Capítulo V: Formas de resistência: uma reavaliação
das relações entre “dominantes” e “dominados”. In: Quando os índios eram vassalos. Colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: CNCDP, 2000, p. 247-295. Andreia Martel Torres deiatorres.torres10@gmail.com
Este resumo apresenta as principais discussões postas no capítulo Formas de
resistência: uma reavaliação das relações entre dominantes e dominados da obra de Ângela Domingues. O capitulo está subdividido em três partes a apresentação da temática no qual a autora faz um contraponto a ideia de resistência sedimentada na historiografia sobre a temática indígena. Ao contrário de outras regiões que fartamente utilizaram mão de obra de negros escravizados, a exemplo da Guiana francesa, a organização social colonial na Amazônia dependeu da mão de obra indígena. Sendo a principal mão força de trabalho na Amazônia o projeto colonial viu-se diante de um paradoxo. Por um lado, os indígenas eram alvos de constantes abusos, por outro foram feitas uma série de concessões nas quais se desenvolveu um status civil que possibilitou um campo a acesso de condições jurídicas que foram movimentados para negociações que resultou em táticas de negociações e resistências até então ignoradas pela +historiografia em detrimento dos combates e revoltas sociais. Os primeiros esforços da autora são para demonstrar que as táticas de resistências movidas pelos índios do Estado do Grão-Pará à presença colonizadora luso-brasileira caracterizou-se por uma multiplicidade de manifestações para além da revolta, como a preservação de ritos ancestrais praticados à revelia das instituições e da sociedade luso-brasileiras ou na utilização de meios abortivos como uma forma de controlo ou impedimento da natalidade. Ela propõe assim uma tipologia das formas de resistência, já que dada as características multifacetadas da Amazônia. Na segunda repartição do capitulo, denominada, As sementes da discórdias, Ângela faz uma detalhada descrição das condições que levaram aos diversos tipos de resistências, entre eles a brutalidade, espancamentos, abusos sexuais, jornada abusiva e excessiva de trabalho, entre outros. Não obstante a forma de violência nas aldeias e vilas, a mão de obra e conhecimentos indígenas eram imprescindíveis as frentes de expansão das fronteiras coloniais. Durante as demarcações de limites, as fugas e revoltas foram uma constante e refletiam, frequentemente, o que de mais subterrâneo existia no pensamento indígena. Desta forma, o que para os luso-brasileiros era representativo do território controlado para os ameríndios apresentava-se como uma alternativa à autoridade colonial. O território constituía-se em um paradoxo. Esse paradoxo evidenciava-se na cautela com que os lusos mantinham suas relações com os ameríndios. Isso pode ser confirmado por meio da distribuição de armas de fogo, a exemplo dos fuzis que eram distribuídos a poucos chefes aliados. Já que as armas tradicionais, bem como as adaptações de pregos, pontas e fundições feitas pelos ameríndios causavam igual espanto aos lusos. Tão temidas como as armas indígenas eram também as tradições de guerra e as suspeitas de práticas antropofágicas dos adversários ameríndios. E, em relação a este aspecto, uma das etnias mais temidas era a Mura, sendo também muito temida as práticas dos Mundurucu. Destaca a autora que nos combates entre índios e luso-brasileiros era difícil saber quem seria vencedor: por um lado, as técnicas indígenas eram eficazes e a reputação dos índios como inimigos valorosos ou traiçoeiros, praticantes de estranhos e desumanos ritos de guerra estava constituída; por outro, os luso-brasileiros contavam com um sistema rápido de comunicações e transportes, com tropas especializadas e eficazes nos combates em rios e as armas de fogo tinham, ainda, algum efeito sobre a população indígena. Havia, desta forma, um jogo equilibrado de forças e as perdas sucedia-se de parte a parte. Na terceira parte denominada geografia da resistência a autora enfoca o elemento étnico foi fator importante para o nível de resistência e localização geográfica foram determinantes para o modus de resistência. A exemplo dos Aruans do Marajós, totalmente extintos, os Mundurucú foram colaboradores dos lusos. Os modificaram seus modos de vida, diminuindo sua densidade demográfica, tornando-se nômades. Haviam os que povos que enfrentaram os lusos em confrontos diretos como os Mura e os que resistiram passivamente, procurando refúgio na floresta. Houve, portanto, uma multiplicidade de respostas aos contatos entre luso-brasileiros e ameríndios. Contudo, os tipos de resistência que os ameríndios moveram à presença luso-brasileira estão também relacionados com o nível de implantação da colonização. Ou seja, parece existir uma relação direta entre as opções que os índios escolheram para se rebelarem contra os luso-brasileiros e a cronologia