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AULA 1

A LUTA DOS AFRO-BRASILEIROS


E DOS POVOS INDÍGENAS NO
BRASIL

Prof. Yuri Berrí Afonso


CONVERSA INICIAL
Nesta aula vamos discutir um pouco a respeito dos direitos indígenas na
constituição brasileira e outros temas que foram implementados ao longo dos
anos. Em primeiro lugar, vamos fazer um breve histórico das políticas que foram
adotadas com relação aos indígenas desde o tempo da colonização. Depois
vamos destacar alguns dos avanços e inovações que foram conquistados com a
constituição nacional de 1988. A seguir, falaremos de um dos primeiros
instrumentos internacionais relacionados aos direitos dos indígenas na convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho. O quarto tema fala das terras
indígenas, das novas demarcações de territórios e das dificuldades que se
apresentam em relação a isso. E para finalizar destacamos os avanços e os
desafios que estão por vir na intenção de firmar os direitos indígenas perante a
sociedade brasileira. Bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO
Para compreendermos a luta dos povos indígenas por seus direitos perante
o Estado é preciso recorrer a todos os tipos de políticas a que esses povos foram
submetidos. Essa luta passou por diversas etapas. No período colonial, os índios
foram submetidos às políticas das grandes conquistas, os povos conquistados
foram tratados como súditos da Coroa Portuguesa. No momento seguinte, os
povos indígenas foram tratados pela república como obstáculo a ser removido,
por isso foram colocados diante de políticas que pretendiam desenvolver a
identidade nacional nas características culturais dos índios. Nesse período,
Estado e Igreja agiam juntos no confinamento e aldeamento. Além de catequizar
e extinguir suas culturas, o Estado continuou tratando os indígenas com uma visão
etnocêntrica. Apesar de todas essas dificuldades, nas últimas décadas houve
avanços com relação a conquista de direitos por parte dos indígenas, que se
devem principalmente à constituição nacional de 1988, e à convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho, que foi a primeira instituição internacional
a tratar o tema dos direitos indígenas em território brasileiro.

TEMA 1 – BREVE HISTÓRICO


No Brasil ainda não existe uma estimativa precisa de quantos indígenas
habitam o território nacional. Isso se deve ao fato de o senso ser realizado por

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diversas fontes, com diferentes critérios de avaliação. Para efeitos de estudo,
vamos considerar os números utilizados pela Fundação Nacional do Índio (Funai),
que apontam para um total de 215 povos indígenas e uma população de 345 mil
índios, o que equivale a 0,2% do total da população brasileira. Esses números, no
entanto, são referentes às populações indígenas que vivem em aldeias, e
desconsideram os grupos que vivem nas cidades e os que ainda não foram
sondados. Se o número total de indígenas não representa uma grande parcela da
população, por outro lado a diversidade de etnias que compõe esse universo é
vasta. São cerca de 180 línguas, costumes e tradições culturais que estão
fortemente relacionados com o ambiente e a biodiversidade de onde habitam.
São 518 territórios indígenas reconhecidos, que equivalem a 12,54% do
território nacional. É importante lembrar que grande parte desse território está
localizado na Amazônia, onde vive cerca de 60% da população indígena do Brasil.
Hoje os direitos indígenas estão fundamentados na constituição brasileira,
mas são frutos de um amadurecimento que ocorreu durante um longo período
histórico que nem sempre foi justo, e, todavia, não são suficientes para
compreender a ampla variedade das demandas de cada etnia. No entanto, para
se chegar a situação atual em relação aos direitos indígenas foram necessárias
diversas etapas desde o tempo da colonização.
Sabe-se que no ano de 1500 os portugueses chegaram ao Brasil. Em um
primeiro contato com o povo de Vera Cruz, os portugueses fizeram uma
aproximação cautelosa, estabelecendo contatos de forma metódica,
desenvolvendo formas de comercialização e compreensão das necessidades e
desejos dos povos que aqui habitavam. Porém, a proposta dos portugueses era a
conquista, por isso suas táticas de aproximação estavam sempre relacionadas à
dominação dos nativos e durante quase dois séculos os povos indígenas não
tiveram qualquer tipo de reconhecimento de seus direitos culturais ou territoriais.
Em Portugal, no ano de1680, o Alvará Régio foi o primeiro a reconhecer
que se deveria respeitar a posse dos índios sobre suas terras. Porém, esse Alvará
foi pouco respeitado. Isso fica claro com a Carta Régia de 1808, que demonstra
um apoio explícito da Coroa Portuguesa à dominação de terras indígenas. Ela
declarava as terras conquistadas nas chamadas “Guerras Justas” como
devolutas. A condição de terras devolutas considerava as terras de domínio
público, e dessa forma elas poderiam ser concedidas a quem a Coroa Portuguesa
quisesse. A questão das terras devolutas se tornou cultura em nosso país, e essa
forma de interpretar as terras públicas são temas de discussões até hoje.
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Para entender como as regras eram mudadas de acordo com a interesse
do Império basta ver a chamada Lei das Terras, de 1850, que foi a primeira lei que
tratou de regulamentar a propriedade privada em território brasileiro. Essa lei
assegurava o direito territorial dos índios e os reconhecia como os primeiros e
naturais senhores da terra (Araújo, 2006, p. 25). Porém, logo depois, o Império
tratou de repassar diversas instruções para que fossem consideradas terras
devolutas aquelas que eram abandonadas pelos indígenas. Isso permitiu aos
presidentes das províncias que usassem de seus próprios critérios para definir
quando as terras haviam sido, ou não, abandonadas pelos indígenas, o que
garantiu liberdade para dominar novos territórios.
Seguindo o mesmo critério de avaliação do abandono de terra pelos
indígenas, mais tarde surgiram as “certidões negativas” que eram expedidas pelo
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, até hoje, pela própria Funai. Essas
certidões negativas consistem em atestar que uma dada terra não é mais
indígena. Isso leva os povos indígenas, até hoje, à necessidade de comprovar sua
existência e a ocupação de determinadas terras que são destinadas a terceiros.

TEMA 2 – A CONSTITUIÇÃO NACIONAL DE 1988


Foi em 1988 que surgiu o que é considerado um marco divisor na questão
indigenista. Por meio da Constituição de 1988 foram adotadas as mais modernas
concepções de igualdade, que indicavam novos parâmetros para a relação do
estado e da sociedade brasileira com esses povos. Desde então houve um avanço
considerável na proteção e reconhecimento de seus direitos.
Não foi apenas a consagração dos direitos indígenas que foram discutidos
nessa Constituição, mas também foi afastada a perspectiva assimilacionista, o
que garantiu aos índios o direito à diferença. Além disso, a Constituição atribuiu
ao Ministério Público o dever de garantir os direitos indígenas de intervir em
processos judiciais que estejam relacionados com tais direitos e interesses, por
fim, fixando a competência da Justiça Federal para julgar as disputas sobre o
direito indígena.
Além de estabelecer uma nova forma de pensar a relação dos povos
indígenas e reconhecer suas coletividades culturalmente distintas, a Constituição
de 1988 também passou a considerá-los os habitantes originais desta terra e, por
isso, detentores de direitos especiais. Ao considerar o direito à diferença, o
diploma constitucional quebrou o paradigma da assimilação e integração que era

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dominante até então. Dessa forma, cabe ao estado garantir as condições para
que os indígenas permaneçam como tal (Araújo, 2006, p. 45).
Ao reconhecer aos povos indígenas o direito à diferença, o estado abriu um
precedente histórico para a formação de uma sociedade multicultural e pluriétnica,
onde povos possam continuar a existir como povos que são, independentemente
do grau de interação e inserção na sociedade que os envolvem.
Segundo Ana Valéria et al. (2006) entre os direitos que são garantidos aos
povos indígenas na Constituição Federal encontram-se:
 Direito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições.
 Direitos originários e imprescritíveis sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, consideradas inalienáveis e indisponíveis.
 Obrigação da União de demarcar as Terras Indígenas, proteger e
fazer respeitar todos os bens nelas existentes.
 Direito à posse permanente sobre essas terras.
 Proibição de remoção dos povos indígenas de suas terras, salvo em
caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população
ou no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso
Nacional, garantido o direito de retorno tão logo cesse o risco.
 Usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes.
 Uso de suas línguas maternas e dos processos próprios de
aprendizagem; e proteção e valorização das manifestações culturais
indígenas, que passam a integrar o patrimônio cultural brasileiro.
(Araújo, 2006, p. 45-46).
Segundo Araújo (2006), outros temas vieram à tona com a Constituição de
1989, um deles foi a reformulação do estatuto do índio de 1973, que assentava
seus conceitos sobre a necessidade de integração e assimilação dos índios à
identidade nacional, e a noção de tutela, que o estado exercia sobre os povos
indígenas.
É importante frisar que essas regulamentações tramitam no Congresso
Nacional desde 1990, com vários projetos de lei que se propõem a revisar o
Estatuto do Índio, assim como diversas questões relacionadas aos direitos
indígenas.

TEMA 3 – A CONVENÇÃO 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO


TRABALHO
Após a formação de um cenário com a Constituição de 1988, ocorreram
alguns avanços legislativos. É bem verdade que não houve a aprovação de uma
lei que substituísse o Estatuto do Índio. No entanto, em 2002, após anos de
tramitação no Congresso Nacional, foi ratificada a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa convenção é o primeiro

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instrumento internacional a tratar de forma positiva o direito dos povos indígenas,
tendo em vista que os outros instrumentos internacionais eram criados pela Coroa
Portuguesa, e tinham o objetivo de dominação.
A Convenção 169 também afastou de vez a cultura assimilacionista e de
aculturação e estabeleceu padrões mínimos a serem seguidos pelos Estados no
que diz respeito aos povos indígenas.
Segundo Ana Valéria et al. (2006) a OIT estabelece:
 A necessidade de adoção do conceito de povos indígenas no âmbito
do direito interno.
 O princípio da autoidentificação como critério de determinação da
condição de indígena.
 O direito de consulta sobre medidas legislativas e administrativas que
possam afetar os direitos dos povos indígenas.
 O direito de participação dos povos indígenas, pelo menos na mesma
medida assegurada aos demais cidadãos, nas instituições eletivas e
nos órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas
que os afetem.
 O direito dos povos indígenas de decidirem suas próprias prioridades
de desenvolvimento, bem como o direito de participarem da
formulação, da implementação e da avaliação dos planos e dos
programas de desenvolvimento nacional e regional que os afetem
diretamente.
 O direito dos povos indígenas de serem beneficiados pela distribuição
de terras adicionais, quando as terras de que disponham sejam
insuficientes para garantir-lhes o indispensável a uma existência
digna ou para fazer frente a seu possível crescimento numérico.
 O direito a terem facilitadas a comunicação e a cooperação entre os
povos indígenas através das fronteiras, inclusive por meio de acordos
internacionais. (Araújo, 2006, p. 59-60).
Havia uma pequena oposição à Convenção 169, que estava preocupada
com as consequências que o conceito de povos indígenas adotado pela
Convenção pudesse exercer nos planos nacionais e internacionais. Essa pequena
oposição foi aos poucos diluída à medida que o Itamaraty se manifestava a favor
da adoção do conceito de povos
Alguns fatores contribuíram para a ratificação da Convenção 169. Um deles
foi a retirada da pequena oposição, que estava preocupada com as
consequências que a convenção poderia ter no âmbito nacional e internacional.
Outro sinal de que o governo pendia à ratificação da Convenção foi o fato de o
Itamaraty se posicionar de forma favorável à adoção do conceito de povos,
durante as preparatórias para a Conferência sobre o Racismo, que aconteceu na
África do Sul em 2001. Outra questão importante é que o governo Fernando
Henrique Cardoso deixou um saldo negativo no que diz respeito à aprovação de
leis sobre os direitos indígenas.
O Brasil foi um dos últimos países da América a ratificar a Convenção 169.
No entanto, não significa que as contenções impostas pelo Itamaraty tenham

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cessado. Pelo contrário, o Brasil ainda não aplica a Convenção da OIT em sua
totalidade. Isso fica claro quando os povos indígenas não são consultados quando
são examinadas alterações de direitos no que lhes dizem respeito. No caso da
consulta, é notório a falta de diálogo quando, por exemplo, o governo quer
construir uma obra de infraestrutura que passa por terras indígenas, como uma
estrada, ou mesmo uma usina hidrelétrica. Outro exemplo de que os dispositivos
da convenção não são totalmente aplicados é a questão da autoidentificação
como critério para determinar quem será reconhecido como índio, ou povo
indígena no Brasil, pois ainda cabe à Funai avaliar e julgar se aquele indivíduo,
ou povo preenche os pré-requisitos para ser chamado de indígena.
Além disso, o Itamaraty tem se posicionado contrário a diversas medidas
que são discutidas na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização
dos Estados Americanos (OEA) em relação aos direitos indígenas que são
exigidos por povos brasileiros, e povos de fora do Brasil.

