social, na da reflexão (Veloso, 1995, p.44)”. medida em que se atribuí a rotina O que observamos nesta atuação é uma institucional o estabelecimento de um reedição do conservadorismo, novos papel pouco relevante para a prática, e discursos e velhas práticas. Como na medida em que imprime um caráter afirma Iamamoto (1992, p. 111). burocratizante e repetitivo”. “a ruptura com o conservadorismo, com A coercitividade e o desenvolvimento a tutela e o controle das classes de ações irrefletidas acabam por atribuir subalternas implica num novo perfil um caráter burocrático e mecanicista a profissional, alicerçado em outros intervenção profissional. Instaurar-se pontos: na luta pela ampliação e um mecanismo de compulsoriedade a democratização dos serviços e pelo rotina dos serviços institucionais, alargamento dos canais de participação mediante a passagem obrigatória da de interferência da população usuária, população pelo Serviço Social respeitando-se a pluralidade de (Veloso,1995, p. 35). Desta forma, a expressões culturais e políticas que lhes entrevista enquanto instrumento do são próprias”. assistente social pode aparecer para usuário como espaço pouco agradável de invasão de privacidade. Anette Garret (1991), outra autora que se dedicou estudos sobre a entrevista afirma que é preciso escuta, saber ouvir. É preciso garantir o caráter democrático e pluralista. Do contrário não superaremos a ótica autoritária do adestramento e da prática auto – Apesar de uma nova roupagem teórica, referente ( Borges,1986) , comum nos se mantém a uma percepção da programas institucionais. sociedade como harmônica e consensual Segundo Iamamoto (1992, p. 106), “na onde os assistentes sociais têm que ótica de poder, que estabelece a informar, orientar e os atores sociais demanda profissional, o interesse está têm que escutar e se integrar. em estimular a participação controlada, “As soluções que se colocam como dentro da legalidade e da ordem, ´normais`, por oposição a qualquer integrando as classes subalternas na outra vista como anormal, dependem da consideração ideológica do saber profissional e poder profissional. A trabalho, na família, na área orientação torna-se um processo de habitacional, na saúde, na assistência adaptação, de submissão do sujeito social pública, etc. Questão social que cliente à intervenção profissional. O sendo desigualdade é também rebeldia, homem é reduzido a uma mentalidade e por envolver sujeitos que vivenciam as não visto no conjunto de suas ações em desigualdades e a ela resistem, se que se vai produzindo. Uma análise opõem. É nesta tensão entre produção mais profunda da orientação dada aos da desigualdade e produção da rebeldia clientes do serviço Social revela que se e da resistência, que trabalham os situa nos limites do saber do orientador. assistentes sociais, situados nesse É em função dessa ideologia que se terreno movido por interesses sociais, encaminha o cliente, que se distribuem distintos, aos quais não é possível os recursos, sem uma análise política da abstrair ou deles fugir porque a vida em situação e das relações de classe do sociedade. [...] a questão social, cujas próprio cliente. As classificações dos múltiplas expressões são o objeto do problemas segundo uma taxonomia pré- trabalho cotidiano do assistente social fabricada empiricamente mostram-se (IAMAMOTO, 1997, p. 14)”. como uma formulação circunstancial, O que se quer, como ressalta Veloso submetidas ao sistema institucional. A (1995, p.43) “é ir além, incorporando o orientação significa uma percepção ruído inerente a toda comunicação. imediata da dificuldade tomada Nossa apreensão abarca o relativismo isoladamente, segundo um esquema cultural, o movimento dialético, que institucional que busca o controle do compreende o verso e o reverso, a indivíduo (FALEIROS, 1983, p. 53)”. negociação e a luta, avanços e recuos, e A intervenção profissional é permeada não uma visão singularizada da prática por: social. Tensões; O que se espera é uma apreensão do caráter contraditório da ação entre o Conflitos; assistente social e a população, na Resistências; medida em que a sua prática é polarizada pelos interesses de classe”, o Momentos de negociação. que faz da instituição “palco da luta de Pois a realidade social é uma totalidade classes. Uma análise dessa ordem constituída de diversidades. Sobre esta desconsidera também a dimensão questão a antropóloga Alba Zaluar política e o conteúdo de classe da (1985, p. 57) afirma que “ um todo uno, prática do Serviço Social, que deve ser convive com a diversidade, o conflito, a compreendida como atividade contestação, a dúvida e o riso dos que, socialmente determinada pelas mesmo sem serem reconhecidos como condições histórico – conjunturais intelectuais, pensam sobre o que lhe (IAMAMOTO, 1992, p.99 -101)”. acontece e participam ativamente do 3 Serviço Social e prática reflexiva processo de produção dos significados Agora que você já conheceu alguns sociais. Se muitas vezes esse processo entraves à prática profissional, vamos