da colonização ou a valorização estratégica de uma área. Assim a autora aponta duas formas distintas de resistências, sendo: 1. Formas de resistência em áreas de colonização implantada; nesta colonização luso-brasileira no Norte do Brasil durante a segunda metade do século estava já suficientemente implantada em algumas áreas para que os índios tivessem conhecimento que lhes assistiam os mesmos direitos que os luso-brasileiros. Esses direitos eram-lhes facultados e defendidos pela legislação e pelas instituições do Estado e do Reino. Os casamentos entre índias e soldados e moradores luso-brasileiros prendiam pessoas e etnias às povoações, criavam alianças e laços de dependência, mas também permitiam que os ameríndios fossem elucidados sobre os mecanismos institucionais e de solidariedade que atuavam em sua defesa. 2. Deserções e revoltas como forma de resistência em áreas de implantação colonial diminuta; aqui a autora descreve que as reações podiam extremar-se: os ameríndios, sediados pelos luso-brasileiros havia pouco tempo em povoações-satélite das fortificações, eram menos tolerantes às alterações culturais e civilizacionais que os «dominantes» queriam implantar. Por sua vez, os luso-brasileiros, em número reduzido e vivendo num espaço físico e humano estranho, quando não hostil, exageravam as suas atitudes, como manifestações de poder e, talvez, de medo. A quarta subseção do capítulo aborda especificamente os casos Mura e Mundurucú por serem considerados os adversários mais bárbaros enfrentados pelos lusos. A mera notícia da sua presença levava a que etnias não-aldeadas procurassem a proteção dos núcleos colonizadores A iminência dos seus ataques levava a que os aldeãos preferissem passar fome ao invés de se aventurarem na recolha de alimentos das suas roças. Os mura dirigiam seus ataques, fundamentalmente, sobre as povoações dos rios Madeira, Negro e Solimões e nas canoas que se dirigiam para Mato Grosso durante os anos 70 e 80. Já os Mundurucú, contra os habitantes dos rios Tapajós e Amazonas e contra a etnia Mura em finais de 80 e na década seguinte. Os dois grupos étnicos tinham uma origem geográfica comum: o sistema fluvial composto pelos rios Madeira-Tapajós. Supõe-se que os Mura provinham dos rios Maici e Manicoré, enquanto os Mundurucú habitavam o rio Tapajós e a região intermediária. Os Mura dificilmente podem ser considerados como um grupo étnico. Antes, aparecem nas fontes documentais da segunda metade de Setecentos como uma nação que, devido à vasta área geográfica que habitava, era composta por muitas repúblicas que não tinham contatos diretos entre si. Os Mura tinham a ideia de que o seu grupo era numeroso e que os luso-brasileiros se encontravam em número reduzido. Diante disso roubavam os alimentos para o abastecimento dos soldados e os índios remeiros destinados ao abastecimento das demarcações de limites. Consequentemente, os Mura surgiam como uma forma de resistência ao poder colonial luso-brasileiro na bacia hidrográfica amazônica e ofereciam aos ameríndios e aos negros uma alternativa à vida nos aldeamentos coloniais. A oportunidade que as autoridades coloniais tiveram para controlar esta instabilidade surgiu quando alguns grupos Mura manifestaram o desejo de se aldearem. Na subseção Alianças em tempo de guerra e de paz a autora aponta como as consequências do estabelecimento das alianças entre lusos-brasileiros e de índios e luso- brasileiros contra outros índios e as transformações que estas acarretaram no panorama dos conflitos inter étnicos, na medida em que suscitou o estabelecimento de novas alianças. As alianças não eram, apenas, uma consequência dos tempos de guerra. Em tempos de paz e por motivos que podiam estar relacionados com doenças, fomes, apetência por manufaturas luso-brasileiras ou com quaisquer outras razões, algumas etnias procuravam o apoio e a proteção dos luso-brasileiros. Ângela encerra o capitulo afirmando que a intenção era de ilustrar as diversas formas de resistências experenciadas pelos povos nativos no período colonial. Pretendemos neste capítulo apenas ilustrar algumas das formas. A autora ressalta que a permanência de costumes e ritos ancestrais revela a inabilidade das autoridades administrativas e religiosas para lidar com os problemas criados pela aculturação das etnias ameríndias na bacia hidrográfica amazônica. Revelam, o desajustamento do programa civilizacional ilustrado que se pretendeu implantar na Amazônia. A grande distinção que fazemos em relação a formas de resistência e formas de permanência reside no facto de, enquanto as primeiras se expressaram como uma ação ou protesto contra o poder colonial (requerimento, luta armada) e suscitaram da parte deste uma reação (retaliadora ou não), as segundas manifestaram-se de forma mais profunda, relacionada com ritmos quotidianos, e podem ser desconhecidas, assentidas ou toleradas pelas autoridades.