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SOCIAL
Introdução
Os indígenas são considerados os povos originários do Brasil, mas esse
fato somente foi reconhecido jurídica e culturalmente com a Constituição
Federal de 1988. Anteriormente a esse período, eles tinham seus direitos
inexistentes ou tutelados por órgãos governamentais. Todas as conquistas
ocorridas colocam a questão indígena em um paradoxo: direitos foram
reconhecidos desde o processo de redemocratização do país, porém,
para além da lei, o reconhecimento por parte da sociedade continua
sendo dificultoso. A população ainda tenta compreender o modo de vida
indígena a partir de um ideal com resquícios colonizadores, integrando-
-o a um modelo que não é próprio a esses povos, pois não entende a
cosmovisão indígena do mundo.
Neste capítulo, você estudará os efeitos da Guerra da Conquista
(processo de colonização do Brasil pelos portugueses), a batalha cultu-
ral em que vivem os indígenas até a atualidade; os caminhos que eles
percorreram até terem seus direitos reconhecidos; o que fundamenta a
cosmopolítica, de que forma o território e a floresta se atrelam à cultura
ameríndia; e como a demarcação de terras possibilita o modo de exis-
tência desses povos.
2 Direitos étnico-culturais dos povos indígenas
reserva, deveriam ter uma justificativa e ser autorizados pela Funai. Em 1980,
o Brasil vivia um período de redemocratização, e os indígenas se colocaram
como força atuante e uma voz a ser ouvida. Assim, as lideranças indígenas
conseguiram incluir na Constituição um capítulo intitulado “Dos índios”, com
dois artigos. O primeiro artigo reconhece seu modo de vida e responsabiliza
a União por demarcar e defender seus territórios e bens. Já o segundo reco-
nhece a autonomia dos povos indígenas e suas organizações em seus direitos
e interesses, o direito de defesa diante do Ministério Público. Isso foi um
grande marco para essas lideranças, pois garantia aos povos falarem por si,
de seus direitos de defesa e agência por meio de organizações, o que rompe
com a visão integralista e de tutela deles, ao menos em relação à Constituição
de 1988 e à Carta Magna.
Desde 1988, a inserção desse capítulo na Constituição se tornou um impor-
tante dispositivo constitucional para a luta indigenista por romper, acima de
tudo, com a lógica de dominação desses povos. A partir desse momento, eles
começaram a ser vistos legalmente como diferentes, mas essa diferença não
é compreendida como incapacidade. Já a concepção de tutela foi substituída
pela ideia de proteção, assim, órgãos como a Funai têm o papel de proteger
esses povos. Em 2008, o Brasil adotou a declaração da ONU que reconhece o
direito dos indígenas à autodeterminação em relação à condição política e ao
desenvolvimento econômico; o direito à autonomia quanto à sua organização
interna; o direito à conservação de suas instituições políticas, jurídicas, cultu-
rais e sociais; o direito, caso queiram, de participar da vida social, em ampla
esfera, da sociedade nacional e do Estado; e repudia a remoção desses povos de
seus territórios sem acordo prévio, passivo de indenização (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 2008).
Apesar dessas importantes mudanças jurídicas, a realidade dos povos
indígenas continua muito difícil. No sentido cultural, a visão colonialista
por parte da sociedade brasileira ainda não compreende o modo de vida
indígena e o rechaça. Assim, muitos indígenas enfrentam dificuldades quanto
a pertencer a um mundo, uma vez que vivem, muitas vezes, isolados e não
conseguem se adequar ao estilo de vida do Estado. Já os que decidem viver
de modo afirmativo culturalmente e posicionados em relação às reservas
e demarcações são constantemente atacados, geralmente por garimpeiros,
fazendeiros e outros grupos que não respeitam os territórios e tentam explorar
essas áreas.
Na Figura 1, você pode ver uma das marchas em prol dos direitos indígenas.
6 Direitos étnico-culturais dos povos indígenas
Assista, no link a seguir, à defesa feita por Ailton Krenak (importante líder indígena)
da emenda popular da UNI.
https://qrgo.page.link/wUbPd
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