de pensamento permanece velado ou trilhar pela grande contribuição que a mesmo reprimido, é porque não se professora Ana Vasconcellos nos dá no ligaram os canais para ouvi-lo”. artigo que ela denominou como “Os assistentes sociais trabalham com a “Serviço Social e a prática reflexiva”. questão social nas suas mais variadas Vasconcelos inicia sua reflexão com os expressões quotidianas, tais como os seguintes questionamentos: indivíduos as experimentam no Como pensar em uma sociedade lhes garante um maior conhecimento do democrática sem pensar em cidadania, espaço que ocupa e de possibilidade de em direitos sociais? E como pensar em ampliação de atuação e de ofertas de cidadão, sem informação, este capital novas ofertas de serviços para além utilizado tão brutalmente para manter o daquelas previstas pela instituição. estado de dominação e exploração sobre Como destaca Vasconcelos, no primeiro a maioria da população? contato estabelecido entre o assistente Assim para que uma prática profissional social e o usuário “faz-se necessária à possa contribuir na construção de uma elucidação de várias questões: sociedade democrática faz-se necessário Quem é esse usuário? ser uma prática politizante, que veicule Qual demanda que traz? a informação, uma prática onde o Por que busca o Serviço Social com profissional não substitua a população, esta demanda? mas tenha um papel na sua organização, Com que expectativas traz esta o que é diferente de fazer a organização demanda? ou organizar o povo. É nesse sentido Qual o projeto que o assistente que a socialização da informação no social traz a partir do lugar que trabalho social é determinante numa ocupa? prática que priorize as demandas da O usuário aceita e está disponível população usuária. Socializar a para a proposta que o serviço social informação implica competência lhe faz? teórica, política e técnico operativa O Serviço Social tem condições de (VASCONCELOS, 1994, p. 5). atender a sua demanda? 4 Aspectos da dimensão técnico Para o usuário, questões como: operativa Qual a proposta que o serviço tem a Para Vasconcelos, o sucesso da prática partir da demanda que traz? profissional depende uma reflexão Quais os recursos, materiais e sistemática. A prática enquanto técnicos que o Serviço Social lhe movimento e ato precisa ser pensada, oferece? analisada e revista. Quais os objetivos do Serviço “Este voltar-se permanente sobre a Social nas propostas que faz? prática vai contribuir para uma ação Quais os limites do Serviço Social? concebida, avaliada, quanto aos seus Quais os seus direitos? objetivos, metas e resultados, mostrando (VASCONCELOS, 1994, p. 10)”. como está se realizando este caminhar. Estas questões precisam ser trabalhadas Uma prática voltada para pelo usuário e o assistente social para criação/reprodução de relações que possam encontrar alternativas e solidárias, horizontais, democráticas, formas de encaminhamento. Este não se encontra de forma acabada processo permite que a condução do (VASCONCELOS, 1994, p. 9)”. processo tenha uma participação mais efetiva do usuário para as alternativas 5 As possibilidades da prática de enfrentamento de suas demandas. profissional “O usuário participa na definição da Para a autora a formação acadêmica e o direção e do encaminhamento do lugar social que o assistente social processo, tendo respeitada a demanda ocupa lhe permite ter uma visão mais que traz para o serviço, ainda que, abrangente acerca das informações utilizando seu esquema referencial, o sobre a instituição, os usuários e as assistente social possa criar condições especificidades de seu trabalho nas para que ele possa repensar e /ou diferentes áreas de atuação. O assistente reencaminhar suas demandas e o também é capaz de fazer pesquisas, que entendimento que tenha sobre elas. No processo de desmontar, recriar, recuperar, desmistificar, negar, analisar, desvendar... seu cotidiano, o usuário vai articulando um novo esquema referencial sob novas bases, a partir de interpretações, avaliações, interrelações, analogias, socializando informações entre o usuário/usuário e usuário/profissional (VASCONCELLOS, 1994, p.12)”. A partir do conteúdo abordado o que podemos concluir sobre os limites e possibilidades da prática profissional? Os avanços e retrocessos da prática profissional precisam ser compreendido a partir de uma compreensão dos diferentes contextos e realidades sociais que irão determinar a escolha dos instrumentos e metodologias, o que pode ser criado e recriado a partir da capacidade do assistente em conhecer os espaços de atuação enquanto totalidades constituídas de singularidades. Cabe ao assistentes social o investimento em pesquisa para conhecer as pluralidade de práticas presentes em seu cotidiano profissional, e isso como destaca Sousa (2008, p.132) “ só será possível quando todos nós entendermos necessidade e importância da sistematização de nossas prática” o que Vasconcelos denominou “prática reflexiva”.
Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições