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O Comércio de Gente: Debate Sobre a Exploração

do Indivíduo no Trabalho A primeira modificação foi o estabelecimento de

1 A venda da mão de obra indígena aldeias, tipo de organização introduzida pelos

Organização local colonizadores, com apoio dos jesuítas, que submetia

Aldeamentos os indígenas a uma nova forma de viver em

comunidade e, consequentemente, de realizar seus


Os primeiros trabalhadores do Brasil foram os povos trabalhos.
nativos, escravizados pelos portugueses desde os

primeiros contatos. Se em primeiro momento a ideia Os aldeamentos fizeram parte do projeto de

era estabelecer relações a fim de que pudessem colonização portuguesa, sendo decisivos para a

melhor explorar a região, no momento seguinte, os inserção dos indígenas na ordem colonial, tendo

portugueses aprofundaram o contato por meio da diferentes significados para os envolvidos.

exploração dessa mão de obra, tornando os indígenas


Nas aldeias houve o compartilhamento de culturas e
indispensáveis para o projeto da colonização.
histórias entre diferentes etnias e, em alguns casos,

entre outros grupos, como mestiços, colonos e

missionários. Por meio desse contato, ocorreu

também uma reelaboração de comportamentos,

atitudes e valores por parte dos indígenas,

evidenciando que eram um grupo em constante


Família indígena, tela de Jean-Baptiste Debret.
movimento, principalmente na reelaboração da

identidade, processo presente em todo grupo social.


Nesse caso, é importante identificar os diferentes

tipos de relacionamento entre indígenas e portugueses

e demais povos estrangeiros a fim de compreender

como esse grupo social foi explorado nos primeiros

séculos da colonização portuguesa no Brasil.

Um primeiro ponto de destaque dos contatos iniciais Aldeia de indígenas cristãos.

entre portugueses e indígenas diz respeito à


As aldeias eram unidades locais sem serem
organização desse grupo social e como ela seria
autossuficientes, precisando de uma articulação com
modificada a partir da presença dos portugueses.
grupos locais ou unidades maiores. Sua criação
Algo crucial para os colonos era interferir na lógica
de organização dos diferentes grupos étnicos que permitiu que houvesse o fim da peregrinação

viviam na região hoje conhecida como Brasil. missionária, fazendo com que os indígenas fossem

deslocados para as proximidades dos núcleos


portugueses, favorecendo, assim, o seu controle, tanto

por parte dos religiosos como dos colonos. Ao

mesmo tempo que as aldeias faziam parte de um

projeto pedagógico de cristianização dos indígenas e

de transformação desse grupo em súditos do rei, elas

também se tornaram redutos para os colonos

interessados nesse tipo de mão de obra, atendendo,

desse modo, aos interesses dos moradores de algumas

regiões. No entanto, pesquisas indicam que alguns

grupos indígenas estiveram envolvidos na dinâmica

dos aldeamentos como sujeitos ativos desse processo

de construção das aldeias, tendo alguns dos seus

líderes papel de destaque dos aldeamentos.

Mudança das dinâmicas indígenas Flechas de indígenas brasileiros. Ao lado,


soldados indígenas.
Conflitos

A partir dessa lógica, ferramentas e armas europeias


A presença dos portugueses também alterou a
aumentaram a competitividade entre os grupos
dinâmica das guerras entre os povos nativos, uma vez
indígenas que lutavam entre si, sendo esses conflitos
que o contato entre europeus e indígenas poderia
favoráveis aos portugueses que poderiam escravizar
favorecer grupos específicos e subjugar outros,
os perdedores dessas guerras ou aprofundar as trocas
principalmente por meio das relações de escambo de
de armas por mercadorias ou mão de obra. Ou seja,
artefatos para a guerra. Nas relações comerciais
segundo historiadores, a divisão dos grupos étnicos e
existentes entre europeus e indígenas, os objetos
a rivalidade entre eles foram parte de um mesmo jogo
trocados possuíam diferentes valores e significados
de conflitos e interesses em que os europeus eram um
para os envolvidos.
dos agentes.

No entanto, a aliança e as relações de troca e escambo

existentes entre indígenas e portugueses tornaram-se

inadequadas diante das novas exigências da Colônia

em crescimento, alimentando, assim, a prática da

escravização indígena em larga escala. De acordo

com Maria Regina Celestino de Almeida:


Paralelo a isso, o caráter destruidor da aliança com os
Alimentar essas hostilidades e conflitos favoreceu os
portugueses se revelava cada vez mais por meio de
colonos portugueses.
doenças contagiosas, de atitudes traiçoeiras e,

principalmente, de sua voracidade em obter escravos Desse modo, criou-se categorias de indígenas a partir

que, além de intensificar as guerras intertribais, das relações que mantinham com os colonos. Os

contrariava sua principal motivação – a captura de “aliados” teriam um papel especial nessas relações

porque eram súditos do rei e garantiam a ocupação e


prisioneiros para o sacrifício, descontentando os
manutenção da terra. Além disso, os vistos como
índios. A consequência direta dessa situação foi o
aliados poderiam oferecer sua força de trabalho a
incremento assustador das guerras indígenas contra os
autoridades, missionários e colonos a partir de uma
portugueses em toda a costa do Brasil.
troca de valores. Em oposição a esses aliados,

existiam os “inimigos”, que poderiam ser


(ALMEIDA, 2013, p. 63)
escravizados e violentados na sua identidade.

O litoral do Rio de Janeiro foi um bom exemplo da

guerra de domínio existente nas primeiras décadas da Ninguém ouviu

colonização e provocou, segundo essa mesma autora,


Um soluçar de dor
uma alteração no quadro de alianças e hostilidades

entre os grupos indígenas (ALMEIDA, 2013, p. 73). No canto do Brasil

Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro


Importante lembrar que a fundação da cidade do Rio

de Janeiro foi realizada a partir de um conflito entre Foi pro cativeiro

portugueses e franceses pelo domínio da região. No


E de lá cantou
entanto, esse conflito só pôde ocorrer a partir também

do apoio e das hostilidades existentes entre os ...

diferentes grupos de indígenas que ocupavam a


(Canto das Três Raças - Clara Nunes)
região.
Formas de escravismo indígena

Escravização
Por meio das guerras justas, o processo de
Os portugueses introduziram várias formas de
escravização desse grupo se aprofundou.
“aquisição” dessa mão de obra nos primeiros anos da

colonização. As expedições de descimento foram O cenário inicial da escravização indígena é o das

uma dessas formas e eram realizadas por meio da primeiras expedições portuguesas, principalmente

retirada dos índios dos seus locais de origem para as após as cartas de doação das capitanias hereditárias e

aldeias criadas nos núcleos portugueses. Alguns em um ambiente de escassez de mão de obra. A

desses indígenas que iam para as aldeias aceitavam de disputa entre colonos e jesuítas, esses últimos

forma voluntária por temer a escravização, a redução desejosos de catequizar os indígenas, marcou os

das terras livres, a falta de alimentos ou outras primeiros séculos da colonização. No entanto, de

dificuldades que poderiam colocá-los em risco, acordo com Jacob Gorender (2010, p. 524), se os

tornando a aldeia uma proteção nesse processo de jesuítas salvaram em parte a população indígena da

negociação das perdas e nas estratégias de escravização, principalmente salvando-os do

sobrevivência. extermínio dos colonos leigos, os jesuítas também

estimularam alguns processos violentos de sujeição

desses indígenas sob pretexto de viabilizar a

catequese.

Comentário

Indígenas soldados da província de Curitiba Para esse autor, o protesto contra a escravização
escoltando prisioneiros nativos, tela de Jean-
injusta tinha, no seu reverso, o reconhecimento da
Baptiste Debret.
escravização considerada justa aos olhos da lei.

Em paralelo a isso, existiram as chamadas “guerras


Mesmo com uma estrutura montada para controlar o
justas” que se tornaram um procedimento legítimo de
“uso” dos indígenas para o trabalho por parte das
escravização dos indígenas hostis aos portugueses e
autoridades portuguesas e dos jesuítas, esse grupo
que se recusassem à evangelização.
não deixou de ser escravizado por particulares. Essa

A Coroa portuguesa autorizava esse tipo de guerra, escravização pôde ser identificada em pesquisas que

usando como justificativa a ideia de que os indígenas analisaram testamentos e que encontraram as

eram selvagens e por isso permitia sua escravização. heranças com as seguintes expressões: moços de

serviço forros, gente forra, gente do Brasil, peças


Com o avanço da colonização, as expedições de
forras serviçais, administrados ou servos de
apressamento foram realizadas pelos bandeirantes
administração (GORENDER, 2010, p. 519).
paulistas que, ao desbravarem o sertão, capturavam

os indígenas para a escravização.


Importante ressaltar que a introdução de africanos disputada por grandes fazendeiros. Nessa violência

para a escravização não preservou os indígenas e nem que causou o desaparecimento do indígena, criou-se a

substituiu esse tipo de mão de obra que continuou a ideia de que, no século XIX, ele já não mais existia

ser usada em regiões mais pobres. Durante o século no Brasil.

XVII, o trabalho indígena foi predominante em


A comercialização da mão de obra indígena serviu a
algumas áreas da Colônia, a despeito da presença dos
inúmeros interesses e permaneceu sendo feita até
africanos escravizados. Durante a presença dos
meados do século XIX. O uso desse grupo para o
jesuítas na Colônia, antes de sua expulsão por parte
trabalho na Colônia e no Império foi reduzido diante
do Marques de Pombal, houve um apoio sistemático
do aumento do número de africanos para a
no uso dos africanos como escravos a fim de
escravização e na pressão política e econômica que os
preservar os indígenas, sendo as ações dos jesuítas
interessados no comércio com a África fizeram para
apoiadas pelos interessados na venda dos africanos.
que os africanos fossem privilegiados na
Proibição legal do escravismo
escravização. Ainda assim, é preciso ver a história do
O fim?
Brasil Colônia e Império sendo feita a partir do

trabalho indígena, apesar da sua resistência e


A escravização indígena foi abolida pelas leis
negociação para preservar suas identidades e a
pombalinas de 1755 e 1758, apesar de deixarem
própria vida.
brechas para a escravização em caso de prisão dos

indígenas por “vagabundagem”. Desse modo, Vamos praticar alguns conceitos?

permaneceu um comércio de indígenas no estilo dos Questão 1

descimentos e a escravização em regiões afastadas do


O uso da mão de obra indígena é cheio de mitos na
litoral.
história do Brasil. Foi discutida desde uma relação

Nos tempos do Império, principalmente na região do amistosa até o fato de indígenas fugirem por

cultivo do café no Vale do Paraíba, outros grupos conhecerem a terra e não se adaptarem ao trabalho.

indígenas foram afetados. Os que viviam na região de As premissas falsas podem ser observadas quando

Valença, os Coroados, desapareceram na medida em A

que houve a fundação das vilas e o avanço da


os indígenas eram escravizados irregularmente,
produção do café.
mesmo com a proibição da Colônia portuguesa, desde

A violência sobre os grupos indígenas, dessa vez, não o século XVI.

foi apenas para o uso da sua mão de obra, mas sim


B
sobre a sua presença física e política na região
C
a Colônia brasileira buscava se estabelecer e

precisava de aliados, por isso não escravizava


Nas lutas dos jesuítas contra os bandeirantes, pela
indígenas.
proteção dos indígenas.

C
D

os indígenas foram escravizados e trocados como


Nas ações do governo, que tentava de toda forma
mercadorias nos portos de São Vicente e Desterro
evitar que os indígenas fossem escravizados.
para fazendas do Recife e Salvador.
E
D

Nos relatos do Vale do Paraíba, já nas plantações de


as tribos lutaram bravamente e faziam rituais de
café, sobre o escravismo indígena mantido.
morte coletiva para não se entregarem ao escravismo.
2 A escravização de africanos nas Américas
E

foi montado um modelo em que os jesuítas teriam o

principal direito à força de trabalho indígena, por

isso, muitas vezes, o escravismo foi negado.

Questão 2

Tráfico de africanos pelo Atlântico


A escravidão indígena muitas vezes é apresentada na
Tráfico Atlântico
escola como algo que não existe ou era secundário.

No entanto, uma investigação nas fontes acabam por O Brasil recebeu o maior volume de africanos para a

indicar processos diferentes. Escolha, entre as escravização nas Américas. Esse grande comércio de

alternativas abaixo, a que serve de exemplo de um gente foi introduzido pelos portugueses nas primeiras

processo de escravidão indígena. décadas da colonização, perdurando a escravidão até

A 1888. Entender o complexo processo desse comércio

é fundamental para compreendermos a estrutura do


Durante a Guerra dos Bárbaros, em que os índios
trabalho no Brasil, principalmente diante da constante
invadiram Salvador.
exploração de homens e mulheres em suas atividades

B laborais mediante baixos salários.

No levante na cidade do Rio de Janeiro, para expulsar A comercialização de africanos para as Américas

os franceses da Baía de Guanabara. começou com a chegada dos portugueses ao


continente em meados do século XV. Essa chegada Ainda de acordo com esses cronistas, os nativos

foi impulsionada por diferentes motivos, entre eles o africanos deveriam ser forçados a trabalhar porque

religioso, no qual a presença portuguesa no eram afeitos ao ócio e, sendo superiores religiosa e

continente africano iria espalhar a fé cristã e salvar culturalmente, os portugueses acreditavam que

algumas almas. tinham direitos sobre as terras, os bens e os povos

(COSTA, 2014, p. 65).

Ao estabelecer feitorias pela costa africana, os

portugueses foram estabelecendo contato com

diferentes povos, negociando mercadorias, pessoas,

convertendo alguns ao cristianismo e empreendendo


Quadro “Primeira Missa no Brasil”.
money
guerras justas que renderiam mais pessoas para a

escravização de outras regiões, principalmente as


As condições econômicas de Portugal permitiram a
Américas.
aventura dos portugueses se lançarem ao mar em

busca de novas rotas comerciais e da expansão da fé.


Nesse processo de conquista da África, que passava

pela negociação e cristianização, é importante chamar


A costa do continente africano parecia ideal para esse
a atenção para a sedução que alguns reis africanos
empreendimento, sendo alguns nativos capturados e
caíram no contato com os portugueses, que, em
enviados a Portugal, iniciando uma guerra justa aos
primeiro momento, tratavam-nos como iguais.
moldes daquela que promoveriam no Brasil nas

décadas seguintes.
Os reis portugueses tinham o poder de decidir quem
Nessa guerra, a conversão ao cristianismo seria a
proteger e quem atacar, e suas decisões dependiam da
senha para escapar da escravização, sendo uma ação
boa vontade dos chefes em respeitar os acordos com a
legítima e providencial apoiada pela Igreja Católica e
Coroa. Quando os chefes africanos se deram conta
pela Coroa.
das trágicas consequências do tráfico de escravos –

De acordo com alguns cronistas do período, a seus povos divididos e em guerra uns contra os

escravidão permitiria aos nativos africanos a outros, vassalos leais subitamente rebelados contra a

conversão ao cristianismo e depois libertos estariam autoridade dos soberanos, todos seduzidos pela ilusão

abertos à civilização, servindo a escravização como


de riqueza e poder trazida à África, e os portugueses
uma salvação (COSTA, 2014, p. 62).
demandando sempre mais mão de obra por meio do

tráfico e expandindo a infraestrutura colonial –, já era


tarde demais para voltar atrás e redefinir a relação

com o rei português. Os chefes e seus povos haviam

caído na armadilha de um processo que já não

podiam controlar.

(COSTA, 2014, p. 70) Costa Ocidental (Costa da Mina, principalmente)

Já tendo introduzido a escravização africana no

Brasil, os portugueses conquistaram no final do

século XVI a região de Angola, o que serviu para o

aprimoramento do tráfico negreiro. Dentre alguns

números sobre a chegada de homens e mulheres da

África ao Brasil, em primeiro momento, entre 1576 e

1600, entraram aproximadamente 40 mil escravos Costa Oriental (Moçambique)

africanos; entre os anos de 1601 e 1625 esse número


A identificação étnica desses grupos que vieram para
triplicou, provocado pela demanda da mineração.
o Brasil poderia responder sobre a experiência da
Nesse último período, houve um forte envolvimento
escravidão e como viveram a diáspora. No entanto,
de negociantes ingleses e holandeses, havendo pelo
muitos registros de nação, encontrados nas
menos cinco sistemas transatlânticos: britânico,
documentações, são apenas categorias criadas por
francês, holandês, espanhol e português.
senhores ou comerciantes ou identidades adotadas
Africanos no Brasil
pelos próprios africanos ao se reagruparem ou

ressocializarem sob a escravidão.


O Brasil recebeu 1/3 dos africanos trazidos para as

Américas, de lugares como:

Centro-ocidental (Angola, Congo)


Um dos exemplos das trocas de mercadorias que

geraram o comércio de africanos está na Bahia. Nessa

região, era produzido um tipo de tabaco de grande


interesse dos comerciantes da região da Costa da as relações sociais que o escravizado e o ex-

Mina, sendo esse um local de origem dos africanos escravizado pudessem estabelecer mais tarde no

que foram para a Bahia diante da profícua troca entre mundo branco.

os comerciantes de ambos os lados do Atlântico.

Esses povos seriam os Jejes, Ussás, Nagôs,

considerados pelos homens da época as nações mais

guerreiras da África, segundo Pierre Verger.

Até o final do século XVII, não havia escravizados

em Minas Gerais e os que começaram a entrar na

região, por conta da exploração do ouro, vinham de O legado da escravidão seria eterno para quem

Angola para o Rio de Janeiro, sendo vendidos vivesse em uma sociedade escravista, não sendo a

diretamente para os mineradores. liberdade um fator de igualdade entre livres, ou seja,

Em 1730, cresceu em 40% o volume de entrada de um ex-escravizado não estaria no mesmo pé de

cativos no Rio de Janeiro com destino às minas. igualdade que um homem branco, mesmo que pobre.

A comercialização do corpo negro para o trabalho


A mineração causou um impacto no caráter da não poderia ser apagada com a liberdade enquanto
escravidão, fazendo com que ela fosse difundida
durasse a sociedade escravista.
social e espacialmente, disseminando também a posse

do escravo e a criação de hierarquias étnicas e A cidade do Rio de Janeiro foi afetada pela forte

culturais mais complexas. demanda de escravizados para a região de Minas

Gerais, estando esse comércio consolidado na cidade

no século XVIII, por haver também capital para o


Algumas pesquisas realizadas sobre a região
investimento nesse tipo de mercadoria por parte dos
mineradora revelaram uma sociedade heterogênea e
negociantes locais. Para o empreendimento, foi
múltipla, paradoxal em relação a uma administração,
realizada uma grande manobra que envolvia
que procurava ser repressora e excludente, mas que
diferentes setores.
nem sempre conseguia moldar essa sociedade

conforme seu intento.


Vejamos!

Ao contrário do que usualmente se pensava, os


Os que forneceriam as mercadorias a serem
indivíduos escravizados foram capazes de estabelecer
negociadas na África em troca de homens e mulheres
níveis significativos de organização familiar e de luta
para a escravização.
por seus direitos. A instituição escrava, em toda a

região da Colônia e do Império, serviu para estragar


Os que comandavam as frotas dos navios, de Esses consumidores de homens e mulheres

diferentes tamanhos e que incluía experientes mestres escravizados eram diversos. De acordo ainda com

e capitães, e de origem do Rio de Janeiro, da Bahia, Cavalcanti, havia os comerciantes que queriam

de Pernambuco e de Portugal. revender esses sujeitos novos, ou os ricos que os

queriam para o trabalho e por isso preferiam os mais


Havia também médicos e cirurgiões capazes de tratar
sadios, mas havia também aqueles mais pobres que
das doenças originárias dos navios que traziam os
adquiriam os africanos doentes a preços módicos, e
africanos para o Brasil. Além disso, era preciso a
que poderiam estar aleijados ou velhos e que eram
figura dos intérpretes e professores que pudessem
chamados de “refugo” (CAVALCANTI, 2005, p. 41).
ensinar um palavreado básico para os recém-
Alguns investiam no tratamento desses doentes para
desembarcados, a fim de que fossem capazes de se
que pudessem ser vendidos e assim terem seus
comunicar. Toda essa estrutura foi alimentada por
investimentos recuperados. Ou seja, o comércio de
aqueles que queriam comprar essas “mercadorias” e
africanos para a escravização abrangia diversos
enviá-las para diferentes tipos de atividades, seja para
interesses em uma cidade escravista.
o campo ou para as cidades. Importante ressaltar as

palavras do pesquisador Nireu Cavalcanti sobre o

comércio desses africanos no Brasil. Vamos conferir!

Como era natural, os consumidores de escravos

novos desejavam abundância deles no mercado, a


Navio negreiro.
preços baixos, que estivessem saudáveis, prontos para

produzirem, e pertencessem às etnias preferidas. Quando o Rio de Janeiro se tornou sede da Corte em

Além disso, queriam desfrutar o privilégio de escolha 1808, houve um aumento da demanda por

escravizados artesãos, encarecendo o aluguel desses


dos melhores. Já os fornecedores obtinham no
indivíduos. Além da possibilidade de alugar o
mercado africano o que lhes era possível, e a situação
serviço, havia também os “negros de ganho”,
desses escravos era ainda agravada com o rigor da
presentes nas cidades escravistas.
viagem. Por isso a oferta de escravos novos

Essa modalidade da escravização consistia em uma


apresentava um quadro bastante diverso do desejado
licença tirada pelo seu senhor que permitia que o
pelos consumidores.
escravizado oferecesse seus serviços em troca de uma

(CAVALCANTI, 2005, p. 37) quantia, que seria dada ao senhor e combinada entre

eles.
Esse tipo de atividade exercida por esses escravizados de Janeiro, até as com grandes ladeiras, como

permitiu até que famílias pobres tivessem alguma Salvador.

renda em caso de possuírem algum sujeito Escravidão no Império


escravizado.
Escravismo no tempo do Império

Em alguns casos, o senhor não oferecia moradia,


O tempo do Império do Brasil foi de auge da
restando ao escravizado pagar com a renda adquirida
escravidão. Entre 1822 e 1888, o Brasil tornou-se a
no trabalho o valor da sua moradia e alimentação.
maior sociedade escravista e o último país a libertar

seus homens e mulheres escravizados. Ainda durante


Uma das atividades realizadas pelos chamados
a primeira metade do século XIX, entraram no Brasil
“escravos de ganho” era a de transporte de
mais de 42% dos africanos, a maioria destinada à
mercadorias. No tempo da Colônia e do Império, os
atual Região Sudeste.
animais ou outros dispositivos mecânicos não eram

utilizados para o transporte de grandes mercadorias, No entanto, concomitante ao aprofundamento da

restando aos escravizados essa atividade, usando suas escravização africana e dos seus descendentes,

cabeças, braços e toda sua força física para carregar ocorreu também uma movimentação legislativa a fim

todos os tipos de mercadorias, das mais leves às mais de diminuir essa dependência e eliminar

pesadas. gradativamente a escravidão.

Um primeiro momento dessa tentativa de reduzir a

influência da escravidão foi atacar a entrada de

africanos no Brasil. Esse comércio transatlântico foi

proibido por meio de uma lei assinada em 7 de


Velho africano com berimbau
novembro de 1831, já no Período Regencial, uma vez

que o Imperador Pedro I havia abdicado do seu trono


As mulheres também eram responsáveis pela
no dia 7 de abril do mesmo ano.
realização do ganho nas cidades. Elas realizavam

diferentes atividades, desde serviços de cozinheiras,


A lei que proibiu o tráfico de “escravos
costureiras e lavadeiras. Além dessas atividades,
transatlântico” está dentro de um contexto
também comercializavam gêneros alimentícios ou
internacional de repressão do tráfico e numa
comidas preparadas por elas. O uso de sujeitos
conjuntura doméstica que colocava o Brasil no topo
esravizados para esse carregamento era disseminado
dos países das Américas com maior número de
em várias cidades, desde as mais planas, como o Rio
população escravizada, tendo também a maior
população de africanos fora da África e a maior teriam cuidados iniciais para a recuperação da viagem

população de descendentes livres de africanos. e imediata venda.

Essa era a realidade da escravidão no Brasil logo após Após 1831, o desembarque passou a ser uma questão

a independência e que teria pouca alteração na década de oportunidade, quando não houvesse perigo da

seguinte. descoberta do tráfico, fazendo com que muitos

cativos esperassem nos navios por horas ou dias para


A lei de 1831 foi resultado de uma pressão
serem desembarcados, deteriorando ainda mais suas
internacional e um acordo feito entre D. Pedro I e a
condições físicas. Outras regiões para esse
Inglaterra em 1826, ferindo os interesses dos setores
desembarque se desenvolveram, não sendo possível
conservadores do Estado. Assinada em 1831, a
ter registros desses homens e mulheres que chegaram
proibição de entrada de africanos para a escravização
ao Brasil de forma ilegal.
alterou os rumos da escravidão no Brasil. Houve um

decréscimo temporário nas entradas de africanos Chamada de “lei para inglês ver”, a primeira lei que

durante a primeira metade da década de 1830, mas, interrompeu o tráfico foi fundamental para a

nos anos seguintes, assumiu grandes proporções. produção de fortunas e para o aprofundamento da

escravização, apesar da ilegalidade desse comércio.

Por ter dado um novo rumo ao comércio de africanos

no Brasil, a lei de 1831 tem um impacto profundo,

durando até 1850, quando ocorreu a aprovação da

segunda lei contra o tráfico desses indivíduos.


Homens e mulheres capturados.
As leis que trataram do fim do tráfico foram
Uma das mudanças foi a respeito do perfil de quem elaboradas em contextos distintos e previam mais a
operava esse comércio. Em diversas regiões do preservação da propriedade escrava do que o fim do
Império, o antigo comércio virara tráfico com novas tráfico propriamente dito. A lei de 1850 teve um
roupagens e esquemas, o que tornava a atividade mais apoio diferenciado diante da iminência de uma
lucrativa e mais violenta. A atividade atrairia revolta comandada pelo elevado número de africanos
profissionais especializados, não sendo possível a e por não responsabilizar o proprietário desses
participação de amadores nesse comércio. Com a escravizados pela entrada ilegal dos africanos. Ainda
ilegalidade, perdia-se uma estrutura de chegada dos assim, o contexto tenso da escravidão, entre temor de
homens e mulheres para a escravização, em que insurreições e sua realização propriamente dita, abriu
Questão 1
brechas para a negociação de liberdade ou de

“direitos” no mundo da escravidão. O tráfico atlântico foi um grande negócio. A sua

Entre o período das duas leis, houve o estrutura econômica foi marcada pela construção de

estabelecimento e a expansão da produção do café na uma rede ampla que pode ser caracterizada pela

região do Vale do Paraíba.


A

A implantação efetiva de uma economia agrária superioridade europeia e que domina todo o mundo.

de plantation, a partir da década de 1830, favoreceu o B

crescimento, a acumulação e a concentração da


poderio militar que permite que os portugueses
população escravizada nas mãos dos proprietários
dominem o mundo.
rurais, principalmente na região do Vale do Paraíba,

causando mudanças nos espaços de negociação nas C

relações senhor e escravizado.


prática de escravismo na África que facilitou a

Os anos entre 1865-1880 representaram anos de aceitação da escravidão.

grandeza da cafeicultura de Vassouras, com alteração D

no padrão das relações de força entre senhores e

escravizados, havendo um crescente protagonismo organização religiosa que gerava o interesse na

desses últimos por seus direitos e ampliação dos conversão e justificou a escravidão.

espaços de negociação. E

A expansão do café no Vale do Paraíba se confunde estrutura de feitorias e a inserção nas disputas locais

com a história da expansão da própria classe que permitiram um lento e contínuo processo de uso

senhorial no Império, dependente da escravidão. A da mão de obra escrava.

elite imperial compartilhava e expressava um estilo


Questão 2
de vida e uma visão de mundo a partir do ponto de

vista delimitado pela Corte e pela escravidão. O trabalho como um produto e que tem suporte

Tornavam-se dependentes da escravidão, desse governamental para a sua legalização ou proibição é

comércio, tanto econômica quanto socialmente. algo recorrente nas sociedades modernas e

contemporâneas. Durante a modernidade, essa


Vamos praticar alguns conceitos?
exploração teve um capítulo terrível com o

escravismo como modelo econômico e que tem seu


auge no século XIX. Ao mesmo tempo que é seu As formas de escravização que tratamos até aqui não

auge, devemos salientar também que é foram feitas sem a resistência dos homens e mulheres

A escravizados. Durante todo o Período Colonial e

Imperial, houve resistência por parte dos africanos e

o período em que o comércio começa a falir com a seus descendentes, que não aceitaram suas condições

valorização do trabalho assalariado imigrante. de mercadoria. Desse modo, é importante pontuar

B também as diferentes formas de resistência dessa

população.
o período em que a religião muda o discurso e se

torna inimiga da escravidão. Uma delas foi por meio da fuga e formação de

quilombos, criados a partir de grupos de homens e


C
mulheres fugidos que estavam organizados

o período em que os grupos contra o escravismo econômica e socialmente em comunidade, tendo um

defendem o retorno de todos os africanos ao tipo de autonomia e agenciando estratégias de

continente de origem. resistência diante de outros sujeitos perigosos.

D close

o período em que os governos independentes das Os quilombos foram uma forte expressão de

Américas mais lutaram pelo seu direito de escravizar. resistência à escravidão e são caracterizados pela sua

condição radical diante do escravismo. Além de


E
escravizados fugidos, os quilombos agregavam

o período em que as contestações cresceram e as também indígenas perseguidos, multados e outros

legislações, por pressão de ingleses, por exemplo, grupos sociais oprimidos e em risco.

passam a restringir as práticas escravistas.


O quilombo de Palmares foi o primórdio desse tipo
3 A resistência à escravização no Brasil
de ação, sendo classificado como “quilombo-

rompimento” por ter como princípio a prática do

esconderijo e do segredo de guerra, sendo necessário

preservar o cotidiano e a organização interna contra

curiosos e, consequentemente, autoridades coloniais.

Esse tipo de prática assustou autoridades e causou

mudanças na legislação após o fim de Palmares, que


Quilombo
durou aproximadamente 80 anos, a fim de evitar a
Formação dos quilombos
repetição da grandiosidade desse quilombo.
Leblon

Outro exemplo é o quilombo do Leblon, no Rio de

Janeiro, que teve como idealizador um

comerciante português. Os fugitivos acolhidos no

Lebon eram protegidos por outros abolicionistas,

cientes da existência desse tipo de refúgio em

plena cidade.

Após o fim de Palmares, a legislação e a repressão


Os quilombos do Jabaquara e do Leblon se
não permitiram que outro Palmares existisse. No
comunicaram e ambos eram exemplos de uma nova
entanto, a prática do aquilombamento não
forma de resistir à escravidão, ampliando, assim,
desapareceu, sendo identificados quilombos em
aqueles que aderiram a liberdade dos escravizados.
algumas cidades.

Nas últimas décadas da escravidão surgiram os De fato, os quilombos desafiaram as autoridades

“quilombos abolicionistas”. escravistas, que tentaram encontrar meios para

diminuir a atração da escravaria para esse tipo de

Diferentemente do segredo existente no modelo prática. As alforrias eram uma forma de diminuir a

tradicional, suas lideranças eram conhecidas, com tensão e serviam de mecanismo de segurança para

boas articulações políticas, sendo essencial a garantir a permanente entrada de africanos, numa

articulação mais profunda com a sociedade e sendo espécie de constante mobilidade da escravaria. Por

parte de um jogo político daqueles últimos anos da outro lado, as fugas e as revoltas eram

escravidão. Dois quilombos abolicionistas são desmobilizadas por meio da negociação entre senhor

conhecidos e fortemente pesquisados pela e escravizado e a concessão de alguns direitos, como

historiografia. a realização de festas, permissão para constituir

famílias, pedaços de terra e outras medidas que


Jabaquara
poderiam aliviar a pressão sobre esses homens e

mulheres. Quando essas medidas não funcionavam,


Jabaquara foi o maior deles. Ficava na região de
estouravam as revoltas.
Santos, São Paulo, e suas terras foram cedidas por
Movimentação e resistência
um abolicionista da elite e os quilombolas lá

ergueram suas casas com ajuda do dinheiro Levantes e revoltas

recolhido entre comerciantes da região e de outros


Durante todo o período da escravidão, as revoltas
doadores.
escravas foram constantes. Algumas com maior
impacto e repercussão e outras que foram inibidas resultou na morte de nove membros da família do

pelas autoridades ou por senhores. senhor. A região tinha uma forte concentração de

escravizados africanos, tendo como atividade


O século XIX, principalmente após a independência
econômica a pecuária e o cultivo do tabaco. A revolta
do Brasil, teve nas revoltas o grande temor de que
espalhou-se por outras propriedades do senhor e na
uma grande rebelião pudesse agregar todos os
repressão cinco escravizados foram mortos. A
indivíduos escravizados e causar uma convulsão
penalidade caiu sobre outros 12 que foram
social, nos moldes do que ocorreu no Haiti.
condenados à morte.

1835

Em Salvador, Bahia, escravizados muçulmanos

tinham como objetivo atacar a região produtora de

cana e programaram a revolta para o dia 25 de

janeiro, dia de Nossa Senhora da Guia e de


Muitos senhores temiam um “transplante” da África
festividades na cidade. A repressão matou 70
para o Brasil na continuidade do tráfico.
escravizados e mais de 500 foram condenados a

diferentes penas, morte, tortura, deportação. A


O ideal seria a promoção de reformas a fim de evitar
Revolta dos Malês, como ficou conhecida, foi a maior
o mal maior: uma grande revolta. Apesar do temor
rebelião escrava do Império.
das autoridades e dos senhores, a grande revolta nos
1838
moldes da ocorrida no Haiti não foi testemunhada no

Brasil. No entanto, podemos afirmar que as rebeliões Na região de Paty dos Alferes, no Rio de Janeiro,
aqui existentes foram grandes “ensaios” para algo houve a fuga de escravizados de duas fazendas, que
maior e causaram preocupação sobre o destino da tinham como objetivo formar quilombos. A fuga não
escravidão no Império. Entre as mobilizações teve sucesso e esses homens foram recuperados,
estudadas pela historiografia, destacam-se as sendo condenados à morte e Manoel Congo
ocorridas na década de 1830, após a primeira lei do enforcado em praça pública para servir de exemplo.
fim do tráfico. A fuga ocorreu numa região com grande

1833 concentração de escravizados para as fazendas de

café e está dentro de um contexto de redução da


Em maio, ocorreu na região de Carrancas, da comarca
entrada de africanos via tráfico transatlântico.
de Rio das Mortes, em Minas Gerais, uma revolta

promovida pela escravaria de um deputado que


Estratégias e lutas contra o escravismo
Apesar dessas revoltas terem sido realizadas em
Lutas pessoais e resistência ao controle
regiões e contextos diferentes, chamou a atenção dos

pesquisadores uma interessante característica: a


Outras formas de resistência à escravidão existiram,
presença de um grande número de africanos. Essa
além das revoltas e formação dos quilombos. Alguns
condição das revoltas preocupou as autoridades que
realizavam roubos, suicídios e abortos, dentre outras
temiam, conforme já foi dito, um predomínio de
ações. Todas essas formas de resistência serviam para
africanos no Brasil, podendo alimentar revoltas e
ou abrir margens de negociação para alcançar algum
mais instabilidade para a instituição escravista. Essa
tipo de liberdade ou interromper de imediato a
característica também deu argumentos para aqueles
escravização. No entanto, havia também algumas
que eram contra a continuidade do contrabando de
revoltas que serviam para a negociação, ou seja, não
africanos. No entanto, no final da década de 1830, o
significariam o rompimento definitivo com o sistema
volume do tráfico aumentou, só cessando em 1850
e talvez servissem para evitar a venda de algum
com a segunda lei.
escravizado, separação da família ou negociar folgas.
Comentário

O movimento de greve que conhecemos hoje feito


Entre quilombos e revoltas, os escravizados tinham por trabalhadores livres era chamado de “paredes”
uma autonomia de ação, não podendo ser vistos nem quando realizado por escravizados e servia para
como heróis nem como apenas vítimas. Esses papéis alertar o senhor, iniciar uma negociação ou buscar um
não podem ser tão facilmente definidos num contexto direito, apesar da escravidão.
de escravização em que tanto a rebeldia quanto a

negociação tinham o seu valor. Esse direito talvez fosse permanecer num lugar

específico e evitar sair do campo para a cidade ou


Para alguns autores que pesquisaram contextos vice-versa, por exemplo.
específicos, os escravos no Brasil foram mais

negociadores do que rebeldes, uma vez que negociar Outro motivo para as fugas poderia ser também uma

era uma chave para sobreviver no sistema. Por conta reação aos castigos físicos ou a quebra de costumes

disso, é errado ver o período da resistência à anteriormente aceitos, entre eles, a redução dos dias

escravização e a continuidade do comércio de gente santos, ou o impedimento de festas e atividades

seguindo uma lógica de ação. Na verdade, todas as religiosas.

ações escravas possuíram lógicas próprias


Importante ressaltar a diferença entre a escravidão no
dependentes do contexto em que homens e mulheres
campo e na cidade: em ambos os lugares, a violência
viviam, dependentes da margem de negociação que
era fundamental nesse comércio de gente. O campo e
encontravam.
a cidade possuíram ideias próprias para a repressão às
fugas e revoltas. Porém, é importante ressaltar o Exemplifique uma forma de luta vinculada ao

quanto que o escravizado, homem e mulher, são trabalho na história do Brasil.

distintos e não constituem um bloco que possa ser A


facilmente coordenado para a realização de uma

grande fuga ou revoltas. O quilombo, por tornar-se uma zona política

independente politicamente.

Esses sujeitos operavam a partir de lógicas próprias B

que eram determinantes para a sobrevivência no A batalha do Haiti, que toma o poder em um país

para os ex-escravizados.
sistema escravista ou para a realização de alguma
C
ação mais violenta de fuga ou de conquista de

Revoltas, como Malês e Sabinada, que tentavam


liberdade.
tomar o poder político e pôr fim à escravidão.

Nas cidades escravistas, esse sujeito também estava D

submetido a outras vigílias, não apenas do seu


Suicídios coletivos dos “escravos de ganho”, quando
senhor, mas das autoridades locais que seguiam
tinham oportunidade de trabalhar na rua.
códigos de conduta e que prezavam pela harmonia da

cidade, para isso reprimindo ajuntamentos e outras E

ações coletivas de homens e mulheres escravizados.