TEMA 4 – AS TERRAS INDÍGENAS


Como foi dito anteriormente, os direitos dos indígenas passaram por
diversas etapas para a sua aceitação e implementação. Durante quase 200 anos
não houve sequer uma lei que protegesse os povos indígenas, e as leis e regras
que foram criadas a seguir foram implementadas de forma tímida. Neste capítulo
abordaremos os territórios indígenas na fase inicial da República; os territórios
indígenas e o governo militar; e as atuais demarcações
De acordo com os interesses da Coroa Portuguesa eram criadas novas
regras para continuar a dominação e conquista de novas terras. Uma dessas
novas regras estava na Carta Régia, que deixava de forma explícita o apoio de
Portugal às chamadas “terras devolutas” conquistadas nas “Guerras Justas”,
terras que eram consideradas de patrimônio público e poderiam ser destinadas a
quem a Coroa quisesse.
Em um outro momento os portugueses começaram o processo de
Aldeamento. No Aldeamento as comunidades indígenas eram confinadas em
territórios ínfimos, onde eram catequisados no intuito de se conformar aos moldes
de vida e de trabalho dos colonizadores. Esse tipo de estratégia ocorreu durante
o Regimento das Missões (1686).
Após o Regimento das Missões surgiu o chamado Diretório dos Índios, que
vigorou de 1757 a 1798, e marcava o processo de secularização dos aldeamentos

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com o início de sua administração por laicos (Araújo, 2006, p. 25). De qualquer
maneira a ideia era a mesma, os índios eram confinados a pequenos espaços
onde não podiam reproduzir suas características socioculturais.
O fato de confinar os índios em territórios diminutos também contribuía para
a política de terras devolutas, pois assim eram consideradas as terras que eram
abandonadas por indígenas. Como os indígenas estavam confinados em um
pequeno território, abriam-se outros, que podiam ser reintegrados aos presidentes
das províncias. Os critérios adotados para definir se uma terra havia sido ou não
abandonada eram feitos pelos próprios presidentes das províncias.
Com a chegada da República o estado centralizou todo o controle sobre o
território das províncias, mas com o artigo 64 da Constituição de 1891 todas as
terras consideradas devolutas tornavam-se propriedade do estado. Como muitas
terras eram consideradas devolutas, passava-se a agravar a situação territorial
dos povos indígenas.
É importante destacar que a Constituição de 1891 não falava nada dos
povos indígenas e seus direitos territoriais. Essa é a explicação do porquê o SPI,
de 1910, não tinha poder para demarcar as terras indígenas. O Governo Federal
só podia demarcar terras indígenas com o entendimento do governo estadual e
municipal. Essa situação continuou inalterada até os anos 1960. Há de se lembrar
que o interesse dos governos em demarcar terras indígenas estava justamente
na missão de torná-las diminutas. Dessa forma, os povos indígenas não podiam
reproduzir sua cultura e acabavam se tornando mão de obra barata para as
fazendas que surgiam ao seu redor.
Em um segundo momento, os mesmos fazendeiros passaram a considerar
os índios como invasores, e muitas vezes foram ao judiciário para obter ordens
de despejo sob alegação de “esbulho à propriedade privada”. Com isso,
comunidades inteiras foram despejadas por ordem de juízes locais.
Em 1964 iniciou-se o governo militar, que durou até 1985, com o final do
mandato do ex-Presidente João Batista Figueiredo. Apesar de serem
distorcidamente aplicadas, nessa época houve uma série de medidas importantes
na questão indígena, tanto no plano legal, quanto no plano político.
É importante destacar que o período militar se encerrou em 1980, porém
muitas das medidas tomadas naquela época se fazem sentir até hoje, tendo sido
particularmente importantes nos primeiros anos da democracia no Brasil, num
período em que os militares ainda tinham forte influência sobre a demarcação de
terras, principalmente na Amazônia.
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No período militar, a primeira medida importante constituiu em incluir no
texto constitucional um dispositivo que dizia que as terras indígenas eram parte
do patrimônio da União. Isso afastava, pelo menos no plano formal, o “esbulho”
que era praticado pelos estados, e centralizava a questão indígena na esfera
federal. O segundo ponto importante foi garantir ao indígena o usufruto dos
recursos naturais das terras das terras que habitava, dando-lhes a chance de
disporem de instrumentos jurídicos para lutar contra a depredação de seu meio
ambiente que era levado à cabo por fazendeiros, empresas mineradoras, órgão
governamentais, etc.
Por fim, talvez a mais importante inovação da Constituição de 1969, foi a
declaração da nulidade dos atos que incidissem sobre a posse das terras
indígenas, excluindo o direito à indenização. Isso afastava a alegação dos novos
proprietários sobre o direito adquirido e impedia que os novos proprietários
anulassem novas demarcações indígenas, ou que fossem indenizados pelo
estado pela perda dessas terras. Obviamente, essas medidas foram alvos de
diversas polêmicas, pois diziam ser contra a propriedade privada.
Após o período militar foi proclamada a Constituição Federal de 1989, que
tratou de garantir especialmente o direito sobre o território indígena, como está
definido no primeiro parágrafo de seu art. 231, que diz que as terras indígenas:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas


em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários
a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições.
A constituição mostra que as terras indígenas não precisam ser
formalmente reconhecidas, no entanto, de acordo com o que foi dito
anteriormente, faz-se obrigatória a ação do estado de registrar o reconhecimento
dessas terras e a demarcação física de seus limites, com o objetivo de garantir
sua proteção.
No entanto, existem diversos problemas para o reconhecimento de terra
indígenas. A forma de produção indígena e de reprodução cultural dependem de
uma área maior do que a que eles simplesmente “habitam”. Dessa forma gera-se
um preconceito de que existe “muita terra para pouco índio”, sem compreender a
verdadeira necessidade e as demandas desses povos.
Para entender o que a terra significa para o índio é preciso ir além do que
entendemos por propriedade privada. Para nós, a terra significa um território onde
pode ser desenvolvida agricultura em larga escala, o progresso industrial e a

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propriedade privada. Segundo o pajé Geraldo da aldeia de Biguaçu, Santa
Catarina: “A terra indígena vai além de riqueza material pois, vivendo nas terras
preservadas, nossos filhos e netos revivem a experiência de ser índio”.
Não bastassem as dificuldades de se reconhecer as terras indígenas, ainda
existem diversas ameaças, como madeireiros, mineradores e fazendeiros, que
constantemente invadem as terras demarcadas, e o Estado tem sido bastante
lento para garantir os direitos dos índios.
Atualmente, além da demarcação de novas terras que são de direito dos
indígenas, a tônica do problema é a invasão de terras já demarcadas. Essa
sempre foi uma prática comum adotada pelo Estado a fim de privilegiar grupos
específicos, que remetem ao desenvolvimento econômico ou loteamento de
residências em vastas áreas de belezas naturais.
O ato de demarcar e invadir terras era de monopólio do Estado, que
algumas vezes contava com o auxílio ou opinião da Igreja Católica. Porém, esse
cenário começou a mudar com a organização das comunidades indígenas. Essa
organização levou a uma voz mais ativa e maior participação nas decisões, além
de forçar o governo a agilizar diversas medidas. Além disso, o Ministério Público
desenvolveu estruturas específicas para discutir o tema.
Algumas constatações factíveis levaram a uma reflexão diferente sobre os
territórios indígenas. Por meio da análise de imagens de satélites percebeu-se
que as áreas que eram ocupadas por povos indígenas tinham ótima preservação
do meio ambiente, principalmente na região amazônica. Essa constatação levou
grupos que defendem a preservação do meio ambiente a engrossarem o coro dos
povos indígenas.
Apesar dos grandes avanços no que diz respeito à demarcação de terras
indígenas, o estado ainda dá com uma mão e tira com a outra. O indígena ainda
é visto como um obstáculo a ser removido. É notável que as medidas favoráveis
às invasões de terras indígenas pela propriedade privada são muito rápidas,
enquanto as medidas que beneficiam os territórios indígenas caminham com
passos de formiga.

TEMA 5 – AVANÇOS E DESAFIOS


No que diz respeito à causa indigenista, as políticas públicas sofrem de um
alto grau de contradição no que se refere à sua implementação. Se por um lado

