contratualistas criaram o conceito de “Estado da Natureza” em oposição ao de “Estado Civil”. Hobbes, Locke e Rousseau defendiam (cada um com suas características) que existiria antes do surgimento da sociedade civil um estado em que os seres humanos estavam apenas subjugados a natureza e não às diversas formações sociais. Este era o “Estado de Natureza”, que foi deixado de lado quando os indivíduos aceitaram um “Contrato Social”, onde trocavam o “Estado de Natureza” pela segurança do “Estado Civil”, e assim perdiam algo da sua natural liberdade.
Segundo esses filósofos era o caso dos povos indígenas
americanos que viveriam no “Estado de Natureza”. Porém esses povos foram continuamente importunados pelos europeus a partir dos chamados “descobrimentos”, que não passaram de uma invasão e conquista das terras dos povos tradicionais, com seu consequente genocídio.
No Brasil, estudos estimam que, na época da chegada dos
europeus, fossem mais de 1.000 povos, que somavam entre 2 a 4 milhões de indivíduos. Atualmente encontra-se no Brasil cerca de 256 povos que falam mais de 150 línguas diferentes. Segundo o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o Brasil possui 896.917 pessoas que se consideram indígena, ou seja, 0,47% da população. Nota-se que o “processo civilizatório” no Brasil, na verdade foi um “processo de despovoamento indígena”.
E a dizimação desses povos ainda continua, e ganhou
força, com o último governo, do presidente Jair Bolsonaro, que acirrou as invasões de terra por conta de garimpos ilegais, desmatamento e ineficiência e desmantelamento proposital dos órgãos que deveriam defender os índios, a FUNAI (Fundação Nacional dos Índios), acontecendo o mesmo com o Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos fiscalizadores e com o empoderamento na Polícia Federal de pessoas ligadas ao atual presidente.
A FUNAI, órgão que deveria proteger os povos indígenas,
foi criada sob a tutela do regime ditatorial militar que iniciou em 1964, e manteve os vícios e visões equivocadas do anterior órgão de proteção ao índio, o Sistema de Proteção ao Índio (SPI) criado nas primeiras décadas do século XX, onde os conflitos entre povos indígenas e fazendeiros, garimpeiros e pecuarista se acirraram.
Estes dois órgãos, em tempos e ocasiões diferentes,
tinham uma visão equivocada em relação aos povos indígenas por querer fazer uma atuação tutelar visando por um lado proteger as terras e as culturas indígenas e por outro transferir os nativos de territórios com intuito de destinar novas terras à colonização e ao agronegócio impondo alterações nos modos de vida ancestrais das populações indígenas.
A dinâmica metodológica dos dois órgãos SPI,
primeiramente e FUNAI, posteriormente, refletia a proposta de integração dos povos e o interesse sobre seus territórios, sendo que as divisões administrativas foram organizadas conforme as diversas fases de passagem do isolamento à “civilização”, dividindo-se em fase de atração, pacificação, sedentarização e nacionalização (integração), estruturas que mantinham semelhanças com os aldeamentos missionários formados desde o século XVI.
Foi neste contexto que surgiram figuras lendárias e
benevolentes que são cultuadas até o dia de hoje, como Marechal Rondon, Irmãos Villas-Boas, e só posteriormente começam a ser incorporados aos órgãos indigenistas antropólogos como Darcy Ribeiro.
Em 1973, foi elaborado, em plena ditadura militar, no afã
do ufanismo e da tecnoburocracia governamental, foi elaborado o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973), ainda vigente nos dias atuais. Essa lei pretendia agregar os índios em torno de pontos de atração, como batalhões de fronteira, aeroportos, colônias, postos indígenas e missões religiosas, assim como incorporá- los em grandes projetos como a Transamazônica, Itaipu, entre outros. Por outro lado, mantinha o foco de isolá-lo e afastá-lo das áreas de interesse estratégico. Para realizar esse projeto, os militares aprofundaram o monopólio tutelar: centralizaram os projetos de assistência, saúde, educação, alimentação e habitação; cooptaram lideranças e facções indígenas para obter consentimento; e limitaram o acesso de pesquisadores e organizações de apoio e setores da Igreja às áreas indígenas.
A FUNAI foi concebida em base semelhante às do SPI e
até 1991 manteve-se vinculada ao extinto Ministério do Interior, que sempre exerceu grande ingerência sobre suas ações. Os presidentes nomeados entre as décadas de 1970 e 1980 eram, em sua grande maioria, militares ou políticos de carreira pouco ou nada comprometidos, e até mesmo contrários aos interesses indígenas.
Porém com a Constituição de 1988, antecedida por
grandes mobilizações indígenas e de organizações de apoio, acabou por conferir um tratamento inédito aos povos indígenas. Pela primeira vez foi reconhecido seu direito à diferença e foi rompida a tradição assimilacionista através de um artigo da Carta Magna, a saber: “Artigo 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Foi garantido o usufruto exclusivo de seus territórios tradicionalmente ocupados, definidos a partir de seus usos, costumes e tradições. A União foi instituída definitivamente como instância privilegiada das relações entre índios e a sociedade nacional. Já através do artigo 232 da Constituição os indígenas e suas organizações foram reconhecidos como partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos, o que incentivou a expansão e a consolidação de suas associações. Para isso, foram definidos canais diretos de comunicação entre os índios, o Ministério Público e o Congresso Nacional. Com estas medidas, o conceito de “capacidade relativa dos silvícolas” – Código Civil de 1917 – e, a consequente necessidade de “poder de tutela” perderam validade e atualidade. Estas vitórias constitucionais precisariam, entretanto, ser regulamentadas e consolidadas politicamente. Embora grandes avanços tenham acontecido como, por exemplo, o Parque do Xingu, uma demarcação que procurou garantir uma grande extensão de terras a vários povos indígenas na região do Rio Xingu, conhecida como Alto Xingu e a demarcação de vários territórios indígenas como o dos Ianomâmis entre outros, pode-se dizer que as nações indígenas correm perigo, devido ao envenenamento e poluição dos rios, devido as aculturações principalmente através das igrejas evangélicas e também a introdução de vícios como o álcool, assim como a grilagem e o garimpo ilegal e a biopirataria. Dessa forma a organização e a participação dos povos indígenas devem ser protegidas e incentivadas, porque, embora sejam uma minoria da nossa população (0,47%), são a minoria que originariamente enraizaram o povo brasileiro a sua terra e que praticamente em todo corpo dos cidadãos brasileiros corre um pouco (ou muito) do sangue indígena e negro.