Revoltas com a queima das fazendas, destruindo a
A chamada “boa sociedade” também servia de vigília
produção, gerando prejuízo financeiro ao senhor.
contra esses sujeitos em fuga ou em desordem. Logo,

a vida escrava nas cidades seguia uma lógica de Questão 2

violência diferente da existente no campo, não sendo


A discussão sobre o que representava o quilombo
amena por ser na cidade.
dentro da sociedade brasileira é histórica e relevante.
Vamos praticar alguns conceitos?
Em sua retirada social, não deve ser entendida como
Questão 1
isolamento. De fato, o quilombo representava

O trabalho é parte do processo social. Seja A

compulsório ou por escolha do trabalhador, ele


uma forma de organizar um exército para lutar contra
estabelece uma relação entre quem usa o trabalho e
a escravidão.
quem o executa. A relação homem com o trabalho ao
B
longo do tempo traz formas de resistência.
uma associação religiosa que visava proteger os A vinda de imigrantes europeus para o trabalho no

escravizados. Brasil também fazia parte de um projeto civilizatório

C que tinha outros propósitos.

Vejamos!
uma cidade fortificada que tinha plena autonomia.

D
Incorporar à sociedade brasileira uma ética do

trabalho.
uma favela onde um estilo de vida próprio era

organizado, apartado da sociedade. Estabelecer o projeto de branqueamento da

E população.

um centro de resistência, que mantinha trocas Eliminar vestígios indexados da presença indígena e

econômicas e recebia núcleos de populações diversas. negra.

4 O comércio de imigrantes e de mulheres


No entanto, esses imigrantes eram de origens variadas

e não necessariamente dispostos para algumas

atividades laborais em condições precárias, como as

que existiam no Brasil no período.

1830

Antes mesmo do fim do tráfico de africanos, em

1831, houve a promulgação da Lei de Locação de

Serviços, no ano anterior, que regulou por escrito o

Imigração e trabalho contrato sobre prestação de serviços por brasileiros e

Mão de obra imigrante estrangeiros. No entanto, essa lei não foi suficiente.

1837
No Brasil escravista, não eram explorados apenas os

escravizados. Havia também uma gama de Em 1837, novas providências foram anunciadas para

trabalhadores de diferentes origens que exerciam a contratação de colonos. Entre as condições

atividades variadas. Esses trabalhadores, homens e estabelecidas na nova lei, estavam a possibilidade de

mulheres, comercializavam sua mão de obra e, em demissões por justa causa, a intermediação de

alguns casos, o próprio corpo, em troca de dinheiro, sociedades de colonização para a contratação

moradia, alimentação e outros valores. inclusive de crianças e órfãos e os direitos e deveres

de locatários e locadores.
Essa lei poderia ser a garantia para a falta de braços Em 1879, outra lei reajustava as normas para a

para o trabalho por conta do fim do tráfico em 1831. locação dos serviços aplicados à agricultura e

No entanto, o que se viu nos anos seguintes foi não estabelecia prazos diferentes para os contratos

apenas a intensificação do tráfico ilegal de africanos, exercidos por brasileiros ou estrangeiros e revogava

mas da própria força da escravidão. as anteriores – 1830 e 1837. Entre 1880 e 1889, há

um aumento do número de imigrantes e que se


Uma das formas de garantir que os imigrantes
acentua nas décadas seguintes, principalmente nos
trabalhassem no Brasil era dificultar a aquisição de
primeiros anos republicanos.
terras por parte deles. Essa foi uma proposta do
Maneiras diversas de exploração
Conselho do Estado do Império, em 1842, e que foi
Escravos de aluguel
efetivada em 1850 por meio da Lei de Terras.

Enquanto alguns imigrantes ocupavam os postos de


 Assim, muitos que vieram para o Brasil foram
trabalho, a escravização de homens e mulheres
destinados ao trabalho na construção de
continuava.
estradas, pontes e demais obras públicas.

 A política imigrantista do Império parece ter Seja por simples venda de escravo.

sido vitoriosa quando temos acesso aos


Seja por meio do aluguel.
números.

 Entre 1861 e 1870, havia cerca de 95 mil Nesse último caso, o acordo seria entre o contratante

estrangeiros no Brasil. e o senhor do escravizado a ser alugado, diferente do

“escravo de ganho”, já visto anteriormente.


 O censo de 1872, o primeiro a fazer uma

contagem geral da população, identificou que


Uma das formas de exploração das mulheres
os imigrantes livres correspondiam a 3,8% da
escravizadas foi por meio da prática conhecida como
população, que nesse censo foi totalizada como
“ama de leite”, ocupação feminina naturalizada em
sendo de 10 milhões.
todas as sociedades escravistas das Américas e

presente no Brasil, sendo vista nos diversos anúncios

de “aluga-se” e de oferecimento dessas mulheres por

parte dos seus senhores em jornais das grandes

cidades do Império. Algumas escravizadas eram

alugadas ou pertenciam à família e dentre a função


Imigrantes europeus.
exercida estava a de amamentar a criança do senhor.

Tal “ofício” aparecia na ocasião que essas mulheres


ficavam grávidas, podendo ser oferecidas por seus O serviço doméstico também era o destino das

senhores para um aluguel como “amas de leite” ou mulheres escravizadas ou negras libertas e livres,

exercer a atividade para os filhos do senhor. As representando um forte aspecto da escravidão urbana

“amas secas” também eram exercidas por essas e que serviu de crônicas para viajantes que visitavam

mulheres, às vezes de forma complementar, e seria o Brasil, principalmente a Corte, e que identificavam

destinado aos cuidados das crianças. no serviço doméstico uma atividade quase

essencialmente escrava. Essa atividade doméstica era


No entanto, um aspecto cruel dessa prática é que,
iniciada cedo pelas mulheres, às vezes, ainda
para ser ama de leite, era preciso ser mãe
crianças. No entanto, muitas atuavam, tanto no
primeiramente. Desse modo, onde estavam as
trabalho doméstico quanto no comércio ambulante,
crianças geradas por essas mulheres que se tornaram
nas ruas, vendendo todo o tipo de coisa.
amas de leite? O destino desses filhos é pouco

investigado pela historiografia, talvez devido à falta As quitandeiras foram a atividade comercial mais

de fontes sobre o paradeiro deles, que sequer expressiva nas grandes cidades escravistas do século

aparecem nas fotografias de mulheres negras XIX, atividade ocupada por mulheres negras em sua

amamentando crianças brancas. Imagens essas maioria. Diante de uma precária distribuição de

realizadas por fotógrafos profissionais nos últimos alimentos, as quitandeiras tornaram-se responsáveis

anos da escravidão. Certamente, os filhos dessas pela venda de diversos gêneros alimentícios, fazendo