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temos um texto constitucional extremamente avançado, com algumas leis
modernas, por outro temos um Estatuto do Índio fundado em conceitos superados.
Um exemplo disso é a Funai, que é oficialmente contrária a criação de novas
lideranças indígenas sem o seu aval. Isso faz com que essas novas lideranças
não tenham validade legal em suas manifestações. Ou seja, o índio que pode
reivindicar seus direitos, mas aqueles que a Funai permite e reconhece.
Apesar de toda a dificuldade de implementações de leis a favor da causa
indígena, é importante destacar que desde a Constituição de 1988 houve um
avanço significativo no que diz respeito ao reconhecimento de terras indígenas, e
que o direito das terras está na base do reconhecimento dos direitos dos povos
indígenas.
Contudo, não podemos deixar de constatar que com o aumento de
reinvindicações formais por terras indígenas cresceram também os conflitos
sociais envolvendo os atuais ocupantes dessas terras. O aumento desses
conflitos também está relacionado ao surgimento das identidades indígenas na
busca pelo reconhecimento de seus direitos legais, e as demandas que nisso
implicam.
O fato é que a consolidação dos direitos territoriais e o aumento de
reinvindicação por novas terras desenham dois eixos em que o Estado deverá
atuar nos próximos anos. Um deles está relacionado à natureza e seu uso. O
governo precisará proporcionar aos indígenas mecanismos para gestão territorial
e de suas riquezas naturais. Em segundo lagar, a demarcação de terras e a
reinvindicação de novos territórios tende a gerar mais conflitos em regiões como
a Nordeste e Sul, onde o grau de ocupação existente é ainda maior.
Não podemos esquecer das revisões de demarcações de terras feitas
anteriormente. Os indígenas solicitam a ampliação de um território que parecia
consolidado. Essa questão gera conflitos tão intensos que às vezes força o
governo a não usar a nulidade de propriedade, fazendo com que seja necessária
a indenização aos proprietários para que as terras passem a fazer parte de um
território demarcado. Em outros casos, os indígenas começam a expandir seus
territórios para áreas de preservação, e dessa forma passam a bater de frente
com os ambientalistas, que historicamente atuavam em favor da causa
indigenista. Os ambientalistas cobram do governo métodos para que os indígenas
usem seus recursos naturais de forma mais consciente e não recorram à revisão
de demarcações.

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De forma geral, podemos observar algumas frentes que o governo faz à
questão indigenista. O legislativo se omite de regular alguns direitos já adquiridos,
além disso segue uma tendência de limitá-los ou minimizá-los por meio de
emendas constitucionais e projetos de lei no Congresso Nacional. O Executivo
não avança na direção de uma concepção contemporânea de igualdade,
revisitando paradigmas revogados de integração e incitando polêmicas
desnecessárias. E o judiciário chega ao absurdo de aceitar que alguns direitos
constitucionalmente estabelecidos não sejam obrigatoriamente respeitados.
Ou seja, a Constituição de 1988 promoveu um avanço na questão de
territórios e direito indígenas, garantiu o direito à diferença cultural e revisou
questões fundamentais para a preservação socioambiental. Porém, as políticas
continuam a ver leis e regras de uma maneira distorcida, sem que elas sejam
aplicadas e implementadas como deveriam.
O indígena sofre pressão de várias esferas. Além do estado, que não
cumpre suas obrigações legais, à medida que direitos são conquistados novos
conflitos se acirram. De um lado, a propriedade privada combate a demarcação
de novos territórios, de outro lado, os ambientalistas, que hora apoiam a causa
indígena, e outra hora exigem que eles desenvolvam hábitos que não fazem parte
de sua cultura.
A verdade é que diversas medidas precisam ser tomadas para que seja
garantido ao índio seu direito conforme é apresentado na Constituição. A revisão
do estatuto do índio, a adoção de programas governamentais adequados às
diferentes realidades regionais também são pontos importantes nessa discussão.

FINALIZANDO
Esta aula contextualizou a luta dos povos indígenas em torno da
reinvindicação de seus direitos. Apresentamos alguns dos obstáculos e algumas
conquistas que envolvem os povos indígenas. Percebemos que, por mais que a
legislação avance na aquisição dos direitos sobre a diferença e a conquista de
territórios, as políticas adotadas são contraditórias em relação à implementação
de medidas que tratem o índio de forma digna, ou ao menos dando-lhe o direito
garantido na Constituição. Ou seja, apesar de existirem leis e regras que apontam
grandes passos na questão indigenista, ainda existem políticas que impedem que
tais medidas sejam aplicadas de forma plena. Também constatamos que o Brasil
foi um dos últimos países a aderirem a Convenção 169 da Organização

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Internacional do Trabalho e que nos encontros de líderes da América Latina o país
se posiciona de forma desfavorável à luta dos indígenas. Essas condutas
implicam, justamente, o não cumprimento do Estado com suas obrigações em
relação aos direitos adquiridos.

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REFERÊNCIAS
ARAÚJO, A. V. et al. Povos indígenas e a lei dos "brancos": o direito à
diferença. Brasília: MEC/SECAD/LACED/Museu Nacional, 2006.

MAGALHÃES, E. D. Legislação indigenista brasileira e normas correlatas. 3.


ed. Brasília: Funai/CGDOC, 2005.

SILVA Jr., H. Direito de igualdade racial: aspectos constitucionais, civis e penais:


doutrina e jurisprudência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

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