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Fichamento

Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil


P. Little

Territórios Sociais e Povos tradicionais no Brasil: Por uma Antropologia da territorialidade.

A diversidade Fundiária no Brasil como Problema Antropológico


O autor começa destacando a diversidade sociocultural do Brasil, que está
concomitante de uma extraordinária diversidade fundiária. Ele menciona a existência
de sociedades indígenas e comunidades quilombolas, que têm suas próprias formas de
se organizar em relação ao território nacional.

Ao incluir diversos grupos não-camponeses na problemática fundiária no Brasil, o


autor argumenta que a questão vai além da redistribuição de terras e se torna uma
problemática centrada nos processos de ocupação e declaração territorial. Ele propõe
uma nova reforma agrária, que seria consolidada a partir da demarcação e
homologação de remanescentes de comunidades quilombolas e do estabelecimento
de reservas extrativistas.

A intenção do autor é trabalhar com esse conjunto eclético de grupos humanos a


partir de uma perspectiva fundiária controlada pela teoria antropológica da
territorialidade. Dessa forma, ele busca delimitar um campo de análise antropológica
centrado na questão territorial desses grupos, em contraste com as abordagens
clássicas que se baseiam em temas como campesinato, etnicidade e raça. O interesse é
mostrar as semelhanças com um novo olhar analítico. É apontado que, dentro da
disciplina da Antropologia, os grupos sociais constituídos a partir dessa territorialidade
eram vistos como marginais. Essa marginalidade é explicada, em parte, pela visão de
que a territorialidade é um instinto animal ou uma conduta humana, às abelhas e aos
lobos, o que carece de sentido etnográfico. No entanto, o autor menciona que existe
uma linha de pesquisa antropológica que busca explicar a territorialidade humana em
termos de densidade populacional e limitação de recursos naturais.
Além disso, o texto destaca a multiplicidade de expressões da territorialidade. A partir
da cosmografia, o autor analisa os territórios sociais do Estado brasileiro, suas
principais características, confrontos contemporâneos, preservacionismo,
socioambientalismo e também o Estado tecnocrático.

Por fim, o autor define a territorialidade como sendo o esforço coletivo de um grupo
social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu
ambiente biofísico, envolvendo-a em seu "território" ou "terra natal".

As Ondas Históricas de Territorialização no Brasil Colonial e Imperial

As transformações territoriais no Brasil decorreram das diversas frentes de expansão,


envolvendo choques territoriais, resistência, acomodação e instalação da hegemonia do
Estado-nação como forma predominante de organização territorial.
O Estado-nação Frente à Razão Histórica

A ideologia territorial desempenha um papel central no estabelecimento e expansão dos


Estados-nação e o conceito de propriedade social dos povos tradicionais do Brasil desafia a
divisão entre o público e o privado, garantido para as lutas territoriais atuais no país.

Regimes de Propriedade Comum

A temática dos chamados “regimes de propriedade” comum tornou-se uma importante linha
de pesquisa dentro da antropologia; podendo ser analisadas os distintos povos tradicionais do
Brasil, começando pelos povos indígenas. Para eles a noção de propriedade privada da terra
não existe, segundo Ramos, a terra não é e não pode ser objeto de propriedade individual. Um
dos tipos mais comuns de determinar acesso a certas terras é através das formas de
parentesco; na literatura etnográfica é mostrado diferentes maneiras pelas quais unidades de
parentesco funcionam também como unidades territoriais.

Lugar e Memória
Os territórios dos povos tradicionais se fundamentam em décadas, em alguns casos, séculos de
ocupação efetiva. A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou
títulos, mas se mantem viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões
simbólicas e indenitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e
consistência temporal ao território. A maneira que cada grupo constrói sua memória coletiva
dependeria em parte da história de migrações que o grupo realizou no passado.

Terras Indígenas e Remanescentes de Comunidades de Quilombos no Século XX

O processo de expansão de fronteiras que marcou a história territorial do Brasil Colonial e


Imperial, continua ainda hoje na região amazônica de maneira “permanente”. Essas novas
frentes de expansão do século XX é fundamental para entender essas novas reivindicações
territoriais dos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades negras rurais, e das
diversas populações extravistas. A partir da década de 1930 no Brasil, os movimentos
migratórios modificaram as relações fundiárias existentes no país que se espalharam por todo
território nacional atingindo diversos povos tradicionais. Nesse período da história um grande
número de povos indígenas entrou no processo de contato e pacificação; e as comunidades
negras rurais também começaram a se destacar. Devido a essas pressões, os povos tradicionais
se sentiram obrigados a elaborar novas estratégias territoriais para defender suas áreas.

As unidades de Conservação e as “Populações Residentes”

O movimento ambientalista é composto por várias vertentes em relação aos territórios sociais
do Brasil: o preservacionismo e o socioambientalismo, cada uma produzindo impactos
diferenciados e interagindo de formas únicas com os distintos povos tradicionais.

As Reservas Extrativistas e a Co-gestão de Território

A partir da realização do I Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, em Brasília, suas


reivindicações territoriais resultaram na formulação de políticas territoriais e no apoio de
diversos setores da sociedade civil internacional, culminando em duas conquistas importantes.
Essas duas modalidades territoriais forneceram um reconhecimento formal por parte do
Estado da territorialidade dos extrativistas, constituindo uma demonstração da transformação
de uma realidade consuetudinária, mediante uma luta política, em realidade legal. Ribeirinhos
e pescadores, confrontam obstáculos para o reconhecimento formal de suas áreas de
ocupação e uso. Os povos indígenas também ocupam um lugar privilegiado nos discursos dos
socioambientalistas.

A Razão Instrumental frente aos Direitos dos Povos no início do Século XXI

Mesmo reconhecendo a importância do movimento ambientalista e as mudanças que ele


provocou no quadro fundiário do Brasil, a razão instrumental do Estado, com sua noção de
soberania exclusiva, e ainda muito expressiva nestes primeiros momentos do século XXI e
existem claros sinais de que continuará sendo uma forca significativa nos próximos anos.

Repensando o Conceito dos Povos Tradicionais

O autor ressalta a importância de fundamentos empíricos ao analisar conceitos nas Ciências


Sociais. A relação entre o Estado brasileiro e a divisão de terras privadas e públicas como um
exemplo relevante. Além disso, aborda as sociogenias dos povos tradicionais e seus usos
políticos e sociais, relacionando-os com a defesa dos territórios frente à usurpação do Estado-
nação e outros grupos sociais. O conceito de povos tradicionais possui tanto uma dimensão
empírica quanto política, sendo inseparáveis. As lutas pela justiça social estão centradas no
reconhecimento do depósito dos regimes de propriedade comum e das leis consuetudinárias
que os embasam. O termo "tradicional" aqui se refere a realidades fundiárias modernas do
século XXI, considerando as constantes mudanças históricas e os diferentes tipos de territórios
sociais produzidos. O senso de pertencimento, autonomia cultural e práticas adaptativas de
consumo são características atuais de diversos grupos sociais analisados. Em suma, o conceito
de povos tradicionais busca encontrar semelhanças na diversidade fundiária do país e se
encaixa nas lutas territoriais presentes em todo o Brasil, sendo um conceito útil no campo das
Ciências Sociais.

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