amas de leite, se vivos, estavam entregues à anúncios dos seus produtos, causando uma grande

escravização, disputando com as crianças brancas o gritaria pela cidade, ao mesmo tempo que

leite da sua mãe. negociavam os preços com os compradores. Ou seja,

elas ocupavam as ruas e tinham nos seus corpos uma

extensão dos seus trabalhos, ao carregarem nos

braços ou na cabeça os tabuleiros com seus quitutes e

outros alimentos.
Trabalho escravo e trabalho sexual
Oriental), foi uma consequência da forte imigração
Prostituição
europeia para as Américas, na maioria de homens,

fazendo com que houvesse um desequilíbrio de sexos


Outra forma de venda do corpo foi por meio da
e assim uma demanda por mulheres. Importante
prostituição. Prática antiga em todos os lugares do
ressaltar que grande parte das mulheres estrangeiras
mundo, no Brasil escravista não foi diferente. Essa
que se prostituíam no Brasil eram enganadas e
foi uma prática existente entre as mulheres
acreditavam que na América exerceriam outra
escravizadas, imigrantes, libertas, livres, ou seja, um
atividade. A entrada na prostituição se dava por meio
perfil social diversificado. A respeito da prostituição,
da violência sexual e física que enfrentavam desses
temos dois perfis.
homens responsáveis por seu translado. Em alguns
Mulheres escravizadas e imigrantes
casos, as mulheres recém-chegadas eram “ensinadas”

por prostitutas mais velhas e experientes. Essas


Esta foi uma prática existente entre as mulheres
informações constam em denúncias feitas às
escravizadas, imigrantes, libertas, livres, ou seja, um
autoridades da Corte que, mesmo condenando tal
perfil social diversificado. A respeito da prostituição,
prática, eram benevolentes com os estrangeiros
temos dois perfis. O primeiro perfil é o das mulheres
acusados por tais ações.
brancas, imigrantes, que vieram para o Brasil por

conta do forte fluxo imigratório do século XIX e que, Mulheres escravizadas e negras

por diversas razões, entraram no mundo da


O segundo perfil é o das mulheres escravizadas e
prostituição. A Corte foi o ambiente que agregou
negras, podendo as primeiras estarem no mundo da
muitas dessas mulheres que vieram de várias partes
prostituição por uma imposição do senhor. Tal prática
da Europa, que na maioria das vezes eram exploradas
foi condenada pelas autoridades jurídicas, que, a
por terceiros que controlavam suas ações ou as
partir da década de 1870, empreenderam ações para
abrigavam em prostíbulos e outros tipos de
pôr fim à prática da prostituição das escravizadas
residência, em alguns casos eram os responsáveis
pelos seus senhores. O motivo da campanha era uma
pela vinda delas ao Brasil.
demanda de uma parte da sociedade, que, por meio de

um discurso moralizador e de higiene, considera a

prática da prostituição das escravizadas um momento

de degradação.

O sistema conhecido como “tráfico de brancas”, que

consistia na vinda de mulheres para a prostituição no

Brasil (principalmente de moças judias da Europa


que as práticas do trabalho escravo foram rompidas e

abandonadas por eles.

que as relações de imigrantes eram de que sua

No entanto, algumas pesquisas mostram que a prática superioridade lhes dava posição destacada nas

da prostituição das escravizadas nem sempre era uma condições de trabalho.

imposição dos seus senhores, podendo ser também


E
uma possibilidade por parte dessas mulheres a fim de

se afastar da proteção senhorial ou ter chances de que foram impactados pela tradição escravista no

acumular dinheiro para a liberdade. No entanto, vale mercado de trabalho do Brasil Império.

destacar como são distintas as histórias da Questão 2


prostituição no Império, principalmente na Corte, não

deixando, porém, de ser a mulher, branca ou negra, A discussão sobre o escravismo brasileiro não ser

imigrante ou escravizada, a maior vítima desse identificado como trabalho, mas como troca de

comércio. mercadorias é importante. Quando traçamos a

discussão, notamos que mesmo os escravizados


Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
alforriados – que compravam sua liberdade – tinham

dificuldades com a forma de exploração. Os


Comércio de gente é um termo muito duro, mas
chamados “escravos de aluguel” são um exemplo
necessário, quando falamos das formas de exploração
importante de uso do indivíduo como mercadoria e de
do trabalho. Quando falamos sobre os imigrantes,
manutenção de seu valor em nossa sociedade. São
podemos detectar no Brasil Imperial
funções que se enquadram neste contexto:
A

I – Prostituição
que vieram como escravos, mas somente para pagar a
II – Amas de leite
passagem.
III – Domésticas e arrumadeiras
B

Estão corretas:
que organizaram espaços autônomos no Brasil para

fugir do escravismo. A

C
Somente I e II.

B
Somente I e III. escravidão no Brasil. Por outro lado, temendo a

C redução da mão de obra escravizada, a vinda de

imigrantes foi incentivada pelas autoridades do

Somente II e III. Império que, além de visar à exploração do seu

D trabalho, acreditavam que poderiam moralizar a

população, tão afetada pela escravidão.


I, II e III.

Além de homens imigrantes para a lavoura e outras


E
atividades, muitas mulheres vieram para o Brasil e

Somente a I. foram obrigadas ou tiveram a opção de se prostituir.

Considerações finais A prostituição afetou, além das mulheres brancas e

imigrantes, as negras e escravizadas, muitas sendo

O comércio de gente no Brasil e nas Américas foi obrigadas por seus senhores a exercerem tal prática.

iniciado com a chegada dos colonizadores europeus. Desse modo, é fácil concluir o quanto que os anos da

Os indígenas foram os primeiros grupos a sofrerem Colônia e do Império foram marcados por uma

essas ações que desconsideram suas identidades atividade comercial específica: o comércio de gente e

étnicas e suas práticas culturais, principalmente as a exploração dos corpos de homens e mulheres de

voltadas para o trabalho. Algo semelhante ocorreu diferentes origens.

com a chegada dos portugueses ao continente

africano, interferindo significativamente na forma de

escravização existente, introduzindo um novo tipo de

comércio de homens e mulheres, retirando-os do seu

continente e os levando para regiões longínquas.

Ao chegarem no Brasil, homens e mulheres africanos

foram comercializados como se fossem simples

mercadorias, com valores diferentes a partir das suas

características. Essa prática da escravização não

existiu sem as resistências dos escravizados. Logo, ao

mesmo tempo que os senhores escravizavam, tinham

também que conviver com o perigo de uma grande

revolta por parte desses homens. Algumas revoltas

ocorreram em diferentes regiões, mas nenhum grande

movimento que pudesse abalar as estruturas da

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